A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

76
Pr of. Dr . Ju arez Cir ino dos Sa nto s Mes tre em Ciên cias Jurídi cas (PUC/RJ) Do uto r em Dir eit o Penal (UF RJ ) Pós -dou tora do no In stitu t für R ech ts- und So zialp hilo sop hie C U  niv ersid ade do Saarlan d, Alem anh a)  A Cr iminolo g ia Radical ICPC LUM EN JURIS 2008

Transcript of A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

Page 1: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 1/76

Prof. Dr. Juarez Cirino dos SantosMestre em Ciências Jurídicas (PUC/RJ)

Doutor em Direito Penal (UFRJ)

Pós-doutorado no Institut für Rechts- und Sozialphilosophie

C U   niversidade do Saarland, Alemanha)

 A Criminologia

Radical

ICPC

LUMEN JURIS

2008

Page 2: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 2/76

copyright   < i , d   200~ b,. ICPC Editora Ltda. c Uvraria e Editora LumenJuris Ltda.

Todos os direitos rcscn-ados às editOras

ICPC   Editora Ltda. e Linaria e Editora LumenJL1ris Ltda .

.A reprodução total ou parcial dc~[a obra, por qualquer meio ou processo.

sem a autorização prévi1 das Editoras,   constitui   c r u n e .

ICPC Editora Ltda.Diretor 

Juarez Cirino dos Santos

\Vww.cmno.com.br 

[email protected] 

Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.

Editores

João de Almeida

João Luiz da Silva Almeida

\\i'\\lw.lwnenjuris.com.br 

Rio de Janeiro - R. da Assembléia,   36/201-204

CEP 20011-000 - (21) 2232-1859/2232-1886

Curitiba - Av. Cãndido de Abreu, 651/1° andar - CEP 80530-907 - Tclefax: (41) 3352-8290

Brasília - SCLN - Q. 406 - Bloco B - s/s 4 e 8 Asa Norte - CEP 70847-500

(61) 3340-9550/3340-0926/3225-8569 - Fax (61) 3340-2748

São Paulo - R. Camerino, 95/2 - Barra Funda - CEP 01153-030 - (11) 3664-8578

Rio G. do Sul - R. CapoJ. de Oliveira Lima, 160 - Santo Antonio da Patrulha - PitangueirasCEP 95500-000 - (51) 3662-7147

Capa:

Rodrigo Michel Ferreira

Projeto Gráfico:

Kellen Susana Zamarian

s+=c00460'5~Santos, Juarez Cirino dos

t\ criminologia radical/Juarez Cirino dos Santos. - 3. ed. - Curitiba:

ICPC : Lwnen Juris, 2008.

139p. ; 21cm.

ISBN 978-85-375-0183-2

Bibliografia: p. 131-136.

1. Crime. 2. Criminalidade. 3. Controle Social. I. Título

CDD (21' ed.)

364

Dados internacionais de catalogação na publicação

Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Tei.xeÍra

. .. .Ot\l. . . .

!. .. . . .. .

  It'l

IsG 1

\ 1O. . r ! O ' "O

~ . . r ,   o -' \ 1C

" -O-. .   Z

~  ~

910   ã:

i~I O   5   o:. . ,   .

  N   -<

~ o   U J8   ~.

gz   ~   'Z

~   1 S ~U J o   za5 ~ t lg~   OI-

5:2Gl ~   f . o '0-

' "  -< t i""O

~  o

~~   ~   f~

8lt  :l ;::   t ; ~ . ;-<

i! 'r i.~

 De dic o este trab alh o aos pri fess ore s

 João Me stieri e

 Helen o' Fra goso (in me mo n'a m)

w

Page 3: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 3/76

Page 4: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 4/76

PREFÁCIO

Este livro foi escrito na época da ditadura militar no

Brasil - entre 1979 e 1981 -, apresentado como tese para

obtenção do título de  doutorem Direito Penal na Faculdade de

Direito da UFRJ, defendido e aprovado com a nota máxima

 por uma banca examinadora constituída pelos professores

Helena Fragoso, Roberto Lyra Filho, Celso de Albuquerque

Mello, Celso César Papaléo e João Mestieri (orientador)

- mestres que dignificaram a vida acadêmica, científica e

intelectual do País naqueles tempos sombrios.

 Na época, os partidos políticos estavam amorda-

çados, os sindicatos reprimidos, a imprensa censurada, a

universidade e os intelectuais acuados - mas a resistência

democrática crescia em todos os segmentos da sociedade

civil e política brasileira. Os centros de produção científica

e cultural do País foram invadidos pela ideologia de   lei e

ordem   do AI-5, mas não foram dominados: na PUC/RJ,

o movimento docente da ADPUC e dos estudantes nos

Centros Acadêmicos era vigoroso; na Cândido Mendes/

Ipanema nunca houve censura política de professores; na

Faculdade de Direito da UFRJ, a luta histórica do CACO

(Centro Acadêmico Cândido de Oliveira) abria espaço para

defesa de teses marxistas como   A Criminologia &dical,   por 

exemplo.

Vil

Page 5: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 5/76

i\ idéia do livro surgiu ao escrever a dissertação de

mestrado na PUC/RJ, publicada como   A Criminologia da

 Rep res são   (Forense, 1979), que descrevia a criminologia po-

sitivista dominante na academia e no sistema de controle

social. O estudo crítico dessa criminologia conservadora

 permitiu descobrir textos e autores pouco conhecidos nomeio universitário brasileiro, com conceitos revolucionários

sobre crime e controle social, como   Punishment and social

structure   de Rusche e Kirchheimer (1939),   The New Crimi-

nology de Taylor, Walton e Young (1973) e  Vzgiar e Punir   de

Foucault (1977), espécie de   linha defrente  de um movimento

universal de criminologia crítica composto por cientistas, filó-

sofos e militantes políticos de vanguarda, como Alessandro

Baratta na Alemanha, Dario Melossi e Massimo Pavarini na

Itália, Tony Platt, William Chambliss e os Schwendingers

nos Estados Unidos, LaIa Aniyar de Castro e Rosa del

Olmo na América Latina, para citar apenas alguns. Então,

 porque não apresentar ao público brasileiro os fundamen-

tos científicos e os objetivos políticos dessa  criminologia de

raízes  que pretendia   "se constitui?; não como outra 'criminologia da

repressão: m as como a única Criminologia da Libertação)) -   como

a denominamos originalmente - e precisamente nesses

tempos de caça às bruxas?

O percurso intelectual de elaboração do livro teve

momentos inesquecíveis: a tradução (com Sérgio Tan-

credo) de   Criticai Criminology,   de Taylor, Walton e Young

(Criminologia Crítica,  Graal, 1980); as discussões jurídicas e

 políticas no Instituto de Ciências Penais do Rio de Janeiro,

sob a presidência de Helena Fragoso, a liderança de Nilo

Batista e um time de encher os olhos: João Mestieri, Au-

viii

gusto Thompson, Heitor Costa] únior, Cláudio Ramos,

Juarez Tavares, Sérgio Verani, Técio Lins e Silva, Arthur 

Lavigne, Luiz Fernando Freitas Santos, Yolanda Carão, Eli-

sabeth Sussekind e outros mais; o e?sino de Direito Penal

e Criminologia na graduação em Direito da PUC/R] e daCândido Mendes-Ipanema, de 1976 a 1981; e a romântica

militância política no MR8 (Movimento Revolucionário 8

de Outubro) de Lamarca e Marighela, então já assassinados

 pela ditadura militar.

Escrever   A Criminologia Radical   foi uma experiência

 pessoal emocionante, espécie de êxtase psíquico renovado

a cada descoberta intelectual. E a reação do público foi

espetacular: profissionais conservadores estigmatizaram o

livro, mas criminólogos progressistas encontraram nele a

verdadeira criminologia; alguns professores diziam ensinar 

criminologia radical-   e não simplesmente   criminologia _,   entre-

gando aos alunos fotocópias do livro, esgotado nas livrarias;

o livro foi objeto de seminários  organizados por professores

e de grupos de estudo   formados por estudantes de Direito.

Ainda hoje - vinte cinco anos depois da 1a   edição _, em

conferências e debates pelo País, encontro profissionais do

Direito e estudantes com um velho exemplar do livro na

mão, para um autógrafo. Em suma, aconteceu com o livro

o que acontece com a ciência social erigida sobre a luta declasses: ou   é  aceita ou   é  rejeitada, não há meio-termo.

O livro não foi republicado por causa de um projeto

- aliás, sempre adiado - de fundir   A Cnominologia Radical

com A Cri min olog iOada Rep res são   e As Raíz es do Cri me,  em um

Curso de Criminologia   para os estudantes brasileiros. Mas o

argumento de que A Criminologia Radical   seria um clássico

IX

Page 6: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 6/76

na literatura criminológica brasileira, devendo ser republi-

cado sem mudanças - independente daquele projeto -, foi

convincente. E aí está a 2a ,ediçào do livro, com algumas

alterações de forma   para facihtar a leitura, mas sem nenhuma

mudança de   conteúdo   para preservar a originalidade - até

 para mostrar que certas teorias pretensamente novas já

completaram a maioridade no Brasil.

Hoje, com o Estado Democrático de Direito e o novo

quadro político-institucional do País, as teses do livro con-

tinuam atuais - e podem contribuir para a formulação de

 políticas criminais democráticas e humanistas, opostas ao'

boom   repressivo e intolerante das políticas penais próprias

do período de globalização da economia capitalista, ainda

e sempre sob a égide do capital financeiro internacional.

Curitiba, janeiro de 2006.

Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos

Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR 

x

SUMÁRIO

I.   INTRODUçAo   1

11. A  CIUMINOLOGIt\ ~\DICAL.   35

IH.   A   CIUMINOLOGIA RADICAL E o

CONCEITO DE CIUME   49

IV A  CRIMINOLOGIA RADICAL E A POLÍTICA DO

CONTROLE SOCIAL..........................................................•..   61

V A  CRIMINOLOGIA RADICAL E A FORMA LEGAL DO

CONTROLE SOCIAL   87

VI. A   CRIMINOLOGIA RADICAL E ALTERNATIVASDO

CONTROLE SOCIAL.   l11

VII.   CONCLUSÕES   125

BIBLIOGRAFIA   133

xi

Page 7: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 7/76

I . I NTRODUÇÃO

odesenvolvimento de teorias radicais sobre crime,

desvio e controle social está ligado às lutas ideológicas e

 políticas das sociedades ocidentais, na era da reorganização

monopolista de suas economias. Esse movimento teórico

 pode ser explicado, nas suas formas básicas, pelas transfor-

mações econômicas e políticas, nacionais e internacionais,

do período da planetarização das relações de produção e de

comercialização de bens, da divisão internacional do traba-

lho e da polarização universal entre países desenvolvidos e

hegemônicos e povos subdesenvolvidos e dependentes.

O estudo das teorias radicais sobre crime e controle

social deve, portanto, fixar as linhas teóricas e metodoló-

gicas comuns aos movimentos e tendências críticas em

Criminologia e indicar os vínculos' desses movimentos e

tendências com as estruturas econômicas e políticas e as

relações de poder e de dominação das sociedades capitalis-

tas.A construção intelectual das coordenadas científicas das

teorias radicais exige, além do exame de produções teóricas

 particulares representati"as desse movimento e tendências,

o uso de categorias capazes 'de captar as transformações

históricas e as lutas sociais, políticas e ideológicas que,

simultaneamente, produzem e explicam a Criminologia

Radical.

Page 8: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 8/76

 A Cn>JJillologia Radical

A Criminologia Radical surge como crítica radical da

teoria criminológica tradicional, assim como - guardadas

as devidas proporções - o marxismo surgiu de uma crítica

radical da economia política 'Clássica:ambas as construções

assumem na prática e desenvolvem na teoria um ponto

de vista de classe (a classe trabalhadora), em cujo centro

se encontra o proletariado. Mas enquanto o marxismo é

a estruturação de conceitos radicalmente !-l0vos sobre as

forças e a direção do movimento histórico, a Criminologia

Radical se edifica com base no método e nas categorias

científicas do marxismo, desenvolvendo e especializando

conceitos na área do crime e do controle social, mediante a

crítica da ideologia dominante, como exposta e reproduzida

 pelas teorias tradicionais do controle social: as teorias clás-

sicas e positivistas, e algumas variantes da fenomenologia

moderna.

1. As Teorias Tradicionais

Após a Segunda Guerra, nos países industrializados

do Ocidente se desenvolve uma criminologia concentrada

no estudo de causas ambientais, preocupada com privações

materiais, lares desfeitos, áreas desorganizadas e pobres etc.,

abandonando as teorias genéticas e psicológicas, e outras

teorias conservadoras sobre a "perversidade humana" na

explicação da etiologia do crime. Essa orientação teóric(1,

conhecida como criminologia   fabiana   por causa de sua

tendência ao compromisso, trabalhava com dois grupos de

fatores básicos: a subsocialização   (insuficiente assimilação de

valores culturais por deficiências de educação) e a corrupção

2   ,

.

'.

 In/ To e/u çâo

indiz)idZfa/  (assimilação deformada dos valores culturais). A

 punição, como medida anticriminal oficial, justificava-se

naturalmente como correção ressocializadora e oportuni-

dade para arrependimento (Taylor, Walton e Young, 1980,

 p. 10-11). A posição de compromisso do enfoque repre-

senta uma composição entre tendências conservadoras

(teorias clássicas e positivistas biológicas) e liberais (teorias

 positivistas sociológicas e as fenomenologias do crime) da

criminologia dominante.

As teorias   conservadoras   caracterizam-se pela   descrição

da organização social: a ordem estabelecida   (status quo)   é

o parâmetro para o estudo do comportamento criminoso

ou desviante e, por isso, a base das medidas de repressão e

correção do crime e desvio. A ideologia das teorias conser-

vadoras é essencialmente repressiva: fundada na hierarquiae na dominação, como bases da lei e da ordem, tem um

significado prático de legitimação da ordem social desigual

(Taylor   et alii,  1980, p. 22-23).

As teorias   liberais   se caracterizam pela   prescrição

de riformas,   concentrando-se em pesquisas sociológicas

 para sugerir mudanças institucionais (descriminalização,

tratamento penitenciário etc.) e sociais (habitação, assis-

tência etc.) como meios de prevenção do comportamento

anti-social. A ideologia liberal separa a atividade teórica

do cientista, limitado a sugerir ou aconselhar, e a prática

 política do administrador, o homem de decisão atento às

necessidades concretas: o assessoramento do administrador 

 por cientistas e técnicos, incumbidos do trabalho abstrato,

exprimiria a subordinação da ciência aos imperativos polí-

ticos. A maioria da criminologia atual, especialmente em

3

Page 9: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 9/76

I l " . .,I   I!

 In tro dtl (t1 o-------------'--------~--'_._--------,--_  .. _--------.-_.

etc.) e  sociológicas  (patologia social, desorganização social e

comportamento desviante).

----..-._------------------

instituições ligadas  à  realidade oficial, concentrada em pes-

quisas sobre reincidência, métodos de prevenção, regimes

 penitenciários etc., segue o esquema liberal (Taylor   et a/li",

1980, p. 23-25).

 A Cr im ino log ia F.. Lld ica l

Mas a conexão ideológica entre conservadores e libe-

rais para formação de uma   mmin%gia correciona/ista  está na

noção comum de que a maioria   do comportamento social

é cOnt'enciona!,ou seja, ajustado aos parâmetros normativos,

enquanto o comportamento   não-convenciona!,   constituído

 pelo crime e desvio, seria a   minoria   do comportamento

social. O enfoque comum de conservadores e liberais não

questiona a estrutura social, ou suas instituições jurídicas e

 políticas (expressivas de consenso geral), mas se dirige para

o estudo da minoria criminosa,   elaborando etiologias do crime

fundadas em patologia individual, em traumas e privaçõesda vida passada, em condicionamentos deformadores do

sistema nervoso autônomo, em anomalias na estrutura

genética ou cromossômica individual etc., em relação

com as circunstâncias presentes, cuja recorrência produz

tendências fixadas, psicológicas, fisiológicas ou outras. No

estudo dessa etiologia (e suas relações), o criminólogo

realizaria uma tarefa neutra, independente de interesses

 pessoais e do sistema de reação contra o crime, com seus

condicionamentos políticos e ideológicos (Young,1980,p.75).

Mas não se trata de estudar em detalhes, neste texto, as te-

orias conservadoras e liberais, objeto específico de estudo

em A Criminologia da Repressão   (Cirino, 1979),   cam  ampla

análise de seus postulados ideológicos e estruturas teóricas,

dentro do seguinte esquema: a) teorias clássicas; b) teorias

 positivistas   biológicas   (genéticas, psicológicas, psiquiátricas

4

2. A Formação das Teorias Radicais em

Criminologia

Sem desmerecer contribuições anteriores, geralmente

incompletas e limitadas, ou com distorções reformistas

ou formalistas, um dos primeiros estudos sistemáticos do

desenvolvimento da teoria criminológica sob um método

dialético, aplicando categorias do materialismo histórico,

é o trabalho coletivo   The New Cnminology   (Taylor, Walton

e Young, 1973). O texto apresenta uma crítica interna das

teorias do crime, desvio e controle social, desde as con-

cepções clássicas, passando pelos positivismos biológicos

e sociológicos, as contribuições fenomenológicas e intera-

ciorustas e, finalmente, as teorias conflituais, destacando,

nas conclusões, os estágios analíticos da  criação e da aplicação

da norma criminal: as origens do comportamento desviante

(estruturais e imediatas), o comportamento desviante con-

creto e as origens da reação social (imediatas e estruturais).

Esse texto acelerou a formação da Criminologia Radical,

ao exprimir a revolta de teóricos críticos (Laurie Taylor,

Stan Cohen, Mary McIntosh, Ian Taylor, Paul Walton,Jock Young etc.) contra o pragmatismo puritano e correcio-

nalista da criminologia convenci~:md, em Cambridge, 1968,

formando a própria conferência:a National Deviancy Con-

ference (Mintz, 1974, p. 33). Esse encontro, realizado em

York, no ano de 1968, com mais de 400 participantes, marca

uma ruptura coletiva e coordenada com a criminologia tra-

5

Page 10: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 10/76

111/ rodJlçeio

---------"-"-----"--------------_.   _ _   ._._----~-~-

 A Cn "m il1 o!o gia N/d ica !

dicional, conservadora e liberal, com a superação de suas

elaborações mais sofisticadas, como a teoria da rotulação,

 por exemplo, definida co~o "criminologia cética".

O livro de Taylor, Walton e Young, com o título irôni-

co de "A nova criminologia", trata de uma  velha criminologia:sua crítica pretende, remotamente, o desenvolvimento de

uma criminologia marxista, colocando as questões do crime

e do controle social em perspectiva histórica e reconhecen-

do a urgência de uma   economia política   do crime, alternativa   à

criminologia micro-sociológica, conflitual ou interacionista

(Mintz, 1974, p. 33-39). Criminólogos radicais criticaram o

estilo tradicional do trabalho, definindo-o como "história

das idéias criminológicas" não situadas nas condições reais

de seu desenvolvimento, espécie de "crítica da crítica" etc.

(del Olmo, 1976, p.64). Em autocrítica posterior os autoresreformularam as tendências formalistas e o estilo idealista

do livro (Taylor  et alii,   1980), afirmando a necessidade de

redefinir a problemática do crime e do controle social

como fenômenos inteiramente inseridos no processo social,

ligados   à   base material e   à   estrutura legal do capitalismo

contemporâneo: a economia política - ou melhor, a es-

trutura econômica em que se articulam as relações sociais

no capitalismo - surge como o determinante primário da

formação social, formalizado nas superestruturas jurídicas

e políticas do Estado.

Mas o acontecimento crucial da formação da Crimi-

nologia Radical é a criação do Grupo Europeu para o Estudo do

 De svi o e do Co ntr ole Soc ial,   em Florença, Itália, em 1972,com a

 publicação de um Ma nif est o   (reeditado em 1974), denuncian-

do os modos dominantes de análise do  crime -   produto de

6

defeitos psicológicos ou de personalidades anormais - e do

controle social,  avaliado em termos de efetividade e eficiência

e, portanto, como variantes do positivismo, concentrados

em estatísticas criminais. A importância do evento residiu

no estabelecimento de uma base ideológica e científicapara

um trabalho teórico coletivo e organizado, cuja proposta

geral compreendia a crítica radical da teoria criminológica e

social dominante, a participação em movimentos políticos

de libertação de minorias oprimidas e no trabalho de massa,

a organização e coordenação das lutas de presos etc. - em

suma, um programa teórico e prático no contexto das re-

lações entre os sistemas de controle social e a estrutura de

classes do modo de produção capitalista (Manifesto, 1974).

A tarefa de esclarecer a relação  crime/formação econômico-social

leva à  inserção do fenômeno criminoso na e.ifera deprodução(e não apenas na e.ifera de circulação):   as relações de produção   e

as questões de pod er ec onô mic o e pol ític o   passam a constituir 

os conceitos fundamentais da Criminologia Radical (del

Olmo, 1976, p. 64). Reuniões sucessivas definem alguns

 postulados teóricos e metodológicos do questionamento

radical: a crítica da ideologia conservadora eliberal (concei-

to de delinqüente como anormal ou patológico, necessitado

de tratamento ou de reabilitação), se baseia na concepção

materialista da história, que estuda o  crime  e os sistemas de

controle do crime   como fenômenos enraizados nas contradi-

ções de classe de formações econômico-sociais particulares,

estruturadas pelo modo de produção dominante. A ligação

da teoria criminológica com a teoria do Estado, através da

ciência da história, permite identificar o desenvolvimento

das instituições de controle social com a história superes-

Page 11: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 11/76

: .

 A Crimino!o,gia Radica!

trutural da dominação do capital, bem como relacionar 

os fenômenos do crime com a história da sobrevivência

do trabalho assalariado, em condições de exploração e de

miséria, na contextura de classes das sociedades capitalistas

(deI Olmo, 1976, p. 66-67).

A hipótese de que deSigualdades econômicas e po-

líticas entre as classes sociais são determinantes primários

do crime revigora teses radicais sobre sociedades livres de

crimes - ou livres da necessidade de criminalizar para so-

 breviver - e orienta o esforço coletivo para a elaboração de

uma teoria criminológica comprometida com a construção

do socialismo: a libertação do potencial de desenvolvimento

humano pela libertação da luta de sobrevivência material

de comer, consumir etc. Na linha dessa proposição, teoria

e pesquisa criminológica constituem uma praxis   social, em

que uma precisa concepção da utilidade do conhecimento

como instrumento de libertação encoraja e promove as

transformações indicadas por seus preceitos. Admitindo

a centralidade da classe trabalhadora como força política

capaz de edificar o socialismo, a Criminologia fuldical rea-

valia o significado e destaca a importância crescente das

minorias oprimidas pela condição de classe (a população

das prisões), de raça (negros, índios etc.), de sexo ou de

idade para a execução daquele projeto político (Taylor   et a/il,   p. 25-32). Na época do capitalismo monopolista, em

que menos de um terço da força de trabalho potencial

está integrada nos processos produtivos, e mais de dois

terços dessa força de trabalho se encontra em situação

de marginalização forçada do mercado de trabalho, como

8

lnlrodlfcào-----~--_    .. _-----_. _ _  ._._~.   _ _   ._---------_  .. _--,--_._--------~-~----

mão-de-obra ociosa controlada diretamente pela prisão,

nas suas conexões com a polícia e a justiça criminal, parece

sem sentido considerar o preso como  /umpenproletariado,

sem consciência ou organização política e sem papel na

luta de classes: a população carcerária é extraída da classe

trabalhadora, engajada nas lutas sindicais por direitos tra-

 balhistas e leva para a prisão a experiência na organização

de movimentos de reivindicações (a luta pela observância

das regras mínimas, pela preservação dos direitos não afe-

tados pela privação da liberdade etc.) e de protestos contra

violências na prisão, contra a exploração do trabalho do

 preso etc., elevando o nível de consciência e de organização

da população reprimida (Mintz, 1974, p. 50-53).

 Na Europa e nos EUA, a partir da década de 60, asteorias radicais germinam nas lutas políticas por direitos

civis, no caso dos ativistas negros americanos, nos movi-

mentos contra a guerra, generalizados durante o genocídio

do Vietnã, no movimento estudantil, em 1968, nas revoltas

em prisões e nas lutas de libertação anti-imperialistas dos

 povos e nações do Terceiro Mundo. Esse vínculo prático

de criminólogos radicais com as lutas políticas e movimen-

tos sociais da segunda metade do século desenvolve-se,

 progressivamente, em uma crítica vertical   à  criminologia

convencional-liberal que hegemoniza ,ateoria e a pesquisa

sobre crime, desvio e controle social, com a literatura mais

influente, técnicos e consultbres governamentais, o pre- .

domínio em comissões para o estudo do comportamento

anti-social e a elaboração de programas de prevenção, geral

e especial (platt, 1980, p. 113-14).

9

Page 12: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 12/76

[n trodll(c1o._--------_.~"-----_._._,.   _ _  .  --_._  .....•.. _ _ ._ -_ .-_    .. _ _ . . . .  -.  -   .-.,".'   --,._,---~

-"-----~.. _---_ . . _--_._-_._-------------------_.   __ .... _-- -_   . . _  ..

 A Crim inolo gia RL,d iml

A hegemonia conservadora e liberal em teoria e

 pesquisa criminológica não se explica por convergências

teóricas ou metodológicas, pois são muitas as clivergências

internas entre sociólogos positivistas, teóricos do conflito

ou do   labeling opproac'h   etc., mas pelo significado ideológico

comum de seus postulados fundamentais (platt, 1980). O

 processo de formação e estruturação da Criminologia Ra-

dical é  inseparável da crítica aos componentes ideológicos

fundamentais da criminologia dominante, na medida em

que constitui seu próprio perfil ideológico e científico por 

diferenciação   e   oposição  àquela. A gênese crítica da Crimino-

logia Raclicalcomeça nas questões conexas do conceito de

crime e das estatísticas criminais, deslindando as implicações

 políticas e as premissas ideológicas que fundamentam as

teorias criminológicas traclicionais e informam as ciênciassociais, em geral, nas sociedades de classes, e prossegue

nos aspectos superestruturais feticruzados das relações de

 produção, sob a teoria da inseparabilidade das lutas sociais

contra a exploração econômica, no contexto das relações de

 produção, e contra a dominação política, no contexto das

relações de poder, em que a prisão se caracteriza como a

forma específicado poder burguês, "diretamente determina-

da pelo modo de produção capitalista" (Fine, 1980, p. 26).

3. A Crítica às Teorias Tradicionais

O ponto de partida da criminologia dominante é

o conceito de crime: comportamentos   definidos legalmente

como crimes e/ ou sancionados   pelo sistema de justiça cri-

minal como criminosos são a base epistemológica dessa

10

criminologia (Lyra Filho, 1980, p. 10). Crime  é  o que a lei,

ou a justiça criminal,determina como crime, excluindo com-

 portamentos não definidos legalmente como crimes, por 

mais danosos que sejam (o imperialismo, a exploração do

trabalho, o racismo, o genocídio etc.), ou comportamentos

que, apesar de definidos como crimes, não são processadosnem reprimidos pela justiça criminal, como a criminalidade

de "colarinho branco" (fixação monopolista de preços,

evasão de impostos, corrupção governamental, poluição do

meio ambiente, fraudes ao consumidor, e todas as formas

de abuso de poder econômico e político, que não aparecem

nas estatísticas criminais). A questão aparentemente neutra

e incontroversa da definição legal de crime - ou da atuação

da justiça criminal, indicada nas estatísticas criminais -,

como base do trabalho teórico da criminologia tradicional,

manifesta um conteúdo ideológico nítido, que concliciona

e deforma toda a teoria e pesquisa, reduzida à descoberta

das causas   do comportamento criminoso (Chambliss, 1980;

Lyra Filho, 1980).

A clistorção ideológica da criminologia tradicional

não se reduz ao que está  excluído   da definição legal, ou da

sanção da justiça criminal, mas resulta diretamente do que

está   incluído   nas definições legais ou nas sanções da justiça

criminal, como inclicado nas estatísticas e registros oficiais

sobre o comportamento criminoso, a base permanente

daquela criminologia. Um simples exame empírico (Fra-

goso, Catão e Sussekind, 1980) mostra a natureza classista

da definição legal de crime e da atividade dos aparelhos

de controle e repressão social, como a polícia, a justiça e

a prisão, concentradas sobre os pobres, os membros das

11

• • • • •

Page 13: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 13/76

Page 14: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 14/76

a)os crimes da classe trabalhadora   desorganizada (lttmpenpro-

letariado, desempregados crônicos e marginalizados sociais,

em geral), integrantes da chamada   criminalidade-de-rua,   de

natureza essencialmente ecbnômica e violenta, são super-

representados nas estatísticas criminais, porque apresentam

os seguintes caracteres: constituem ameaça generalizada ao

conjunto da população, são produzidos pelas camadas mais

vulneráveis da sociedade e possuem a maior transparência

ou visibilidade, com repercussões e conseqüências mais

 poderosas na imprensa, na ação da polícia e na atividade

do judiciário;b) os crimes da classe trabalhadora   organizada)

integrada no mercado formal de trabalho (a chamada crimi-

nalidade de fábrica, como pequenas apropriações indébitas,

furtos e danos), não aparecem nas estatísticas criminais

 por força da inevitável obstrução dos processos criminais

sobre os processos produtivos; c) a criminalidade da pe que na

burguesia  (profissionais liberais,burocratas, administradores

etc.), geralmente danosa ao conjunto da sociedade por 

constituir a dimensão inferior da criminalidade do "colari-

nho branco", raramente aparece nas estatísticas criminais;

d) a grande criminalidade das classes dominantes   (burguesia

financeira, industrial e comercial), definida como   abuso de

 pod er   econômico e político, a típica criminalidade de "co-

larinho branco" (especialmente das corporações transna-cionais), produtora do mais intenso dano   à  vida e  à  saúde

da coletividade, bem como ao patrimônio social e estatal,

está excluída das estatísticas criminais: a origem estrutural

dessa criminalidade, característica do modo de produção

capitalista, e o lugar de classe dos autores, em posição de

14

 I ntr od ,,( ,io

 poder econômico e político, explicamessaexclusão (Young,

1979, p.16 e ss.; Cirino, 1980, p. 38-52).

Esse quadro geral explicativo da distribuição social

da criminalização de condutas, elaborado segundo a po-

sição social do autor, orienta a pesquisa da Criwinologia

Radical para a base econômica e para as relações de poder 

da sociedade,   excluídas   da pesquisa da criminologia tradi-

cional: as relações de classes nos processos produtivos da

estrutura econômica da sociedade e nas superestruturas de

 poder político e jurídico do Estado. Assim, a Criminologia

Radical descobre o sistema de justiça criminal como prá tic a

organizada de classe,  mostrando a disjunção concreta entre

uma  ordem social imaginária,   difundida pela ideologia domi-

nante através das noções de igualdade legal e de proteção

geral, e uma  ordem social real,  caracterizada pela desigualdadee pela opressão de classe. Essa revelação está na base das

formulações teóricas e da prática transformadora da Cri-

minologia Radical, em direção a uma sociedade capaz de

superar as desigualdades sociaisque produzem o fenômeno

criminoso (Taylor et alii,  1980, 44-45).

 Nesse contexto, o significado ideológico da crimi-

nologia tradicional aparece na sua proposta de reforma:

do criminoso, do sistema de justiça criminal e, mesmo, da

sociedade - neste caso, em formulações dentro do modelo

de capitalismo corporativo, sob a égide de "administrado-

res esclarecidos" e como ajustamentos   funcionais   para as

condições econômicas e políticas existentes. O resultado

histórico alcançado pela criminologia   correcionaJista   é o

constante aumento do poder do Estado (capitalista) sobre

os trabalhadores, os setores marginalizados do mercado de

15

I ' . '('

Page 15: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 15/76

!Il!roduçâo--------------_    .. _ .. _-_._ ..... _ _  .. _----._--.-_.

I . ('

I A Criminologill Radical

-----_.   ----_._~----------------

,(

:If 

trabalho e as rIÚnorias,com ampliação da rede de controles,

como o "sursis", o livramento condicional, a justiça juvenil,os reformatórios, as prisões abertas etc., cujos manifestos

e inegáveis benefícios pessoais abrigam um aspecto con-

traditório, que significa controle mais geral e dominação

mais intensa (platt, 1980, p. 116). Esse pragmatismo re-formista, fundado em técnicas de comportamentalismo e

de engenharia social, nos limites da organização política e

 jurídica do Estado, resolve-se em repressão pura e simples:volta as costas para os movimentos de massas, não colocaas alternativas de cooperação/competição, ou de valores

humanos/valores da propriedade, nem considera a pers- pectiva histórica de eliminar a exploração do tra~alh~, a

opressão política de classes, de ra?as e d~ outras ~no~las. Na verdade, a posição básica da Ideologia correClonalista

manifesta-se como um paternalismo despótico: homensiluminados   (políticos, administradores e cientistas) são as

forças motoras da história, e o povo ignorante é, apenas,objeto e massa de manobra, sem poder nem consciência(platt, 1980, p. 117-22). Por outro lado, a própria tradiçãoacadêmica em teoria política, econômica e social descrevea história dos grupos dominantes como registrada por líderes políticos, empresários etc. e, na área do sistema de

 justiça criminal, como registrada por juízes, diretores de prisão e delegados de polícia. A pesquisa crirIÚnológica,

dependente de financiamentos e vinculada a interesses:nstitucionais, transforma o criminólogo, freqüentemente,

em técnico   neutro  e pronto-para-aluguel, um instrumentovoluntariamente subserviente, a serviço do controle em

qualquer ordem -   de grande importância em períodos de re-

 belião política, de incremento das reivindicações operárias

16

I

II ,

/ i

l iI,.~:,t

sobre salários, condições de trabalho, direitos democráticose o mais (platt, 1980, p. 117- 119).

A distorção ideológica da criminologia correClO-nalista pode ser destacada no contexto das  alternativas do

trabalhador   na sociedade capitalista, indicadas por Engels:ou conformar-se   à   brutalização, transformando-se num

homem sem vontade, destruído pela rotina, a monotonia

e a exaustão física e mental dos processos produtivos; ouaceitar a ideologia dominante, aderindo aos valores da

competição para encontrar uma "saída pessoal"; ou furtar 

a propriedade do rico para satisfazer necessidades básicas,com os riscos da criminalização; ou, finalmente, fazer arevolução, incorporando-se   à   atividade política e   à   ação

coletiva como alternativa para superar a opressão social e

a exploração pessoal, restaurando a humanidade perdidae a esperança de liberdade real (Young, 1980, p. 94-94).

Esse quadro real é encoberto pela "indignação moral" promovida pela ação oficial e os meios de comunicaçãode massa contra o criminoso convencional, o "bode ex-

 piatório" útil para   esconder   (e justificar) problemas sociaisreais - ao contrário do criminoso de "colarinho branco",

 protegido pelas instituições de privacidade da sociedade

 burguesa -, produzidos (como o próprio criminoso) pelas

desigualdades intrínsecas do sistema de relações sociais

(Young, 1980, p. 101).

4. Tendências Críticas e Radicais

 Na década de 60, especialmente nos EUA, desenvol-

ve-se uma criminologia de per cep çõe s  e atitudes,   com estudos

17

Page 16: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 16/76

/- 1   Cri lJ/i l1ologia &,diCtl I 

sobre o criminoso, a vítima, a policia, o juiz, o público, as

testemunhas etc., uma multiplicidade de pesquisas centradas

teoricamente nos trabalhos,de David Matza (1969), Edwin

Lemert (1964), Howard Becker (1963), Edwin Schur (1965)

e outros, cujos fundamentos mais distantes se encontram

em Georges Mead (1934) e Alfred Schultz (1962), ligando-

se, enfim, a Edmund Husserl e a Max Weber, as matrizes

ongtnals.

A mais elaborada construção criminológica da feno-

menologia é a teoria da  rotulação   (também conhecida como

teoria   interacionista,  ou teoria da  reação socia~,   erigida sobre os

trabalhos de Edwin Lemert e de Howard Becker, com os

acréscimos vigorosos (na área da psiquiatria e da psicologia

social), de Ronald Laing (1959), Erwing Goffman (1970),

Thomas Szasz (1975) e outros.

Assumindo que, em sociedades pluralistas, todos

experimentam impulsos desviantes e realizam condutas

exorbitantes dos parâmetros normativos, a teoria da rotulação

constrói uma "concepção do mundo" numa dupla perspec-

tiva: das pessoas   definidas   (por outras)   como desviantes   e das

 pessoas que  definem   (os outros)   como desviantes. A mudança de

enfoque, em relação   à  criminologia positivista domi?ante,

está na orientação para a su~jetividade,   enfatizando questões

de valor e de interesse e abandonando os estudos   etiológicos

e as explicações   causais  do crime (Rubington   &Weinberg,

1977, p. 191 e ss.). O objeto de estudo da  teoria da rotulação

compreende a constituição das regras sociais e as práticas

de aplicação dessas regras (por quem, contra quem, quais as

conseqüências etc), dentro da concepção fenomenológica

18

 Il1 tro dtl çà o

de Mead sobre a personalidade como "construçào social":

o modo como pensamos e agimos  é   oproduto parcial do modo como

os outros pensam e agem em relação a nós.  Nessa perspectiva, a

explicação da ordem social é baseada em tipificações, uma

transmutaçào do esquema fenomenológico de Schutz: a)

qual a essência de um fenômeno particular? -   qual a essência

do desvio?   b) como as pessoas fazem tipificações? -   como as

 pes soa s apl ica m o ró tul o de des via nte ?  c) como as tipificações são

compartilhadas? -   como aspessoas reagem ao rótulo de desviante?

(Rubington   &Weinberg, 1977, p. 195).

A   teoria da rotulação   se fundamenta em duas ordens

de conceitos principais:

1) a existência do crime depende da   natureza do ato

(violaçãoda norma) e da reaçãosocial contra o ato (rotulação):o crime   "não   é  uma qualidade do ato, mas um ato qualificado como

criminoso por agências de controle social"   (Becker,1963,p. 8);

2) não é o crime que   produz o controle social,   mas

(freqüentemente) o controle social que   produz o cr ime:  a)

comportamento desviante é comportamento rotulado

como desviante; b) um homem pode se tornar desviante

 porque uma infração inicial foi rotulada como desviante;

c) os índices de crime (e desvio) são afetados pela atuação

do controle social (Lemert, 1964). A teoria da rotulaçãodistingue entre   desvio primário,   um processo de natureza

"poligenética" excluído do esquema explicativo da teoria,

e desvio secundário,   uma resposta seqüencial  à  criminalização

 pelo desvio primário, que marca o comprometimento do

criminalizado em uma "carreira desviante", como impacto

19

í ,

Page 17: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 17/76

.1

 A Crim ino logi a RL7 dica l-~--~------_._-----------~ -------_._~... _~_._~----~-

 pessoal da reação oficial - na verdade, o pon to de inci dên cia

das análises da teoria.

A concepção de crime como produto de normas   (cria-

ção do crime) e de pod er   (aplicação de normas) define a lei

e o processo de criminalização como "causas" do crime,

rompendo o esquema teórico do positivismo e dirigindo

o foco para a relação entre   estigmatizarão criminal  e forma-

ção de   carreiras criminosas:   a criminalização inicial produz

estigmatização que, por sua vez, produz criminalizações

 posteriores (reincidências). O rótulo criminal, principal

elemento de identificação do criminoso, produz as seguintes

conseqüências: assimilação das características do rótulo

 pelo rotulado, expectativa social de comportamento do

rotulado conforme as características do rótulo, perpetuação

do comportamento criminoso mediante formação de car-

reiras criminosas e criação de subculturas criminais através

de aproximação recíproca de indivíduos estigmatizados

(Aniyar, 1977, p. 111-14). De certa forma,aestigmatização

 penal é a única diferença entre comportamentos objetiva-

mente idênticos, porque a condenação criminal depende,

além das distorções sociais de classe, de circunstâncias de

sorteIazar relacionadas a estereótipos criminais, que cum-

 prem funções sociais definidas: o criminoso estereotipado

é o "bode expiatório" da sociedade, objeto de agressão

das classes e categorias sociais inferiorizadas, que substituie desloGl sua revolta contra a opressão e exploração das

classes dominantes (Chapman, 1968, p. 197).

Esse esquema analitico, aplicado a todas as modalida-

des de  desvio (criminal, sexual, psicológico, politico etc.), se

erigecomo exercíciointer-disciplinar nas áreas da sociologia

20

BIBLIOTECA DE C!l:NCIAS   JUR IOJCAS

 In  trodlf(áo

do desvio e da psiquiatria, com o objetivo de constituir a

 base teórica de uma politica e psicologia humanista, uma

espécie de fren te pop ular    da fenomenologia e do marxismo,

conhecida como "sociologia do desajuste" (pearson, 1980,

 p. 178). A preocupação principal dessa orientação, que se

transforma no enfoque mais popular da criminologia ame-

ricana dos anos 70, está no chamado "crime expressivo",

ligado   à   produção de prazer: a maconha, e não o roubo; a

 prostituição, e não o homicídio; o crime sem-vítima, e não

o crime utilitário (Young, 1980, p. 80). A proposta prática

dessa orientação está na base das tendências modernas

na área do crime e do controle social: descriminalização,

despenalização, desinstitucionalização, substituição de san-

ções estigmatizantes por não-estigmatizantes etc. (Aniyar,

1977, p. 146).O radicalismo da  sociologia do desqjuste   estaria em sua

tendência para "quebrar as cadeias pré-fabricadas" da ima-

ginação reificada - que mostra a ação humana como coisa

"lá fora" - e da metodologia positivista, com suas causa-

lidades mecânicas e taxas "dadas" de crime. A orientação

"desreificante" surge como desafio aos profissionais do

controle, representados por teóricos positivistas:  à  sua com-

 petência técnica e  à   sua autoridade moral (pearson, 1980,

 p. 179 e s.).Distinguindo, na ordem social, a existência de

regras técnicas-   com validade demonstrada em proposições

testáveis e corretas, cuja violação reRete "incompetência"

e cuja conseqüência é a "falh~ da realidade" - e   regras da

 pers ona lida de -   d~tadas de validade na área das relações

sociais, cuja violação é o crime ou desvio, punido pelo sis-

tema de controle -, conforme um esquema de Habermas

21

Page 18: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 18/76

 A Ctil J/ino lo,gi a Rad ical-----------_._  .. _._-----~-----

(1971,   p. 91-94),   a  sociologia do desq;úste   mostra que o desvio

é   tratado como "incompetência técnica" pelos aparelhos

de controle social, reduzi1Jdo a correção a uma questão

de "intervenções técnicas,,'na personalidade do desviante.

Desmistificando essa metodologia, a   -fociologia do desegúste

redescobre os   d i lemas morais   na aplicação de "padrões de

estigma" (criminoso, louco, desajustado etc.), inventados   pe-

los profissionais do controle e aplicados   aos rotulados - que

se conformam ao rótulo ("auto-realização"), mostrando o

desvio como "negociação" entre o público (autoridade) e o

cliente (criminoso, louco etc.) (pearson,   1980,   p. 180-82).

Finalmente, verificando que a ideologia do controle

determina, em parte, o desvio (formas, imagens e taxas) e

definindo o controle do crime como política, a sociologia do

desqjuste   pretende se constituir como teoria política contraa política do controle. A política de sua teoria enfatiza a

violência sutil da vida diária, o crime como forma de "re-

 belião política primitiva", ou "expressão de liberdade" nos

moldes da esquerdaidealista(pearson, 1980, p. 184 e s.).Goff-

man, por exemplo, pesquisando as relações de poder das

instituições totais   (prisões, hospitais etc.), mostra os internos

reduzidos a um "remanescente de identidade" pessoal,

desde a cerimônia de "degradação inicial", com a invasão

da fala, das vestes e maneiras, a colonização dos hábitos,

sob a opressão dos doutores, enfermeiros e guardas - os

técnicos do comportamento -, mas capazes de certas "tá-

ticas pessoais" para salvar a própria identidade: a jovem

 bonita, com dois cachimbos na boca; outra, com um mo-

nóculo de papel no olho, ou equilibrando sabonetes na

cabeça raspada; ou outros, ainda, sentando-se relaxados,

22

 Int rod llç âo._--------------------_._--_._-_    . . . . _ _  .

mas mantendo o braço, ou um dedo, rígido, para mostrar 

que não estão relaxados - ou seja, o paciente age "marca-

damente como louco para provar que é, claramente, são"

(pearson,   1980,   p. 187-89). .

Assim, enquanto o positivismo nega vontade própria

ao desviante, a  sociologia do desegúste  se dirige p.arao interior 

dele, em atitude de defesa e de compreensão, rejeitando a

noção de que "pode ser como nós", vendo-o não como

homem cujos "mecanismos de cópia falharam", mas como

ser dotado de racionalidade, com método em sualoucura. O

 positivismo destaca a ordem e as regras, sua respeitabilidade

e violação, mas a  sociologia do desqjuste   indica que o "outro

lado da ordem"   é   liberdade - e não caos -, envolvendo o

desviante em uma aura romântica: é o homem "duro", que

não treme, que prova seus nervos e habilidades ao extremo,

cuja "natureza está saturada de risco", experimentando sua

liberdade contra "as sensibilidades submetidas   à   camisa-

de-força" (pearson,   1980,   p. 191-200).

Mas essa posição de simpatia da sociologia do desqjuste   é

repudiada como "máscara de liberalismo", que não assume

compromissos: a psi co log ia soc ial  de Goffman é uma "acomo-

dação à  organização de poder existente" e sua dramaturgia

"uma impostura" que permite "suportar derrotas" sob o

 pretexto de que "não são para valer"; a sociologia  de Becker 

é um "novo tipo de carreirismo", que aponta as deficiências

do controle social mas se limita aos funcionários inferio-

res (Gouldner,   1973) -   ou, então, como expressão de um

radicalismo aparente, que exclui as relações de poder (e de

classes) da sociedade e, de qualquer forma, não esclarece o

desvio inicial, origem da rotulação (Walton, 1972).  A novi-

23

Page 19: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 19/76

Page 20: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 20/76

' . '~1{

 jt 

 j

.{

~i.~

;j

:l

i

I~:. ,~~

. " . ',';1, "

:~. . . •~

~

; q

: : 1

' j   ;~;~

 A Cit 'mi rJO lo, gia 10 :,r! ic,, 1 _._~_.~_._--   -_.--'  _   . .  _ - - _ . _ - _ .  _ _  ..• _  ... , .. _ . _ _  ...,-_  .. _  .. _-- .. _--_ . . _-------------

e comproITÚssosideológicos, no quadro das lutas sociais docapitalismo monopolista transnacional: o enfoque carece deuma estrutura conceitual e metodológica capaz de extrair 

todas as conseqüências te6ricas e práticas do seu objeto deestudo. O resultado é sua agonia resignada, em espasmos de

indignação moral diante das   desigualdades sociais nos proces-sos políticos de definição de crimes e nas práticas judiciaisde gestão diferencial do processo penal e de aplicação da

 pena criminal, escandalizado com os  duplos padrões   de mo-ralidade das classes dOITÚnantes.A origem pequeno-bur-guesa dessa linha criminológica explica sua desorientaçãoestratégica e a perplexidade inconseqüente de sua teoria: asquestões levantadas podem chocar a classe média urbana eseus intelectuais refinados - mas não comovem o poderosoimpune, nem sensibilizam o sem-poder reprimido, que co-

nhecem bem tais distorções, cada qual de sua perspectiva.Além disso, a   criminologia da denúncia  parece supor que os

 poderosos dominam por uma espécie de "direito moral"- e não pelo poder material, que os capacita a converter 

força em "autoridade", pelos procedimentos estabelecidos(faylor  et alii,  1980).  Uma criminologia conseqüente deveriamostrar que a criminalidade do poder econômico e políticonão é um fenômeno irregular ou acidental, mas fenômeno

regular e institucionalizado, ligado   à  posição estrutural de

classe na formação social capitalista e, por exemplo, sobre

a base da posição de classe, explicar por que a apropriaçãode riqueza, pelo método de expropriação de m ais-valia,   na

relação capital! trabalho assalariado do modo de produçãocapitalista, é legale estimulada, mas se essa apropriação deriqueza ocorre por outras vias fraudulentas ou violentas, écriminosa e punida.

26

[ntror!lIçclo---------------   .----------------------- ----   _ _  ._.-._.,   _ . _ - _ .

A multiplicação de estudos críticos e radicais sobre

crime e controle social, nem sempre coincidentes nas

 bases ideológicas, compromissos políticos e orientações

científicas, desde a crítica de  esquerda,  passando pela "nova

criminologia", até as construções mais elaboradas de crimi-

nólogos marxistas, em uma convergência de preocupaçõesinterdisciplinares e internacionais de sociólogos e historia-

dores, advogados, juristas e criminólogos, parece justificar o esforço de definir tendências dentro dessa perspectiva,

em um esquema que facilite a compreensão das limitações

e desvios existentes.

Um estudo recente (Young, 1979,   p. 11  e ss.) define

duas tendências principais nos aportes criminológicos li-gados   à  teoria marxista, representando desvios  voluntaristas

e  economicistas  nas questões do crime e do controle social:o  idealismo de esquerda  e o  reformismo.  Ochamado   idealismo de

esquerda  se constitui, historicamente, como a ideologia ra-dical de grupos sociais marginalizados, como os militantesdo "poder negro", nos Estados Unidos: George Jackson

(1971,   p. 156  e ss.), Angela Davis   (1971,   p. 27-47),   BobbySeale   (1971,   p.   121-2),   Huey Newton   (1971,   p.   60-64),Stockely Carmychael   (1968,   p.  46-68)  etc., cuja oposição

à violência e  à  coercitividade da ordem social assume um

caráter voluntarista: homens livres devem rejeitar uma so-

ciedade desigual e opressiva. Na experiênciahistórica dessesgrupos (negros, presos e outras minorias), a ordem significa

coerção sistemática, o ('consenso social" do capitalismo

monopolista é uma aparência ilusória reproduzida pela es-

cola, a imprensa, o Parlamento etc.,que oculta um controle

totalitário e mistificador: a lei se destina   à   proteção dos

27

i , "

"

Page 21: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 21/76

 A Crimillolox,ia Radical--------------_._----_.

interesses dos poderosos, enquanto a polícia e a prisão são

garantias violentas de uma ordem social injusta. A escola, a

fábrica e a prisão são instituições ideológica e politicamente

similares:a educação não passa de um "processo de lavagem

cerebral", a disciplina da fábrica é a base da disciplina da

 prisão e o aparelho penal (polícia, justiça e prisão) funcionacomo mecanismo central de controle das classes e grupos

sociais submetidos (Young, 1979, p. 12-13).

A tese da lei como "expressão direta" dos interesses

das classes dominantes, que controlam os meios de pro-

dução material e de reprodução ideológica da sociedade,

 permite definir o comportamento da classe trabalhadora

e dos marginalizados sociais normalmente como crime,

 porque se opõe aos interesses das classes dominantes e à

lei que expressa esses interesses. O crime é, simultanea-mente, produto das estruturas econômicas e políticas do

capitalismo e evento pro to-revolucionário, como desafio às

relações de propriedade existentes, ou forma de manifesta-

ção da violência pessoal dos marginalizados sociais contra

o poder organizado das classes dominantes, representadas

 pelo Estado, que legaliza a violência de classe dos crimi-

nosos reais que estão no poder (Young, 1979, p. 14-15).

O controle social de classe tem na prisão sua instituição

central- e na polícia, seu agente principal-, ambos carac-

terizados por uma   eficiente,ineficiência   no controle do crime:

o objetivo oculto seria constituir uma ameaça permanente

contra as classes sociais objeto de exploração econômica

e de dominação política. Esse objetivo é disfarçado pelas

"mistificações positivistas" do tratamento penitenciário,

28

llltrodll(rlo

da reabilitação pessoal ou da ressocialização, pseudo-cien-

tismo que esconde o rigor punitivo e, de fato, aumenta o

castigo, mediante técnicas de isolamento, privação sensorial

ou administração de drogas psicotrópicas - sem falar nas

 penas indeterminadas do sistema prisional americano, que

colocam o preso à mercê dos administradores e guardas

da prisão.

A estratégia do radicalismo da esquerda idealista  objetiva

a abolição do controle social burguês, com a extinção da

 prisão, da polícia, da escola, dos meios de comunicação de

massa, da famflia nuclear etc., definidos como "instituições

inimigas da classe trabalhadora", mas inteiramente "fun-

cionais" para o capitalismo: não se trata de  riformar,   mas de

destruir   essas instituições e promover sua substituição por 

instituições proletárias. Finalmente, o   idealismo de esquerda

 proclama a contradição irredutível do direito burguês, carac-

terizado por um discurso de jus tiç a igu ali tár ia   e uma prática

real  opressiva e discriminatória)   justificando a tática política de

exposição sistemática da   realidade desigual   promovida pela

retórica da igualdade  e, assim, desmascarar a aparência ilusória

da ideologia jurídica. O crime, fenômeno social ligado ao

capitalismo, em geral - cujas instituições são denunciadas

como essencialmente criminosas e criminógenas -, e a re-

 pressão criminal, fenômeno institucional concentrado nos

segmentos sociais subalternos e marginalizados, colocam a

necessidade política de aliança dos grupos sociais explora-

dos, reprimidose miserabilizados objeto dos processos de

criminalização, como meio de auto-proteção e de realização

final de sua estratégia (Young, 1979, p.16).

29

Page 22: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 22/76

,

 A elimin%gia Radica! _----------

o riformiJmo,   um desvio economicista da crítica cri-

minológica, desenvolve-se como espécie de "marxismo"

 bem-educado, absorvido pelo sistema, assimilado pelos

currículos universitários, s'em a origem rebelde, o aguer-

~illlento combativo, a tradição rrülitante e a importância

 política do  idealismo de esquerda.   A característica básica da

ideologia  reformista,   em relação ao Direito e ao Estado, por 

exemplo, é a crença passiva   no "processo de dissolução   do

capitalismo   no   socialismo" - portanto, uma projeção his-

tórica da II Internacional- e, por outro lado, acrença  ativa

no Estado intervencionista, capaz de realizar a correção

 progressiva de desigualdades sociais por reformas jurídicas.

O  reformismo   afirma ser contrário aos interesses das classes

trabalhadoras o conteúdo das instituições (e não a sua

forma), o controle da polícia (e não o aparelho policial), ailegalidade da prisão (enão a própria prisão), a limitação de

oportunidades de acesso à escola (e não o sistema escolar),

o conteúdo da lei (e não a forma legal) etc. O crime é de-

finido como fenômeno "natural", existente em qualquer 

sociedade - embora em maior quantidade no capitalismo-,

redutível por mudanças sociais que eliminem os fatores da

"criminalidade determinada" (ligada à patologia individual,

como carências, subnutrição, defeitos mentais etc.) e do

"crime voluntário" (relacionado ao individualismo egoístada competição capitalista). O comportamento humano é

classificado nas categorias de   normal,   próprio da maioria

"livre" (nos limites de liberdade da economia de mercado)

e de determinado,  característico da minoria "sem liberdade",

 por condicionamentos biológicos, psicológicos e sociais.

30

 I nt ro d/ {(c lo-----------_._-----_._---------_._--._------_    ... _ _ ..  -

Enfim, o riformismo  trabalha com uma etiologiacriminal que

aponta na direção de uma  dupla origem do comportamento

criminoso, explicado ou por constituições biológicas atípi-

cas, origem de disposições anti-sociais de indivíduos defor-

mados, ou pelo ambiente social de competição individual

 pela existência material, acentuando traços personalistas e

agressivos (Young, 1979, p.16 e ss.).

De modo geral, a perspectiva   riformista   do economi-

cismo "marxista" não se distancia da monotonia positivista

e suas causalidades mecânicas, trabalhando com hipóteses

deterministas similares, com a diferença da crença - de

resto, também positivista-marxista - na inevitabilidade

histórica da evolução do capitalismo para o socialismo,

na seqüência de um processo linear e fatalista que ignora

a influência da ideologia e da política na gênese da capa-

cidade de sobrevivência do capitalismo, como modo de

 produção de classes sociais antagônicas. A influência desse

desvio   riformista   na estruturação da Criminologia Radical é

insignificante, funcionando mais como modelo de reformu-

lação ou discurso de legitimação da ideologia do controle

social, esgrimido por teóricos "marxistas" engajados no

"carreirismo" em instituições oficiais.

As limitações mais importantes, comuns às tendên-

cias da   esquerda idealista   e do   riformismo,   são a ausência deexplicações estruturais da criminalização dos grupos sociais

subjugados e marginalidados - esclarecendo a posição do

 pobre como "bode expiatório" da violência institucional-,

a falta de aprofundamento nas contradições do capitalismo

na era da transnacionalização do capital monopolista e a

31

/

Page 23: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 23/76

 A Criminologia Radical-----------------------------

carência de adequada compreensão da natureza contradi-

tória da aparência  dos fenômenos sociais e institucionais da

sociedade capitalista, que vinculam problemas de   conteúdo

com questões de form a,   como mostra a mais autorizada

teoria marxista sobre crime, controle social, Direito e Estado

(Young, 1979, p.21 e ss.).

Criminólogos radicais proclamam que as contradi-

ções da teoria não podem ser resolvidas sem mudanças da

 base estrutural da sociedade - cujas contradições concretas

 produzem e explicam as contradições da teoria - e propõem

uma luta em dois níveis:

a) no  nível forma4   a rejeição da ideologia da   esquerda idea-

lista,   expressa em   slogans   como "o direito burguês é uma

vergonha", ou "a legalidade é uma forma de cooptação"

etc., argumentando que a conquista formal da igualdade

nas áreas da proteção individual, do direito criminal e da

 prisão, por exemplo, pode determinar uma redução da po-

 pulação das prisões, a reconstituição de sua "clientela" e a

 progressiva transformação da prisão, de instituição   sem lei

 para instituição   legalizada -   O que coincide com o interesse

das classes trabalhadoras e de todos os marginalizados

sociais e oprimidos, em geral, no capitalismo;

 b) no   nível material,   a rejeição da posição   reformista   da lutaformal como fim-em-si, omitind0-se das questões políti-

cas e ideológicas do capitalismo contemporâneo. Parale-

lamente, a construção de uma concepção de crime fundada

na posição de classe do autor e orientada para a definição

de responsabilidades coletivas, capaz de superar os critérios

32

.-   -

lntrodlfçiio

individualistas e pessoais da moderna teoria do crime e

da pena, como alternativas para o trabalho criminológico

radical (Young, 1979, p. 26-28; Cirino, 1980).

33

Page 24: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 24/76

11. A   CRIMINOLOGIA RADICAL

A crítica sistemática dos conceitos, do método e da

ideologia da criminologia tradicional possibilitou a rede-

finição do objeto, dos compromissos e dos objetivos da

Criminologia Radical, desde a orientação para o estudo

dos criminosos reais, em posições de influência e de poder 

nos quadros da ordem econômica e política da sociedade

capitalista, até a inserção dos grandes temas da criminologia

no contexto histórico das questões políticas gerais: quem

controla a ordem social, como é distribuído o poder e a

riqueza, como pode ocorrer a transformação social etc.(Taylor   et alii,  p. 55-57).

Entre outras coisas, é preciso mostrar que a definição

legal de crime, base do trabalho da criminologia tradicional,

está ligada à ideologia de neutralidade  do Direito (apresentado

como instrumento de justiça social e de proteção de interes-

ses gerais) e atua como instrumento de controle das vítimas

da exploração e da opressão social- os trabalhadores inte-

grados no mercado de trabalho e os marginalizados sociais

-, cujos protestos, reivindicações e revoltas são reprimidos

 pelas forças da ordem e, freqüentemente, çanalizados para

o sistema de justiça criminal. As deformações ideológicas

da definição   legal de crime, atreladas  à  concepção   burguesa  da

ordem social, induziram criminólogos radicais a formular 

uma. definição   proletária   de crime, tomando como base a

35

• li I

Page 25: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 25/76

li

 A Criminologia Radical--------~.~----_._----------------

violação de Direitos Humanos definidos em perspectiva

socialista, sintetizados nos conceitos de  igualdade social e de

segurança pessoal -   mas incluindo outros direitos politica-

mente protegidos, assim como a possibilidade de examinar 

 práticas e relações sociais criminosas excluídas da definição

legal, como o imperialismo, a exploração econômica, o ra-cismo e outras distorções do capitalismo contemporâneo

(Schwendingers, 1980, p. 135-75; Platt, 1980, p. 124-25).

O compromisso primário da Criminologia Radical é

com a abolição das desigualdades sociaisem riqueza e poder 

(Taylor  et alH,  1980, p. 55), afirmando que a solução para o

 problema do crime depende da eliminação da exploração

econômica e da opressão política de classe - e sua condição

é a transformação socialista (platt, 1980, p. 125).Essa posi-

ção política evita a degeneração da Criminologia Radical emmera "moralização", ou no correcionalismo repressivo da

"reabilitação pessoal", que identifica crime com patologia

e, nas posições mais liberais,propõe reformas de superfície,

ou mais serviços sociais, modificando alguma coisa para

deixar tudo como está - ou seja, preservando o sistema de

dominação e de exploração do homem pelo homem.

Esse compromisso compreende as tarefas com-

 plementares de produzir teoria e de criar procedimentos

capazes de ajudar a classe trabalhadora - e o conjunto dossetores sociais subalternos e marginalizaG.os-, no projeto

 político de construção e de controle de uma sociedade

democrática. A formação da Criminologia Radical, com

 base nas contradições de classe das relações econômicas

estruturais e das relações superestruturais de poder do

36

I

I

I

II

I

 A C,iminologia RL1dieal

Estado, evita as deformações da criminologia positivista

dominante, que separa a teoria criminológica da teoria

 política, a teoria política da teoria econômica e exclui a

categoria central da luta de classes de todas as teorias so-

ciais (Young, 1980, p. 105 e ss.). O estudo da tipologia dos

crimes como concretas rupturas da norma criminal, ou

do estereótipo do criminoso construído pela distribuição

.social da criminalização, ou do funcionamento do sistema

de justiça criminal, pressupõe o contexto concreto de

formações sociais históricas, com estruturas econômicas

determinadas e superestruturas políticas e jurídicas cor-

respondentes, articuladas nas relações contraditórias do

modo de produção da vida material (Taylor   et alH, 1980,

 p. 55). As teses iniciais do   idealismo de esquerda,   da lei como

"instrumento" das classes dominantes para manutençãode seus privilégios, ou as demonstrações complementares

de que os detentores do poder de fazer leis são, também,

os imunes violadores dessas leis, evoluem para teorias

materialistas do Direito burguês e do Estado capitalista,

construídas com base nas transformações históricas do

capitalismo competitivo para o capitalismo monopolista,

e as conseqüentes alterações das formas de luta de classes

e dos mecanismos políticos de controle social.

A desmistificação do sistema de controle social penalrevela sua natureza classista, incluindo as medidas "libe-

ralizantes", como as políticas 'de substitutivos penais, as

 prisões abertas, a descriminalização, a despenalização etc.,

explicáveis menos como atitude humanista do legislador e

mais como estratégias burocráticas do poder público deter-

37

Page 26: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 26/76

 A Criminoloy,ia Iv /dical---- ---- ----------~---~--   ---------- ---- - ----------------_._----

minadas pelo excesso de presos: o "coração" dos interesses

garantidos pelo sistema penal é, na verdade, "o programa

real de cada sistema de p\odução" (Aniyar, 1980,   p. 23).

Em um esquema didático pode-se dizer que, enquan-

to as orientações positivistas se exaurem na explicação docrime como produto etiológico de "causas" determinantes,

 privando o sujeito criminalizado de racionalidade e poder 

de escolha, como assinala a teoria da rotulação, e as orien-

tações clássicas explicam o crime como produto de uma

"razão pervertida", uma "forma pura" somente controlada

 pela força do Estado, a Crimi~ologia Radical se empenha

na tarefa de uma análise materialista do crime e do sistema

de controle social, subordinada   à  estratégia geral que liga a

teoria científica à  prática política no objetivo final de cons-

trução do socialismo (Young,  1980,   p.  110- 11).

O projeto científico da Criminologia Radical tem

 por objetivo a produção de uma teoria materialista do

Direito e do Estado nas sociedades capitalistas, em que

a produção crescentemente social requer uma regulação

crescentemente jurídica das relações sociais, procurando

identificar as forças sociais subjacentes às formas legais

e mecanismos institucionais de controle da sociedade. A

questão da persistência, da modificação ou da abolição das

normas jurídicas é examinada em relação aos interesses

que garantem,   à   função realizada na organização material

da produção e à contradição fundamental entre capital e

trabalho assalariado, no processo histórico de socializa-

ção da produção e apropriação privada do produto (que

crirninaliza com rigor os que se recusam a esse tipo de

socialização), desde o tratamento legal de trabalhadores

38

 A Criminologia Radical._------_    ... _-------------

desempregados e inutilizados, de pessoas abandonadas e

doentes, até a organização das prisões, da políciae da justiça

(Taylor  et alii)   1980,61.).

O programa de uma ciência do crime e do controle

social para as condições de desenvolvimento econômico e

 político da sociedade capitalista, compreende a crítica do

Direito como   lei do modo deprodução   dominante, e do Estado

como  organiZflção política do poder de classe, alémda elaboração

simultânea de uma "economia política do crime" capaz de

demonstrar que as transformações do capitalismo contem-

 porâneo não alteraram suas pri orid ad es bás ica s de propriedade

 privada e lucro, nem sua  dinâmica social  de reprodução das

desigualdades e de marginalização. Como socialistas,a luta

 principal dos criminólogos radicais é contra o imperialismo

dos países centrais, a exploração de classe, o racismo etc.

e, como teóricos, o esforço pela construção de explica-

ções materialistas da lei penal e do crime, nas condições

criminógenas do capitalismo monopolista contemporâneo,

está vinculada à teoria geral do desenvolvimento histórico

que informa sua estratégia política: a instituição de uma

sociedade sem classes,através da socializaçãodos meios de

 produção (Marzotto, Platt, Snare,  1975,   p. 43-45).

A Criminologia Radical estuda o papel do Direito

como   matriz   de controle social dos processos de trabalho

e das práticas criminosas, empregando as categorias funda-

mentais da teoria marxista, que o definem como instituição

superestrutural de reprodução das relações de produção,

 promovendo ou embaraçando o desenvolvimento das for-

ças produtivas (Marx,  1973,   p. 28-29).   A teoria marxista,

como instrumento de análise sincrônica e diacrônica da

39

A Cn'minologia Radica!

Page 27: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 27/76

 A Cn'minologia Radica!

sociedade,   é   essencialmente radical, no sentido de tomar 

as coisas pela raiz - e, em sociedade, a raiz humana   é

inseparável da posição de classe que, por sua vez, é de-

terminada pelo lugar nos processos produtivos, fundados

na separação trabalhador/meios de produção, ou seja, na

relação capital! trabalho assalariado. O estudo do crime e

do controle social no capitalismo se baseia na divisão da

sociedade em classes (estrutura econômica) e na reprodução

das condições de produção, fundadas na separação capital!

trabalho assalariado, pelas instituições jurídicas e políticas

do Estado, que proscreven: práticas contrárias às relações

de produção e de reprodução social. Assim, o estudo do

crime e do controle social não se reduz aos tipos legais de

crimes, mas compreende o tipo   social  de autor (posição de

classe), o tipo de sociedade (formação econômico-social),

seu estágio de desenvolvimento (nível tecnológico), o papelda formação econômico-social no mercado mundial (posi-

ção na relação imperialismo/dependência), as funções na

divisão internacional do trabalho (fornecedor de 'matéria-

 prima e de mão-de-obra ou exportador de capitais) etc.

(Cirino,  1979,   p. 19-32)

 Na verdade, as contradições do capitalismo explicam

que o mesmo processo que vincula o trabalhador no traba-

lho, aceitando a brutalização de sua "canga pessoal", dirige

o desempregado/marginalizado para o crime, aceitandoos riscos da criminalização:   a neces,~idadede sobrevivência em

condições de privação material.   A força de trabalho integrada

nos processos de produção e circulação material conhece a

disparidade social da relação esforço/recompensa, enquan-

to a força de trabalho excedente, excluída do mercado de

40

 A Criminologia Radica!

trabalho e, portanto, do papel de consumidor, desenvolve

uma "potencialidade" para o crime, recorrendo a meios

ilegítimos para compensar a falta de meios legítimos de

sobrevivência. O sistema de controle social atua com todo

rigor na repressão da força de trabalho excedente margi-

nalizada do mercado (o discurso de proteção do cidadão"honesto", ou de combate ao "crime nas ruas", legitima a

coação do Estado), mas o objetivo real é   a dúciplina daforça

de trabalho ativa,   integrada no mercado de trabalho. Essa

inversão ideológica reaparece em outras áreas:aestrutura

econômica desigual e opressiva produz os problemas sociais

do capitalismo, como o desemprego, a miséria e o crime,

mas a organização política do poder do Estado apresenta

esses fenômenos - especialmente o crime - como   causas

dos problemas sociais do capitalismo; por outro lado, os

métodos de "prevenção" do crime e de "tratamento" do

delinqüente estigmatizam, danificam e incapacitam a po-

 pulação criminalizada para o exercício da cidadania, mas o

temor da prisão controla a força de tr~ba1ho ativa, garantin-

do a produção material e areprodução da ordem social- e

isso parece ser tudo o que importa (Young,   1979,   p. 21).

A ligação oculta entre controle do crime e relações

de produção é o foco de pesquisa da Criminologia Radical:

o controle do crime pela ação da polícia, da justiça e da

 prisão assegura a continuidade (reprodução) do sistemasocial de produção capitalista. A articulação específica

entre a estrutura econômid da sociedade, definida como

o "conjunto das relações de produção", e as formas ideo-

lógicas superestruturais jurídicas e políticas do Estado, que

instituem e reproduzem aquelas relações de produção, é a

41

A Cn"min%p la lZadim/ : : ! c : : ' ! ! ~ 0 % g i a R£I~!!~

Page 28: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 28/76

 A Cn min%p,la lZadim/ ---,.. _--_._._---------~.  _ _  . _ _  .. _,----------------~~---~~--   -   ----

 base explicativa da contradição entre a aparência   e a  realidade

dos fenômenos sociais: a forma jurídica das relações de

 produção é, simultaneamente, forma de   reprodução   das re-

lações de produção e de  mistificação   dessas mesmas relações,

como representação ilusória ou invertida da realidade. A

forma   aparente   da liberdade, da igualdade e da justiça oculta

uma   realidade   de coerção, de desigualdade e de injustiça: a

ideologia é, ao mesmo tempo, realidade e ilusão (Young,

1979, p. 22).

A explicação desse fenômeno parece residir na re-

lação entre a esfera da circulação (formas jurídicas) e a

esfera da produção (estrutura econômica): o trabalhador,

disponível no mercado - a esfera da circulação, regida pelo

Direito, em que domina a aparência - vende livremente

sua força de trabalho pelo equivalente salarial: é um igual

 perante a lei, não é logrado pelo capitalista individual. Masna esfera da produção, em que existe a realidade produtora

da aparência, em lugar do salário equivalente encontra a

exploração do trabalho, pela expropriação de mais-valia;

em lugar da igualdade formal do direito, a desigualdade

substantiva; em lugar da liberdade do contrato de trabalho,

a coerção das necessidades econômicas. A relação entre a

aparência da ,esfera de circulação e a realidade da esfera de

 produção explica porque o trabalhador, para sobreviver,

deve vender a única mercadoria que possui, ao preço do

mercado: a força de trabalho (Marx, 1971, p. 196-97).

A Criminologia Radical, colocando esse quadro no

centro da sua teoria, não nega a maior liberdade e igualda-

de do trabalhador produtivo na sociedade capitalista, em

comparação com o servo da sociedade feudal, ou com os

42

II

I

I

_ _ _ _ _ _ _ _ . : : ! _ c : : ! ! . ~ 0 % g i a R£I~!!~

contingentes marginalizados do mercado de trabalho e

de consumo no capitalismo (desempregados ou presos,

 por exemplo). Entretanto, essa análise estrutural mostra a

inseparabilidade entre   disciplina do trabalho   (o lado positivo

da equação esforço/recompensa) e   controle social   (o lado

negativo da equação esforço/recompensa) e fundamenta a

tese radical de que jus tiça eco nô mic a  e jus tiça pe na l   são aspectos

de um mesmo e único fenômeno.

Em forma sumária, o contraste da Criminologia

Radical com a criminologia tradicional pode ser assim

indicado:

a) o   ol::jetoda Criminologia Radical   é   o conjunto de

relações sociais, compreendendo a estrutura econômica e

as superestruturas jurídicas e políticas de controle social; o

oo/eto  da crw.J.nologia tradicional   é limitado pelo comporta-

mento criminoso e pelo sistema de justiça criminal;

 b) o   compromisso   da Criminologia Radical   é   com a

transformação da estrutura social e a construção do so-

cialismo, mostrando a insuficiência das reformas penais,

denunciando o oportunismo pragmatista das políticas pe-

nais alternativas - mas apoiando as medidas liberalizantes

- e afirmando a impossibilidade de resolver o problema

do crime no capitalismo; o   compromisso   da criminologia

tradicional refere-se ao aprimoramento funcional-tecno-

crático do aparelho penal, conforme critérios de   efetividade

(redução de crimes) e de   eficiência   (maior ef,:tividade, com

menores custos);

c) a  base social   da Criminologia Radical são as classes

trabalhadoras e o conjunto das categorias sociais subal-

43

 A Cnminolo,gia Radical

Page 29: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 29/76

ternas e massas marginalizadas da sociedade capitalista:

objetiva elevar seu nível de consciência e de organização

e explicar sua criminalidade como tentativa individual de

resolver problemas estruturais, que exigem ação coletiva

consciente e organizada; a base social  da criminologia tradi-

cional são as elites econômicas e políticas (e seus intelectuais

orgânicos, os agentes do controle social): o conhecimento

tecnocrático da "criminologia aplicada" no sistema de jus-

tiça criminal opera como técnica de controle (Habermas),

ou como conhecimento de "contra-insurgência" (Quinney),

reforçando o monopólio do poder econômico e político

(Gouldner), que especifica os fins e as áreas de aplicação

da ciência (Garofalo, 1978, p. 18-22).

A crítica à criminologia tradicional, que explica o

crime como "anomalia" do sujeito, ou como "realidade

ontológica" pré-constituída ao sistema de justiça criminal,originou a transposição da abordagem teórica do   autor 

 para as condições o/:vetivas estruturais do fenômeno crimino-

so, assim como a mudança do interesse científico sobre

causas do crime   para o interesse científico sobre  mecanismos

de controle socia~   que constroem, pelos processos de crimi-

nalização constituídos pela criação e aplicação da lei penal,

o fenômeno do crime como "realidade social construída"

(Baratta, 1978, p. 8).

O salto qualitativo da Criminologia Radical é repre-sentado pela superação d~ paradigma   etio!6gico tradicional

e pelo estudo do sistema punitivo como   sistema dinâmico de

 fun çõe s   do modo capitalista de produção, negando o mito

do direito penal igualitário: a crítica ao sistema punitivo

concentra-se no processo de criminalização, destacando

44

 A Criminologia Radical

os mecanismos de produção e de aplicação de normas

 penais e de execução das penas criminais. A produção de

normas penais promove uma simultânea   seleção   de tipos

legais e de indivíduos estigmatizáveis: a estrutura de inte-

resses protegidos (elites de poder econômico e político) e

as condutas ofensivas desses interesses pré-selecionam ossujeitos estigmatizáveis. Assim, ~ caráter "fragmentário"

do direito penal, definido pela idoneidade técnica de certas

matérias (e não outras) para a incriminação, oculta a pro-

teção de interesses das classes e grupos sociais de poder 

econômico e político (e a imunização processual de sujeitos

dessas classes, ou ligados, funcionalmente,   à  acumulação

do capital) e a criminalização de comportamentos típicos

das classes e grupos sociais subalternos, especialmente os

marginalizados do mercado de trabalho. Esse mecanismo

não se limita à  seleção de tipos legais de comport~mentos

 proibidos, mas inclui variações na natureza e intensidade

da punição: máximo rigor para comportamentos caracterís-

ticos das massas marginalizadas do mercado de trabalho e

de consumo (especialmente em ações contrárias às relações

de produção) e ausência de rigor para comportamentos

característicos das elites de poder econômico e político

(especialmente em ações ligadas funcionalmente à estrutura

das relações de produção), como a critllinalidade econômica

ou financeira, por exemplo (Baratta, 1978, p. 9-11).

A pesquisa histórica mostra que a aplicação das nor-

mas criminais depende da'posição de classe do acusado,

uma   variável independente   que minimiza ou cancela princípios

de hermenêutica ou de dogmática jurídica, instituindo um

autêntico   direito penal do autor.   indivíduos pertencentes aos

, 45

A C ú O /O I & ' !! / A C i i % i I L di /

Page 30: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 30/76

 A _C _n _n ._ ún _O _ /O _~ I_ .a _& 't !! .c a/ -- -- - -- -- -_ - _

grupos marginalizados do mercado de trabalho reúnem as

maiores probabilidades de criminalização; por outro lado,

a posição precária no mercado de trabalho (subocupação,

mão-de-obra desqualificad-aetc) ou defeitos de socialização

ou de escolarização, constituem   variávezS intervenientes   no

 processo de criminalização (Baratta, 1978, p. 11-12).

Enfim, o sistema carcerário é o centro da crítica ra-

dical ao sistema de justiça criminal, na sua função de dupla

reprodução: reprodução das desigualdades das relações

sociais capitalistas (pela garantia da separação trabalha-

dor/ meios de produção) e reprodução de um setor de

estigmatizados sociais, recrutado do exército industrial de

reserva, qualificado negativamente em dois sentidos: pela

 posição estrutural de marginalizado social (fora do mercado

de trabalho) e pela imposição superestrutural de sanções

estigmatizantes (dentro do sistema penal). A reprodução

das desigualdades é realizada pela disciplina dos processos

de trabalho (relações de produção) e pelo controle polí-

tico da força de trabalho (separação trabalhador/meios

de produção). A reprodução de estigmatizados sociais

favorece a superexploração do trabalho de condenados

e de ex-condenados, o emprego do egresso na circulação

ilegaldo capital (como o tráfico de drogas, por exemplo) e,

ainda mais grave, sua utilização em esquadrões fascistas de

repressão operária e sindical (Baratta, 1978, p. 12-13).

A conseqüência política da crítica da Criminologia

Radical é a negação do mito do direito penal igualitário,

na sua dupla dimensão ideológica: a pro teç ào ger al  de bens e

interesses existe, realmente, como  proteçào parcial,   que pri-

vilegia os interesses estruturais das classes dominantes; a

46

 A Crim in% ,gia I<.L tdim / -------------_    _-_ .. _ _   _-_._--_._._--_._---------

igualdade legal, no sentido de ~gualposição em faceda lei, ou

de iguaischances de criminalização,existe,realmente, como

desigualdade penal:   os processos de criminalizaçãodependem

da posição social do autor e independem da gravidade do

crime ou do dano social (Baratta, 1978, p. 10).

Um dos grandes avanços científicos da Criminologia

Radical teria sido demonstrar a relação funcional entre os

mecanismos seletivos do processo de criminalização e a

lei do desenvolvimento histórico da formação econômico-

social capitalista: a relação entre o  cárcere, como instituição

central de controle social, e a fáb ric a,   como instituição cen-

tral de produção material, é a matriz histórica da sociedade

capitalista, desde a transformação do camponês (separado

do campo e de seus meios de produção) em  trabalhador 

livre   (sem meios de produção) adaptado  à

  fábrica, até areprodução das condições em que se fundamenta o modo

de produção capitalista, a separação trabalhador/meios de

 produção.

47

Page 31: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 31/76

A Criminologia &dical

BIBLIOTECA DE CIENCIA:)   JUKlU~A Criminologia &dical e o Conceitode Crime

Page 32: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 32/76

"

','

', ;

 A Criminologia &dical

conceito   proletário   de crime como parâmetro de trabalho

teórico, enquanto a classe trabalhadora - aspecto secun-

dário da contradição, na sociedade capitalista - não possui

 poder político para definIr, em forma legal, um   conceito

socialista  de crime.

Um conceito proletário de crime, no período dasociedade capitalista, deve ser definido com base em uma

concepção   socialista   de direitos humanos, como proposto

 pelos Schwendingers: o direito   à   segurança pessoal   em relação

à  vida,   à  integridade,   à   saúde,   à   liberdade etc., e o direito

à   igualdade real,   econômica, racial e sexual, são direitos bá-

sicos, porque a violação desses direitos   elimina   ou   limita   as

 possibilidades concretas de realização pessoal das vítimas,

em qualquer esfera da vida. A violação desses direitos por 

indivíduos, empresas, instituições, relações sociais capitalis-

tas ou imperialistas constitui crime, porque nega o direito

à  vida,   à  saúde,   à   liberdade e   à   dignidade de centenas de

milhões de seres humanos; porque submete a maioria da

humanidade por sua condição de classe, de raça ou de sexo;

 porque explora o trabalho do povo, produz subnutrição,

carências, deformações físicas e psíquicas e, especialmente,

crimes (Schwendingers, 1980, p. 172). Nenhuma dessas

conseqüências pode ser autorizada pela garantia legal do

direito de propriedade, ou pela falta de definição legalde cri-

me: a forma legal burguesa de crime exclui a criminalidadeestrutural absoluta das classes dominantes - os chamados

"cnmes sistêmicos", em especial, a superexploração dos

 povos e das riquezas naturais das áreas subdesenvolvidas

e dependentes -, enquanto define e pune a criminalidade

individual, violenta e fraudulenta, das classes e camadas

50

 A Criminologia &dical e o Conceitode Crime

sociais subalternas. O  duplo padrão   do sistema de justiça cri-

minal fundado no conceito burguês de crime é promovido

 pela "cegueira ideológica" de juristas tradicionais, que se

satisfazem com a existência' formal de lei incriminadora,

sem questionar o conteúdo da incriminação: quem é pre-

 judicado ou quem é beneficiado pela incriminação (Aniyar,1980; Lyra Filho, 1972, p. 75-78).

A Criminologia Radical- ao contrário da criminologia

tradicional, limitada   à  definição, julgamento e punição do

criminoso isolado, explicando o crime por relações psico-

lógicas como vontade, intenções, motivação etc. - vincula

o fenômeno criminoso   à  estrutura de relações sociais, me-

diante conexões diacrônicas entre cnminalidade   e condições

sociais necessárias  e suficientes   para sua existência. Como se vê,

muda o objeto de análise para o   conjunto das relações sociais,

mostrando que, primariamente, são criminosos (e criminó-

genos) os sistemas sociais que produzem, através de suas

estruturas econômicas e instituições jurídicas e políticas

do Estado, as condições necessárias e suficientes para a

existência do comportamento criminoso - com a cum-

 plicidade histórica de criminólogos e juristas tradicionais,

que não questionam essas estruturas e seus mecanismos de

instituição e de reprodução social (Schwendingers, 1980,

 p.171-72).

O conceito proletário de crime fundado em direitoshumanos, esboçado e, depois, melhorado pelos próprios

autores (Schwendingers, 1975, p. 113-46; 1977, p. 4-13),

 provocou restrições (Mintz, 1974, p. 49) e críticas (Har-

tjen, 1972): a mudança de foco da for ma leg al  para   relações

sociais  conteria ambigüidades abstratas e indeterminações

51

 A CnlJJinolo,giaRadical

Page 33: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 33/76

 A Criminologia lv/dical e o Conceito de Crime--~---"------_. _ _  .. _-------_._._--------_._-------~----_.  _ _   ._---_.~. _ _   ..

 pelas contradições objetivas entre o humanismo burguês eas tendências histót:Ícas do modo de produção capitalista(Lyra Filho, 1972, p. 110-11).

As contradições históricas das relações de classessão o fundamento objetivo das contradições ideológi-cas, jurídicas e poJiticas da formação social - logo, assim

como a posição de classe da burguesia   é a base objetiva doconceito burguês de crime, a posição de classe do proleta-riado   é a base objetiva de um conceito socialista de crime

(Schwendingers, 1977, p. 10-11). Assim, a antiga equaçãodefinição legal de cnme/ dano socia!, da criminologia tradicional,criminaliza condutas socialmente não-danosas - como gre-

ves, dissidência poJitica etc. - e não criminaliza condutase relações socialmente danosas - como o imperialismo, a

exploração etc. (Lyra Filho, 1972, p. 75-78; 1980, p. 10). ACriminologia Radical inverte a equação para   relações sociais

danosas/ cnme,   compreendendo a exploração imperialista,a violação da autodeterminação dos povos, o direito dos

trabalhadores ao controle e   à   administração da   mais-valia

 produzida, os abusos de poder econômico e poJitico e todosos danos sociais definidos como "crimes sistêmicos".

A definição de um conceito socialista de criine - as-

sim como de um conceito socialista de Direito e de Esta-do - com base na posição de classe do proletariado é um

avanço qualitativo da teoria radical sobre PoJitica, Direito

e Crime, como categorias históricas construídas para acrítica científica das superest~uturas de controle social dasociedade capitalista, uma tarefa necessária dentro de um

quadro político de transição demorada, em que a luta pela

hegemonia ideológica e poJitica da formação social   é con-

históricas, indiretamente ligadas ao direito natural. Sejacomo for, o defeito do conceito socialista de crime con-

,

sistente na ausência de definição legal, não   é   sanável no

capitalismo e, por essa razão, a definição operacional deum conceito de crime fundado em direitos humanos pa-rece ser a alternativa radical   à   definição legal do conceito

 burguês de crime. Historicamente, o conceito de crime édeterminado pelas contradições de classe no Contexto dasrelações de produção capitalistas: a ideologia burguesa   é

institucionalizada nas formas jurídicas e poJiticas do Estado- que reproduzem as relações sociais -, mas a ideologia daclasse trabalhadora, desenvolvida sob a ideologia burguesa,

somente pode adquirir formalização jurídica e poJitica nosocialismo. Entretanto, essa mediação histórica não exclui- ao contrário, pressupõe - a definição operacional (assimcomo as definições anaJitica e real) dos conceitos de crime,

de Direito, de Estado etc., no projeto poJitico da classetrabalhadora, ainda sob o capitalismo: os parâmetros desse

 projeto político são mais adequados para definir relaçõessociais danosas (crimes) e interesses gerais da humanidade(Direito, Política etc.), transcendendo o próprio subjeti-vismo de classe, que exprime oposições maniqueístas de bem/ mal, direito/crime, certo/errado etc.

O projeto poJitico da classe trabalhadora é definido por uma teoria geral das tendências do desenvolvimento

histórico, que identifica os interesses objetivos da huma-nidade com a socialização dos meios de produção, asse-gurando a hegemonia dos trabalhadores no controle danatureza, da tecnologia (forças produtivas) e do conjunto

das relações sociais econômicas, poJiticas e jurídicas doEstado, promovida no socialismo e excluída no capitalismo

--------_._---------------------

52

53

A Cri1Jlin%~i! iClRadi ca/  A CrilJlino/o.gicl Radica/ e o Conceito de Clime

Page 34: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 34/76

 A Cri1Jlin% i!,iCl Radi ca/ 

dicionada pelos limites do conceito gramsciano de "guerra

de posição" (Gramsci, 1972, p. 67-75).

As variantes positi~.istas do conceito burguês de

crime, sob as definições legal, sociológica, ética etc., da

criminologia tradicional, pressupõem o mesmo esquema

funcional da ordem social:estados "naturais" ou "normais",como "relações ótimas" para a vida associada, fundamen-

tam normas de conduta  instituídas como critérios de "norma-

lidade", ou "pré-requisitos funcionais" para a existência da

sociedade.A conduta ajustada aos parâmetros formalizados

é "normal" ou "natural" e a conduta desviante dos parâme-

tros formalizados - que definem a "expectativa normativa"

- é "anormal" ou "antinatural", desencadeando o sistetna

de recompensa/punição, como mecanismo de controle

das tendências "egoístas e anárquicas" da "natureza hu-

mana". Nesse esquema, o controle social promovido pela

tecnocracia estatal realiza uma tarefa "neutra", mediante

normas institucionalizadas como critérios do "normal" e

do "patológico", legitimadas pelo "consenso normativo",

maximizando aspectos positivos pela recompensa e mini-

mizando aspectos negativos pela punição. A ordem socialé

uma situação de "equilíbrio" dentro da qual o crime indica

"conflito" e "desorganização": ao nível social, "conflito

cultural! desorganização social"; ao nível da personalida-

de, "conflito pessoal! desorganização da personalidade"

(Schwendingers, 1980, p. 156-62).

 Na verdade, a querela positivista sobre conceito de

crime é uma disputa doméstica em torno da  efetividade)   da

amplitude   e da pre cis ão  do controle social, porque não trans-

cende os limites da ideologia dominante.

54

A definição   legal   de crime (em geral, ligada a Paul

Tappan) se desdobra em um critério legal-procedimental:

crime é definido pela lei criminal editada pelo Estado;

criminoso é o indivíduo cC?ndenadopela justiça criminal

em processo regular. As estatísticas criminais constituem

amostras representativas da população total de criminosos- a "maior aproximação possível" da taxa de "criminali-

dade real" - e réus "condenados" constituem os únicos

indivíduos que podem ser considerados criminosos: nessa

ótica, são criminosos réus condenados indevidamente, e

não são criminosos réus não julgados e autores de crimes

não identificados, ignorados etc. (LyraFilho, 1972,p. 75-78

e 94-98; Schwendingers, 1980, p. 140.)

Definições   sociológicas,   desde Garófalo a Thorsten

Sellin, criticam a natureza "não científica" da definição

legal   de crime, que pretende distinguir crime de outros

comportamentos e criminoso de outras pessoas, mas não

indica "propriedades naturais" constitutivas da "natureza

intrínseca" da matéria. Essas propriedades "intrínsecas"

ou "naturais" são indicadas pelo conceito de "normas de

conduta", que definem "relações universais": transcendem

grupos sociais, não são limitadas pelo Estado, não estão

(necessariamente) incorporadas no Direito e fundamentam

um enfoque "livre-de-valor" comprometido, exclusivamen-

te, com "metas científicas", mediante "critérios científicos"(Schwendingers,1980,p.136-37;Tayloretalii)   1973,p.14-19).

Contudo, a fo bia   do método sociológico às "questões de

valor", pela impossibilidade de medição objetiva de suas

determinações, confunde objetos históricos com objetos

naturais, reduz fenômenos políticos e ideológicos a meras

55

 A Crim inol o.gi a Rad iml- - ----- '- -'---'-. _   ....-,-----~- _._- --_    . . _ . _ - - , _    . .-  . _  .. _ _   ._~-_ .. - . _  ..-

 A Crim inol ogia 1"ZL I{/i cale o Conceilo de   Cri/llr 

~

Page 35: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 35/76

. ,._ ._.  .__ _ _ _ _ , _ _ _ _ _

"coisas" (como na física) e, enfim, destrói o objeto para

adaptá-lo ao método.

Definições   éticas propostas por Sutherland conjugam

critérios de "injúria social" (violação de interesses sociais

gerais) e de "sanção legal" (compreensiva das sanções cri-

minal e civil)para abranger práticas anti-sociais de homens-de-negócio, administradores de corporações, profissionais

liberais etc., que configuram a criminalidade "white-collar".

Entretanto, as boas intenções da proposta não transpõem

os limites da politica oficial que define "injúria social" e

impõe "sanções legais": ao contrário, parecem úteis para

legitimar a ideologia do controle social (Schwendingers,

1980,   p.  137-39).

A metodologia científica contemporânea distingue

várias definições de um conceito: a definição   real   compreendeas determinações históricas de um fenômeno, nas suas

relações diacrônicas e sincrônicas; a definição   nominal

constitui simplificação formal da definição real; a definição

analítica   apreende os elementos internos da definição real; e

a definição   operacional   indica os caracteres de identificação

concreta da definição real, como formalizada nominalmente

e decomposta analiticamente: tipos, situações, registros

etc. A definição   real  é a base de todas as definições de um

conceito: as definições   nominal   e  analítica   são   redeftnições  da

definição   real,   porque exprimem relações já construídas, e

a definição   operacional   alinha "indicadores" identificáveis

da definição   real   (Cirino,   1979,   p.   17-19;   Schwendingers,

1980,   p.  144-46).

O conceito de crime não foge desse esquema: a de-

56

~-   ----------------~,._ --------_._---~------   -   ---

finição   legal  é uma modalidade de definição   nominal,   como

descrido das acões socialmente danosas e cominação de, ,

sanções; a definição   analítica   é constituída pelas categorias

 jurídicas da tipicidade (adequação da conduta ao modelo

legal), da antijuridicidade (realização injustificada do tipo

de proibição geral) e da culpabilidade (reprovação do autor  pela realização não permitida da conduta proibida, com o

 poder concreto de agir de outro modo) - essas categorias

da definição   analítica   funcionam como definição   operacional

 para o sistema de justiça criminal (conhecimento e punição

das ações socialmente danosas); a definição   real do conceito

de crime é o objeto específico da criminologia tradicional:

"crime é um sintoma de desorganização social" (Sutherland 

&Cressey, 1960,   p. 23),   ou "delinqüência é uma expressão

de agressão não-socializada" Oenkins  &Hewitt,   1944,   p.

84-94).   Finalmente, as definições   sociológicas  são uma mis-

tura de definição   real   (relações universais) com definição

operacional  (propriedades intrínsecas), enquanto as definições

éticas   são uma composição de definição   real  (injúria social)

com definição   nominal   (sanção legal).

Essas definições refinaram o instrumental teonco

de conhecimento do crime, mas sua aplicação é limitada

 pelos compromissos de classe da criminologia tradicional,

atrelada ao pólo dialético dominante da burguesia, na con-

tradição estrutural da sociedade capitalista. Por exemplo,definições   reais identificam relações contráriz...3ao sistema de

 produção e reprodução sodal, definições   nominais   formali-

zam essas relações na superestrutura jurídica de controle,

definições   analíticas   decompõem seus elementos internos

em categorias científicas e definições   operacionais  selecionam

57

 ACrimil1olo,gia R adical  A Crimil1olo,~icl r<..adictl!e o COl1ceito de Cril l /e

Page 36: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 36/76

caracteres visíveis para medir o crime e informar políticas

criminais - mas todas correspondem ao conceito   iJllrgllês

de crime, que garante a hegemonia dOéapital no controle

das relações sociais.

Esse conceito   exclui   a criminalidade estrutural - a

definição   ética se limita aos   abusos  de classe, mas não com- preende a  estrutura  do sistema de classes, por exemplo - e

inclui   os fundamentos da ordem social burguesa: crimina-

liza as ações contrárias à estrutura econômica, fundada na

 propriedade privada dos meios de produção e do produto

do trabalho social, e as ações contrárias às superestruturas

 jurídicas e políticas do Estado, representadas pela crimi-

nalidade política.

O conceito socialista de crime, fundado na posição

de classe do proletariado - o pólo dialético subordinado

da contradição estrutural-, situa a origem da crimiDalidade

nas condições estruturais do capitalismo, mas apresenta

explicações diferentes para a criminalidade individual e

 para a criminalidade estrutural:

a) a criminalidade individual - em certas condições,

uma resposta necessária das classes e camadas sociais su-

 balternas - é definida como resposta pessoal (portanto,

não política) de sujeitos em condições sociais adversas:

em situação de desorganização política e de ausência de

consciência de classe, a criminalidade individual das classesdominadas é resposta inevitável às condições estruturais

adversas da sociedade;

 b) a criminalidade estrutural - em certas condições,

um estímulo suficiente para as classes dominantes - é ex-

 plicada pela articulação funcional entre a esfera de produ-

58

ção e os sistemas jurídico-políticos de reprodução social:

situações de garantia de impunidade, pelo controle dos

 processos de criminalização, são condições suficientes para

 práticas anti-sociais (predatórias e fraudulentas) lucrativas,

fundadas no controle dos processos de produção/ circu-

lação da riqueza.

Como se pode ver, as determinações estruturais do

conceito proletário de crime (definição real) podem ser 

indicadas (a) por situações de marginalização, exploração,

miséria, fome, doenças etc.,ou (b)por situações de controle

da produção/ circulação da riqueza e de garantia de impu-

nidade - ambas explicações ligadas à divisão da sociedade

em classes sociais antagônicas, produzida pela separação

trabalhador/meios de produção (definição analítica), que

violam direitos humanos socialistas (definição nominal).

A distinção entre conceito proletário e conceito

 burguês de crime não significa separação irredutível entre

concepções diametralmente opostas: o conceito prole-

tário incorpora, critica e supera o conceito burguês de

crime, como as formas políticas e jurídicas do socialismo

incorporam as conquistas democráticas do capitalismo e

ampliam os limites de liberdade real do povo (Lyra Filho,

1972,  p .   110-11).

A seqüência deste estudo pretende indicar como aCriminologia Radical coloca os problemas do crime e do

controle social no contexto das relações de classes e daslu-

tas políticas pela constituição e reprodução do poder social,

no período histórico da sociedade capitalista. Alguns dos

avanços teóricos mais importantes dessa perspectiva são os

59

 A Criminologia Radical-----------------------------------,._------

Page 37: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 37/76

trabalhos de Georg Rusche e Otto Kirchheimer,   PUl7isl1Jet1t 

and social structure   (1968), de Michel Foucault,   SUrl1ei//er et 

 puni r    (1975), de Evgeny B. Pasukanis, A teoria gera/ do direito

e o marxismo   (1972), o texto coletivo de Maurice Bourjol e

outros,  Pour une critique du droit   (1978) e a coletânea de Bob

Fine e outros,   Capita/isl1J and the rufe   r if   lau)  (1979).

60

IV A CRIMINOLOGIA RADICAL

EA POLÍTICA DO

CONTROLE SOCIAL

oestudo de Rusche e Kirchheimer em Punishment 

and social structure   (1968) objetiva romper a relação abstrata

da criminologia tradicional entre   mme   e puni ção -   interna   à

superestrutura -, propondo uma relação histórica concreta

entre  mercado de trabalho   e pun ição ,   vinculando a base econô-

mica   à   superestrutura de controle da formação social. A

 punição, definida normalmente como "epifenômeno" docrime - o fenômeno que determina as formas e intensidade

daquela -, ou como reação oficial de  retribuição   e de pre ven-

ção   do crime,   é   colocada em perspectiva nova:   todo sistema

de produção descobre punições que correspondem às suas relações

 pro duti vas   (Rusche e Kirchheimer, 1968, p. 5).

A teoria do projeto (Rusche, 1931) afirma que o mer-

cado de trabalho   é  o determinante fundamental do sistema

de justiça criminal e, portanto, a categoria principal para

explicar o sistema penal. Esse conceito se desdobra emduas hipóteses antagônicas: a) se a força de trabalho   é insu-

 jicie t1te  para as necessidades d6 mercado, a punição assume

a forma de trabalho forçado, com finalidades produtivas e

 preservativas da mão-de-obra; b) se a força de trabalho   é

excedente  das necessidades de mercado, a punição assume a

61

 A Criminolo,gia Radical e a Polilica do Conlro!e Social

Page 38: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 38/76

forma de penas corporais, com destruição ou exterrIlÍniodamão-de-obra: a abundância torna desnecessária a preserva-

ção (Rusche, 1977, p. 4).A teoria mostra como as relaçõesde classes, na esfera do m~rcado, explicam as mudançassuperestruturais do sistema penal: introduza questão docrime e do controle social no contexto das relações eco-

nômicas, que funcionam como base explicativa da política penal e, inversamente, como objeto de esclarecimento pela política penal. Assim, o defeito das teorias psicológicas e

 psicanalíticas da criminologia dominante sobre a origem

individual do crime, ou as funções sócio-psicológicas da punição etc., resultaria da ausência de uma teoria socialgeral que situasse o fenômeno punitivo na estrutura das

relações econômicas, evitando as abstrações idealistas queabsolutizam e petrificam as condições históricas vigentes

OZusche,1977, p. 3).A verificação de que a criminalidade se concentra nas

camadas sociaisinferiores da sociedade (aposição de classe

inferior impede a satisfação de necessidades elementares),

que monopolizam os processos de criminalização, permitea formulação do célebre pri ncí pio de efi các ia do sistema penal:a eficácia da prisão pressupõe condições de vida carcerária

inferiores às da classe trabalhadora mais aniquilada. O prin-

cípio mostra a existência de limites objetivos às reformas

"humanistas" da p~isão, cuja base reside nas condiçõesestruturais da sociedade: as prisões estarão cheias ou vazias

conforme sua posição em relação a esse limiar minimo

OZusche,1977,p. 3-4).

A história das transformações do sistema penal, na perspectiva da relação entre base econômica e mecanismos

62

superestruturais de controle proposta por Rusche e Kirch-heimer, representa um avanço real da teoria crirninológica

radical: são as relações entre as classes sociais no mercado

de trabalho que explicam a generalização da prisão comométodo de controle e disciplina das relações de produção

(fábrica) e de distribuição (mercado) da sociedade capita-

lista, com o objetivo de fort1)ar um novo tipo humano, a

 for ça de tra ba lho  necessária e adequada ao aparelho produtivo

(Melossi, 1978, p. 75).

Em outra perspectiva, a contribuição radical de Fou-

cault em S urveiller etpunir   (1975) foi esboçar uma teoria ma-terialista da ideologia da época capitalista, como disciplina

da força de trabalho (Melossi, 1979, p. 92-93) - na verdade,um resultado inesperado de um teórico idealista. O  obje-tivo de reconstruir a história do poder de punir através da

história da prisão subordina-se às seguintes coordenadas,segundo Foucault: a) os sistemas punitivos devem ser es-tudados em seus  ifeitos positivos,   que realizam uma funçãosocial complexa - e não em seus  ifeitos negativos  de sanção /

repre~são; b) a função social dos mecanismos punitivos nãoé explicável pelas regras do Direito, mas como técnicas es-

 pecíficas relacionadas aos processos de produção material:

a tecnologia punitiva, como "tática política dos castigos",

constituiria um "investimento do corpo" por relações de

 poder, cujas transformações estariam ligadas às mudanças

nas relações de produção (Foucault, 1977, p. 26-27).

Oconceito de sistema punitivo como fenômeno so-

cialligado aos sistemas de produção, nos quais realiza efei-

tos positivos,   é extraído expressamente das investigações de

Rusche e Kirchheimer sobre a relação sistema penal/ mercado

63

 A Criminologia Radical•.. _---_._------------_._-----_    . . _----------_ .... _---_    .... _-----_.-. _ _  ..  A Crilllil7olo..giaRLldical e" Poli/ic" do Con/role Sor/"I 

Page 39: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 39/76

de trabalho.   O mérito de Foucault é mostrar a mediação política

do sistema punitivo, como dominio das forças corporais

 para realizar   o!:?jetivoseconômicos específicos,  consistentes na ex-

tração de utilidade das forças dominadas, sob a fórmula de

 produção de «corpos dóceis e úteis". As práticas punitivas,

como relações de poder vinculadas às relações de produção,

representam um sistema de dominação para constituir um

 pod er    sobre o po der do cor po:   uma "anatomia politica" que

articula conhecimento e técnicas de controle para dominar 

as capacidades produtivas do corpo. O sistema penal re-

 presenta uma estratégia de poder, definida nas instituições

 jurídico-políticas do Estado, explicável como política das

classes dominantes para produção permanente de uma

"ideologia de submissão" em todos os vigiados, corrigidos

e utilizados na produção material. O pod er   político e o saber 

cientifico aparecem como fenômenos interligados: o poder  produz o saber adequado ao seu domínio (ideologia) e o

saber reproduz o poder que o produz, nas relações entre

classes e grupos sociais (Foucault, 1977, p. 27-31).

 No trabalho de Foucault, o estudo das transforma-

ções do poder de punir objetiva caracterizar a   disciplina

como modalidade específica de controle social do capi-

talismo, incorporada na estrutura panótica das relações

sociais e, desse modo, explicar a instituição carce;ária pela

necessidade de produção e reprodução de uma 'ilegalidade

fechada, separada e útil", que garante e reproduz as rela-

ções de poder e a estrutura de classes da sociedade. A falha

idealista do esquema de Foucault - que não invalida sua

contribuição teórica -, residiria na incapacidade de ligar o

conceito de disciplina   às necessidades materiais da  administração

64

e _

capitaliJta   do trabalho - a disciplina dos processos produ-

tivos no âmbito das relações de produção -, deixando,

assim, a   disciplina   como um princípio politico carente de

determinações históricas (Melossi, 1977, p. 75).

1.As Determinações Estruturais do

Controle Social

As investigações de Rusche e Kirchheimer contri-

 buíram para esclarecer as relações históricas do sistema

 punitivo, como fenômeno jurídico e politico superestrutural

correspondente à estrutura econômica da sociedade - ou

seja, ao conjunto das relações de produção -, na perspec-

tiva da tese fundamental de que "o modo de produção da

vida material condiciona o desenvolvimento da vida social,

 política e intelectual em geral" (Marx, 1973, p. 28).

 Na baixa Idade Média, a população dispersa em terras

desocupadas, com uma economia agrária de subsistência

auto-suficiente, em que todos produzem seus meios de

consumo, a criminalidade se limita a violências pessoais e

sexuais: o sistema penal de multas e penitências da ideolo-

gia religiosa, complementado pela vingança privada - na

verdade, o principal desestimulante do crime -, correspon-

de ao nível de desenvolvimento das relações sociais de

 produção. Na alta Idade Média, a economia agrária feudal

separa ricos (senhores feudais, clero etc.) e pobres (cam-

 poneses e artesãos), conhece os fenômenos das guerras

camponesas, dos bandos de desocupados sem meios de

65

 A   C,ilJlillolo.gia F."r/iml A Criminol'!?,i" R"dical (' {/ Política r/o COl7trole Social

. . . .• . ~. _. , . " . ._ .•__ • •_. " . .• __ .__ . __. _. •. , _.__ o. ,. ,• .. __ . ••. . _.__ ~__ ._". ,. __ _.__ , .

Page 40: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 40/76

subsistência e da criminalidade generalizada, em especial

 patrimonial: o sistema penal desse estágio de desenvol-

vimento das relações de prq.dução adota punições corporais

atrozes (descritas com riqueza de detalhes por Foucault) e

extingue as inúteis penas de multa, porque os condenados

não têm como pagar. No mercantilismo do século XVII, a

 produção manufatureira, baseada em funções especializa-

das, encontra escassa força de trabalho, em geral dizimada

 por pestes, guerras e punições, o que determina alterações

nas relações de mercado, com a elevação dos salários e do

ruvelde vida dos trabalhadores: a política do sistema penal,

 para ajustar-se às mudanças estruturais, adota o trabalho

forçado, extingue as penas corporais destruidoras da força

de trabalho e introduz a prisão como principal modalidade

 punitiva.

A revolução industrial do capitalismo no século

XVIII produz nova inversão na situação do mercado de

trabalho, porque a introdução da máquina reduz a necessi-

dade de mão-de-obra e produz o trabalhador abstrato - o

assalariadopermutável, disponível no mercado -, formando

um excedente de mão-de-obra em condições de absoluta

miserabilidade, mais tarde conhecido como   exército indus-

trial de reserva.   E a prisão, institucionalizada como principal

modalidade punitiva, perde seu caráter intimidante porqueas condições de vi~a na prisão são superiores às do limiar 

inferior do desemprego e, para ajustar-se às necessidades do

mercado, transforma-se em instrumento de terror: a prisão

aplica a tortura,   inventa o   confinamento solitário  e castiga com

o "trabalho inútil" - em condições de força de trabalho

66

excedente os custos de custódia são superiores ao valor 

 produzido pelo trabalho do preso e, por isso, o trabalho

forçado deixa de ser lucrativo (Rusche, 1977, p. 5-7).

O estudo da prisão como modalidade punitiva ba-

seada na privação de liberdade leva à discussão do conceito

 burguês de tempo,   como medida geral e abstrata do valor damercadoria, e à questão correlata da formalização prática

desse critério de valor na medida da pena de prisão, pro-

 porcional ao crime praticado. A relação entre prisã o   (troca

 jurídica do crime medida pelo tempo) e  mercadoria   (valor 

de uso dotado de valor de troca medido pelo tempo) foi

formulada originalmente por Pasukanis em 1924 - cujas

análises, aliás, não são referidas por Rusche e Kirchheimer 

-, demonstrando que o pressuposto histórico-concreto da

"predeterminação abstrata" da pena criminal em tempo

de privação de liberdade reside na redução das formas

concretas da riqueza social ao trabalho humano abstrato

- a medida geral do valor - e conclui que são fenômenos

da mesma época: o capitalismo industrial e a economia

 política de Ricardo, a declaração universal dos direitos do

homem e o sistema de penas de prisão, medidas pelo tempo

(pasukanis, 1972, p. 202-03);

Os capítulos finais de   Punishment and social structure

(escritos por K.irchheimer), sobre as mudanças na estrutura

social do capitalismo monopolista - por exemplo, o mo-vimento organizado da classe trabalhadora, a intervenção

do Estado nas relações econômicas, a concentração dos

capitais produtivo, comercial e financeiro etc. -, o declínio

das taxas de prisão (de 1890 a 1940) e a política dos subs-

titutivos penais, não parecem inteiramente satisfatórios

67

 ACrimilloloRia R£ldical e a Poli/ira do Controle Social---------------------------   -------~---------

-----_._-_. _ _  . _ _ ...  _-------   . . .- ,..... _---._-_   . . . . _---------._._------_._----------

 A Cril llill olo ..gia R£ld ical

Page 41: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 41/76

(Melossi, 1978,p.73-85). Mas é rigorosamente característico

das transformações superestruturais desse período histó-

rico o fenômeno da "fragmentação" do Direito, definido

em duas linhas principais: a) a substituição das leis gerais

e abstratas do capitalismo competitivo (as codificações)

 por regras administrativas e específicas do capitalismo

monopolista (a troca da "generalidade" pela "especifici-

dade"); b) a introdução do método judicial da "intuição"

- uma inovação politica do direito penal fascista, fundada

no "Volksgeist" e no "Führerprinzip" -, promovendo a

dependência administrativa do judiciário e o domínio do

 poder econômico sobre o sistema legal.O autoritarismo do

sistema penal fascista é um efeito particular da "racionali-

zação" inconstitucional que adequou as superestruturas de

controle às exigências do capital monopolista - na verdade,

"racional" para as classes dominantes, um "taylorismo"

de Estado, para "imediata eficácia da vontade do líder"

(Melossi, 1978, p. 78-79).

A predominância da  especificidade   sobre a generalidade

da forma legal, através de leis emergenciais, casuísticas e

aUtoritárias,é parte essencial do processo de unifi::ação dos

objetivos do capital monopolista com a política do Estado

fascista, para o domínio totalitário   do poder econômico

sobre as classes trabalhadoras - reduzidas à escravidão

social -, mediante um controle social terrorista: os cam-

 pos de concentração são a forma massificada da prisão e

o genocídio (judeus, negros, e outras "raças inferiores")   é

a forma coletiva do extermínio. A ditadura terrorista do

capital monopolista existe como repressão massificada da

força de trabalho social: pela disciplina, pela força e pelo

extermínio.

Projetos contemporâneos 0ankovic, 1977; Melossi e

Pavarini, 1977)procuram validar e ampliar a hipótese geral

de Rusche e Kirchheimer, esclarecendo a relação específica

entre sistema penal e estrutura social no capitalismo mo-

nopolista, destacando a prisão como um capítulo particular 

da história mais geral de produção e reprodução da classe

trabalhadora (Melossi, 1978, p. 81).

A produção de força de trabalho excedente não é

fenômeno novo no capitalismo: o desenvolvimento da

tecnologia, com aumento da produtividade e redução dos

custos de produção, altera a  composição orgânica   do capital,

como relação entre   capital constante   (meios de produção ou

elementos objetivos) e   capital variável   (força de trabalho

ou elemento subjetivo) do processo de produção (Marx,

1971, p. 234-35), eleva os níveis de valorização do capital

e produz excedentes de força de trabalho, em ciclos suces-

sivos reiterados (desenvolvimento de tecnologia, força de

trabalho excedente, acumulação do capital, reinversão do

capital acumulado em novas áreas, emprego de mão-de-

obra, novo desenvolvimento de tecnologia, nova força de

trabalho excedente etc.).

 Na teoria de Rusche e Kirchheimer, a permanente

 produção de força de trabalhb excedente não   é compatível

com a persistência da prisão no capitalismo monopolista,

 porque a força de trabalho não precisa ser obrigada a tra-

 balhar, nem preservada de destruição e, conseqüentemen-

68

69

 A Ctimin%gia Radiwl  A Criminolox,ia Ri/dical e a Política do Cont role S ocial

Page 42: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 42/76

te, a prisão, como principal modalidade punitiva, parece

"irracional" .

Fundado na teoria de correspondência da punição

com as relações produtivas do sistema sócio-econômico,

Ivan Jankovic (1977, p. 17-31) estuda a prisão, simultanea-

mente, como variável  dependente   e como variável independente

em relação ao mercado de trabalho, desenvolvendo duas

hipóteses implícitas na teoria original: a) existe relação inversa

entre condições do mercado e prisão: se as condições do

mercado deterioram, a prisão aumenta; se as condições do

mercado melhoram, a prisão diminui; b) existe   relação de

convergência  entre forma de punição e situação do mercado:

se a força de trabalho é insuficiente, a economia e a punição

a preservam; se a força de trabalho é abundante, a economia

e a punição a destroem Gankovic, 1977, p.19).

A primeira hipótese supõe co-variação direta entre

desemprego   e pr isã o:   o desemprego é a variável independente   (ín-

dice de situação na economia), determinando a freqüência

de encarceramentos e, portanto, a população da prisão,

enquanto a prisão   é  a  variável dependente   (índice de rigor pu-

nitivo). A expectativa   é de que situações de crise econômica

 produzem   maior desemprego,  donde   maior criminal idade  e, por 

conseqüência,   maior freqüência (e rigor) da prisão;  mas o projeto

refina a hipótese, controlando a variável intermediária   (maior criminalidade) para testar a relação direta   desemprego/prisão,

quebrando a relaçã.o abstrata   crimel punição:   supõe que a

 prisão pode aumentar (com redução de crimes) ou diminuir 

(com aumento de crimes), dependendo,   exclusivamente,   da

situação do mercado   a  ankovic, 1977, p. 20-21).

70

f\ segunda hipótese supõe co-variação inversa entre

 pri sâo .   (variável independente) e   desemprego   (variável de-

 pendente), para testar a   utilidade da prisão   no controle do

mercado de trabalho - hipótese utilitária, já enunciada, iro-

nicamente, por Marx (1980, p. 383). O objetivo da hipótese

é   estabelecer o efeito da política penal sobre a economia,independente da motivação pessoal dos juízes Gankovic,

1977, p. 21).

A amostra da pesquisa foi delimitada por índices

estatísticos nacionais (de 1926 a 1974) e locais (Sunshine,

de 1969 a 1976), nas dimensões de   nível de desemprego   e de

nível deprisões,   nos EUA. Os resultados da pesquisa confir-

maram a primeira hipótese: o crescimento do desemprego

determinou   crescimento do volume depresos   (e da freqüência das

 prisões), independente do  volume de cnmes -   com a refutação

complementar da tese da redução das penas de prisão no

capitalismo monopolista. A segunda hipótese, sobre a uti-

lidade da prisão no controle do mercado de trabalho, não

foi confirmada, nem excluída Gankovic, 1977, p. 21-22).

2. A   Ideologia do Controle Social.

A transformação da prisão   de   instituição marginal ao

sistema penal-   ad continendos hom ines) non ad puniendos,   ligada

a ilegalidades e abusos políticos, insuscetível de controle enociva  à  sociedade (custos elevados e ociosidade programa-

da)-   em  forma principal de castigo na sociedade capitalista,

estabelecendo o  tempo  como modulação do crime, em lugar 

do cadafalso do sistema medieval e do teatro punitivo do

 projeto da reforma penal, começa nos modelos clássicos

71

Page 43: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 43/76

/:1   Criminologia F..£/dical-_._--------~._----_  ... _---_._-------------~--   ..--_  ...  _------_._---_._-----_.-

 A Cri min olo gia Ro dic al e a Po lític a d o Co ntr ole So cia l---_  .. _-_._._._-~-.."-._---_._.- .. _- -_   . . . _-_  .. _--_._-_. _ _    ..... - - - _    . . .  _ -   --------------

Page 44: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 44/76

ma penal humanista de lvlontesquieu, Rousseau, Beccaria

etc. reproduz, em teoria do controle social, a ideologia da

nova classe hegemônica: exige respeito à humanidade do

criminoso, castigo sem suplício e coloca o homem como

"medida do poder", ou seja, como limite ao despotismo.

As transformações sócio-econômicas do capitalismorepercutem nas práticas ilegais: reduzem a criminalidade de

sangue, representada pelo "ataque aos corpos", e aumentam

a crinllnalidade patrimonial, constituída pela "ilegalidade

dos bens". A conseqüência é o desequiHbrio na economia

do poder punitivo, agravado pela multiplicidade de justiças

(dos senhores, do rei e do clero) e pelo poder excessivo: o

 poder da acusação, com todos os recursos contra a impo-

tência dos acusados; o poder dos juízes, livres para escolher 

a pena; e o poder do rei, capaz de substituir juízes e decisões.

A reforma humanista do Iluminismo objetiva mais eficá-

cia, maior regularidade e menores custos da política penal,

adequada às mudanças "de uma sociedade de apropriação

 jurídico-política para uma sociedade de apropriação dos

meios e produtos do trabalho" (Foucault, 1977, p. 80).

Com o desenvolvimento dos portos, armazéns, oficinas

de trabalho e de mercadorias a criminalidade patrimonial

torna-se intolerável para a burguesia: a eficácia do controle

requer    codificação   das infrações e   certeza   da punição.

 N a formação do capitalismo, a criminalidade é re-

estruturada a nível de prática criminal, de definição legal e

de repressão penal, pela posição de classe  do autor: a) as massas

 po pul are s,   especialmente   lumpens,   circunscritas à criminali-

dade patrimonial, são submetidas a tribunais ordinários e

74

castigos rigorosos; b) a  burguesia,   circulando nos espaços da

lei, permeados de silêncios, omissões e tolerâncias, move-se

no mundo protegido da "ilegalidade dos direitos", com-

 posto de fraudes, evasões fiscais, comércio irregular etc.

- na gênese histórica da futura criminalidade de "colarinho

 branco" -, com os privilégios de tribunais especiais, mul-

tas e transações que transformam essa criminalidade em

investimento lucrativo. Segundo Foucault, o sistema penal

é erigido para "gerir diferencialmente" a criminalidade

conforme a origem social do autor, mas sem suprimi-la.

A nova "tecnologia do poder" da sociedade capitalista

desloca o direito de punir, da vingança do soberano para a

"defesa social" - obviamente entendida como defesa das

condições materiais e ideológicas da sociedade capitalista

-, com base na teoria do contrato social, segundo a qual a

condição de membro do corpo social implica aceitação das

normas sociais, e a violação dessas normas, a aceitação da

 punição (Foucault, 1977, p. 69-76).

 Na concepção de Foucault, a reorganização da "eco-

nomia do castigo" e a generalização da função punitiva

assentam em duas variáveis: o  crime  como fato a estabelecer 

e o   criminoso   como indivíduo a conhecer, conforme critérios

científicos. A "tecnologia" do poder de punir compreende

algumas regras gerais: a) a regra da quantidade mínima)   funda-

da no princípio hedonista: se o crime, representado como

vantagem, explica o comportamento criminoso, então a

 pena, representada como desvantagem maior, produz a

renúncia ao crime; b) a regra da idealidade suficiente,   baseada

na identificação do   sifrimento   com a sua  representação:   a pen a

75

,

!

 A Cn"minologiaRadical e a Politica do Controle Social------------_._------------------------------

 _ . _ _   .. _-_. __ ._----_._-------------------

 A Criminologia Radiml

Page 45: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 45/76

é igual à   idéia da pena,   como temor de uma desvantagem

maior representada; c) a regra da   certeza peifeita,   em que a

 preponderância da  idéia da pena   em relação   à   idéia do cnme

depende da eficácia do sistema punitivo, subordinada à de-

finição dos crimes e das penas (codificação), à publicidade

das leis (conhecimento das proibições) e dos processos

criminais (conhecimento das razões da punição); d) a regra

da verdade comum   do modelo acusatório, demonstrada pelo

método científico: a verdade do crime é "verdade completa"

- e a presunção de inocência é a sua resultante; e) a regra

da especificidade ideal,  pela qual a individualização das penas,

como modulação   crime-punição,  regula-se pela personalidade

do agente e por partitularid'ades do fato (Foucault, 1977,

 p.76-93).

 No estudo de Foucault, a dinâmica da "representa-

ção" funciona como mecanismo de poder: a pena, como

"sinal transparente do crime", reduz a atração do crime; a

modulação temporal da pena (o tempo como "operador"

da pena), ajusta o castigo ao crime; enfim, a circulaçãp social

da pena influi sobre todos os "culpados potenciais". Em

síntes'.:',a publicidade da pena promove a aprendizagem

social,agindo como elemento de instrução capaz de inverter 

a narrativa popular do criminoso herói para o  criminoso inimigo

sociaL   A pesquisa de Foucault mostra como o projeto de

reforma idealiza a "cidade punitiva", um conjunto de teatrosde castigo nos jardins e praças, oficinas e encruzilhadas, com

 placas, cartazes e textos: a eloqüência "visível" da pena re-

 produz a lição do castigo na fala do povo, promovendo a

"recodificação individual" dos criminosos potenciais, além

de sua "requalificação pessoal" como sujeitos de direito

(Foucault, 1977, p. 94-102).

Entretanto, prevalece o   aparelho carcerán'o,   com suas

técnicas de coerçãoe seu poder exclusivo degestão da pena -   e

não o projeto da "cidade punitiva", com seus teatros de

castigo: não é a requalificação do indivíduo como "sujeitode direitos", mas a reconstituição do "sujeito obediente"

(àsordens, às regras,  à   autoridade) da instituição carcerária,

que se institucionaliza na moderna sociedade capitalista.

A transição da for ça do sob era no,   com a cerimônia do cas-

tigo e o inimigo vencido, não é para o   corpo social,   com a

representação e o sujeito requalificado, mas para o  aparelho

administrativo,   com a disciplina do corpo e a submissão total

do sistema carcerário (Foucault, 1977, p. 112-16).

 Na verdade, é a necessidade de  disciplina   da força detrabalho, sua formação e adequação aos processos produ-

tivos, promovida pela especificidade do pa nót ico ,   como dis-

 positivo de disciplina e princípio da nova política do poder,

que explica a evolução da prisão, de aparelho marginal ao

sistema penal para a posição de instituição central do controle

social na sociedade capitalista. Os fundamentos materialis-

tas da contribuição de Foucault, que apresenta a  disciplina

como ideologia do controle social, são desenvolvidos por 

Melossi (1979, p. 90-99), Melossi&Pavarini (1977, p. 67-

76), Lea (1979, p. 76-89) e outros teóricos radicais, com base

nas necessidàdes de  organizaçqo   dos processos produtivos e

de  controle  e   reprodução   da força de trabalho.

 Na teoria de Foucault, o pan óti co   é a base física do

 poder disciplinar, como sistema arquitetural constituído

76

77

 A Cril 7lin olo. gia Rad ical  A Cril J/in olo. gia &td ical e ( / P olít ica do Con trol e Soc ial

Page 46: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 46/76

de torre central (para controle visual) e anel periférico

(em condições de visibilidade e separação), que atua como

dispositivo do  poder disciplinar,   caracterizado pelo "funcio-

namento automático do pOder": a consciência de vigilância

gera a desnecessidade objetiva da vigilância, com efeitos

sobre o comportamento do preso, o trabalho do operário

- assim como sobre os movimentos de contra-poder (agi-

tações, revoltas etc.), a economia, a instrução, a ordenação

das multiplicidades humanas, a redução da força política e

o aumento da força útil da população controlada. Produto

da disciplina exigida pelas relações de produção econômica

e de reprodução política da sociedade, o panótico produz

efeitos negativos de exclusão e de repressão, mas especial-

mente efeitos positivos de fiscalização e de controle, com

o objetivo de formar corpos "dóceis e úteis", através da

vigilância,   da   sanção   e do   exame   (Foucault, 1977, p. 173-99).

A   vigilância   opera por dispositivos que obrigam pelo

olhar, com a completa visibilidade dos submetidos: nas

fábricas ou prisões, controla o processo de trabalho e o

comportamento dos homens, verifica o conhecimento, o

esforço etc., através de fiscais, fiscalizados por outros fiscais.

A   sanção   pressupõe uma ordem artificial (leis, programas

e regulamentos) com uma "micropenalidade" fundada no

tempo (atrasos, ausências etc.), na atividade (desatenção),

na maneira de ser (desobediência ou grosseria) e na sensua-

lidade (indecência), visando reduzir os   desvios   mediante um

sistema duplo: de punição (degradação) e de recompensa

(promoção).   O exame   conjuga técnicas de vigilância com

técnicas de sanção ~m um ritual de controle ou tecnolo-

78

gia de dominação, em que relações de poder constituem

um tipo de saber adequado   à   sua existência e reprodução

(Foucault, 1977, p. 153-71).

.A política desses procedimentos disciplinares se apóia

em táticas que dissociam a   utilidade do corpo   do  poder pessoal

que o dirige: a alienação da vontade individual é condiçãode produção do indivíduo "dócil e útil", como poder toma-

do para o poder e, assim, "normalizado". As táticas dessa

 política de dominação compreendem a   distribuição e controle

da atividade,   a   organização das gêneses   e a  composição das forças.

A  arte das distribuições   consiste no  quadriculamento,   com

cada indivíduo em seu lugar e em cada lugar um indivíduo,

e na   localizaçãofuncional,   mediante articulação das funções em

aparelhos coordenados, formando quadros vivos.  Ocontrole

da atividade   visa   à   construção de um "novo corpo", agora

 portador de "forças dirigidas", mediante a programação

temporal da atividade em ritmos estabelecidos (horário):

o objetivo é produzir a máxima adequação na correlação

gesto/ corpo e a maior eficácia nas articulações corpo-ob-

 jeto-máquina. A   organização das gêneses refere-se ao controle

útil do tempo, dividindo a atividade em seqüências de com-

 plexidade crescente, finalizadas com provas. A   composição

dasforças   é a articulação dos corpos em aparelhos eficientes,

obedientes a um sistema de comando, com ordens claras e breves (Foucault, 1977, p. 125-52).

Essa é a "tática da disciplina", segundo Foucault, a

técnica de construir aparelhos de eficácia ampliada, com

corpos localizados, atividades codificadas e aptidões for-

79

~ACriminologia £V/dical e a Politica do Controle Soáal------------------------------------   ..~,-_."-_.   -..

 A Crimil1olo.gia £V/dical--_._--_ .. _._----_._----_._----_.,._--------------

d i d b di d d

Page 47: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 47/76

 pelo livramento condicional, regimes prisionais, privilégios

 pessoais, a redução da pena nos sistemas de penas inde-

terminadas etc., pressupõe a autonomia carcerária, sob

controle (relativo) do juiz das execuções: os "direitos da

 prisão" representam um desdobramento do julgamento,

com o poder judiciário produzindo a retirada jurídica da

liberdade e o "poder penitenciário", indivíduos dóceis e

úteis (Foucault, 1977, p. 207-23).

A críticacientífica à ineficácia dos princípios da ideolo-

giapunitiva (correção, trabalho, educação penitenciária, mo-

dulação da pena, controle técnico da correção etc.) costuma

indicar que a prisão não reduz a crirnlnalidade, provoca a

reincidência, fabrica delinqüentes e favorece a organização

de criminosos. De fato, a história do projeto "técnico-cor-retivo" do sistema carcerário é a história simultânea de seu

fracasso: o "poder penitenciário" se caracteriza por uma

"eficácia invertida", através da produção da reincidência

criminàl, e pelo "isomorfismo reformista", com a repro-

 posição do mesmo projeto fracassado em cada constatação

histórica de seu fracasso (Foucault, 1977, p. 228-39).

Dois séculos de fracasso do aparelho penal, indicado

 pela manutenção da delinqüência, a indução da reincidência

e a transformação do infrator ocasional em delinqüente

habitual, coexistem com dois séculos de manutenção do

mesmo projeto fracassado. Neste ponto, a teoria de Fou-

cault reencontra as grandes linhas da Criminologia Radical,

 porque a explicação desse fenômeno está na distinção entre

3. Os Objetivos do Aparelho Penal

madas, agindo como a engrenagem subordinada de uma

máquina: a coerção permanente e o treinamento progressi-

vo produzem a doei/idade   e a tttilidade   das forças individuais.

A disciplina das forças, pela coerção individual e coletiva

dos corpos, é o reverso técnico do pacto social: constitui o

 poder disciplinar como "contra-direito", oposto à teoria do

contrato, que explica as relações de dominio/subordinação

da sociedade capitalista (Foucault, 1977, p. 194-99).

A função explícita da prisão é o exercício do poder de

 punir, quantificando o valor de troca do tempo individual, a

"forma salário" da privação de liberdade: o tempo, equiva-

lente geral de troca do crime, é "mercadoria" de proprieda-de geral (bem jurídico comum) e, portanto, critério "ideal"

de quantificação da peria. A prisão realiza, como aparelho

 jurídico, a "contabilidade econômico-moral" do condenado,

deduzindo a dívida do crime na moeda do tempo, e como

aparelho disciplinar, reproduz os mecanismos do corpo

social para a transformação coativa do condenado.

O método geral de coação física da prisão é comple-

tado pelas técnicas do isolamento, do trabalho e da modula-

ção da pena: o isolamento rompe as relações horizontais docondenado, substituídas por relações verticais de controle

e submissão total; o trabalho é mecanismo de disciplina

 para a produção de indivíduos adequados às condições

estruturais da sociedade capitalista; e a modulação da pena

80

81

 A Criminologia Radical  A Criminologia Radical e  (J  Politica do Controle 50áal

Page 48: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 48/76

oo/etivos ideológicos (aparentes) e o~jetivos reais  (ocultos) da pri-

são.Os objetivos ideológicos do aparelho penal se resumem

nas metas de repressão da crim./nalidadee   de controlei redução do

crime.  Os objetivos reais do aparelho penal consistem numa

dupla reprodução:   reprodução da aiminalidade   pelo recorte de

formas de criminalidade das classese grupos sociaisinferio-rizados (com exclusão da criminalidade das classese grupos

sociais dominantes) e reprodução das relações sociais,   porque a

repressão daquela criminalidade funciona como "tática de

submissão ao poder" empregada pelas classes dominantes.

Assim, a explicação da justiça penal não reside nos obje-

tivos aparentes, de repressão da criminalidade e controle

do crime, mas nos objetivos ocultos do sistema carcerário,

de reprodução da criminalidade e reprodução das relações

sociais, através do controle diferencial do crime.

 Na construção de Foucault, as práticas punitivas se

inserem em um contexto político: a lei funciona como

"instrumento de classe", produzida por uma classe para

ser aplicada contra outra, e o sistema de justiça criminal

atua como mecanismo de dominação de classe, pela gestão

diferencial da criminalidade. As práticas criminais e a admi-

nistração diferencial da criminalidade se articulam em um

quadro histórico de lutas sociais estruturadas no regime

de propriedade privada e de exploração legal do trabalho,

desde a multiplicação das máquinas e o desenvolvimento da

tecnologia, a redução dos salários e a aceleração do ritmo

de trabalho, até os movimentos pela limitação da jornada

de trabalho, melhoria das condições de trabalho, aumentos

82

salariais,direitos de organização, protestos contra a repres-

são policial etc. - ampliados com a expansão da produção

e a concentração do controle privado da economia, multi-

 plicando as oportunidades e as modalidades de crimes.

A "gestão diferencial" da criminalidade decorre de

uma "dissociação política" da criminalidade: o recorte

 jurídico das ilegalidades proibidas (tipicidade) produz a

delinqüência convencional- e o delinqüente comum, como

sujeito "patologizado" -, abrindo espaço para as ilegalida-

des permitidas do poder econômico e político, excluídas

da estratégia de controle social. Essa perspectiva inverte a

avaliação do resultado histórico da prisão: o aparente fra-

casso do projeto "técnico-co~retivo" da prisão é a própria

história de um êxito político real, como aparelho de poder 

que garante e reproduz as relações sociais (Foucault, 1975, p.241-44).

A prisão constitui a delinqüência como "ilegalidade

fechada, separada e útil", reprodl.lzidaern um "circuito de

delinqüência" em que a reincidência aparece como efeito

da gerência das ilegalidades: a prisão produz e reproduz os

fenômenos que, segundo o discurso ideológico, objetiva

controlar ou reduzir. A constituição e reciclagem de uma

massa criminalizada   apresenta várias utilidades: controla a

 população não-criminalizada - a forçade trabalho integrada

nos processos produtivos; funciona como   camuflagem   da

ilegalidade dos grupos dominantes; concentra a ilegali-

dade das classes dominadas em áreas sem conseqüências

econômicas, como o lumpenproletariadoe desempregados

crônicos; possibilita controle social mais geral, pela infil-

83

 A Criminologia &,dical------------------------   -------------

t ã i ã d d l ã tit i ã

 A Criminologia &idical e ti Política do COl/lroll'Soá(/I 

Page 49: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 49/76

tração em grupos, a organização da delação, a constituição

de uma massa-de-manobra do poder, a policia clandestina

etc.; finalmente, atua como centro controlador, porque a

delinqüência é, ao mesmo tempo,   '!feito do sistema   e   instru-

mento de controle social.-a policia fornece infratores, a prisão

reproduz a delinqüência e a massa criminalizada (objeto

de controle) atua como instrumento auxiliar de controlesocial (Foucault, 1975, p. 244-77).

O objetivo real mais geral do sistema de justiça

criminal - além da aparência ideológica e da consciência

honesta de seus agentes - é a moralização da classe traba-

lhadora, através da inculcação de uma "legalidade de base":

o aprendizado das regras da propriedade, a disciplina no

trabalho produtivo, a estabilidade no emprego, na família

etc. A utilidade complementar da constituição de uma

"criminalidade de repressão", localizada nas camadas opri~midas da sociedade e objeto de reprodução ins~tucional,

é   camuflar a criminalidade dos opressores, de abuso do

 poder politico e econômico, com a tolerância das leis, a

indulgência dos tribunaise a discriçãoda imprensa (Foucault,1975, p. 251-53).

A "rede de instituições carcerárias" da sociedade

moderna forma, na representação de Foucault, um 'arqui-

 pélago carcerário", com seus profissionais do controle _ os

"ortopedistas do indivíduo" -, que recruta o delinqüente

dos setores marginalizados da sociedade e o incorpora nos

 processos de criminogênese institucional: a fabricação do

criminoso ocorre dentro da lei,em instituições de menores,

cadeias,prisões e colônias penitenciárias, por inserções mais

rigorosas, vigilânciasmais insistentes e acúmulo de coerções

84

disciplinares da "sociedade panótica" - e não nas margens

extel;ores da sociedade, que marca o criminoso como "[ora-

da-lei". Nas "cidades carcerárias" do capitalismo moderno,

a prisão é o dispositivo central da estratégia do poder social,

enquanto a rede de controles do arquipélago carcerário

é a forma politica do poder, cujas relações de saber sãoconstituídas para dominar (ou "docificar") e explorar (ou

"utilizar") a força de trabalho (o "corpo") nos processos

 produtivos do capitalismo (Foucault, 1975, p. 257-65).

Finalmente, o idealismo de Foucault aparece na ques-

tão das alternativas de restrição, modificação ou abolição

da prisão - e por extensão, do controle social centrado

na prisão: indiferente   à   natureza punitiva ou corretiva da

 prisão, ou ao exercício do controle por juízes, psiquiatras

ou administradores, limita-se a constatar a necessidade de"constituir algo diferente", sem indicar uma estratégia ou

táticas de luta viáveis, apesar de reconhecer que a politica

do poder é decidida no "ronco surdo da batalha" (Foucault,

1975, p. 268-69).

A Criminologia Radical deve incorporar as signi-

ficativas contribuições de Foucault sobre a ideologia do

controle social e completar seu quadro científico com as

teorias materialistas sobre a forma legal do controle social

nas sociedades capitalistas, concluindo com um programade politica criminal alternativa.

"

85

Page 50: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 50/76

v .  A CRIMINOLOGIA RADICAL

EAFORMA LEGAL DO

CONTROLE SOCIAL

A distinção entre objetivos   ideológicos  e objetivos   reais

do sistema punitivo é aquisição da teoria radical anterior 

sobre Direito e crime: em 1924, Pasukanis define a ideologia

 penal da "proteção da sociedade" como "alegoria jurídica"

que, na verdade, significa proteção das condições funda-

mentais da "sociedade de produtores de mercadorias". A

"alegoria jurídica" da proteção geral corresponde aos  oijeti-

vos ideológicos  do aparelho punitivo, que escondem os objetivos

reais   de proteção de privilégios fundados na propriedade

 privada dos meios de produção, de luta contra as classes

exploradas e oprimidas - os assalariados, na sociedade ca-

 pitalista -, de garantia do dorrúnio de classe pela repressão

 política legitimada sob a aparência de "correção pessoal"

(pasukanis, 1972, p. 185 e ss.).

A definição da pena como "forma salário" da priva-

ção de liberdade, baseada no "valor de troca" do tempo,

formulada por Foucault - e, antes dele, por Rusche e Kir-

chheimer -, aparece ainda mais claramente em Pasukanis,

ao indicar a "medida de tempo" como critério comum para

determinar o   valor do trabalho   na economia e a pr iva çã o de

liberdade   no Direito (1972, p. 202). A forma de equivalente

87

 A CrillJil7%oic, rZ£ldica/ • . .'-)   ---------------------- -----~----------- ---

penal ou seja da pena como retribuição proporcional do

 A   CrillJil7o/(~gia &,diccrl   f a Forma   Lt;ga/  do CrJl7!ro/c Soti , , /  

Page 51: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 51/76

 penal, ou seja, da pena como retribuição proporcional do

crime, está ligada ao critério geral de medida do valor da

mercadoria, determinado pela quantidade de trabalho social

necessário para sua produção: o "tempo médio" de dispên-

dio de energia produtiva (Marx, 1971, p. 79 e ss.). Esse cri-

tério geral de medida, adequado objetivamente às relações

 privadas entre proprietários de mercadorias na sociedadecapitalista, é aplicado em outras áreas das relações sociais,

medidas como troca de mercadorias: no direito criminal,

lesões de valores individuais ou sociais são medidas como

violações da propriedade (Fine, 1979, p. 45).

 N o trabalho de Pasukanis, essas questões são es-

tudadas no contexto da transição histórica do "sujeito

zoológico" - luta pela existência protegida pela respon-

sabilidade coletiva do ge n   ou da família, que responde por 

atos dos membros, com a ofensa determinando a vingançade sangue, que produz a vingança da vingança de sangue

etc. - para o "sujeito jurídico" da reparação equivalente:

a troca "igual" exclui a vingança de sangue, primeiro pelo

talião, mais tarde pela composição (reparação em dinheiro)

e, finalmente, pela pena proporcional ou equivalente ao

crime,  medida pelo tempo) o critério geral de medida do valor.

A origem da transição é identificada na form a mer can tzi   de

mediação das relações sociais: o fato do   crime se configura

como modalidade de circulação social e a instituição jurídica

da pen a   como   ((equivalentegera!"   de troca do crime - assim

como o dinheiro, equivalente geral de troca de mercado-

rias -, proporcionável em tempo com a mesma justeza da

divisibilidade da moeda (pasukanis, 1972, p. 107-39 e 183

e ss).

88

Mas as contribuições mais significativas de Pasukanis

sobre a ideologia do controle social estão na área da teoria

geral do Direito: define categorias e linhas de pesquisa que

absorvem, atualmente, o mais criativo esforço de teóricos

radicais para construir uma   teoria materialista  do Direito. Nes-

te ponto é útil lembrar que Marx, cuja teoria é fundamental para compreender a natureza de formas superestruturais

como o Direito e o Estado, não tomou as formas jurídicas

e políticas como objeto específico de estudo, que aparecem

dispersas no conjunto da obra, sem constituir uma teoria

do Direito ou do Estado. Razões históricas e metodológicas

contribuíram para isso: os problemas políticos do tempo

de Marx eram abordados em forma filosófica, as institui-

ções jurídicas e políticas do Estado explicavam-se "por si

mesmas", ou pelo "desenvolvimento da idéia" (Marx, 1973,

 p. 28) e, por isso, a crítica à economia política, desenvol-

vida em O  Capital   e outros trabalhos, colocava-se como

 pressuposto do estudo posterior das formas jurídicas e

 políticas do Estado. Por exemplo, o conceito de mais-valia,

descoberto na crítica à economia política, caracteriza o

capitalismo como  modo deprodução de classes e fundamenta o

desenvolvimento de uma ciência social sobre a divisão da

sociedade em classes antagônicas, estruturadas na unida-

de contraditória do modo de produção: a  base matm.al   (ou

infra-estrutura),   constituída pelo conjunto das relações de

 produção, e a superestruttlra   (cu sútema ideol~gico), constituída

especialmente pelas formas jurídicas e políticas do Estado,

são fundamentos gnosiológicos que permitem definir os

conceitos de pod er polí tico ,   de   dominação social,   de   exploração

89

 /1. Crilllinologia &dical _ . _ _   . _ _    .~.. _._-----_._._------_._---_._-------------------_    .... _.-

d d l i ó i

 A Crilllinolo.gialZLidicale " Forma L~f!,aldo Conlrole Soâül

classificadas emjó77JJalistas e sociológicas(Fine 1979 p 34 37)

Page 52: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 52/76

econômica, de opressão de classe e outros, em perspectivas teórica

e prática radicalmente novas (Bourjol et alii)   1978,p. 13-17;

Lyra Filho, 1980 a, p. 13 e ss.).\

A crítica marxista do Direito, em que estão empenha-

dos teóricos radicais para elaborar uma teoria materialista da

forma jurídicade disciplina das relações sociais, é necessária para explicar, entre outras coisas:

a) por que, em certas condições históricas, a disciplina

das relações sociais reveste for ma jur ídic a? -   uma questão

 básica da moderna teoria geral do Direito;

 b) por que o   sistema de controle social,   cuja instituição

central é a pri são -   e agentes principais são a pol ícia   e a jus tiça

criminal-,   esconde os  oqjetivos reais  de repressão política das

classes dominadas, sob a aparência ideológica de proteção

geral, correção pessoal, prevenção e repressão de crimes?

 Na verdade, a "gestão diferencial" da criminalidade, que

 promove o recorte jurídico e a repressão concreta de uma

"ilegalidade fechada, separada e útil", inculca uma "legali-

dade de base" nas classes trabalhadoras e, assim, assegura

as condições materiais e político-jurídicas da sociedade

capitalista, permitindo ou tolerando a criminalidade eco-

nômica e política das classes dominantes.

Esse é o terreno de edificação da Criminologia Ra-

dical: o presente trabalho se dirige para essas questões,

com   O   propósito de indicar as bases e as linhas gerais da

Criminologia Radical, sem pretender resolver ou esgotar a

 problemática implicada no tema.

Assim, em um esquema sumário sobre a relação

 for ma l con teú do   do Direito, as teorias jurídicas podem ser 

90

classificadas emjó77JJalistas   e sociológicas(Fine, 1979,p. 34-37).

As teorias for ma list as   privilegiam a forma legal da norma

 jurídica: definem o Direito como expressão/condição de

qualquer ordem social e, portanto, a for ma jur ídi ca   como

categoria supra-histórica, independente do   conteúdo   dessa

forma jurídica (dogmatismo). O mais autorizado repre-

sentante dessa posição é Durkbeim (1964), que concebelei  e pun içã o   como expressões da "consciência coletiva" da

sociedade - ou pré-requisitos funcionais da ordem social:

o Dirç:ito é idealizado como "poder público" da sociedade

e o crime representa violação da  consciênciacoletiva, associada

ao egoísmo e   à   anomia,   como ausência de controle social

normativo. Ao contrário, as teorias sociológicasdirigemo foco

 para o   conteúdo   do Direito: um conceito não-contraditório

de lei permite definir o Direito como "instrumento" da

classe dominante, racionalmente ajustado   à   produção e

reprodução das relações sociais, em qualquer tipo de so-

ciedade e, assim, ignorar os problemas da forma legal, em

um dogmatismo invertido. As teorias sociológicas sobre o

conteúdo  da lei negligenciam a origem social da forma legal,

os limites formais ao desenvolvimento do conteúdo e a lei

como forma concreta e historicamente específica de poder 

 político: na base dessas teorias encontra-se a mesma atitude

conservadora, que idealizaa lei como forma supra-histórica

e "fetichizada" do Direito, simultaneamente   instrumento   de

dominação e   conteúdo   do poder, independente do   tipo   dedominação e da for ma   do poder.

Por outro lado, do ponto de vista da relação entre

 for ma jur ídi ca   e  estrutura social é  possível distinguir as teorias

da  autonomia   (absoluta e relativa) e da  dependência  da forma

91

 A C,il JJin o!oz ia &,di cal e {/ F orm a 42,a l do CO I7/r ole Soc ial--._----. . . _-------------~---_    ..  _-----_._   .. _-----~.. _-----------------~.--.-

•• •• ••• ••• • _' _. _, • • , -~, -_. _- -- - w. •• • •• • . _. _. __ • __ . , ••• •• , -- -- -. -- • ••• •••   _ . H , . . _ _ _ . .

 A C,il Jlin oloJ zja &,di CC lI 

legal (picciotto, 1979, 166-70). As teorias da autonomia abso-classe sobre outra: as classes economicamente dominantes

Page 53: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 53/76

luta  da forma jurídica se fundamentam na separação entre a

ordem jurídico-política da igualdade e da liberdade, por um

lado, e a estrutura econômica da sociedade, por outro, como

ocorre com a Sociologia do Direito, que separa relações

sociais (ordem jurídico-política) e relações de produção

(relação homens/ natureza, através da tecnologia), como fazR. M. Unger (1976), por exemplo. As teorias da autonomia

relativa   da forma jurídica concebem as  relações de produção

como simples   relações técnicas,  determinantes somente "em

última instância" da forma jurídica: as  relarões de distribuição

constituem e reproduzem a   sociedade civil   (esfera entre o

"econômico" e o "Estado") e as  relações legais,  abstração

externa   às relações de produção - segundo a teoria  regional

do Estado do marxismo estruturalista de Poulantzas (1978).

Enfim, a teoria da  dependência   da forma legal define a lei

como "instrumento de classe" (ligada, em geral, à origem

social do legislador, do juiz etc.) ou como "mera máscara"

do poder de classe: ignora as contradições da forma legal

como fenômeno social capaz de portar conteúdos con-

trátios aos interesses das classes dominantes - e, assim,

exclui táticas políticas centradas na questão legal, além

de confundir formas distintas do poder burguês, como a

democracia liberal e o fascismo.

 N a teoria de Marx e Engels, a perspectiva da revo-

lução soci~listadefine a questão do poder  político  e legal comouma questão de mudança da for ma   e do   conteúdo  do poder 

social.O Estado, produto do antagonismo irreconciliável de

classes,representa uma força especial de repressão, ou a or-

ganização sistemática da violência, para a opressão de uma

classe sobre outra: as classes economicamente dominantes

utilizam o poder concentrado dos aparelhos coercitivos do

Estado (polícia, prisão e forças armadas) para garantir a

dominação política e a exploração econômica das classes

dominadas e, portanto, para controlar os antagonismos de

classe nos limites da ordem social burguesa (Lênin, 1975,

 p.300-5).

O projeto político geral que informa a teoria marxista

afirma a impossibilidade de sobrevivência da for ma   do po-

der burguês, expressa no sistema legal e nos aparelhos do

Estado, no período histórico de construção do socialismo,

caracterizado por um   conteúdo   expressivo do poder prole-

tário - como a experiência da Comuna de Paris indicara

e a história posterior parece confirmar. Por essa razão, a

revolução socialista coloca como objetivos imediatos des-

truir os aparelhos de poder   burocrático-militare parlamentar    doEstado burguês (Marx, "Carta a Kugelman" de 12.04.1871)

e socializar os meios de produção, centralizados no Estado

do proletariado organizado, em seu primeiro ato como

representante de toda a sociedade e último ato como po-

der independente dela (Marx, 1977; Engels, 1974; Lênin,

1975). Os   oijetivos mediatos   da segunda fase da revolução

socialista seriam a superação do Estado político e da de-

mocracia formal da burguesia, pelo desenvolvimento da

sociedade comunista, caracterizada pela plena expansão

das forças produtivas, o desaparecimento da divisão social

do trabalho (convertido em primeira necessidade vital - e

não um simples meio de vida) e a criação de um direito

novo, regido pelo princípio jurídico "de cada um segundo

sua capacidade, a cada um segundo suas necessidades",

92

93

 A CriJJ?il1olo,~úlF\.adtml

i t it li it d i ld d j ídi b

 A   Crtmttlolo,gta   10f{/ir{{1 e (./Forma Legal do Controle Social

ã é " á " "il ã id ló i " d t

Page 54: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 54/76

.',

.',

romperia os estreitos limites da.igualdade jurídica burguesa

(Marx, 1975, p. 277-43; Lênin, 1975, p. 372). A superação

da JO rma   do poder burguês ocorreria em um processo de

transição   de uma forma de 'poder alienado da sociedade para

uma forma de poder exercido diretamente pelo povo - ou

seja,   de   um poder baseado em burocratas, forças armadas,

 polícia profissional, judiciário independente e debates

 parlamentares da democracia liberal  para   um poder no

qual o povo (armado) é o poder repressivo geral, todos os

funcionários são eleitos, demissíveis a qualquer momento e

com salário igual ao dos trabalhadores da produção material

(Fine, 1979, p. 37-38).

 Na análise da relação entre   conteúdo eforma   do Direi-

to (1975, p. 232 e ss.), Marx demonstra que o   conteúdo   do

Direito é   desigual   (como todo direito), porque   Direito igual

supõe  homens iguais,  mas em face de  homens desiguai~ somenteum Direito   desigual  seria Direito   iguaL' a forma   igual   significa,

de fato, direito   desigual  para trabalho (duração e intensida-

de) e homens (capacidades e necessidades)   desiguais,   que

somente podem ser   iguais   com um   direito desigual.   A for ma

igual   do Direito nas sociedades de produção de mercado-

rias   é   inseparável de seu   conteúdo desigual.-  regula relações

entre   stijeitos desiguais.   Essa é a forma de sobrevivência do

Direito na fase de transição socialista, em que a distribuição

se fundamenta (ainda) no princípio de troca  da produção de

mercadorias: cada indivíduo recebe o equivalente do que

 produz, menos os custos de reprodução.

A explicação da for ma igu al   do Direito pela produção

de mercadorias indica que a forma jurídica possui uma base

social objetiva, como medida geral da troca de equivalentes:

94

não é  "mera máscara" ou "ilusão ideológica", mas produto e

disciplina das relações sociais, o que significa que a extinção

das formas jurídicas e políticas superestruturais pressupõe

o desaparecimento das relações objetivas da produção

de mercadorias, origem e produto da forma legal. Mas a

forma jurídica de disciplina social do capitalismo - uma

sociedade fundada na troca geral de mercadorias, em que

a JO rça de tra ba lho ,   como mercadoria fundamental, somen-

te   é   trocada sob condição de produzir    mais-valia,   ou seja,

valor superior ao seu preço de mercado - não é idêntica   à

forma jurídica de disciplina social do socialismo, em que as

únicàs mercadorias trocadas são  trabalho   e meios de consumo,

sem acréscimo ou decréscimo de  mais-valia   (Fine, 1979, p.

39-40   e  44) .

A base social  o!?jetiva do Direito é o fundamento his-

tórico das lutas políticas da classe trabalhadora, que o tomacomo objeto de reivindicações específicas sobre duração,

intensidade e remuneração do trabalho, defesa de direitos

adquiridos (reunião, associação, liberdade de imprensa etc.),

garantias legais constitucionais, processuais ou outras. O

método adequado de estudo do fenômeno jurídico deve

compreender a for ma leg al -   do mesmo modo que a forma

"mercadoria" - como "relação social objetiva", esclarecen-

do de que modo a norma (forma legal) se realiza na vida

social (conteúdo da lei). Desse ponto de vista, os funda-

mentos objetivos do Direito como disciplina das relaçõessociais são esclarecidos pela análise da origem histórica da

forma jurídica.

Definindo os conceitos fundamentais da teoria do

Direito em categorias como relação jurídica, norma jurí-

95

 A Criminologia Radica/ c a Forma   L(!!,a/  do Contro/e Socia/ -_._-_._--_  .. _--- ,-~- -_.~ -_ .... _ - _   .... _.~  .. _-,._--------_   .... _-----._---_  .. . _--  '-"--

 A Crillli17%,giaRLldira/ 

dica e sujeito jurídico, os mais abstratos (independência delegal) como "medida de proporção" da troca nas relações

Page 55: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 55/76

conteúdos concretos) e os mais simples (aplicáveis a todo o

Direito), Pasukanis (1972, p. 25 e ss.) destaca a relaçãojurídica

como a "célula do tecido jurídico" - ao contrário da teoria

 jurídica tradicional que rupo.stasia a norma jurídica,   definindo

o Direito como "conjunto de normas" válidas. Admitindo

que as normas jurídicas   valem   pelo significado concreto dedisciplina das relações sociais, conclui que a teoria jurídica

deveria privilegiar a "eficácia prática" do Direito: as   rela-

çõesjurídicas   ligam   stljeitos de direito,   existentes como átomos

isolados, realizando   normas jurídicas   como  medidas de troca  ou

equação de relações (pasukanis, 1972, p. 75 e ss.). A eficácia do

Direito aparece como "cadeia de relações jurídica's" entre

sujeitos isolados, formando um "encadeamento de preten-

sões recíprocas" representadas em mercadorias, trocadas

na proporção ou medida da norma jurídica, na "unidade

do momento jurídico-econômico" (Bourjol   et alii) 1978,p .   13-17).

Se o Direito - assim como o capital - deve ser 

compreendido como relação social, a questão consiste em

descobrir por que, nas condições históricas da sociedade

capitalista, as relações sociais assumem forma jurídica,

ocorrendo a circulação (troca) de mercadorias (coisas) entre

 proprietários (sujeitos) em determinada medida (norma)

(pasukanis, 1972, p. 59-74). Como as relações sociais, para

serem   relaçõesjuridicas,   devem ser relações entre proprietá-rios de mercadorias trocadas na medida da norma, o St!J'eito

 jur ídi co   seria a base explicativa   daformajurídica,   e o Direito,

como disciplina das relações sociais, seria a medida geral

de circulação social. Considerando a norma jurídica (forma

legal) como medida de proporção da troca nas relações

 jurídicas entre sujeitos/proprietários, o conjunto de nor-

mas do Direito é a medida geral de circulação social, que

realiza a comunicação entre sujeitos jurídicos "dissociados":

a unidade dos momentos jurídico e econômico existe

como "comunicação" econômica (troca de mercadorias)

e jurídica (relação contratual) simultânea (pasukanis, 1972, p. 141-62).

O sujeito jurídico - e não a relação jurídica ou a

norma jurídica - é a categoria explicativa da forma jurídica

como disciplina das relações sociais: a explicação da forma _ 

 jurídica vincula-se às condições rustóricas de aparecimento

do sujeito jurídico como "proprietário de mercadorias",

ou seja, as condições de formação da sociedade capitalista.

 Nessa formação social, a for ma su! ?je tiva   do Direito, con-

sistente na apropriação privada de mercadorias, outroradependente do poder "pessoal" de proteção dos bens;   é

garantida pela for ma o!? jet iva do Direito, definida pela ordem

 jurídica do Estado, o poder da organização social de classe

que substituiu a violência pessoal do sujeito "zoológico": a

 proteção jurídica da apropriação privada de mercadorias é

explicada pela necessidade de circulação social, que trans-

forma o sujeito zoológico em sujeito jurídico e substitui

o indivíduo armado pelos tribunais, na luta (litígio) pela

apropriação (pasukanis, 1972, p. 107-39).

Mas a categoria   stg'eitojurídico)   base da for ma jur ídic a,

não é compreensível independente   daforma mercadoria)   que

explica não só o-sujeito jurídico como   propn"e!án-o de merca-

dorias,   mas a forma jurídica como   medida de troca  e a relação

 jurídica como   cadeia de stg'eitos com pretensões materiais, ou

96

97

 A CtilJ Jinol o~~ia&/{Ii cal

relação social objetiva 1\ forma mercadoria valor de uso

 A Criminologia Iv/{Iiwl e a Forma Lçgal do Controle Soú al

diadas e reproduzidas por relações legais, ou por relações

Page 56: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 56/76

relação social objetiva.   1\   forma mercadoria, valor de uso

com "valor de troca" medido pelo tempo (a quantidade detrabalho social necessário para sua produção) realiza, no

mercado social, a comunid.ção entre sujeitos proprietários

iguais   (mesma medida de troca) e   livres   (podem dispor de

suapropriedade): a troca  equivalente   é o critério de "medida"

 provido pela norma jurídica, enquanto a forma sujeito jurí-dico é a categoria intermediária entre a forma mercadoria

e a forma jurídica. Todavia, a base histórica explicativa da

forma jurídica só aparece quando o   SI !Jeitojurídico   se fundecom a for ma me rca don .a -   a categoria elementar da socieda-

de capitalista -, constituindo a for ça de tra bal ho   da relação

capital/ trabalho assalariado:  consumida por seu valor de troca(salário)nos processos capitalistas de produção de mais-valia,

a for ça de tra ba lho   determina o valor de todas as mercadorias

e funciona como medida social geral de valor.

 No âmbito da teoria do Direito, a contribuição de Pa-

sukanis foi definir a categoria stijeitojurídico   como fundamen-

to da for ma jur ídi ca   e relacionar Direito e circulação. A teoriamarxista posterior retoma a categoria sujeito jurídico, mas

desloca a explicação do Direito   das  relações de circulação

- que são as relações sociais sob forma de relações jurídicas

- para   as relações de produção, que constituem o Direito ese reproduzem pelo Direito - e pela circulação (Fine, 1979,

 p. 42 e ss.). O Direito, como "medida jurídica" da circulação

social, é o reverso da relação de troca, ou a forma social

da circulação de mercadorias, na unidade dos momentos

econômico e jurídico das relações sociais objetivas: Direitoe circulação constituem fenômenos idênticos, explicáveis

 pelos mesmos vínculos com as relações de produção - rne-

98

p p ç g , p ç

de circulação (Bourjol  et alii,  1978, p. 21-29).

As relações de circulação social - ou seja, relaçõeslegais -, como mediação da troca de equivalentes, não são

"explicáveis por si mesmas", mas pelas relações de produ-ção, em que o capital produz mercadorias (valores de uso

dotados de valor de troca) e se reproduz de forma ampliada pela apropriação de  mais-valia,   consumindo a força de tra-

 balho, que produz a   mais-valia   como excedente salarial. Omodo de produção da vida material, unidade contraditóriadeforças produtivas-   constituídas de sujeitos e de tecnologia

- ede  relaçõesdeprodução  entre as classes sociais,é a categoriahistÓ'ricaexplicativa geral que permite compreender comoa forma jurídica das relações de circulação, ao ligar sujeitos

livres  e mercadorias   iguais,  escamoteia as relações de clas-

ses na forma "sujeito" e oculta a exploração de classe e adesigualdade social na forma "livre" e "igual" do contrato

(Bourjol  et alii,  1978, p. 21-29).

A acumulação do capital ocorre no processo de pro-dução, estruturado pelas relações de produção, mas sob a

mediação do Direito, como  lei do modo deprodução,  que coloca

o trabalhador "livre" na esfera de circulação (mercado),onde ocorre a troca de "equivalentes", ou seja, de salário

 por força de trabalho, entre sujeitos livrese iguais.O Direito

- ou a circulação - é intermediário necessário da produção

capitalista,   no qual   nada ocorre, mas pel o qua l   tudo ocorre:a ideologia jurídica da pro teç ão ge ral  de sujeitos  livres  e iguais,

vigente na esfera do Direito-circulação-mercado, oculta a

desigualdade  das relações coletivas de produção (relações declasses), a coação das relações econômicas sobre o trabalha-

99

- - -

 A Cn"J illol ogia Rodi cal--~------ -----------._------   ---   -   --  -   -------~--~

dor e a explorarão   do trabalho pela apropriação de  mais-valia,

t b U10 ã d E l ã t " i

 A Crillli17olo,~iaRodical e   {f   Forma Lr;!j,a/do Controle Social

de emprego é o   contra/o de trabalho   (relações de circulação),

Page 57: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 57/76

como trabaU10não-remunerado. Essa relação entre   apare"ncia

(liberdade e igualdade da esfera do Direito-circulação) e

realidade   (coação e exploração das relações de produção)

explica as funções de   mistificação   (ou de representação

ilusória) e de   reprodução   das relações sociais realizada pela

ideologia: a aparência   de igualdade e de liberdade do Direi-

to-circulação reproduz a   realidade   da coação e exploração

das relações de produção, que produzem aquela aparência

(Bourjol   et ali~   1978,   p. 28).

O Direito, em forma legal e centralizada, realiza o

 processo ideológico de   reprodução   das relações de produ-

ção e de  m istificação   das relações sociais, porque redefine as

relações políticas, legitima o poder de classe e promove a

união abstrata de contradições sociais concretas (Bourjol

et ali~   p.  17-21).   Assim, a mediação do Direito-circulação

no processo total do capital existe como "ação de recobri-

mento", impondo as relações de produção e disciplinando a

sua reprodução: o Direito, como lei do modo de produção,

reproduz as condições de produção pela imposição das

relações de produção e do tipo de dominação política - a

democracia liberal- necessária à   reprodução dessas relações

(Bourjol  et aliz~ 1978,   p. 30-32).

Observando o método de Marx, que liga a análise

da forma mercadoria e da fórmula geral do capital (D-

M-D) aos seus conteúdos, ou seja, à   força de trabalho e  à produção / reprodução do capital, Picciotto   (1979,   p.   170)

descobre na   relação de emprego  um "microcosmo" das rela-

ções sociais: o conteúdo da relação de emprego é o  trabalho

assalan'ado   (relações de produção), mas a forma da relação

100

explicando a natureza da relação de emprego (conteúdo e

forma) pelas condições materiais da vida social (capitalismo)

e pela lei (formalização de uma ordem social de dominação).

O método marxista, como indica Pasukanis, "considera as

formas da vida social (e as condições materiais produtoras

das categorias formais) como produtos históricos" - por 

exemplo, o Direito como a forma social do capitalismo, so-

ciedade de produção de mercadorias. Desse ponto de vista,

as formas da vida humana são explicadas por sua natureza

de classe: a troca de mercadorias (mediação das relações

sociais) oculta uma relação de classes (fetichismo da mer-

cadoria); o lucro legal esconde a apropriação de produto

excedente (trabalho não remunerado); a igualdade de troca

e a liberdade de contrato existem como "modalidade feti-

chizadas" (aparência) da produção de  mais-valia   (realidade)

(picciotto,   1979,   p.  168-70).   A base dessa fetichização da

realidade (aparência ilusória) é a separação entre as relações

de produção (estrutura econômica) e as formas jurídicas

e políticas da formação social (superestrutura ideológica),

autonomizando o Direito e o Estado, como fazem as

teorias idealistas.

A origem histórica das formas jurídicas e políticas

do Estado moderno situa-se no período da "acumulação

 primitiva" do capital mercantil (exploração não-capitalis-

ta), com as relações sociais ainda dominadas pela coação

direta, privilégios e extorsão: o Estado é constituído como

 proteção da mediação entre produtor e consumidor, e a

forma jurídica funciona como medida das relações sociais,

ligada   à   transformação do sujeito econômico em sujeito

101

: - :

' .

 A Cril Jlin olog ia &,d icül

legal, portador de direitos e deveres (Holloway&Picciot-

 A Crim ino lo,g ic, Rc,c /ica ! e a Forl J/tI L(~ l!,a ldo Con trole   S ocitll

nação), com o objetivo de produzir   mais-t'alia re/atit'a -   ou

Page 58: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 58/76

to, 1977).   O desenvolvimento da forma jurídica ocorre no

contexto de lutas históricas progressivas e democratizantes:

afinal, o Direito encapsulad6 na forma burguesa   é   melhor 

que nenhum direito, assim como a delimitação pessoal da

responsabilidade penal  é   superior à punição arbitrária. De

fato, o Direito não é "mera ilusão" na sociedade capitalista,

mas a forma em que as relações sociais são realmente repro-

duzidas: assim, o sujeito jurídico  é   o indivíduo portador de

direitos e deveres, pessoalmente responsável pela conduta,

em processo regido pelo contraditório e pela ampla defesa

do modelo acusatório, como forma superior ao procedi-

mento inquisitorial etc. (picciotto,   1979,   p. 172-73).

A superioridade do capitalismo em relação às formas

de disciplina social anteriores reside no primado do direito

abstrato, com sujeitos legaise processo judicialformal; mas

a substância do liberalismo político que informa a ideologia

 jurídica- a aparência de "liberdade" e de "igualdade" - deve

ser examinada no contexto da relação capital! trabalho

assalariado: a troca de equivalentes (salário por força de

trabalho) na esfera de circulação exclui a coação física na

esfera de produção, substituída pela "coação das relações

econômicas". Assim, as relações de produção condicionam

as relações de circulação, sob a forma do Direito "livre" e

"igual", produzindo, de modo crescente, desigualdades ecr:ses sociais (picciotto,   1979,   p. 173-74).

Em um esquema que compreende o processo de pro-

dução capitalista nas dimensões de  organização   do trabalho

(coordenação) e de controle  da classe trabalhadora (subordi-

102

seja, maior produtividade pelo emprego de técnicas mais

sofisticadas -, passando pelos períodos da manufatura, do

advento da máquina e da formação do proletariado indus-

trial (trabalhador abstrato), Richard K.insey(1979,  p. 46-54)

reconstitui o  despotismo da fábrica,   descrito por Marx, para

demonstrar o  despotismo da lega/idade do capitalismo mono- polista, com sua "administração científica" do homem.

 Na manufatura o trabalho especializado do artesão

impõe limitações ao poder do capital: normalmente, não

 pode ser substituído; mas na indústria a máquina introduz

uma mudança qualitativa: produz o trabalhador abstrato

- o trabalhador permutável, à disposição no mercado -,

determina o nível de intensidade do trabalho e reduz a ne-

cessidade de mão-de-obra. O   despotismo dafábrica   determina

a criação da "massa de trabalhadores", a constituição do

trabalho abstrato, a transformação da força de trabalho em

mercadoria (trocada por seu preço de mercado) e a substi-

tuição da  coaçãofísica   (ainda necessária na manufatura) pela

 fom e   como instrumento de controle, que pacifica o animal

mais feroz, ensina hábitos de decência, civilidade e obedi-

ência, exercendo a pressão' mais silenciosa e mais eficaz.

Em poucas palavras, o controle do trabalho   é  produzido

 pela lei, que garante   a propriedade,   generaliza   o contrato de

trabalho e disciplina   o mercado, onde circula o trabalhador 

abstrato, esse sujeito "livre" e "igual" da sociedade capita-lista (Kinsey, 1979,   p. 54-57).

 No capitalismo monopolista, caracterizado pela alta

composição orgânica  do capital,a ênfaseé  sobre produtividade,

desenvolvendo a tecnologia (capital constante) e multipli-

103

Page 59: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 59/76

.

 A Crim ino !o,g ,ia fu,d iceJ ! e a For ma Leg a! do Con trol e SO rlal---  ..- - - _ . _ - _ . - .. _---_._  .. _-- --_   . .-.~.-., .• _ .   ,-_. _ _   .~.-,. . _ - . - _ . _ - - _ . - . _ . _ . _ - _   -..---------- -----_     _--"'"   .

."q    CrimilJo!o.'Sia Radica!

sociais, e de crise política, com aurnento de reivindicacõesno âmbito das classes e camadas sociais subalternas, a ex-

ã d i ã líti d l ô i d

Page 60: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 60/76

, p ,

operárias, de greves etc. (Bourjol, et a/ii,   1978, p. 63; Ci:ino,

1980,  p.  38-52).

 Neste ponto é importante dizer o seguinte: a con-

cepção do Direito como fenômeno verdadeiramente "tra-

 balhado" pela luta de classes - e não "mero instrumento"

das classes dominantes, ou "reflexo" das relações econô-

micas, ou "simples máscara" do poder classista -, com

funções essenciais de   instituição,   de mediação   e de  reprodução

das relações sociais de produção, em que realiza um papel

ideológico aparente relacionado às questões da "neutrali-

dade", da "proteção geral", da "igualdade legal" etc., e um

 papel prático complexo de legitimação da exploração, de

garantia da propriedade privada dos meios de produção e

do produto do trabalho social etc., indica que a "crise" do

capitalismo monopolista   pode   estar relacionada às funçõestradicionais do Direito e do Estado, mas  n ão   é  determinada

 pelos sistemas jurídicos e políticos formalizados.

 Na verdade, são as contradições da estrutura econô-

mica das relações de produção e de circulação da riqueza

material que   explicam   as contradições da superestrutura

 jurídica e política do Estado, manifestadas na separação

dos   oljetivos ideológicos   (difusão de representações ilusórias

da realidade) e dos  oljetivos práticos   do Direito (instituição e

reprodução das relações sociais de produção): a proteção

do trabalhador pela legislaçãotrabalhista representa  limitacão

da exploração da força de trabalho (objetivo declarad~),

mas, primariamente, constitui   legitimação   da expropriação/

apropriação capitalista de  mais-valia   (objetivo oculto). Não

é difícil identificar os componentes concretos da crise:

 pansão da organização política e do papel econômico da

classe trabalhadora, por um lado, e a formação crescente de

contingentes de força de trabalho excedente, em situação

de marginalização econômica, política e social, por outro;

no âmbito das classes e grupos sociaishegemônicos, a con-

centração crescente do poder econômico e político, com aadoção paranóica de métodos tecnocráticos e repressivos

de controle social, capazes de prevenir temporariamente

mudanças sociais democratizadoras - ou seja, de conter 

o desenvolvimento das forças produtivas no âmbito das

relações de produção dominantes -, mas incapazes de evi-

tar a "onda de crimes" e de agitação social características

das fases de transformações revolucionárias da sociedade,

definidas erroneamente como épocas de "crise do Direito"

(Bourjol, ~978,  p.  48-50).

A Criminologia Radical trabalha com a hipótese de

que a crise do Direito é determinada pela crise do capitalis-

mo como modo de produção de classessociaisantagônicas:

as contradições internas do modo de produção rompem

os limites das formas ideológicas da vida social, de modo

que o Direito esgota a capacidade de "fragmentação" da

solidariedade da classe trabalhadora e o Estado exaure o

 potencial de domínio político pelos aparelhos tradicionais

de controle social. Nessa fase, a estratégia das classes tra-

 balhadoras e dos grupos sociais subalternos consiste emmobilizar lutas dentro   da lei,  em torno   da lei e, mesmo,   a des-

 pei to   da lei (picciotto,   1979,  p.  172-77)   e, nessas condições,

a questão das for ma s de pod er  que mediatizam o domínio do

capital assume a maior relevância: para as classes trabalha-

107

106

 ACrilllil7o/({~icl 1Z£ldim/ e {/ Forlll"    L r:I!,"/    do  COII/ro/e   Sori,,/ ---   ----   ---~--- ---  ------- -   - ~--  ---  -

~_~~~~~~~,!!~~:':: f?L ,dic ~ . . _

doras e grupos sociais suba:lternos são muito diferentes as

condições da "democracia liberal" (garantia das liberdadesFinalmente, a teoria radical do Direito admite gue a

Page 61: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 61/76

condições da democracia liberal (garantia das liberdades

democráticas), do "bonapartismo" (destruição da legali-

dade, hipertrofia do executivo, parlamento desnaturado e

 judiciário dependente) e do "fascismo" (governo da [orça

 bruta e do terror policial do capital monopolista).

As mudanças de   conteúdo   e de forma   do poder nasociedade capitalista estão ligadas ao desenvolvimento con-

temporâneo da luta de classes: o  conteúdo exprime a relação

concreta entre as classes nos processos produtivos (explo-

ração ou superexploração do trabalho) e a forma   expressa a

correlação de poder no conjunto da sociedade (liberdades

formais, repressão "legalizada" ou ditadura terrorista).

A   democracia liberai   é condição necessária para o

 projeto político das classes trabalhadoras integradas ou

excluídas do mercado de trabalho (garantia de organização

autônoma, de direitos políticos etc.), ao contrário da bur-

guesia monopolista, nacional e transnacional, para a qual

a democracia parece "supérflua" e, às vezes, francamente

incômoda (Young, 1979, p. 26 s.). Como se vê, é funda-

mental distinguir a regulação das relações sociais pela [orça

 bruta (fascismo), por aparelhos burocrático-administrativos

(bonapartismo) ou por poderes independentes (democracia

liberal) - e qualquer negligência nessas questões desarma

os setores populares e democráticos diante do fascismo,

excluindo a tática da "frente popular", a forma históricade luta política contra a consolidação da ditadura terroris-

ta dos setores mais reacionários e retrógrados do capital

financeiro internacional (Fine, 1979, p. 32 e ss.; Dimitrov,

1978, p. 11 e ss.)

ruptura das relações de produção capitalistas, um fenôme-

no de luta de classes liberador de elementos   já   existentes

na sociedade, é condição necessária, mas insuficiente para

superar as formas legais do controle social: a sobrevivência

da forma jurídica no socialismo vincula-se à subsistência

da produção de mercadorias e à  correspondente medida de

retribuição do trabalho (eguivalente por equivalente), com

as diferenças indicadas.

108

.109

VI. A   CRIMINOLOGIA RADICAL

Page 62: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 62/76

EALTERNATIVAS DO

CONTROLE SOCIAL

A Criminologia Radical define as instituições de

controle social como   instituições acessórias   da formação so-

cial, situadas na esfera de circulação, o   "éden   dos direitos

humanos, da liberdade, da igualdade, da propriedade e de

Bentham" (Marx, 1972, p. 196). A   instituição principal   da

formação social está na esfera de produção: a fáb ric a,   onde

o trabalho se subordina à valorização do capital e a troca

de equivalentes se transforma em exploração de classe,

com o capitalista trocando dinheiro por trabalho vivo, e o

trabalhador, força de trabalho por salário. Na fábrica, a lei

da apropriação privada se transforma no seu oposto: sua

 for ma   é   a constante compra e venda da força de trabalho

(contrato); seu   conteúdo   é a constante apropriação de mais-

valia  (exploração) (Marx, 1972, 196-97;Fine, 1979, p. 41 e ss.)..

Este   é   o ponto de incidência   do controle social, a   origem   e o

centro de convergência  da disciplina jurídica, o   oijetivo real  dos

mecanismos de dominação e a base concreta do poder político,na moderna sociedade capi~alista.

A contradição entre   liberdade política   (esfera de circu-

lação) e  escravidão social   (esfera de produção)   é   controlada e

reproduzida pelas   instituições acessórias   da formação social:

111

 A CrilJlinologiaRadical e Allema/ira.l do Controle Social------_._---_    ..~---_ .. _ - - - - - . _ - _    _---------.. _ _  . _ _ ..  _ .  _ _   ..•. -'-  _ _   -  .

 A CrúIJi~r:!~~I~a Radi({~ . ..__. ._..

a   institt/irão penitenciária -   principal instituição acessória

- garante a extração de mais-valia na estrutura econômicade trabalho: a dependência do salário decorre da necessida-

."'.'

Page 63: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 63/76

garante a extração de  mais valia   na estrutura econômica

e a reprodução das condições de produção capitalistas,

 baseadas na separação   trabalhador/meios de produção;   as  ou-

tras instituições de controle social, como farnilia, escola,

meios de comunicação etc., reproduzem a força de ~abalho

adequada às necessidades da produção. De um modo geral,

a custódia, a coação, a instrução etc., nas instituições de

controle social, objetivam, primariamente, a formação da

massa de trabalhadores e, secundariamente, sua adequação

e disciplina como força de trabalho, com as condições de

docilidade   e   utilidade   necessárias ao capital: essa a ligação

oculta entre fábrica, nas relações de produção, e prisão,

escola, farnilia etc., nas relações de circulação (MeIossi,

1979,   p.  90-92).

A adequação do indivíduo à organização capitalista

do trabalho requer a sua "redefinição" como trabalhador.As técnicas dessa redefinição são as "táticas disciplinares"

reproduzidas pela ideologia dominante e aplicadas pelas

instituições de controle social, produzindo e reproduzindo

força de trabalho, o "capital variável" das relações de pro-

dução (Melossi, 1979,   p. 92-93).   O controle social da força

de trabalho começa no mercado, onde a classe trabalhadora

existe como apêndice do capital, subordinada pelos "fios

invisíveis" da aparência de liberdade: a liberdade de trocar 

de empregador individual (aparência) é desfeita pela vincu-

lação da força de trabalho ao conjunto da classe capitalista(realidade).O mais importante "fio invisível" de subordina-

ção da classe trabalhadora é a separação  trabalhador/meios de

 pro duçã o,   base das relações de produção capitalistas, seguido

 pela dependência do salárioe pela competição no mercado

de de consumo individual, cuja constante renovação requer 

a constante venda da força de trabalho; a competição no

mercado de trabalho mantém o valor do salário no mínimo

indispensável para a reprodução da força de trabalho - e,

 portanto, no máximo possível para valorização do capital:

o exército de reserva - e sua pressão sobre o exército ativo

do trabalho, como uma barreira contra suas pretensões

salariais - é um aspecto essencial dessa competição (Lea,

1979,   p. 78).

As instituições de controle social são explicáveis

como estruturas de autoridade e de disciplina da forma-

ção social: a religião, na sociedade medieval; o mercado

- cujos fios invis ívei s  ligam o trabalhador    à   classe capitalista

-, a prisão, a escola, a faml1iaetc., no capitalismo. Entre as

funções das  instituições acessón'as da fábrica está a "organi-zação do consenso", aquela aparência "natural" assumida

 pela ideologia na consciência do trabalhador, enquanto

o reproduz como força de trabalho. A fanu1ia e a escola,

 por exemplo, bases sociais de organização do consenso,

canalizam os "instintos conforme as necessidades sociais": .

a socialização primária na farnilia e na escola está ligada à

organização capitalista do trabalho, através da reprodução

e adequação da força de trabalho, com o desenvolvimento

de habilidades, a aprendizagem de técnicas de trabalho, a

"constituição física da personalidade" etc., a base de refor-ço posterior da socialização secundária da prisão (Melossi,

1979,   p.  93-94).

A concentração do capital (aumento do capital

constante e formação de monopólios) e a socialização

. .

,'.

'.

112

113

 A Crim inolo ,gia RadiC ClI 

do trabalho (generalização da dependência econôrrlÍca)

d i " i d l i l" d i li

 A Cl7lJ lillO loz,i aI v,dic al e Alt erna ti1Ja s do Contr ole .soc ial

outro lado, o abalo das "instituições totais" com as revoltas

nas prisões o movimento da antipsiquiatria e a percepção

Page 64: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 64/76

.,

. . ,

 produziram a "crise do controle social" do capitalismomonopolista (Melossi, 1979, p. 94; Lea, 1979, p. 84 e ss.),

indicada por alguns fenôm~nos: na esfera de produção, a

"racionalidade técnica" dos processos produtivos fundiua autoridade do capitalista com a tecnologia, enquanto a

"organização científica" do trabalho subjugou instintosnaturais, criando hábitos de ordem e exatidão; na esfera decirculação, as decisões sobre preços, mercado, ideologia do

consenso etc., subordinaram-se às exigências da esfera de

 produção, com a revitalização das instituições tradicionaisde controle (prisão, polícia, família, escola, justiça etc.), acriação de novos instrumentos de controle (meios de co-

municação de massa, sistemas sofisticados de vigilância,

 polícias particulares etc.) e a reconstrução da cidade  como

fábrica, transformada em local de controle sob hegemonia

da fábrica (Melossi, 1979, p. 94-95).

As transformações mais importantes do sistema

 punitivo no capitalismo monopolista foram as seguintes:

a) a política penal introduziu os substitutivos penais, como

o   sursis,   o livramento condicional, as prisões abertas etc.- reduzindo a prisão mas ampliando o controle da popu-

lação criminalizada, ou seja, a redução da prisão estendeu

o controle para a comunidade; b) a instituição carcerária,enredada em contradições internas insolúveis, evoluiu para

alternativas excludentes: ou aparelhoprodutivo   modelado pelafábrica, com a perda do poder intimidante da pena, ou

 pur o instr um ento de terr otj   abandonando a ideologia da resso-

cialização - aliás, a tendência dominante, pela exclusão do

tratamento compulsório (Fragoso et alii J  1980,p. 37-38).Por 

114

nas prisões, o movimento da antipsiquiatria e a percepção(pelas massas populares) da convergência entre políticado controle social e organização capitalista do trabalho,

 produziram efeitos de ruptura do papel tradicional da es-cola (reprodução da ideologia do controle) e estimularam

a coordenação do movimento de presos com as lutas dasclasses trabalhadoras (MeIossi, 1979, p. 95-99).

 No quadro geral das lutas políticas e ideológicas da

segunda metade do século XX, a estratégia do capital pa-rece definível em duas linhas principais: primeiro, defesado nível de exploração do trabalho e de lucro; segundo,

 procura de formas "alternativas" de subordinação da classe

trabalhadora - ou seja, de novas modalidades de controlesocial.Em face disso, as linhas de pesquisa da CriminologiaRadical seinserem nas relações entre as esferasdeprodução

(fábrica) e de circulação (instituições de controle), com oobjetivo de desenvolver estratégias capazes de conjugar-amilitância dos trabalhadores com outros movimentos demaSSílS(presos, estudantes, libertação da mulher etc.) e decoordenar a luta contra o  uso capitalista do Estado   e a lutacontra a   organização capitalista do trabalho,   incorporando einstruindo as teses centrais dos partidos operários (Melossi,

1979, p. 96-99).

A discussão tradicional sobre   alternativas   à   prisão

- normalmente, sobre custos relativosentre formas tradicio-nais e novas formas de cont}:ole- proclama a necessidade

de métodos mais adequados que o encarceramento, com asexceções costumeiras de criminosos violentos, psicopatas

etc. A redefinição de estratégias de controle social passa

115

 A Crim il1ol o,gia Radi cal e All erl1 a/ú'aJ rio COI1 /rr;1 tJocial. . . - - - - . - - . - . . - - - - . - - - . .- - - . . - . - - . - - - - - - - . - - - - . .- . .- - - . - - . ._ . . - 0 _ - . . _ _ _ . _ ' ' _ ' . . " _ • _ _, . .. • _ . . . _ _ _   o . , •

trabalho, resultantes de aumento dos "encargos sociais" do

. ".-   -  ._. -  -".  _ _  ... _ -...~. --... _ _ ._--_."._._----------- --_.,-_.-._--------~--------_  .. _--,----

 A Crin Jil1o /~fl ,iaR adica l

 pelas medidas de descriminalização e despenalização para

se consumar em políticas de substitutivos penais, como

Page 65: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 65/76

capital, da melhoria salarial, da política de pacificação da

classe trabalhadora etc., negligenciando completamente o

revigoramento do sistema punitivo, a partir de 1970, com

sentenças mais longas, aumento da população das prisões,

recrudescimento das campanhas pela restauração da pena

de morte etc. (Speiglman, 1979, p. 70.)

A aparência liberalizante da estratégia de desinsti-

tucionalização esconde (e não por acaso) uma política de

rifórço   da prisão, legitimada como   último recurso, necessária

 para os "casos mais duros" e na qual podem ser converti-

das todas as medidas alternativas, cuja eficácia pressupõe

a possibilidade e a legitimidade de sua conversibilidade

em prisão. O controle se diversifica e se amplia, em uma

gradação da forma menos rigorosa para a mais rigorosa,

compondo o "arquipélago carcerário" de Foucault, commaior eficácia e com mais pessoas controladas. Conseqüen-

temente, questões políticas como o "recorte jurídico" dos

tipos criminais, ou distorções classistas do sistema penal,

que incrimina, seletiva e desnecessariamente, indivíduos

marginalizados, são deslocadas ou obscurecidas pela apa-

rência "liberal" das novas formas de controle (Mathews,1979, p. 112-13).

As transformações contemporâneas da política de

controle social parecem seguir três direções básicas: a) de

e.'pansão   para maior número de pessoas em relação   com  ou

contidas   no   sistema formal d~ controle, especialmente   jo -

vens e primários; b) de  aceleraçãoda "passagem" pelo sistema

de controle social, com as técnicas de controle imitando as

técnicas de produção em série da indústria, processando

suspensão condicional da pena, livramento condicional,

formas não institucionalizadas de sanção penal etc., em

um movimento   da   prisão  para   a comunidade, definido na

relação "desencarceramento/tratamento comunitário"

(Mathews, 1979, p. 100-15). Argumentos   humanitários   (crí-

tica científica aos inconvenientes da prisão),   técnicos (uso de

drogas psicoativas) e   economicistas   (crise fiscal) dos anos 70

explicam o fenômeno como política do Estado de fecha-

mento de prisões, reformatórios e asilos, em um processo

de desinstitucionalização caracterizado pela "expulsão física

dos internos", com a redução geral da população carcerária

 por cortes orçamentários, reclassificação de detentos, des-

criminalização, ampliação do poder discricionário do juiz,

da polícia etc. (Scull, 1979) - cujo pressuposto material é

a existência de uma infra-estrutura de assistência capaz de permitir a implementação de programas alternativos decontrole comunitário.

A tese de Scull,por exemplo, procura relacionar trans-

formações do controle social com mudanças da economia

 política, mostrando a contradição entre as funções de acu-

mulação   do capital, com proteção da riqueza por medidas

repressivas, e de  legitimação  do capital monopolista, pela ne-

cessidade de apoio político das classes trabalhadoras (Spei-

glman, 1979, p. 67-68). A preocupação de desmistificar ex- plicações tradicionais do processo de desinstitucionalização

(humanismo, progressos técnicos etc.) conduz ao exagero

oposto da "crise fiscal". A reversão da expansão da prisão,

na década de 60, residiria em mudanças no mercado de

116

117

rnaior quantidade de pessoas na rnesma unidade de tern-

po; c) de bifurcação do sistema de controle social: controle

 A   CriJllino!o,gia JZL,dica!e A!lernalúlaJ do Contro!e   S ocia!

elasociedade capitalista, fundada na explicação da crimina-

lidade pela posição social do autor: a) a criminalidade das

Page 66: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 66/76

 po; c) de   bifurcação   do sistema de controle social: controle

não-segregado de autores de crimes leves, de um lado, e

controle segregado mais rigoroso de autores de crimes

graves - que ocupam imediatamente as vagas daqueles -,

com problemas adicionais de segurança e disciplina (Ma-

thews, 1979, p. 107-9).

A evolução da prisão, de instituição principal   de controle

no capitalismo competitivo para último recurso no capitalismo

monopolista, assim como a transformação de suas relações

com as outras  instituições acessón'asda fábrica- família,escola,

meios de comunicação de massa etc. -, completa o circuito

de integração "fábrica/sociedade", a base da nova ordem

de controle social, que reforça e amplia o poder do capital

(Melossi, 1979, p. 98). A crise geral do capitalismo, ligada

às necessidades de acumulação do capital e aos problemas

de novas ofensivas contra a organização da classe traba-

lhadora, produziu uma  ampliação   do controle social, através

de seu deslocamento de   setores não-produtivos -   a prisão,

área de circulação - para   setores produtivos -   o mercado de

trabalho, área do tratamento comunitário. O movimento

de deslocação da estratégia de controle,   da   prisão (prin-

cipal   instituição acessón'a   da fábrica) para   a cidade (área de

reprodução da força de trabalho saudável, disciplinada e

educada), trouxe consigo um controle mais generalizado e

mais intenso, com maior vigilância e maior rigor punitivo(Mathews, 1979, p. 105-15).

A Criminologia Radical, erigindo sua teoria com

 base no modo de produção da vida social, apresenta uma

alternativa democrática para o controle social no período

118

lidade pela posição social do autor: a) a criminalidade das

classese categoriassociais subalternas,   caracterizadapela violência

 pessoal, patrimonial e sexual,constituiriaresposta individual

inadequada de sujeitos em posição social desvantajosa;

 b) a criminalidade das   classes dominantes,   caracterizada pela

fraude econômico-financeira e pela corrupção político-ad-ministrativa, seria explicada pela articulação funcional da

estrutura econômica (acumulação legal e ilegal do capital)

com as superestruturas jurídicas e políticas do Estado, me-

diante controle dos processos de incriminação legal e de

criminalização processual (Baratta, 1978, p. 14-15; Cirino,

1979, p. 29-31).

A separação estrutural da criminalidade pela posição

de classe do autor explica a divergência programática da

 política penal do Estado, como estratégia das classes do-minantes, e da política criminal alternativa da Criminologia

Radical, como estratégia das classes e categorias sociais

dominadas:

. a) política penal oficial, circunscrita às relações de

distribuição, é delimitada pelos processos de criminalização

e de estigmatização penal, em que a definição de crimes,

a aplicação da lei penal e a execução das penas e medidas

de segurança objetiva o controle das classes dominadas e

a disciplina da força de trabalho - revigorada e ampliada

 pelas formas alternativas de controle social, como os subs-

titutivos penais;

 b) a política criminal radical, fundada nas relações de

 produção, objetiva transformar a estrutura econômica e as

119

 A Ctim il1o lo,g ia Rad ical. _    _  .. _ _    .....•.  _ . _ - _   ..-  - _   ..-   _ - - .- _  . .  _ _    ._._.~_    _._----_    -._-_._~-~----------~---------

superestruturas jurídicas e políticas do capitalismo, media-

tizada pela redução das desigualdades sociais na área do

 A Cril llin olo, gia Rad ical e Al tcrJJ cI/il Jr/.í do Con trole Soci al-------. _ _   . . _---_.  ---_._._---------  .. --_._--_._-------   . • . . _ _   .-   _ . _ - -   -"'-'-   -  -  - - - . -  . .  _.-   - - -

com detenção ou de ação penal privada, crimes políticos

e de opinião drogas etc com substituição de sanções

Page 67: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 67/76

sistema de justiça criminal, a ampliação da democracia nas

relações de poder político e a promoção do contrapoder 

 proletário, pelo desenvolvimento da consciência de classe

e da organização política da classe trabalhadora: a política

de substitutivos penais seria um desdobramento tático

imediato de uma estratégia geral radical (construção do

socialismo), com um sentido humanista e liberalizante, por 

um lado, e o restabelecimento da funcionalidade precária

das relações de dominação, por outro lado, que marcam

o reformismo penal (Baratta, 1978, p. 15-16; Lyra Filho,

1980, p. 6-8; Cirino, 1979, p. 29).

A política criminal alternativa da Criminologia Radi-

cal, como desenvolvimento prático de sua crítica teórica

e ideológica, tem por objeto o sistema de justiça criminal

(processo de criminalização e sistema carcerário) e a opi-

nião pública, fonte de legitimação ideológica da política

 penal oficial. A proposta para o processo de criminalização,

comprometida com a redução das desigualdades de classe

(variável determinante da criminalização), segue duas di-

reções: a) uma política de criminalização e de penalização

da criminalidade das classes dominantes, como a crimina-

lidade econômico-financeira, o abuso de poder político, a

corrupção administrativa, as práticas anti-sociais em áreas

da segurança do trabalho, da saúde pública, da ecologia,da economia popular e do patrimônio social e estatal; b)

uma política de descriminalização e despenalização da cri-

minalidade das classes dominadas, mediante a contração

do sistema punitivo em crimes de bagatela, crimes punidos

120

e de opinião, drogas etc., com substituição de sanções

estigmatizantes por não-estigmatizantes nos demais casos

(Baratta, 1978, p. 15-16; Cirino, 12979, p. 31).

A estratégia da Criminologia Radical para o sistema

carcerário é, de fato, radical: abolição da prisão. As funções

reais do aparelho penal, de reprodução das condições de

 produção (separação trabalhador/meios de produção),

de garantia da exploração capitalista (relações de produ-

ção), com as conseqüências de marginalização social e

de desarticulação política da força de trabalho excedente,

somado ao fracasso da ideologia penitenciária (controle

da criminalidade e correção do criminoso), justificam o

objetivo estratégico: a preservação da instituição carcerária

só interessa às classes dominantes. Entretanto _ além da

descriminalização e da despenalização -, o objetivo estra-tégico de abolição da prisão requer mediações políticas

táticas, como a extensão das medidas alternativas da pena

e a abertura do cárcere para a sociedade. As formas alter-

nativas da suspensão condicional da pena, do livramento

condicional, dos regimes de liberdade e de semiliberdade

etc., são plenamente justificadas como etapas de aproxima-

ção do objetivo estratégico final. A abertura do cárcere para

a sociedade limita as conseqüências de marginalização e

desarticulação política promovidas pelo sistema carcerário,

 possibilit?ndo a reintegração do condenado em sua classe

- e, portanto, na sociedade d~ classes -, pela ação coorde-

nada de associações de presos e de organizações dos tra-

 balhadores, como partidos políticos, sindicatos, comitês de

fábrica, associações de bairros etc., transferindo o processo

121

 A Criminologia Radical

de ressocialização   da   prisão (Estado)   parti   a comunidade.

Esse desdobramento é a alternativa radical ao "mito" da

 A CrilJlinolo/!,ia Radiml c AltcrnatilJCIS do Controle Social

sentados pela ideologia de "lei e ordem", pelos "mitos"

da igualdade legal e da proteção geral, pelos sentimentos

Page 68: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 68/76

Esse desdobramento   é   a alternativa radical ao mito da

reeducação penal: se o crime  é   uma resposta pessoal (não

 política) às condições estrutiIrais adversas, então  a correção

do criminoso pressupõe o desenvolvimento da consciência

de classee sua (re)integração nas lutas coletivas econômicas

e políticas da classetrabalhadora e do conjunto das camadassociais inferiores (Baratta, 1978, p. 17).

A ampliação   do sistema punitivo na direção da crimi-

nalidade das elites de poder econômico e político não se

confunde com "reformismo pan-penalista" (supervalori-

zação do direito penal), assim como a contração  do sistema

 punitivo em face da criminalidade das classes e camadas

sociais subalternas não significa abandono das garantias

legais do processo de criminalização, como os princípios

da legalidade, da culpabilidade, do contraditório processual

e da presunção de inocência, a garantia de sentença funda-

mentada, de hipóteses estritas de prisão etc. e outras con-

quistas democráticas incorporadas ao patrimônio histórico

da humanidade. A política criminal radical assimilae amplia

essas garantias formais na direção geral da democratização

do sistema de justiça criminal: respeito à integridade físicae

 psíquica do preso, garantia dos direitos subsistentes do con-

denado  (todos,  exceto a liberdade), como trabalho, educação,

alimentação, recreação, vida sexual regular, comunicação

etc. (Fragoso   etalii,   1980, p. 31-42).

Por outro lado, a legitimação da política penal oficial

 perante a opinião pública compreende processos psi col ógi cos

representados pelas teorias vulgares da criminalidade, pelo

estereótipo do criminoso etc. e processos   ideológicos repre-

122

g g p ç g , p

de "unidade" na luta contra o "inimigo comum" (crime)

etc. Os processos psicológicos e ideológicos da opinião

 pública, reproduzindo representações da criminalidade

subordinadas à ideologia da classe dominante, condicio-

nam a tarefa da Criminologia Radical, nessa área: inverter as relações de hegemonia ideológica, no sentido gramsciano

de dominação e direção, mediante a critica sistemática das

superestruturas de controle, a intensificação da produção

científica na perspectiva teórica e ideológica radical e a

difusão de informações acessíveis ao consumo público,

 provendo bases para "discussões de massa" da questão

criminal e a superação definitiva do teoricismo criticista

de intelectuais progressistas através de uma prática social

transformadora (Baratta, 1978, p. 18-19).

Essas parecem ser, em linhas gerais, as bases atuais

do questionamento teórico e do posicionamento prático

da Criminologia Radical. Sobre essas bases a Criminologia

Radical pretende se constituir, não como outra "crimino-

logia da repressão", mas como a única Criminologia da

Libertação.

É   na direção das teses centrais da Criminologia

Radiçal, com maior ou menor adequação científica e

ideológica, que se desenvolve a mais criativa produção

científica contemporânea, na área do crime e do controlesocial. Hoje, a produção teórica radical não está limitada

às regiões desenvolvidas e industrializadas, com uma classe

trabalhadora forte e organizada, mas cresce, rapidamente,

nos países subdesenvolvidos e dependentes do Terceiro

123

......  _  .. _ _    .... _ . _ - _    ... _ - '- _   .... _._-----------------_.- . . _. __   ._-~

Mundo,   à  medida em que se desenvolvem as contradições

com o imperialismo internacional e (no âmbito "interno) VII.   CONCLUSÕES

Page 69: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 69/76

entre capital e trabalho assalariado: por exemplo, Rosa

deI Olmo, Argenis Riera, Lola Aniyar, Emiro Sandoval,

Roberto Bergalli e Roberto Lyra Filho são algumas das

figuras mais representativas da proposta alternativa na

América Latina.

O presente trabalho teve o propósito de contribuir 

 para uma compreensão mais adequada das bases científicas,

dos compromissos ideológicos e do programa político geral

da Criminologia Radical, relativamente desconhecidos no

Brasil. Paralelamente, pode ser entendido como um   acerto

de contas  com a ideologia da criminologia tradicional, o pres-

suposto crítico da formação de um quadro teórico capaz

de orientar uma prática social transformadora nos países

subdesenvolvidos e dependentes da América Latina.

124

As conclusões deste trabalho encontram-se dispersasno texto, em geral cOrn9arremate das discussões dos temas

estudados, mas podem ser assim resumidas:

1. A Criminologia Radical se distingue de outras crimi-

nologias pela natureza do objeto de estudo, pelo método

dialético de estudo desse objeto, pelas teorias gerais sobre

sua existência e desenvolvimento, pela base social de seus

compromissos ideológicos, por seus objetivos políticos

estratégicos e táticos e por seu programa alternativo de

 política criminal.

2. A Criminologia Radical tem por objeto geral as relações

sociais de produção (estrutura de classes) e de reprodução

 político-jurídica (superestruturas de controle) da formação

social, que produzem e reproduzem seu objeto específico

de conhecimento científico: o crime e o controle social.

As contradições de classes na formação social vincu-

lam o controle do crime às relações de produção na estru-

tura econômica, determinando a ligação da criminologia

com a economia, e de amb~s com a política, evitando a

distorção positivista que separa a estrutura econômica das

superestruturas jurídicas e políticas do Estado, mistificando

o conjunto das relações sociais.

125

 A Criminologia Radica!

o processo de criminalização, nos componentes de

 produção e de aplicação de normas penais, protege seleti-

Conclmões

mo, indicando as desigualdades econômicas como determinantes

 primários do comportamento criminoso, a po siç ão de cla sse

Page 70: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 70/76

p ç p ç p , p g

vamente os interesses das cfasses dominantes, pré-seleciona

os indivíduos estigmatizáveis distribuídos pelas classes e

categorias sociais subalternas e, portanto, administra a pu-

nição pela posição de classe do autor, a  variável independente

que determina a  imunidade   das elites de poder econômico

e político e a   repressão   das massas miserabilizadas e sem

 poder das periferias urbanas, especialmente as camadas

marginalizadas do mercado de trabalho, complementada

 pelas  variáveis intervenientes   da posição precária no mercado

de trabalho e da subsocialização- fenômeno definido como

administração diferencial da criminalidade.

O processo de execução penal representado pelo

sistema carcerário garante   a matriz das desigualdades sociais

- a separação trabalhador/meios de produção - e reproduz   amarginalização social, como qualificação negativa pela posi-

ção eStruturaljõra do mercado de trabalho e pela imposição

superestrutural de sanções   dentro   do aparelho punitivo.

3. A abordagem teórica do   autor    (sujeito livre na crimi-

nologia clássica, ou sujeito determinado no positivismo

 biológico), do   ambiente do autor   (limitações e condicionamen-

tos familiares, econômicos, culturais etc., do positivismo

sociológico) e das   percepções e ati tudes do autor   (interações,

reações e rotulações sociais,das fenomenologias do crime) é

transposta pela Criminologia Radical para as relações de classes

na estrutura econômica e nas superestruturas jurídicas e

 políticas de poder da formação social: o método dialético

adotado estuda o crime e o controle social no contexto da

 base material e das superestruturas ideológicas do capitalis-

126

p p , p ç

como variável decisiva do processo de criminalização e a

neceSJidade de sobrevivência   animal em condições de privação

material como a origem da vinculação do trabalhador no

trabalho assalariado e do desempregado no crime.

4. A base social da Criminologia Radical é constituída pelas

classes trabalhadoras e outras categorias sociais oprimidas,

o que explica (a)o  compromisso   de luta contra o imperialismo,

a exploração capitalista, o racismo e todas as formas de

discriminação e de opressão social, (b) o   objetivo estratégico

de construção do socialismo e (c) a   tarifa científica   de ela-

 boração de uma teoria materialista do Direito e do crime,

na sociedade capitalista.

O objetivo estratégico da CriminologiaRadicalpostu-

la a socialização dos meios de produção como pré-condição

da abolição das desigualdades econômicas e políticas e do

controle, redução e eliminação gradativa da criminalidade

estrutural e individual.

O trabalho científico da CriminologiaRadicaltem por 

 base (a) o conceito de Direito como   lei do modo de produção

da vida material, que institui e reproduz as relações sociais

de classes e (b) o. conceito de Estado como   organização

 po líti ca do po de r    das classes hegemônicas, que controla as

relações sociais nos limites do modo de produção domi-nante na formação social - fenômenos jurídico-políticos

superestruturais condicionados pelas relações de produção

e hegemonizados pelas classes que dominam essasrelações,

como o aspecto principal da contradição social.

127

 j~J Ctill liJ7o/o.gia Radim/ ..  - -  _ . _ - - _   ... _ .-  -  - -- ._._'----_._----------_._-_._-~-------------------

A Criminologia Radical, com base nas contradições

de classes da sociedade, distingue (a) um conceito   burgues  de

i d à i ã d l d b i

COllcluJoeJ._._-~-_._.~._-----------------------._-   ..  _--_._-----_  ...  _ . _  ..... _ _   ... _ -

categoria explicativa do sistema punitivo, mostrando que

em situação de força de trabalho insuficiente os sistemas

Page 71: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 71/76

crime, correspondente   à   posição de classe da burguesia na

formação social capitalista, representado pela definição   legal

de crime, em que predominam ações contrárias às relações

de produção capitalistas e (b) um conceito   proletán'o   de cri-

me, correspondente   à  posição de classe dos trabalhadoresassalariados na formação social capitalista, representado por 

definições   reais   de relações sociais danosas, em que predo-

minam ações contrárias   à   segurança pessoal e  à   igualdade

social, econômica e politica das camadas sociais inferiori-

zadas, mudando o foco   da   forma legal para   as condições

estruturais, necessárias e suficientes, do crime.

5. A Criminologia Radical distingue   0o/divos ideológicosaparen-

tes  do sistema punitivo (repressão da criminalidade, controle

e redução do crime e ressocialização do criminoso) e 0o/divos

reais ocultos   do sistema punitivo (reprodução das relações

de produção e da massa criminalizada), demonstrando que

o fracasso histórico do sistema penal limita-se aos   oijetivos

ideológicos aparentes,   porque os   oo/etivos reais ocultos   do siste-

ma punitivo representam êxito histórico absoluto desse

aparelho de reprodução do poder econômico e politico da

sociedade capitalista.

A inserção metodológica da politica de controle do

crime nas relações estruturais da formação social permite

erigir as seguintes hipóteses radicais de trabalho teórico: a)todo  stStema deprodução   adota o  sistema depunição   que corres-

 ponde às suas relações produtivas, ou inversamente, todo

sistema punitivo   se enraíza no  sistema de produção   da estrutura

econômica da sociedade; b) o mercado de trabalho   é a principal

128

ç ç

econômico e punitivo a preservam; ao contrário, em situa-

ção de força de trabalho excedente os sistemas econômico

e punitivo a destroem.

6. A Criminologia Radical estuda a for ma leg al  de disciplinasocial a partir de sua base histórica objetiva: a forma   igual

do Direito se fundamenta na troca de equivalentes da socie-

dade de produção de mercadorias e a forma   livre  do sujeito

tem origem no consumo produtivo da força de trabalho,

que funde a forma sujeito, definido como   livre   e   igual   na

esfera de circulação, com a forma mercadoria, expressão

de  coação e   desigualdade   na esfera de produção.

A categoria geral explicativa do Direito, capaz de es-

clarecer as relações entre a aparência e a realidade de suas

funções, é o conceito de modo de produção   da vida material:

a proteção da liberdade e da igualdade na  eifera de circulação

esconde a dominação politica e a exploração econômica de

classe na   eifera de produção.   O Direito, como relação social

objetiva, realiza funções ideológicas   aparentes   de proteção da

igualdade e da liberdade e funções reais  ocultas  de instituição

e reprodução das relações sociais de produção: a desigual-

dade das relações de classes (exploração) e a coação das

relações econômicas (dominação)   é   o conteúdo instituído

e reproduzido pela forma livre e igual do Direito.

"A Criminologia Radical explica as crises do Direito

no capitalismo monopolista como expressão de desajustes

entre o sistema normativo e as relações sociais históricas

concretas, determinadas pela concentração do poder eco-

129

 A Criminologia NJdiral-------- -------~----_._--------------

nômico e político do capital financeiro, reproduzido por 

leis opressivas e métodos repressivos,   e pela expansão da

Conclusões

e de sua adequação às necessidades materiais e intelectuais

dos processos produtivos.

Page 72: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 72/76

organização política e do p~pel econômico da classe traba-

lhadora, com a formação paralela de excedentes progres-

sivos de mão-de-obra excluídos do mercado de trabalho e

da sociedade de consumo, rompendo os limites das formas

 jurídicas e políticas de controle social.

7. A concepção de sociedade como formação econômi-

co-social erigida sobre uma base estrutural   constituída pelas

relações de classes nos processos produtivos e regida por 

sistemas ideológicos superestruturais jurídicos e políticos

do Estado é o fundamento da definição da fábrica como

instituição principal   da sociedade capitalista, e da definição da

 prisão e do conjunto dos sistemas de controle social como

instituições acessórias da fábrica.

A fábrica, instituição das relações de produção" realiza

um conteúdo de permanente expropriação de   mais-valia

(exploração), sob a forma de constante compra e venda

da força de trabalho (contrato): as relações de classes nos

 processos produtivos são o ponto de incidência, o centro

de convergência e o objetivo real das instituições e meca-

nismos de controle social.

O   sistema punitivo   constituído pela polícia, justiça e

 prisão, como o mais importante aparelho de controle social,

garante os fundamentos e reproduz as condições de pro-

dução da fábrica, baseadas na separação trabalhador/ meios

de produção - enquanto a família, a escola, os meios de

comunicação e outras instituições complementares de con-

trole social cuidam da formação da massa de trabalhadores

130

As transformações contemporâneas do sistema de

controle social são o resultado de contradições internas

entre o sistema punitivo e a estrutura de classes da socie-

dade: por um lado, a prisão parece abandonar a ideologia

do tratamento, constituindo-se menos como aparelho

 produtivo e mais como instrumento de terror; por outro

lado, a convergência entre a ideologia do controle social e

a organização capitalista do trabalho engendrou a política

dos substitutivos penais: o "arquipélago carcerário" se

ampliou de setores não-produtivos (a prisão, instrumento

de terror) para setores produtivos da sociedade (o mercado

de trabalho, área dos substitutivos penais).

8. A política criminal alternativa da Criminologia Radi-cal, como meio de reduzir as desigualdades de classes no

 processo de criminalização e de limitar as conseqüências

de marginalização social do processo de execução penal,

distingue a criminalidade das classesdominantes, entendida

como articulação funcional da estrutura econôlnica com as

superestruturas jurídico-políticas da sociedade, de um lado,

e a criminalidade das classes dominadas, definida como

resposta individual inadequada de sujeitosem posição social

desvantajosa, de outro lado, propondo o seguinte:

a) no processo de criminalização, (1) a pen aliza ção   da cri-

min.alidade econômica e política das classes dominantes,

com ampliação do sistema punitivo e (2) a despenalização  da

criminalidade típica das classes e categorias sociais subal-

131

. ~ , . . " . " - , , ,. .  ,.<  ti. ,,~.,.'

 A Cnmi nolog ia Radic al

ternas, com contração do sistema punitivo e substituição

de sanções estigmatizantes por não-estigmatizantes; BIBLIOGRAFIA

Page 73: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 73/76

 b) no processo de execução penal, mediatizada pela mais

ampla extensão das medidas alternativas da pena e pela

abertura do cárcere para a sociedade, a abolição da prisão:

se o crime   é   resposta pessoal de sujeitos em condições

sociais adversas, a correção do criminoso - e a prevenção

do crime - depende do desenvolvimento da consciência de

classe e da reintegração do condenado nas lutas econômicas

e políticas de classe.

São tarefas complementares da política criminal alter-

nativa da Criminologia Radical (a) conjugar os movimentos

de presos com as lutas dos trabalhadores, (b) inverter a

direção ideológica dos processos de formação da opinião

 pública pela intensificação da produção científica radical e a

difusão de informações sobre a ideologia do controle social,

C c )  coordenar as lutas contra o uso capitalista do Estado e

a organização capitalista do trabalho e   C d) desenvolver o

contrapoder proletário.

132

1. Aniyar de c .,   L. -   C,iminologia de la reacción sociaL   Maracaibo: Uni-

versidad de! Zulia, 1977.

2. - Sistema penal e sistema social: criminalização

e descriminalização como funções do mesmo processo.   Revista de

 Dire ito Pena l,   1981, 30.

3. Baratta, A. - Criminologia crítica e política criminal alternativa.

 Rev ista de Dire ito Pena L   1978, 23, p. 7-21.

4. - Crimilogia liberale e ideologia della difesa

sociale.   La Questione Criminal e,  1975, 1.

5. Basaglia, F.e Basaglia, F. - Violência en la marginalidad (el hombre

en la picota). In  Los rostros de la violência.   Maracaibo: Universidad 

deI Zulia, 1976.

6. Becker, H. -  Outsiders: studies in the sociology 0 /   deviance.   New York:

Free Press, 1963.

7. Bourjol, M.; Dujardin, Ph.; Gleizal, J . J . ;  Jeammaud, A.;Jeantin, M.;

Mialle, M. e Michel,]. - Pour une critique dudroit.Grenoble:   François

Maspero, 1978.

8. Bustamante, ]. A. - The wetback as deviam: an application of 

labeling theory. In E. Rubington e M. S. Weinberg (Ed.)   The stutjy

0/  socialproblem,r.  New York: Oxford University Press, 1977.

9. Chambliss, W]. - A economia política do crime: um estudo com-

 parativo da Nigéria e dos Estados Unidos. In I Taylor, P. Waltone]' Young (Ed),   Criminologia Çrítica.   Rio: Graal, 1980.

,

10. Chapman,   n -Sociology and the stereotype   0/   the mminaL   Londres:

Tavistock Publications,   1968.

11. Cirino dos Santos, ]. -  A Cnminologia da repre.r,rão.Rio: Forense,

1979.

133

 A_C _n_ "l~_ 'no_ log_ i{'_ 1I_~~~~/~___ ~ . ._  

12. - Defesa social e desenvolvimento.   Rel)i.rta de

 Dire ito Pell al,   1979,26, p. 19-32.

13 Vi lê i i tit i l REl}iJt d Di it P l

 Bibl iog rafia---------------_._------   -----"----_._._.-

28. Herbermas, J. -   Towards a racional society.   Londres: Heinemann,

1971.

29 Hartjen C Legalism and humanism: a reply to me Sch\vendingers

Page 74: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 74/76

!1

!

!

13. _ . - Violência institucional.   REl}iJta de Direito Penal,

1980, 28, p. 38-52.

14. Davis, A. - Political prisoners, prisons and black liberation. In A.Y

DaVis(Ed.)   If thE!)'  comein the morning.   New York: The New American

Library, Inc., 1971.

15. Dirnitrov, G. - A unid ade oper ária cont ra ofa scism o.   Contagem (MG):

Editora História, 1978.

16. Durkheim, E. - The division of labourin socie!)'. New York: Free Press,

1964.

17. Engels, F. - A orig em da famí lia, da p ropr ieda de priv ada e d o esta do.  São

Paulo: Civilização Brasileira, 1974.

18. Fine, B.;Kinsey, R.; Lea,].; Picciotto, S.e Young,]. (Ed.) - Capitalism

and the rule of Iam   Londres: Hutchinson, 1979.

19. Fine, B.- Law and class. In B. Fine  et alli   (Ed.),   Capitalism and the

ruie of Iam   Londres: Hutchinson, 1979.20. . The birth of burgeois punishmene   Crime and 

social justice,   1980, 13, p. 19-26.

21. Foucault, M. -  Vigiar epunir.   Petrópolis: Vozes, 1977.

22. Fragoso, H.; Catão, Y e Sussekind, E. -   Direitos dos presos.   Rio:

Foresne, 1980.

23. Garofalo,]' - Radical crirninology and criminal justice: poims of 

divergence and contact.   Crime and Social justice,   1978, 10, p. 18-22.

24. Goffman, E. - Asylums. New York: Penguin Books, 1970.

25. Gouldner. A. -  The coming crisis of western sociology. Londres: Heine-

mann,1971

26. Gramsci, A. - l\!f.aquiavef, a política e o estado moderno.   Rio: Civilização

Brasileira, 1972.

27. European Group for the Study of Deviance and Social Control.

- Manifesto.   Crime and socialjustice,   1972, 7, p. 59-60.

134

29. Hartjen, C. - Legalism and humanism: a reply to me Sch\vendingers.

Issues in Crirninology, 1977, 2, p. 76-101.

30. Holloway,]. e Picciotto, S. - Capital, crisis and the state.  Capital and 

C/ass,  1977, 2, p. 76-101.

31. Jackson, G. - Towards the united frone In A. Y Davis (Ed.)   If thE!)'  

come in the morning.   New York: The New American Library, Inc.,

1971.

32. Jankovic,   r. -   Labor market and imprisonmene   Cnme and Social

 justi ce,   1977, 8, p. 17-31.

33. Jenkins, R. L. e Hewitth, L. -Types of personality structure encoun-

tered in child guidance clinics.  American journal of Orlhopsychiat1J',

de 14-01-44.

34. I<.insey,R. - Despotism and legality.In B. Fine et alli  Ed.)  Capitalism

and the rule of Iam   Londres: Hutchinson, 1979.

35. Laing, R. -  The divided se!!   Londres: Tavistock Publications, 1959.

36. Lea, J. - Discipline and capitalist development. In B. Fine   et alii

(Ed.) ,   Capitalism and the rule of Iam   Londres: Hutchinson, 1979.

37. Lemert, E. -   Human deviance, social problems and social control.   New

York: Free Press, 1964.

38. Lenin, V   r. -   EI etado y   la revolucion. In   Obras escogidas. Madrid:

Akal Editor, 1975.

39. Lyra Filho, R. -  Criminologia dialética.   Rio:   Borsoi, 1972.

40. . - Carta aberta a um jovem crimilólogo: teoria,

 práxis e táticas atuais. Revista de Direito Penal, 1980, 28, p. 5-25.

41. . O direito que se e nsina errado. Brasília: C entro

acadêmico de Direito da UNB, 1980.

42. Marx, K. - O  Capital.   Rio:   Civilização Brasileira. 1971.

43. . -   Contribuição para a critica da economia política

(prefácio). Lisboa: Editorial Estampa, 1973.

135

45. . - O 18 d e brumário de Luís Bonaparte. In textos,

, 'I'..t,"'~"'" 

.,..,~~'.{.;..'.",,, '. ,I /., "  "o -

 A Crim inol ogia TZt',d iml

44.

1980.

--- -~--------------------

. - Teoria.rda maú-l'Olia.   Rio: Civilização Brasileira,

------------------_._-----_._--------   ,-------'"

59. Rubingon E. e Weinberg, M. S. -   Thl' sttld]'  0 /    social probleJJJs. New

York: Oxford University Press, 1977.

60 R h G L b k t d l ti th ht th

Page 75: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 75/76

56. Picciotto, S. - The theory of t~e state, class struggle and the rule

of law. In B. Fine  et aliz' (Ed.)   Capitalúm and the rule oi law.   Londres:

Hutchinson, 1979.

57. Platt, T. - Perspectivas para uma criminologia radical nos EUA. In

r.  Taylor  et aliz' (Ed.),   Cn'minologia ctitica.   Rio: Graal.   1980.

58. Poulantzas, N. - S tate,power and socialúm.   Londres: New Left Brooks,1978.

r.   São Paulo: Edições Sociais, 1975.

46. . -   Ctitica ao programa de Cotha. In   Textos.   r.   São

Paulo: Edições Sociais, 1975.

47. Marzotto, M.; Platt, T. e Snare, A. - A reply to Turk.   Crime and Social

 justi ce,   1975,4, p. 43-45.

48. Matza, D. -  Becoming deviant.   New York: Prentice-Hal!, 1969.

49. Mead, G. -  Mind, se!! and society.  Chicago: University Press, 1934.

50.   Melossi, D. - Institutions of social control and capitalist organiza-

tion of work. In B. Fine   et ahi   (Ed.),   Capitalúm and the rule oi law.

Londres: Hutchinson. 1979.

51. Mintz, R. - Interviewwith Ian Taylor, Paul Walton andJock Young.

 Issue s in Crim inol ogy,   1974,9, p. 33-53.

52. Newton, H. - Prison, where is thy victory? In A. Y. Davis (Ed.)

 If they com e in the mom ing .   New York : The New American Library.

Inc,1971.

53. (deI) Olmo, R. - EI grupo europeu para e1estudio de la desviación

ye1 control social.   Relación Criminológica,   1976, 16, p. 51-73.

54. Pasukanis, E. - A teor iag eral do di reito e o ma rxism o.   Lisboa: Perspectiva

Jurídica, 1972.

55. Pearson, G. - A sociologia do desajuste e apolitica da socialização.

In  r . Taylos, P.Walton eJ,Young. (Ed.),  Criminologia ctitica. Rio: Graal,

1980.

60.   Rusche, G. - Labor market and penal sanction: thoughts on the

sociology of criminal justice.   Crime ànd social justice,   1978,   10,   p.

2-8.

61. Rusche, G. e Kirchheimer, O. - Punúhment and social structtlre.   New

York: Russel and Russel, 1968.

62. Schur, E. -  Cnmes without victims: deviant behavior and public poli(J'. New

Jersey: Prentice-Hall Inc. 1965,

63. Schutz, A. - Colllected papers I: the problem of social reality, In

M. Natanson (Ed.) The Hague: Martinus Nijhoff, 1962,

64. Schwendinger, H. e]. - Defensores da ordem ou guardiães dos

direitos humanos? In I. Taylor   et alii   (Ed),   Criminologia ctitica.   Rio:

Grall,   1980.

65. . - Social class and the dennition of crime.   Crime

and social justice,   1977, 7, p. 4-13.

66. Scull, A. -  D ecarceration.   New Jersey: Prentice-Hall Inc., 1977.

67. Seale, B. (e Huggins, E.). - A message from Prison. In A.Y. Davis

(Ed.),   I f they come in the moming.   New York: The New American

Library, Inc., 1971.

68. Speiglman, R. -Andrew Scull: Decarcation.   Crime and Social justice,

1979,11, p.   67-70.

69. Sutherland, E. e Cressey, D. - PrincipIes of crirninology. New York:

Lippincott,   1960.

70.   Szasz. T. -   The myth oi mental illness.  St. Albans: Paladin, 1975.

71. Taylor,   r.; Walton, P. e Young,]. - A criminologia crítica na Ingla-

terra: retrospecto e perspectiva. In   r.   Taylo_  et ai/i  (Ed),  Criminologia

ctitica.   Rio: Graal,   1980. \,

72. . -   The new mminology.   Londres: Routledge   &

Kengan Paul, 1973.

73. Unger, R. M. -  LaUJ in m odern societ)'. New York: Free Press, 1976.

136

-----  137

 A Crim inol ogia IZL ldic al------~---   ----------

74. Versele, S. C. - A cifra dourada da delinqüência.   Revista de Direito

Pena/,   1980, 27, p.   5-20.

75 Young J - Left idealism ref~nnism and beyond: fram new crimi

,

INDICE DAMATÉRIA

Page 76: A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

8/11/2019 A criminologia radical - prof Juarez Cirino.pdf

http://slidepdf.com/reader/full/a-criminologia-radical-prof-juarez-cirinopdf 76/76

75. Young, J . -   Left idealism, ref~nnism and beyond: fram new crimi-

nology to marxismo I B. Fine   et alii (Ed.), Capita/ism and the m/e of 

 /aw.   Londres: Hutchinson, 1979.

76. . - A criminologia da classe trabalhadora. In   r.

Taylor et alii (Ed.)   Criminologia critica.   Rio:   Graal, 1980.

138

SuMÁRIo ••..•••.•••.••...•.•...•.•...•••.•..•••...•..•.•...•.•..••.....•.•.........•••..•..... xi

I. INTRODUÇÃO•.•••••..•••.•..••.•••••••.•.•..•.•.•••••••••••..•.•••••.••.••.••...•.•.•.•.•••   1

1. As Teorias Tradicionais 2

2. A Formação das Teorias Radicais em Criminologia 5

3. A Crítica às Teorias Tradicionais 10

4. Tendências Críticas e Radicais 17

11. A CRIMINOLOGIA RADICAL•••••••••••••••••••••••••.•..•.•••••••••••.••••••••••••35

lU.   A CRIMINOLOGIA RADICALE O CONCEITO DECRIME•..•••••.•••••• .49

IV. A CRIMINOLOGIA RADICALE APOLÍTICA DO

CONTROLE SOCIAL••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.•.•••••••••••.•61

1.As Determinações Estruturais do Controle Social... 65

2. A Ideologia do Controle Social 71

3. Os Objetivos do Aparelho Penal... 80

V. A CRIMINOLOGIA RADICALE AFORMA LEGALDO

CONTROLE SOCIAL•.•.•....•••.•••••••••••••..••••••••••••••.••••.••.••••••••••••••••• 87

VI. A CRIMINOLOGIA RADICALE ALTERNATIVASDO

CONTROLE SOCIAL••.•..••••••••••.•.••••••••••.•.•.•.•••..••...•...•.•.•••••••••.•   111

VII. CONCLUSÕES••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.••••••••••••••••125

BIBLIOGRAFIA.•••.•.••..••.••....•••...•••....••..•..••••.•.•.•.••.•...••.•.••••.•.••••..•   133

139