Nicola Abbagnano - História Da Filosofia Vol. 6

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    HIstria da FilosofiaVolume seisNicolA Abbagnano

    DIGITALIZAO E ARRANJOS:ngelo Miguel Abrantes.

    HISTRIA DA FILOSOFIA

    VOLUME VI

    TRADUO DE: ANTNIO RAMOS ROSA

    CAPA DE: J. C.

    COMPOSIO E IMPRESSOTIPOGRAFIA NUNES R. Jos Faldo, 57-Porto

    EDITORIAL PRESENA - Lisboa 1970

    TITULO ORIGINAL STORIA DELLA FILOSOFIA

    Copyright by NICOLA ABBAGNANO

    Reservados todos os direitos para a lngua portuguesa EDITORIAL PRESENA,LDA. - R. Augusto Gil, 2 cIE. - Lisboa

    VII

    AS ORIGENS DA CINCIA

    388 LEONARDO

    O resultado ltimo do naturalismo do Renascimento a cincia. Nela confluem:as pesquisas naturalsticas dos ltimos Escolsticos que tinham dirigido asua ateno para a natureza, desviando-a do mundo sobrenatural consideradodesde ento inacessvel pesquisa humana; o aristotelismo renascentista, queelaborara o conceito da ordem necessria na natureza; o platonismo antigo enovo, que insistira na estrutura matemtica da natureza; a magia, que haviapatenteado e difundido as tcnicas operativas destinadas a subordinar anatureza ao homem; e, finalmente, a doutrina de Telsio, que afirmara aautonomia da natureza, a exigncia de explicar a natureza por meio da natureza.Por um lado, todos estes elementos so integrados pela cincia mediante areduo da natureza pura objectividade mensurvel: a um complexo de formasou coisas constitudas essencialmente por determinaes quantitativas e

    sujeitas por isso a leis matemticas. Por outro lado, os prprios elementosso purificados pelas conexes metafsico-teolgicas, que os caracterizavamnas doutrinas a que originariamente pertenciam. Assim a cincia elimina ospressupostos teolgicos a que permaneciam vinculadas as investigaes dosltimos Escolsticos; elimina os pressupostos metafsicos do aristotelismoem que assentavam a magia e a filosofia de Telsio. Nesta direco, podedizer-se que a cincia da natureza foi orientada pelas intuies antecipadorasde Leonardo de Vinci.

    Leonardo de Vinci (1452-1519) considerou a arte e a cincia como tendentes

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    a um nico escopo: o

    conhecimento da natureza. A funo da pintura a de representar para ossentidos as obras naturais; e por isso ela estende-se s suas superfcies,s cores, s figuras daqueles objectos naturais de que a cincia procuraconhecer as foras intrnsecas (Tratt. della pitt. ed. Ludwig, n. 3-7). Arteo cincia assentam ambas em dois pilares de todo o

    conhecimento verdadeiro da natureza: a experincia sensvel e o clculomatemtico. De facto, as artes,

    e em primeiro lugar a pintura, que Leonardo coloca acima de todas asartes, procuram nas coisas a proporo que as faz belas epressupem um estudo directo que procura descobrir nas coisas, mediante aexperincia sensvel, aquela mesma harmonia que a cincia exprime nas suasleis matemticas. O vnculo entre arte e cincia no , portanto, acidentalna personalidade de Leonardo: fruto da faina nica que Leonardo se prope:buscar na natureza

    a ordem mensurvel que ao mesmo tempo proporo evidente, o nmero que

    tambm beleza.

    Leonardo exclui da pesquisa cientfica toda a

    autoridade e toda a especulao que no tenha o

    seu fundamento na experincia. "A sabedoria filha da experincia" (ed.Richter, n. 1150). A experincia jamais engana; e os que se lamentam dos seuslogros deveriam antes lamentar-se da sua

    ignorncia porque pedem experincia aquilo que est para l dos seus limites.Em contrapartida, pode o juzo enganar-se sobre a experincia; e para evitaro erro no h outra via seno reduzir todos os juzos a clculos matemticoso servir-se exclusivamente da matemtica para entender e demonstrar as razesdas coisas que a experincia manifesta (Cod. atl., fol. 154 r). A matemtica o

    fundamento de toda a certeza. "Quem censura a suma certeza da matemtica padecede confuso, e nunca por termo s contradies das cincias sofsticas comas quais se aprende um eterno

    estridor" (ed. Richter, n. 1157). Por isso Leonardo faz seu o autnticoesprito de Plato e a legenda que se encontrava entrada da Academia: "Noentre nesta casa quem no for matemtico." Ub., n. 3). A experincia e o clculomatemtico revelam a natureza na sua objectividade, isto , na simplicidadee na necessidade das suas operaes. A natureza identifica-se com a prprianecessidade da sua ordenao matemtica. "A necessidade tema e inventora

    da natureza, freio e

    regra eterna" (Ib., n. 1135). Nestas palavras reconhecida claramente aessncia ltima da objectividade da natureza: a necessidade que lhe determinaa ordem mensurvel e se exprime na relao causal entre os fenmenos. precisamente esta necessidade que exclui toda a fora metafsica ou mgica,toda a interpretao que prescinda da experincia e que queira submeter anatureza a princpios que lhe so estranhos. Tal necessidade, enfim,identifica-se com a necessidade prpria do raciocnio matemtico, que exprimeas relaes de medida que constituem as leis. Entender a "razo" na natureza

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    significa entender a "proporo" que no se encontra apenas nos nmeros e nasmedidas, mas tambm nos sons, nospesos, nos tempos, nos espaos e em qualquer potncia natural (ed. Ravaisson,fol. 49 r ). Foi precisamente a identificao da natureza com a necessidadematemtica que conduziu Leonardo a fundar a mecnica e a pr em luz pelaprimeira vez os seus princpios. " admirvel e estupenda necessidade, tucompeles, com a tua lei, todos os efeitos, por brevssima via, a participarem

    das suas causas e, com suma e irrevogvel lei, todas as aces naturais teobedecem" (Cod. ad., fol. 345 v). Ele pde assim chegar a formular a lei deinrcia, o principio da reciprocidade da aco e da reaco, o teorema doparalelogramo das foras, o da velocidade e outros conceitos fundamentais damecnica que deviam encontrar em Galileu a sua forma definitiva- A mole imensados seus manuscritos contm

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    uma soma de intuies felizes, de descobertas, de sinais precursores nos camposmais dispares da cincia, da anatomia paleontologia, e testemunha aperseverana com que Leonardo prosseguiu no

    estudo da natureza, no j com o fim de a enquadrar em frmulas metafsicasou teolgicas ou de a vergar s operaes miraculosas da magia, mas

    unicamente com o intuito de a reduzir objectividade emprica e necessidadematemtica.

    389. COPRNICO. KEPLER

    Nikolaus Copernicus (Kopernicki) partiu do princpio pitagrico-platnico daestrutura matemtica do universo para chegar a uma precisa formulaomatemtica da nova cosmologia. Nascido em Thorn a 19 de Fevereiro de 1473,estudou na Universidade de Cracvia e depois em Bolonha, Pdua e Ferrara, ondese doutorou em direito cannico (1503). Aps uma segunda estada em Pdua(1503-06), voltou ptria, onde viveu entre os cuidados administrativos deum canonicato e os estudos astronmicos. Morreu em Frauenburgo a 24 de Maiode 1543. A sua obra fundamental De revolutionibus orbium celestium libri VI,foi publicada poucos meses depois da sua morte. Dedicada ao pontfice PauloIU, apareceu com um prefcio de Osiander, que limitava oalcance da doutrina de Coprnico apresentando-acomo uma simples "hiptese astronmica", que no representava uma renovaorelativamente concepo do mundo estabelecida pelos Antigos. E, narealidade, s mais tarde foi entendido o alcance

    revolucionrio da doutrina de Coprnico que assinala a destruio definitivada cosmologia aristotlica. Coprnico, de facto, mostrou como todas asdificuldades que esta cosmologia encontrava na explicao do movimentoaparente dos astros se resolveram facilmente admitindo que a terra gira em

    torno de si mesma, em vez de a considerar o centro imvel dos movimentoscelestes, ele reconheceu trs movimentos da terra: o diurno em torno do prprioeixo, o anual em torno do sol e o anual do eixo terrestre relativamente aoplano da elptica (De rev. 1, 5). Coprnico mostrou que esta hipteserepresentava uma enorme simplificao no que concernia explicao dosmovimentos celestes e por isso era conforme ao procedimento da natureza quetende a atingir os seus efeitos pelos meios mais simples (Ib., 1, 10). Mostroutambm como, por sua vez, os clculos matemticos se simplificaram,prestando-se facilmente a explicar a

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    observao astronmica.

    A doutrina de Coprnico foi atacada por motivos religiosos, quer por catlicos,quer por luteranos. Um astrnomo dinamarqus, Tycho Brahe (1546-1601),benemrito coleccionador de observaes astronmicas, sustentava que s aterra, a Dia e o sol giravam em torno do eixo terrestre, enquanto que os outrosplanetas giravam em tomo do sol. Mas das prprias observaes de Tycho Brahe,

    o seu amigo e discpulo Kepler tirou a mais importante confirmao da doutrinacopernicana, mediante a descoberta das leis reguladoras do movimento dosplanetas.

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    Johannes Kepler nasceu a 27 de Dezembro de1571 em Weil, perto de Estugarda, foi professor de matemtica e assistentede Tycho Brahe e morreu em Regensburgo a 15 de Novembro de 1630. Teve de lutarasperamente com protestantes e catlicos pelas suas ideias e s a custo logrouobter os meios para publicar as suas obras, uma vez, teve mesmo de empregar-separa salvar da fogueira sua

    me, acusada de bruxaria. Na sua primeira obra, Prodronws dissertationumcosmographicarum, continem mysterium cosmographicum de adnrabiliproportione celestium Orbium (1596), exaltou firmemente a beleza, a perfeioe a divindade do universo e via nele a imagem da trindade divina. No centrodo mundo estaria o sol, imagem de Deus Padre, do qual derivariam todas as luzes,todo o calor e toda a vida. O nmero dos planetas e a sua disposio em tornodo sol obedeceria a umaprecisa lei, de harmonia geomtrica. Os cinco planetas constituiriam de factoum poliedro regular e mover-se-iam em esferas inscritas ou circunscritas aopoliedro delineado pela sua posio recproca. Nesta obra, ele atribua omovimento dos planetas a uma alma motora ou alma motriz do sol; mas estemesmo esforo para encontrar nas observaes astronmicas a confirmao dosfilosofemas pitagricos, ou neoplatnicos conduziu-o a abandon-los. Nos seusescritos astronmicos e pticos, substituiu as inteligncias por foraspuramente fsicas; considera o mundo necessariamente participe da quantidadee a matria necessariamente ligada a uma ordem geomtrica. Permaneceu por

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    isso sempre fiel ao princpio de que a objectividade do mundo est na proporomatemtica implcita em todas as coisas. Era o mesmo principio que animaraLeonardo; e a ele se deve a descoberta principal de Kepler: as leis dosmovimentos dos planetas. As primeiras duas leis (as rbitas descritas pelosplanetas em torno do sol so elipses de que um dos focos ocupado pelo sol;as reas descritas pelo raio vector (o segmento de recta que liga oplaneta ao sol) foram publicados na Astronomia nova de 1609; a terceira lei(os quadrados dos tempos empregados por diversos planetas a percorrer as suas

    rbitas esto entre si como os cubos dos eixos maiores das elipses descritaspelos planetas) aparece pela primeira vez no escrito Harmonces mundi de 1619.Foram as observaes de Tveho Brahe que permitiram a Kepler descobrir as suasleis e corrigir assim a doutrina de Coprnico, que admitia o movimento circulardos planetas em torno do sol. Mas a descoberta de Kepler confirmavadefinitivamente a validade do procedimento que reconhece a verdadeiraobjectividade natural da proporo natural.

    390. GALILEU: VIDA E OBRAS

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    Galileu Galilei nasceu em Pisa a 15 de Fevereiro de 1564. Votando-se aestudos de medicina, enquanto aprofundava o conhecimento dos textos antigosem conformidade com os quais esses estudos eram conduzidos, tambm

    se dedicava observao dos fenmenos naturais. Em 1583, a oscilao de umalmpada na catedral permitia-lhe determinar a lei do isocronismo dasoscilaes do pndulo, Nos anos seguintes chegou a formular alguns teoremas

    de geometria e de mecnica que mais tarde deu estampa. O estudo de Arquimedeslevou-o a descobrir a balana para determinar o peso especfico dos corpos(1586). A sua culturamatemtica proporcionou-lhe a estima e simpatia de muitosmatemticos da poca e foi-lhe confiada em 1589 a cadeira de matemtica naUniversidade de Pisa. Permaneceu nesta cidade trs anos, durante os quais fezvrias descobertas, nomeadamente, a seguir a repetidas experincias feitaspor Campanile de Pisa, a da lei da queda dos graves. Em 1592, passou a ensinarmatemtica na universidade de Pdua e a viveu dezoito anos, que foram os maisfecundos e felizes da sua vida. Das numerosas invenes de vrios gneros,feitas neste lapso de tempo, a mais importante a do telescpio (1609); estainveno abre a srio das descobertas astronmicas. A 17 de Janeiro de 1610,Galileu descobriu o trs satlites de Jove, a que chamou planetas medicisianosem honra dos princpios toscanos, tendo-os anunciado no Sidereus nuncius

    publicado em Veneza a 12 de Maro do mesmo ano. Kepler dirigiu-lhe os seusaplausos a propsito desta descoberta e o Gro-Duque deu-lhe o lugar, que eledesejava, de matemtico do gabinete de Pisa. Com o seu telescpio Galileu pdedar-se conta de que a Via Lctea um conjunto de estrelas; pde descobriros anis de Saturno, obser15

    var as fases de Vnus em torno do Sol e reconhecer as manchas solares, as quais(como ele disse) foram o funeral da cincia aristotlica, porque desmentiama pretensa incorruptibilidade dos cus. Mas, entretanto, as descobertasastronmicas levavam-no a considerar a estrutura do mundo celeste. Numa cartaao seu aluno Castoffi, datada de 21 de Dezembro de 1613, defendia a doutrinacopernicana. Mas esta doutrina comeava precisamente ento a atrair a atenoda Inquisio de Roma, a qual move um processo contra Galileu. Em vo ocientista se dirige a Roma procurando evitar acondenao da doutrina copernicana. A afirmao da estabilidade do sol e domovimento da terra condenada; e Galileu admoestado pelo cardeal Belarminoa abster-se de profess-la (26 de, Fevereiro de 1916). Poucos dias depois,a 5 de Maro, a obra de Coprnico De revolutionis orbium coefestium postano ndice. Galileu continuou no entanto as suas especulaes astronmicas.Contra o padre jesuta Lotario Sarsi (Horacio Grassi), autor do to Libraastronmica ac philosophica dirigido contra o seu Discorso delle comete(1619), Galileu publicou em Roma (1623) il Saggiatore. E entretanto continuavaa trabalhar nos Dilogos sobre os dois mximos sistemas do mundo, o ptolemaicoe o copernicano, encorajado tambm pela subida ao pontificado do cardealBarberini (Urbano VIII), que lhe havia sempre demonstrado a sua benevolncia.O Dilogo foi dado estampa em Fevereiro de 1632. Mas j em Setembro Gafileufora citado pelo papa a comparecer perante o

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    Santo Oficio de Roma. O processo dura at 22 de Junho de 1633 e conclui-secom a abjurao de Galileu. Tinha ento 70 anos. Passou os ltimos anos dasua vida na solido da casa de campo de Arcetr, perto de Florena, alquebradopelas doenas e diminudo pela cegueira, mas sem interromper o seu trabalho,escrevendo os Dilogos das novas cincias e mantendo numerosa correspondnciacom amigos e discpulos. Morreu a 8 de Janeiro de 1642.As obras filosficas mais notveis so as j nomeadas: O Ensaiador, osdilogos. sobre os dois mximos sistemas e os Dilogos das novas cincias.

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    Mas em todos os seus escritos esto disseminadas consideraes filosficase metodolgicas.

    391. GALILEU: O MTODO DA CINCIA

    Galileu pretende desimpedir a via da investigao cientfica dos obstculosda tradio cultural e teolgica. Por um lado, polemiza, contra o "o

    mundo de papel" dos aristotlicos; por outro, quer subtrair a investigaodo mundo natural aos Emites e aos estorvos da autoridade eclesistica. Contraos aristotlicos, afirmava a necessidade do estudo directo da natureza. Nada mais vergonhoso nas disputas cientficas, diz ele (Op., VII, p. 139), doque recorrer a textos que amide foram escritos com outro propsito e pretenderutiliz-los para responder a observaes e experincias directas. Quem escolhetal mtodo de estudo deveria pr de parte o nome de filsofo, uma vez que "no

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    convm que aqueles que deixaram de filosofar usurpem o honroso ttulo defilsofo". prprio de espritos vulgares, tmidos e servis dirigir antes

    os olhos para um mundo de papel do que para o verdadeiro e real, que, fabricadopor Deus, est sempre diante de ns para nosso ensinamento. Tambm no se podem,por outro lado, sacrificar os ensinamentos directos que a natureza nos forneces afirmaes dos textos sagrados. A Escritura Sagrada e a natureza procedemambas do Verbo divino, aquela como ditado do Esprito Santo, esta comoexecutora das ordens de Deus; mas a palavra de Deus teve de adaptar-se aolimitado entendimento dos homens aos quais se dirigia, ao passo que a natureza inexorvel e imutvel c

    nunca transcende os limites das leis que impe aos

    homens, porque no se importa que as suas recnditas razes sejam ou nocompreendidas por eles./ Por isso o que da natureza nos revela a sensataexperincia ou o que as demonstraes necessrias nos levam a concluir, nopodo ser posto em dvida, ainda que divirja de algum passo da Escritura (Lett.alla duchessa Cristina, in Op., V, p. 316).

    S o livro da natureza o objecto prprIo da cincia; e este livro interpretado e lido apenas pela experincia. A experincia a revelaodirecta da natureza na sua verdade, ela nunca engana: mesmo quando os olhosnos fazem ver o pau imerso na gua quebrado, o erro no est na vista, querecebe verdadeiramente a imagem quebrada e

    reflexa, mas no raciocnio que ignora que a imagem se refracta ao passar deum para outro meio trans18

    parente (Op., 111, 397; XVIII, 248). A tarefa do raciocnio, porm, e

    especialmente do raciocnio

    matemtico, igualmente importante porque a

    da interpretao e transcrio conceitual do fenmeno sensvel. Por vezes,esta tarefa assume para Galileu uma importncia predominante: de modo que aconfirmao experimental parece degradar-se a simples verificao, ocasionale no indispensvel, de uma teoria elaborada independentemente dela. Diz, porexemplo, Galileu a propsito das leis do movimento: "mas voltando ao meutratado do movimento, argumento ex suppositione sobre o

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    movimento, daquele modo definitivo; de maneira que, quando mesmo asconsequncias no correspondessem aos acidentes do movimento natural, poucome importaria, uma vez que em nada derroga s demonstraes o facto de nose encontrar na natureza nenhum mbil que se mova por linhas espirais" (Ib.,XVIII, 12-13). Consideraes como esta que se repelem aqui e ali nas obrasde Galileu, foram algumas vezes utilizadas para aproximar a investigao

    galileica da aristotlica: tal como Aristteles, Galileu estaria maisinteressado em encontrar as "essncias" dos fenmenos do que em descobrir assuas leis e as experincias servir-lhe-L,m to-s de pretexto ou de confirmaoaproxiMativa da teoria. E por certo que a experincia, ou melhor, os resultadosdela seriam, segundo Galileu, cegos, isto , sem significado, se

    no fossem iluminados pelo raciocnio, isto , sem

    uma teoria que lhes explicasse as causas. Galileu explicitamente afirmaque entender matemtica19

    mente a causa de um evento "supera. por infinito intervalo o simplesconhecimento obtido atravs de outras atestaes e mesmo de muitas reiteradas

    experincias" (Discorsi intorno a due nuove scienze, -IV, 5). Evidentemente,para Galileu s o raciocnio pode estabelecer as relaes matemticas entreos factos da experincia e construir uma teoria cientfica dos prprios factos.Mas do mesmo passo evidente que s a experincia pode fornecer, segundoGalileu, o incentivo para a formulao de uma hiptese e que as deduesque derivam matematicamente destas hipteses devem, por seu turno, serconfrontadas com a experincia e confirmadas com experimentos repetidos antesde poderem ser declaradas vlidas`.

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    apenas nos

    rgos sensveis mas no so caracteres objectivos dos corpos, se bem que sejamproduzidos por estes. A objectividade reduz-se, portanto, exclusivamente squalidades sensveis que so determinaes quantitativas dos corpos; enquantoque as qualidades no redutveis a determinaes quantitativas so declaradaspor Galileu puramente subjectivas.

    Isto revela o ntimo mbil da investigao de Galileu, o qual conduz a umaextrema clareza a tese, j apresentada por Cusano e Leonardo_ da -estrutura-matemtica da realidade objectiva. Galileu considera que o livro da natureza escrito em lngua matemtica e os seus caracteres so tringulos, crculose outras figuras geomtricas. Por isso no se pode entender tal livro se antesno se tiver aprendido a lngua e os caracteres em que est

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    escrito (Ib., VI, p. 232). Sobro a estrutura matemtica do universo, repousa

    a Sua ordem necessria, que nica e nunca foi nem ser diversa (Ib., VII,p. 700). Para entender esta ordem necessrio

    que a cincia se constitua como um sistema de rigorosos procedimentos demedida. As determinaes genricas "grande" ou "pequeno", "prximo" ou

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    falso, cumpre desprez-lo, se verdadeiro necessrio aceit-lo porque noh modo de lhe fugir (Ib., IV, p. 24).O que confirma que, no h filosofia que possa mostrar-nos a verdade da naturezamelhor do que a natureza (Ib., IV, p. 166), a qual no antecipa a natureza,seno que a segue e a manifesta na sua objectividade. Com a eliminao de todae qualquer considerao finalistica ou antropomrfica do mundo natural,Galileu realizou completamente a reduo da natureza objectividade

    mensurvel e conduziu a cincia moderna sua maturidade.

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    392. BACON: VIDA E ESCRITOS

    Se Galileu elucidou o mtodo de investigao cientfica, Bacon entreviu pelaprimeira vez o poder que a cincia oferece ao homem em relao ao mundo. Baconconcebeu a cincia como essencialmente destinada a realizar o domnio do homemsobre a natureza. O regnum hominis: viu a fecundidade das suas aplicaesprticas, de modo que podemos consider-lo o filsofo e o profeta da tcnica.

    Francis Bacon nasceu em Londres a 22 de Janeiro de 1561, sendo filho de Sir

    Nicholas Bacon, ministro da justia da rainha Elisabeth. Estudou em Cambridgee em seguida passou alguns anos em

    Paris, no squito do embaixador de Inglaterra, onde teve ensejo de completare enriquecer a sua cultura. De regresso ptria, quis iniciar a carreirapoltica. Enquanto viveu a rainha Elisabeth, no pde obter nenhum cargo'importante, no obstante o apoio do conde de Essex. Mas com a subida ao tronode Jaime I, Stuart (1603), pde gozar do apoio do favorito do rei, LordBuckingham, para obter cargos e honras. Foi nomeado advogado geral (1607),depois procurador geral (1613), e, finalmente, ministro das justias (1617)e Lord Chanceler (1618). Como tal, presidia s principais cortes de justiae tornava executrios os decretos do rei. Foi, alm disso, nomeado baro deVerulam e visconde de Slo Albano. Mas quando Jaime 1 teve de convocar em 1621o Parlamento, inculpou Bacon de

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    corrupo, acusando-o de ter recebido ofertas de dinheiro no exerccio dassuas funes. Bacon reconheceu-se culpado. Foi condenado ento a pagarquarenta mil esterlinos de multa, a permanecer prisioneiro na Torre de Londresat que o rei o quisesse, e foi exonerado de todos os cargos do estado (3 deMaio de 1621). O rei perdoou a Bacon a multa e a priso, mas a vida polticado filsofo estava acabada. Bacon retirou-se para Gorhw, nbury e a passouos ltimos anos da sua vida, entregando-,se ao estudo. Faleceu a 9 de Abrilde1626.

    A carreira poltica de Bacon foi a de um corteso hbil e sem escrpulos. Nohesitou em sustentar a acusao como advogado do rei contra o conde Essex queo havia ajudado nos primeiro passos difceis da sua carreira, e que cara em

    seguida em desgraa. O processo a que foi submetido lana uma luz poucosimptica sobre a sua

    actividade de ministro, uma vez que ele no pde negar as acusaes decorrupo que lhe dirigiram. Mas este homem ambicioso e amante do dinheiroe

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    do fausto teve uma ideia altssima do valor da cincia ao servio dohomem. Todas as suas obras tendem a ilustrar o projecto de umapesquisa cientfica que, aplicando o mtodo experimental em

    todos os campos da realidade, faa da realidade mesma o domnio do homem. Baconquis tornar a

    cincia activa e operante colocando-a ao servio do homem e considerando comoseu escopo a constituio de uma tcnica que devia dar ao homem o domnio detodo o mundo natural. Quando, na

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    Nuova Atlntida, pretende dar a imagem de uma

    cidade ideal, recorrendo ao pretexto, j empregado por Toms Moro na Utopia,da descrio de uma

    ilha desconhecida, no se deteve a sonhar com formas de vida sociais ou

    polticas perfeitas, mas imaginou um paraso da tcnica onde fossem postosem prtica as invenes e os achados do mundo inteiro. E, de facto, nesteescrito (que no chegou a ser concludo) a ilha da Nova Atlntida descritacomo um enorme laboratrio experimental, na qual os habitantes procuramconhecer todas as foras ocultas da natureza "Para estender os confins doimprio humano a todas as coisas possveis". Os numes tutelares da ilha soos grandes inventores de todos os pases; e as relquias sagradas so osexemplares de todas as grandes e mais raras invenes.

    Bacon, todavia, no dirigiu a sua ateno apenas para o mundo da natureza.A sua primeira obra, os Ensaios, publicados pela primeira vez em 1597 e depoistraduzidos em latim com o ttulo Sermones fdeles sive interiora rerum, sosubtis e eruditas anlises da vida moral e poltica nas quais a sapincia dosAntigos amplamente utilizada. Mas a sua ,principal actividade foi a quededicou ao projecto de uma enciclopdia das cincias que devia renovarcompletamente a investigao cientfica colocando-a numa base experimental.O plano grandioso desta enciclopdia deu-no-lo ele no escrito De augmentisscientiarbim, publicado, em 1623, o qual compreende: as cincias que se fundamna memria, isto , a histria, que se dlivide em natural e civil; aquelasque se fundam na fantasia, isto , a poesia, que se

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    divide em narrativa, dramtica e parablica (a que serve para ilustrar umaverdade); e as cincias que se fundam na razo, entro as quais, por um lado,a filosofia prima ou cincia universal, por outro as

    cincias particulares que concernem a Deus ou natureza ou ao homem. "Afilosofia prima" considerada por Bacon como "a cincia universal e me dasoutras cincias", consistindo a sua tarefa em recolher "os axiomas que noso prprios das cincias particulares mas comuns a outras cincias" (De augm.sient., 111, 1). Este conceito devia permanecer tpico da interpretao datarefa da filosofia segundo os mtodos positivistas, isto , segundo todo omtodo que faa coincidir com a cincia a totalidade do saber.

    A Instauratio magna deveria dar as directivas de todas estas cincias e devia,consequentemente. compreender seis partes: 1.a Diviso das cincias;

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    2.a-Novo rgo ou indcios para a interpretao da natureza; 3 a Fenmenosdo universo ou histria natural experimental para construir a filosofia; 4a Escala do intelecto; 5 a - Prdromos ou antecipaes da filosofiasegunda; 6 a - Filosofia segunda ou cincia activa. Deste vasto projectoBacon &penas realizou adequadamente a segunda parte que precisamente o Novumorganum, publicado em 1620. As outras obras podem-se considerar como esquissosou esboos das outras partes: O progresso do saber (em ingls, 1605), De

    sapientia veterum (1609); Histria naturalis (1622)-, De dignitate etaugmentis scientiarum (1623); este ltimo escrito representa a primeira parteda Instauratio nwgna.

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    Escritos menores, incompletos ou esboados foram publicados aps a sua morte:De interpretatione natura e proemium (1603), Valerius Terminus (1603);Cogitationes de rerum natura (1605); Cogitata e visa (1607), Descriptio globiintelectualis (1612); Thema coeli (1612). Nos ltimos anos comps e publicoutambm uma Histria de Henrique VII.

    393. BACON: O CONCEITO DA CINCIA E DA TEORIA DOS DOLOS

    Do projecto grandioso de uma Instauratio magna que devia culminar na Scienciaactiva, isto , numa tcnica que aplicasse as descobertas tericas, muito poucorealizou Bacon. O que ele fez reduz-se substancialmente ao Novum Organum, isto, a uma

    lgica do procedimento tcnico-cientfico que polemicamente contraposta lgica aristotlica, que ele achava servir apenas para alcanar vitrias nasdisputas verbais. Com a velha lgica vence-se o adversrio, com a novaconquista-se a natureza. Esta conquista da natureza a tarefa fundamentalda cincia. "0 fim desta nossa cincia, diz Bacon (Nov. org., Distributiooperis), o de encontrar no argumentos mas artes, no princpiosaproximativos, mas

    princpios verdadeiros, no razes provveis mas projectos e indicaes deobras". A cincia posta assim inteiramente ao servio do homem; e o homem,ministro e intrprete da natureza, opera e compreende de acordo com o queobservou na ordem

    28

    da natureza, quer mediante a experincia, quer mediante a reflexo: para almdisto, no sabe nem

    pode coisa alguma. A cincia e o poder humano coincidem: a ignorncia da causatoma impossvel conseguir o efeito. No se vence a natureza senoobedecendo-1he, e o que na observao est como causa, na obra vale como regra

    (Ib., 1, 3). A inteligncia humana tem necessidade de instrumentos eficazespara penetrar na natureza e domin-la: semelhana das mos, no pode efectuarnenhum trabalho sem um instrumento adequado. Os instrumentos da mente so osseus experimentos: experimentos pensados e adaptados tecnicamente ao fim quese pretende alcanar. Os sentidos por si s no bastam para nos fornecer uniguia seguro: s os

    experimentos so os guardies e os intrpretes das respostas daqueles. Oexperimento representa, segundo a imagem de Bacon, w conbio da mente e douniverso", conbio do qual se espera "uma prole numerosa de invenes e de

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    instrumentos aptos a dominarem e a mitigarem, pelo menos em parte, asnecessidades e as misrias dos homens" (lb., Distr. op.).

    Mas a unio entre a mente e o universo no se pode celebrar enquanto a mentepermanea presa a hbitos e preconceitos que a impedem de interpretar anatureza. Bacon ope a interpretao da natureza antecipao da natureza.A antecipao da natureza prescinde do experimento e passa imediatamente das

    coisas particulares sensveis aos axiomas generalssimos, e, base destesprincpios e da sua imvel verdade, tudo julga e encontra os chamados

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    axionas mdios, isto , as verdades intermdias entro os princpios ltimose as coisas. Esta a via da antecipao, de que se serve a lgica tradicional,via que toca apenas de raspo a experincia porque se satisfaz com as verdadesgerais. A interpretao da natureza, ao invs, adentra-se com mtodo e ordemna experincia e ascende, sem saltos e por graus de sentido, das coisasparticulares aos aXiomas, chegando s por ltimo aos mais gerais. A vila deantecipao estril, uma vez que os axiomas por ela estabelecidos no servempara inventar seja o que for. A via da interpretao fecunda, porque dos

    axiomas deduzidos com mtodo e ordem das coisas particulares facilmente brotamnovas cognies particulares que tornam activa e produtiva a cincia (lb.,1, 24). A tarefa preliminar de Bacon, na sua tentativa de estabelecer o novorgo da cincia, , por conseguinte, o de eliminar as antecipaes, e a tal dedicado substancialmente o primeiro livro do Novum organum. Este livrodestina-se a purificar o intelecto de todos os dolos, para o que estabeleceuma trplice crtica: (redargutio): crtica das filosofias, crtica dasdemonstraes e crtica da razo humana natural, respectivamente destinadasa eliminar os preconceitos que se radicaram na mente humana atravs dasdoutrinas filosficas ou atravs das demonstraes extradas de princpioserrados, ou pela prpria natureza do intelecto humano. Ele quer "conduzir oshomens Perante as coisas Particulares e as suas sries e ordena, afastando-ospor algum tempo das noes

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    antecipadoras para que comecem a familiarizar-se com as coisas mesmas" (Ib.,1, 36).

    As antecipaes que se radicam na prpria natureza humana so as que Bacondenomina idola tribus e idola specus: os idola tribus so comuns a todos oshomens, os idola specus so prprios de cada indivduo. O intelecto humano conduzido a supor que existe na natureza uma harmonia muito maior do quea que existe de facto, a dar mais importncia a certos conceitos do que a outros,a atribuir maior relevncia ao que, impressiona a fantasia do que ao que oculto e longnquo. Alm de ser impaciente, quer progredir sempre para almdo que lhe dado, e pretende que a natureza se

    adapte s suas exigncias. rejeitando assim tudo o

    que nela no lhe convm. Todas estas disposies naturais so fontes de idolatribus,- e a principal fonte de tais idola a insuficincia dos sentidos aosquais escapam todas as foras ocultas da natureza. Os idola specus, ao invs,dependem da educao, dos hbitos e das circunstncias fortuitas em que cadaqual se encontra. Aristteles, dei de ter inventado a lgica, sujeitou a elacompletamente a sua fsica, tornando-a estril: isto foi devido por certo auma particular disposio do seu intelecto. Gilbert, o descobridor do

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    magnetismo, arquitectou sobre a sua descoberta toda uma filosofia. E assim,em geral, todo o homem tem as suas propenses para os antigos ou para osmodernos, para o velho ou para o novo, paira aquilo que simples ou para aquiloque complexo, para as semelhanas ou para as diferenas; e todas estaspropenses so fontes

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    de idola specus, como se cada homem tivesse no seu interior um antro ou umacaverna que refractasse ou desviasse a luz da natureza.

    Alm destas duas espcies naturais de dolos, existem os adventcios ouprovenientes do exterior: idola fori e idola theatri. Os dolos da praaderivam da linguagem. Os homens crem impor .a sua

    razo s palavras: tambm sucede que as palavras retoram e repercutam a suafora sobre o intelecto. Nascem assim as disputas verbais', as mais longase insolveis, que se podem resolver apenas com um recurso realidade. Os dolosque derivam das palavras so de duas espcies: ou so nomes de coisas que noexistem ou so nomes de coisas que existem, mas que so confusos e mal

    determinados. primeira espcie pertencem os nomes

    de fortuna, primeiro mbil, rbitas dos planetas, elemento do fogo e quejandos,os quais tm a sua origem em falsas teorias. segunda espcie pertencem, porexemplo, a palavra hmido, que indica coisas diversissmas, as palavras queindicam aces como gerar, corromper, etc., e as que indicam qualidades, comograve, ligeiro, poroso, denso, etc. Tais so os idla fori, 'assim chamadosporque gerados por aquelas convenes. humanas que as relaes entre os homenstornaram necessrias. o ltimo gnero de preconceitos o idola theatri quederivam das doutrinas filosficas ou de demonstraes erradas. Bacondenomina-os- assim porque compara os sistemas filosficos a fbulas, que socomo mundos fictcios ou cenas de teatro. As doutrinas filosficas, e porconseguinte, os idola theatri, existem em pro32

    fuso e Bacon no se prope confut-los um por um. Ele divde as falsasfilosofias em trs espcies: a sofstica, a emprica e a supersticiosa. Dafilosofia sofstica o maior exemplo Aristteles, que procurou adaptar o mundonatural a categorias lgicas predispostas e se preocupou mais em dar adefinio verbal das coisas do que em procurar a verdade delas. Ao gneroemprico, pertence a filosofia dos alquimistas e tambm a de Gilbert, que tema pretenso de explicar todas as coisas por meio de poucos e restritosexperimentos. Finalmente, a filosofia supersticiosa a que se mistura coma teologia, como acontece em Pitgoras e Plato, e especialmente neste ltimo,que Bacon considera mais subtil e perigoso e ao qual no hesita em atribuirnum seu escrito (Temporis partus musculus, Opere, M,530-31) as qualificaes de "urbano trapaceiro, poeta enfatuado, telogo

    mentecapto". Finalmente, idola theatri derivam tambm de demonstraeserrneas. E as demonstraes so errneas porque se fiam demasiado nos sentidosou abstraem indevidamente das suas impresses ou tm a pretenso de passarde golpe dos pormenores sensveis aos princpios gerais.

    Entre as causas que impedem os homens de se libertarem dos dolos e progrediremno conhecimento efectivo da natureza, Bacon coloca em primeiro lugar areverncia pela sabedoria antiga. A este propsito, observa ele que, se porantiguidade se entende a velhice do mundo, o termo deveria aplicar-se ao nossotempo, e no quela juventude do mundo de que os Antigos foram quase um exemplo.

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    Essa poca antiga e fundamental para ns, mas

    relativamente ao mundo nova e menor; e como lcito esperar de um homemantigo um maior

    conhecimento do mundo do que de um jovem, assim deveremos esperar da nossapoca muito mais do que dos tempos antigos, porque ela se foi pouco a poucoenriquecendo no curso do tempo atravs de infinitos experimentos eobservaes. A verdade, diz Bacon, filha do tempo, no da autoridade. ComoBruno, ele pensa que ela se

    revela gradualmente ao homem atravs dos esforos que se somam e se integramna histriaPara sair das velhas vias da contemplao improdutiva e empreendera via nova da investigao tcnico-cientfica, necessrio colocarmo-nos noterreno do experimento. A simples experincia no basta, porque procede aoacaso e sem directivas. semelhante, diz Bacon, (Nov. Org., 1, 82) a uma

    vassoura velha, ao avanar s cegas como quem andasse de noite procura docaminho, quando seria mais fcil e prudente esperar pelo dia ou acender umaluz, e assim enfiar pelo caminho. A ordem verdadeira da experincia consisteem acender a luz, ,iluminando desse modo a via, quer dizer, comear pelaexperincia ordenada e madura, e no por experincias irregulares edesordenadas. S assim o experimento pode levar a vida humana a enriquecer-sede novas invenes, a assentar as bases do poder e da grandeza humana e a alargarcada vez mais os seus horizontes. Alis, o objectivo prtico e tcnico queBacon atribui cincia no a encerra

    num estreito utilitarismo. Aos experimentos que do

    34

    fruto (experimenta fructfera) acha que so preferveis os que do luz(experimenta lucifera), que nunca falham e nunca so estreis, porquantorevelam a causa natural dos factos (Ib., 1, 99).

    394. BACON: A INDUO E A TEORIA DAS FORMAS

    A pesquisa cientfica no se funda s nos sentidos nem apenas no intelecto.Se o intelecto por si no produz seno noes arbitrrias e infecundas e seos sentidos, por outro lado, s do indicaes ordinrias e inconcludentes,a cincia no poder constituir-se como conhecimento verdadeiro e fecundo deresultados seno enquanto impuser experincia sensvel a disciplina dointelecto e ao

    intelecto a disciplina da experincia sensvel. O procedimento que realizaaquela exigncia , segundo Bacon, o da induo. Bacon preocupa-se emdistinguir a sua induo da aristotlica. A induo aristotlica, isto , ainduo puramente lgica que no incide sobre a realidade, uma induo porsimples enumerao dos casos particulares: Bacon considera-a uma experinciapueril que produz concluses precrias e continuamente exposta ao perigodos exemplos contrrios que possam desmenti-la. Ao invs, a induo que ainveno e a demonstrao das cincias e das artes funda-se na escolha e naeliminao dos casos particulares: escolha e eliminao repetidassucessivamente sob o controle do experimento, at se atingir a deter35

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    minao da verdadeira natureza do fenmeno. Esta induo procede por isso semsaltos e por graus; quer dizer, remonta gradualmente dos factos particularesaos princpios mais gerais e s por ltimo chega aos axiomas generalssimos.

    A escolha e a eliminao em que se funda tal induo supem em primeiro lugara recolha e a descrio dos factos particulares: recolha e descrio que Bacon

    denomina storia naturale sperimentale, porque no deve ser imaginada oucogitada, mas recolhida da experincia, ou seja, ditada pela prpria natureza.Mas a histria natural e experimental to variada e vasta que confundiriao intelecto em vez de ajud-lo se no fosse composta e sistematizada numa ordemidnea. Para tal fim servem as tbuas que so recolhas de casos ou

    exemplos (instantiae) segundo um mtodo ou uma ordem que torna tais recolhasapropriadas s exigncias do intelecto (Nov. org., 11, 10). As tbuas depresena sero ento a recolha das instncias conhecidas, isto , dascircunstncias em que uma

    certa "natureza", por exemplo, o calor, habitualmente se apresenta. As tbuasde ausncia recolhem, ao invs, aqueles casos que so privados da natureza

    em questo, embora estando prximos ou

    ligados queles que a apresentam. As tbuas dos graus ou comparativasrecolhero, pelo contrrio, aquelas instncias ou casos em que a naturezaprocurada se encontra em diferentes graus, maiores ou

    menores: o que deve fazer-se ou comparando o seu aumento e a sua diminuiono mesmo sujeito ou comparando a sua grandeza em sujeitos diferentes,

    36

    confrontados um com o outro. Formadas estas tbuas, comea o verdadeiro eprprio trabalho da induo, cuja primeira fase deve ser negativa, isto ,deve consistir "em excluir as naturezas que no se encontrem em alguns casosem que a natureza dada presente ou se encontrem em algum caso em que ela ausente ou cresce em algum caso em que a natureza dada decresce ou decresceem algum caso em que a natureza dada aumenta". A parte positiva da induo**co~r apenas aps esta longa e difcil obra de excluso, com a formulaode uma hiptese promissria, acerca da forma da natureza estudada, que Bacon,denomina "primeira vindima". Esta hiptese guiar o desenvolvimento ulteriorna pesquisa que consiste substancialmente em p-la prova em sucessivasconfirmaes ou experimentos que Bacon chama instncias prerrogativas. Eleenumera vinte e sete espcies de tais instncias, designando-as com nomespitorescos (instncias solitrias, migratrias, impressionistas,clandestinas, manipulares, analgicas, etc.). A ,instncia decisiva ainstncia crucial, cujo nome

    Bacon deriva das cruzes que se erguem nas encruzilhadas para indicar as vias.O valor desta instncia consiste em que, quando se no sabe ao corto qual dasduas ou mais naturezas a causa da natureza estudada, a instncia crucialmostra que a

    unio de uma das naturezas com ela segura e

    indissolvel e assim permite reconhecer nesta natureza a causa da naturezaestudada. Algumas vezes, acrescenta Bacon, instncias desta naturezaapresentam-se por si; outras vezes, ao contrrio, devem ser

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    procuradas ou provocadas e constituem verdadeiros e prprios experimentos (M.,11, 36).

    No vigsimo stimo e ltimo lugar das instncias prerrogativas, Bacon colocaas instncias da magia, caracterizadas pela desproporo entre a causamaterial ou eficiente, que pequena ou insignificante, e o efeito produzido.Devido a esta desproporo, as instncias mgicas parecem milagres: narealidade, os efeitos mgicos so obtidos por via puramente natural, mediantea multiplicao das foras produtoras devida ou a estas foras mesmas ou sforas de outros corpos (Nov. org., H, 51). Deste modo, a magia, com todosos seus mirabolantes efeitos, foi includa por Bacon no plano do trabalhoexperimental.

    Todo o processo da induo tende, segundo Bacon, a estabelecer a causa dascoisas naturais. E esta causa a forma. Ele faz seu o principio: vere scire

    est per causas scire, e aceita finalmente a distino aristotlica das quatrocausas: material, formal, eficiente e final. Mas elimina logo a causafinal por ser mais nociva do que benfica cincia Ub., 11, 2). "A pesquisadas causas finais, diz ele (De augm., 111, 5), estril: como uma virgemconsagrada a Deus, no pode parir coisa alguma". Bacon no nega que se possamlegitimamente contemplar os fins dos objectos naturais e a harmonia geral douniverso para se dar conta do poder e da sabedoria de Quem o criou. Mas estapesquisa deve ser consagrada ao servio de Deus, no pode ser transposta parao plano da cincia natural, porque esta no contemplativa mas activa, e deve

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    descobrir as causas que permitem ao homem o domnio sobre o mundo (Ib., 111,4). Quanto s outras causas aristotlicas, Bacon considera que aeficiente e a material so superficiais e inteis para a cincia verdadeirae activa por serem concebidas como separadas do processo latente que tendo forma. Resta a forma, que Bacon tem a pretenso de entender de um modointeiramente diverso de Aristteles. E o que ele entende, verdadeiramente porforma o mais difcil problema da crtica baconiana.

    Bacon insiste em primeiro lugar na tese de que s a forma revela a unidadeda natureza e permite descobrir o que nunca existiu antes e que nuncapoderia passar pela cabea de ningum, e que nem os acontecimentos naturaisnem as exploraes experimentais nem o acaso poderiam alguma vez produzir."S da descoberta das formas, diz ele, nasce a contemplao verdadeira e aliberdade do operam (lb., 11, 3). Para entender o significado da forma necessrio uma observao preliminar. Bacon distingue em todos os fenmenos

    naturais dois aspectos diferentes: 1 o esquematismo latente (Iatensschematismus), isto , a estrutura ou a ordem intrnseca dos corposconsiderados estticamente;2 o processo latente (latens processus ou processus ad formam), isto , omovimento intrnseco dos prprios corpos, que os conduz realizao da forma.De facto, ele distulgue (Ib., 11, 1) "o processo latente que em todas asgeraes ou movimentos parte continuamente da causa eficiente e manifesta eda matria sensvel para a forma inata" e o

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    "esquematismo latente dos corpos quiescentes e no em movimento". E maisadiante considera o processo e o esquematismo em dois captulos separados,insistindo na conexo e na diversidade dos dois aspectos da natureza (Ib.,11, 6 e 7). Correspondentemente, distingue duas partes da fsica: a doutrinado esquematismo da matria e a doutrina dos apetites e dos movimentos (De augm.,111, 4). A primeira doutrina por ele comparada ao que a anatomia dos corpos

    orgnicos (Nov. org., 11, 7). Ora, a forma ao mesmo tempo o princpio doesquematismo e o princpio do processo: assim, ela conserva para Bacon umaduplicidade de significado que inerente duplicidade da funo que lheatribui. deve ver na forma, por um lado, a estrutura que constituiessencialmente, e portanto individua e define, um determinado fenmenonatural; por outro lado, a lei que regula o movimento de gerao ou de produodo prprio fenmeno. "Indagar e descobrir a forma de um dado fenmeno natural(lb., 11, 1), isto , a diferena verdadeira ou a natureza naturante ou a fonteda emanao (so estes os vocbulos que exprimem melhor a coisa), tal o escopoe a inteno da cincia humana". Logo, evidente que a forma como diferenaverdadeira constitui o princpio do esquematismo, isto , da ordem intrnsecadas partes da matria, porque aquilo que individua a estrutura de umarealidade material; enquanto como natureza naturante ou fonte de emanao

    a lei que regula o movimento de produo de um determinado fenmeno. E insisteora num ora noutro significado do

    40

    termo forma. Por um lado, diz que "a forma tal que pode deduzir um dadofenmeno de uma qualquer essncia que inerente a vrios fenmenos. e maisgeral do que o fenmeno dado" (Ib., 11, 4): chama forma " Minio verdadeira"do fenmeno (Ib., 11, 20) e descreve-a. como "a coisa mesma" na sua estruturainterna (Ib., 11, 13). Por outro lado, fala das leis fundamentais e comunsque constituem as formas" (Ib., 11, 17). E diz: "Se bem que nanatureza no existam seno corpos individuais que produzam actos purosindividuais segundo uma determinada lei, nas doutrinas essa mesma lei, abusca e a descoberta dela e o seu esclarecimento servem de fundamento querao saber quer ao operar. Esta lei, e os seus pargrafos, aquilo que nsdesignamos com o nome de forma, especialmente porque este vocbulo usadoe se tornou familiar" (lb., 11, 2). Por vezes os dois significados so indicadosao mesmo tempo: "Quando falamos de formas no queremos indicar seno aquelasleis e aquelas determinaes do acto puro que ordenam econstituem qualquer simples fenmeno natural, comoo calor, a luz, o peso, qualquer que seja a matria ou o substracto adaptado.Por isso a forma do calor ou a forma da luz a mesma coisa que a lei do calorou a lei da luz" (lb., 11, 117). Assim se distinguem os dois significadosfundamentais da forma, como lei do movimento e determinao do acto puro, isto, o esquematismo latente.

    No justo, por isso, exprobar a Bacon (como tantas vezes se tem feito) a

    ambiguidade do significado que ele atribui palavra forma. Na reali41

    dade, este significado necessriamente duplo emvirtude de uma distino que Bacon claramente estabeleceu e considerou.fundamental. Resta, porm, uma dvida: ser a doutrina da forma to originalcomo o prprio Bacon a julgou e, sobretudo, distinguir-se- elasuficientemente da doutrina aristotlica? No h dvida de que Bacon contrapso seuconceito de forma ao do aristotelismo escolstico; mas a forma, tal como elea concebeu, como princpio esttico e dinmico dos corpos fsicos, corresponde

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    exactamente autntica forma de Aristteles: a substncia, como princpiodo ser, do devir e da inteligibilidade de todas as coisas reais ( 73). Semo querer e talvez sem o saber, Bacon reportou-se directamente ao genunosignificado aristotlico, da forma substancial. onde, porm, se afasta deAristteles na exigncia, tenazmente mantida, de que a forma seja sempreinteiramente resolvel em elementos naturais; isto , que a busca e adescoberta da forma no consiste em processos conceituais mas num processo

    experimental que chega, mediante oexame de cada caso, a determinar os elementos precisos e operantes da estruturainterna e do processo generativo de um dado fenmeno. Enxertou assim no troncodo aristotelismo a sua exigncia experimentalista. E isto explica a eficcialimitada e quase nula que a sua doutrina exerceu no desenvolvimento da cincia,a qual permaneceu inteiramente dominada pelas intuies metodolgicas deLeonardo, Kepler e Galileu, mas quase por completo ignorouO experimentalismo baconiano que de facto era para ela aproveitvel. Oexperimentalismo cientfico no

    42

    podia ser enxertado no tronco do aristotelismo; e a

    teoria da nduo baconiana devia falir nossa tentativa. O experimentalismocientfico havia j encontrado a sua lgica e com ela a sua capacidade desistematizao. Esta lgica era, como se viu ( 391), a matemtica. significativo que a matemtica no encontre lugar na induo baconiana. Baconpreocupou-se, certo, em situar a matemtica na sua enciclopdia das cincias,agregando-a umas vezes metafsica (Advancement, 11, 82), outras vezes fsica (De augm., 111, 6, Nov. org., 1, 96); masno atribuiu matemtica mesma nenhuma funo eficaz na investigaocientfica, e afirmou explicitamente que ela "est no termo da filosofianatural, mas no a deve gerar nem procriam (Nov. org., H,96). Assim, ao mesmo tempo considera que a matemtica causa de corrupoda filosofia natural; e, alis, (De augm., 111, 4), diz que a astronomia foiincluda entre as matemticas, no sem perda da sua dignidade (non sinedignitatis suae dispendio). Na realidade, o experimentalismo de Baconmantm-se nos quadros da metafsica aristotlica, e no podia fornecer cincia um novo rgo de investigao. Alis, a cincia j encontrara (ouestava em vias de encontrar) o seu rgo, que precisamente a matemtica,e era por causa desse rgo que se desinteressava daquelas formas que Baconconsiderava como termo ltimo da investi~ gao, e se dispunha a considerarnicamente a ordem mensurvel das coisas naturais, isto , as suas relaesmatemticas. A grandeza de Bacon consiste sobretudo em ter reconhecido aestreita

    43

    conexo entre a cincia e o poder humano e em haver sido o profeta da tcnica,isto , da possibilidade de domnio que a investigao cientfica abre ao homem

    no mundo.

    NOTA BIBLIOGRFICA

    388. Os manuscritos de Leonardo foram publicados com as reproduesfotogrficas por Ravisson-Mdllien, 6 vol. in fol., Paris, 1881-91;Codice atlantico, ed. Piumati, Milo, 1894-1903; 1 manoscritti e disegnidi Leonardo da Vinci, publicados pela R. Comisso Vinciana, Roma,1923 segs.-A mais rica de todas as seleces de RIGHTER, TheLiterary Works of Leonardo da Vinci Compiled and Edited from the

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    Original manuscripts, 2 vol., Londres, 1883; 2.1 ed., 1939; Frammentilitterari e filosofici, se'eccionados pr E. Sdlmi, Florena, 1899.-Trattatodella pittura, ed.6udwig, Viena, 1882.

    Sobre os precedentes histricos das doutrinas de Leonardo: DUI-TEM; tudessur L. de V., 3 val., Paris,

    1906, 1908, 1913.-E. SOLM1; Leonardo, Florena1900; CROCE, Leonardo filosofo, in Saggio, sullo Hegel, Bari, 1913; GENTILE,Leonardo, in Pe"ero del rinascimento, e. IV, Florena, 1940; 1d., Il pensierodi L., Florena, 1941. C. LuPORINi, Ta mente di L., Florena,1953; E. GkRIN (Medioevo e renascimento, Ban, 1954, p. 311 segs.; La culturafilosofica del renascimento italiano, FIlorena, 1961, p. 388 segs.) combate,com razes vlidas, a tese de Duhem da dependncia de Leonardo para com Cusano,mostrando as conexes do pensamento de Leonardo com a cultura florentina dotempo.

    389. O De revolutionibus de Coprnico foi publicado em Nuremberga, 1543;outras ed.: Basileia,1566; Amsterdo, 1617; Varsvia, 1854; Thorn, 1991,

    44

    -- SCHIAPARELLI, I precursori di Copernico nell'antichit, Milo, 1873;NATORP; Die kosmolog. Reform des K. in ihrer Bedeutung fur d. Philos., in"Press. Jahr",49.1, p. 355 segs.

    De Tycho Brahe: Opera omnia, Praga, 1611; Francoforte, 1648.

    De Kepler: Prodromus, Tubi-nga, 1596, 1621; Astronomia nova, Hedelberg, 1609;Harmonices mundi, Linz, 1619; Opera omnia, 8 vol., Francoforte, 1858-71.PRANTLnos "Atti dell'Accademia delle scienze di Monaco", olasse de histria, 1875.

    390. A edi" nacional das obras de GaUleu (FlorenGa, 1890-1909) compreende20 vi o 20., contm os ndices, o 11.1 os documentos, os vo,1s. 10.---18.,a oorrespondncia. II saggiatore encontra-se no vol. 6.O; os Dialoghi soprai due massimi sistemi encontram-se no 7.o vol.; os Dialoghi intorno a due nuovescienze no vol. 8., - So-bre a vida de Galficu, as numerosas investigaesde, A. FAVARO; BANFI, Vita di C. G., Milo, 1930.

    391. FAVARO, G. G., Modena, 1910, GENTILE, TI pensiero dei rinascimento,Florena; L. OUCHIU, G. und seine Zeit, Halle, 1927; A. KOYR, tudesgaliIennes, 3 vdl., Paris, 1939. A interpretao a que se faz referncia notexto, de um Galileu aparentado com Aristteles, devida precisamente a KOYR.Ver uma crtica muito equilibrada a esta interpretao: L. GEYMONAT, G. G.,Turim, 1957.

    392. Sobre a vida de Bacon: RMUSAT, Bacon, sa vie, son temps, sa phil. etson influence jusqu' nos

    jours, Paris, 1857; M. M. Rossi, Saggio su F. B., Npoles, 1935. A melhor ed.das obras de Bacon a de Ellis, Speliding e Hath, Works, 1857-59, em 5 vol.

    -i2 boa ia precedente ed. de Bouillet, en 3 voL, Paris,1834-35; Novuin org., ed. e com. de T. FowIer, Oxford,1889; The Advancement of Learning, ao cuidado de

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    45

    H. Morley, Londres, 1905, The New Atlantis, ao cuidado de G. C. Moore Smith,Cambridge, 1960.

    Como exemplo das frequentes desvalorizaes de que tem sido objsc,to a figura

    de Bacon, pode ver-se

    o escrito de L. VoN LIEBIG, Ueber F. B. und die Methode der Naturforschung,Mnaco, 1863; trad. frane.,1866 e 1877.

    393. Sobre a doutrina de B.: K. -"SCHER, F. B, von V. Die Realphil.und ihreZeitalter, Leipzig, 1853;2,1 ed., 1875; HEUSSLER; F. B. und seine ge.-chichtliche Steilung, Breslan,1889; LEVI, 11 pensiero di F. B., Turim, 1925; BROAD, The phil. of P. B.,Cambridge,1928; FAZIO ATLMAYER, Saggio su F. B., Pa:lermo, 1928; THEOBALD, F. B.Concealed and Revealed, Londres,

    1930; M. M. ROSSI, Saggio su F. B., cit.; F. ANDERSON, The Phil. of. P. B.,Chicago, 1948; B. FARRINGTON, F. B.: Philosopher of Industrial Science, Novalorque, 1949, trad. ital. Turim, 1952; P. M. SCHUHL, La pense de B., Paris,1949; PAOLO Rossi, F. B., Dalla. magia alla sci"za, Bari, 1957 (esta ltimaobra destinada especialmente ilustrao das relaes entre o pensamentode Bacon e o pensamento escolstico e renascentista).

    394. As vrias interpretaes da teoria das formas so expostas e discutidasnas monogratias mais recentes; LEvi, op. cit., p. 243; ROSsi, op. cit., p.195 segs.

    46

    QUINTA PARTE

    FILOSOFIA MODERNA DOS SCULOS XVII E XVIII

    1

    DESCARTES

    395. DESCARTES: VIDA E ESCRITOS

    A personalidade de Descartes marca a decisiva viragem do Renascimento paraa idade moderna, Os temas fundamentais da filosofia do Renascimento, oreconhecimento da subjectividade humana e a exigncia de aprofund-la eesclarec-la com um retorno a si mesma, o reconhecimento da relao do homem

    com o mundo e a exigncia de a resolver em favor do homem, tornam-se, nafilosofia de Descartes, os termos de um novo problema em que so envolvidosa um tempo o homem como sujeito e o mundo objectivo.

    Ren Descartes nasceu a 31 de Maro de 1596 em Haia, na Touraine. Foi educadono colgio dos Jesutas em La nche, onde permaneceu de 1604 a 1612. Os estudosque fez neste perodo foram por

    49

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    ele prprio submetidos a crtica na primeira parte do Discurso: eles nobastaram para lhe dar uma orientao segura e revelaram-lhe a profundavacuidade da cultura escolstica da poca. Descartes, contudo, manteve semprerelaes afectuosas com os seus mestres jesutas, e com um deles, o padre MarinoMarsenne, correspondeu-se e manteve relaes de amizade por toda a vida. Aincerteza em que a primeira educao o havia deixado levou-o a viajar "paraler no grande livro do mundo". Em 1618 alistou-se nos exrcitos do prncipe

    de Nassau, que participou na Guerra dos Trinta Anos. Era um costume militarda poca deixar aos jovens ampla liberdade, e Descartes pde viajar a seutalante por toda a Europa, dedicando-se aos estudos de matemtica e de fSicae continuando a procurar o fundamento seguro de todo o saber humano. Em1618 conheceu o mdico holands Isaac Beekman e desta amizade colheu novoincentivo para prosseguir as suas investigaes matemticas e fsicas. No anoseguinte, a 10 de Novembro, numa pequena cidade alem, teve a grande iluminaoem que fez a sua descoberta fundamental. Foi uma verdadeira crise deentusiasmo, que induziu o filsofo a fazer o voto de ir em peregrinao aosanturio de Loreto. Em 1622 voltou a Frana e no ano seguinte viajou aindapela Sua e pela Itlia. Em 1628 fixou a sua residncia na Holanda. Este eraento o pas da liberdade e da tolerncia filosfica e religiosa, e esse foidecerto o motivo principal que levou Descartes a instalar-se a, se bem que

    tambm pesasse na sua deliberao um outro motivo (que ele

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    explicitamente aduz), a saber: o de subtrair-se s obrigaes sociais que emFrana lhe tomavam muito tempo. Pde, assim, nesse pas gozar aquela solidoisenta de isolamento que constituiu o ideal de toda a sua vida.

    Desde 1619, ano da "iluminao", Descartes estava de posse da ideia centraldo seu mtodo. Mas s em 1628, provvelmente, comeou a pr em prtica a suaideia num escrito e a redigir as regras do mtodo nas Regulae ad directionemingetui que, no obstante, no chegou a publicar em vida: elas s foram dadas estampa alguns anos aps a sua morte. (1701). Na Holanda comeou acompor um tratado de metafsica que ser o prottipo das Meditaes; e em 1633terminava o Tratado do Mundo, ao qual pretendia dar o ttulo menos ambiciosode Tratado da Luz. Mas enquanto se preparava para public-lo, teve notciada condenao de Galileu de 22 de Junho de 1633. Como tambm ele aceitava,no seu tratado, a hiptese copernicana, renunciou desde logo sua publicaopara evitar entrar em conflito aberto com a Igreja. A sua natureza cauta eprudente levou-o a ladear o obstculo. Tirou do tratado original algumas partesfundamentais e publicou em 1637 trs ensaios: A Diptrica, Os Meteoros e AGeometria, antepondo-lhes um prefcio que foi o Discurso sobre o Mtodo. Emseguida retomou o tratado de metafsica que esboara em 1629 e deu-lhe aredaco definitiva. Antes de public-lo, Descartes mandou-o ao padre Marsennepara que ele o sobmetesse ao parecer dos maiores filsofos e telogos da poca.Como

    51

    se dirigia aos doutos, a obra (diversamente do Discurso) era escrita em latim,foi publicada no ano seguinte (1641), seguida de uma srie de Objeces a queDescartes acrescentou as suas Respostas, com o ttulo Meditationes de primaphilosophia in qua Dei existentia et animae immortalitas demonstranTur. Estaobra foi publicada em francs em 1641X A matria integral do Mundo foi depoisreelaborada por Descartes numa nova obra em que compendiava. a sua filosofia,e que publicou em latim com o ttulo Principia philosophiae. A obra compostade breves artigos seguindo -o modelo dos manuais escolares da poca, pois

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    Descartes quis dedic-la precisamente s escolas onde desejava v-la superaro ensino aristotlico, ainda dominante. Cinco anos depois, desgostoso com ahostilidade que a sua doutrina encontrava nos ambientes universitrioholandeses (o que havia provocado a sua Epistola ad Gisbertum Voetium, 1643),pensava em retirar-se para Frana, quando recebeu o convite da rainha Cristinada Sucia para se dirigir a Estocolmo a fim de a instruir na sua filosofia.Encorajado pelo seu amigo Chanut, embaixador de Frana junto da rainha,

    Descartes partiu para a Sucia, depois de ter mandado para o prelo o manuscritoda sua ltima obra As Paixes da Alma (1649). A rainha Cristina gostava deter as suas conversaes com Descartes s cinco da manh; uma manh de Fevereirode 1650, o filsofo, ao deixar a corte, apanhou uma pneumonia que, aps umasemana de delrio e de sofrimentos, lhe foi fatal. Os ltimos escritos dofilsofo foram uma comdia

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    francesa (que se perdeu), e a letra de um balet,O nascimento da paz, destinado a celebrar o tratado de Westflia, cujo espritose patenteia na seguinte quadra:

    Qui voit comme nous sommes fates Et pense que la guerre est belle Ou quellevaut mieux que la paix Est estropi de cervelle 1

    Aps a morte do filsofo, foram publicadas cartas ou escritos que ele deixara-inditos: Compendium musicae (1650); Tratado do Homem, primeiro em latim(1662) e depois em francs (1664); O Mundo ou Tratado da Luz (1664), Cartas(1657-67), entre as quais se destacam as dirigidas princesa Elisabeth doPalatinado, Regulae ad directionem ingenii (1701); Inquisitio veritatis perlumen naturale (A investigao da verdade atravs da luz natural) (1701).

    396. DESCARTES: A UNIDADE DA RAZO

    O problema que domina toda a especulao de Descartes o do homem Descartes.O procedimento de Descartes essencialmente autobiogrfico, mesmoquando (como nos Princpios) tem a pretenso de no-lo expor em forma objectivae escolar. O seu

    1 Quem v como o homem / E penm que boa a guerra / Ou que ela melhorque a paz / No regula bem da cabea.

    53

    p~ente e o seu exemplo Montaigne. "O meuescopo, diz Descartes (Disc., 1), no o de ensinar o mtodo que cada um deveseguir para bem conduzir a prpria razo, mas to-s fazer ver de que modoprocurei conduzir a minha". Como Montaigne, Descartes no quis ensinar masdescrever-se a si mesmo e teve por isso de falar na primeira pessoa.

    O seu problema emerge da necessidade de orientao que ele sente ao sair daescola de La Flche, quando, embora tivesse assimilado brilhantemente o saberda sua poca, se d conta de que no est de posse de nenhum critrio seguroque lhe permita distinguir o verdadeiro do falso e que tudo o que aprendeude pouco ou de nada lhe serve para a vida.

    O problema do homem Descartes e o problema da recta razo ou da bona mens (isto, da sabedoria da vida) so, na realidade, um s e mesmo problema. Descartesno procurou seno resolver o seu prprio problema; porm, a verdade quea

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    soluo encontrada por ele no vale apenas para si mas para todos os homens,porque a razo que constitui a substncia da subjectividade humana igualem todos os homens, uma vez que a diversidade entre as opinies deriva apenasdos diversos modos de conduzi-la e da diversidade dos objectos a que se aplica.Este principio da unidade d razo, que , por conseguinte, a substancialunidade dos homens na razo, foi a primeira grande iluminao de Descartes,a de 1619. Nas Regulae, que so, sem dvida, o primeiro escrito em que a

    iluminao

    54

    referida, o filsofo afirma claramente a unidade do saber humano, fundado naunidade da razo. "Todas as diversas cincias, diz ele, no so outra coisaseno a sabedoria humana, a qual permanece sempre una e idntica por muitoque se aplique a diferentes objectos, e no recebe destes maior distino doque recebe a luz do sol da diversidade das coisas que ilumina "A nica sabedoriahumana, a que todas as cincias se reportam, denominada por Descartes bonamens (Reg., 1) e , ao mesmo tempo, a sageza pela qual o homem se orienta navida e a razo pela qual decide do verdadeiro e do falso.- um princpiosimultaneamente terico e

    prtico, que a prpria substncia do homem.

    Esta substncia , como tal, nica o universal. "A faculdade de julgar beme distinguir o vero

    do falso, que propriamente aquilo que se chama bom senso ou razo, ,naturalmente, igual em todos os homens", diz Descartes no incio do Discurso.Esta universalidade da razo , sem dvida, a maior herana que Descartesrecebeu da filosofia clssica e, em particular, do estoicismo. Mas, enquantoque para os Esticos a razo a Prpria substncia divina o o homem delaparticipa s na medida em que Deus nele opera, para Descartes a razo umafaculdade especificamente humana a

    que Deus oferece apenas alguma garantia, subordinada de resto ao respeito deregras precisas. E, como faculdade humana, a razo no opera descobrindo oumanifestando a ordem divina no mundo, mas produzindo e estabelecendo a ordemnos conhe55

    cimentos o nas aces dos homens. Descartes leva a efeito aquela mundanizaoe humanizao da razo que a filosofia do Renascimento havia parcialmenteiniciado. Porque para Descartes o primeiro fruto da razo a cincia, e, emparticular, a matemtica, sobre a qual funda a descoberta do mtodo. A razo,todavia, no se identifica inteiramente com o seu mtodo, mas participa daprpria natureza dos elementos sobre que o mtodo se exerce: tais elementosso racionais s na--medida em que possuam clareza e evidncia. A clareza e

    evidncia dos elementos conhecidos (isto , das ideias) constituem a condiopreliminar de todo o

    procedimento racional; e no por acaso que o

    reconhecimento desses caracteres prescrito pela primeira regra do mtodo.Porque Descartes nrivi;.2gia as matemticas que se servem apenas desemelhantes elementos, mas tal privilgio, tem, como

    sua contraparte negativa, a rejeio de uma quantidade de noes

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    aproximativas, "perfeitas ou fantsticas que Descartes se recusa a tomar emconsiderao porque as considera insusceptveis de tratamento racional. Oideal da clareza e da distino, ou seja, o ideal da filosofia como cinciarigorosamente conceptual, um dos ensinamentos cartesianos que maispoderosamente influram na tradio ocidental.

    Este ideal, alm disso, no constitua para Descartes um empobrecimento do

    horizonte da filosofia ou a sua reduo a uma tarefa puramente especulativa.Como Bacon, Descartes tinha em mira uma filosofia "no puramente especulativamas tam56

    bm prtica, pela qual o homem possa tornar-se dono e senhor da natureza".Esta filosofia deve pr disposio do homem dispositivos que lhe permitamgozar sem fadiga dos frutos da natureza e de

    outras comodidades, e visar conservao da sade, o primeiro bem paira ohomem nesta vida. E Descartes francamente optimista sobre a possibilidadee sobre os resultados prticos de uma semelhante filosofia, que, segundo pensa,poderia conduzir os

    homens a ficarem isentos "de uma infinidade de doenas, tanto do corpo quantodo esprito, e talvez mesmo da decadncia da velhice" (Disc., VI). Por issotorna pblicos os resultados das suas investigaes: sabe que a sua vocaoo chama ao servio da humanidade e que, das suas descobertas, a humanidadepode esperar o benefcio e o equilbrio da vida.

    Mas tais resultados so condicionados pela posse do mtodo. necessrio ummtodo que seja fundado na unidade e na simplicidade da razo humana e que,portanto, seja aplicvel a todos os domnios do saber e a todas as artes. Adescoberta e a justificao deste mtodo o primeiro escopo da actividadeespeculativa de Descartes.

    397. DESCARTES: O MTODO

    Descartes descobriu o seu mtodo mediante a considerao do processomatemtico. "As longas cadeias de raciocnios to simples e fceis, de queos gemetras costumam servir-se para chegar s

    57

    V

    suas mais difceis demonstraes, proporcionaram-me o ensejo de imaginar quetodas as coisas de que o homem pode ter conhecimento se seguem do mesmo modoe que, desde que se abstenha de aceitar por verdadeira uma coisa que no oseja e que respeite sempre a ordem necessria para deduzir uma coisa da outra,nada haver to distante que no se chegue a alcanar por fim nem to

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    posse da prtica do mtodo facilitou decerto a tarefa de Descartes, mas taltarefa s comea verdadeiramente com a justificao (ou fundao) das regrasmetdicas, justificao que s consente e autoriza a aplicao delas a todos'osdomnios do saber humano. Descartes devia portanto: 1.'-formular as regrasdo mtodo tendo sobretudo presente o procedimento matempico no qual elasestariam j presentes e em aco; 2.'-fundar mediante uma investigaocientfica o valor absoluto e universal do mtodo; 3.o - demonstrar a

    fecundidade do

    58

    mtodo nos vrios ramos do saber. Tal foi de facto a sua tarefa.

    Descartes define o mtodo como o conjunto de "regras certas e fceis que, por.quem quer que sejam exactamente observadas, lhe tornam impossvel tomar o falsopelo verdadeiro e, sem nenhum esforo mental intil, antes aumentando sempregradualmente a cincia, conduziro ao conhecimento de tudo o que ele ser capazde conhecer" (Reg. IV).O mtodo deve conduzir o homem, de um modo fcil e seguro, no s ao conhecimentoverdadeiro, mas tambm "ao ponto mais alto" (Disc., 1) a que ele pode chegar,

    isto , simultaneamente ao domnio sobre o mundo e sabedoria da vida. NasRegulae ad directionem ingenii,' Descartes expusera no s as regrasfundamentais mas tambm as modalidades ou as particularidades da suaaplicao: tinha assim enumerado vinte e uma regras e depois interrompera,desencorajado, a sua obra. Na 11 parte do Discurso sobre o mtodo reduz a quatroas regras fundamentais.

    A primeira a da evidncia. "A primeira era

    a de jamais aceitar alguma coisa por verdadeira se

    no a reconhecssemos evidentemente como tal: ou seja, evitar diligentementea participao e a preveno; e compreender nos meus juzos to-s o que seapresentasse to clara e distintamente ao meu

    esprito que eu no tivesse nenhuma possibilidade de o pr em dvida".Descartes ope a evidncia conjectura, que aquilo cuja verdade no seapresenta ao esprito de modo imediato. O acto com

    que o esprito atinge a evidncia a intuio. Des59

    cartes entende por intuio "no o flutuante testemunho dos sentidos ou o juzofalaz da imaginao nas suas erradas combinaes, mas um conceito da mentepura e atenta to fcil e distinto que nenhuma dvida permanea acerca do quepensamos; ou seja, -- precisamente o mesmo, um conceito no duvidoso da mentepura e atenta que nasce s da luz da razo e mais certo do que a prpriadeduo" (Reg. III). A intuio , portanto, o acto puramente racional com

    o qual a mente colhe o seu prprio conceito e se torna transparente a si mesma.A clareza e a distino constituem os caracteres fundamentais de, uma ideiaevidente: entendendo-se por clareza (Princ. phil., I,,21 e 45) a presena e a abertura da ideia mente que a considera e por distinoa separao de todas as outras ideias de modo que ela no contenha nada quepertena s outras., A evidncia define assim um acto fundamental do espritohumano, a intuioo que Descartes nas Regras coloca antes da deduo e a pardela, como os dois nicos actos do intelecto. A intuio o prprio acto daevidncia, o transparecer da mente a si mesma e a certeza inerente a estetransparecer. Veremos que a busca metafsica de Descartes ser,

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    fundamentalmente, uma justificao do acto intuitivo.

    A segunda regra a da anlise. "Dividdir cada uma das dificuldades a examinarno maior nmero de partes possveis e necessrias para melhor as resolver".Uma dificuldade um complexo de problemas em que o falso se mistura com overdadeiro. A regra implica em primeiro lugar que um pro60

    blema seja absolutamente determinado e, portanto, que seja libertado dequalquer complicao suprflua, e, em segundo lugar, que seja dividido emproblemas mais simples que se possam considerar separadamente (Reg., 13).

    A terceira regra a da sntese. "Conduzir os meus pensamentos por ordem,comeando pelos objectos mais simples e mais fceis de se conhecer, para poucoa pouco me elevar, como por graus, at aos conhecimentos mais complexos,,supondo que haja uma ordem tambm entre-os objectos que no procedemnaturalmente uns dos outros". Esta regra supe o procedimento ordenado que prprio da geometria e supe, outrossim, que todo o domnio do saberseja ordenado ou, ordenvel de modo anlogo. A ordem assim pressuposta ,segundo Descartes, a ordem da deduo, que o outro acto

    fundamental do esprito humano. Na ordem dedutiva, esto primeiro as coisasque Descartes chama absolutas, isto , providas de uma natureza simples e,como tais, quase independentes das outras, so, ao invs, relativas as que,devem ser deduzidas das primeiras atravs de uma srie de raciocnios (Ib.6). A exigncia da ordem dedutiva implica que, quando uma ordem semelhanteno se encontre naturalmente, ela deva ser a seu tempo cogitada; assim, nocaso de uma escrita em caracteres desconhecidos, que no revele nenhuma ordem,se comea por imaginar uma e p-la prova (Ib., 10). A regra da ordem paraa deduo to necessria como a

    evidncia o para a intuio.

    61

    A quarta (regra da enumerao. "Fazer sempre enumeraes to completas erevises to gerais que se fique certo de no omitir nenhuma". A enumeraocontrola a anlise, enquanto que a reviso controla a sntese. Esta regraprescreve a ordem e a

    continuidade do procedimento dedutivo e tende a reconduzir este procedimento evidncia intuitiva. De facto, o controle completo que a imaginaoestabelece ao longo de toda a cadeia das dedues faz desta cadeia um todocompleto e totalmente evidente (Ib., 7).

    Estas regras no tm em si mesmas a sua justificao. O facto de as matemticasse servirem delas com sucesso no constitui uma justificao, porque elaspoderiam ter uma utilidade prtica para os fins da matemtica e serem, no

    obstante, destitudas de validade absoluta e por isso inaplicveis noutrosdomnios. Descartes deve, pois, elaborar uma pesquisa que as justifiqueremontando raiz delas; e essa raiz no pode ser seno o princpio nico esimples de toda a cincia e de toda a arte: a subjectividade racional oupensante do homem.

    398. DESCARTES: O COGITO

    Encontrar o fundamento de um mtodo que deve ser o guia seguro da investigaoem todas as cincias s possvel, seguindo Descartes; mediante uma

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    crtica radical de todo o saber. necessrio suspender, pelo menos uma vez,o assentimento a todo o conhecimento Comummente aceite, duvidar de tudo

    62

    e considerar provisoriamente como falso tudo o que seja susceptvel de ser

    posto em dvida. Se, persistindo nesta atitude de crtica radical, se chegara um princpio sobre o qual no seja possvel a dvida, esse principio deverser considerado extremamente slido e tal que possa servir de fundamento atodos os outros conhecimentos. Em tal princpio se encontrar a justificaodo mtodo.

    A dvida cartesiana implica dois momentos distintos: 1 reconhecimento docarcter incerto e problemtico dos conhecimentos sobre os quais recai; 2.'-adeciso de suspender o assentimento a tais conhecimentos e de consider-losprovisoriamente falsos. O primeiro momento de carcter terico, o segundo de carcter prtico e implica um acto livre da vontade doutrina cartesianado livre-arbtrio est j 4nplcita neste segundo momento ( 401).Evidentemente, a suspenso do juizo ou epoch (segundo o termo dos antigos

    cpticos), se abole todo o juzo que afirme ou negue a verdade de uma ideia,no abole todavia as prprias ideias. Ela diz respeito existncia, no essncia, das coisas. Recusar-se a afirmar a realidade dos objectos sensveisno significa negar as ideias sensveis de tais objectos. A epoch suspendea afirmao da realidade das ideias enquanto possudas pelo homem, masreconhece essas ideias corno puras ideias ou

    essncias. O que implica uma indicao precisa do sentido em que se move oprocesso da dvida., Este processo ser bem sucedido se, reduzido mediantea epoch o mundo da conscincia a um mundo de puras ideias ou essncias, seencontrar uma ideia

    63

    ou essncia que seja a imediata. revelao de, uma

    existncia. E tal ser o caso do eu.1 Ora, Descartes afirma que nenhum grau ou forma de conhecimento se subtrai dvida. Pode-se, por isso se deve, duvidar dos conhecimentos sensveis,seja Porque os sentidos algumas v= nos enganam, embora nem sempre nos enganem,seja porque no sonho se tm- conhecimentos semelhantes aos da viglia sem quese possa encontrar um critrio seguro de distino entre uns e outros. bemcerto haver conhecimentos verdadeiros quer no

    sonho, quer na viglia, como os conhecimentos matemticos (dois mais trs sosempre cinco, quer se esteja a dormir ou acordado), mas nem mesmo

    estes se subtraem dvida, porque tambm a certeza relativa a eles pode serilusria. Enquanto nada de certo se souber acerca de ns prprios e

    da nossa origem, pode-se sempre supor que o homem foi criado por um gnio mauou por uma potncia maligna que se, tenha proposto engan-lo fornecendo-lheconhecimentos aparentemente certos mas

    desprovidos de verdade. Basta fazer uma tal hiptese (e pode-se faz-la, dadoque no se sabe nada) para que mesmo os, conhecimentos subjectivamente maiscertos se revelem duvidosos e capazes de esconder o engano. Assim, a dvida

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    se estende a todas as coisas e se torna absolutamente universal.

    Porm, mesmo no carcter radical desta dvida se apresenta o princpio de umaprimeira certeza. Eu posso admitir que me engano ou que estou enganado de todoem todo. Posso supor que no h Deus, nem o cu, nem os corpos, e que eu

    64

    DESCARTES

    prprio no tenho coipo. Mas para que me engane ou para que seja enganado,para duvidar e para

    i

    WL41 9

    eu que penso seja qualquer coisa e no nada. A proposio penso, logo existo a nica absolutamente verdadeira porque a prpria dvida a confirma. Todaa dvida, suposio ou engano, pressupor sempre que eu que duvido, suponho

    ou me engano, exista?(A afirmao existo ser portanto verdadeira todas asvezes que a concebo no meu esprito.

    Ora, esta proposio contm tambm, evidentemente, uma certa indicao acercado que sou eu

    que existo. No posso dizer que existo como corpo, j que nada sei da existnciados corpos, a respeito dos quais a minha, dvida permanece. Eu s existo comouma coisa que duvida, isto , que pensa. A certeza do meu existir liga-se apenasao

    meu pensamento e s suas determinaes: o duvidar,* compreender, o conceber, o afirmar, o negar,* querer, o no querer, o imaginar, o sentir e, em geral, a tudo quanto existeem mim e de que sou imediatamente consciente (H Resp., Def. 1). As coisaspensadas, imaginadas, sentidas, etc. podem no ser reais; mas real decertoo meu pensar, sentir, etc. A proposio eu existo significa apenas eu sou umacoisa .pensante, isto , esprito, intelecto, razo. A minha existncia desujeito pensante certa como o no a existncia de nenhuma das coisas quepenso. Pode ser que aquilo que eu percepciono (por exemplo, um pedao de cera)no exista; mas impossvel que no exista eu que penso que percepciono esseobjecto. Sobre esta certeza* 65

    originria, que ao mesmo tempo uma verdade necessria, deve fundar-se todoe qualquer outro conhecimento.

    Sobre tal certeza assegura Descartes poder fundar em primeiro lugar a validezda regra de evidncia. "Tendo notado, &z ele (Disc., IV; d. Med.111) que no h nada nesta afirmao: eu penso, logo existo, que me assegureque eu diga a verdade, seno que vejo clarissimamente que para pensar necessrio existir, julguei poder tomar por regra geral que as coisas queconcebemos de um modo claro e distinto so todas verdadeiras". Porm, j aalguns contemporneos de Descartes (por exemplo, HUET, Cens. phil cartes, H,1) esta relao entre o cogito e a regra da evidncia se apresentaraproblemtica. Se o princpio do cogito aceite porque evidente, a regra daevidncia anterior ao

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    prprio cogito como fundamento da sua validade: e a pretenso de justific-laem virtude do cogito torna-se ilusria. Mas o cogito e a evidncia seroverdadeiramente dois princpios diversos entre os

    quais seja necessrio estabelecer a prioridade? Ser o cogito apenas uma entreas variadssimas evidncias que a regra da evidncia garante serem

    verdadeiras? Na realidade, o cogito no uma evidncia mas antes a evidnciano seu fundamento metafsico: a evidncia de que a existncia do sujeitopensante tem por si mesma, a transparncia absoluta que a

    existncia humana, como esprito ou razo, possui no seu prprio mbito. Aevidncia do cogito urna relao intrnseca ao ou e pelo qual o ou se

    liga imediatamente prpria existncia. Esta relao66

    no recebe a sua validez de nenhuma regra mas tem o princpio e a garantiada sua existncia unicamente em si mesma. A regra da evidncia, provisoriamentededuzida da considerao das matemticas, nela encontra a sua ltima raiz e

    a sua justificao absoluta; torna-se assim verdadeiramente universal esusceptvel de ser aplicada em todos os casos. Diz de facto Descartes,respondendo a uma

    objeco anloga (Lett. Clercelier, Junho-Julho1646, Oeuvr., IV, 443): "A palavra porincpio pode-se tornar em diversossentidos: uma coisa procurar uma noo comum que seja to clara e

    geral que possa servir como princpio para provar a existncia de todos osseres, os entia, que se

    conhecero depois; outra coisa procurar um ser, a existncia do qual nosseja mais conhecida do que a dos outros de modo que possa servir comoprincpio para os conhecimentos.

    Isto permite responder outra questo (tambm ela tradicional na crticacartesiana), se o cogito ou no um raciocnio. Em tal caso, suporia umapremissa maior: "tudo o que pensa existe" o (como Gassendi observava) no seriaum primeiro princpio. O prprio Descartes afirmou decididamente contra osseus crticos o carcter imediato e intuitivo do cogito. E, na realidade, aidentidade entre a evidncia (no seu princpio) e o cogito' estabelece tambma identidade entre o cogito e a intuio, que o acto da evidncia. Se ainteno, como se

    viu ( 397), o acto com que a mente se torna transparente a si mesma, a intuioprimeira e fundamental aquela com que se toma transparente

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    a si mesma a existncia da mente, ou seja, do sujeito pensante. O cogito, comoevidncia existencial originria a intuio existencial originria dosujeito pensante.

    O sujeito pensante, definido pela auto-evidncia existencial , segundoDescartes, uma substncia (Disc., IV; Resp., II def. 5; Resp., III). Descartesaceita aparentemente a noo escolstica de substncia e por ela entende osujeito imediato de qualquer atributo de que tenhamos uma ideia real. Mas,

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    na realidade, tal noo sofre nele uma metamorfose radical. A substnciapensante no outra coisa seno o pensamento existente. A substancialidadedo ou no implica o reconhecimento de um qualquer seu desconhecido subjectum,mas apenas exprime a intrnseca relao pela qual o eu evidncia da suaprpria existncia. De modo anlogo, o carcter substancial da extenso (aque se reduz a corporeidade das coisas) significar apenas a objectividadeda extenso relativa aos outros caracteres dos corpos, mas excluir todo o

    substracto recndito. A substncia pensante no seno o pensamento, enquantoexistncia evidente a si mesma. A aparente aceitao por parte de Descartesdo termo aristotlico-escolstico de substncia , na realidade, uma novadefinio do prprio termo, cujo significado se exaure na intrnseca relaoexistencial do eu.

    As consideraes precedentes permitem estabelecer a originalidade doprincpio cartesiano do cogito. Descartes indubitavelmente repetiu (seconscientemente ou no impossvel diz-lo) um movimento

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    de pensamento que remonta a S.to , Agostinho ( 160), que de Santo Agostinho

    o passou para a Escolstica, e foi retomado e renovado por Campanella quaseao mesmo tempo que por Descartes ( 385). Mas no h dvida de que, como oprprio Descartes afirmou (Resp., IV), S.to Agostinho se servira do cogitopara fins bastante diversos dos dele. Ele visava ao reconhecimento dapresena transcendente de Deus no homem, e na tradio medieval o cogitoagustiniano conserva o mesmo valor. Quanto a Campanella, viu-se que oprincipio vale para ele unicamente como fundamento de uma teoria naturalsticada sensao. Mas o que torna evidente a separao radical que existe entreos precedentes histricos do cogito cartesiano e o prprio cogito que nestefalta o carcter problemtico que merc do cogito vem a assumir toda a realidadediversa do eu. pela primeira vez, Descartes fez valer o cogito como relaodo eu consigo mesmo, portanto como principio que torna problemtica qualqueroutra realidade e que ao mesmo tempo permite justific4a. S Descartescompreendeu o pleno valor do cogito em todas as suas implicaes e o utilizoucomo principio nico e simples para uma reconstruo metafsica que tem comoseu ponto de partida a problematicidade do real.

    399. DESCARTES: DEUS

    O principio do cogito no encerra o homem na

    interioridade do seu eu. um principio de abertura ao mundo, a uma realidadeque est para alm do

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    eu. Certamente, base dele, ou s estou seguro da minha existncia; mas a

    minha existncia a de um ser pensante, isto , de um ser que tem ideias.O uso do termo ideia para indicar qualquer objecto do pensamento em geral uma novidade terminolgica de Descartes. Para os escolsticos ideia era aessncia ou arqutipo das coisas subsistentes na

    mente de Deus (o universal ante rm). Descartes definiu a ideia como "aforma de um pensamento, pela imediata **pe~o da qual sou consciente de talpensamento" (Resp., II, def. 2). Isto significa que a ideia exprime essecarcter fundamental do pensamento pelo qual ele imediatamenteconsciente de si mesmo. Qualquer ideia tem, em primeiro lugar, uma realidade

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    como acto do pensamento, e tal realidade puramente subjectiva ou mental.Mas, em segundo lugar, tem tambm uma realidade a que Descartes chamaescolsticamente objectiva, porquanto representa um objecto; neste sentido,as

    ideias so "quadros" ou imagens" das coisas. Ora o cogito torna-me seguro deque as ideias existem no meu pensamento como actos do prprio pensamento, j

    que fazem parte de mim como sujeito pensante. Mas no me tornam seguro do valorreal do contedo objectivo delas, isto , no me diz se os

    objectos que elas representam existem, ou no na realidade. Ideias so paramim a terra, o cu, os astros e todas as coisas percebidas pelos sentidos:como ideias, existem no meu esprito. Mas existem realmente as coisascorrespondentes fora do meu

    pensamento? Este o problema ulterior que se

    apresenta investigao cartesiana. Descartes divide

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    em trs categorias todas as ideias: as que me parece haverem nascido em mim(inatas); as que me parecem estranhas ou vindas do exterior (adventcias);e as formadas ou encontradas por mim prprio (factcias). primeira classede ideias pertence, a

    capacidade de pensar e de compreender as es