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Informativo 657-STJ (25/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 657-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL DEFENSORIA PÚBLICA Admite-se a intervenção da DPU no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos. DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Cabe recurso hierárquico próprio ao Presidente da República contra penalidade disciplinar aplicada por delegação com base no Decreto 3.035/99. DIREITO CIVIL PRESCRIÇÃO É de 5 anos o prazo para cobrar dívida de empresa com o plano de saúde materializada em boleto bancário. DIREITO DO CONSUMIDOR PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA Contrato de promessa de compra e venda do PMCMV deve estabelecer prazo certo para a entrega do imóvel, não podendo ficar condicionado à concessão do financiamento ou à realização de outro negócio jurídico. Em caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel o prejuízo do comprador é presumido a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal. Se a construtora estiver em atraso na entrega do imóvel, o adquirente não precisará continuar pagando os juros de obra. Se a construtora estiver em atraso na entrega do imóvel, o índice de correção monetária que incidirá sobre o saldo devedor não será o INCC e sim o IPCA, salvo se este estiver mais alto que o INCC. DIREITO EMPRESARIAL MARCA O registro de uma expressão como marca, ainda que de alto renome, não afasta a possibilidade de utilizá-la no nome de um empreendimento imobiliário. DIREITO PROCESSUAL CIVIL CUSTOS VULNERABILIS Admite-se a intervenção da DPU no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos. DIREITO PENAL ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR Adulterar placa de veículo reboque ou semirreboque não configura o crime do art. 311 do CP.

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

DEFENSORIA PÚBLICA ▪ Admite-se a intervenção da DPU no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes

em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos.

DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ▪ Cabe recurso hierárquico próprio ao Presidente da República contra penalidade disciplinar aplicada por delegação

com base no Decreto 3.035/99.

DIREITO CIVIL

PRESCRIÇÃO ▪ É de 5 anos o prazo para cobrar dívida de empresa com o plano de saúde materializada em boleto bancário.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA ▪ Contrato de promessa de compra e venda do PMCMV deve estabelecer prazo certo para a entrega do imóvel, não

podendo ficar condicionado à concessão do financiamento ou à realização de outro negócio jurídico. ▪ Em caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel o prejuízo do comprador é presumido a ensejar o

pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal. ▪ Se a construtora estiver em atraso na entrega do imóvel, o adquirente não precisará continuar pagando os juros de

obra. ▪ Se a construtora estiver em atraso na entrega do imóvel, o índice de correção monetária que incidirá sobre o saldo

devedor não será o INCC e sim o IPCA, salvo se este estiver mais alto que o INCC.

DIREITO EMPRESARIAL

MARCA ▪ O registro de uma expressão como marca, ainda que de alto renome, não afasta a possibilidade de utilizá-la no

nome de um empreendimento imobiliário.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUSTOS VULNERABILIS ▪ Admite-se a intervenção da DPU no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes

em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos.

DIREITO PENAL

ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR ▪ Adulterar placa de veículo reboque ou semirreboque não configura o crime do art. 311 do CP.

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CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ▪ O crime do art. 359-C do CP é próprio considerando que somente pode ser sujeito ativo do delito o agente público

que tenha poderes para contrair obrigação em nome do ente que representa. CRIMES HEDIONDOS ▪ Depois da Lei 13.497/2017, tanto o caput como o parágrafo único do art. 16 da Lei 10.826/2003 são hediondos. LAVAGEM DE DINHEIRO ▪ Na denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro, não é necessário que o Ministério Público faça uma descrição

exaustiva e pormenorizada da infração penal antecedente. LEI MARIA DA PENHA ▪ A reconciliação entre a vítima e o agressor, no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, não é

fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração penal.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROCEDIMENTO PREVISTO NA LEI 8.038/90 ▪ No rito especial da Lei nº 8.038/90, a rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP e a improcedência da

acusação é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP. HABEAS CORPUS ▪ A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento

da ação penal. EXECUÇÃO PENAL ▪ Condenado que estava cumprindo pena em prisão domiciliar foi autorizado a frequentar os cultos de sua igreja às

quintas e domingos, de 19h às 21h. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

COMPETÊNCIA ▪ Militar foi reformado por invalidez; anos depois, assumiu cargo público e ficou recebendo os proventos e a

remuneração do cargo; apesar disso, declarou à Marinha que não tinha outra fonte de renda; essa conduta, em tese, criminosa deve ser apurada pela Justiça Militar.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IPI ▪ Incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, haja vista que tal cobrança não viola o princípio da não

cumulatividade nem configura bitributação. PIS/COFINS ▪ A receita derivada da operação denominada back to back não goza de isenção da contribuição do PIS e da COFINS. IPTU ▪ Se um imóvel é incluído dentro da abrangência de uma Estação Ecológica (Unidade de Conservação de Proteção

Integral), deixa de ser devido o pagamento de IPTU.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

DEFENSORIA PÚBLICA Admite-se a intervenção da DPU no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há

formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos

Importante!!!

Atenção! Defensoria Pública

Custos vulnerabilis significa “guardiã dos vulneráveis” (“fiscal dos vulneráveis”).

Enquanto o Ministério Público atua como custos legis (fiscal ou guardião da ordem jurídica), a Defensoria Pública possui a função de custos vulnerabilis.

Assim, segundo a tese da Instituição, em todo e qualquer processo onde se discuta interesses dos vulneráveis seria possível a intervenção da Defensoria Pública, independentemente de haver ou não advogado particular constituído.

Quando a Defensoria Pública atua como custos vulnerabilis, a sua participação processual ocorre não como representante da parte em juízo, mas sim como protetor dos interesses dos necessitados em geral.

O STJ afirmou que deve ser admitida a intervenção da Defensoria Pública da União no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos.

STJ. 2ª Seção. EDcl no REsp 1.712.163-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/09/2019 (Info 657).

NOÇÕES GERAIS SOBRE CUSTOS VULNERABILIS

Em que consiste o custos vulnerabilis? Custos vulnerabilis significa “guardiã dos vulneráveis” (“fiscal dos vulneráveis”). Enquanto o Ministério Público atua como custos legis (fiscal ou guardião da ordem jurídica), a Defensoria Pública possui a função de custos vulnerabilis. Na definição de Maurílio Casas Maia, maior especialista sobre o tema no Brasil,

“‘custos vulnerabilis’ representa uma forma interventiva da Defensoria Pública em nome próprio e em prol de seu interesse institucional (constitucional e legal) – atuação essa subjetivamente vinculada aos interesses dos vulneráveis e objetivamente aos direitos humanos – representando a busca democrática do progresso jurídico-social das categorias mais vulneráveis no curso processual e no cenário jurídico-político” (Legitimidades institucionais no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) no Direito do Consumidor: Ministério Público e Defensoria Pública: similitudes & distinções, ordem & progresso. Revista dos Tribunais. vol. 986. ano 106. págs. 27-61. São Paulo: Ed. RT, dezembro 2017, p. 45).

Cassio Scarpinella Bueno esclarece que:

“A expressão 'custos vulnerabilis', cujo emprego vem sendo defendido pela própria Defensoria Pública, é pertinente para descrever o entendimento aqui robustecido. Seu emprego e difusão têm a especial vantagem de colocar lado a lado – como deve ser em se tratando de funções essenciais à administração da justiça – esta modalidade interventiva a cargo da Defensoria Pública e a tradicional do Ministério Público. O 'fiscal dos vulneráveis', para empregar a locução no vernáculo, ou, o que parece ser mais correto diante do que corretamente vem sendo compreendido sobre a legitimidade ativa da Defensoria Pública no âmbito do 'direito processual coletivo', o 'fiscal dos direitos vulneráveis', deve atuar,

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destarte, sempre que os direitos e/ou interesses dos processos (ainda que individuais) justifiquem a oitiva (e a correlata consideração) do posicionamento institucional da Defensoria Pública, inclusive, mas não apenas, nos processos formadores ou modificadores dos indexadores jurisprudenciais, tão enaltecidos pelo Código de Processo Civil. Trata-se de fator de legitimação decisória indispensável e que não pode ser negada a qualquer título.” (Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 1: teoria geral do direito processual civil: parte geral do código de processo civil. 9ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 219).

Assim, segundo a tese da Instituição, em todo e qualquer processo onde se discuta interesses dos vulneráveis seria possível a intervenção da Defensoria Pública, independentemente de haver ou não advogado particular constituído. Quando a Defensoria Pública atua como custos vulnerabilis, a sua participação processual ocorre não como representante da parte em juízo, mas sim como protetor dos interesses dos necessitados em geral. No âmbito das execuções penais, a Defensoria Pública argumenta que, desde 2010, existe previsão expressa na Lei nº 7.210/84 autorizando a intervenção da Instituição como custos vulnerabilis:

Art. 81-A. A Defensoria Pública velará pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva. (Incluído pela Lei nº 12.313/2010).

No âmbito cível, especificamente no caso das ações possessórias, o art. 554, § 1º do CPC é exemplo de intervenção custos vulnerabilis:

Art. 554. (...) § 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública.

Vale ressaltar que as duas previsões acima são exemplificativas, admitindo-se a intervenção defensoral como custos vulnerabilis em outras hipóteses. A Defensoria Pública defende, inclusive, que essa intervenção pode ocorrer mesmo em casos nos quais não há vulnerabilidade econômica, mas sim vulnerabilidade social, técnica, informacional, jurídica. É o caso, por exemplo, dos consumidores, das crianças e adolescentes, dos idosos, dos indígenas etc. Veja o que diz o ECA:

Art. 141. É garantido o acesso de toda criança ou adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.

Assim, nos casos de outras espécies de vulnerabilidades, não importa se estamos tratando de pessoas economicamente necessitadas. As outras formas de vulnerabilidades já justificariam a intervenção do órgão na causa. Como é a atuação do custos vulnerabilis? A intervenção defensorial como custos vulnerabilis tem o objetivo de trazer, para os autos, argumentos, documentos e outras informações que reflitam o ponto de vista das pessoas vulneráveis, permitindo que o juiz ou tribunal tenha mais subsídios para decidir a causa. É uma atuação da Defensoria Pública para que a voz dos vulneráveis seja amplificada.

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O custos vulnerabilis é o mesmo que amicus curiae? NÃO. Vejamos as principais diferenças:

Amicus curiae (“amigo do Tribunal”)

Custos vulnerabilis (“guardiã dos vulneráveis”)

Pode intervir como amicus curiae qualquer pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada.

Somente a Defensoria Pública pode intervir como custos vulnerabilis.

Em regra, admite-se a intervenção do amicus curiae em qualquer tipo de processo, desde que: a) a causa tenha relevância; e b) a pessoa tenha capacidade de oferecer contribuição ao processo.

Admite-se a intervenção do custos vulnerabilis em qualquer processo no qual estejam sendo discutidos interesses de vulneráveis.

Em regra, o amicus curiae não pode recorrer. Exceção 1: o amicus curiae pode opor embargos de declaração em qualquer processo que intervir (art. 138, § 1º do CPC/2015). Exceção 2: o amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 138, § 3º do CPC/2015).

O custos vulnerabilis pode interpor qualquer espécie de recurso.

Em sentido semelhante, apontando outros aspectos: ROCHA, Jorge Bheron. A Defensoria como custös vulnerabilis e a advocacia privada. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-mai-23/tribuna-defensoria-defensoria-custos-vulnerabilis-advocacia-privada Para aprofundar Se você desejar aprofundar os estudos sobre Custos Vulnerabilis, recomendo o livro de Maurílio Casas Maia, Edilson Santana Gonçalves Filho e Jorge Bheron Rocha: CUSTOS VULNERABILIS: A Defensoria Pública e o equilíbrio nas relações político-jurídicas dos vulneráveis. Editora CEI. CASO CONCRETO NO QUAL O STJ RECONHECEU O INSTITUTO

Plano de saúde e medicamento importado não registrado pela ANVISA A 2ª Seção do STJ afetou ao rito dos recursos especiais repetitivos a discussão do seguinte assunto (Tema 990): as operadoras de plano de saúde estão obrigadas a fornecer medicamento importado, não registrado pela ANVISA? Isso significa que existiam vários recursos especiais tratando sobre esse assunto e o STJ escolheu um deles para definir a tese jurídica aplicável ao tema e aplicar essa mesma tese para todos os processos idênticos que estavam aguardando posicionamento. Neste rito dos recursos repetitivos, devido à relevância da discussão envolvida, o STJ aceita a intervenção de órgãos e entidades que, mesmo sem serem partes, trazem aos autos suas contribuições jurídicas na qualidade de amicus curiae. Quando o Tema 990 foi afetado, os seguintes órgãos e entidades pediram para participar das discussões: a União, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FENASAÚDE), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) e a Defensoria Pública da União (DPU). O STJ aceitou a participação desses órgãos e entidades, afirmando, contudo, que eles estavam intervindo na qualidade de amicus curiae.

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Embargos de declaração A DPU opôs embargos de declaração afirmando que pediu a sua intervenção como custos vulnerabilis (e não como amicus curiae) requerendo, portanto, que isso fosse expressamente admitido. Justificou dizendo que, ao ser admitida como custos vulnerabilis, ela poderia interpor todo e qualquer recurso. Defendeu a sua legitimidade para intervir em demandas que possam surtir efeitos nas esferas das pessoas ou grupos de necessitados, mesmo em casos nos quais não há vulnerabilidade econômica, mas sim vulnerabilidade social, técnica, informacional, jurídica. O STJ concordou com os embargos de declaração da DPU? SIM.

Admite-se a intervenção da Defensoria Pública da União no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos. STJ. 2ª Seção. EDcl no REsp 1.712.163-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/09/2019 (Info 657).

A Defensoria Pública, nos termos do art. 134 da CF/88, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. Assim, a Defensoria Pública, com fundamento no art. 134 da CF/88, e no seu intento de assegurar a promoção dos direitos humanos e a defesa de forma integral, deve, sempre que o interesse jurídico justificar a oitiva do seu posicionamento institucional, atuar nos feitos que discutem direitos e/ou interesses, tanto individuais quanto coletivos, para que sua opinião institucional seja considerada, construindo assim uma decisão jurídica mais democrática. Mais uma vez recorrendo à Cassio Scarpinella Bueno:

(...) com base na missão institucional que lhe é reservada desde o modelo constitucional, é irrecusável a compreensão de que a Defensoria Pública deve atuar, em processos jurisdicionais individuais e coletivos, também na qualidade de custos vulnerabilis, promovendo a tutela jurisdicional adequada dos interesses que lhe são confiados, desde o modelo constitucional, similarmente ao que se dá com o Ministério Público quanto ao exercício de sua função de custos legis, ou, como pertinentemente prefere o Código de Processo Civil, fiscal da ordem jurídica. (...) Importa, por isso, dar destaque o papel que, desde o art. 134 da Constituição Federal, é atribuído à Defensoria Pública e que não se esgota na sua atuação individualizada em prol dos necessitados, nem tampouco como autora, o que se dá, no contexto que aqui importa destacar, no âmbito do chamado 'processo coletivo'. É fundamental entender que ela também pode desempenhar outro papel em prol de suas finalidades institucionais, até como forma de perseguir, inclusive perante o Estado-juiz, a 'promoção dos direitos humanos e a defesa [...] de forma integral'. Sua atuação como interveniente para que, nesta qualidade, sua opinião institucional possa ser levada em conta na construção de uma decisão mais democrática, é irrecusável. O veículo para que se concretize mais esse mister é, à falta de regras próprias, o previsto pelo art. 138 do Código de Processo Civil para o amicus curiae, tomando-se de empréstimo, diante das prerrogativas existentes no plano legislativo para a Defensoria Pública, o quanto estabelecido para o Ministério Público nos arts. 178 e 179 do mesmo Código, que disciplinam a atuação daquela instituição na qualidade de fiscal da ordem jurídica (Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 1: teoria geral do direito processual civil: parte geral do código de processo civil. 9ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 218).

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O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar os requisitos legais para a atuação coletiva da Defensoria Pública, adota exegese ampliativa da condição jurídica de “necessitado”, de modo a possibilitar sua atuação em relação aos necessitados jurídicos em geral, não apenas aos hipossuficientes sob o aspecto econômico (STJ. 1ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1.529.933/CE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 20/5/2019). A expressão “necessitados” (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros - os miseráveis e pobres -, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, 'necessitem' da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana (STJ. 2ª Turma. REsp 1.264.116/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18/10/2011). Assim, considerando que estava discutindo tema jurídico que poderia afetar inúmeros outros jurisdicionados que não participavam diretamente da discussão e tendo em vista a vulnerabilidade do grupo de consumidores potencialmente lesado e da necessidade da defesa do direito fundamental à saúde, o STJ entendeu que a DPU estava legitimada para atuar como custos vulnerabilis no feito.

DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Cabe recurso hierárquico próprio ao Presidente da República contra

penalidade disciplinar aplicada por delegação com base no Decreto 3.035/99

O art. 141, I, da Lei nº 8.112/90 prevê que as penalidades disciplinares de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores públicos ligados ao Poder Executivo federal devem ser aplicadas pelo Presidente da República.

Por meio do Decreto nº 3.035/99, o Presidente da República delegou aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União a atribuição para aplicar tais penalidades.

Assim, o Advogado-Geral da União, com base no Decreto nº 3.035/99, possui competência para, em processo administrativo disciplinar, aplicar pena de demissão a Procurador da Fazenda Nacional, que é membro integrantes da carreira da AGU.

Vale ressaltar, contudo, que cabe recurso hierárquico próprio ao Presidente da República contra a aplicação dessa penalidade.

STJ. 1ª Seção. MS 17.449-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 14/08/2019 (Info 657).

Imagine a seguinte situação hipotética: João era Procurador da Fazenda Nacional. Surgiram informações de que ele teria praticado uma grave infração disciplinar. Foi instaurado, então, processo administrativo disciplinar para apurar os fatos. Ao final do PAD, o Advogado-Geral da União aplicou pena de demissão ao referido Procurador.

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O Advogado-Geral da União possui competência para, em processo administrativo disciplinar, aplicar pena de demissão aos membros integrantes da carreira da AGU? SIM. O Advogado-Geral da União possui competência para aplicar pena de demissão, no bojo de processo administrativo disciplinar, contra os integrantes da carreira da AGU, incluindo aí os membros da Procuradoria da Fazenda Nacional (que são membros da AGU, na forma do art. 2º, I, “b” e § 5º, da LC 73/93). Qual é o fundamento normativo para essa competência? O Decreto presidencial nº 3.035/99. Explicando melhor. O art. 141, I, da Lei nº 8.112/90 (Estatuto do Servidor Público Federal) estabelece que:

Art. 141. As penalidades disciplinares serão aplicadas: I - pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade;

Por força do art. 84, VI, “a” e parágrafo único, da Constituição Federal, foi editado o Decreto n. 3.035/1999, por meio do qual o Presidente da República delegou aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União a atribuição de julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades aos servidores públicos a eles vinculados, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VI – dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) (...) Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.

Assim, em princípio, a competência para aplicar a pena de demissão de membro da AGU seria do Presidente da República. Contudo, o Presidente editou um decreto delegando essa competência para o Advogado-Geral da União. Confira o art. 1º, I, do Decreto nº 3.035/99:

Art. 1º Fica delegada competência aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União, vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados, observadas as disposições legais e regulamentares, especialmente a manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar os seguintes atos: I - julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores; (...)

Existe algum recurso administrativo que poderá ser interposto por este Procurador demitido? Considerando que a demissão foi determinada pelo Advogado-Geral da União, cabe ainda algum recurso para alguém? SIM. Para o Presidente da República.

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Cabe recurso hierárquico próprio ao Presidente da República contra penalidade disciplinar aplicada por delegação com base no Decreto nº 3.035/99. STJ. 1ª Seção. MS 17.449-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 14/08/2019 (Info 657).

O recurso administrativo neste caso, é dirigido à própria autoridade delegante, que, no caso, é o Presidente da República. Qual é o regramento desse recurso? Nem a LC 73/93 (Lei Orgânica da AGU) nem a Lei nº 8.112/90 regulam a possibilidade de interposição de recurso administrativo em face de decisão prolatada em sede de processo administrativo disciplinar. Logo, devem ser aplicadas as disposições da Lei nº 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal). Ao tratar da delegação, a Lei nº 9.784/99 não estabeleceu nenhuma ressalva quanto à impossibilidade de recurso hierárquico, razão pela qual é aplicável o que dispõe o art. 56 desse diploma legal:

Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito. § 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior. (...)

Desse modo, não há óbice para a interposição de recurso hierárquico à autoridade delegante porque, embora mediante delegação, a decisão foi tomada pelo delegado no exercício das suas competências administrativas. Além disso, o Decreto nº 3.035/1999 não estabeleceu nenhuma vedação à possibilidade de interposição de recurso hierárquico.

DIREITO CIVIL

PRESCRIÇÃO É de 5 anos o prazo para cobrar dívida de empresa

com o plano de saúde materializada em boleto bancário

É quinquenal o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança, materializada em boleto bancário, ajuizada por operadora do plano de saúde contra empresa que contratou o serviço de assistência médico-hospitalar para seus empregados.

Fundamento: art. 206, § 5º, I, do CC.

Art. 206. Prescreve: (...) § 5º Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

STJ. 3ª Turma. REsp 1.763.160-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 17/09/2019 (Info 657).

Imagine a seguinte situação hipotética: A empresa “ABC Comercial Ltda” fez um contrato com a Unimed por meio do qual ela pagava todos os meses o plano de saúde dos seus funcionários. Assim, todos os meses a Unimed emitia um boleto bancário e a empresa fazia o respectivo pagamento. Quatro anos depois, a Unimed percebeu que a empresa deixou de pagar um desses boletos, ou seja, ficou um mês em aberto (janeiro de 2015). Diante disso, em fevereiro de 2019, a Unimed ajuizou ação de cobrança contra a empresa pleiteando o pagamento do boleto de R$ 5 mil, referente ao mês de janeiro de 2015.

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A ré contestou a demanda arguindo a prescrição afirmando que o prazo prescricional para a cobrança seria de 1 ano, nos termos do art. 206, § 1º, II, do Código Civil:

Art. 206. Prescreve: § 1º Em um ano: (...) II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo: a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador; b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

O plano de saúde, por sua vez, alegava que o prazo prescricional seria de 10 anos, com base no art. 205 do CC, considerando que se trata de pretensão baseada em um inadimplemento contratual, devendo ser aplicado o entendimento do STJ firmado no EREsp 1.280.825/RJ. Vamos por partes. O argumento da empresa devedora foi acolhido pelo STJ? Deve ser aplicado, ao caso, o prazo de 1 ano do art. 206, § 1º, II, do CC? NÃO. O STJ entende que não se aplica a prescrição ânua, prevista no art. 206, § 1º, II, do CC, para as ações que discutem direitos oriundos de planos ou seguros de saúde. O seguro-saúde, apesar de ter esse nome, é considerado, por força de lei, como “plano privado de assistência à saúde” (art. 2º da Lei 10.185/2001). Os planos privados de assistência à saúde executam uma obrigação de fazer consistente na prestação de serviços voltados a garantir a preservação da saúde do usuário/segurado. Desse modo, o serviço que prestam não pode ser considerado como “contrato de seguro”, já que tais empresas não se limitam ao pagamento de indenização securitária. Nesse sentido: STJ. 2ª Seção. REsp 1361182-RS, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 590). O argumento do plano de saúde credor foi acolhido pelo STJ? Deve ser aplicado, ao caso, o prazo de 10 ano do art. 205 do CC? Também não. O STJ firmou entendimento de que se aplica o prazo prescricional de 10 anos para as pretensões resultantes de inadimplemento contratual. Assim, é decenal o prazo prescricional aplicável às hipóteses de pretensão fundamentadas em inadimplemento contratual (STJ. 2ª Seção. EREsp 1280825-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/06/2018. Info 632). Ocorre que, conforme disposição expressa do art. 205 do Código Civil, o prazo de 10 anos é residual, devendo ser aplicado apenas quando não houver regra específica prevendo prazo inferior. No caso concreto, apesar de existir uma relação contratual entre a empresa e a Unimed, verifica-se que a ação de cobrança está amparada em um boleto de cobrança e que o pedido se limita ao valor constante no documento, equivalente a R$ 5 mil. E qual é, então, o prazo prescricional para esse tipo de pretensão? 5 anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, do CC:

Art. 206. Prescreve: (...) § 5º Em cinco anos:

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I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

Vale ressaltar que o boleto bancário não constitui uma obrigação de crédito por si só. Contudo, a jurisprudência tem entendido que ele pode, inclusive, amparar execução extrajudicial quando acompanhado de outros documentos que comprovem a dívida. No caso, o boleto bancário não teve sua validade impugnada pela ré, que se limitou a alegar a prescrição da pretensão de cobrança. Sendo assim, o boleto constitui dívida líquida e se enquadra na disposição do art. 206, § 5º, I, do CC, atraindo a incidência do prazo quinquenal para a prescrição. Em suma:

É quinquenal o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança, materializada em boleto bancário, ajuizada por operadora do plano de saúde contra empresa que contratou o serviço de assistência médico-hospitalar para seus empregados. STJ. 3ª Turma. REsp 1.763.160-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 17/09/2019 (Info 657).

DIREITO DO CONSUMIDOR

PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA Contrato de promessa de compra e venda do PMCMV deve estabelecer prazo certo para a

entrega do imóvel, não podendo ficar condicionado à concessão do financiamento ou à realização de outro negócio jurídico

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – Tema 996) (Info 657).

Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) O “Minha Casa, Minha Vida” é um programa habitacional que tem por objetivo criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (art. 1º da Lei nº 11.977/2009). Por meio do referido programa, a União concede subvenção econômica ao beneficiário pessoa física no ato da contratação de financiamento habitacional, ficando a cargo, principalmente, do Poder Executivo federal, editar os regulamentos e normas específicas para lhe dar operacionalização, inclusive acerca das faixas de renda e sua atualização, valor dos imóveis, padrões construtivos e critérios para seleção dos beneficiários. Campos de atuação do PMCMV O Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV subdivide-se em 4 diferentes faixas de renda familiar mensal: Faixa 1: até R$ 1.800,00 (ou R$ 3.600,00, excepcionalmente); com até 10 anos para pagar e subsídio de até 90% do valor do imóvel;

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Faixa 1,5: até R$ 2.600,00 - com taxa de juros de 5% a.a. - e até 30 (trinta) anos para pagar e subsídio de até R$ 47.500,00; Faixa 2: até R$ 4.000,00 - com taxa de juros entre 6% e 7% a.a., com até 30 anos para pagar e subsídio de até R$ 29.000,00; Faixa 3: até R$ 7.000,00 - com taxas de juros diferenciadas, entre 7% e 8,16% a.a., com até 30 anos para pagar. Faixa 1: • Beneficia famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.800,00 (valores da época do julgado) ou famílias com renda mensal bruta de até R$ 3.600,00 (desde que, neste segundo caso, estejam em situações específicas de vulnerabilidade social, como emergência ou calamidade pública). • Nessa faixa do programa, a operação mais se assemelha a um benefício social do que propriamente a um contrato de compra e venda de imóvel. • Não se estabelece relação de consumo entre o beneficiário e a construtora/incorporadora, como ocorre nas outras faixas do programa. • O imóvel é incorporado ao patrimônio de um fundo público (Fundo de Arrendamento Residencial - FAR ou Fundo de Desenvolvimento Social - FDS), e esse fundo assume a condição de “alienante” do imóvel. • A seleção dos beneficiários é realizada pelo Poder Público ou por “entidades organizadoras” previamente habilitadas pelo Ministério das Cidades. • A subvenção econômica nessa faixa alcança até 90% do valor do imóvel, sendo o restante diluído em até 120 parcelas mensais (limitadas a 5% da renda bruta), sem juros e sem formação de saldo devedor, diversamente do que ocorre num típico financiamento imobiliário. • Na Faixa 1 não há venda direta das construtoras aos beneficiários do programa. A seleção, como já dito, é feita por meio de critérios sociais, conjugada com sorteio. Logo, não há campo para a intermediação imobiliária. Demais faixas As atividades do PMCMV nessas outras três faixas de renda são muito parecidas com as demais modalidades de financiamento imobiliário existentes. Em outras palavras, são praticamente iguais a um financiamento imobiliário “comum”. Teses fixadas não se aplicam para a Faixa 1 Por toda a situação peculiar que envolve a faixa 1 de renda, inclusive por se tratar de beneficiário que, pelos motivos expostos, não está submetido às regras consumeristas, as teses fixadas no julgamento deste recurso serão aplicada apenas aos contratos firmados para as faixas de renda 1,5, 2 e 3. Importante esclarecer também que, embora muitas vezes o termo crédito associativo seja utilizado como sinônimo do PMCMV, com ele não se confunde, sendo o primeiro uma das modalidades de financiamento de imóvel residencial na planta, com recursos oriundos do FGTS. Data de entrega do imóvel Algumas incorporadoras imobiliárias que oferecem imóveis vinculados ao PMCMV não preveem no contrato um prazo certo para a entrega do imóvel, mas sim uma mera estimativa. Isso porque, no contrato, as incorporadoras estipulam a previsão de que o prazo de entrega do imóvel vai depender de quando a Caixa Econômica Federal (agente financeiro) irá liberar o financiamento da obra. Veja um exemplo desse tipo de cláusula:

QUADRO-RESUMO (...) ITEM 5) ENTREGA DO IMÓVEL: 04/2013 (abril de 2013) O (A) PROMITENTE COMPRADOR (A) declara ter conhecimento de que a data de entrega de chaves retro mencionada é estimativa e que poderá variar de acordo com a data de assinatura do contrato de financiamento junto à Caixa Econômica Federal. Prevalecerá como data de entrega de chaves, para

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quaisquer fins de direito, 24 (vinte e quatro) meses após a assinatura do referido contrato junto ao agente financeiro.

CLÁUSULA QUINTA: DA ENTREGA E IMISSÃO NA POSSE A PROMITENTE VENDEDORA se compromete a concluir as obras do imóvel objeto deste contrato no prazo estipulado no item 5 do Quadro Resumo, salvo se outra data for estabelecida no contrato de financiamento com a instituição financeira. Nesta hipótese, deverá prevalecer, para fins de entrega das chaves, a data estabelecida no contrato de financiamento.

As incorporadoras alegam que esse tipo de prazo condicional é necessário porque o financiamento do PMCMV é baseado em crédito associativo. No crédito associativo uma entidade (normalmente uma incorporadora) cria um grupo de compradores para um empreendimento que quer construir. Quando o número mínimo de compradores é alcançado, o agente financeiro (ex: CEF) libera o crédito para a construção. As incorporadoras alegam que somente com o fechamento do grupo e com a liberação do dinheiro é possível dizer, com exatidão, quando o empreendimento será concluído. O STJ concordou com este tipo de cláusula? NÃO. Segundo decidiu o STJ: O contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, sendo admitido o acréscimo do prazo de tolerância. Não é razoável a estipulação de prazo alternativo e aberto à conclusão da obra O fato de o contrato ser regido por regras de crédito associativo não pode ser utilizado como argumento para justificar a estipulação de prazo alternativo e aberto à conclusão da obra. Isso porque os negócios firmados sob a disciplina do PMCMV não retiram do promitente vendedor o ônus relacionado ao risco da atividade econômica, além de serem lucrativos para as empresas nele envolvidas. O Programa não é benéfico apenas para os adquirentes, mas também para as incorporadoras Vale ressaltar que as circunstâncias econômicas especiais do PMCMV não são benéficas apenas para os adquirentes. São elas também muito favoráveis às empresas, que diversamente do que ocorre nas operações convencionais do SFH, passam a ter acesso à parte do crédito tão logo ele é aprovado pelo agente financeiro, seja no início ou durante a realização da obra, o que diminui a necessidade do uso de capital de giro da empresa. A possibilidade de comercialização de unidades futuras, antes do início das obras, também permite à incorporadora melhor planejamento do processo construtivo como um todo, inclusive sob o aspecto financeiro. Desse modo, considerando o número de unidades vendidas, a empresa poderá avaliar a necessidade de contratar um mútuo com o agente financeiro, que lhe permita entregar a construção no prazo estipulado. Essa providência, em princípio, nem sequer lhe trará maiores ônus, uma vez que os encargos decorrentes desse tipo de operação só começarão a ser pagos após a conclusão da obra, e com os recursos obtidos com as vendas dos imóveis. Contrato de adesão que autoriza o fornecedor a postergar a entrega da obra sem qualquer segurança ao consumidor: cláusula abusiva Vale ressaltar que o contrato de promessa de compra e venda de imóvel é um contrato de adesão, uma vez que suas cláusulas e condições são redigidas de forma unilateral, segundo o interesse das incorporadoras, cabendo ao aderente apenas aceitá-las ou não em seu conjunto, o que restringe, sensivelmente, a própria autonomia da vontade. De nada adianta, a estipulação de um prazo certo e expresso, se ele for fixado de maneira apenas estimativa e condicional, ficando vinculado a um evento futuro (a obtenção do financiamento pelo

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adquirente ou a data que for determinada pelo agente financeiro). Isso acaba por atribuir à incorporadora o direito de postergar a entrega da obra por prazo excessivamente longo e oneroso para o comprador, a ponto de afastar, inclusive, o próprio risco da atividade, que pertence à empresa. Além do prejuízo de não receber o imóvel, o consumidor paga correção monetária e juros de obra Durante o prazo regular de construção, é permitida a incidência de atualização monetária pelo INCC (Índice Nacional da Construção Civil), bem como de juros de obra. Logo, quanto maior for o prazo contratual para a conclusão das unidades, em consequência, maior será a exposição do consumidor à cobrança dos referidos juros e à aplicação de correção monetária de acordo com o índice setorial, o que redundará em situação que lhe será desfavorável, também sob o ponto de vista econômico. Prazo de tolerância é admitido Vale ressaltar, por fim, que o STJ considerou que é válida a cláusula de tolerância (prazo de tolerância) nos contratos do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3. Para quem não lembra o que é essa cláusula, vamos recordar com um exemplo: João deseja comprar um apartamento e procura uma incorporadora imobiliária. Ele celebra, então, um contrato de promessa de compra e venda com a incorporadora para aquisição de um apartamento que está sendo construído e que seria entregue em 05/05/2017. O comprador compromete-se a pagar todos os meses uma determinada quantia e a incorporadora obriga-se a entregar o apartamento nesta data futura e certa. Ocorre que a cláusula 5.1.3 do ajuste previa que a construtora poderia prorrogar esse prazo de entrega em mais 180 dias, ou seja, poderia atrasar a entrega. O contrato previa que se a construtora não cumprisse a data de 05/05/2017, mas entregasse o imóvel dentro do prazo de 180 dias, ela não teria que pagar multa ou qualquer espécie de indenização ao adquirente. Essa previsão é chamada de “cláusula de tolerância” ou “prazo de tolerância”. A jurisprudência do STJ considera que a cláusula de tolerância é válida.

Não é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção que prevê prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra pelo lapso máximo de 180 (cento e oitenta) dias. STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.318-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2017 (Info 612).

Esse mesmo entendimento pode ser aplicado para os contratos do PMCMV. A tese fixada ficou, portanto, assim:

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância. STJ. 2ª Seção. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – Tema 996) (Info 657).

Lei nº 13.786/2018 Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária. O julgado do STJ não utilizou as regras da Lei nº 13.786/2018 para decidir o tema. Isso porque essa Lei só pode atingir contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor.

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PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA Em caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel o prejuízo do comprador é

presumido a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – Tema 996) (Info 657).

Imagine a seguinte situação hipotética: João celebrou, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com a construtora MRT Engenharia. Vale ressaltar que João estava na faixa 3 do programa. A cláusula quinta do pacto previa que a construtora entregaria o apartamento no dia 31/03/2012, podendo prorrogar a entrega para 30/09/2012 (prazo de tolerância de 180 dias). Ocorre que a construtora, por mora imputável unicamente a ela, somente entregou o imóvel em 11/01/2013. Primeira pergunta: o prazo de tolerância é admitido nos contratos do Minha Casa, Minha Vida? SIM. Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, é válido o prazo de tolerância de 180 dias. Neste caso, em que a construtora descumpriu o prazo, o adquirente terá direito de ser recompensado? SIM. No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, a construtora/incorporadora terá que pagar uma indenização ao comprador. O comprador terá que provar que sofreu prejuízo? NÃO. O prejuízo do comprador é presumido. Esse prejuízo consiste na injusta privação do uso do bem. A previsão contratual criou a justa expectativa de que o adquirente pudesse usufruir o bem. Logo, se ele não pode usar o imóvel por razões oponíveis à incorporadora, surge o dever de reparar, independentemente da realização de prova específica do prejuízo. O não recebimento da unidade na data aprazada (já considerado o prazo de tolerância), caracteriza prejuízo decorrente do ilícito negocial, independentemente da comprovação de ter ele efetuado gasto com a locação de imóvel para residir. Qual é o valor da indenização? Como isso é calculado? A indenização será paga na forma de aluguel mensal, com base no valor de aluguel de um imóvel semelhante ao que foi adquirido. O termo final da indenização será a data do recebimento da unidade pelo adquirente, mediante a entrega das chaves, por ser o momento em que ele tem a efetiva posse do imóvel, fazendo cessar, por conseguinte, o fato gerador do dever de reparação. Assim, em nosso exemplo, João teria direito de receber o valor de um aluguel de um imóvel semelhante ao que ele comprou. Esse aluguel seria referente ao período de 30/09/2012 até 11/01/2013.

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A tese fixada foi a seguinte:

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma. STJ. 2ª Seção. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – Tema 996) (Info 657).

E se houver cláusula penal no contrato prevendo multa para a incorporadora em valor equivalente ao de aluguel? Neste caso, será possível a cumulação da indenização acima explicada com a cláusula penal moratória? Em nosso exemplo, será possível condenar a construtora ao pagamento da multa contratual e mais a indenização mencionada no REsp 1.729.593-SP? NÃO. Como a cláusula penal moratória já serve para indenizar/ressarcir os prejuízos que a parte sofreu, não se pode fazer a sua cumulação com essa indenização mencionada na tese fixada no REsp 1.729.593-SP (que também consiste em uma forma de ressarcimento). Deve-se compatibilizar o Tema 996 (acima explicado) com a tese fixada no Tema 970, que podemos ver abaixo:

A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. STJ. 2ª Seção. REsp 1.498.484-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 22/05/2019 (recurso repetitivo – Tema 970) (Info 651).

Lei nº 13.786/2018 Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária. O julgado do STJ não utilizou as regras da Lei nº 13.786/2018 para decidir o tema. Isso porque essa Lei só pode atingir contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor.

PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA Se a construtora estiver em atraso na entrega do imóvel,

o adquirente não precisará continuar pagando os juros de obra

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, é ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – Tema 996) (Info 657).

Imagine a seguinte situação hipotética: João celebrou, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com a construtora MRT Engenharia. Vale ressaltar que João estava na faixa 3 do programa.

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A cláusula quinta do pacto previa que a construtora entregaria o apartamento no dia 31/03/2012, podendo prorrogar a entrega para 30/09/2012 (prazo de tolerância de 180 dias). O contrato firmado prevê que, a partir da assinatura do pacto, ou seja, mesmo antes da entrega do imóvel, a incorporadora poderá cobrar de João, nas parcelas, além do valor principal, correção monetária pelo INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) mais juros compensatórios de 1% ao mês. Juros no pé, também chamados de “juros de obra” ou “juros de evolução de obra” Os juros compensatórios cobrados antes da entrega das chaves do imóvel são chamados pelo mercado imobiliário de “juros no pé” ou “juros de obra”. A expressão juros de pé tem a ver com o fato de que o imóvel (normalmente apartamento) ainda não foi construído, ou seja, são cobrados juros mesmo o imóvel ainda estando “no pé” (na planta, no chão). Um outro sinônimo seria “juros de obra”. Recebe essa denominação pelo fato de serem juros cobrados durante a obra, ou seja, durante a construção. A cláusula contratual que impõe a cobrança de juros, durante o período de construção do imóvel prometido à venda, é abusiva em virtude de impor ao consumidor desvantagem exagerada? Em outras palavras, os “juros no pé” são abusivos? NÃO.

Não é abusiva a cláusula de cobrança de juros compensatórios incidentes em período anterior à entrega das chaves nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis em construção sob o regime de incorporação imobiliária. Em outras palavras, os “juros no pé” não são abusivos. STJ. 2ª Seção. EREsp 670117-PB, Rel. originário Min. Sidnei Beneti, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgados em 13/6/2012 (Info 499).

Esse entendimento (EREsp 670117-PB) vale mesmo para os contratos do PMCMV (faixas de renda 1,5, 2 e 3)? SIM. Os negócios firmados sob as regras do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e do PMCMV (faixas de renda 1,5, 2 e 3) são muito parecidos e, portanto, deve-se aplicar o mesmo entendimento para ambos. Logo, é válida a cobrança de juros durante a evolução da obra, os quais são cobrados do adquirente pelo agente financeiro, sobre o valor do crédito repassado às incorporadoras para construção do empreendimento, desde o mês subsequente à assinatura do contrato de financiamento até a data de entrega das chaves. Esses juros podem continuar sendo cobrados do adquirente mesmo após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância? Voltando ao nosso exemplo: imagine que a construtora atrasou e somente entregou o imóvel em 11/01/2013. No período de 30/09/2012 até 11/01/2013, é possível a cobrança dos juros de obra? NÃO. É proibido (é ilícito) cobrar do adquirente, juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. Havendo atraso na entrega do empreendimento, mostra-se descabido imputar ao consumidor o ônus de arcar com juros de evolução da obra no período de mora da construtora uma vez que não se pode punir o mutuário com referida incidência, considerando que não foi ele quem deu causa ao atraso. Deve-se ter como norte, nessas circunstâncias, o princípio de que quem dá causa ao inadimplemento do contrato não pode se beneficiar da situação, sob pena de o atraso da obra poder representar a possibilidade de vantagem financeira indevida em detrimento do adquirente do imóvel, o que seria de todo inadmissível. Desse modo, ultrapassado o prazo para a conclusão do empreendimento, não podem ser cobrados do adquirente encargos contratados para incidir no período de construção, entre eles, os juros de obra.

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A cobrança de quaisquer acréscimos ou juros nesse contexto fere a essência de vários princípios norteadores do Código Civil, bem como do Código de Defesa do Consumidor, como a boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual. A tese fixada foi a seguinte:

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, é ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. STJ. 2ª Seção. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – Tema 996) (Info 657).

Lei nº 13.786/2018 Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária. O julgado do STJ não utilizou as regras da Lei nº 13.786/2018 para decidir o tema. Isso porque essa Lei só pode atingir contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor.

COMPRA DE IMÓVEIS Se a construtora estiver em atraso na entrega do imóvel, o índice de correção monetária que incidirá

sobre o saldo devedor não será o INCC e sim o IPCA, salvo se este estiver mais alto que o INCC

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, o descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – Tema 996) (Info 657).

Imagine a seguinte situação hipotética: João celebrou, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida (faixa 3), contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com a construtora MRT Engenharia. A cláusula quinta do pacto previa que a construtora entregaria o apartamento no dia 31/03/2012, podendo prorrogar a entrega para 30/09/2012 (prazo de tolerância de 180 dias). O contrato firmado prevê que, a partir da assinatura do pacto, ou seja, mesmo antes da entrega do imóvel, a incorporadora poderá cobrar de João, nas parcelas: • o valor principal; • correção monetária pelo INCC (Índice Nacional de Custo da Construção); e • juros compensatórios de 1% ao mês (chamado de “juros de obra”). Atraso da construtora Chegou o dia 30/09/2012 e a construtora não entregou o imóvel, ou seja, ela está em atraso (mesmo utilizando o período de tolerância). Diante disso, surgem algumas dúvidas:

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Informativo 657-STJ (25/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

Neste período de atraso, o adquirente é obrigado a continuar pagando as prestações (valor principal)? NÃO. Se a construtora deixa de entregar a unidade autônoma no prazo previsto, o adquirente pode sustar (suspender) o pagamento das parcelas do preço, invocando a “exceção do contrato não cumprido” (exceptio non adimpleti contractus), prevista no art. 476 do CC:

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

A exigibilidade das parcelas do preço fica suspensa até a correspondente entrega das chaves, ou seja, até que a construtora cumpra a sua obrigação. Vale ressaltar, contudo, que depois que a construtora cumprir a sua obrigação, imediatamente cessa a causa da exceção do contrato não cumprido, retomando a obrigação de o adquirente cumprir a sua parte do contrato. Neste período de atraso, o adquirente é obrigado a continuar pagando os juros de mora? NÃO.

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, é ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. STJ. 2ª Seção. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – Tema 996) (Info 657).

Neste período de atraso, continua incidindo correção monetária sobre o saldo devedor? SIM. Vimos acima que a parte pode deixar de pagar as prestações alegando a exceção do contrato não cumprido. Isso é verdade. Contudo, a suspensão da exigibilidade das parcelas do preço não afasta a incidência da atualização monetária sobre o saldo devedor, salvo nas hipóteses em que o mencionado atraso derivar de comprovada má-fé da empresa. Em outras palavras, o adquirente pode deixar de pagar as prestações. No entanto, mesmo neste período de atraso da construtora, continua sendo devido o pagamento da correção monetária sobre o saldo devedor. Isso porque a correção monetária é simplesmente a preservação do valor real da moeda. Assim, se o adquirente estava devendo R$ 60 mil e cada parcela mensal era de R$ 2 mil, ele não precisará pagar, durante o período de atraso, esses R$ 2 mil. Vale ressaltar, contudo, que sobre o saldo devedor (R$ 60 mil) continuará incidindo correção monetária. Logo, quando ele voltar a pagar, terá que pagar R$ 60 mil + a correção monetária de todo o período. Desse modo, os valores das parcelas deverão ser atualizados desde a data de vencimento prevista no contrato até o efetivo pagamento, como simples modo de preservação do valor real da moeda, sem representar, portanto, um benefício para a parte inadimplente ou punição para o adquirente. A correção monetária nada acrescenta à dívida. Ela apenas impede a corrosão do seu valor pela inflação. Por esse motivo, mesmo que a construtora/incorporadora/alienante esteja em mora, ela faz jus à atualização da parcela faltante do preço, uma vez que a perda do poder aquisitivo da moeda configuraria uma punição para ela não prevista em lei. Neste período de atraso, continua incidindo correção monetária sobre o saldo devedor com base no INCC? NÃO. O índice, em regra, não mais será o INCC. O que é o INCC? INCC é a sigla para “Índice Nacional de Construção Civil”.

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Trata-se de um índice que é utilizado para fazer a correção do valor do imóvel objeto de financiamento enquanto a obra está em execução. Foi criado e é atualizado pela Fundação Getúlio Vargas. Todos os meses é publicado o INCC e ele demonstra as mudanças que ocorreram nos preços dos materiais de construção e da mão de obra no setor imobiliário. Assim, por exemplo, se os preços desses bens e serviços aumentaram no mês, o INCC será um percentual alto; se o aumento foi pequeno, o percentual também será pequeno. Como dito acima, o INCC é o índice utilizado para corrigir o valor que falta para o adquirente pagar enquanto o imóvel está sendo construído. Ex: Pedro fez um contrato de promessa de compra e venda para adquirir um apartamento na planta; o preço do apartamento é de R$ 300 mil; Pedro paga R$ 200 mil de entrada e financia os R$ 100 mil diretamente com a construtora, pagando parcelas todos os meses; o saldo devedor será corrigido pelo percentual do INCC; imagine que, no 1º mês, o INCC foi de 0,30%; significa que o saldo devedor, que era de R$ 100 mil, passará para R$ 100.300,00. Dessa forma, a construtora irá “ganhar” todos os meses esse valor do INCC. A palavra “ganhar” está entre aspas porque a correção monetária representa não um ganho real, mas sim uma preservação do valor do dinheiro. Sai o INCC e entra qual índice no lugar? Se a construtora estiver em atraso na entrega do imóvel, qual será o índice de correção monetária que o adquirente deverá pagar? Em regra: o IPCA. Exceção: se o IPCA estiver mais alto que o INCC (difícil ocorrer, na prática), neste caso, deverá ser utilizado o INCC (para não prejudicar o consumidor). O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor. Como o IPCA, em regra, é menor que o INCC, essa foi uma forma encontrada pela jurisprudência para manter a correção monetária (considerando que não era possível excluir isso), mas, ao mesmo tempo, proteger, em alguma medida, o consumidor/adquirente. A tese fixada foi a seguinte:

Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, o descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor. STJ. 2ª Seção. REsp 1.729.593-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – Tema 996) (Info 657).

Lei nº 13.786/2018 Em 28/12/2018, entrou em vigor a Lei nº 13.786/2018, que dispõe sobre a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária. O julgado do STJ não utilizou as regras da Lei nº 13.786/2018 para decidir o tema. Isso porque essa Lei só pode atingir contratos celebrados posteriormente à sua entrada em vigor.

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DIREITO EMPRESARIAL

MARCA O registro de uma expressão como marca, ainda que de alto renome,

não afasta a possibilidade de utilizá-la no nome de um empreendimento imobiliário

O registro de uma expressão como marca, ainda que de alto renome, não impede que essa mesma expressão seja utilizada como nome de um edifício. Dar nome a um edifício não é uma atividade empresarial, mas sim um ato da vida civil.

A exclusividade conferida pelo direito marcário se limita às atividades empresariais, sem atingir os atos da vida civil.

Caso concreto: foi lançado um empreendimento imobiliário denominado de “Natura Recreio”. Apesar de a Natura, marca de cosméticos, ser considerada uma marca de alto renome, ela não conseguiu impedir o uso dessa expressão no nome deste condomínio.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.804.960-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 24/09/2019 (Info 657).

A situação concreta, com algumas adaptações, foi a seguinte: Natura é uma marca registrada de cosméticos de muito sucesso, sendo considerada uma das maiores do mundo. A empresa que é a titular da marca foi fundada no Brasil em 1969. Determinado dia, Rossi Residencial S/A, empresa do ramo de construção civil, lançou um empreendimento imobiliário (um condomínio de apartamentos) e o denominou de “Natura Recreio”, por ele estar localizado no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ). A Natura Cosméticos S/A ajuizou ação de abstenção de uso de marca e de reparação de danos contra a Rossi Residencial afirmando que, ao utilizar a expressão “Natura” no nome do empreendimento imobiliário, ela teria violado o direito de propriedade industrial da autora. Para a autora, a sua marca é de alto renome, devendo, portanto, ter proteção erga omnes, ou seja, devendo prevalecer para todos os produtos e serviços, sem distinção. Assim, a Natura Cosméticos pediu que a Rossi fosse proibida de utilizar o nome “Natura” no referido empreendimento imobiliário. O pedido da Natura foi acolhido pelo STJ? NÃO. Vamos entender com calma, fazendo uma breve revisão sobre o tema. Marca Marca é um sinal distinguível visualmente, por meio do qual os produtos ou serviços são identificados e assim podem ser discernidos dos demais. “A marca, cuja propriedade é consagrada pelo art. 5º, XXIX da CF, se constitui um sinal distintivo de percepção visual que individualiza produtos e/ou serviços. O seu registro confere ao titular o direito de usar, com certa exclusividade, uma expressão ou símbolo.” (Min. Nancy Andrighi). Vale destacar, mais uma vez, que “marca”, segundo a legislação brasileira, é obrigatoriamente um sinal identificável pela visão, ou seja, não existe “marca sonora” ou “marca olfativa”. Justamente por isso, o famoso som “plim plim” que a rede Globo de televisão utiliza não pode ser registrado como marca no Brasil. É comum a seguinte afirmação: “marca no Brasil é somente aquilo que a pessoa pode ver”. Importância A marca é extremamente importante para a atividade empresarial, considerando que, muitas vezes, ela é decisiva no momento em que o consumidor irá optar por escolher entre um ou outro produto ou serviço. Justamente por isso são desenvolvidas inúmeras ações de marketing para divulgar e tornar conhecida e respeitada a marca.

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“A sua proteção, para além de garantir direitos individuais, salvaguarda interesses sociais, na medida em que auxilia na melhor aferição da origem do produto e/ou serviço, minimizando erros, dúvidas e confusões entre usuários.” (Min. Nancy Andrighi). Proteção da marca Por ser importante à atividade empresarial, a marca é protegida pela legislação. A Lei nº 9.279/96 afirma que a marca pode ser registrada para que não seja utilizada indevidamente em outros produtos ou serviços:

Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.

Onde é realizado esse registro? No Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Trata-se de uma autarquia federal que possui a atribuição de conceder privilégios e garantias aos inventores e criadores em âmbito nacional. Os direitos de propriedade industrial são concedidos, no Brasil, pelo INPI. Princípio da especialidade ou especificidade Depois do registro no INPI, apenas o titular desta marca poderá utilizá-la em todo o território nacional. Contudo, em regra, no Brasil, a proteção da marca impede que outras pessoas utilizem-na apenas em produtos ou serviços similares, podendo a mesma marca ser usada por terceiros em produtos ou serviços distintos. Assim, a proteção da marca se submete, portanto, ao princípio da especialidade, ou seja, a marca registrada somente é protegida no ramo de atividade que o seu titular atua. “Pelo princípio da especialidade, o registro da marca confere exclusividade de uso apenas no âmbito do mercado relevante para o ramo de atividade ao qual pertence o seu titular.” (Min. Nancy Andrighi). Nesse sentido:

(...) Segundo o princípio da especialidade das marcas, não há colidência entre os signos semelhantes ou até mesmo idênticos, se os produtos que distinguem são diferentes. (...) (REsp 1079344/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 21/06/2012)

(...) A marca é um sinal distintivo, visualmente perceptível, que visa a identificar um produto ou serviço no mercado consumidor. Para se obter o registro da marca e, consequentemente, sua propriedade, é necessária a observância de certos requisitos como a novidade relativa, distinguibilidade, veracidade e licitude, de molde a evitar que o consumidor seja induzido a engano, ante a existência de repetições ou imitações de signos protegidos. 2. Produtos ou serviços diferentes podem apresentar marcas semelhantes, dado que incide, no direito marcário, em regra, o princípio da especialidade; ou seja, a proteção da marca apenas é assegurada no âmbito das atividades do registro, ressalvada a hipótese de marca notória. (...) (REsp 862.067/RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Terceira Turma, julgado em 26/04/2011)

Exceção ao princípio da especialidade (“extravasamento do símbolo”) Existe uma exceção ao princípio da especialidade. Trata-se do caso da marca de “alto renome”, que tem proteção em todos os ramos de atividade. Diz a Lei:

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Art. 125. À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade.

A Resolução n. 121/05 do INPI, em seu art. 2º, fornece um conceito para marca de alto renome:

“Considera-se de alto renome a marca que goza de uma autoridade incontestável, de um conhecimento e prestígio diferidos, resultantes da sua tradição e qualificação no mercado e da qualidade e confiança que inspira, vinculadas, essencialmente, à boa imagem dos produtos ou serviços a que se aplica, exercendo um acentuado magnetismo, uma extraordinária força atrativa sobre o público em geral, indistintamente, elevando-se sobre os diferentes mercados e transcendendo a função a que se prestava primitivamente, projetando-se apta a atrair clientela pela sua simples presença.”

Exemplos de marcas já declaradas pelo INPI como sendo de alto renome: Pirelli, Kibon, Moça, Chica Bon, Banco do Brasil, Diamante Negro, Nike, Sadia e a própria Natura. Proteção conferida pela lei não abrange o nome atribuído a edifícios ou empreendimentos imobiliários Voltando ao nosso caso concreto. O STJ afirmou o seguinte: realmente, o princípio da especialidade não se aplica às marcas de alto renome, sendo assegurada proteção especial em todos os ramos de atividade (art. 125 da Lei nº 9.279/96). Assim, a Natura, por ser uma marca de alto renome, pode proteger essa marca se outra pessoa tentar utilizá-la mesmo que seja em outro ramo empresarial diferente de cosméticos. Ocorre que o STJ entendeu que a proteção conferida pela lei para as marcas não abrange o nome atribuído a edifícios ou empreendimentos imobiliários. A marca é um sinal distintivo que tem por funções principais identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins. A marca é parte do patrimônio de uma empresa, é designativa de um produto ou serviço. Sua função consiste em impedir a concorrência parasitária e a usurpação de clientela do seu titular, bem como proteger o renome que o signo distintivo mantém perante o público consumidor. Os nomes atribuídos aos edifícios e empreendimentos imobiliários não gozam de exclusividade, sendo comum receberem idêntica denominação e, por isso, proliferam as homonímias sem que um condomínio possa impedir o outro de receber idêntica denominação. Estes nomes, portanto, não qualificam produtos ou serviços, apenas conferem uma denominação para o fim de individualizar o bem. Não se pode atribuir para o nome de um edifício o mesmo regramento jurídico aplicável para o nome empresarial No caso de nome empresarial, o legislador conferiu exclusividade de uso. Assim, o detentor de um nome empresarial pode impedir que outro empresário se identifique com nome idêntico ou semelhante que possa provocar confusão em consumidores ou no meio empresarial. Nesse sentido, veja o que diz o art. 1.163 do Código Civil:

Art. 1.163. O nome de empresário deve distinguir-se de qualquer outro já inscrito no mesmo registro. Parágrafo único. Se o empresário tiver nome idêntico ao de outros já inscritos, deverá acrescentar designação que o distinga.

Essa exclusividade que a lei confere para a marca e também para o nome empresarial não se aplica ao nome conferido a edifícios e empreendimentos imobiliários.

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A CF/88, em seu art. 5º, XXIX, trata apenas da proteção à propriedade das marcas e dos nomes de empresas, não falando nada, por óbvio, da denominação de empreendimentos imobiliários:

Art. 5º (...) XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

A proteção à exclusividade da marca ou do nome empresarial é criação do direito, sendo, portanto, uma opção legislativa. Tal conceito jurídico exerce uma função e, por isto, presta-se a determinadas finalidades. O nome que individualiza um imóvel é de livre atribuição pelos seus titulares e não requer criatividade ou capacidade inventiva, tampouco lhe é conferido o atributo da exclusividade. Assim, até mesmo as marcas de alto renome não podem interferir na liberdade de nomear edifícios ou condomínios.

Em suma:

O registro de uma expressão como marca, ainda que de alto renome, não impede que essa mesma expressão seja utilizada como nome de um edifício. Dar nome a um edifício não é uma atividade empresarial, mas sim um ato da vida civil. A exclusividade conferida pelo direito marcário se limita às atividades empresariais, sem atingir os atos da vida civil. STJ. 3ª Turma. REsp 1.804.960-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 24/09/2019 (Info 657).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUSTOS VULNERABILIS Admite-se a intervenção da DPU no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há

formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos

Importante!!!

Atenção! Defensoria Pública

Custos vulnerabilis significa “guardiã dos vulneráveis” (“fiscal dos vulneráveis”).

Enquanto o Ministério Público atua como custos legis (fiscal ou guardião da ordem jurídica), a Defensoria Pública possui a função de custos vulnerabilis.

Assim, segundo a tese da Instituição, em todo e qualquer processo onde se discuta interesses dos vulneráveis seria possível a intervenção da Defensoria Pública, independentemente de haver ou não advogado particular constituído.

Quando a Defensoria Pública atua como custos vulnerabilis, a sua participação processual ocorre não como representante da parte em juízo, mas sim como protetor dos interesses dos necessitados em geral.

O STJ afirmou que deve ser admitida a intervenção da Defensoria Pública da União no feito como custos vulnerabilis nas hipóteses em que há formação de precedentes em favor dos vulneráveis e dos direitos humanos.

STJ. 2ª Seção. EDcl no REsp 1.712.163-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 25/09/2019 (Info 657).

Veja comentários em Direito Constitucional.

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Informativo 657-STJ (25/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25

DIREITO PENAL

ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR Adulterar placa de veículo reboque ou semirreboque não configura o crime do art. 311 do CP

O Código Penal prevê o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor:

Art. 311. Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: (...)

A conduta de adulterar placa de veículo reboque ou semirreboque é formalmente atípica.

O reboque e o semirreboque são veículos, no entanto, não são veículos automotores. Isso porque veículo automotor é aquele que pode circular por seus próprios meios. O reboque e o semirreboque não conseguem circular por seus próprios meios. Precisam ser “puxados” por um veículo automotor.

STJ. 6ª Turma. RHC 98.058-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/09/2019 (Info 657).

Crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor O Código Penal prevê o crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor nos seguintes termos:

Art. 311. Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa. § 1º - Se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é aumentada de um terço. § 2º - Incorre nas mesmas penas o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial.

Bem jurídico O tipo penal tem por objetivo proteger a autenticidade dos sinais que identificam os veículos automotores (esse é um dos aspectos relacionados com a “fé pública”). Em que consiste o crime: - O agente - adultera (modifica) ou - remarca (coloca uma nova marca) - o número de chassi (numeração que fica sobre a estrutura de aço da carroceria) ou - qualquer sinal identificador do veículo automotor (ex: placas), - sinal identificador de um componente do veículo (ex: sinal identificador que esteja no vidro, no motor) ou - sinal identificador de um equipamento do veículo (ex: sinal identificador que esteja no para-choque de um veículo). Elemento subjetivo É o dolo. O tipo penal não exige elemento subjetivo especial ou alguma intenção específica do agente (não exige “dolo específico”). Se o indivíduo substituir a placa do veículo por uma placa com numeração diferente, estará configurado o delito?

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Informativo 657-STJ (25/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

SIM. Tal conduta enquadra-se no art. 311 do CP (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 126.860/MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 06/09/2012). Vale ressaltar, no entanto, que se houver autorização legal para a mudança da placa, isso, obviamente, não configura crime. É o caso, por exemplo, da previsão existente no § 7º do art. 115 do Código de Trânsito brasileiro (Lei nº 9.503/97), inserido pela Lei nº 12.694/2012:

Art. 115 (...) § 7º Excepcionalmente, mediante autorização específica e fundamentada das respectivas corregedorias e com a devida comunicação aos órgãos de trânsito competentes, os veículos utilizados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que exerçam competência ou atribuição criminal poderão temporariamente ter placas especiais, de forma a impedir a identificação de seus usuários específicos, na forma de regulamento a ser emitido, conjuntamente, pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP e pelo Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN.

Se o agente coloca uma fita adesiva ou isolante para alterar o número ou as letras da placa do carro e, assim, evitar multas, pedágio, rodízio etc., isso configura o delito do art. 311 do CP? SIM.

É típica a conduta de alterar placa de veículo automotor, mediante a colocação de fita adesiva. A colocação de fita adesiva pode ser um meio idôneo de enganar a fiscalização de trânsito, sendo, portanto, crime possível. STJ. 5ª Turma. HC 392.220/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 17/10/2017. STJ. 6ª Turma. AgRg nos EDcl no REsp 1575337/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 25/10/2016. STF. 2ª Turma. RHC 116371/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/8/2013.

O tipo penal fala em “veículo automotor”. Em que consiste isso? A definição do que seja veículo automotor é dada pelo anexo do Código de Trânsito: VEÍCULO AUTOMOTOR - todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico). O veículo semirreboque se enquadra no conceito de veículo automotor? Se o indivíduo adulterar ou remarcar o número de chassi ou qualquer sinal identificador de um veículo REBOQUE ou SEMIRREBOQUE, ele pratica o crime do art. 311 do CP? NÃO.

A conduta de adulterar placa de veículo semirreboque é formalmente atípica. STJ. 6ª Turma. RHC 98.058-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/09/2019 (Info 657).

O que é um reboque e um semirreboque? Os reboques e semirreboques são veículos tracionados por um veículo automotor. O que diferencia o reboque do semirreboque é a maneira como são acoplados no veículo automotor. O reboque é engatado atrás de um veículo automotor:

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Informativo 657-STJ (25/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

O semirreboque se apoia na unidade tratora ou é a ela ligada por meio de articulação:

Assim, o reboque fica engatado em um veículo automotor enquanto o semirreboque apoia parte de sua unidade e de seu peso ao veículo automotor. Reboque e semirreboque não são veículos automotores O reboque e o semirreboque são veículos, no entanto, não são veículos automotores. Isso porque veículo automotor é aquele que pode circular por seus próprios meios. O reboque e o semirreboque não conseguem circular por seus próprios meios. Precisam ser “puxados”. O próprio Código de Trânsito os distingue:

Art. 96. Os veículos classificam-se em: I - quanto à tração: a) automotor; (...) e) reboque ou semi-reboque;

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O crime do art. 359-C do CP é próprio considerando que somente pode ser sujeito ativo do delito

o agente público que tenha poderes para contrair obrigação em nome do ente que representa

O delito do art. 359-C do Código Penal é próprio ou especial, só podendo ser cometido por agentes públicos titulares de mandato ou legislatura.

STJ. 5ª Turma. AREsp 1.415.425-AP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 19/09/2019 (Info 657).

Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura O art. 359-C do Código Penal tipifica o crime de “assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura’”:

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Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Em que consiste o delito: O agente ordena ou autoriza... - que a Administração Pública assuma obrigação que irá gerar despesas - nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, - sendo que essas despesa não poderá ser paga no mesmo exercício financeiro (“ano”) ou - caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte sem ter disponibilidade de caixa. Lei de Responsabilidade Fiscal Esse art. 359-C do Código Penal criminaliza uma prática que é vedada pelo art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000):

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

Sujeito ativo

O delito do art. 359-C do Código Penal é próprio ou especial, só podendo ser cometido por agentes públicos titulares de mandato ou legislatura. STJ. 5ª Turma. AREsp 1.415.425-AP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 19/09/2019 (Info 657).

Assim, o crime do art. 359-C do CP não admite como autor outros funcionários públicos que não tenham poder de disposição sobre os recursos financeiros da Administração Pública.

CRIMES HEDIONDOS Depois da Lei 13.497/2017, tanto o caput como o parágrafo único

do art. 16 da Lei 10.826/2003 são hediondos

A qualificação de hediondez aos crimes do art. 16 da Lei nº 10.826/2003, inserida pela Lei nº 13.497/2017, abrange os tipos do caput e as condutas equiparadas previstas no seu parágrafo único.

STJ. 6ª Turma. HC 526.916-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 01/10/2019 (Info 657).

O que são crimes hediondos? São crimes que o legislador considerou especialmente repulsivos e que, por essa razão, recebem tratamento penal e processual penal mais gravoso que os demais delitos. Quais são os crimes hediondos no Brasil? O Brasil adotou o sistema legal de definição dos crimes hediondos. Isso significa que é a lei quem define, de forma exaustiva (taxativa, numerus clausus), quais são os crimes hediondos. Esta lei é a de nº 8.072/90, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos.

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A Lei nº 8.072/90 traz, em seu art. 1º, o rol dos crimes hediondos. O que fez a Lei nº 13.497/2017? Alterou a redação do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.072/90 prevendo que também é considerado como crime hediondo o delito de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 do Estatuto do Desarmamento:

LEI DOS CRIMES HEDIONDOS (LEI Nº 8.072/90)

Antes da Lei nº 13.497/2017 Depois da Lei nº 13.497/2017

Art. 1º (...) Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado.

Art. 1º (...) Parágrafo único. Consideram-se também hediondos o crime de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, todos tentados ou consumados.

Vejamos o que diz o art. 16 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento):

Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado; V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

Segundo o art. 2º, III, do Decreto nº 9.845/2019, armas de fogo de uso restrito são as armas de fogo automáticas, semiautomáticas ou de repetição que sejam: a) não portáteis; b) de porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; ou c) portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules.

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O parágrafo único do art. 16 também é considerado crime hediondo ou apenas o caput? Tanto o caput como o parágrafo único do art. 16 da Lei nº 10.826/2003 são hediondos. Isso porque a nova redação do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 8.072/90 fala de forma genérica no “art. 16 da Lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003”, não restringindo ao caput. Ora, o parágrafo único compõe o art. 16 não se podendo ser excluído, salvo se houvesse uma demonstração clara do legislador de que ele pretendia referir-se unicamente ao caput. Logo após a publicação da Lei nº 13.497/2017, essa foi a posição sustentada por Rogério Sanches (http://meusitejuridico.com.br/2017/10/28/lei-13-49717-torna-hediondo-o-crime-de-posse-ou-porte-de-arma-de-fogo-de-uso-restrito/). O STJ também entendeu da mesma forma:

A qualificação de hediondez aos crimes do art. 16 da Lei nº 10.826/2003, inserida pela Lei nº 13.497/2017, abrange os tipos do caput e as condutas equiparadas previstas no seu parágrafo único. STJ. 6ª Turma. HC 526.916-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 01/10/2019 (Info 657).

Veja alguns trechos da ementa:

1. O art. 16 da Lei n. 10.826/2003 prevê gravosas condutas de contato com "arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito", vindo seu parágrafo único a acrescer figuras equiparadas - em gravidade e resposta criminal. 2. Ainda que possam algumas das condutas equiparadas ser praticadas com armas de uso permitido, o legislador as considerou graves ao ponto de lhes fixar reprovação criminal equivalente às condutas do caput. 3. Equiparação é tratamento igual para todos os fins, considerando equivalente o dano social e equivalente também a necessária resposta penal, salvo ressalva expressa. 4. Ao ser qualificado como hediondo o art. 16 da Lei n. 10.826/2003, também as condutas equiparadas, e assim previstas no mesmo artigo, devem receber igual tratamento. 5. Praticado o crime equiparado do parágrafo único do art. 16 da Lei n. 10.826/2003 após a publicação da Lei n. 13.497/2017, que inseriu a qualificação de hediondez, incide esse tratamento mais gravoso ao fato do processo. (...) (HC 526.916/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 08/10/2019)

Vigência e irretroatividade A Lei nº 13.497/2017 entrou em vigor no dia 27/10/2017. A Lei é mais gravosa e, por isso, não tem efeitos retroativos. Assim, quem cometeu o delito do art. 16 do Estatuto do Desarmamento até o dia 26/10/2017, não praticou crime hediondo. Por outro lado, quem cometeu o delito do art. 16 a partir da publicação da Lei nº 13.497/2017, receberá o tratamento mais gravoso destinado aos crimes hediondos. Comparação entre os crimes comuns e os hediondos:

CRIME COMUM CRIME HEDIONDO (OU EQUIPARADO)

Em regra, admite fiança. NÃO admite fiança.

Admite liberdade provisória. Admite liberdade provisória.

Admite a concessão de anistia, graça e indulto. NÃO admite a concessão de anistia, graça e indulto.

O prazo da prisão temporária, quando cabível, será de 5 dias, prorrogável por igual período.

O prazo da prisão temporária, quando cabível, será de 30 dias, prorrogável por igual período.

O regime inicial de cumprimento da pena pode ser fechado, semiaberto ou aberto.

O regime inicial de cumprimento da pena pode ser fechado, semiaberto ou aberto.

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Admite a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP).

Admite a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (art. 44 do CP).

Admite a concessão de sursis, cumpridos os requisitos do art. 77 do CP.

Admite a concessão de sursis, cumpridos os requisitos do art. 77 do CP, salvo no caso do tráfico de drogas por força do art. 44 da Lei nº 11.343/2006.

O réu pode apelar em liberdade, desde que a prisão não seja necessária.

O réu pode apelar em liberdade, desde que a prisão não seja necessária.

Para a concessão do livramento condicional, o apenado deverá cumprir 1/3 ou 1/2 da pena, a depender do fato de ser ou não reincidente em crime doloso.

Para a concessão do livramento condicional, o condenado não pode ser reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados e terá que cumprir mais de 2/3 da pena.

Para que ocorra a progressão de regime, o condenado deverá ter cumprido 1/6 da pena.

Para que ocorra a progressão de regime, o condenado deverá ter cumprido:

2/5 da pena, se for primário; e

3/5 (três quintos), se for reincidente.

A pena do art. 288 do CP (associação criminosa) é de 1 a 3 anos.

A pena do art. 288 do CP (associação criminosa) será de 3 a 6 anos quando a associação for para a prática de crimes hediondos ou equiparados.

LAVAGEM DE DINHEIRO Na denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro, não é necessário que o Ministério Público faça

uma descrição exaustiva e pormenorizada da infração penal antecedente

Se o Ministério Público oferece denúncia por lavagem de dinheiro, ele deverá narrar, além do crime de lavagem (art. 1º da Lei nº 9.613/98), qual foi a infração penal antecedente cometida.

Importante esclarecer, contudo, que não é necessário que o Ministério Público faça uma descrição exaustiva e pormenorizada da infração penal antecedente, bastando apontar a existência de indícios suficientes de que ela tenha sido praticada e que os bens, direitos ou valores que foram “lavados” (ocultados ou dissimulados) sejam provenientes desta infração.

Assim, a aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de infração penal.

STJ. Corte Especial. APn 923-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/09/2019 (Info 657).

Lavagem de dinheiro Lavagem de dinheiro é... - a conduta segundo a qual a pessoa - oculta ou dissimula - a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade - de bens, direitos ou valores - provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal - com o intuito de parecer que se trata de dinheiro de origem lícita. Em palavras mais simples, lavar é transformar o dinheiro “sujo” (porque oriundo de um crime) em dinheiro aparentemente lícito.

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Lei nº 9.613/98 No Brasil, a tipificação e os aspectos processuais do crime de lavagem de dinheiro são regulados pela Lei nº 9.613/98. Em 2012 foi editada uma lei (Lei nº 12.683/2012), que promoveu importantes alterações na Lei nº 9.613/98 com o objetivo de tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.

ART. 1º DA LEI 9.613/98

Antes da Lei 12.683/2012 Depois da Lei 12.683/2012

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II - de terrorismo; II – de terrorismo e seu financiamento; III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante sequestro; V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organização criminosa. VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira (arts. 337-B,

337-C e 337-D do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal). Pena: reclusão de três a dez anos e multa.

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. O rol de incisos foi revogado. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.

Duas inovações no art. 1º Podemos destacar duas novidades trazidas pela Lei nº 12.683/2012: INOVAÇÃO 1: passou a ser infração penal antecedente. • ANTES: somente havia lavagem de dinheiro se a ocultação ou dissimulação fosse de bens, direitos ou valores provenientes de um crime antecedente. • DEPOIS: há lavagem de dinheiro se a ocultação ou dissimulação for de bens, direitos ou valores provenientes de um crime ou de uma contravenção penal. Desse modo, a lavagem de dinheiro continua a ser um crime derivado, mas agora depende de uma infração penal antecedente, que pode ser um crime ou uma contravenção penal. INOVAÇÃO 2: não existe mais um rol taxativo de infrações penais antecedentes. • ANTES: a Lei nº 9.613/98 listava um rol de crimes antecedentes para a lavagem de dinheiro fazendo com que o Brasil, segundo a doutrina majoritária, estivesse enquadrado nas legislações de segunda geração.

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• DEPOIS: qualquer infração penal pode ser antecedente da lavagem de dinheiro. A legislação brasileira de lavagem passou para a terceira geração de leis sobre lavagem de dinheiro no mundo. Vale ressaltar que, se o crime tiver sido praticado antes da Lei nº 12.683/2012, o Ministério Público deverá narrar um crime antecedente que se amolde a um dos incisos do art. 1º segundo a redação que vigorava antes da novidade legislativa. Nesse sentido: “(...) tendo o crime sido praticado antes da alteração legislativa [da Lei 12.683/2012], a denúncia [deve ter] o cuidado de imputar ao paciente a conduta conforme previsão legal à época dos fatos” (STJ. 5ª Turma. HC 276.245/MG, DJe 20/06/2017). Denúncia no crime de lavagem de dinheiro Se o Ministério Público oferece denúncia por lavagem de dinheiro, ele deverá narrar, além do crime de lavagem (art. 1º da Lei nº 9.613/98), qual foi a infração penal antecedente cometida. Importante esclarecer, contudo, que não é necessário que o Ministério Público faça uma descrição exaustiva e pormenorizada da infração penal antecedente, bastando apontar a existência de indícios suficientes de que ela tenha sido praticada e que os bens, direitos ou valores que foram “lavados” (ocultados ou dissimulados) sejam provenientes desta infração penal. Foi o que decidiu o STJ:

A aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio (infração penal antecedente), bastando a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem (bens, direitos ou valores) seja proveniente, direta ou indiretamente, desta infração penal antecedente. STJ. Corte Especial. APn 923-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/09/2019 (Info 657).

Princípio da autonomia O processo e julgamento do crime de lavagem de dinheiro é regido pelo princípio da autonomia. Isso significa que, para a denúncia que imputa ao réu o delito de lavagem de dinheiro ser considerada apta, não é necessária prova concreta da ocorrência da infração penal antecedente, bastando a existência de elementos indiciários de que o capital lavado seja decorrente desta infração penal (STF. 1ª Turma. HC 93.368/PR, DJe de 25/8/2011). Sobre o tema, vale a pena mencionar a redação do art. 2º, II e § 1º da Lei nº 9.613/98:

Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: (...) II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (...) § 1º A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente.

(Delegado PC/MG 2019) A denúncia deverá ser instruída com indícios suficientes da existência de in- fração penal antecedente. (CERTO)

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LEI MARIA DA PENHA A reconciliação entre a vítima e o agressor, no âmbito da violência doméstica e familiar contra a

mulher, não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração penal

A posterior reconciliação entre a vítima e o agressor não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo previsto no art. 387, inciso IV, do CPP, seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque compete à própria vítima decidir se irá promover a execução ou não do título executivo, sendo vedado ao Poder Judiciário omitir-se na aplicação da legislação processual penal que determina a fixação do valor mínimo em favor da ofendida.

CPP/Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: (...) IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;

STJ. 6ª Turma. REsp 1.819.504-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 10/09/2019 (Info 657).

Imagine a seguinte situação hipotética: Pedro agrediu a sua esposa Andrea. Ele foi denunciado pelo Ministério Público e, ao final do processo, condenado. Na sentença, o juiz condenou Pedro a pagar R$ 3 mil em favor da vítima a título de reparação pelos danos morais que ela sofreu. Esse valor foi fixado com base no art. 387, IV, do CPP:

Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: (...) IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº 11.719/2008)

Recurso do condenado Pedro recorreu contra a condenação ao pagamento da quantia, invocando dois argumentos: 1) não houve instrução probatória para comprovar que a vítima sofreu danos morais; 2) ele (réu) e a vítima já se reconciliaram; logo, não faz sentido determinar que ele pague um valor para a sua esposa considerando que vivem juntos. Primeiro tema. Para a fixação do valor da reparação, é necessária a produção de provas dos prejuízos sofridos? Quanto aos danos materiais: SIM. Em caso de danos materiais, o juiz somente poderá fixar a indenização se existirem provas nos autos que demonstrem os prejuízos sofridos pela vítima em decorrência do crime. Dessa feita, é importante que o Ministério Público ou eventual assistente de acusação junte comprovantes dos danos causados pela infração para que o magistrado disponha de elementos para a fixação de que trata o art. 387, IV do CPP. Vale ressaltar, ainda, que o réu tem direito de se manifestar sobre esses documentos juntados e contraditar o valor pleiteado como indenização. Nesse sentido:

A fixação da reparação civil mínima também não dispensa a participação do réu, sob pena de frontal violação ao seu direito de contraditório e ampla defesa, na medida em que o autor da infração faz jus à manifestação sobre a pretensão indenizatória, que, se procedente, pesará em seu desfavor. (...) STJ. 5ª Turma. REsp 1236070/RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 27/03/2012.

No que tange aos danos morais: NÃO. Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral independentemente de instrução probatória.

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A humilhação e a dor que geram dano moral decorrem, inequivocamente, da situação de quem é vítima de uma agressão verbal, física ou psicológica, na condição de mulher. Assim, não há razoabilidade em se exigir instrução probatória para comprovar o dano psíquico, o grau de humilhação, a diminuição da autoestima da vítima. Isso porque a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo ao valor da mulher como pessoa e à sua própria dignidade. A única prova que se exige é a de que houve o crime porque, uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela resultantes são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados. O dano moral é, portanto, considerado como in re ipsa.

Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória. STJ. 3ª Seção. REsp 1643051-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 28/02/2018 (recurso repetitivo) (Info 621).

Logo, como o juiz condenou o réu a pagar a indenização a título de danos morais, não era necessária realmente a realização de instrução probatória. E quanto ao segundo argumento? O fato de o réu e a vítima terem se reconciliado, interfere na indenização? NÃO. A posterior reconciliação entre a vítima e o agressor não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo previsto no art. 387, inciso IV, do CPP, seja porque não há previsão legal nesse sentido, seja porque compete à própria vítima decidir se irá promover a execução ou não do título executivo, sendo vedado ao Poder Judiciário omitir-se na aplicação da legislação processual penal que determina a fixação do valor mínimo em favor da ofendida.

A reconciliação entre a vítima e o agressor, no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher, não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração penal. STJ. 6ª Turma. REsp 1.819.504-MS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 10/09/2019 (Info 657).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PROCEDIMENTO PREVISTO NA LEI 8.038/90 No rito especial da Lei nº 8.038/90, a rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP e a

improcedência da acusação é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP

O art. 6º da Lei nº 8.038/90 prevê que o Tribunal irá se reunir para analisar a denúncia ou queixa oferecida, podendo:

1) receber a denúncia (ou queixa);

2) rejeitar a denúncia (ou queixa);

3) julgar improcedente a acusação se a decisão não depender de outras provas.

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Logo, o Tribunal, ao examinar se a denúncia tem ou não aptidão para ser recebida (hipótese 2 acima), deverá se basear no art. 395 do CPP (que trata sobre as situações de rejeição da denúncia).

Caso o Tribunal entenda pela improcedência da acusação, essa decisão deve ser pautada pelo disposto no art. 397 do CPP (que trata sobre absolvição sumária).

Ao rito especial da Lei nº 8.038/90 aplicam-se, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (art. 394, § 5º, CPP), razão pela qual eventual rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP, ao passo que a improcedência da acusação (absolvição sumária) é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP.

STJ. Corte Especial. APn 923-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/09/2019 (Info 657).

Lei nº 8.038/90 (regula os processos criminais de competência originária do STF/STJ) Se a ação penal for de competência do STF e STJ, ela deverá obedecer a um rito processual próprio previsto na Lei nº 8.038/90. Ex: se um Governador for acusado da prática de um crime relacionado com a sua função, esta ação penal tramitará originariamente no STJ e o procedimento será o da Lei nº 8.038/90. O CPP será aplicado apenas subsidiariamente. Procedimento O procedimento da Lei nº 8.038/90 é, resumidamente, o seguinte: 1. Oferecimento de denúncia (ou queixa). 2. Notificação do acusado para oferecer resposta preliminar no prazo de 15 dias (antes de receber a denúncia):

Art. 4º - Apresentada a denúncia ou a queixa ao Tribunal, far-se-á a notificação do acusado para oferecer resposta no prazo de quinze dias.

3. Se, com a resposta, o acusado apresentar novos documentos, a parte contrária (MP ou querelante) será intimada para se manifestar sobre esses documentos, no prazo de 5 dias. 4. O Tribunal irá se reunir e poderá (art. 6º): 4.a) receber a denúncia (ou queixa); 4.b) rejeitar a denúncia (ou queixa); 4.c) julgar improcedente a acusação se a decisão não depender de outras provas (neste caso, o acusado é, de fato, absolvido). Veja a redação do art. 6º da Lei nº 8.038/90:

Art. 6º A seguir, o relator pedirá dia para que o Tribunal delibere sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas.

Receber a denúncia ou queixa (situação 4.a) Se o Tribunal receber a denúncia (ou queixa), o Relator irá designar dia e hora para audiência. Rejeitar a denúncia ou queixa (situação 4.b) O art. 394, § 5º, do CPP estabelece que devem ser aplicadas, subsidiariamente, ao procedimento especial da Lei 8.038/90, as regras do procedimento ordinário previstas no CPP. Logo, o Tribunal, ao examinar se a denúncia tem ou não aptidão para ser recebida, deverá se basear no art. 395 do CPP, que prevê:

Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta;

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II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

Julgar improcedente a acusação (situação 4.c) Caso o Tribunal entenda pela improcedência da acusação, essa decisão deve ser pautada pelo disposto no art. 397 do CPP. É como se fosse uma absolvição sumária:

Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente.

Desse modo, para a rejeição da denúncia, são examinados aspectos preponderantemente processuais; por outro lado, para a improcedência da acusação, com a absolvição, é examinado o mérito da pretensão punitiva penal (julgamento antecipado de mérito). Em suma:

Ao rito especial da Lei nº 8.038/90 aplicam-se, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (art. 394, § 5º, CPP), razão pela qual eventual rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP, ao passo que a improcedência da acusação (absolvição sumária) é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP. STJ. Corte Especial. APn 923-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/09/2019 (Info 657).

Não confundir: O julgado acima diz que a decisão de “improcedência da acusação”, prevista no art. 6º da Lei nº 8.038/90, é como se fosse uma decisão de absolvição sumária (o “conteúdo” a ser examinado pelo Tribunal é o mesmo). Contudo, deve-se relembrar que a jurisprudência afirma que não se aplica, além da decisão do art. 6º acima explicada, mais uma fase de absolvição sumária, pegando emprestado o art. 397 do CPP. Em outras palavras, não é necessário aplicar, por analogia, o art. 397 do CPP para o procedimento da Lei nº 8.038/90. Isso porque o “conteúdo” do art. 397 do CPP já analisado pelo Tribunal na decisão de que trata o art. 6º da Lei nº 8.038/90. Nesse sentido:

No procedimento previsto na Lei nº 8.038/90 não é necessário que seja aplicada, por analogia, a fase de absolvição sumária estabelecida no art. 397 do CPP. Isso porque o rito previsto nessa lei especial já traz a previsão do denunciado apresentar uma resposta preliminar e a possibilidade do Tribunal julgar improcedente a acusação antes mesmo da ação penal se iniciar. Dessa forma, o art. 4º da Lei 8.038/1990 tem a mesma finalidade e substitui a absolvição sumária do art. 397 do CPP. Não é cabível, em se tratando de ação penal originária (Lei 8.038/1990), que seja assegurado ao acusado citado para a apresentação da defesa prévia prevista no art. 8º da Lei 8.038/1990 o direito de se manifestar nos moldes preconizados no art. 396-A do CPP, com posterior deliberação acerca de absolvição sumária prevista no art. 397 do CPP. STF. 2ª Turma. HC 116653/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 18/2/2014 (Info 736).

É sabido que ao procedimento especial da Lei n.º 8.038/90 é aplicável, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (§ 5.º do art. 394 do CPP). Contudo, não se verifica nem a hipótese de rejeição liminar da queixa (art. 395 do CPP) nem a de absolvição sumária (art. 397 do CPP). STJ. Corte Especial. APn 912/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 07/08/2019.

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HABEAS CORPUS A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de

habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal

A transação penal é um instituto que, por natureza e como regra, ocorre na fase pré-processual. Seu objetivo é impedir a instauração da persecutio criminis in iudicio (persecução penal em juízo).

Se a transação penal foi aceita, isso significa que não existe ação penal em curso. Como não existe ação penal em curso, não se pode falar em habeas corpus para trancar a ação penal. Ela, repito, não existe.

Logo, não se revela viável, após a celebração do acordo, pretender discutir em ação autônoma (HC) a existência de justa causa para ação penal. Trata-se de decorrência lógica, pois não há ação penal instaurada que se possa trancar.

STJ. 6ª Turma. HC 495.148-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/09/2019 (Info 657).

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO E HABEAS CORPUS PEDINDO O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

O que é a suspensão condicional do processo? Suspensão condicional do processo é: - um instituto despenalizador - oferecido pelo MP ou querelante ao acusado - que tenha sido denunciado por crime cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 ano - e que não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, - desde que presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). Previsão legal A suspensão condicional do processo está prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/95. No entanto, vale ressaltar que não se aplica apenas aos processos do juizado especial (infrações de menor potencial ofensivo), mas sim em todos aqueles cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 ano, podendo, portanto, a pena máxima ser superior a 2 anos.

Período de prova Caso o acusado aceite a proposta, o processo ficará suspenso, pelo prazo de 2 a 4 anos (período de prova), desde que ele aceite cumprir determinadas condições impostas pela lei e a outras que podem ser fixadas pelo juízo. Período de prova é, portanto, o prazo no qual o processo ficará suspenso, devendo o acusado cumprir as condições impostas neste lapso temporal. O período de prova é estabelecido na proposta de suspensão e varia de 2 até 4 anos. Imagine agora a seguinte situação: João foi denunciado pela prática do crime de descaminho (art. 334, caput, do CP). O juiz recebeu a denúncia e designou audiência. A defesa de Pedro impetrou habeas corpus no TRF pedindo o trancamento da ação penal por ausência de justa causa. O habeas corpus ficou lá no TRF aguardando ser julgado. Antes que o writ fosse apreciado, chegou o dia da audiência. Como a pena mínima deste delito é igual a 1 ano, o MP ofereceu proposta de suspensão condicional do processo. João, acompanhado de seu advogado, aceitou a proposta pelo período de prova de 2 anos.

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Ocorre que havia um habeas corpus tramitando no TRF e que ainda não havia sido julgado. Diante disso, indaga-se: com a suspensão condicional do processo, o habeas corpus que estava pendente fica prejudicado ou o TRF deverá julgá-lo mesmo assim? O Tribunal deverá julgar o habeas corpus. É a posição tranquila da jurisprudência:

O fato de o denunciado ter aceitado a proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério Público (art. 89 da Lei nº 9.099/95) não constitui empecilho para que seja proposto e julgado habeas corpus em seu favor, no qual se pede o trancamento da ação penal. Isso porque o réu que está cumprindo suspensão condicional do processo fica em liberdade, mas ao mesmo tempo terá que cumprir determinadas condições impostas pela lei e pelo juiz e, se desrespeitá-las, o curso do processo penal retomará. Logo, ele tem legitimidade e interesse de ver o HC ser julgado para extinguir de vez o processo. STJ. 5ª Turma. RHC 41527-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 3/3/2015 (Info 557).

Essa é a opinião também da doutrina majoritária: “Habeas corpus e suspensão condicional do processo: inexiste qualquer incompatibilidade para o ingresso de habeas corpus contra processo suspenso em razão do benefício previsto no art. 89 desta Lei. O denunciado pode aceitar a suspensão condicional do processo por reputar mais favorável naquele momento, mas resolver discutir fatores relevantes, como a materialidade do delito, em habeas corpus. Se este for concedido, tranca-se a ação, finalizando, de imediato, a suspensão condicional do processo, que não deixa de ser um gravame ao benefíciário, pois há regras a respeitar.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Comentadas. 5ª ed. São Paulo: RT, 2008, p. 819). TRANSAÇÃO PENAL E HABEAS CORPUS PEDINDO O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL

O que é a transação penal? Transação penal é... - um acordo - celebrado entre o MP (se a ação penal for pública) ou o querelante (se for privada) - e o indivíduo apontado como autor do crime - por meio do qual a acusação - antes de oferecer a denúncia (ou queixa-crime) - propõe ao suspeito que ele, mesmo sem ter sido ainda condenado, - aceite cumprir uma pena restritiva de direitos ou pagar uma multa - e em troca disso a ação penal não é proposta e o processo criminal nem se inicia. O instituto da transação penal é previsto na Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95):

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

Imagine agora a seguinte situação hipotética: Pedro foi denunciado pela prática de lesões corporais dolosas. O juiz recebeu a denúncia. A defesa de Pedro impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça pedindo o trancamento da ação penal por ausência de justa causa. O habeas corpus ficou lá no TJ aguardando ser julgado. Enquanto isso, foi designada audiência. No curso da audiência, o Ministério Público, melhor analisando os fatos, entendeu que houve lesões corporais culposas, infração de menor potencial ofensivo, prevista no art. 129, § 6º do Código Penal:

Art. 129 (...) § 6º Se a lesão é culposa:

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Pena - detenção, de dois meses a um ano.

Assim, na própria audiência, o Promotor de Justiça pediu a desclassificação para lesões corporais culposas, pleito que foi acolhido pelo juiz. Em seguida, o Promotor ofereceu proposta de transação penal, que foi aceita por João. O juiz homologou o acordo de transação penal e tornou sem efeito a decisão de recebimento da denúncia. A decisão que recebeu a denúncia foi anulada pelo juiz considerando que o benefício da transação penal ocorre antes do início da ação penal. Como você lembra, havia um habeas corpus tramitando no TJ e que ainda não havia sido julgado. Diante disso, indaga-se: com a celebração da transação penal, o habeas corpus que estava pendente fica prejudicado ou o TJ deverá julgá-lo mesmo assim? Fica prejudicado. Se a transação penal foi aceita, não existe ação penal para ser trancada por meio de HC A transação penal é um instituto que, por natureza e como regra, ocorre na fase pré-processual. Seu objetivo é impedir a instauração da persecutio criminis in iudicio (persecução penal em juízo). Se a transação penal foi aceita, isso significa que não existe ação penal em curso. Como não existe ação penal em curso, não se pode falar em habeas corpus para trancar a ação penal. Ela, repito, não existe. Logo, não se revela viável, após a celebração do acordo, pretender discutir em ação autônoma (HC) a existência de justa causa para ação penal. Trata-se de decorrência lógica, pois não há ação penal instaurada que se possa trancar.

A concessão do benefício da transação penal impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal. STJ. 6ª Turma. HC 495.148-DF, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 24/09/2019 (Info 657).

A solução não pode ser a mesma daquela adotada no caso de suspensão condicional do processo No caso da suspensão condicional do processo, a ação penal está em curso. Desse modo, entende-se, mesmo estando suspenso o processo, é possível que ele seja impugnado por meio de habeas corpus considerando que, se forem descumpridas as condições do acordo, a ação será retomada.

Mesmo que já tenha sido concedida suspensão condicional do processo ou transação penal, é possível que a defesa impetre habeas corpus pedindo o trancamento da ação penal?

Se foi concedida suspensão condicional do processo: SIM

Se foi concedida transação penal: NÃO

Na suspensão condicional do processo, a denúncia já foi recebida, de forma que já existe ação penal instaurada. O processo, mesmo estando suspenso, pode voltar a tramitar caso o denunciado descumpra alguma das condições impostas.

A transação penal é um instituto cuja aplicação, por natureza e como regra, ocorre na fase pré-processual, pois visa impedir a instauração da persecução penal em juízo. Logo, na transação penal não existe denúncia recebida e, portanto, não há ação penal em curso para ser trancada.

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EXECUÇÃO PENAL Condenado que estava cumprindo pena em prisão domiciliar foi autorizado a frequentar os cultos de sua igreja às quintas e domingos, de 19h às 21h

Reeducando, em prisão domiciliar, pode ser autorizado a se ausentar de sua residência para frequentar culto religioso no período noturno.

O cumprimento de prisão domiciliar não impede a liberdade de culto, quando compatível com as condições impostas ao reeducando, atendendo à finalidade ressocializadora da pena.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.788.562-TO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/09/2019 (Info 657).

Imagine a seguinte situação hipotética: João está cumprindo pena em prisão domiciliar (com monitoramento eletrônico) considerando que não há vagas em unidade prisional destinada ao regime semiaberto. De acordo com a decisão do juiz que deferiu a prisão domiciliar, João pode realizar trabalho externo, no entanto, deverá se recolher em casa no máximo até às 19h. João pediu ao magistrado autorização para frequentar os cultos religiosos de sua igreja, que ocorrem às quintas, sextas, sábados e domingos, no horário de 19h às 21h. O juiz negou o pedido afirmando que autorizar que se fosse autorizado que o apenado frequentasse os cultos religiosos nos dias pedidos isso significaria suprimir a própria pena, uma vez que o reeducando já trabalha e ainda terá vida social ativa com frequência a cultos em 4 dias da semana, retirando da pena seu caráter sancionador. A discussão sobre o tema chegou até o STJ. O que o STJ decidiu? João terá direito de frequentar os cultos? SIM.

Reeducando, em prisão domiciliar, pode ser autorizado a se ausentar de sua residência para frequentar culto religioso no período noturno. STJ. 6ª Turma. REsp 1.788.562-TO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/09/2019 (Info 657).

O direito à assistência religiosa está previsto no art. 5º, VI e VII, da Constituição Federal:

Art. 5º (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

Do mesmo modo, o art. 24 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84) prevê que o apenado tem direito à assistência religiosa:

Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa. § 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos. (...)

A liberdade religiosa é prevista, igualmente, no artigo 12 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). A prática religiosa inclui o direito ao culto, ou seja, o direito de frequentar a igreja e participar das liturgias religiosas.

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O cumprimento de prisão domiciliar não impede a liberdade de culto, quando compatível com as condições impostas ao reeducando, atendendo à finalidade ressocializadora da pena. Vale ressaltar que a autorização está em harmonia com a finalidade da pena de ressocializar o reeducando, além de atender aos princípios da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana. Observação final: No caso concreto, o STJ autorizou que o apenado frequentasse o culto em dois dias por semana, às quintas e domingos.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

COMPETÊNCIA Militar foi reformado por invalidez; anos depois, assumiu cargo público e ficou recebendo os proventos e a remuneração do cargo; apesar disso, declarou à Marinha que não tinha outra

fonte de renda; essa conduta, em tese, criminosa deve ser apurada pela Justiça Militar

É competente a Justiça Militar, na forma do art. 9º, III, “a”, do Código Penal Militar, para conduzir inquérito policial no qual se averiguam condutas que têm, no mínimo, potencial para causar prejuízo à Administração Militar (e/ou a seu patrimônio), seja decorrente da percepção ilegal de proventos de reforma por invalidez permanente que se revelem incompatíveis com o exercício de outra atividade laboral civil, seja em virtude da apresentação de declaração falsa perante a Marinha do Brasil.

STJ. 3ª Seção. CC 167.101-DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/09/2019 (Info 657).

Imagine a seguinte situação hipotética: João era Aspirante da Marinha do Brasil. Ele foi diagnosticado com nefropatia grave, sendo considerado inválido para o serviço militar. Com isso, foi reformado em razão de invalidez permanente. Em outras palavras, ele saiu da ativa (em virtude da enfermidade) e ficou recebendo proventos da Marinha. Alguns anos mais tarde, João prestou concurso público para a INFRAERO, empresa pública federal, e, tendo sido aprovado, passou a exercer o cargo de Analista Superior. Isso significa que ele passou a receber, simultaneamente, proventos pagos pela Marinha do Brasil e pela INFRAERO. Ocorre que a legislação não admite que uma pessoa que está recebendo proventos de reforma por invalidez permanente ocupe cargo público remunerado. Vale ressaltar, inclusive, que todos os anos a Marinha exige um recadastramento dos militares reformados e, ao realizá-lo, João assinou declaração que não exercia atividade remunerada pública ou privada. Essa situação irregular foi detectada em 2016 pelo TCU. Diante da acumulação ilícita (art. 37, § 10 da CF/88), João foi notificado para que fizesse a opção sobre qual das duas remunerações desejava permanecer recebendo e escolheu continuar com os proventos, optando por romper o vínculo com a INFRAERO. Investigação criminal e dúvida sobre a competência para julgar eventual crime Foi aberta investigação criminal para apurar os fatos, tendo, contudo, surgido dúvida de quem seria a competência para julgar eventual crime cometido. • Justiça Militar:

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A Justiça Militar entendeu que, como o investigado optou por continuar a receber os proventos correspondentes à reforma pela Marinha do Brasil, tais pagamentos seriam considerados lícitos e devidos, reputando-se indevidos aqueles efetuados pela INFRAERO (empresa pública federal), que teria sido a ofendida, já que suportou os prejuízos. Assim sendo, no seu entender, o foro competente para a apreciar investigação seria a Justiça Federal Comum considerando que não teria havido prejuízo ao patrimônio ou à ordem administrativa militar. • Justiça Federal comum: Também disse que não era competente. A Justiça Federal comum afirmou que a conduta do investigado se amolda, em tese, ao delito capitulado no art. 312 do CPM, eis que, para continuar percebendo os proventos de reforma por invalidez, o investigado declarou falsamente que não exercia atividade remunerada, mesmo ainda se encontrando no exercício do cargo na INFRAERO. Logo, a competência seria da Justiça Militar. De quem é a competência: Justiça Militar ou Justiça Federal comum? Justiça Militar.

É competente a Justiça Militar, na forma do art. 9º, III, “a”, do Código Penal Militar, para conduzir inquérito policial no qual se averiguam condutas que têm, no mínimo, potencial para causar prejuízo à Administração Militar (e/ou a seu patrimônio), seja decorrente da percepção ilegal de proventos de reforma por invalidez permanente que se revelem incompatíveis com o exercício de outra atividade laboral civil, seja em virtude da apresentação de declaração falsa perante a Marinha do Brasil. STJ. 3ª Seção. CC 167.101-DF, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/09/2019 (Info 657).

A CF/88 trata sobre o tema no art. 37, § 10:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

No caso concreto, existe um complicador: o fato de que se trata de acumulação de proventos de aposentadoria por invalidez com vencimentos de cargo público. Segundo prevê o art. 110, § 1º, do Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80), o militar julgado incapaz definitivamente é considerado impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho. O art. 78 do Decreto nº 4.307/2002 determina a suspensão do pagamento do auxílio-invalidez se ficar constatado que o militar exerce qualquer outra atividade remunerada. Se o Poder Judiciário considerar que não era possível o recebimento concomitante das duas verbas, constata-se que o agente causou prejuízo econômico à Marinha ao receber os proventos. Por outro lado, ainda que se considere que era possível o recebimento concomitante, neste caso não se pode desconsiderar que o investigado apresentou declaração falsa perante a Marinha do Brasil, o que também implica óbvio prejuízo causado à Administração Militar. Dessa forma, se por uma ótica ou outra, a conduta em tese delituosa ofendeu bens jurídicos ligados à Marinha do Brasil, configurando, portanto, hipótese de crime a ser apurado pela Justiça Militar, nos termos do art. 9º, III, “a”, do Código Penal Militar:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

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(...) III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

Vale ressaltar, por fim, que não é a opção do investigado por uma das duas fontes de remuneração que vinha acumulando que definirá qual delas era recebida indevidamente, mas sim, a identificação de vedação legal que englobe a situação descrita nos autos. Em outras palavras, não é por que o investigado optou por continuar a receber os proventos que significa que o recebimento anterior tenha sido legítimo.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IPI Incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, haja vista que tal cobrança

não viola o princípio da não cumulatividade nem configura bitributação

Atualize o Info 557-STJ

Incide o IPI em importação de veículos automotores por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial, e o faça para uso próprio.

STF. Plenário. RE 723651/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 3 e 4/2/2016 (repercussão geral – Tema 643) (Info 574).

Incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, haja vista que tal cobrança não viola o princípio da não cumulatividade nem configura bitributação.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.396.488-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – revisão do Tema 695) (Info 657).

IPI IPI é a sigla para Imposto sobre Produtos Industrializados. Trata-se de um tributo federal e que incide sobre a produção e a circulação de produtos industrializados. O IPI foi instituído por meio da Lei nº 4.502/64.

Fato gerador do IPI Segundo o art. 46 do CTN, o IPI possui três fatos geradores: I — o desembaraço aduaneiro do produto industrializado, quando de procedência estrangeira; II — a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial; III — a arrematação do produto industrializado, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão. Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética: João, rico advogado, decide importar da Itália, por conta própria, uma Ferrari para utilizar durante os finais de semana. A Receita Federal cobrou dele o pagamento do IPI, com base no art. 46, I, do CTN. O advogado ajuizou ação contestando a cobrança sob o argumento de que não incidiria IPI no desembaraço aduaneiro de veículo importado por consumidor para uso próprio.

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Segundo argumentou João, o fato gerador do IPI é o exercício de atividade mercantil ou assemelhada, quadro no qual não se encaixa o consumidor final que importa o veículo para uso próprio e não para fins comerciais. Argumentou, ainda, que o IPI é um imposto não cumulativo (art. 153, § 3º, II, da CF/88), o que significa que é possível compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, ou seja, o valor pago na operação imediatamente anterior pode ser abatido do mesmo imposto em operação posterior (art. 49 do CTN). João argumentou que o IPI só pode incidir nos casos em que a pessoa que importou ainda irá “repassar” esse custo do imposto para a pessoa que comprar depois. No caso dele, como ninguém irá comprar depois, ele não tem que pagar o IPI. A questão chegou até o STF. O que decidiu a Corte? Incide IPI no caso de importação de veículos para uso próprio? SIM.

Incide o IPI em importação de veículos automotores por pessoa natural, ainda que não desempenhe atividade empresarial, e o faça para uso próprio. STF. Plenário. RE 723651/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 3 e 4/2/2016 (repercussão geral – Tema 643) (Info 574).

Não existe imunidade para a importação de veículos A CF/88 estabelece a imunidade do IPI para produtos exportados. Isso não ocorre, contudo, para produtos importados. Assim, não existe imunidade no caso de importação de veículos. E não importa se quem importou é pessoa física ou jurídica, assim como também não interessa o fato de o importador não exercer o comércio e adquirir o bem para uso próprio. Não há bitributação e o princípio da não cumulatividade não autoriza a dispensa do imposto A cobrança do IPI não afronta o princípio da não cumulatividade nem implica bitributação. Não há que se falar em bitributação porque o IPI só incidirá uma vez: no momento do desembaraço aduaneiro. Caso posteriormente ele decida vender o carro, não terá que pagar novamente o IPI. Não há que se falar em não exigência do imposto por conta do princípio da não cumulatividade. Isso porque o fato de não haver uma operação posterior na qual o importador pudesse fazer o abatimento do valor pago na importação não conduz à conclusão de que o tributo, nesta hipótese, será indevido, pois tal conclusão equivaleria a conceder uma isenção de tributo, ao arrepio da lei. Nas importações para uso próprio, o importador age como substituto tributário do exportador, que não pode ser alcançado pelas leis brasileiras, descaracterizando o IPI como tributo indireto, em tais hipóteses. Princípio da isonomia A cobrança do IPI para importação de veículos está de acordo com o princípio da isonomia, uma vez que promove igualdade de condições tributárias entre o fabricante nacional, já sujeito ao imposto em território nacional, e o fornecedor estrangeiro. Isso porque o fornecedor estrangeiro, como está exportando o produto, não paga imposto no país de origem e este chegaria ao Brasil em condições muito mais favoráveis que os produtos produzidos na indústria nacional. STJ Vale ressaltar que o julgamento acima representa radical mudança de entendimento. Isso porque tanto o STF como o STJ entendiam que NÃO incidia IPI na importação de veículos para uso próprio. O STJ possuía uma tese fixada em recurso especial repetitivo: “É firme o entendimento no sentido de que não incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, tendo em vista que o fato gerador do referido tributo é a operação de natureza mercantil ou assemelhada e, ainda, por aplicação do princípio da não cumulatividade.” (STJ. 1ª Seção. REsp 1396488/SC, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 25/02/2015).

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Informativo 657-STJ (25/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 46

Diante do efeito vinculante dos pronunciamentos emanados em via de repercussão geral, o STJ decidiu rever seu antigo posicionamento e se adequar ao STF. Nesse panorama, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, com esteio no art. 927, § 4º do CPC/2015 e art. 256-S, do RISTJ, o STJ alterou a tese fixada no REsp n. 1.396.488/SC (Tema 695/STJ) para adequação com o entendimento formulado no RE n. 723.651/PR, em repercussão geral (Tema 643/STF). A nova tese fixada pelo STJ foi a seguinte:

Incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, haja vista que tal cobrança não viola o princípio da não cumulatividade nem configura bitributação. STJ. 1ª Seção. REsp 1.396.488-SC, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 25/09/2019 (recurso repetitivo – revisão do Tema 695) (Info 657).

PIS/COFINS A receita derivada da operação denominada back to back não goza de isenção da contribuição do PIS e da COFINS

Com o objetivo de incentivar as exportações, a legislação brasileira prevê que não incidirá PIS/PASEP e COFINS sobre as receitas auferidas pela pessoa jurídica com a exportação de mercadorias para o exterior.

A receita derivada da operação denominada back to back não goza dessa isenção da contribuição do PIS e da COFINS. Isso porque a operação back to back não pode ser considerada como exportação.

A operação back to back é aquela na qual uma empresa brasileira compra um produto de uma empresa no estrangeiro e revende essa mercadoria para outra pessoa que também está no estrangeiro. A grande peculiaridade, no entanto, é que esse produto vendido nem entra no território brasileiro. Assim, a operação back to back ocorre quando uma empresa nacional compra um produto de outro país, e envia para outro local no exterior, sem que este passe por território nacional. Como a mercadoria não sai do Brasil para o exterior, essa operação não se configura, de fato, como uma exportação e, portanto, não está abrangida pela isenção de PIS e COFINS.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.651.347-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 05/09/2019 (Info 657).

PIS/PASEP O sentido histórico dessas duas siglas é o seguinte: • PIS: Programa de Integração Social. • PASEP: Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público.

O PIS e o PASEP foram criados separadamente, mas desde 1976 foram unificados e passaram a ser denominados de PIS/PASEP. Segundo a Lei nº 10.637/2002, a contribuição para o PIS/Pasep incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

COFINS Significa Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social. A COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) é uma espécie de tributo, instituída pela Lei Complementar 70/91, nos termos do art. 195, I, “b”, da CF/88. A COFINS incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil (art. 1º da Lei nº 10.833/2003).

Isenção de PIS/PASEP e COFINS A MP 2.158-35/2001 e as Leis nº 10.833/2003, 10.637/2002 e 10.865/2004 previram hipóteses em que haveria isenção e suspensão de incidência de PIS/PASEP e COFINS.

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Informativo 657-STJ (25/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 47

Tais dispositivos estabelecem que não incidirá PIS/PASEP e COFINS sobre as receitas auferidas pela pessoa jurídica com a exportação de mercadorias para o exterior. Elas estão ligadas a situações em que a pessoa jurídica exporta mercadorias para o exterior. Veja:

Medida Provisória n° 2.158-35/2001 Art. 14. Em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 1999, são isentas da COFINS as receitas: (...) II - da exportação de mercadorias para o exterior; (...) VIII - de vendas realizadas pelo produtor-vendedor às empresas comerciais exportadoras nos termos do Decreto-Lei nº 1.248, de 29 de novembro de 1972, e alterações posteriores, desde que destinadas ao fim específico de exportação para o exterior; IX - de vendas, com fim específico de exportação para o exterior, a empresas exportadoras registradas na Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; (...) § 1º São isentas da contribuição para o PIS/PASEP as receitas referidas nos incisos I a IX do caput. (...)

Lei nº 10.637/2002 Art. 5º A contribuição para o PIS/Pasep não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de: I - exportação de mercadorias para o exterior; (...) III - vendas a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação. (...)

Lei nº 10.833/2003 Art. 6º A COFINS não incidirá sobre as receitas decorrentes das operações de: I - exportação de mercadorias para o exterior; (...) III - vendas a empresa comercial exportadora com o fim específico de exportação.

Lei nº 10.865/2004 Art. 40. A incidência da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS ficará suspensa no caso de venda de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem destinados a pessoa jurídica preponderantemente exportadora. (...) § 6º-A. A suspensão de que trata este artigo alcança as receitas de frete, bem como as receitas auferidas pelo operador de transporte multimodal, relativas a frete contratado pela pessoa jurídica preponderantemente exportadora no mercado interno para o transporte dentro do território nacional de: I - matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem adquiridos na forma deste artigo; e II - produtos destinados à exportação pela pessoa jurídica preponderantemente exportadora. § 7º Para fins do disposto no inciso II do § 6º-A deste artigo, o frete deverá referir-se ao transporte dos produtos até o ponto de saída do território nacional. § 8º O disposto no inciso II do § 6º-A deste artigo aplica-se também na hipótese de vendas a empresa comercial exportadora, com fim específico de exportação.

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Operação back to back A operação back to back é aquela na qual uma empresa brasileira compra um produto de uma empresa no estrangeiro (país 1) e revende essa mercadoria para outra pessoa que também está no estrangeiro (país 2). A grande peculiaridade, no entanto, é que esse produto vendido nem entra no território brasileiro. Ele vai direto da empresa que está no país 1 para aquela que se encontra localizada no país 2. Assim, “a operação back to back ocorre quando uma empresa nacional compra um produto de outro país, e envia para outro local no exterior, sem que este passe por território nacional. Quem realiza a entrega do produto é a própria empresa estrangeira vendedora. Trata-se de uma operação triangular.” (https://blog.conexos.com.br/operacao-back-to-back/) Podemos citar o seguinte exemplo: uma pessoa no Brasil compra um produto da China com o objetivo de vender esta mercadoria a alguém no Canadá. Na operação back to back, em vez do produto ser importado para o Brasil e daqui ser enviado para o Canadá (seu destino final), combina-se com o vendedor da China para que ele entregue diretamente ao comprador do Canadá. Vimos que essa isenção de PIS e COFINS é aplicável para as receitas oriundas de exportações. Daí, indaga-se essa isenção abrange também as receitas auferidas com operações de back to back? As operações de venda back to back podem ser consideradas como operações de exportação e, portanto, beneficiadas com a isenção da contribuição ao PIS e a COFINS? NÃO. Conforme já explicado, na operação back to back, a compra e venda de produtos estrangeiros é realizada no exterior por empresa estabelecida no Brasil, sem que a mercadoria transite fisicamente pelo território brasileiro. Essa operação não se configura, de fato, como uma exportação e, portanto, não está abrangida pela isenção de PIS e COFINS. Na exportação, ocorre a saída de bens do Brasil com destino ao exterior. Na operação back to back, por outro lado, a mercadoria não entra nem sai do Brasil. Toda operação ocorre no exterior. A receita derivada da operação de compra e venda, no exterior, portanto, não caracteriza receita de exportação. Em suma:

A receita derivada da operação denominada back to back não goza de isenção da contribuição do PIS e da COFINS. STJ. 1ª Turma. REsp 1.651.347-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 05/09/2019 (Info 657).

IPTU Se um imóvel é incluído dentro da abrangência de uma Estação Ecológica (Unidade de

Conservação de Proteção Integral), deixa de ser devido o pagamento de IPTU

A qualificação de imóvel como estação ecológica limita o direito de propriedade, o que afasta a incidência do IPTU.

A inclusão do imóvel do particular em Estação Ecológica representa uma evidente limitação administrativa imposta pelo Estado, ocasionando o esvaziamento completo dos atributos inerentes à propriedade, retirando-lhe o domínio útil do imóvel.

Além disso, o art. 49 da Lei nº 9.985/2000 estabelece que a área de uma unidade de conservação de proteção integral é considerada zona rural para efeitos legais, motivo pelo qual não incide IPTU, mas sim ITR, sendo este último tributo de competência tributária exclusiva da União.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.695.340-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/09/2019 (Info 657).

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IPTU IPTU significa imposto sobre propriedade territorial urbana de bens imóveis, sendo tributo de competência dos Municípios. O IPTU está previsto no art. 156, I, da CF/88:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana;

Normas que regem o IPTU • CF/88 (arts. 156, I, e § 1º; art. 182, § 4º, II); • CTN (arts. 32 a 34); • Estatuto da Cidade - Lei federal nº 10.257/2001 (art. 7º); • Lei municipal que institua o imposto (verificar a lei local). Características Trata-se de um imposto: • Real: incide sobre uma coisa (propriedade imobiliária urbana); • Direto: o próprio contribuinte é quem suporta o encargo financeiro da tributação (não há repercussão econômica); • Fiscal: a função precípua deste imposto é a arrecadação (imposto fiscal). Vale ressaltar, no entanto, que, em alguns casos, ele poderá assumir também um caráter extrafiscal (forma de estimular o cumprimento da função social da propriedade); • Progressivo: pode ser progressivo no tempo caso a propriedade não esteja cumprindo sua função social (art. 182, § 4º), além de poder ser progressivo em razão do valor do imóvel (art. 156, § 1º, I); Fato gerador

O fato gerador do IPTU é a...

• propriedade • domínio útil ou • posse

- de bem imóvel - localizado na zona urbana.

IPTU x ITR O IPTU incide sobre imóveis urbanos. O ITR recai sobre imóveis rurais. Assim, em regra, o ITR incide apenas sobre imóveis rurais. Se o imóvel for urbano, o imposto devido é o IPTU. O conceito de imóvel rural é dado por exclusão. O CTN, em seu art. 32, §§ 1º e 2º, explica em que consiste o imóvel urbano para fins de incidência do IPTU. Se o imóvel não se enquadrar em tais critérios, será considerado rural. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João é proprietário de um imóvel localizado na zona urbana de Belo Horizonte e todos os anos pagava IPTU normalmente ao Município. Determinado dia, o Estado de Minas Gerais editou uma lei criando uma Estação Ecológica. O imóvel de João foi incluído dentro desta Estação Ecológica. A Estação Ecológica é uma espécie de unidade de conservação prevista no art. 9º da Lei nº 9.985/2000:

Art. 8º O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação: I - Estação Ecológica; (...)

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Informativo 657-STJ (25/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 50

Art. 9º A Estação Ecológica tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas. § 1º A Estação Ecológica é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei. (...) § 4º Na Estação Ecológica só podem ser permitidas alterações dos ecossistemas no caso de: I - medidas que visem a restauração de ecossistemas modificados; II - manejo de espécies com o fim de preservar a diversidade biológica; III - coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades científicas; IV - pesquisas científicas cujo impacto sobre o ambiente seja maior do que aquele causado pela simples observação ou pela coleta controlada de componentes dos ecossistemas, em uma área correspondente a no máximo três por cento da extensão total da unidade e até o limite de um mil e quinhentos hectares.

Diante disso, João afirmou que não mais tinha que pagar IPTU. O Município de Belo Horizonte não concordou e ajuizou execução fiscal contra João cobrando o imposto. Quem tem razão: o Município ou João? João. Limitação administrativa que desnatura por completo o domínio útil do particular A inclusão do imóvel do particular em Estação Ecológica representa uma evidente limitação administrativa imposta pelo Estado, ocasionando ao proprietário do imóvel, restrição ao exercício dos poderes inerente à propriedade. O regime jurídico da Estação Ecológica impõe proteção integral da área, tanto que a lei afirma que a posse e o domínio passam a ser do Poder Público. Desse modo, com a inclusão do imóvel na Estação Ecológica, a propriedade e a posse do particular sobre o bem ficam inteiramente comprometidas mesmo antes que o Poder Público realize o processo de desapropriação. Assim, considerando estas limitações administrativas que desnaturam por completo o domínio útil exercido pelo particular, deve-se concluir que ele deixa de ser considerado sujeito passivo do IPTU em relação a este bem. Unidade de proteção integral é zona rural por força de lei Vale ressaltar, ainda, um outro argumento. Como vimos acima, o IPTU tem incidência sobre bens imóveis localizados na zona urbana. Ocorre que, segundo o art. 49 da Lei nº 9.985/2000, as unidades de conservação de proteção integral são consideradas como bens rurais. Veja:

Art. 49. A área de uma unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral é considerada zona rural, para os efeitos legais.

Sendo considerado imóvel rural, somente poderia ser tributado pelo imposto territorial rural (ITR), cuja competência tributária é específica da União, e não do Município. Em suma:

A qualificação de imóvel como estação ecológica limita o direito de propriedade, o que afasta a incidência do IPTU. STJ. 2ª Turma. REsp 1.695.340-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17/09/2019 (Info 657).

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Informativo 657-STJ (25/10/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 51

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Quando a Defensoria Pública atua como custos vulnerabilis, a sua participação processual ocorre como

representante da parte em juízo. ( ) 2) Para o STJ, a intervenção da Defensoria Pública como custos vulnerabilis é o mesmo que amicus curiae. ( ) 3) Cabe recurso hierárquico próprio ao Presidente da República contra penalidade disciplinar aplicada por

delegação com base no Decreto 3.035/99. ( ) 4) É trienal o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança, materializada em boleto bancário,

ajuizada por operadora do plano de saúde contra empresa que contratou o serviço de assistência médico-hospitalar para seus empregados. ( )

5) Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância. ( )

6) Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma. ( )

7) Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, é ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. ( )

8) Em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, o descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor. ( )

9) O registro de uma expressão como marca de alto renome afasta a possibilidade de utilizá-la no nome de um empreendimento imobiliário. ( )

10) Adulterar placa de veículo reboque ou semirreboque configura o crime do art. 311 do CP. ( ) 11) O delito do art. 359-C do Código Penal é próprio ou especial, só podendo ser cometido por agentes

públicos titulares de mandato ou legislatura. ( ) 12) A qualificação de hediondez aos crimes do art. 16 da Lei nº 10.826/2003, inserida pela Lei nº 13.497/2017,

abrange os tipos do caput e as condutas equiparadas previstas no seu parágrafo único. ( ) 13) Na denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro, não é necessário que o Ministério Público faça uma

descrição exaustiva e pormenorizada da infração penal antecedente. ( ) 14) A reconciliação entre a vítima e o agressor, no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher,

não é fundamento suficiente para afastar a necessidade de fixação do valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração penal. ( )

15) No rito especial da Lei nº 8.038/90, a rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP e a improcedência da acusação é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP. ( )

16) A concessão do benefício da transação penal não impede a impetração de habeas corpus em que se busca o trancamento da ação penal. ( )

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17) Reeducando, em prisão domiciliar, pode ser autorizado a se ausentar de sua residência para frequentar culto religioso no período noturno. ( )

18) É competente a Justiça Militar, na forma do art. 9º, III, “a”, do Código Penal Militar, para conduzir inquérito policial no qual se averiguam condutas que têm, no mínimo, potencial para causar prejuízo à Administração Militar (e/ou a seu patrimônio), seja decorrente da percepção ilegal de proventos de reforma por invalidez permanente que se revelem incompatíveis com o exercício de outra atividade laboral civil, seja em virtude da apresentação de declaração falsa perante a Marinha do Brasil. ( )

19) Incide IPI sobre veículo importado para uso próprio, haja vista que tal cobrança não viola o princípio da não cumulatividade nem configura bitributação. ( )

20) A qualificação de imóvel como estação ecológica limita o direito de propriedade, o que afasta a incidência do IPTU. ( )

Gabarito

1. E 2. E 3. C 4. E 5. C 6. C 7. C 8. C 9. E 10. E

11. C 12. C 13. C 14. C 15. C 16. E 17. C 18. C 19. C 20. C