ORGANIZZATORI COORDINATORI...ANÁLISE SOBRE A DEMOCRACIA ATENIENSE1 Manuela Fernanda Gonçalves...

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  • ISBN: 978-88-99490-07-2

    ORGANIZZATORI

    Rafael Padilha dos Santos

    Luciene Dal Ri

    COORDINATORI

    Maurizio Oliviero

    Pedro Manoel Abreu

    PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS PARA O ESTUDO DA DEMOCRACIA E OS

    NOVOS DESAFIOS NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

    AUTORI Adriane Guasque

    Adriano Gonçalves Aguirre Alan Felipe Provin

    Alexandre Baumgratz da Costa Alexandre Carrinho Muniz

    Alexandre Estefani Aline Milena Grando

    Ana Luiza Colzani Andréia Regis Vaz Barbara Guasque

    Bruna Maria Civinsky Bruno Smolarek Dias

    Camila Savaris Cornelius Celso Hiroshi Iocohama

    Cheila da Silva dos Passos Carneiro Chimelly Louise de Resenes Marcon

    Daniel Mayerle Danielle Rosa

    Deisy Mabel Campos Sell Douglas Roberto Martins Elisandra Riffel Cimadon

    Emerson Rodrigo Araújo Granado Érico Sanches Ferreira dos Santos

    Fabíola Duncka Geiser Fabrícia Alcantara Mondin

    Fabrício Wloch Felipe Schmidt

    Felipe Wildi Varela Frederico Wellington Jorge

    Gabriela Rangel da Silva Heloise Siqueira Garcia

    Hilariane Teixeira Ghilardi

    Jorge Alberto de Andrade Juliete Ruana Mafra Granado

    Jocélia Aparecida Lulek Jonathan Cardoso Régis

    Luciene Dal Ri Manuela Fernanda Gonçalves Ferreira

    Marcelo Corrêa Márcio Ricardo Staffen

    Marcos Vinícius Viana da Silva Maria Lenir Rodrigues Pinheiro

    Mariana Faria Filard Mário Henrique de Souza

    Natammy Luana de Aguiar Bonissoni Orlando da Silva Neto

    Ornella Cristine Amaya Pablo Franciano Steffen

    Paola Fernanda de Souza Cunha Patrícia Pasqualini Philippi

    Patrícia Silva Rodrigues Pedro Walter Guimarães Tang Vidal

    Rafael Bozzano Raul Denis Pickcius

    Ricardo Uliano dos Santos Rosana Aparecida Bellan

    Sérgio Julian Zanella Martinez Caro Silvia Letícia Listoni

    Sílvia Regina Danielski Sirio Vieira dos Santos Filho Sonia Aparecida de Carvalho

    Vanessa de Assis Martins Yasmine Coelho Kunrath

    Yury Augusto dos Santos Queiroz

  • Rettore dell’Università degli Studi di Perugia

    Franco Moriconi

    Direttore del Dipartimento di Giurisprudenza Giovanni Marini

    Professore Ordinario del Dipartimento

    di Giurisprudenza Maurizio Oliviero

    Professore Ricercatore di Istituzioni

    di Diritto Pubblico Daniele Porena

    Professore Associato di Istituzioni

    di Diritto Pubblico Guido Sirianni

    Professore Associato del Dipartimento

    di Giurisprudenza Carlo Calvieri

    Comitato Redazionale - E-books/UNIPG

    Il presidente Maurizio Oliviero

    Redattore

    Dirigente E-Books/UNIPG Leonello Mattioli

    Membri

    Maria Chiara Locchi Jacopo Paffarini Daniele Porena Sofia Felicioni

    Organizzatori Luciene Dal Ri

    Rafael Padilha dos Santos

    Coordinatori Maurizio Oliviero

    Pedro Manoel Abreu

    Diagramma/Revisione Andrey Gastaldi da silva Heloise Siqueira Garcia

    Copertina

    Alexandre Zarske de Mello Heloise Siqueira Garcia

    Progetto di Fomento

    Libro risultato dalla Convenzione tra l’Agenzia per il Diritto allo Studio

    Universitario per l’Umbria – ADISU e l’Academia Judicial do TJSC

    Indirizzo

    Dipartimento di Giurisprudenza – Università degli Studi di Perugia - Via Pascoli,

    33 - 06123 Perugia (PG)

    2016

  • SUMÁRIO

    APRESENTAÇÃO ............................................................................................................. VIII

    Profa. Luciene Dal Ri .................................................................................................... IX

    Prof. Maurizio Oliviero ................................................................................................ IX

    Prof. Rafael Padilha ..................................................................................................... IX

    ANÁLISE SOBRE A DEMOCRACIA ATENIENSE .................................................................. 10

    Manuela Fernanda Gonçalves Ferreira ...................................................................... 10

    Patrícia Silva Rodrigues ............................................................................................... 10

    A DEMOCRACIA NO FIM DA IDADE MÉDIA E INÍCIO DA IDADE MODERNA: AS CONCEPÇÕES DE MARSÍLIO DE PÁDUA, GUILHERME DE OCKHAM E NICOLAU MAQUIAVEL ..................................................................................................................... 26

    Alexandre Carrinho Muniz .......................................................................................... 26

    Felipe Schmidt ............................................................................................................ 26

    A DEMOCRACIA E O ESTADO LIBERAL ............................................................................. 77

    Mário Henrique de Souza ........................................................................................... 77

    A DEMOCRACIA NO SÉCULO XX ...................................................................................... 89

    Andréia Regis Vaz ....................................................................................................... 89

    DEMOCRACIA: DEFINIÇÃO E EVOLUÇÃO DO CONCEITO ............................................... 102

    Heloise Siqueira Garcia ............................................................................................. 102

    Hilariane Teixeira Ghilardi ........................................................................................ 102

    OS CONCEITOS DE POVO, SOBERANIA E DEMOCRACIA PARA JEFFERSON E ROUSSEAU EM UMA TENTATIVA DE COMPREENDER O ESTADO MODERNO ................................. 125

    Marcos Vinícius Viana da Silva ................................................................................. 125

    Ana Luiza Colzani ...................................................................................................... 125

    LIÇÕES DE JOHN STUART MILL SOBRE A DEMOCRACIA E A LIBERDADE INDIVIDUAL .. 143

    Chimelly Louise de Resenes Marcon ........................................................................ 143

    Vanessa de Assis Martins ......................................................................................... 143

    A DEMOCRACIA NA CONCEPÇÃO DE SCHUMPETER ..................................................... 168

    Adriane Guasque ...................................................................................................... 168

    Barbara Guasque ...................................................................................................... 168

    A DEMOCRACIA NAS TEORIAS LIBERAL E SOCIALISTA ................................................... 187

    Camila Savaris Cornelius ........................................................................................... 187

    Yasmine Coelho Kunrath .......................................................................................... 187

    A DEMOCRACIA COMPETITIVA DE ROBERT ALAN DAHL ............................................... 217

    Alexandre Estefani .................................................................................................... 217

  • Douglas Roberto Martins.......................................................................................... 217

    A DEMOCRACIA: OS MODELOS E AS CLASSIFICAÇÕES .................................................. 234

    Rafael Bozzano .......................................................................................................... 234

    A EROSÃO DA DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA: UM ESTUDO COMAPORTES DO GARANTISMO JURÍDICO ................................................................................................ 255

    Daniel Mayerle.......................................................................................................... 255

    Pablo Franciano Steffen ............................................................................................ 255

    OS CONFLITOS ENTRE A ECONOMIA TRANSNACIONAL, A DEMOCRACIA E OS DIREITOS ADQUIRIDOS: UMA ANÁLISE DOS EMPRÉSTIMOS DA UNIÃO EUROPEIA PARA A GRÉCIA ........................................................................................................................... 281

    Frederico Wellington Jorge ...................................................................................... 281

    Jonathan Cardoso Régis ............................................................................................ 281

    ESTADO E DEMOCRACIA – OS CAMINHOS POSSÍVEIS EM TEMPOS DE TRANSIÇÃO .... 309

    Bruna Maria Civinsky ................................................................................................ 309

    Sílvia Regina Danielski .............................................................................................. 309

    DEMOCRACIA E TECNOCRACIA: UM DEBATE ACERCA DAS FORMAS DE GOVERNO NO CONTEXTO DO ESTADO CONTEMPORÂNEO ................................................................. 334

    Pedro Walter Guimarães Tang Vidal ........................................................................ 334

    A DEMOCRACIA NO SISTEMA GLOBALIZADO ................................................................ 353

    Fabrício Wloch .......................................................................................................... 353

    Elisandra Riffel Cimadon ........................................................................................... 353

    DEMOCRACIA X DESENVOLVIMENTO ........................................................................... 389

    Cheila da Silva dos Passos Carneiro .......................................................................... 389

    Patrícia Pasqualini Philippi ........................................................................................ 389

    DEMOCRACIA E COMUNICAÇÃO ................................................................................... 411

    Danielle Rosa ............................................................................................................ 411

    Orlando da Silva Neto ............................................................................................... 411

    E-DEMOCRACIA OU DEMOCRACIA ELETRÔNICA ........................................................... 430

    Felipe Wildi Varela .................................................................................................... 430

    Sérgio Julian Zanella Martinez Caro ......................................................................... 430

    DEMOCRACÍA E AMBIENTE ........................................................................................... 449

    Sonia Aparecida de Carvalho .................................................................................... 449

    WILD LAW ...................................................................................................................... 475

    Silvia Letícia Listoni ................................................................................................... 475

    Raul Denis Pickcius ................................................................................................... 475

    DEMOCRACIA E CONFLITO ENTRE OS PODERES ........................................................... 502

  • Alexandre Baumgratz da Costa ................................................................................ 502

    Adriano Gonçalves Aguirre ....................................................................................... 502

    O JUIZ LEGISLADOR ........................................................................................................ 518

    Fabrícia Alcantara Mondin ....................................................................................... 518

    Ornella Cristine Amaya ............................................................................................. 518

    CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO E O NEOCONSTITUCIONALISMO ............. 544

    Juliete Ruana Mafra Granado ................................................................................... 544

    Emerson Rodrigo Araújo Granado ............................................................................ 544

    O CONSTITUCIONALISMO TRANSNACIONAL ................................................................. 565

    Marcelo Corrêa ......................................................................................................... 565

    Ricardo Uliano dos Santos ........................................................................................ 565

    O DIÁLOGO ENTRE AS CORTES ...................................................................................... 588

    Alan Felipe Provin ..................................................................................................... 588

    Yury Augusto dos Santos Queiroz ............................................................................ 588

    A RELAÇÃO ENTRE A MAGISTRATURA E A POLÍTICA: A (IN) DEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO ..................................................................................................................... 608

    Deisy Mabel Campos Sell .......................................................................................... 608

    Fabíola Duncka Geiser .............................................................................................. 608

    A ORGANIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NOS SISTEMAS JUDICIÁRIOS CONTEMPORÂNEOS ...................................................................................................... 629

    Maria Lenir Rodrigues Pinheiro ................................................................................ 629

    Mariana Faria Filard .................................................................................................. 629

    O TEMPO DO LEGISLADOR: PROCEDIMENTO DE APROVAÇÃO DA LEI E DIÁLOGO ENTRE PARLAMENTOS .............................................................................................................. 650

    Érico Sanches Ferreira dos Santos ........................................................................... 650

    Jocélia Aparecida Lulek ............................................................................................. 650

    POLÍTICAS PÚBLICAS E PODER JURISDICIONAL ............................................................. 676

    Paola Fernanda de Souza Cunha .............................................................................. 676

    Sirio Vieira dos Santos Filho ..................................................................................... 676

    O PLURALISMO RELIGIOSO E SUAS INGERÊNCIAS NO PLURALISMO JURÍDICO ............ 702

    Natammy Luana de Aguiar Bonissoni ....................................................................... 702

    GEODIREITO ................................................................................................................... 720

    Gabriela Rangel da Silva ........................................................................................... 720

    Jorge Alberto de Andrade ......................................................................................... 720

  • DEMOCRACIA NA TEORIA DO PROCESSO LEGAL TRANSNACIONAL: POSICIONAMENTO DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) E A SUBSTÂNCIA LEGAL TRANSNACIONAL ........................................................................................................... 743

    Bruno Smolarek Dias ................................................................................................ 743

    Celso Hiroshi Iocohama ............................................................................................ 743

    DIGNIDADE E DIREITOS HUMANOS:UMA BUSCA NA HISTÓRIA PELA (DES)CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS ............................................................................................................... 768

    Luciene Dal Ri ........................................................................................................... 768

    DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO: COMO “É BOM TER ESPERANÇA, MAS É RUIM DEPENDER APENAS DELA” ............................................................................................. 785

    Márcio Ricardo Staffen ............................................................................................. 785

    A DEMOCRACIA COMO DEFINIÇÃO NORMATIVA E EMPÍRICA ..................................... 803

    Aline Milena Grando ................................................................................................. 803

    Rosana Aparecida Bellan .......................................................................................... 803

  • VIII

    APRESENTAÇÃO

    Este livro representa o resultado dos estudos científicos e acadêmicos

    desenvolvidos na disciplina do doutorado intitulada “Teoria do Estado e da

    Constituição”, bem como na disciplina do mestrado de “Teoria Jurídica e

    Transnacionalidade”, no ano de 2015, dentro da parceria existente entre a

    Universidade do Vale do Itajaí (Brasil) e a Università degli Studi di Perugia (Itália),

    conduzida e coordenada pelo Prof. Dr. Maurizio Oliviero, Professor Visitante do

    Exterior, com bolsa CAPES, no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência

    Jurídica (PPCJ/UNIVALI), com a colaboração da Profa. Dra. Luciene Dal Ri e do Prof. Dr.

    Rafael Padilha dos Santos. Além dos mestrandos e doutorandos, há ainda a publicação

    nesta obra de Professores doutores convidados, que contribuíram com pesquisas

    dentro das linhas temáticas deste livro.

    Foram elaboradas quatro linhas temáticas, a partir das quais os Capítulos deste

    livro estão sistematizados: 1) A democracia na dimensão histórica; 2) A democracia na

    dimensão teórica; 3) Os modelos de democracia; 4) A democracia na era da

    globalização.

    Deste modo, posiciona-se como categoria central a democracia, pois ainda hoje

    esta palavra conserva sua vitalidade para se pensar a complexidade política. Apesar

    disso, deve-se reconhecer que sua definição não é constante e uniforme ao longo da

    história; além disso, a democracia não deve ser analisada longe dos contextos

    histórico-culturais em que é empregada, tendo assim um amplo espectro semântico,

    que gera estímulo para o trabalho acadêmico. Por isso, a primeira linha temática

    enfrenta o tema da democracia na dimensão histórica, o que envolve pensar sua

    realidade na Grécia, na época medieval, no período moderno, e no século XX.

    Depois, com a segunda linha temática, da democracia na dimensão teórica, é

    analisada a cultura política a partir de grandes substratos teóricos da democracia,

    trazendo para a discussão autores clássicos e contemporâneos, o que envolve abordar

    o pensamento de Jean-Jacques Rousseau, Thomas Jefferson, John Stuart Mill, Joseph

    A. Schumpeter, Robert Alan Dahl.

  • IX

    A organização das ideias segue com a terceira linha temática, enfrentando os

    modelos e classificações da democracia, para se compreender as suas nuances no

    escopo de empoderar o demos e na diversidade pensável para os seus modos de

    funcionamento e organização, discutindo-se sobre as possibilidades da formalização da

    manifestação da vontade coletiva na tomada de decisão política, e os desafios para a

    substancialização da democracia.

    Com a linha temática da democracia na era da globalização enfrenta-se a

    contemporânea mudança do ambiente histórico-político, que antes ligava

    geneticamente a democracia ao Estado Nacional dentro de um território centralizado,

    e que atualmente é assolado pelo fenômeno da globalização que empurra a

    democracia para uma novidade constitutiva, obrigando-se a se pensar a democracia

    em um horizonte supranacional e supraestatal.

    Assim, abre-se a reflexão para se pensar as virtualidades da democracia

    aplicáveis em espaços jurídicos globalizados e transnacionais, o que acontece em um

    ambiente de revolução tecnológica, com novos atores, novas demandas, novos

    direitos, representando um estímulo para se pensar em novos modos de proteção

    democrática para bens considerados como juridicamente relevantes.

    Deste modo, a obra estrutura-se a partir de linhas temáticas com coerente

    correlação entre si, cada capítulo guarda um diálogo com o tema central da

    democracia. Ainda que cada texto apresente uma autonomia reflexiva e um

    aprofundamento próprio, resta integrado à totalidade unitária com os demais

    componentes da obra, centrando-se na ideia de democracia. Assim, o leitor é

    provocado à leitura complexa do mundo, a um discernimento mais preciso para se

    enfrentar os desafios do tempo presente.

    Profa. Luciene Dal Ri

    Prof. Maurizio Oliviero

    Prof. Rafael Padilha

  • 10

    ANÁLISE SOBRE A DEMOCRACIA ATENIENSE1

    Manuela Fernanda Gonçalves Ferreira2

    Patrícia Silva Rodrigues3

    INTRODUÇÃO

    O presente artigo científico tem por objetivo analisar a categoria jurídica

    Democracia, sua definição, origens, bem como a organização política ateniense, sua

    base teórica e, ainda, sua importância para a (re) construção da Democracia

    contemporânea. Os objetivos específicos são: a) proceder ao levantamento

    bibliográfico e digital, tanto na doutrina pátria quanto na estrangeira, acerca da

    temática; b) listar opiniões doutrinárias diversas a respeito do instituto; c) enumerar

    características e critérios sobre a Democracia; c) elencar marcos históricos acerca do

    assunto.

    A problemática que permeou a construção deste artigo consiste nos seguintes

    questionamentos: (a) qual a importância da Democracia Ateniense para a construção

    da atual definição de Democracia? E (b) quais os elementos da Democracia Ateniense

    que seriam importantes na construção do atual modelo de Democracia segundo

    Robert Dahl. Como hipótese básica ao problema apresentado supõe-se que ainda hoje

    a revisitação à origem clássica da Democracia é importante para se (re) construir o

    conceito da Democracia em pleno século XXI, bem como que alguns elementos

    originários da Democracia são úteis ao atual modelo democrático.

    1 Artigo produzido para a disciplina de Teoria Jurídica e Transnacionalidade, ministrada pelo Professor Doutor

    Maurizio Oliviero. 2 Mestranda em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI – SC (2015/2017). Pós Graduada em

    nível de Especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Escola da Magistratura do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (2006). Graduada em ciências jurídicas, curso de Direito, pela Universidade da Região de Joinville- UNIVILLE (2001/2005). Advogada inscrita na OAB/SC sob o nº 22.684. Professora de Direito e Processo do Trabalho no curso de graduação em Direito na Sociedade Educacional de Santa Catarina - UniSociesc. E-mail: [email protected].

    3 Doutoranda em Ciências Jurídicas junto à Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI com dupla titulação em Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad pela Universidade de Alicante na Espanha. Servidora pública do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) Professora junto à Universidade Sociedade Educacional de Santa Catarina (UNISOCIESC), Joinville – SC, e-mail; [email protected].

  • 11

    Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação o

    Método4 utilizado foi o Indutivo, na fase de Tratamento dos Dados o Cartesiano e o

    Método Analítico, esse último na perspectiva de Norberto Bobbio5, sendo que no

    presente Relatório da Pesquisa, é empregada a base indutiva6. Foram acionadas as

    técnicas do referente7, da categoria8, dos conceitos operacionais9, da pesquisa

    bibliográfica10 e do fichamento11.

    1. DA DEFINIÇÃO DE DEMOCRACIA

    Como é cediço, o vocábulo Democracia advém da junção dos termos gregos

    Demos, que significa “povo”, e Krátos, que significa “força, domínio, poder”. Assim, “a

    palavra Democracia traz em si, implicitamente, o conceito de exercício do poder

    político pelo povo”12.

    Nesse sentido, Luigi Ferrajoli 13 preceitua que: “En el sentido común la

    democracia se concibe habitualmente, según el significado etimológico de la palavra,

    como el poder del pueblo de asumir las decisiones públicas, diretamente o a través de

    representantes”.

    4 “Método é forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos

    e relatar os resultados”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica, p. 206. 5 Vide PASOLD, Cesar Luiz. Ensaio sobre a Ética de Norberto Bobbio. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 193. 6 Sobre os métodos e técnicas nas diversas fases da Pesquisa Científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da

    Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 81-111. 7"Explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para

    uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa".PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 58.

    8 “Palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma ideia".PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 27.

    9 “Definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das ideias expostas”.PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 39.

    10 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 215.

    11 “Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura na Pesquisa Científica, mediante a reunião de elementos selecionados pelo Pesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou analisa de maneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, um Artigo ou uma aula, segundo Referente previamente estabelecido”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 13. ed. rev. atual. amp. Florianópolis: Conceito Editorial, 2015, p. 114-115.

    12RIBEIRO, Telmo Vieira. Duas Teses de Telmo Vieira Ribeiro. Orgs. Luis Carlos Cancellier de Olivo, César Luiz Pasold. Joaçaba: Editora UNOESC, 2015, p. 18.

    13 FERRAJOLI, Luigi. Poderes Salvajes. 2. Ed. Madrid: Trotta, 2011, p. 27.

  • 12

    A categoria em comento, como assinalado por Paulo Márcio Cruz14, continua

    sendo uma das mais controversas dentro da Teoria do Estado e do Direito

    Constitucional, sendo que uma das divergências diz respeito à sua própria definição.

    Nesse sentido, cumpre destacar o alerta feito por Telmo Vieira Ribeiro: “De fato,

    muitos pretendem agregar ao conceito de Democracia ingredientes outros para que o

    resultado fique em consonância com suas convicções ou conveniências políticas, não

    raro ocasionais”15.

    A despeito disso, ousa-se exarar a definição de Pontes de Miranda16 a respeito

    da Democracia, dada sua completude:

    Democracia é a participação do povo na ordem estatal: na escolha dos chefes, na

    escolha dos legisladores, na escolha direta ou indireta dos outros encarregados do

    poder público. Os gráus de democracia concernem à sua perfeição. Mas democracia

    somente há, se existe a co-decisão. Chama-se co-decisão a deliberação em comum,

    pelo povo ou por pessoas escolhidas pelo povo, isto é, não por pessoas oriundas de

    atos de força, ou de fato estranho ao querer da população (nascimento, por exemplo).

    Desde que o grande número decide, pelo voto escrito, oral, ou em gestos, ou escolhe

    quem o faça, sem dar a essa escolha caráter de escolha definitiva, sem termo e sem

    revogação possível, há democracia.

    Numa tentativa mais moderna de se definir o instituto em comento, Robert A.

    Dahl17 sustenta a existência de cinco critérios que juntos permitem ao cidadão

    participar efetivamente e de forma igualitária das decisões do Estado de forma a

    concretizar a Democracia. Ei-los:

    Participação efetiva. Antes de ser adotada uma política pela associação, todos os

    membros devem ter oportunidades iguais e efetivas para fazer os outros membros

    conhecerem suas opiniões sobre qual deveria ser esta política.

    Igualdade de voto. Quando chegar o momento em que a decisão sobre a política for

    tomada, todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas de voto e todos

    os votos devem ser contados como iguais.

    Entendimento esclarecido. Dentro de limites razoáveis de tempo, cada membro deve

    ter oportunidades iguais e efetivas de aprender sobre as políticas alternativas

    importantes e suas prováveis consequências.

    14 CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10, p. 107-116.

    Abril/2000. 15 RIBEIRO, Telmo Vieira. Duas Teses de Telmo Vieira Ribeiro. Orgs. Luis Carlos Cancellier de Olivo, César Luiz

    Pasold. Joaçaba: Editora UNOESC, 2015, p. 20. 16 MIRANDA, Pontes de. Democracia, Liberdade e Igualdade. Rio de Janeiro, 1946, p. 158-159. 17DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,

    p. 49.

  • 13

    Controle do programa de planejamento. Os membros devem ter a oportunidade

    exclusiva para decidir como e, se preferirem, quais as questões que devem ser

    colocadas no planejamento. Assim, o processo democrático exigido pelos três critérios

    anteriores jamais é encerrado. As políticas da associação estão sempre abertas para a

    mudança pelos membros, se assim estes escolherem~.

    Inclusão dos adultos. Todos ou, de qualquer maneira, a maioria dos adultos residentes

    permanentes deveriam ter o pleno direito de cidadãos implícito no primeiro de nossos

    critérios. Antes do século XX, este critério era inaceitável para a maioria dos

    defensores da democracia. Justificá-lo exigiria que examinássemos por que devemos

    tratar os outros como nossos iguais políticos.

    Por sua vez, J. J. Gomes Canotilho18 entende a Democracia como sendo:

    Um processo dinâmico inerente a uma sociedade aberta e activa, oferecendo aos

    cidadãos a possibilidade de desenvolvimento integral e de liberdade de participação

    crítica no processo político em condições de igualdade económica, política e social.

    Assim, percebe-se que o que realmente marca a Democracia é a efetiva

    deliberação, participação do povo esclarecido de seus direitos e deveres como

    cidadãos, em igualdade de condições, na construção da ordem estatal, ou seja, a

    decisão comum sobre quem vai governá-lo e os caminhos a serem trilhados pelo

    Estado. Isso dito, passar-se-á a discorrer sobre a origem do instituto.

    2 DA ORIGEM DA DEMOCRACIA

    Robert A. Dahl19 inicia sua célebre obra intitulada “Sobre a Democracia”

    questionando se a Democracia é tão velha como alguns sustentam. Aduz que, para

    uns, fiados em raízes clássicas, ela teria começado na Grécia ou Roma antiga enquanto

    que, para outros, ela teria se iniciado há cerca de duzentos anos, nos Estados Unidos

    da América.

    O fato é que, segundo o próprio autor, “como o fogo, a pintura ou a escrita, a

    Democracia parece ter sido inventada mais de uma vez, em mais de um local”. De fato,

    prossegue Dahl20:

    18 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. Ed., Coimbra: Almedina, p. 289. 19 DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,

    p. 18. 20DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,

    p. 19.

  • 14

    Pressuponho que a democracia possa ser inventada e reinventada de maneira

    autônoma sempre que existirem as condições adequadas. Acredito que essas

    condições adequadas existiram em diferentes épocas e em lugares diferentes. Assim

    como uma terra que pode ser cultivada e a devida quantidade de chuva estimularam o

    desenvolvimento da agricultura, determinadas condições favoráveis, sempre apoiaram

    uma tendência para o desenvolvimento de um governo democrático. Por exemplo,

    devido a condições favoráveis, é bem provável que tenha existido alguma forma de

    democracia em governos tribais muito antes da história registrada.

    Pontuado acerca dessa capacidade de “reinventar-se”, o certo é que a

    Democracia, como sistema de governo que permite, desde os primórdios do instituto,

    a participação popular de um significativo número de cidadãos na vida do Estado

    surgiu pela primeira vez na Grécia antiga e em Roma, por volta do ano 500 a.C.

    2.1 Da organização política ateniense

    A Grécia clássica era composta por centenas de cidades independentes,

    rodeadas de áreas rurais, as denominadas “cidades-estado”, sendo a mais famosa

    chamada de Atenas. Em 507 a.C., os atenienses adotaram um sistema de governo

    popular que durou aproximadamente dois séculos, até a cidade ser subjugada por sua

    vizinha mais poderosa ao norte, a Macedônia.

    Como afirmado alhures, foram os gregos (e ousa-se dizer os atenienses) que

    cunharam o termo Democracia(governo do povo). Nesse ponto, convém trazer a lume

    o pensamento de Robert A. Dahl21 no sentido de que:

    Embora a palavra demos em geral se referisse a todo o povo ateniense, às vezes,

    significa apenas a gente comum ou apenas o pobre. Às vezes, demokratia era utilizada

    por seus críticos aristocráticos como uma espécie de epíteto, para mostrar seu

    desprezo pelas pessoas comuns que haviam usurpado o controle que os aristocratas

    tinham sobre o governo. Em quaisquer dos casos, demokratia era aplicada pelos

    atenienses e por outros gregos ao governo de Atenas e ao de muitas outras cidades

    gregas.

    Para Denise Lacerda 22 , a Democracia grega foi, em sua plenitude, uma

    experiência basicamente ateniense, pois foi em Atenas que se desenvolveu de forma

    21DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,

    p. 21. 22 LACERDA, Denise. Cidadania, participação e exclusão. Uma análise do grau de instrução do eleitorado brasileiro.

    Itajaí: Editora da Univali, 2000, p.34.

  • 15

    estável e institucionalizada, um governo exercido pelos cidadãos reunidos em

    Assembleia. Portanto, um governo do povo, pelo povo.

    A autora relata que a Democracia Ateniense se inicia com Sólon na passagem

    do século sexto para o sétimo, e suas reformas econômicas para solucionar a crise

    monetária pela qual a Grécia passava. Explica que, no plano social, Sólon criou quatro

    classes de cidadãos23:

    As três classes mais altas, formadas pelos grandes, médios e pequenos proprietários,

    supriam os contingentes da infantaria pesada, os hoplitas. Eram os proprietários rurais,

    os cavaleiros e os “zeugitae”. A quarta classe, os “thetes”, os trabalhadores braçais,

    fornecia os contingentes da infantaria ligeira. Eram os únicos que não tinham direito a

    voto na Assembléia.

    O desdobramento, no plano político, da estratificação da sociedade em quatro

    classes foi a reserva do acesso ao poder apenas as duas classes mais altas. Existia,

    porém, um tribunal popular, cujos membros eram eleitos por todos os que eram

    considerados cidadãos à época.

    Já com Péricles, em 457 a.C., o poder passou a ser acessível também à terceira

    classe, os “zeugitae”, o que, na percepção de Denise Lacerda, também beneficiou os

    trabalhadores a última classe.

    Guarinello24 conta que entre os séculos IX e VIII a.C. aconteceu um intenso

    intercâmbio de pessoas, bens e ideias por todo o Mediterrâneo, o que foi causado

    especialmente pelo interesse na matéria-prima principal da época, o ferro. Essa busca

    pela matéria prima acabou por difundir inovações e técnicas de grande importância

    como a arquitetura em pedra, as construções monumentais, a escultura em três

    dimensões, o relevo, a pintura, a fabricação de artigos em bronze, a escrita alfabética e

    o cavalo de guerra. Este intercâmbio de pessoas e bens proporcionou uma verdadeira

    revolução no cenário da época, o que o autor chama de “revolução industrial sem

    indústria”. Evidente que o aumento populacional era visível, em especial, em grandes

    cidades como Atenas, e foi daí que surgiu a forma de organização peculiar: a cidade-

    estado.

    23 LACERDA, Denise. Cidadania, participação e exclusão. Uma análise do grau de instrução do eleitorado brasileiro.

    Itajaí: Editora da Univali, 2000, p.35/36. 24 GUARINELLO, Norberto Luiz. Cidades-estado na antiguidade clássica. IN PINSKY, Jaime. PINSKY, Carla Bassanezi.

    (org) História da cidadania. São Paulo: Editora Contexto, 2015, p. 31.

  • 16

    Preocupado com o grande aumento populacional, Péricles criou uma

    importante medida a respeito da cidadania e que trouxe impacto direto no exercício

    dos direitos democráticos. É que nessa época a aquisição da cidadania ficou restrita a

    atenienses filhos de pai e mãe atenienses, tudo em vista do crescente interesse

    estrangeiro por Atenas. A esse respeito, implica destacar que, embora os estrangeiros

    fossem excluídos das atividades políticas, não podendo, portanto, participar do

    processo democrático, gozavam dos demais benefícios da cidade.25

    2.2 Da base teórica da Democracia Ateniense

    Bobbio26, ao discorrer sobre as formas de governo, inicia relatando os escritos

    de Heródoto produzidos no século V antes de Cristo. Nesses escritos, Heródoto, como

    era peculiar da época, conta o diálogo entre Otanes, Magabises e Dario sobre a melhor

    forma de governo. Cada um dos personagens defende uma das três clássicas formas

    de governo: democracia, o governo de muitos, aristocracia, o governo de poucos e

    monarquia, o governo de um só. Para Bobbio, o que chama atenção no debate entre

    os personagens é o grau de desenvolvimento que já tinha atingido o pensamento

    grego sobre política um século antes da sistematização teórica de Platão e Aristóteles.

    Vale esclarecer que no texto de Heródoto o governo do povo ainda não é chamado de

    democracia, termo que, à época, era considerado negativo pelos grandes pensadores

    políticos e trazia a concepção de mal governo.

    No campo teórico, Platão27, (428 – 347 a.C) fala sobre a constituição da

    república ideal, que segundo o autor teria por objetivo a realização da justiça

    entendida como atribuição a cada um da obrigação que lhe cabe, de acordo com as

    próprias aptidões. Essa república, obviamente, por representar um ideal, não existia, a

    não ser nas palavras e nas ideias do autor28.

    Platão examinou em sua obra, A República, apenas formas más de governo, ao

    contrário do que fez Heródoto. Ele justifica que todas as formas analisadas são más,

    25 LACERDA, Denise. Cidadania, participação e exclusão. Uma análise do grau de instrução do eleitorado brasileiro.

    Itajaí: Editora da Univali, 2000, p.36/37. 26 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 39/41. 27 Platão. A república. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999. 28 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 45.

  • 17

    porque não se alinham ao modelo ideal, que está alicerçado no consentimento dos

    cidadãos de acordo com as leis estabelecidas29.

    Bobbio30 justifica a análise pessimista de Platão afirmando que se trata de um

    pensador conservador, que vê o passado com benevolência e o futuro com espanto.

    Além disso, deve-se considerar que Platão viveu na época da degradação da polis, na

    decadência da gloriosa Democracia Ateniense, o que também explica a visão de Platão.

    Platão analisa em seus escritos as seguintes formas de governo: timocracia,

    oligarquia, democracia e tirania, deixando de lado a aristocracia e a monarquia. Em

    observância ao tema da pesquisa, restará restrita à análise à forma democracia.

    Num estado governado democraticamente, na visão de Platão, a liberdade é

    que será proclamada como bem maior, por isso, conclui, que neste Estado, só poderá

    viver quem for liberal por temperamento, pois tudo será permitido. Neste Estado, a

    fruição da liberdade acontecerá de forma demasiada e os governantes se tornarão

    complacentes, sendo ao final atacados pelo povo e punidos como réus e traidores.

    Além disso, Platão professa que entre os cidadãos restaria instalada a anarquia, pois o

    povo dominaria os que tem bens, por exemplo31.

    Bobbio32 explica que ao trazer o confronto entre as várias formas de governo,

    Platão determina que a democracia seria a pior das formas ruins e a melhor das formas

    boas de governo, o que explica porque a democracia não possui um tipo antagônico,

    como se verá mais adiante.

    Aristóteles33 (384 – 322 a.C) desenvolveu a teoria clássica das formas de

    governo ou teoria das seis formas de governo em seu célebre livro Política. Relatou a

    ocorrência de três tipos puros de governo – a monarquia, a aristocracia e a república -,

    e outros três tipos de desvios das formas puras – a corrupção, a tirania e a oligarquia.

    Nas formas boas, os governantes visariam o bem comum e, nas formas más, haveria

    pretensão dos interesses próprios dos governantes. O autor sustenta esse critério

    basicamente com o mesmo conceito aristotélico de pólis: a razão pela qual os

    29 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 46/54 30 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 46. 31 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 551/53. 32 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 53/54. 33 Aristóteles. Política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.

  • 18

    indivíduos formam comunidades políticas não é apenas para viver, mas para viver

    bem. Assim, para que este objetivo seja alcançado é necessário que os cidadãos visem

    o interesse comum34.

    Bobbio35 diz que o autor formula, com extrema simplicidade, a teoria das seis

    formas de governo, com o emprego de dois critérios fundamentais: quem governa e

    como governa. Com base no primeiro critério, pode-se determinar quem detém o

    poder – uma só pessoa (monarquia), poucas pessoas (aristocracia) ou muitas pessoas

    (politia). Já com base no segundo critério, pode-se determinar se a forma de governo é

    boa ou má. As versões más de governo se contrapõe as boas, sendo elas a tirania, a

    oligarquia e a democracia.

    Em sua análise, Bobbio36 afirma que causa estranheza o uso da terminologia

    politia para indicar o bom governo de muitos, visto que é um termo genérico, não

    específico. Em outro escrito, Aristóteles utiliza o termo timocracia, para indicar a

    forma boa do governo de muitos, o que, para Bobbio, causa ainda mais estranheza. No

    entanto, o autor explica que de qualquer forma, o uso do termo genérico – politia -

    confirma o que Platão já havia ensinado: ao contrário do que acontece com as duas

    primeiras formas de governo, para as quais existem dois termos consagrados pelo uso

    para indicar respectivamente a forma boa e má (monarquia-tirania, aristocracia-

    oligarquia), com relação à terceira forma, há somente um termo: democracia, o qual

    pode ser usado para indicar tanto a forma boa quanto a má.

    Relacionando de forma comparativa todas as seis formas de governo,

    Aristóteles conclui que a democracia é certamente a forma mais moderada. Defende

    sua percepção utilizando o critério de avaliação das formas – boas e más -, para então

    concluir que, quanto mais afastada da forma boa, pior é a degeneração. Assim,

    monarquia e aristocracia estariam extremamente afastadas da tirania e da oligarquia,

    razão pela qual conclui pela moderação do modelo democrático37.

    34 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 58. 35 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 56. 36 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 57. 37 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 58.

  • 19

    Por fim, Bobbio38 destaca que Aristóteles ao tratar da terceira forma, dá uma

    definição complemente surpreendente. Isso porque Aristóteles afirma se tratar em

    verdade, a politia, de uma mistura entre duas formas más, oligarquia e democracia.

    Assim, considerando, pode-se concluir primeiramente que uma forma boa pode

    resultar da união de duas formas más. Além disso, a terceira forma de governo seria

    em verdade uma ideia abstrata, uma fórmula vazia, que para Bobbio, não corresponde

    a nenhum modelo de governo do presente ou do passado. Ele explica que para a visão

    aristotélica, a fórmula resta ainda mais complexa, haja vista que para distinguir

    aristocracia de democracia não se utiliza do critério do governo de muitos e do

    governo de poucos, mas sim a diferença entre ricos e pobre:

    Na democracia governam os homens livres e os pobres, que constituem a

    maioria; na oligarquia governam os ricos e os nobres, que representam a minoria.

    (1290 b)

    Bobbio39 destaca que estar em maioria ou minoria, representava, em verdade,

    para Aristóteles um critério concreto da condição social dos que governavam, um

    elemento, portanto, não quantitativo, mas qualitativo e conclui:

    Dizíamos, pois, que a política é uma fusão da oligarquia e da democracia. Agora

    que sabemos em que consistem uma e outra, podemos compreender melhor em que

    consiste essa fusão: é um regime em que a união dos ricos e dos pobres deveria

    remediar a causa mais importante de tensão em todas as sociedades – a luta dos que

    não possuem contra os proprietários. É o regime mais propício para assegurar a “paz

    social.”

    Paulo Márcio Cruz40 comenta que a mentalidade política dos antigos realmente

    era marcada pela distinção entre o interesse geral da comunidade e a agregação de

    interesses particulares:

    Esta distinção entre o interesse da comunidade como algo contrário, por

    definição, ao interesse particular é fundamental para entender a mentalidade política

    38 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 58/60. 39 BOBBIO, Norberto. A teoria das formas de governo. Brasília: Editora UNB, 2000, p. 60. 40CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10. P. 107-116.

    Abril/2000.

  • 20

    dos antigos, no que diz respeito ao interesse geral da comunidade, que não a concebia

    como uma mera agregação de interesses particulares, mas sim como a expressão de

    um bem superior, imbricado na infalibilidade da lei, o que permitia o desenvolvimento

    geral da comunidade e de seus cidadãos formadores da polis.

    Assim, o pensamento grego antigo não entendia o interesse geral da

    comunidade como uma mera agregação de interesses particulares, mas sim como

    expressão de um valor superior, que permitia o desenvolvimento moral e cognitivo do

    cidadão da polis, bem como conceber um governo justo e harmônico em que os

    cidadãos se subordinavam a essa “entidade” que se situava acima dos interesses

    particulares41.

    3 DA DEMOCRACIA ATENIENSE À (IDEAL) DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA

    Como visto acima, Democracia Ateniense dizia respeito a um sistema de

    governo popular local, não nacional. É dizer, não havia parlamento nacional de

    representantes eleitos. Todavia, essa origem foi fundamental para a democratização

    da contemporaneidade.

    A construção e/solidificação da Democracia ao longo dos séculos permitiu o

    esfacelamento de seus “inimigos pré-modernos”, a saber, a monarquia centralizada, a

    aristocracia hereditária, a oligarquia baseada no sufrágio limitado e exclusivo, bem

    como fez desaparecer os mais importantes regimes antidemocráticos do último século,

    como o comunista, o facista e o nazista42.

    Com efeito. O Século XX foi marcado por inúmeros revezes democráticos que,

    algumas vezes, levou ao estabelecimento de regimes autoritários. Todavia, este século

    também marcou a época de “triunfo democrático”. Isso porque como consigna Robert

    A. Dahl 43 : “O alcance global e a influência de ideias, instituições e práticas

    democráticas tornaram este século, de longe, o período mais florescente para a

    41CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10. P. 107-116.

    Abril/2000. 42DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,

    p. 58. 43DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,

    p. 161.

  • 21

    democracia na história do homem”.

    Robert A. Dahl44 elenca dez razões pelas quais a Democracia se apresenta como

    uma alternativa viável na contemporaneidade, quais sejam: 1. Evita a tirania; 2.

    Direitos essenciais; 3. Liberdade geral; 4. Autodeterminação; 5. Autonomia moral; 6.

    Desenvolvimento humano; 7. Proteção dos interesses pessoais essenciais; 8. Igualdade

    política; 9. A busca pela paz; e, finalmente, 10. A prosperidade.

    A essência da Democracia consiste, nas palavras de J. J. Gomes Canotilho45, “na

    estruturação de mecanismos de seleção dos governantes e, concomitantemente, de

    mecanismos de limitação prática do poder, visando criar, desenvolver e proteger

    instituições políticas adequadas e eficazes para um governo sem as tentações da

    tirania”.

    Para Paulo Márcio Cruz46, a finalidade precípua da Democracia atualmente

    “seria o controle, intervenção e definição, pelos cidadãos, de objetivos do poder

    político, cuja titularidade lhes corresponderia em parcelas iguais, de acordo com o

    princípio de que o Governo deve refletir a vontade do povo, sempre com base num

    padrão ético determinado”.

    É verdade que a Democracia contemporânea, em primeira análise, em nada se

    assemelha à Democracia Ateniense. Entretanto, buscando as bases fundamentais dos

    pensadores da época, em especial Aristóteles, verifica-se que é possível traçar um

    ponto de convergência. Em especial quando se destaca que já na antiguidade havia a

    exaltação da vontade da coletividade, na medida em que seria representada pela lei, e

    que se situava acima dos interesses particulares47.

    Assim é que uma Democracia contemporânea, em grande escala, nas palavras

    do autor da obra “Sobre a Democracia”48, deve ser dotada de:

    44DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,

    p. 58. 45CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. Ed., Coimbra: Almedina, p. 291. 46CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10. P. 107-116.

    Abril/2000. 47CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10. P. 107-116.

    Abril/2000. 48DAHL, Robert A. Sobre a Democracia. Tradução de Beatriz Sidou. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001,

    p. 99.

  • 22

    Funcionários eleitos. O controle das decisões do governo sobre a política é investido

    constitucionalmente a funcionários eleitos pelos cidadãos.

    Eleições livres, justas e frequentes. Funcionários eleitos são escolhidos em eleições

    frequentes e justas em que a coerção é relativamente incomum.

    Liberdade de expressão. Os cidadãos têm o direito de se expressar sem o risco de

    sérias punições em questões políticas amplamente definidas, incluindo a crítica aos

    funcionários, o governo, o regime, a ordem socioeconômica e a ideologia

    prevalecente.

    Fontes de informação diversificadas. Os cidadãos têm o direito de buscar fontes de

    informação diversificadas e independentes de outros cidadãos, especialistas, jornais,

    revistas, livros, telecomunicações e afins.

    Autonomia para as associações. Para obter seus vários direitos, até mesmo os

    necessários para o funcionamento eficaz das instituições políticas democráticas, os

    cidadãos também têm o direito de formar associações ou organizações relativamente

    independentes, como também partidos políticos e grupos de interesses.

    Cidadania inclusiva. A nenhum adulto com residência permanente no país e sujeito a

    suas leis podem ser negados os direitos disponíveis para os outros e necessários às

    cinco instituições políticas anteriormente listadas. Entre esses direitos, estão o direito

    de votar para a escolha dos funcionários em eleições libres e justas; de se candidatar

    para os postos eletivos; de livre expressão; de formar e participar de organizações

    políticas independentes; de ter acesso a fontes de informação independentes; e de ter

    direitos a outras liberdades e oportunidades que sejam necessárias para o bom

    funcionamento das instituições políticas da democracia em grande escala.

    Ou seja, um sistema político dotado dessas instituições corresponde, ao menos

    idealmente, à Democracia contemporânea. A respeito dessa, Manoel Gonçalves

    Ferreira Filho49 aduz que ela repousa sobre dois valores, a saber: a liberdade e a

    igualdade, os quais se atraem e se repelem ao mesmo tempo. Logo, um regime

    democrático seria aquele que garantisse esses dois valores essenciais. Para o referido

    autor50: “o princípio democrático significa atribuir o poder ao povo, o que importa

    numa identificação entre governantes e governados”.

    José Afonso da Silva51 define Democracia “não como um valor-fim, mas meio e

    instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se

    traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem”. Para ele, a Democracia

    como regime político seria “um processo de convivência social em que o poder emana

    49 FERREIA FILHO, Manoel Gonçalves. A reconstrução da democracia. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 30. 50FERREIA FILHO, Manoel Gonçalves. A reconstrução da democracia. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 30. 51 SILVA, José Afondo da. CursodeDireitoConstitucionalPositivo. São Paulo: RT, 1992, p. 114.

  • 23

    do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do

    povo”.

    Luiz Pinto Ferreira52 define Democracia como sendo “o governo constitucional

    das maiorias que, sobre as bases de uma relativa liberdade e igualdade, pelo menos a

    igualdade civil (a igualdade diante da lei), proporciona ao povo o poder de

    representação e fiscalização dos negócios públicos”.

    Dessa forma, o que se constata é que, a despeito das inúmeras maneiras

    (corretas) de se definir a Democracia na atualidade, uma característica é comum a

    todas elas, qual seja: a Democracia é um regime de governo, marcado por atribuir a

    titularidade do poder ao povo, que o exerce por meios de representantes escolhidos,

    os quais permanecem sob o crivo daquele. Nesse sentido, convém ressaltar a

    observação feita por Paulo Márcio Cruz53:

    Ela [a Democracia] também deve ser entendida como um regime no qual os

    governantes, uma vez investidos no poder pelo povo, vão exercê-lo de acordo com a

    vontade dos governados, ou seja, deve haver razoável harmonia entre governantes e

    governados, para que o poder seja exercido efetivamente em nome do povo. Para a

    existência desta harmonia, é preciso que os canais de participação e de controle no e

    do Governo estejam permanentemente abertos à participação da Sociedade, sem que

    isto inviabilize ou retarde a implementação das ações governativas reivindicadas pela

    coletividade.

    Assim, percebe-se que a Democracia contemporânea, originada, sem dúvida,

    na clássica construção grega, envolve a participação efetiva do cidadão.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    À luz do exposto, conclui-se que o conceito dado à Democracia contemporânea,

    sem dúvida, originou-se das diretrizes exaradas na teoria clássica das formas de

    governo.

    Estudar a Democracia Ateniense, e nesse sentido a evolução do termo em seu

    sentido genérico – “governo de muitos” –, implica observar as formas de governo da

    52 FERREIRA, Luiz Pinto. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 5 ed., 1991, p. 86/87. 53 CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V, nº 10, p. 107-116.

    Abril/2000.

  • 24

    maneira como foram pensadas no passado e, ainda, como o pensamento político foi

    construído desde então, para culminar com o que hoje chamamos de Democracia. O

    maior desafio talvez seja relacionar realidades tão diferentes e ainda assim encontrar a

    “semente” da Democracia participativa na antiguidade.

    É evidente que a Democracia praticada e sustentada hoje, na qual se configura

    a ideia de que uma ordem política não pode ser estabelecida sem a vontade popular,

    não é a mesma que a vivida pelos antigos, na qual se observava a segregação de boa

    parte da população nas decisões políticas. No entanto, o pensamento político

    desenvolvido naquela época certamente influenciou a evolução do conceito de

    Democracia, em especial na análise das formas de governo em suas formas boas e

    más. O que se pode destacar é que os próprios pensadores estavam construindo uma

    avaliação e ponderando as melhores práticas de governo.

    Assim, afirma-se que a Democracia como era pensada nos seus primórdios em

    Atenas em muito contribuiu para o pensamento político atual acerca do instituto,

    tendo em vista que já aquela época pensava-se em sobrepujar os interesses da

    coletividade em detrimento dos interesses particulares de alguns.

    REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

    ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.

    BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 5. ed. Brasília: Editora UNB,

    2000.

    CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.,

    Coimbra: Almedina.

    CRUZ, Paulo Márcio. Democracia e Cidadania. Revista Novos Estudos Jurídicos. Ano V,

    nº 10. P. 107-116. Abril/2000.

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  • 26

    A DEMOCRACIA NO FIM DA IDADE MÉDIA E INÍCIO DA IDADE MODERNA:

    AS CONCEPÇÕES DE MARSÍLIO DE PÁDUA, GUILHERME DE OCKHAM E

    NICOLAU MAQUIAVEL

    Alexandre Carrinho Muniz1

    Felipe Schmidt2

    INTRODUÇÃO

    O presente estudo versa sobre as concepções de democracia delineadas no fim do

    medievo e no início da modernidade, abrangendo as ideias dos principais pensadores

    políticos da época acerca da matéria, Marsílio de Pádua, Guilherme de Ockham e Nicolau

    Maquiavel.

    A experiência democrática moderna, conforme Maria Cristina Seixas Vilani, se

    assenta sobre premissas e valores que a Grécia Antiga desconhecia, de modo que “os

    principais fundamentos da democracia moderna foram preconizados pelo pensamento

    político que emergiu na Europa cristã, entre os séculos XIII e XIV”3, portanto, no final da

    Idade Média.

    Com efeito, na Grécia da Antiguidade, os cidadãos, que representavam pequena

    parcela da população, dela excluídos escravos, mulheres, menores e estrangeiros, se

    reuniam em assembleia para deliberar diretamente acerca das questões de interesse da

    pólis.

    Todavia, “quando hoje falamos em democracia, estamos falando de um governo

    1Mestrando do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica – CMCJ, pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

    Especialista em Direito Penal e Processual Processual Penal pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina. Email: [email protected]

    2Mestrando do Curso de Mestrado em Ciência Jurídica – CMCJ, pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina. Email: [email protected]

    3 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna. p. 13.

  • 27

    representativo, de um Estado constitucional e da garantia das liberdades individuais. Essa

    democracia tem pouca semelhança com a cidade-república dos gregos”4.

    Daí a importância deste estudo, vetorizado a resgatar os fundamentos da ideia de

    democracia no final da Idade Média e início da Idade Moderna, que contribuíram para

    moldar a noção democrática atual, a fim de melhor compreender como se desenvolveu,

    no período em questão, a concepção da origem popular do poder político.

    Para alcançar tal escopo, será necessário inicialmente delinear o contexto teórico

    em que se deu o embate, pela plenitude do poder (plenitudo potestatis), entre o Império e

    o Papado, no bojo da qual vai surgir a proposta de conceber como fonte de todo o poder o

    povo, para em seguida analisar mais detidamente o pensamento de três dos principais

    estudiosos da época acerca da matéria: Marsílio de Pádua, Guilherme de Ockham e

    Nicolau Maquiavel.

    1 PLENITUDO POTESTATIS: CONFLITO ENTRE O IMPÉRIO E O PAPADO

    No final da Idade Média, a discussão acerca da democracia surge no contexto da

    disputa entre o Império e o Papado pela plenitude do poder (plenitudo potestatis),

    questão que está na gênese da própria separação entre Igreja e Estado, posteriormente

    defendida por pensadores do Iluminismo e que teve consecução no século XVIII, com o

    advento do Estado Liberal.

    A época em que se produziram as concepções teóricas examinadas neste estudo

    “caracteriza-se como tempo de transição e crise”5, segundo Sérgio Ricardo Strefling:

    Em crise, a unidade religiosa e política da cristandade medieval; em crise, a unidade da

    cultura dominada pelo saber profano (…). Em crise, sobretudo, no aspecto humano e

    político, a unidade da vida pública dominada pelos dois centros de decisão, o papado e o

    Império. Já há mais tempo as relações entre esses dois poderes passavam por momentos

    difíceis. (…) Acontecia que o Pontífice Romano era um senhor com seus Estados e domínios

    4 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna. p. 19-20. 5 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 11.

  • 28

    supostamente legados por Constantino e outros imperadores posteriores e atribuía a si

    certos privilégios ou direitos, como a aprovação da eleição, que influenciava na vida

    política. O Imperador, por sua vez, tinha excessiva influência nas decisões do governo da

    Igreja, nomeação de bispos e eleição dos Papas6.

    Leciona António Rocha Martins:

    (…) a partir de certo momento (especialmente a partir do século XI), as questões

    crescentes relativas às relações concretas da Igreja com o mundo vão repercutindo um

    âmbito político (mesmo negativamente) estranho/exterior à Igreja, a partir do qual era

    muito difícil compreender as exigências do direito divino. (…) prevê-se aí uma alteração de

    relações entre o poder espiritual e o poder temporal7.

    Assim, tem-se que “o tema central do pensamento filosófico-político, ao longo de

    toda a Idade Média, foi o das relações entre o poder espiritual e o poder temporal, visto

    no horizonte das relações entre sacerdócio e reino ou Igreja e Império”8.

    Mas, segundo Michel Villey, a disputa de poder entre o imperador e o papa

    constituiu também questão jurídica (e não só filosófica e política) de extrema relevância

    no medievo:

    [...] um problema realmente jurídico – aliás, o mais importante do direito público medieval:

    o da partilha dos poderes entre as duas autoridades soberanas (ou que ambas gostariam

    de ser) da Idade Média, o imperador e o papa9.

    A plenitude do poder (plenitudo potestatis), conforme Michel Villey, consiste na

    “soberania total, não apenas 'espiritual', mas também 'temporal', do papa”10. Para Luís

    Alberto de Boni, a questão da plenitudo potestatis versa “sobre a pretensão de poder

    ilimitado por parte do papa e, por consequência, aos limites entre o poder religioso e o

    poder civil, [...] personificados [...] nas figuras do sumo pontífice e do imperador”11. Tal

    concepção política “tinha como pressupostos a natureza descendente do poder e o

    6 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; pp. 11/12. 7 MARTINS, António Rocha. Origem Divina e Fonte Humana do Poder Civil em Guilherme de Ockham: Emergência da

    Liberdade; pp. 7/8. 8 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 15. 9 VILLEY, Michel. A Formação do Pensamento Jurídico Moderno; p. 241. 10 VILLEY, Michel. A Formação do Pensamento Jurídico Moderno; p. 241. 11 DE BONI, Luiz Alberto. O Não-Poder do Papa em Guilherme de Ockham. In: VERITAS Revista Trimestral de Filosofia

    da PUCRS, Vol. 51, nº 3. Porto Alegre: Setembro 2006; p. 113.

  • 29

    caráter divino da instituição governamental”12.

    Assim, no medievo concebia-se a existência simultânea, no mundo terreno, de um

    poder temporal, próprio dos reinos, sucessores do Império Romano, e de um poder

    espiritual, próprio dos papas, sucessores de Pedro, ambos delegados por Deus, cada um

    deles soberano em seu respectivo domínio: ao Rei cabia a potestas sobre seus súditos, e

    ao Pontífice a auctoritas sobre a igreja e os fiéis13. Cumpre anotar que a potestas

    corresponde ao poder exercido pelas armas e a auctoritas é “aquele poder moral, que

    dispensa a força das armas”14.

    Nesse contexto, a monarquia eclesiástica era universal, uma vez que “o papa era o

    representante de Deus sobre a terra e seu poder não tinha origem terrena, mas

    sobrenatural”, e “possuía a scientia específica que lhe permitia, de acordo com os

    princípios cristãos, conhecer a verdade e as necessidades humanas e emitir a

    correspondente norma”, zelando por seu cumprimento, para o que “contava com a ajuda

    do soberano secular para exterminar os hereges”15.

    Ainda acerca do poder do papa, leciona Maria Cristina Seixas Vilani:

    A plenitudo potestatis papal tinha clara conotação jurídica. A Igreja Romana se

    denominava sedes justitiae. O Papa possuía o poder supremo de estabelecer normas e

    criar direito.

    (…).

    A extensão do poder do papa era tal que lhe conferia autoridade para punir aqueles que

    infringiam as regras por ele emitidas, mesmo que em assuntos alheios à religião. Era um

    poder descendente e total; abarcava todas as esferas e supostamente o mundo.

    (…).

    Contava entre suas atribuições de supremo monarca: confirmar e ratificar tratados, anular

    pactos, proibir comércio com pagãos, emitir ordens para confiscar propriedades16.

    12 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 27. 13 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 16. 14 DE BONI, Luiz Alberto. O Não-Poder do Papa em Guilherme de Ockham. In: VERITAS Revista Trimestral de Filosofia

    da PUCRS, Vol. 51, nº 3. Porto Alegre: Setembro 2006; p. 128. 15 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 37. 16 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 37.

  • 30

    No que tange à monarquia secular, tem-se que “os princípios descendente e

    teocrático foram também adotados pelo governante temporal e, portanto, também ele

    possuía a plenitudo potestatis. O seu poder era recebido pela 'Graça de Deus'”17.

    Sobre o poder do rei, ensina Maria Cristina Seixas Vilani:

    Toda a máquina do governo estava nas mãos do rei e suas ordens tinham validade em todo

    o território sob sua jurisdição. Isso significava que, na perspectiva real, todos os assuntos

    vinculados ao reino, fossem eles de natureza temporal ou religiosa, estavam sob sua

    autoridade. Como soberano supremo o rei era legislador de todo o reino. (…). Como porta-

    voz vivo de Deus, a sua lei era sacra lex e se impunha para baixo. A característica do súdito

    era a submissão à vontade superior. (…). A ele era confiada a proteção do reino e dos

    súditos. (…). A ele cabia decidir sobre a paz e a guerra18.

    Para a mesma autora, “no que diz respeito à divisão de responsabilidades com o

    poder eclesiástico, (…) cabia à autoridade eclesiástica a orientação espiritual, e ao

    monarca temporal a garantia da paz e a supressão do mal através do uso da força”19.

    Assim, “a soberania era partilhada por duas monarquias de 'origem divina' - o

    Papado e o Império -, cuja principal função era conduzir o corpo social no caminho da

    'salvação eterna'20”, numa “responsabilidade conjunta com a salvação dos homens,

    através de ajuda mútua e complementaridade de funções”21.

    O Papa Gelásio I (492-496) procurou definir os campos de atuação dos poderes

    espiritual e temporal, a fim de equilibrá-los, atribuindo a cada autoridade seu papel

    próprio e dignidade específica22. “As definições do Papa Gelásio não pretendiam uma

    separação dos poderes, mas uma distinção que implicava um estreitamento de relações

    entre as duas forças independentes e uma coordenação entre as suas respectivas

    atividades”23. Em suma, “em matéria temporal, fica o bispo subordinado ao príncipe, em

    17 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 38. 18 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 38. 19 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; pp. 38/39. 20 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 13. 21 VILANI, Maria Cristina Seixas. Origens Medievais da Democracia Moderna; p. 29. 22 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 23. 23 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 23.

  • 31

    matéria espiritual, era o príncipe que se subordinava ao bispo”24.

    Ocorre que, segundo Sérgio Ricardo Strefling, “evidentemente não houve equilíbrio

    entre os dois poderes”, tendo à época vários pensadores da Igreja defendido a supremacia

    pontifícia tanto no campo espiritual quanto, ainda que de modo indireto (por intermédio

    da pessoa do Imperador), no âmbito temporal, teoria política que foi conhecida como

    hierocracia25.

    Consoante Sérgio Ricardo Strefling, a hierocracia (ou sacerdotalismo) é definida por

    Marcel Prelot como “doutrina ou regime político segundo o qual determinados homens

    consagrados a Deus pelo sacramento da ordem exercem sobre os outros homens, por

    instituição divina, um poder mais eminente que existir possa”26.

    Nessa linha, ainda conforme Sérgio Ricardo Strefling, os teóricos da hierocracia

    ampliaram a dimensão e a esfera do poder do Papa, que, “[...] na condição de vigário de

    Cristo e de sucessor e herdeiro de Pedro, é o monarca do mundo de iure et de facto, entre

    os cristãos, e apenas de iure sobre os infiéis”27, tendo supremacia também sobre o

    Imperador, uma vez que “como qualquer homem, os chefes temporais desejam alcançar a

    mesma meta sobrenatural e, como tal, suas vidas estão confiadas ao supremo pastor da

    Igreja”28.

    Sobre a hierocracia, leciona Luiz Alberto de Boni:

    Durante o século XIII e início do século XIV, sob influência da cúria romana, desenvolveu-se

    na Igreja uma teoria hierocrática, afirmando que o papa, enquanto vigário de Cristo, estava

    revestido de poderes extraordinários e, mais do que isso, que era através dele que se

    constituía todo o poder neste mundo.

    (…)

    24 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 24. 25 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; pp. 17/18. 26 STREFLING, Sérgio Ricardo. A Novidade da Teoria Política de Marsílio de Pádua. In: Teocomunicação, vol. 28, nº 121.

    Porto Alegre, setembro 1998; p. 398 (nota de pé de página n. 5) 27 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 21. 28 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 21.

  • 32

    Nessa teoria, o poder temporal não se tornava supérfluo, mas afirmava-se que ele era

    posto na existência através do poder religioso e agia subordinado ao sumo pontífice que,

    em casos extraordinários, poderia nele intervir29.

    Feitas essas considerações iniciais, seguem breves referências às concepções de

    alguns pensadores que contribuíram para a construção da teoria da plenitudo potestatis

    papal, extraídas notadamente da obra “Igreja e Poder”, de autoria de Sérgio Ricardo

    Strefling, professor na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), correspondente à versão

    editorial de sua tese de doutoramento em Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do

    Rio Grande do Sul (PUC/RS).

    Segundo tal estudioso, o Papa Gregório VII (1073-1085), no âmbito da chamada

    reforma gregoriana, elaborou, em 1075, o Dictatus Papae, consistente num “esquema de

    governo da Igreja pelo Pontífice Romano (…) que não deixa de ingerir-se na administração

    da Cristandade leiga (…) e se constitui num importante passo à teoria da plenitudo

    potestatis”30.

    Como reação ao Dictatus Papae, em 1076 o rei “Henrique IV proclama a deposição

    do Papa (…), e lembra-lhe que não obedece nem a S. Pedro, que ordenou que os

    apóstolos obedecessem aos reis”31, em face do que Gregório VII decide pela deposição

    daquele, pois “cumpria-lhe acolher essas ordens como se emanassem dos lábios do

    próprio Apóstolo Pedro”32.

    “A teoria da plenitudo potestatis marcava aí um momento forte”33, conforme

    Sérgio Ricardo Strefling, pela razão seguinte:

    (…) anteriormente nenhum teórico das relações entre o espiritual e o temporal chegara até

    essa sanção temporal suprema, que é a deposição do Imperador. Ela assinalava a

    29 DE BONI, Luiz Alberto. O Não-Poder do Papa em Guilherme de Ockham. In: VERITAS Revista Trimestral de Filosofia

    da PUCRS, Vol. 51, nº 3. Porto Alegre: Setembro 2006; p. 114. 30 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 33. 31 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 34. 32 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 35. 33 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 36.

  • 33

    transposição de um limiar: uma superioridade teórica transformava-se numa supremacia

    de terríveis consequências práticas, que virtualmente podia ir até um poder jurídico

    irreconhecível, ou seja, até a soberania34.

    Também Hugo de São Vítor (1096-1141), tendo “como objetivo defender a ideia da

    unidade da Igreja, uma vez que esta concretiza a unidade social (…), não reconhece às

    autoridades laicas uma independência tal que comprometa essa unidade”, sustentando

    que “a sociedade humana é a Cristandade e a Cristandade é a Igreja”, de modo que “o

    dualismo dos dois poderes e das duas funções não é mais que aparente”35. Segundo ele,

    “o poder secular tem apenas uma fonte, a Igreja”, e “o poder espiritual deve instituir o

    poder temporal, para que ele ganhe existência, e julgá-lo, se ele se conduz mal” e dessa

    forma “distingue os poderes e suas respectivas funções, mas deixa clara a subordinação

    em favor da hierocracia”36.

    São Bernardo de Claraval (1091-1153) apresenta o Sumo Pontífice “como alguém

    de poder incomparável entre os homens, pois ele é o sucessor de Pedro”, apontando que

    “há duas espadas, simbolizando os dois poderes, o espiritual e o material”, mas, embora

    pertença à Igreja, “a espada material não deve ser utilizada por Pedro e, portanto,

    também não pela Igreja com suas próprias mãos”. Acerca da alegoria das duas espadas,

    observa Sérgio Ricardo Strefling:

    A alegoria das duas espadas, convém observar, não significou, na sua origem, um

    confronto entre Igreja e Império, pois à Igreja pertenciam as duas espadas, e ela permitia

    ao Estado usar a espada material e cumprir sua missão, que diz respeito a esta vida terrena

    e também à vida sobrenatural. Dentro desse modelo, o Imperador era considerado como

    um ministro da Igreja numa determinada esfera de competência. Portanto, num contexto

    em que a sociedade é a Cristandade e tem uma só autoridade suprema, que é o Papa, a

    alegoria dos dois gládios amarrava o poder secular ao poder religioso37.

    O Papa Inocêncio III (1198-1216), em síntese, “atribui a Pedro a posição de cabeça

    34 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 36. 35 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 37. 36 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; pp. 38/39. 37 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 42.

  • 34

    da Igreja, em virtude de um encargo direto de Cristo, (…) e, ao ser indicado Papa, Pedro

    recebeu também plenitudo potestatis (…) poder que, em última instância, desconhece

    todo limite, seja in spiritualibus, seja in temporalibus”38.

    São Tomás de Aquino igualmente contribuiu para a plenitudo potestatis do Papa ao,

    “por um lado, conservar claramente a autonomia dos dois poderes Estado-Igreja; no

    entanto, por outro, subordinar aquele a esta”39. Ademais, “insiste na prerrogativa do

    poder papal de se impor ao secular, sempre que houver necessidade de garantir o que

    concerne à salvação das almas”40.

    Egídio Romano (1243-1316) “pode ser considerado como o primeiro a traçar,

    formular e defender uma teoria completa sobre o absolutismo papal. Para ele, a amplidão

    do poder eclesiástico culmina e resume-se em uma só pessoa, ou seja, no Papa, e neste

    concentra-se toda a soberania”. Ainda, ele “explica que o poder vem de Deus de modo

    ordenado, ou seja, os poderes inferiores são instituídos pelos superiores. Isto quer dizer

    que Deus instituiu a Igreja, e a Igreja instituiu o poder civil”41. “Portanto, os reis dependem

    do Papa”, detentor da plenitudo potestatis42.

    Tiago de Viterbo (1250-1308) sustentava, em suma, o que segue:

    (…) o Papa não deve normalmente se imiscuir nas questões seculares, mas pode orientar

    os reis e julgá-los, se não agirem conforme a lei divina. Isto porque o Papa detém a

    plenitudo potestatis na sociedade cristã e como herdeiro dos poderes petrinos tem um

    encargo mais sublime do que as funções dos soberanos. Portanto, os reis devem obedecer

    ao Papa43.

    Álvaro Pais (1270-1349), que, segundo Luís Alberto de Boni, “representou a última

    38 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 44. 39 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 50. 40 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 51. 41 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; pp. 56/57. 42 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílio de Pádua. Coleção

    Filosofia n. 146. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002; p. 57. 43 STREFLING, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder. Plen