A hora da moda inclusiva · 2018. 3. 6. · A hora da moda inclusiva 5 INTRODUÇÃO A moda...
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A hora da moda inclusiva 1
2 A essência do nós
AUTOR: Stephany Berardineli
ILUSTRAÇÃO: Gabi Cezar
REVISÃO: Sarita Santos
PREPARAÇÃO: Andreia Terzariol Couto/ Cibele Buoro
DIAGRAMAÇÃO: Evelim Dias
CIP - Catalogação na Publicação
Elaborada pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da
Universidade Paulista com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Linguagem Portuguesa.
Berardineli, Stephany
A essência do nós - a hora da moda inclusiva / Stephany Berardineli. –
2017.
112 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) apresentado ao Instituto
de Ciência Sociais e Comunicação da Universidade Paulista, Campinas,
2017.
Área de Concentração: Livro-reportagem.
Orientador: Prof. Dra. Andreia Terzariol Couto.
Coorientador: Prof. Me. Cibele Maria Buoro.
1. moda. 2. inclusão . 3. pessoa com deficiencia. 4. sustentabilidade. 5.
social. I. Terzariol Couto, Andreia (orientador). II. Buoro, Cibele Maria
(coorientador). III.Título.
A hora da moda inclusiva 3
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................... 5
I.O DESPERTAR.................................................................. 7
Os movimentos da moda na atualidade ........................... 11
A emancipação do consumo ........................................... 15
O difícil desvencilhar da mágica do desejo .................... 18
II. SONHANDO COM O INÉDITO .................................. 33
III. AS INTERLIGAÇÕES DO CORPO ........................... 41
IV. AS VÁRIAS FORMAS DE PRECONCEITO ............. 51
Concreto de vidro ............................................................ 51
O preconceito - Definição ............................................... 52
O preconceito familiar .................................................... 53
A falta de informação ...................................................... 55
Dificuldade de acesso ao mundo do trabalho .................. 56
4 A essência do nós
A beleza invisível ............................................................ 58
V. A MODA INCLUSIVA E A INDÚSTRIA DA MODA 63
Somos responsáveis por tudo .......................................... 63
VI. ROUPA VIVA .............................................................. 85
VII. O VALOR DE UMA MARCA ................................... 99
NÃO É SÓ ROUPA, É INCLUSÃO.................................103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................. 109
A hora da moda inclusiva 5
INTRODUÇÃO
A moda inclusiva é um tema relativamente novo em
nossa sociedade, embasado pela sustentabilidade social e em
conjunto com a inclusão de pessoas com deficiência através da
moda, propõe uma nova visão para o design.
O fazer com propósito é o que motiva a moda inclusiva
e foi o que me inspirou a escrever esse livro-reportagem,
portanto, ao ler proponho que você como consumidor se abra
para entender o que está além do tecido e da costura.
As entrevistas, citações e referências foram colocadas
para que você possa, com muito carinho, olhar para dentro de
você perceber que existem outras possibilidades, não só na
moda mas na forma de se viver.
É entender que a compreensão sobre o outro e suas
necessidades é uma atividade diária e coletiva, presente não só
na moda, mas, em todos os âmbitos da vida. A partir da nossa
percepção podemos transformar nossas necessidades e juntos,
fazer com que a indústria, o comércio e toda a rede se mobilize
nessa nova forma de consumo, alinhada com a igualdade.
6 A essência do nós
Aumentar a autoestima, diminuir desconfortos, trazer
independência e mobilidade, é o que todos queremos,
conscientes disso ou não. Começa com um simples teste de
realidade e dos privilégios que desfrutamos e ganha vida com
nossa ação para harmonizar esse padrão.
O termo “moda inclusiva” nada mais é que uma
chamada para uma moda que começa na inclusão social mas
tem um caminho longo através da transformação onde se
questiona e coloca em prática as capacidades da moda em ser
um agente transformador.
A hora da moda inclusiva 7
I.O DESPERTAR
O desconforto é um dos melhores estímulos para
mudanças. Funciona como um energético que se tomado com
um gole de coragem e com uma dose de inconstância, nos
ajuda a escrever as páginas do nosso livro da vida.
Sentir-se incomodado diante uma situação, cenário,
condição, dá impulso para pensar e agir. Para mudar de cidade,
declarar o amor, para raspar a cabeça. Esse sentimento a
princípio parece delicioso, atraente, praticamente irresistível,
quando nos toma sem pedir licença na encruzilhada dos
pensamentos.
Mas não é nada fácil. É preciso se desprender de muitas
crenças limitantes para que então o paradoxo possa chegar e
instigar. E é por isso que muitas vezes escolhemos o cômodo,
tememos desafiar nosso ego e perder nossa nebulosa
segurança. Marcar presença na lista do incômodo é desafiar a
oposição, é estar disponível para uma nova era, é duvidar e
acreditar na inconsistência, porque só ela nos dá a certeza da
mudança.
8 A essência do nós
Em um futuro cada vez mais presente, pensar no
próximo é palavra de ordem para nos conectarmos com o que
realmente faz sentido, dando adeus para o ser efêmero que
tanto deu as caras. É tempo de construção e desconstrução, na
busca consciente por mentes cada vez mais libertas de padrões
infelizes. Entender que a moda é feita por nós, por pessoas que
dançam e vivem como eu e você, e que nela existe muito mais
do que pano e costura é o primeiro passo para a mudança.
E nessa estrada da história é a moda quem leva na
bagagem os propósitos humanos que não podem se perder. São
histórias de vida, olhares curiosos, perspectivas que inspiram e
aumentam nosso apetite diário por relações mais responsáveis,
que combinem empatia e colaboração.
Entender a moda como um complexo meio de
expressão nunca foi tão possível como é hoje, e é sobre esse
novo momento que vamos falar. É o momento de revisarmos
nossos conceitos para entender como nossas ligações com o
mundo e, com tudo aquilo que cerca nossa existência interfere
em nossas escolhas. Mas para isso precisamos do
conhecimento, e de onde ele vem.
A hora da moda inclusiva 9
Em uma realidade incapaz de ser desconectada do
virtual é necessário se utilizar da capacidade da globalização,
para que a democratização da informação dê as caras e chegue,
de maneira mais clara até nossos olhos enevoados.
Bauman (1999, p.8) conta que a “globalização tanto
divide como une; divide enquanto une”. Para ele querendo ou
não, estamos todos imersos a uma globalização que está em
permanente mudança e que os efeitos destas novas condições,
criadas pela globalização, formam inconscientemente novos
meios de segregação, separação e exclusão.
A internet, cada vez mais indispensável, exerce um
papel poderoso na descoberta de temas nunca antes
pesquisados, e que em muitas das vezes, chega até nós sem
nenhum esforço, acontecendo quase que por osmose. Mas essa
realidade conectada é possível a todos? Na hierarquia gerada
pelo consumo quem é beneficiado pela globalização? Nós, que
podemos desfrutar desse acesso, podemos criar novos meios
mais eficientes de inclusão e sustentabilidade social.
10 A essência do nós
Talvez caiba a cada um de nós, na busca por uma
verdade oculta, limparmos a poeira das memórias e abrirmos as
portas para que o incômodo possa entrar e cozinhar, com muita
responsabilidade os questionamentos e reflexões que por muito
tempo permaneceram guardados: a moda serve a quem? Nossas
percepções de tempo e espaço na moda estão sustentadas por
meios que unem mais do que separam?
Pois bem, uma simples troca de roupa, para você, pode
ser entendida como uma tarefa simples, banal e até mesmo
fútil, feita de forma inconsciente, sem pretensão, mas entenda:
a moda tem sido aplicada, por anos, como meio de estudo do
indivíduo e sua perspectiva na sociedade, e nessa ação
inconsciente de se vestir, a moda, antes, nunca havia se
preocupado com aqueles que, para realizar esse “simples” ato,
sentiam, por vezes, uma dificuldade enorme.
Nomes como o de Kathia Castilho, Sylvia Demetresco,
Mário Queiroz, Daniela Auler, entre outros, estão trabalhando
na convergência e construção de temas que leiam a moda como
segmento de uma pesquisa ampla e cheia de possibilidades,
buscando explicar o homem e sua complexidade. Além de uma
massa de estudantes interessados, que alicerçados em pesquisas
A hora da moda inclusiva 11
de teóricos como Baudrillard (1981), Freud (1914) e Gilles
Lipovetsky (1987), tentam revelar as conexões entre o
vestuário e a comunicação.
Ainda há muito que se descobrir no desdobramento da
moda uma como forma de comunicação não-verbal e sua
influência em nós, mas o que não nos falta é coragem para
seguir.
Os movimentos da moda na atualidade
Poder, modernidade, gênero, papéis sociais, sexo,
inclusão social, todos esses temas calçam a história através da
moda, nos dando respostas que ajudam a esclarecer as questões
que permeiam os mistérios da nossa identidade.
Nos últimos anos surgiram novas discussões na moda,
debates, resistências e posicionamentos que romperam com
algumas das convicções mantidas durante décadas. Dá para
perceber que essa renovação, apesar de pequena, fomenta
principalmente nas mulheres, energia para se pensar em novos
debates, estimulando nossa consciência, e levando nossa
12 A essência do nós
percepção a níveis que provocam mudanças gradativas, mas
muito significantes.
O filósofo francês Gilles Lipovetsky, em seu livro “O
império do efêmero: A moda e seu destino nas sociedades
modernas”, descreve a capacidade das pessoas em refletir sobre
as esferas da moda como quase nulas, em nossa sociedade,
fundidas apenas a determinadas camadas, tornando objeto de
questionamento para poucas cabeças pensantes.
Mas esclarece que esse comportamento é
completamente errado, já que, para ele, a moda está em todo
lugar, - e mesmo que siga uma ditadura da estética-, é capaz de
criar imagens que estão fora da fronteira do comum. Além
disso, ele diz que a moda instiga muitos dos comportamentos
que discretamente nos aprisionam diariamente - e não é
verdade? - além de formar símbolos de valorização que, na
maioria das vezes satisfazem apenas aos outros.
Somando os valores do passado com as capacidades do
presente, cabe a nós levar a moda do futuro a um novo
patamar, com uma percepção mais sensível da nossa
responsabilidade coletiva e individual no mundo. Para entender
A hora da moda inclusiva 13
como a moda funciona, temos de observar seu caminho até as
vitrines, capturando sua rota dentro de uma cadeia têxtil.
Dá para imaginar, por exemplo, que a roupa que você
está vestindo nesse momento começou a ser produzida –
provavelmente - em uma fazenda de algodão, em algum lugar
desse Brasil?
Nosso país é um dos únicos do ocidente a possuir uma
cadeia têxtil completa, capaz de produzir uma peça de roupa do
começo ao fim, sem interferência de terceiros. Mas esse
potencial é usufruído de maneira consciente? Escolhemos por
uma moda inclusiva, pensada para pessoas reais, por aspectos
que valorizam nossas escolhas?
Com a força dos movimentos de sustentabilidade social
e com o cuidado em pensar nas consequências do nosso modo
de consumo, devemos começar a conduzir nossa forma de
vestir por meio de princípios que valorizem nossas
particularidades. Parece estranho, mas com essa transição
conseguimos entender melhor como o nosso mundo funciona e
como nós podemos trabalhar nele.
14 A essência do nós
Com uma consciência social e cultural mais sensível,
damos espaço para o surgimento de novos questionamentos
sobre a função da moda.
Dentro do que você vê nas redes sociais, na televisão ou
naquele passeio aos sábados, nos corredores do shopping da
sua cidade, parece difícil perceber, mas temos cerca de 1,6
bilhões de brasileiros, que estão envolvidos em trabalhos com
moda (de acordo com a ABIT-2015).
Nosso país ocupa a quarta posição entre os maiores
produtores mundiais de artigos de vestuário, sendo o maior do
ocidente em cadeia produtiva. A ABIT (Associação Brasileira
de Indústria Têxtil) declarou que em 2015, por exemplo, a
arrecadação vinda da moda chegou a 55,4 bilhões de dólares.
Além disso, ocupamos a quinta posição entre os maiores
produtores de manufaturas têxteis no mundo.
Em um mercado tão gigantesco e significativo, tanto
para nós, quando para a economia do país, é crucial explorar as
possibilidades de um futuro que está batendo a porta e pedindo
por uma liberdade de escolha, para novos e autônomos corpos.
A hora da moda inclusiva 15
A emancipação do consumo
Mas para quem essas toneladas de roupas são
produzidas? Em uma realidade montada para o consumo, nós,
como consumidores e também mercado buscamos
incansavelmente por um ideal de felicidade e plenitude,
através, por exemplo do consumo. Essa idealização é sutil, mas
ao mesmo tempo penetrante.
Bauman examina em suas obra “Vida para consumo”
(2008), que esse modelo de sociedade de consumo, no qual
estamos inteiramente inseridos, nos força como produtos a uma
“constante remodelação”, “para que ao contrário da roupa, que
saem de moda, nós não fiquemos obsoletos”.
Para Bauman (2009), essa busca em atingir o ajuste
perfeito entre o desejo e a necessidade custa caro à nossa
vitalidade, principalmente quando se coloca em jogo os
impactos causados na vida social. Essa tentação por uma
construção de identidade alicerçada na popularização de
valores comerciais é frustrada o tempo todo, por condições da
própria existência humana. É a ideia da necessidade infinita de
consumir, de buscar coisas novas, que uma vez adquiridas, já
16 A essência do nós
estão ultrapassadas, veiculada todo o tempo pela mídia,
formatando consumidores cada vez mais vorazes.
O corpo, suas características físicas e a
incompatibilidade que a imagem real tem com versões
reproduzidas por editores de imagem, por exemplo, é uma das
maneiras mais nítidas para se compreender como a
transformação das pessoas, na busca por um corpo determinado
“ideal”, é, na verdade, berço de um padrão irreal, frustrante e
praticamente impossível de ser conquistado.
Identificar essa falsa projeção no dia a dia é muito fácil,
quer ver só? Aposto que em algum momento da sua vida, você
já passou algum tipo de desconforto, quando foi até uma loja
esperando encontrar uma calça jeans perfeita e no provador
descobriu que não é bem assim. É incontestável afirmar que a
indústria da moda não produz para todas as pessoas e, que
como somos únicos, não podemos ser atendidos por um único
perfil.
As consequências da globalização, apesar de inibidas,
são sentidas por nós a cada instante. As pessoas escolhidas para
representar nossas produtos e serviços, dos mais básicos até os
A hora da moda inclusiva 17
mais extravagantes, têm sempre as mesmas características
físicas, estão na televisão, nos jornais, na internet, nas
propagandas, exibem o mesmo sorriso branco, a mesma
aparência descansada, desfrutam de uma mobilidade
inquestionavelmente perfeita. Mas elas realmente nos
representam ou nossa realidade se tornou um lugar miserável,
onde todos precisam passar por um processo para ser aceito?
A moda como uma roda viva passa por processos que
precisam ser compreendidos e reformulados, só assim
estaremos prontos para criar, com uma consciência ampla,
designs capazes de gerar mudanças.
É um dos propósitos deste livro conduzir o leitor por
um caminho mais transparente, esclarecendo nossas
capacidades e insuficiências, dando novos sentidos a moda,
instigando a criação de mecanismos que possibilitem um
vestir-se confortável, valorizando o corpo e seus movimentos.
18 A essência do nós
O difícil desvencilhar da mágica do desejo
É constante nesse livro, afirmar que a imagem do corpo
veiculada nas revistas, na televisão e nas redes sociais confina
a diversidade dos corpos.
Já reparou como estamos fadados apenas a mensagens
publicitárias que enaltecem um padrão extremamente magro,
alto e sem nenhum tipo de deficiência, mas as pessoas que você
conhece na vida real não são todas assim. Milhares de fotos
com edições de imagem e luz cegam nossa capacidade de
percepção sobre o que é realmente possível ao corpo humano e,
com tanta manipulação, nos perdemos.
Lipovetsky (1987), em suas reflexões, diz que “a
cultura de massa é ainda mais representativa do processo de
moda do que a própria fashion”, o que nos leva a entender que
a cultura de massa consumida por nós diariamente é regida pela
lei da renovação acelerada, do sucesso instantâneo.
Para o autor acima citado, a era da Moda Consumada, -
denominada por ele para representar nossa forma de
consumismo dentro do capitalismo – se manifesta em áreas
A hora da moda inclusiva 19
cada vez maiores da vida coletiva. Sobre essas transformações,
Lipovetsky deixa claro que “a explosão devorante da moda já
não tem epicentro, deixou de ser privilégio de uma elite social,
todas as classes foram levadas pela embriaguez da mudança e
das paixonites”.
O filósofo acredita que o propósito central da moda está
na capacidade de se realizar “trocas verdadeiras, autênticas,
ricas’’ e que quanto mais se usufrui dessa fonte de
conhecimento, mais a moda revela “a dimensão oculta de seu
império”.
Na moda que queremos não há mais espaço para uma
luxúria insignificante, que movimenta sem dó nem piedade
nosso vício por um consumo extremamente instável, com um
ciclo de duração assustadoramente curto e que, principalmente,
não fere nada e não choca. Sem uma originalidade que desperta
audácia, loucura, incômodo, que não perturba, fraca em valores
e estilos.
Em contrapartida a essa ”onda da falsa necessidade”, já
podemos encontrar atualmente inúmeras ramificações e nichos
na moda, criados especialmente como complemento
20 A essência do nós
instantâneo às carências que o próprio ser humano, como ser
criativo e infinito demanda.
O conceito de moda Plus Size, por exemplo, foi um dos
primeiros a surgir como símbolo e alternativa válida de
desconstrução da imagem na moda. As mulheres, como
personagens fortes e presentes, começaram a exigir que
marcas, estilistas e designers produzem, desde a publicidade ao
produto final, acervos que pudessem ser representativos,
simbólicos, confortáveis e com informação de moda.
Essa tendência da valorização do ser natural tem
conduzido uma corrente de transformação que leva não só o
público, mas todo um mercado a criar para um “público”
completamente sedento por significados, por histórias.
Algumas marcas abandonaram completamente o uso de
recursos de edição de imagem em suas campanhas
publicitárias, nas passarelas da moda ao redor do mundo,
grandes marcas têm colocado a diversidade para desfilar, ou
seja, pessoas cada vez mais “fora do padrão”, seja em idade,
numeração de manequim, conceito de beleza, etnias.
A hora da moda inclusiva 21
Outras se voltaram para a questão da negritude,
convidando mulheres para dar sua opinião e cara aos produtos,
como o caso da modelo Deddeh Howard que recriou imagens
de moda famosas apenas com modelos negras, dando espaço a
mulher negra na moda.
Existem também outros exemplos de mulheres
singulares que deram voz e cara aos movimentos sociais dentro
da moda, marcando presença na primeira fila em desfiles alta
costura em todo o mundo. É o caso da modelo com vitiligo
Winnie Harlow, que vem assumindo seu lugar na passarela e
nas campanhas de marcas como Diesel, Desigual e Nike.
Nessa mistura de sensibilidade, idealismo e criatividade
vamos conhecendo outros nichos da moda como: sem gênero,
confort, sustentável, minimalista, entre outros, que vêm
crescendo graças à força do público que se vê representado por
essas marcas.
Na passarela do SPFW de 2016, por exemplo,
entendemos claramente como a mensagem da nova era está se
alastrando em nosso meio: Marcas como LAB, Cemfreio, Issac
Silva, Renata Buzzo, Brechó Replay, estiveram em edições
22 A essência do nós
recentes da Casa dos Criadores abordando temas que politizam
o público, minimizando as diferenças de quem via a moda
como um espaço restrito a uma minoria elitizada. As mulheres
mais velhas e fora do eixo das passarelas também podiam ser
vistas, no desfile de Simone Rocha, na semana de moda de
Londres, deste ano (2017).
A Vogue Brasil também vem mudando sua abordagem,
a versão de agosto de 2017 trouxe uma matéria completa com
artistas do meio LGBT. Pablo Vittar, Liniker, Gloria Groove,
entre outras referências, posaram em um ensaio para lá de
comemorativo, todos vestidos de Gucci. Em entrevista ao
Estadão, Pablo declarou: “Sofri muito preconceito, mas
conquistei meu espaço”.
Outra transformação perceptível e extremamente
importante vem acontecendo no campo da beleza. Os cabelos
crespos foram libertos do calor do secador e da chapinha e
estão em uma releitura mais natural.
Os produtos que prometem ser livres de corantes,
conservantes e químicos tomaram conta do mercado, as
maquiagens agora têm uma preocupação com a saúde da pele,
A hora da moda inclusiva 23
as orgânicas e veganas ganham visibilidade por reunir em um
só produto o cuidado da pele e do meio ambiente.
As tintas de cabelo perdem lugar para mulheres que
aceitam seus fios brancos, as cutículas já não são removidas
com desespero, os pelos no corpo feminino estão cada vez mais
isentos de olhares constrangedores, o sutiã passa a ser
abandonado, a necessidade do salto alto é reavaliada, as cintas
modeladoras são deixadas de lado.
Mas porque isso vem acontecendo? Será um manifesto
por uma moda com propósitos que correspondam a nossa
realidade? É possível identificar o cenário social que estamos
enfrentando e como ele vem modificando não só a moda, mas
nosso comportamento como parte de um coletivo.
Existe entre nós um filtro tecido pelo devaneio da
perfeição que só nossas escolhas podem rasgar. Enquanto você
lê este pequeno livro, com palavras tão passageiras, existe
dentro de você uma mensagem, que desperta o incômodo,
levando a acreditar que é possível mudar. Bauman (2008, p.72)
afirma:
24 A essência do nós
“A vida é uma obra de arte. Não é um
postulado ou advertência (do tipo “tente
tornar sua vida bela, harmoniosa,
sensata e cheia de significado - tal
como os pintores tentam fazer suas
pinturas ou os músicos suas
composições”), mas uma declaração de
um fato. A vida não pode deixar de ser
uma obra de arte se é uma vida
humana”.
Quando assumimos e tomamos para nós as mudanças
da moda, do nosso corpo e principalmente dos nossos ideais,
que descendem de um passado aprisionado e temido, por
centenas de pessoas (umas mais, outras nem tanto), removemos
do nosso olhar essa capa da felicidade instantânea.
Quero esclarecer que aproveitar da moda para se sentir
bem não é nenhum pecado capital, essa conduta é natural e
necessária, mas não podemos permitir que as roupas nos
uniformizem. Elas podem servir para nos diferenciar, nos
tornar únicos, reforçar um estilo pessoal e uma maneira de ser.
A clareza em entender o design como uma ferramenta
humana e inclusiva deve fazer cada vez mais parte da nossa
A hora da moda inclusiva 25
percepção da moda, só assim vamos conhecer quem somos e
onde queremos chegar.
A passagem do tempo, descrita por Bauman (1999, p.
145) pode ser entendida como uma forma de manter um
sentido à vida, mesmo antes de perdê-la.
Para ele a “instantaneidade (anulação da resistência do
espaço e liquefação da materialidade dos objetos), faz com que
cada momento pareça ter capacidade infinita; e a capacidade
infinita significa que não há limites ao que pode ser extraído de
qualquer momento - por mais breve e fugaz que seja”.
Logo, sentir o escoamento da moda e, principalmente,
de suas tendências tão súbitas é um desafio muito difícil em
nossa realidade breve. Por isso, proponho que em um exercício
você reflita sobre a moda de uma forma diferente: volte ao
passado e tente trazer dele as releituras daquilo que você mais
amava, recapitule os momentos mais importantes da sua vida.
As lembranças que contam suas melhores histórias, os
momentos que passou com as pessoas que mais ama, sua
primeira viagem sozinho ou talvez aquela despedida que
deixou saudades. Você se lembra do que estava vestindo?
26 A essência do nós
A moda, fora das tendências, tem essa força, é capaz de
marcar aquilo que nos negamos esquecer, servir-se de moda é
se vestir de gente e de projeções que colecionamos durante a
vida, é dizer a verdade, representando o espírito da forma mais
confortável possível. A moda por si só é contestadora, ela
oferece a chance de escolher, de mudar, muitas vezes
transmutar. Num só dia você pode dispor de um ciclo de
estilos, de projetar perspectivas diferentes, emprestando
identidade para quem usa.
Acredito que em algum momento da sua história você
tenha parado para analisar sobre como suas roupas mudaram,
como elas representaram momentos importantes na sua vida.
Começar a pensar na moda como colecionadora de sentimentos
é também pensar na sua capacidade de acolher as pessoas, de
representar, personificando as particularidades de cada um.
A moda como agente transformador tem a capacidade
de oferecer às pessoas, meios para se participar ativamente da
sociedade, através dos grupos sociais, contribuindo com
valores marcantes, que exercem um papel fundamental na
formação da identidade, dando a quem utiliza a sensação de
pertencimento e diferenciação em uma comunidade.
A hora da moda inclusiva 27
O homem contemporâneo e sua relação com a moda
durante os anos têm sido muito severa, passando a exigir uma
dominação da perfeição do corpo, que Lipovetsky (1987, p.
159) diz ser produto da indústria cultural1.
Nesse cerco fechado muitos indivíduos passaram a esconder
seu corpo, suas características físicas, em busca de uma falsa
felicidade provocada pela aceitação e ao mesmo tempo pela
diferenciação no círculo social, fantasma que segundo
Lipovetsky deu voz à “tendência ao narcisismo2 .”
A persistência da disjunção dos sexos
tem ecos até na nova figura dominante
da individualidade contemporânea,
partilhada agora pelos dois sexos: o
narcisismo psi e corporal. Com o
neonarcisismo, há confusão dos papéis
e identidade anteriores dos sexos em
favor de uma imensa vaga ‘’unissex’’
de autonomia privada e de atenção para
si, de hiperinvestimento no corpo, na
saúde, nos problemas relacionais. Mas
essa desestabilização da divisão
1 Indústria cultural: É o termo usado para designar o modo de fazer cultura,
a partir da lógica da produção industrial.
2 Narcisismo: amor pela própria imagem.
28 A essência do nós
antropológica não significa
simplesmente um narcisismo
homogêneo, a partir do momento em
que se leva em consideração,
precisamente, a relação com a estética
das pessoas. O neonarcisismo
masculino investe principalmente no
corpo como realidade diferenciada,
imagem global a ser mantida em boa
saúde e em boa forma; pouco interesse
pelo detalhe; raras são as regiões
parciais do corpo que mobilizam o
cuidado estético, à exceção desses
incontornáveis pontos críticos: as rugas
do rosto, a ‘’barriga’’, a calvície. É
antes de tudo a gestalt3 de um corpo
jovem, esbelto, dinâmico que se trata de
conservar através do esporte ou dos
regimes dietéticos: o narcisismo
masculino é mais sintético do que
analítico. Em compensação, na mulher,
o culto de si é estruturalmente
fragmentado; a imagem que ela tem do
seu corpo é raramente global: o olhar
analítico prevalece sobre o sintético.
Tanto a mulher jovem quando a mulher
‘’madura’’ se veem em
‘’“fragmentos”’’, para se convencer
disso, basta ler a correspondência das
leitoras de revista: ‘’“tenho dezesseis
3 Gestalt: termo inglês para teoria que considera os fenômenos psicológicos
como totalidades organizadas, invisíveis, articuladas, isto é, como
configurações.
A hora da moda inclusiva 29
anos, uma pele horrível, cheia de
pontos pretos e de espinhas”’’; quarenta
recém-feitos, realmente não pareço ter
minha idade, a não ser pelas pálpebras
superiores (LIPOVETSKY, 1987, p.
159).
Entender que a moda é mais do que uma imagem e que
pode representar a identidade, é conseguir ver através da manta
superficial da globalização, percebendo a influência que ela
produz, tornando um indivíduo cada vez mais múltiplo e
transitório.
O complexo de Édipo é um dos conceitos mais
conhecidos da obra de Freud, que busca entender como
acontecem os primeiros estágios da formação da identidade, de
onde surgem as primeiras expressões, os primeiros sinais de
personalidade.
Na infância, período de maior absorção do mundo
exterior, os pais se tornam as primeiras inspirações, a criança
se percebe como diferente e busca afeição por um ou outro.
Mais tarde, durante a adolescência e a fase adulta, o indivíduo
passa a buscar vínculos com a sociedade e com círculos no
qual está inserido, ou pretende estar.
30 A essência do nós
Para Freud, todas as pessoas, sem distinção, precisam
em alguma etapa da vida desenvolver sua própria noção de
individualidade, inserindo-se em grupos sociais, descobrindo
quais são suas preferências, criando ideais, laços sociais. A
moda é um instrumento poderoso nessa etapa da transição
social, que de certa forma, nunca cessa.
Mas para Gilles Lipovetsky (1987, p.46) a moda, desde
sua concepção, tem se tornado cada vez mais individualista, o
que levou a busca de um impulso pelo desejo de distinção no
vestuário. Em suas palavras, “a busca pela diferenciação social
era febril, fonte de rivalidade e de inveja, em que era
imperativo demarcar-se através dos detalhes, dos enfeites, dos
coloridos”.
Ele esclarece que “em nossos dias, a gente se veste mais
para si mesmo, mais em função dos próprios gostos do que em
função de uma norma imperativa e uniforme”. Para ele o
individualismo na moda “é menos doloroso, mas mais livre,
menos decorativo, mas mais opcional, menos ostentatório, mas
mais combinatório, menos espetacular, mas mais diverso”
(p.46).
A hora da moda inclusiva 31
No meio desse caldeirão de possibilidades da moda,
pensar no plural já virou regra. Quando falamos sobre uma
moda que veste o corpo e não o contrário, reforçamos a ideia
de que a individualidade deve ser notada e incluída no cenário.
Os corpos, por natureza são diferentes. Não há em nenhuma
parte do planeta pessoas plenamente iguais.
Pernas, braços, troncos, olhos e nenhuma outra
dimensão corporal é características exclusiva para se utilizar de
um determinado tipo de roupa. Como produto desenvolvido
pelo homem e apenas para o homem, a moda deve ser plural,
versátil e multifacetada.
Por isso, reforço a importância do desconforto, pois só
ele nos permite uma inconsistência na moda, preenchendo
lacunas e extinguindo carências que nunca antes foram
notadas.
32 A essência do nós
A hora da moda inclusiva 33
II. SONHANDO COM O INÉDITO
Durante muito tempo a moda ficou engessada, no
entanto, uma nova faceta surge, através de novas propostas de
atender as necessidades de públicos específicos. Se antes a
moda era quem regia nossas vontades, estilos, corpos e
comportamentos, hoje está cada vez mais do outro lado da
moeda, trazendo às passarelas e as capas de revista tendências
que vem da rua, do movimento rotineiro das pessoas e das suas
necessidades mais particulares.
E do lugar onde nascem essas ideias, nasce também a
vontade de confrontar, questões que trabalham sobre o íntimo
do indivíduo e de suas camadas é para muitos um desafio a ser
estudado diariamente. Pensar no coletivo e na sua capacidade
de dar sentido às necessidades humanas é combustível mais
que suficiente para aquecer questões que são colocadas
constantemente em debate por nós.
O destino da moda em nossa realidade moderna tem
passado por transformações que questionam nossos privilégios,
contestando as nossas noções de igualdade, revelando nosso
34 A essência do nós
dever e capacidade para fazer o diferente. É fácil perceber
como a imagem publicitária vem se reformulando ano após
ano, graças à globalização as “minorias” têm conseguido
expressar suas necessidades, suas perspectivas, exigindo um
olhar mais humano.
A conscientização é um caminho sem volta, e é nesse
momento que estamos enxergando a moda. Devido à extrema
pressão sobre os recursos naturais, seu esgotamento, grupos ao
redor do mundo começaram a pensar em possibilidades
sustentáveis, inclusive na área da moda.
Esse desgaste nos fez chegar a um processo quase
revolucionário, que incentiva o consumo consciente, mas, não
significa que não temos mais para onde ir, para onde explorar,
o que não é verdade,- infelizmente o capitalismo ainda pode
explorar e esgotar mais, para “chegarmos ao auge do
capitalismo”, que dá a ideia de que estamos forçando ao
máximo as possibilidade predatórias sobre o planeta-, num
processo revolucionário que incentiva o consumo consciente,
representativo, com qualidade, criatividade, ética.
A hora da moda inclusiva 35
A quantidade de marcas que tem gradativamente
investido em uma moda para pessoas reais, realçando o corpo,
as belezas distintas, com um propósito mais próximo a
realidade tem mantido um público cada vez maior, que sabe se
posicionar e entende do que está falando, quebrando pouco a
pouco o padrão eurocêntrico que por muitos anos reinou nas
passarelas e nas capas das grandes revistas, trazendo um novo
olhar para a produção de moda, buscando dar poder e
visibilidade para pessoas reais.
Nomes como Magá Moura, Amina Mucciolo, Luma
Nascimento, Lupita Nyong’o, Solange Knowles, Djamila
Ribeiro, entre outras, quebram barreiras e servem de inspiração
para muitas mulheres negras, por exemplo.
No meio LGBT, também não faltam símbolos de
inspiração e resistência: Pablo Vittar, Valentina Sampaio, Ellen
DeGeneres, Salete Campari, Daniela Mercury, Caitlyn Jenner,
são algumas das referências que sustentam milhares de pessoas
ao redor do mundo a reagir aos preconceitos e conceber uma
identidade de resiliência e poder.
36 A essência do nós
Ao traçar a linha do tempo da comunicação na última
década e avaliar o relacionamento que as marcas têm
construído com o consumidor, principalmente o feminino, é
possível perceber que o mercado está cada vez mais atento às
necessidades das mulheres e nas questões de gênero que ainda
circulam nosso ambiente.
Raça, orientação sexual, gênero, tipo físico, classe
social ainda são temas cheios de tabus, fomentados pela
ignorância que aliada a crenças causa desconforto, insegurança,
e é, por inúmeras vezes, utilizados como pedestal para
injustiças.
Outro tema que também circula no meio da moda e suas
indagações é a sustentabilidade, a necessidade que nosso
planeta tem de frear as consequências do nosso consumismo
exacerbado, mudando o foco para o fazer com propósito,
pensando nos reflexos que o ato de comprar implica, não só na
nossa vida, mas de milhares de pessoas ao redor do mundo.
Refletindo sobre nossas escolhas e o impacto que elas
têm em nosso meio social e ambiental, André Carvalhal,
escritor do livro “A moda imita a vida” (2014) interpreta essa
A hora da moda inclusiva 37
fase como “a cultura do ter”, nela as decisões passam a ser
tomadas a partir da ilusão do poder, da ganância, do egoísmo,
da competição e de explorações que são feitas em vários níveis
valorizando sempre a vantagem máxima em atrair lucros.
Esse consumo desenfreado é pai de pessoas com hábitos
infelizes, esgotadas, dependentes e cada vez mais deprimidas,
sem contar a degradação do planeta, com a péssima
distribuição de recursos básicos para sobrevivência, com a
quantidade de lixos e tóxicos poluentes que as fábricas lançam
todos os dias em nossas águas.
A Inglaterra é um dos países que mais descarta no lixo
roupas ainda com a etiqueta, algumas vezes essas roupas
também são direcionadas a doação. Isso tem a ver com um
consumo acentuado de jovens que compram sem se preocupar
com a qualidade, mas com o preço baixo. comprando mais de
uma peça do mesmo modelo. Quando vestem e vêm que não é
legal, acabam descartando as outras peças iguais.
Está na hora de tomarmos uma atitude em relação a
forma como consumimos. Mas, como? Com modelos de
compra que vão na direção de um consumo consciente, contra
38 A essência do nós
o consumo desenfreado, como o brechó, o armário cápsula, a
troca, preferindo cada vez menos o fast-fashion, na contramão
da moda atual, provando que ser é maior do que ter.
O documentário americano The True Cost mostra
exatamente como a cadeia da moda interfere no impacto do
sistema social e ambiental, mostrando desde as péssimas
condições de trabalho em países como Bangladesh, China e
Índia até a degradação do solo, das águas, por meio de
químicas que são despejadas por anos em nosso planeta.
São as pessoas que movem o mundo e nessa roda
gigante sem fim devemos escolher estar numa posição onde
nossa consciência é ampla e percorre por nossas ações dando
um novo sentido para o consumo.
Nos momentos de crise, sentimos uma grande
necessidade de mudança, onde descobrimos novos valores e
despertamos para carências nunca antes notadas.
Prestar atenção naquilo que atribui significado, propósito e
aceitar o novo é motivo de gratidão para quem procura fazer da
moda um caminho para todos.
A hora da moda inclusiva 39
Não conseguirei abordar neste livro todos os nichos da
moda e como eles evoluíram ao passar dos anos, seriam
necessárias muito mais páginas do que eu sou capaz de
escrever.
Mas é da minha vontade que juntos, eu e você,
possamos entender um pouco sobre o conceito de moda
inclusiva chegou até nós e como ele pode mudar sua concepção
sobre a moda. Sabemos que entender o outro não é uma tarefa
fácil e nunca vai ser, somos complexos, mutáveis, difundidos e
essa é nossa maior riqueza. Mas, quando se trata de oferecer
possibilidades, todos nós, de um jeito ou de outro, podemos
trabalhar como uma rede de força, dando expressividade,
frescor, dinamismo, energia.
40 A essência do nós
A hora da moda inclusiva 41
III. AS INTERLIGAÇÕES DO CORPO
O corpo é feito de um misto de sentimentos,
pensamentos, sonhos e frustrações, mas também é moradia
para células, nervos, ossos. Durante a história seu mecanismo
foi objeto de estudo entre muitas áreas e ainda é um mistério
em vários aspectos.
Algumas doenças, patologias, enfermidades, hoje em
nossa sociedade, só podem ser confirmadas a partir de critérios
médicos, mas, em outros casos conseguimos perceber através
da observação. E é nesse caso, que evidenciamos as pessoas
com deficiência física.
Em definição, de acordo com a Lei Brasileira de
Inclusão, no Art. 2º, considera-se pessoa com deficiência
aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, na qual, em interação com uma
ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as
demais pessoas.
42 A essência do nós
Em um passado não muito distante as pessoas com
deficiência, em primeiras condições, ficavam confinadas em
casa, escondidas por familiares, e, em caso de desordem, eram
consideradas loucas e encaminhadas aos manicômios, para
ficarem isoladas em espaços de reclusão.
Tivemos a infeliz decisão de tomar essas pessoas como
aberrações, monstros, sabemos como a história das pessoas
com deficiência se passou por anos escondida. Eles viviam
trancados, sendo explorados e rejeitados, pela família, pela
sociedade e até por eles mesmos.
Carla Andrade, psicóloga na Prefeitura Municipal de
Campinas e especialista no tratamento de pessoas com
deficiência, explica que essa é uma questão forte. “Tem um
fenômeno social que enxerga a pessoa com deficiência como
incapaz, isso vem ao longo da história.
Tanto que a pessoa com deficiência ficava excluída em
manicômios, junto com os loucos, que é outro estereótipo
nosso. A pessoa com deficiência tem uma época em que é vista
como um anjo, santo, como algo divino e não como uma
pessoa normal”.
A hora da moda inclusiva 43
Desde que o mundo é mundo, as guerras, as catástrofes,
as revoluções e as doenças existem, além disso existe a velhice.
A vida acontece para todos. Não cabe a ninguém dizer que a
deficiência, seja ela qual for, é falta de saúde, azar, praga ou
maldição. Atualmente a situação e as condições das pessoas
com deficiência são outras, mas o caminho percorrido não foi
fácil.
A primeira lei criada para assegurar alguns direitos da
pessoa com deficiência, estabelecida em 24 de outubro de
1989, pela ONU está contida na Declaração Universal dos
Direito Humanos, de 1948, no artigo ll, parágrafo l, declara:
Todo ser humano tem capacidade para
gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem
distinção de qualquer espécie, seja de
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião
política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento,
ou qualquer outra condição.
As barreiras para que as pessoas com deficiência
pudessem ter suas vozes e presenças consideradas foram
muitas e ainda são. Social, financeira, familiar, pessoal, física.
Muitas delas nós - os sem deficiência - nunca percebemos.
44 A essência do nós
O desafio da empatia cabe muito nesse momento,
precisamos nos desprender de tabus, mitos e da ignorância
impregnada em nossa história. Uma das maiores conquistas das
pessoas com deficiência nos últimos anos foi a adesão ao termo
“design universal”, desenvolvido pelo arquiteto e cadeirante
americano, Ron Maced nos anos 70.
A proposta sugere a inclusão de todas as pessoas, em
todos os ambientes e em todas as faixas da vida. Inicialmente
esse termo atendia apenas à arquitetura, mas depois de alguns
anos foram surgindo propostas que incluíam ambientes,
produtos, serviços, programas e tecnologias acessíveis.
As pesquisas de Ron Maced sobre o assunto foram de
extrema importância para a legislação nacional, proibindo
através da Lei 13.146, onde se institui a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência/2015), a discriminação de pessoas com deficiência,
comprovando o valor do design como agente de mudanças.
A moda como forma de arte, expressão,
representatividade é mediadora das necessidades expressadas
A hora da moda inclusiva 45
pelo homem na sociedade. Pensar que uma pessoa com
deficiência também precisa estar bem vestida, se sentir bem,
confortável, ter uma boa auto estima é pensar na qualidade de
vida, na acessibilidade.
Daniela Auler, coordenadora do projeto de Moda
Inclusiva em São Paulo, descreve o desenho universal como
uma resposta ao movimento da sociedade, que busca eficiência,
funcionalidade para todos os indivíduos ao longo do ciclo da
vida. “O objetivo do design universal é promover uma
sociedade que prioriza a eliminação de barreiras,
arquitetônicas, ambientais e estéticas”.
Esse movimento que instiga um design aliado a
acessibilidade é presente na moda por meio da moda inclusiva,
focada na diversidade humana e pensada para facilitar questões
do cotidiano não só da pessoa com deficiência, mas de todos.
De acordo com a ONU, uma em cada sete pessoas no
mundo tem algum tipo de deficiência física. No Brasil esse
número chega a 45,6 milhões, cerca de 6,2% de toda a
população (IBGE/2015).
46 A essência do nós
Muitas dessas pessoas levam uma vida normal,
trabalham, estudam, se divertem, namoram, têm filhos, gostam
de ir ao cinema, outras já preferem viajar o mundo, escrever
poemas, entender a matemática, frequentar a academia, vivem.
A moda e a acessibilidade têm trazido, nos últimos
anos, uma sensação de inquietação que provoca o pensamento
crítico, iluminando caminhos nunca trilhados, abrindo os olhos
não só das pessoas, mas também do governo, para as mudanças
que já passaram da hora de acontecer.
Veremos mais à frente que a inclusão tem dado cada
vez mais passos em direção à igualdade social, garantindo que
os direitos sejam revisados, cobrados e assegurados. Essa
demanda também invade o universo da moda. Como
indivíduos ativos, produtivos e profissionais, as pessoas com
deficiência precisam e desejam um mercado que entenda suas
necessidades.
Por outro lado vemos uma relação entre o corpo e a
roupa que é constantemente colocada em desequilíbrio na
sociedade, por meio de campanhas de marketing que
incentivam o culto ao corpo perfeito. Por isso, é extremamente
A hora da moda inclusiva 47
difícil entender quando um faz parte do outro, quando se
analisa a quantidade de produtos no mercado que prometem
moldar o corpo.
Todos, sem desigualdade, precisam, querem e tem o
direito a uma roupa confortável, bonita e funcional. Mas, antes,
precisamos entender: Quais são as barreiras que enfrentam no
convívio social? Como a moda pode ser um mediador entre
sonhar e a realizar? A moda e o seu destino nas sociedades
modernas refletem atualmente muito daquilo que é íntimo do
homem, sua expressão individual.
Esse comportamento acompanha o ser humano desde o
início da história da moda, basta observar como a imagem do
corpo – -principalmente o corpo feminino –- era retratado em
pinturas, fotografias e todo tipo de obra. As mulheres, por meio
de espartilhos, enchimentos, modeladores, saltos, decotes, e
todo tipo de aparatos que buscavam e ainda buscam alterar
aquilo que é natural.
O valor atribuído à imagem, portanto, é extremamente
significativo e pode desencadear no indivíduo uma tendência à
48 A essência do nós
comparação excessiva, com uma demanda além da medida,
impondo e avaliando toda a ‘“perfeição”’, em todo o tempo.
Entre tantos movimentos que reivindicam o real
significado de beleza, Lipovetsky, coloca em debate a ilusão de
resistência das minorias.
Fat is beautiful, Ugly is beautiful4, tais
são os novos slogans da reivindicação
minoritária, os últimos avatares
democráticos da busca da
personalidade. Que seja, mas quem os
assume realmente? Quem acredita
neles? As possibilidades de quem tem
de ultrapassar o estágio do sintoma
dissidente ou do gadget são quase nulas
quando se veem a amplitude da fobia
de engordar, o sucesso crescente dos
produtos cosméticos, das técnicas e
regimes de emagrecimento: a paixão de
ser bela acaba sendo a coisa mais
partilhada. (LIPOVETSKY, 1987p.
160)
Como grupo que está em minoria socialmente, as
pessoas com deficiência lutam por direitos de igualdade. Para
Barnard (DATA 2003), essa capacidade em revelar o
4 Fat is beautiful, ugly is beautiful: gordura é lindo, feio é lindo.
A hora da moda inclusiva 49
emocional através da vestimenta, buscando sempre por um
equilíbrio, é um modo esperado, pois através dele:
Os indivíduos podem diferenciar-se
como indivíduos e declarar alguma
forma de singularidade. Roupas que são
raras, ou porque muito antigas ou
porque muito novas, por exemplo,
podem ser usadas para criar e exprimir
uma singularidade individual. Roupas
que não são muito antigas, nem muito
novas e que são, além disso, produzidas
em massa, podem também ser usadas
para criar esse efeito. Ao combinar
peças de roupas de tipos diferentes,
pode-se efetuar uma vestimenta
individual e, deveras, única.
Analisar o estilo de vida desse nicho é democratizar a
moda, é humanizar nosso olhar para entender as necessidades
do outro e, de certo modo as nossas, já que o futuro não nos
pertence. Moda inclusiva não é ver o outro através apenas de
suas necessidades, mas também por suas vontades.
50 A essência do nós
A hora da moda inclusiva 51
IV. AS VÁRIAS FORMAS DE
PRECONCEITO
Concreto de vidro
Jairo Marques, jornalista, em entrevista para a Revista
D+, diz “não há nada mais encorajador do que alguém que te
desencoraje, não há nada que te dê mais energia do que pessoas
que te tratem com desdém. Aquilo te nutre e estimula sua
vontade de querer mostrar que você não é uma aparência, que
você não é uma cadeira de rodas; você é humano, um cidadão”.
O fascínio do consumismo, da urbanização acelerada e
da revolução industrial levaram o homem a um caminho onde
não se formam vínculos generosos com a natureza, com as
raízes humanas e com o próprio ser.
Com a dissociação entre o homem e a natureza
perdemos não só nossa fonte de vida que está quase esgotando,
abandonamos também nossa capacidade de sentir apatia. Não
nos identificamos mais uns com os outros, nas nossas dores,
nas dificuldades, nos problemas.
52 A essência do nós
Podemos acusar a forma como nossa sociedade é
formada, podemos culpar a falta de tempo ou disposição.
Independente do motivo todos temos uma característica em
comum: o egocentrismo. As barreiras que as pessoas com
deficiência cruzam diariamente muitas das vezes não são
percebidas por nós. Seria injusto dizer que rampas são o
suficiente.
Entender o que se passa com o outro e como podemos
minimizar essa diferença é um desafio diário, que deve ser
encarado por todos, mas nesse capítulo listarei apenas alguns
deles para que você possa, com uma consciência mais ampla,
restaurar sua visão.
O preconceito - Definição
substantivo masculino
1.qualquer opinião ou sentimento concebido sem exame
crítico.
2.sentimento hostil, assumido em consequência da
generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta
pelo meio; intolerância.
"p. contra um grupo religioso, nacional ou racial"
A hora da moda inclusiva 53
A palavra deficiência te assusta, constrange e dá medo?
Você já se viu em alguma situação onde não sabia o que fazer,
como se comportar, falar e cumprimentar? Já parou para pensar
que o preconceito com as pessoas com deficiência pode ser
culpa sua?
Pessoas que tem seus sonhos, sua história, suas
vontades e capacidades, ver além da deficiência é o primeiro
passo para mudar o conceito. Como já vimos, esse
comportamento tem origem histórica em nossa sociedade, mas
estamos vivendo o futuro e certos comportamentos não são
mais aceitos. Perguntar, se orientar, ter curiosidade sobre o
tema para receber essas pessoas na sociedade, é um dever de
todos nós.
O preconceito familiar
O apoio da família é importante para todos, em todas as
fases da vida. São eles que estão presentes em nossa primeira
vez dentro de uma sala de aula, cuidando, dando apoio,
orientando, ajudando a trilhar nosso caminho.
54 A essência do nós
Mas como é o caso de alguém que nasceu com alguma
deficiência? As oportunidades são as mesmas, os olhares, as
preocupações e restrições são as mesmas? Deviam ser.
Carla Andrade, prefeitura Municipal de Campinas e
especialista no tratamento de pessoas com deficiência,
esclarece que na nossa sociedade, sempre espera algo
“normal”, “até quando falamos que uma criança nasce, se
espera que ela tenha saúde e não que ela tenha uma deficiência,
para mim isso já é um problema, você cria expectativa. Para
mim a criança tem que nascer, ela tem que estar viva, agora, se
ela vai ter uma deficiência ou não, não importa.”
Ter uma criança com deficiência é para a sociedade um
pesar, um baque, e é nesse momento que precisamos dar
suporte. De outro modo, “alguém que tem o impacto da
deficiência em algum momento, e já tem uma identidade que
não é da deficiência, passa por situações onde não comporta a
deficiência, então pra ele é muito mais difícil. Se ela não
tiver suporte social, familiar principalmente é mais difícil
ainda, reabilitação é difícil. Se não tem política pública, mais
difícil ainda. Então assim, é preciso muito suporte”, relata
Carla.
A hora da moda inclusiva 55
A falta de informação
Berço de todo preconceito, da ignorância, a falta de
informação paralisa nossa capacidade de percepção sobre o
outro. No macro, podemos observar a falta de leis,
regulamentações e debates, que o poder público não sustenta.
No micro, nos vemos como personagens de uma sociedade
onde a situação da pessoa com deficiência está sempre rodeada
por coitadismo, sem um espaço de reconhecimento.
Gabriel Rajão, assessor de imprensa da ABIT5 e da
ABIHPEC6, se inclui nesse grupo da ‘’mea-culpa’’, “todos nós
temos que fazer sempre, inclusive quem trabalha com a Moda
Inclusiva. A falta de informação disponível, de pesquisas
suficientes, não há informação disponível na mídia, não há
orientações. Temos dificuldades de compreender quais são as
reais necessidades da pessoa com deficiência, muitas vezes até
porque eles mesmos, as pessoas com deficiência, não tem voz
ativa, eles sabem o que querem, mas não tem um espaço para
divulgar isso, na mídia social, digamos assim. A informação é
5 Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção.
6 Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e
Cosméticos.
56 A essência do nós
o primeiro acontecimento que se deve chegar para a inclusão
da pessoa com deficiência”.
Dificuldade de acesso ao mundo do trabalho
Falar sobre dinheiro é falar sobre uma instituição social
criada para dar poder, através da capacidade de satisfazer
nossas necessidades, dentro ou fora do social. Além de ser
capaz de medir em escalas o quanto essas necessidades, presas
historicamente a um sistema de propriedade são capazes de
serem supridas.
Quando se busca sobre o termo “ independência
financeira”, são muitos os métodos, as práticas e técnicas
propostas. Investir, economizar, administrar, negociar. Pensar
na pessoa com deficiência como um não consumidor e, como
parte excluída nessa realidade consumista também é um dos
tabus que devemos quebrar.
A estabilidade financeira é uma vontade de todos e
independe de características individuais, - lembrando que
estamos falando sobre a deficiência física-. Acreditar que para
grupo com cerca 45,6 bilhões de pessoas não existem recursos
A hora da moda inclusiva 57
capazes de fornecer uma vida financeira segura é um
prejulgamento que segrega as pessoas e quando fazemos isso,
todos perdem.
O direito ao trabalho é garantido pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos que afirma, no Artigo
23:“toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do seu
trabalho e a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e
proteção contra o desemprego”.
Nosso país também prevê em seus códigos medidas
para a inclusão em sua constituição federal, no Artigo 7º,
proibindo a discriminação na remuneração e nos critérios de
admissão dos trabalhadores com deficiência.
Para Carla, pensar em inclusão é ir além da rasa
percepção, é entender o que move essa tendência a distanciar,
isolando por todos os lados: “Eu vou pensar num emprego, na
hora que eu for abrir uma vaga, eu não penso que o engenheiro
pode também ter uma deficiência, que ele pode ser negro,
homossexual, eu vou querer o engenheiro branco,
heterossexual e sem deficiência nenhuma. Todo o raciocínio é
feito para um padrão de pessoas. A deficiência ela é muito mais
58 A essência do nós
vista como uma patologia, como algo que foge de um normal,
pensado fisiologicamente, como se fosse um desvio o tempo
inteiro e a sociedade ela é toda pensada para o normal, mas isso
é ideologia, isso não existe”.
A beleza invisível
Platão escreveu que a beleza é determinada pelo desejo
de algo que não temos, comparava com o amor não
correspondido, - que não se tem mas se busca-, indo além da
conquista em si, o prazer por ter um desejo que ainda não foi
satisfeito, uma busca infinita por “algo” essencial para a
própria plenitude da vida.
A relação da pessoa com deficiência e sua beleza é
muito íntima e única, portanto pertence só ao indivíduo e mais
ninguém, mas é importante despertar para um entendimento
sobre a beleza como forma de representatividade e
autoconfiança e independência.
Na sociedade contemporânea os padrões estéticos estão
bem definidos, principalmente entre as mulheres, muitos desses
A hora da moda inclusiva 59
padrões só ganharam força por causa da distorção da mídia,
que utiliza da sua publicidade para atiçar os consumidores.
Um exemplo incontestável dessa tentativa de colocar
todos um uma forma, pode ser vista em uma matéria no site da
Vogue Brasil, onde a proposta era apresentar a atriz Cléo Pires
e o ator Paulinho Vilhena em uma campanha de
conscientização para os Jogos Paralímpicos, que aconteceu
entre dias 7 e 18 de setembro de 2016, no Rio de Janeiro, com
uma campanha intitulada “Somos todos Paralímpicos”, a falha
não seria tão grave se os “embaixadores” não tivessem passado
por uma edição de imagem para “adquirir” uma deficiência.
Porque não convidar paratletas ao invés de “criar” uma
deficiência em quem não tem?
A barreira estética é um impedimento significativo, que
precisa ser repensada, para Gabriel Rajão essa postura é
imprópria numa realidade que vem abraçando cada vez mais a
diversidade, “a moda não considera a pessoa com deficiência
como sendo esteticamente aceitável para nos padrões
normativos.
60 A essência do nós
Mas é aceitável sim, que pessoas possam sem
“photoshopadas” para parecerem com deficiência, mas não é
aceitável que se use a própria pessoa com deficiência. Eu
acredito que essa barreira estética é muito grave.”
No dia a dia, essa busca pela beleza também é mais
complicada para a mulher contemporânea, sua relação com o
sensual, com o desejado, Carla explica que para a mulher a
questão da roupa e sua relação com a sexualidade é
extremamente complicada: “A sociedade tem dificuldade de
ver uma mulher cadeirante como uma mulher elegante, como
uma mulher que tem a beleza dela, então para a própria mulher
ressignificar a beleza é muito difícil, ela tem que fazer um
trabalho interno maior e as vezes não se tem um suporte
suficiente para isso.”
Izabelle Marques, é formada em Administração, possui
mielomeningocele, também conhecida como espinha bífida
aberta, é uma malformação congênita da coluna vertebral, em
uma conversa extremamente agradável contou que os temas:
namoro, mercado de trabalho e a aceitação como pessoa são
para ela os temas com mais tabus em relação à pessoa com
deficiência, “justamente porque quando você tem uma
A hora da moda inclusiva 61
deficiência automaticamente a pessoa enxerga primeiro sua
deficiência e depois você, isso em todas as áreas. Então, até
você provar que tua cabeça e suas ideias são válidas, leva
tempo que muitas das vezes não temos. Então o termo
“cadeirante” vem antes das características mais importantes de
uma pessoa, antes da inteligência, do conteúdo. As pessoas tem
medo de me machucar, tem uma redoma em volta da
deficiência que torna pessoa invisível, as pessoas tem medo, e
esses são os principais tabus, a linha tênue que divide a
deficiência da pessoa de simplesmente uma pessoa comum.”
62 A essência do nós
A hora da moda inclusiva 63
V. A MODA INCLUSIVA E A INDÚSTRIA
DA MODA
Somos responsáveis por tudo
Segundo a Associação Brasileira de Indústria Têxtil
(ABIT) o setor têxtil e de confecção emprega no Brasil cerca
de 1,6 milhão de brasileiros, sendo que 75% são funcionários
do segmento de confecção, com o total de 9,2 bilhões de peças
produzidas ao ano, em 2014.
Pensar em uma cadeia que gera tanto emprego, renda, e
é fonte de oportunidade para milhares de brasileiros é pensar
numa porta aberta para a sustentabilidade social.
Daniela Auler, idealizadora do projeto Moda Inclusiva
em São Paulo, acredita que sim, para ela a “sustentabilidade
trabalha forte com três pilares que é o da economia, o
ambiental e o social. A Moda Inclusiva entra muito forte dentro
desse pilar do social, da sustentabilidade, por que sem
acessibilidade não tem sustentabilidade social, precisamos
incluir as pessoas também com deficiência, para assegurar cada
64 A essência do nós
vez mais nosso direito a uma sociedade mais justa, democrática
e inclusiva”.
Mas como nós estamos atualmente? Esse desejo tem
sido nutrido pela indústria da moda? Como ela enxerga o nicho
e seus consumidores?
Izabelle Marques é clara e direta, para ela a indústria da
moda vê suas necessidades como nulas, mas complementa,
“tudo depende da informação, o que falta no mercado é a
informação. Eu acho que hoje o mercado não tem a informação
de que esse público existe, acho que é tão natural ainda não
enxergar como cliente que eles nem pensam nesse mercado. É
uma questão social, na sociedade ainda somos como invisíveis,
agora as coisas estão começando a sair do escuro, mas a pessoa
com deficiência ainda é dependente, só agora que o mercado tá
começando a perceber que tem um público aí, mas tá bem no
começo tem bastante coisa ainda”.
Já para Ju Lopes, jornalista de moda e correspondente
internacional de grandes sites como UOL e FFW, a informação
vem aos poucos dando suas caras, com novas diretrizes no
mundo da moda, que influenciam os consumidores a repensar
A hora da moda inclusiva 65
sua forma de compreender a moda dentro de um cenário mais
amplo, voltado para a diversidade, “as pessoas começam a ter
acesso às informações que tem a ver também com a revolução
da comunicação (internet), onde a gente consegue vasculhar
mais. Ao mesmo tempo que tem uma vastidão de notícias
falsas com um monte de fontes não confiáveis, a internet tem
uma fontes muito confiáveis e tem a questão do imediatismo e
da facilidade de espalhar”.
Todos nós temos necessidades especiais com as marcas,
as roupas muitas vezes têm tamanhos diferentes porque somos
pessoas diferentes, mesmo com os tamanhos de etiqueta elas
não servem em algumas pessoas, ou tem uma diferença no
tamanho do braço, ou no tamanho no comprimento das calças,
cada um se comporta de uma maneira diferente.
Para Rajão a inclusão das pessoas com deficiência no
universo da moda é um dever “considero o trabalho com a
pessoa com deficiência, uma mera continuidade do trabalho
que uma marca tem que fazer, então não é focar só na pessoa
com deficiência, se focar nisso, embora marcas se dão bem
com nichos de mercado, mas todas as marcas tem que pensar
na população como um todo.”
66 A essência do nós
A falta de informação disponível sobre as necessidades
da pessoa com deficiência faz com que elas não existam, a
partir do momento que não produzem para elas, não se
propondo a pensar que todos precisam e querem se vestir bem.
Se colocar no lugar do outro é também pensar no micro, nas
necessidades do coletivo, que para a maioria fica despercebido.
Entender como a invisibilidade dos corpos com
deficiência no mercado de moda afeta a vida das pessoas é um
dos objetivos desse livro, simplesmente porque não se dá
espaço na mídia para o debate, para a informação.
Quando somos condicionados a ver e considerar belo
apenas o que é mostrado pela mídia, tudo o que é diferente
passa a ser estranho, daí é que nascem os preconceitos. Um
corpo com deficiência que é “invisível” na mídia é um símbolo
que estimula a sensação de rejeição, em relação a variados
padrões de beleza.
Patrícia Sant’Anna fundadora, CEO e Diretora Criativa
da TENDERE - Pesquisa de Tendências e Soluções em
Negócios Criativos, conta, “não existe nenhuma sociedade no
mundo que não tenha uma forma de se comunicar através da
A hora da moda inclusiva 67
aparência. A moda é para nós que vivemos no capitalismo,
numa sociedade consumista, uma coisa natural, é a ideia da
construção de uma aparência que pertence ao mundo capitalista
e onde tem capitalismo, tem moda. A forma de se vestir é uma
comunicação extremamente importante sociologicamente
falando”. E completa, “não dá para andar nu pela cidade e se
fizer isso as pessoas vão achar que tem alguma coisa estranha,
justamente porque essa pessoa não está se comunicando da
forma que as outras pessoas se comunicam, que é através das
roupas, calçados, maquiagem, penteados de cabelo, acessórios.
Todos os elementos que compõem a imagem e que são
entendidos por nós”.
Propor que as pessoas com deficiência estejam em
todos os locais da comunidade é o primeiro passo para que a
informação se dissipe através do social, minimizando as
diferenças e trazendo mais luz e conhecimento, esclarecendo
muitos dos tabus já aqui mencionados.
Gabriel Rajão é claro e direto quando se fala na
importância da representatividade na mídia “Hoje não há uma
cobertura adequada para falar do tema, isso causa na pessoa
com deficiência um distanciamento do mundo, ou seja, ela não
68 A essência do nós
se enxerga na televisão, na novela elas não são retratadas, não
há cobertura e portanto qualquer cobertura é válida, até que a
gente possa discutir o caminho correto. Sem a presença da
mídia nós não conseguimos atingir um grande número de
população, que a população seja vista no cotidiano no mundo,
porque a mídia é espelho.”
Thiago Cenjor, paratleta e modelo, sabe muito bem
como a invisibilidade dos corpos na mídia e consequentemente
no mercado de moda atinge no cotidiano de todos, “na verdade
hoje em dia, nos lugares frequentados por pessoas com
deficiência, são somos muito notados, só visualmente. Na hora
de se vestir somos insignificantes na sociedade, como
fantasmas, esquecem que temos dinheiro, que gostamos de
comprar, de sair, se divertir, viver e com isso injetar dinheiro
no país.”
No meio de tantos manifestos por uma moda com
propósito cada vez mais humano, refletir e buscar por uma
realidade onde as diferenças são valorizadas é um dos
primeiros passos para uma grande mudança.
A hora da moda inclusiva 69
Ter clareza dos nossos valores, de quem somos e do que
realmente precisamos ter, tem mudado nossa perspectiva sobre
a função do vestir. Descobrir o valor da importância embutida
na criação de uma peça de roupa é uma um avanço na mudança
de consciência que busca eliminar a segregação velada, pouco
a pouco.
Encarar o desafio por uma moda mais genuína é um ato
de coragem, não só nosso, na esfera pessoal, mas de todos:
empresários, designers, governo, costureiros, estilistas,
modelistas e outros. Os valores que clareiam nossa visão sobre
as realidades do outro é também um campo abundante e fértil
para as oportunidades que estão aí, para quem se propuser a
pensar fora da caixa.
As pessoas com deficiência estão cansadas de afirmar-
se como independentes, produtivas, e consumidoras. A
existência delas tem um significado muito importante para nós,
como comunidade, e é a partir delas que vamos trabalhar para
melhorar as imagens de moda que o mundo nos mostra e, que
muitas das vezes são os responsáveis por introduzir o
sentimento de inferioridade e baixa autoestima.
70 A essência do nós
Mas, por onde começar? Primeiro com a inteligência e
o discernimento necessário para buscar a informação correta
vamos aos poucos rompendo com os tabus que não nos servem
mais.
Conversar com aquele seu vizinho, amigo ou parente
que tem uma deficiência e você sempre teve receio de estar
próximo, é o primeiro passo. Pergunte, tenha interesse em
ouvir e observar, sua história, sua ponto de vista. Quem sabe
vocês, juntos, não podem ter uma ideia incrível para começar a
mudar o mundo?
Patrícia Sant’Anna explica como identificar as
necessidades da pessoa com deficiência e transformar em
soluções através da moda “olhar quais são as roupas que a
pessoa tem, identificar quais são seus gostos e suas limitações.
Às vezes as roupas adaptadas também podem trazer alguma
problema que só é percebido quando se usa. Então, quando se
conversa com a pessoa com deficiência para descobrir suas
necessidades, você descobre também como melhorar esse
design, melhorar a proposta”.
A hora da moda inclusiva 71
Também, vale a pena conhecer ONGs, institutos,
organizações, que trabalhem com pessoas com deficiência, de
diferentes faixa etárias, classe sociais, com usos, hábitos e
costumes diferentes.
Busque por cursos de moda inclusiva em sua região, o
Sebrae oferece cursos voltados para o mercado e a
acessibilidade em várias regiões do país, o Centro de
Tecnologia e Inclusão em São Paulo, também vêm oferecendo
mensalmente cursos de moda inclusiva que vão desde “moda
inclusiva com ênfase em varejo, até “construção de imagem na
confecção”, abordando pesquisa e ilustração de moda
inclusiva, entre outros temas.
Existem projetos fantásticos sobre a moda inclusiva que
estão disponíveis para o acesso online, o denominado “Meu
Corpo é Real” é um exemplo rico de como a imagem da pessoa
com deficiência pode contar muito mais do que histórias de
superação, levando em consideração questões que trazem
singularidades, novos significados, despertando a curiosidade
sobre o tema com muita beleza e harmonia. Nossos valores
culturais necessitam do resgate de uma moda mais
72 A essência do nós
colaborativa, sustentável e ética, em favor da pluralidade do
estilo de vida de cada um.
Blogs, canais no Youtube, documentários, matérias,
artigos, pesquisas acadêmicas, livros, palestras, reportagens,
todo esse pacote de informações nos dá a chance de tomarmos
escolhas a favor da igualdade, não só na moda, mas em nossa
vida.
Reconhecer a necessidade que temos por uma moda que
alimente nossos propósitos, e que nos dê força e capacidade de
expansão dos padrões estéticos limitados, é o que nos move
como indivíduos em sincronia com o coletivo, com o que é de
todos.
Em entrevista com o Coletivo Dois, de São Paulo,
podemos perceber como a sensibilidade incorporada com a
ação pode fazer grandes frutos. Com um ensaio intitulado
“Revelar”, o foto coletivo reuniu alguns modelos com
deficiência física em uma experiência fotográfica que une
beleza com propósito.
A hora da moda inclusiva 73
No website é possível consultar a história de cada um
dos modelos, as particularidades das peças de roupas que estão
usando, em registros extremamente sofisticados e elegantes.
Como introdução a proposta o coletivo retrata “A
palavra que intitula esse ensaio traz uma gama de significados
quando paramos para observar as histórias que cada fotografia
desse editorial nos conta. Experiências que nossos modelos
estiveram dispostos a compartilhar trazem à tona questões que
muitas vezes não nos atentamos por não fazerem parte do
nosso cotidiano.”
Daniel, Mayra e Letícia, autores do ensaio contam que
“a ideia surgiu como o trabalho de conclusão de curso, todos
nós sabíamos que queríamos seguir para a área fashion, mas
precisamos abordar algo especial, queríamos trazer algo
importante com nosso trabalho, algo além de somente mais um
editorial de moda. Estudamos o mercado e demandas, e
começamos a notar que mesmo a inclusão sendo algo tão
importante dentro na nossa sociedade, ela era pouquíssimo
abordada no mundo da moda, então decidimos ir a fundo e
ouvir as pessoas que vivem uma realidade diferente da nossa, e
74 A essência do nós
como era isso para eles. Então concluímos que realmente, a
inclusão precisava ser um tema para enaltecemos.”
As histórias chegaram até eles em eventos e palestras
que promovem a inclusão da pessoa com deficiência “nós
fomos buscá-las em feiras e em desfiles de moda inclusiva.
Nestes lugares conhecemos pessoas incríveis, com grandes
histórias de superação, e algumas delas convidamos para serem
nossos modelos e contarem para mais pessoas suas
experiências.”
A representatividade é algo extremamente importante, e
com a fotografia alcança níveis mais certeiros de satisfação,
para o Coletivo Dois foi “algo novo, que nos trouxe outra
realidade social e nos fez notar detalhes que antes passavam
despercebidos por não termos que enfrentá-los todos os dias.
No fim, o Revelar nos trouxe outras percepções e hoje
enxergamos e entendemos a inclusão com outros olhos.”
Ju Lopes, correspondente internacional dos sites UOL e
FFW e pesquisadora de tendências, entende que o impacto do
mundo digital fez nossos olhares se apontarem em busca
daquilo que nos torna cada vez mais parte de um grupo onde
A hora da moda inclusiva 75
ninguém fica de fora “a partir do momento em que todo mundo
começou a ter acesso a muita informação de moda em tempo
real, como por exemplo: ver desfiles on streaming, conferir
backstage e ficar sabendo quais são os lançamentos, em
qualquer lugar do mundo, com muito mais rapidez do que era
antes, nosso gosto também começou a mudar, porque a gente
enjoa das coisas mais rápido e se acostuma com as coisas mais
rápido, a novidade passa mais rápido e, buscamos por novas e
contemporâneas ideias, por outros estilos de vida que não só
dos estilos que ditaram a moda para a internet por anos.
“Isso se enfatiza com as mídias sociais, quando
encontramos novos protagonismos, de pessoas fazendo blogs e
vídeos, publicando coisas a respeito do próprio estilo de vida,
sem precisar que alguma instituição as autorize, esse
movimento da moda faz com que nós tenhamos um contato
com muitos tipos de pessoas, coisa que não acontecia antes”.
Do individual para o social vamos criando grupos de
sustento para impulsionar a moda inclusiva através de
comportamentos e tendências alinhados com a ideia de
integração da pessoa com deficiência na sociedade.
76 A essência do nós
Foi o que aconteceu com a Izabelle Marques, formada
em Administração, nunca passou pela sua cabeça estudar
moda, até que por acaso, em uma tentativa de descobrir seu
propósito dentro da inclusão social, encontrou um grupo e
através dele descobriu seu compromisso, como ela me disse:
“No meio da faculdade eu descobri que queria estar envolvida
com a inclusão, trabalhar com inclusão de alguma maneira.
Terminei a faculdade de Administração e fui em busca de
cursos livres até que caí no curso de Moda Inclusiva, no Centro
de Tecnologia e Inclusão em São Paulo. Fui sem pretensão
nenhuma, nunca estudei nada. Sempre gostei de história e sinto
que essas marcas do passado sempre me mexeram de alguma
forma, sempre gostei de saber da história das marcas. Mas o
curso de moda inclusiva me deu o primeiro estalo, na aula da
Patrícia Santana eu percebi que queria trabalhar com a Moda
Inclusiva de alguma forma, mas como eu não sei desenhar e
não gosto, não sabia como e nem o porquê de fazer isso.
Através de cursos livres a respeito de Moda, passei a me
especializar e fazer cursos de inclusão para entender direito
essa ideia de trabalhar com a moda e o propósito da inclusão.”
Os trabalhos com a moda inclusiva estão só começando,
ainda há muito que fazer, estamos numa era de transição da
A hora da moda inclusiva 77
moda, onde aos poucos vamos percebendo que as roupas estão
para nos servir, nos deixar mais felizes e satisfeitos com nossa
aparência.
Brincar, soltar nossas paixões e nossa criatividade em
uma moda que olhe para o outro como igual, com mais
informação, entendendo valores que promovam o consumo que
vai além da venda, oferecendo qualidade de vida e bem estar é
o que a moda, como forma de comunicação tem poder de criar.
Expanda sua consciência e crie. Viva se lembrando de
que todos somos um e só temos a ganhar quando nos
incluímos e cuidamos uns dos outros. A moda inclusiva é para
todos. Vai muito além da adaptação, da segmentação de
público e da deficiência em si.
Está na junção de novos valores, de colaboração, de um
fazer consciente, mudar o foco do consumo imediato para um
consumo que tenha um propósito que estimule a diversidade, a
liberdade, onde todos aprendem e ensinam.
Gabriel Rajão me contou que a moda inclusiva é para
todos, é para o mundo “começa a partir das necessidades que as
78 A essência do nós
pessoas com deficiência tem, das capacidades que elas tem em
lidar com as roupas, mas é um benefício para todo mundo.
O design adequado a uma população diversa é uma
necessidade não só da moda, nós queremos cada vez mais
caros adaptados, celulares que nos tragam todos os benefícios,
então é do design, a moda é um braço ali. “Quando você cria
aviamentos inclusivos dentro do design você beneficia toda
uma população.”
Perceber como a moda se comporta diante desse novo
cenário nos dá possibilidades de criar e reinventar a partir
daquilo que já sabemos, o consumo exacerbado, as rígidas
regras de estilo, os tipos de corpos “favorecidos”, já não fazem
sentido atualmente.
Todos tem direito e fazem da moda um meio de mostrar
sua personalidade sem receio do que um dia foi considerado
“conveniente” ou não.
Com uma moda plural, para todos e a serviço de quem
tem criatividade e autenticidade, entender o que é tendência e
como ela pode trabalhar numa avaliação decorrente das
A hora da moda inclusiva 79
vontades das pessoas pode ser um desafio para quem pretende
estar à frente das inovações da moda.
Para Patrícia Sant’Anna fundadora, CEO e Diretora
Criativa da TENDERE - Pesquisa de Tendências e Soluções
em Negócios Criativo “tendência não é o que está na capa da
revista Vogue”, é uma possibilidades de gostos que as pessoas
vão ter no futuro, que estão formando agora.
Tendência é tudo aquilo que estrategicamente pode
presumir o futuro de uma marca de moda, tanto na parte
criativa, quanto em sua relação com o consumidor e com o
mercado.
O gosto, não é uma coisa congelada, é uma coisa que
está o tempo inteiro sendo remodelada pelas pessoas de acordo
com o que elas estão vivenciando. É importante ficar bem
atento e perceber quais são as coisas que vão chamar mais
atenção, e isso vai gerar em termos de ideias uma série de
comportamentos e esses comportamentos podem se desdobrar
em alguns tipos de soluções.
80 A essência do nós
Thiago Cenjor, paratleta e modelo, contou em entrevista
sua relação com o corpo e como ela mudou depois do encontro
com a moda inclusiva “meu corpo representa o que eu sou, um
homem vaidoso, que se cuida, organizado, limpo, quando
olham para mim, conseguem sentir a energia positiva que
possuo, pois não enxergam só um homem de cadeira de rodas,
mas sim “o homem” de cadeira de rodas, um diferencial, um
exemplo de superação, quando chego num local gosto de ouvir,
“olha, que cadeirante bonito e forte” e não “olha, que
coitadinho”, gosto de receber elogios por cuidar do meu corpo
e por estar sempre arrumado, bem vestido.
“A moda inclusiva resgatou minha autoestima e me deu
prazer na hora de me vestir, de me deixar usar a roupa que eu
quero, de me deixar ter independência/facilidade no me vestir e
despir, podendo escolher modelos e cores, facilitando e
alegrando mais a minha vida”.
Para Mário Queiroz, estilista, designer e pesquisador de
moda, os principais aspectos que se deve considerar quando se
desenvolve uma peça voltada para uma pessoa com deficiência
são necessidades específicas do público, mas é importante
lembrarmos que como todas as pessoas há também as questões
A hora da moda inclusiva 81
das vontades, dos desejos. “Não nos vestimos para
simplesmente nos cobrirmos (pela moral ou pela temperatura),
a questão é muito mais complexa”.
Já Vitória Cuervo, também estilista e criadora da
coleção de moda inclusiva “Plastic”, entende que deve haver
um estudo bem aprofundado no desenvolvimento de uma peça
inclusiva, pois estamos falando também de ergonomia. “As
peças deve ser pensadas para tais questões e além disso devem
ser confortáveis e práticas. Digo que é quase uma “engenharia”
para criarmos a roupa ideal”.
É nesse ponto que pesquisar tendências facilita no
desdobramento de alguns tipos de soluções, que são geralmente
as cores, as formas, que podemos desenvolver para o vestuário
na questão da silhueta, a textura, os tipos de tecidos que as
pessoas vão desejar mais.
Patrícia explica que a pesquisa de tendências voltada
para a moda inclusiva não foge muito do que já é hábito se
fazer, durante o processo construção da imagem ninguém
distinto porque o que se pesquisa não são as dificuldades, mas
sim o comportamento em relação ao gosto, Patrícia acrescenta
82 A essência do nós
que em sua empresa é utilizada a metodologia baseada na
antropologia e na estética, “prestando atenção em como as
pessoas são sensibilizadas e, como elas vão criando seu
julgamento a partir das coisas envolta dela a partir da vivência
no mundo.”
Portanto é papel do designer, descobrir como pegar
aquela informação de moda e adaptá-la, pensar em quais são as
soluções que existem dentro das técnicas e das tecnologias que
ele pode utilizar para representar, para trazer aquela linguagem,
para o público específico.
Patrícia explica que a divisão feita só diz respeito a
feminino, masculino e infantil, “os mercados específicos
possuem suas linhagens próprias, como, por exemplo, o
sportwear, moda praia, nesses casos a gente faz uma coisa
específica, mas não é o caso de Moda Inclusiva”.
Em conjunto com a pesquisa também é importante
pensar nos tecidos e aviamentos que vão ser utilizados em casa
peça ou coleção criada. Com o avanço da tecnologia já é
possível encontrar no mercado tecidos com elementos
eletrônicos modernos inteiramente dentro das fibras têxteis.
A hora da moda inclusiva 83
O Brasil é um dos poucos países que está a frente com
essa tecnologia, nós temos em nosso território a capacidade de
produzir uma peça em sua cadeira inteira, temos toda rede
produtiva.
Desde o fio de filamento até o e-commerce, até o
varejo, estruturada em vários degraus, em diversos caminhos.
Uma peça de roupa raramente vai passar por uma linha reta de
produção como em outros processos industriais.
Quando você pensa em indústrias mais tradicionais
como a automobilística, por exemplo, entra de um lado o
produto bruto e sai do outro lado o produto feito. E no caso da
moda não é bem assim, entra o fio sai tecido e esse tecido pode
ser lavado, tingido, estampado.
Então mesmo quando ele está “pronto’’, ele ainda não
está “pronto”, pode passar por diversos projetos. E mesmo
ainda depois de cortado, construído, ele também pode voltar a
passar por outros processos, quando pensamos na produção é
muito difícil estabelecer uma linha reta, passam por muitas
mãos em muitos níveis.
84 A essência do nós
Nessa nova era industrial e criativa da moda, a inovação
e a sustentabilidade andam de mãos dadas, a tecnologia dos
wearebles, das impressões em 3D e muito mais, pensar no que
já existe não é mais suficiente, é preciso inovar nos produtos,
serviços e principalmente no comportamento.
A hora da moda inclusiva 85
VI. ROUPA VIVA
Se na moda tradicional a especialização do fazer é
estimada, na moda inclusiva a valorização do ser entra em
primeiro lugar, as tecnologias do tecido, da costura e do
material em si, transformam não só nossa perspectiva sobre o
sustentável, mas, também sobre a importância do fazer com
propósito.
Quando damos valor para novo modelo de consumo,
expandimos nossa percepção e criamos novos sentidos e reais
identidades, reconhecemos a necessidade e as belezas de cada
um. Como a sustentabilidade não está ligada apenas ao meio
ambiente, mas também ao social, conseguimos “completar”
todo um ciclo de produção pensado na inclusão.
Para a estilista Vitória Cuervo a modelagem é tudo,
“criar uma roupa para uma pessoa que fica muito tempo
sentada na cadeira de rodas é pensar numa ergonomia
completamente diferente, precisamos inverter o conceito e
pensar na postura, no comprimento das peças, em modelagens
86 A essência do nós
amplas que dependendo do corpo e do caso podem ser
ajustadas, pensando no ideal para o usuário.”
Maria de Fátima Grave, em seu livro “A Moda
Vestuário e a Ergonomia do Hemiplégico” esclarece que “a
maior preocupação com a moda e o fashion deve ser a visão de
inclusão como uma regra da sociedade em todos os campos.
Isso porque a confecção de roupas com técnicas detalhadas e
apropriadas para faixas segmentadas de deficiência atende o
conhecimento, fortalece o mercado, educa a sociedade,
propicia a qualidade de vida e cria novas bibliografias, que
hoje são praticamente inexistentes no mercado”.
Na produção de uma peça inclusiva, entre as primeiras
condições que se deve considerar está a mobilidade e a
ergonomia do corpo em que se está produzindo em conjunção
com o perfil do consumidor.
Baseado no que aprendemos até agora, ao analisarmos,
por exemplo, em um perfil de uma mulher cadeirante, com
cerca de trinta anos, que segue um estilo clássico -
caracterizado pelo uso de peças atemporais, cores sólidas,
elegância - casada, com filhos e que segue uma vida agitada em
A hora da moda inclusiva 87
uma cidade como São Paulo, mas nos dias de folga gosta de
aproveitar a natureza e a vida no interior, podemos criar uma
pesquisa baseada não só nas necessidades diárias dessa pessoa,
mas também em seu gosto, suas preferências.
Ela pede por roupas confortáveis, que tenham um tecido
agradável, que permita a passagem de ar, que possam
acompanhar ela durante toda a rotina do dia, sem trazer
incômodos e desconfortos.
Supondo que em um dia comum de trabalho, ela opte
por utilizar uma calça de alfaiataria, uma camisa branca com
um trench coat e um sapato de salto carretel. Vai da nossa
perspectiva e criatividade em projetar de forma criativa, ajustes
que acrescentem mais qualidade de vida, bem estar e
comodidade a essa mulher, mas sem perder a informação de
moda.
É fundamental que como primeiro passo analisemos o
perfil de vida desse usuário e das suas necessidades rotineiras
com aquela roupa, depois em uma análise mais detalhada e
assertiva,- você pode fazer uso da empatia aqui- vale prestar
atenção nas particularidades de quem está vestindo, seja
88 A essência do nós
através dos variados estilos possíveis ou de uma tendência
temporária, mas sempre com o cuidado de pensar que utilizar
uma roupa adequada e confortável você está melhorando a auto
estima e ajudando a desempenhar melhor o papel diário dessa
pessoa em sua rotina.
Desmembrando o processo de produção de uma roupa
em fragmentos, apenas para a compreensão, percebemos como
a sutileza e a perspicácia são necessárias. Entender o nicho em
frações é também estar conectado com as necessidades
particulares de um trabalho que demanda muita atenção e
cuidado, uma construção que pede por atenção em todos os
aspectos.
Levando em consideração os tecidos, por exemplo, é
necessário ter em mente que pessoas que passam muito tempo
sentadas precisam de mais ventilação, de tecidos que tenham
uma anti estática, resistentes, que absorvam a umidade, com
reforços em áreas onde o atrito é maior, oferecendo
mobilidade, elasticidade, e com um bom caimento.
Pode se empregar tecidos compostos por fibras
vegetais, como o algodão, o linho, a seda, entre outros, com
A hora da moda inclusiva 89
tingidura natural, feita a partir de extratos de flores, frutas ou
raízes.
Outra medida que pode ser considerada positiva está em
implementar nas roupas recursos tecnológicos como os
wearbles7 e os tecidos inteligentes, que contam com variadas
funcionalidades e alto desempenho.
A palavra wearbles vem do inglês e não tem uma
tradução exata, mas é com essa tecnologia que a indústria de
moda vem trabalhando para inovar em suas criações. Já é
possível encontrar tecidos que contém em sua trama fios com
proteção solar, anti bactericidas, desodorizantes, com micro
cápsulas hidratantes, anti alérgicos, entre outros.
Além de tecidos feitos a partir de produtos orgânicos
como bambu, soja, banana, pó de café, entre outras matérias
que diminuem a degradação do ambiente e ajudam no conforto
e no bem estar da roupa.
7 Wearables: dispositivos eletrônicos vestíveis.
90 A essência do nós
As nanotecnologias também ganham mais visibilidade
dentro da moda inclusiva, chamada de “tecnologia vestível”,
elas podem facilitar a vida de pessoas, com ou sem nenhuma
deficiência. Um dos exemplos mais conhecidos já vem sendo
utilizado em marcas como , Barbara Layne, Corchero e Ying
Gao, com dispositivos que ajudam em atividades como:
atender ao telefone, GPS, equipamentos que medem a
temperatura corporal, entre outros.
André Carvalhal, escritor e fundador da marca
AHLMA, já esteve neste livro através da sua obra “A moda
imita a vida”, mas agora, em outro papel demonstra como as
novas tecnologias em relação ao fio pode construir uma “roupa
viva”.
Sua marca, criada em neste ano (2017) propõe uma
nova visão da moda e de sua forma de consumo, no site da
marca a proposta é detalhada como “uma rede tecida em
conjunto para servir aos sonhos. À vida. E partir do encontro,
desenhar o novo. Escolhemos a moda como potência, pois é
dela que somos íntimos. A roupa, se não arte, é desejo
legítimo. É forma de expressão. É se relacionar com o mundo.
A hora da moda inclusiva 91
É se autoconhecer. E verdade seja dita, todos nós, todos os
dias, ainda nos vestimos”.
Para Patrícia Sant’Anna, a moda inclusiva tem uma
conexão com a sustentabilidade e com o impacto da moda em
nosso meio ambiente, para ela essa relação é benéfica para
ambos, já que em um lado se ganha em tecnologia e em
acessibilidade, enquanto no outro se tem uma maior variedade
de recursos, sem estimular a degradação do meio ambiente.
“A moda inclusiva está sanando algo que socialmente é
um desafio, quando você faz a diferença para um grupo que é
absolutamente esquecido, já conota como algo sustentável de
uma maneira bem forte. E como são peças feitas na maioria das
vezes sob medida, pouca coisa é feita em escada, quando a
gente pensa nisso já dá pra perceber que o impacto é menor,
não é como, por exemplo, uma fábrica de camisetas. Por conta
disso ele acaba com um desafio de ser sustentável que é menor
do que grandes empresas, de grande escala. Mas é lógico, se
você não presta atenção na sustentabilidade em todo o processo
de produção de uma peça, você deixa de ser sustentável. A
empresa precisa ter uma postura sustentável, não só vender.”
92 A essência do nós
A inclusão desses materiais dentro do mercado de moda
ainda é sutil, mas atua em grande escala nos vestimentas
utilizados em setores como a construção, a saúde, o desporto e
a indústria automobilística.
O uso de matéria prima sustentável não só é um atributo
as pessoas que pedem por um cuidado maior com a qualidade
do tecido, mas também com todo o ciclo de “vida” de uma
roupa, quando se pensa que ele não acaba quando você tira ele
do cabide da loja.
Para Daniela Auler, coordenadora do projeto de Moda
Inclusiva em São Paulo, esse movimento da inclusão também
está ligado com a ressignificação dos produtos “você pega uma
calça jeans e faz uma abertura diferenciada, trabalha toda essa
questão de upcycling8 você também está trabalhando toda essa
questão de significação do produto, que seria descartado mas
está recebendo um novo valor e também incluindo”.
8 Upcycling: é o processo de transformar resíduos ou produtos inúteis e
descartáveis em novos materiais ou produtos de maior valor, uso ou
qualidade
A hora da moda inclusiva 93
Ainda falando em desenvolvimentos sustentáveis,
Patrícia Santana, fundadora, CEO e Diretora Criativa da
TENDERE - Pesquisa de Tendências e Soluções em Negócios
Criativos, explica que designer tradicional, que só pensa no ato
da compra está ficando para trás. “Estão surgindo cada vez
mais profissionais que se preocupam com o destino da peça,
em como ela vai ser utilizada, quais as coisas que se pode fazer
com a peça, então é uma visão mais sistêmica mais ampla, e até
entra na questão do designer circular, que pensa no ciclo todo
dessa peça. É um outro tipo de postura e a Moda Inclusiva
entra como um desafio para esse profissional, que quer saber
como vai ser utilizada essa peça, que não vai abandonar a
roupa na loja para ser vendida especificamente, está
preocupado com o consumo, com o conforto e com o impacto
da peça no mundo”.
O aviamento, assim como o tecido, deve ser levado em
consideração quando se produz roupas inclusivas, há quem
diga que é ele, em conjunto do design, é o principal
personagem dessa história.
Não há dúvidas de que o aviamento pode transformar a
forma como estamos acostumados a enxergar as roupas, jeans
94 A essência do nós
com um zíper para a abertura frontal, bolsos na parte de trás da
calça, vestidos com abertura nas costas, esses são alguns dos
modelos de roupas que estamos acostumados a ver e a utilizar,
mas para algumas pessoas esse tipo de formato é
completamente ineficiente.
Uma pessoa que está na maior parte do tempo sentada
não precisa de bolsos que fiquem no bumbum, muito menos de
aviamentos que fiquem nas costas. Alguém que precise passar
a sonda constantemente pede por uma calça que ajude nesse
processo, diminuindo o tempo gasto com esse procedimento e
aumentando a autonomia da pessoa.
Se uma mulher cadeirante quer utilizar um vestido
longo ou uma saia longa, esse modelo precisa ser desenvolvido
para que não enrosque na cadeira ao se movimentar, tendo um
bom caimento, dando conforto e segurança essa mulher.
Para Izabelle Marques, que possui mielomeningocele,
também conhecida como espinha bífida aberta, a moda
inclusiva foi mediante entre seu corpo e sua autoestima, “a
moda inclusiva melhora muito porque você começa a enxergar
o que você imagina, se reconhece, você tem uma imagem
A hora da moda inclusiva 95
própria que corresponde ao físico, combina. Com a moda
inclusiva eu entendi que pode combinar e que eu posso ser o
que quiser.”
No caso de pessoas com deficiência visual, pensar no
tecido e nos aviamentos tem a mesma importância: oferecer
independência e igualdade. Nesse caso, toda informação sobre
a peça em questão deve estar descrita na etiqueta como: cor,
tecido, estampa, modelo, em Braille.
Geraldo Lima, professor da Faculdade de Moda da
Universidade Anhembi Morumbi, começou em 2002 um
estudo a respeito da relação entre as pessoas com deficiência
visual e a moda, que em abril de 2003 resultou no lançamento
da coleção “Olhar, Olhares” pela marca Urânio, que implantou
então, etiquetas em Braille, com indicação de cores nas peças
de roupa.
Atualmente, com o crescimento da moda inclusiva, em
consequência dos concursos realizados pela Secretaria dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, já é possível encontrar
inúmeros projetos voltados a atender a essa demanda,
principalmente entre estudantes de moda.
96 A essência do nós
A Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência,
através da Drª Linamara Rizzo Battistella, vê a moda inclusiva
como um campo cheio de opções, que durante anos foram
crescendo e dando voz às pessoas ao redor do mundo “há nove
anos, inúmeras ações foram realizadas para fomentar a Moda
Inclusiva entre os produtores, idealizadores e vendedores de
moda: workshops, cursos sobre Moda Inclusiva, cartilhas sobre
conscientização e o carro chefe do projeto, o Concurso Moda
Inclusiva. No início, o Concurso era realizado apenas em
âmbito estadual, mas as proporções e o interesse pelo tema se
expandiram, o que o transformou em nacional e internacional.
Da primeira edição até a última, realizada em 2016, foram mais
de 1.500 inscritos do Brasil e do mundo. Já participaram países
como Itália, Argentina, Chile, Paraguai, Canadá, França, Índia,
Irã e Japão”.
Para Patrícia Sant’Anna, a moda inclusiva cresce
bastante no país, “o Brasil não está nenhum pouco atrasado em
relação aos outros países, ao contrário, se a gente pensa na
Moda Inclusiva, já existem diversas marcas, diversos cursos e
esses cursos atendem aos profissionais da moda que querem
aprender sobre, e que é um mercado muito amplo, mas que foi
A hora da moda inclusiva 97
por muito tempo desprezado porque não havia mercado de
moda no país até o equilíbrio econômico. A gente tem que
parar de achar que o Brasil está sempre atrasado para as coisas,
mas não, estamos bem nesse quesito, o que não significa que
pode melhorar e vai melhorar. Temos que reconhecer o que foi
conquistado”.
98 A essência do nós
A hora da moda inclusiva 99
VII. O VALOR DE UMA MARCA
O valor de uma marca vai além do quanto ela foi capaz
de produzir em um determinado período, ele é definido por
toda sua capacidade coletiva, incluindo seus equipamentos,
seus valores físicos, materiais, estoque, e como sua imagem é
percebida pelo mercado.
É a união entre o valor de sua imagem pública, entre
como as pessoas enxergam essa marca e a sua capacidade de
ser lembrada, seus valores físicos, que são os produtos que
possui e os investimentos que fez.
A moda inclusiva, por ser uma proposta que busca não
só questionar e trazer novas soluções para atender a diferença
dos corpos, está também a frente de questões que nos
despertam para entender os meios consumo e as suas
consequências.
Com a revolução industrial tivemos um enorme avanço
tecnológico que foi capaz de transformar a moda em um
100 A essência do nós
movimento global, capaz de atingir diretamente ou
indiretamente milhares de pessoas.
A partir desse avanço da tecnologia foram surgindo
cada vez mais fábricas que confeccionavam as roupas em larga
escala, um método que existe até hoje e que é chamado dentro
do mundo da moda de “Fast Fashion”. Com o aumento da
demanda, aumentaram também as fábricas e o desgaste não só
do planeta, mas das pessoas que trabalham de forma ilegal
nesse processo.
A moda inclusiva tem em sua essência uma nova e mais
sustentável forma de consumo, Patrícia Sant’Anna fala que a
quantidade de produção de uma peça no Fast Fashion é
enorme e isso não faz sentido para a moda inclusiva, por conta
da necessidade de cada pessoa, que é valorizada. “Portanto,
provavelmente a moda inclusiva se encaixa mais no ritmo de
Slow Fashion, ou mesmo sob medida do que em escala.
Algumas coisas você até consegue fazer em escala, sem dúvida
nenhuma, não é que não tenha como fazer em escala. Mas é
muito difícil, uma coisa ou outra num mundo de pessoas que
precisam dessas peças”.
A hora da moda inclusiva 101
Daniela Auler concorda, para ela o próprio Fast
Fashion vai ter alguma transformação, “porque hoje com esses
movimentos que nos impulsiona a olhar o consumo de uma
forma diferente, fazem com que os processos atuais sofram
alguma transformação”.
Movimentos globais como “Você sabe quem faz suas
roupas” criado pela Fashion Revolution, procuram alertar sobre
questões sociais, exploração do trabalho no ramo da moda e
acabam trazendo mais esclarecimento sobre a origem da roupa
e do seu valor real. Mas será que estas tecnologias e o
desempenho exigido encarece o produto final?
Para Thiago Cenjor esse é o ponto negativo na moda
inclusiva, já para Patrícia esse valor pode ser justificado “não
posso dizer que ela é cara, pois isso seria mentira. Só que ela
não tem realmente o jogo de cintura daquilo que é feito em
escala, que despenca o preço, deixando-o mais acessível, o
trabalho é sempre o mesmo e a produção é sempre a mesma”.
“Agora quando se pensa em moda inclusiva, se ela é
slow fashion, ela pode ser feita com uma alta qualidade e isso
102 A essência do nós
faz a peça durar mais tempo, não só no ponto de vista físico,
mas no ponto de vista de linguagem também, uma peça quando
é bem pensada, não sai rapidamente da moda, ela consegue
sobreviver mais tempo no armário em termos de linguagem e a
moda inclusiva pode ir por esse caminho.”
A hora da moda inclusiva 103
NÃO É SÓ ROUPA, É INCLUSÃO
O jornalismo é uma ferramenta poderosíssima de
comunicação, é através dele que muitos temas surgem a debate
e são apresentados, pela perspectiva de quem escreve, em
revistas, jornais, na televisão e nas redes sociais.
A comunicação inclusiva também vem passando por
mudanças que proporcionaram a pessoa com deficiência
formas mais acertadas de interação. Um exemplo dessa
evolução está na terminologia, que foi modificada de acordo
com a percepção dessas necessidades.
Durante a segunda guerra mundial, por exemplo,
quando o número de pessoas com deficiência adquirida
aumentou visivelmente, chamavam essas pessoas por termos
como: aleijado, defeituoso físico, incapacitado, inválido.
Depois a nomenclatura mudou e se usavam palavras
como: deficiente físico, pessoas com necessidades especiais,
portadores de deficiência. Esses termos foram entendidos como
104 A essência do nós
incorretos ao passar dos anos, por sua maneira falha em
descrever as pessoas com deficiência.
Em 2006, a ONU decidiu através de uma convenção
internacional, que o termo correto seria: pessoa com
deficiência. Seja ela qual for.
Entendendo a responsabilidade do jornalismo em
informar, questionar, trazer os fatos à tona, traduzir e
interpretar sua mensagem para o leitor, entender como a pessoa
com deficiência é retratada nas mídias sociais e se são
necessárias mudanças nessa forma de linguagem é papel de
todo profissional da área da comunicação.
Juliana Lopes, jornalista, entende que a revolução da
comunicação, através da internet, foi o caminho que ajudou as
pessoas a terem acesso às informações, a questionar mais “ao
mesmo tempo em que tem uma vastidão de notícias falsas com
um monte de fontes não confiáveis, a internet tem uma fontes
muito confiáveis e tem a questão do imediatismo e da
facilidade de espalhar, por isso se indagam mais sobre
determinados assuntos.”
A hora da moda inclusiva 105
Já para Izabelle Marques as mídias sociais estão no
caminho certo, mas precisam de ajustes “independente do jeito
que fale é bom, mas o jeito brasileiro de se falar deve ser
reavaliado, deve ser repensado, mas fico feliz de falarem, de
mencionarem. Acho que esse é o primeiro passo. Mas nós, as
pessoas com deficiência não podem atacar esse modelo o
tempo todo, porque fazer isso afasta nossas oportunidades de
criar espaço para debate”.
Gabriel Rajão acredita que a única forma de retrato que
não é a de coitadinho, o retrato de que a pessoa precisa
extremamente de ajuda, ela está sempre necessitada.
“Quando se coloca a pessoa como coitada você tira o
poder da pessoa de discutir o próprio destino, essa pena, essa
dó que por muito tempo rondou o imaginário do brasileiro,
causou estranhamento”, defende. “Mas, olha, isso é uma visão
minha, não tenho deficiência”, finaliza.
As revistas, os sites, blogs, colunas, que falam sobre
moda e em específico sobre moda inclusiva têm de colocar em
constância a questão da pessoa com deficiência e como ela é
retratada na mídia, precisamos instigar que mais matérias,
106 A essência do nós
entrevistas, livros e documentos sejam produzidos para falar
sobre essas pessoas e suas histórias de vida.
Meu propósito quando tive a ideia inicial de escrever
sobre esse tema ia além de falar sobre roupa e os ajustes que
facilitam a rotina da pessoa com deficiência.
É falar sobre uma roupa viva que contagia e une as
pessoas em volta de um propósito maior. PROPÓSITO, palavra
que vive rondando entre os textos, é ela que me dá impulso
para escrever e pensar grande, num mundo onde as o vestir tem
mais significado.
A moda inclusiva é um meio poderosíssimo para
refletirmos sobre nossa forma de consumo, nossa linguagem,
na ressignificação dos produtos e nas tecnologias que estão
disponíveis para nós
Quando agimos localmente e pensamos globalmente
entendemos que estamos no tempo de inovar, de incluir. É
pensar que temos um “nicho” com cerca de 45,6 milhões de
pessoas (IBGE/2015) esperando apenas por fazer com
qualidade, respeito e convicção sobre aquilo que cria.
A hora da moda inclusiva 107
O fazer pode vir através de vários meios, da indústria,
do varejo, do comércio, da mídia e através de nós,
impulsionando e deixando explícito nossas necessidades e
desejos.
Com políticas públicas que devolvam a qualidade de
vida à pessoa com deficiência e com o suporte necessário
chegaremos cada vez mais próximo de uma moda que
questiona, reavalia e melhora, numa sociedade que cria uma
cultura de reconhecimento que busca valorizar a igualdade.
108 A essência do nós
A hora da moda inclusiva 109
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