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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP PAULO AMADOR THOMAZ ALVES DA CUNHA BUENO CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE NA LEI N.° 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 (LEI DE FALÊNCIAS) DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

PAULO AMADOR THOMAZ ALVES DA CUNHA BUENO

CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE NA LEI N.° 11.101, DE 9

DE FEVEREIRO DE 2005 (LEI DE FALÊNCIAS)

DOUTORADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2007

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

PAULO AMADOR THOMAZ ALVES DA CUNHA BUENO

CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE NA LEI N.° 11.101, DE 9

DE FEVEREIRO DE 2005 (LEI DE FALÊNCIAS)

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à bancaexaminadora da PontifíciaUniversidade Católica de SãoPaulo, como exigência parcialpara obtenção do título deDOUTOR em Direito Penal,sob orientação do Prof.Doutor Dirceu de Mello.

SÃO PAULO

2007

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Banca Examinadora

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Aos meus pais, Amador e Laura,

e à Ângela.

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5

Ao Professor Dirceu de Mello,

pela segunda orientação

e permanente exemplo de postura profissional.

Aos amigos Guilherme e Naila Nucci,

incentivadores constantes.

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A Falência é instituto de direito comercial voltado à satisfação dos débitos

da pessoa jurídica que se torna insolvente. Historicamente, o instituto sempre

esteve disciplinado, também, por normas penais, cuja aplicação constantemente

foi objeto de controvérsias, por força do contexto peculiar que disciplinavam.

A legislação brasileira teve, recentemente, modificada toda a estrutura do

direito falimentar, em razão da publicação da Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro

de 2005, diploma que transformou substancialmente não apenas a dinâmica

pertinente ao direito privado, mas também a sistemática da parte penal e

processual penal.

Dentre as referidas transformações sobressai a previsão expressa de que a

sentença declaratória da falência ou a concessiva de qualquer das duas

modalidades de recuperação da empresa são condições de punibilidade em todos

os delitos previstos no mesmo diploma legal (art. 180).

Tal disposição, inexistente na legislação pretérita, polemiza por introduzir

no sistema legal a debatida e obscura categoria das condições objetivas de

punibilidade, extremamente criticada na doutrina, especialmente por sua

dificuldade de acomodação com o princípio da culpabilidade e por não se

distinguir com clareza dos demais elementos da estrutura do delito.

O objetivo da pesquisa foi, nesse contexto, primeiramente, tentar

identificar as características das condições objetivas de punibilidade, já que a lei

não o fez e, em seguida, confrontá-las com a referida previsão legal, no intuito

de questionar sua adequação e conveniência, em face de todos os tipos penais

estampados na nova lei, o que, ao final pareceu inviável, notadamente diante do

caráter heterogêneo dos delitos, bem como das exigências de cunho garantista

que informam o moderno direito penal.

Palavras-chave: falência; condição; objetiva; punibilidade.

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Bankruptcy is an established Commercial Law aimed at the payment of

the debts of a legal entity that becomes insolvent. Historically, the establishment

has always been disciplined, also by criminal regulations, whose application has

constantly been object of controversies, due to the peculiar context that they

used to regulate.

Recently, the Brazilian legislation has had the structure of bankrupt law

modified due to the publication of Law nº 11,101, of the 9th of February of

2005, statute that has substantially transformed not only the dynamics relevant

to private Law, but also the systematic of the criminal part and criminal

proceedings.

It can be distinguished among the referred transformations , the expressed

prediction that the bankruptcy statement order or the granting of any of two

modalities for the company’s recovery are punishable conditions in all the

offenses foreseen in the same statute.(art. 180).

Such disposition, inexistent in the previous legislation, is polemic, as it

introduces in the legal system the debated and obscure category of punishable

objective conditions, extremely criticized in the doctrine, specially for being

difficult to accommodate with the principle of culpability and not for being

undistinguished with clarity from the different elements in the offense structure.

The objective of the research was, in this context, firstly to try to identify

the characteristics of the objective punishable conditions, as they have not been

done by the law, and then after that, confront them with the referred legal

prediction, with the purpose of questioning their adequacy and convenience, in

face of all kinds of penalties printed in the new law. In the end it seemed

impracticable, mainly in face of the heterogeneous character of the offenses, as

well as the warranty requirements which impart the modern criminal law.

Key Words: bankruptcy; condition; objective; punishability.

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Il Fallimento è l’istituto di diritto commerciale rivolto alla soddisfazione

dei debiti della persona giuridica resa insolvente. Storicamente, l’istituto è

sempre stato disciplinato dalle norme penali, la cui applicazione è stata

costantemente oggetto di controversie per via del contesto peculiare che esse

disciplinavano.

La legislazione brasiliana è stata recentemente modificata in tutta la sua

struttura del diritto fallimentare, a causa della pubblicazione della legge n.

11.101, del 9 febbraio 2005, disposizione che ha trasformato sostanzialmente la

dinamica appartenente al diritto privato, nonché la sistematica della parte penale

e della processuale penale.

Tra queste trasformazioni si noti la previsione espressa in cui la sentenza

dichiarativa di fallimento o la concessione di qualsiasi delle due modalità di

ricupero dell’azienda sono condizioni di punibilità in tutti i delitti previsti nella

stessa disposizione legale (art. 180).

Inesistente nella legislazione precedente, questa disposizione è polemica

giacché introduce nel sistema legale la categoria oscura e tanto discussa delle

condizioni oggettive della punibilità, assai criticata nella dottrina, soprattutto per

la difficoltà d’adattamento al principio di colpabilità, ma anche perché non si

distingue con chiarezza dagli altri elementi della struttura del delitto.

Lo scopo di questa ricerca è stato, prima di tutto, cercar d’identificare le

caratteristiche delle condizioni oggettive della punibilità, poiché la legge non

l’ha fatto, per poi confrontarle con la suddetta previsione legale ai fini di

discutere il suo adattamento e le sue convenienze di fronte a tutti i tipi penali

presenti nella nova legge. Questo compito, però, alla fine, si é dimostrato

impraticabile, in particolar modo per il carattere eterogeneo dei delitti, ma anche

per le esigenze di natura garantistica che informano il diritto penale moderno.

Paroli-chiave: fallimento; condizione; oggettive; punibilità.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 11

2 DIREITO PENAL FALIMENTAR ..................................................................................... 14

3 OS CRIMES FALIMENTARES NA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA ............................ 22

3.1 Argentina ............................................................................................................... 23

3.2 Chile ...................................................................................................................... 24

3.3 Paraguai ................................................................................................................. 26

3.4 Portugal ................................................................................................................. 27

3.5 Espanha ................................................................................................................. 28

3.6 Itália ....................................................................................................................... 29

3.7 França .................................................................................................................... 32

4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS CRIMES FALIMENTARES NA LEGISLAÇÃO

BRASILEIRA ......................................................................................................................... 34

4.1 Período Colonial – As “Ordenações Filipinas” ..................................................... 35

4.2. O Alvará de 13 de novembro de 1756 .................................................................. 38

4.3 Período Imperial – O Código Criminal do Império do Brasil ............................... 40

4.4 O Código Penal republicano de 1890 .................................................................... 43

4.5 A Consolidação das Leis Penais ............................................................................ 47

4.6 O Decreto-Lei n.° 3.914, de 9 de dezembro de 1941 — A Lei de Introdução ao

Código Penal e à Lei de Contravenções Penais ...................................................................... 48

4.7 O Decreto Lei n.° 7.661, de 21 de junho de 1.945 — A Lei de Falências ............ 49

4.8 A Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2.005 ........................................................ 52

5 CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE — COLOCAÇÃO DO TEMA ........... 57

6 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA NOÇÃO DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE

PUNIBILIDADE .................................................................................................................... 63

7 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS CONDIÇÕES OBJETIVAS DE

PUNIBILIDADE .................................................................................................................... 67

7.1 As Condições objetivas de punibilidade e o elemento subjetivo dos delitos ........ 70

7.2 A relação de causalidade e as condições objetivas de punibilidade ...................... 84

7.3 A localização temporal das condições objetivas de punibilidade em relação à

realização do tipo penal ............................................................................................. 100

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7.4 A localização das condições objetivas de punibilidade em relação ao tipo penal

.................................................................................................................................... 112

7.5 Condições objetivas de punibilidade e condições de procedibilidade (ou de

perseguibilidade) da ação penal ............................................................................................ 124

7.6 Nossa posição ...................................................................................................... 133

8 A SENTENÇA QUE DECRETA A FALÊNCIA, CONCEDE RECUPERAÇÃO

JUDICIAL OU HOMOLOGA A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL COMO CONDIÇÃO

OBJETIVA DE PUNIBILIDADE — O ARTIGO 180 DA LEI N.° 11.101 DE 9 DE

FEVEREIRO DE 2005 E OS CRIMES FALIMENTARES EM ESPÉCIE ......................... 148

8.1 Fraude a credores (artigo 168) ............................................................................ 160

8.2 Violação de sigilo empresarial (artigo 169) ........................................................ 170

8.3 Divulgação de informações falsas (artigo 170) ................................................... 175

8.4 Indução a erro (artigo 171) .................................................................................. 183

8.5 Favorecimento a credores (artigo 172) ................................................................ 188

8.6 Desvio, ocultação ou apropriação de bens (artigo 173) ...................................... 194

8.7 Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (artigo 174) ................................ 198

8.8 Habilitação ilegal de crédito (artigo 175) ............................................................ 201

8.9 Exercício ilegal de atividade (artigo 176) ........................................................... 206

8.10 Violação de impedimento (artigo 177) .............................................................. 208

8.11 Omissão de documentos contábeis obrigatórios (artigo 178) ........................... 216

9 PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DO ARTIGO 180 DA LEI N.° 11.101, DE 9 DE

FEVEREIRO DE 2005 ......................................................................................................... 223

10 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 234

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 237

ANEXO ................................................................................................................................. 252

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1 INTRODUÇÃO

Os crimes falimentares historicamente representam um ponto de notável

polêmica na doutrina penal, fenômeno evidenciado inclusive entre os penalistas

estrangeiros, em razão das características bastante diferenciadas que as infrações

dessa natureza parecem assumir em relação aos demais delitos.

De fato, a evolução histórica dos crimes falimentares, — que

genericamente podem ser resumidos como modalidades específicas de fraudes

—, dá conta de uma alternância substancial de entendimentos quanto ao seu

próprio conteúdo, que parte desde a presunção da falência como crime, até o

sistema atual, que busca acomodar os atos ordinários da quebra e distingui-los

daqueles voltados ao comprometimento do procedimento falimentar.

Nesse passo, os estudos em torno do tema acabaram, inevitavelmente, por

convergirem para a discussão sobre a posição da sentença que decreta a falência

em relação às infrações penais a ela vinculadas, tema sobre o qual recaíram, e

ainda recaem, pesadas divergências.

De fato, a doutrina em geral ostenta pontos de vista muito díspares quanto

à questão, uns admitindo o decreto falimentar como elemento daquela ordem de

crimes, outros o reconhecendo como condição objetiva de punibilidade e,

finalmente, aqueles que vêem na referida sentença uma condição de

procedibilidade da ação penal.

Os próprios argumentos que tentam fundamentar uma mesma posição,

divergem com freqüência, na medida em que procuram acomodar os princípios

que informam o direito penal com os interesses ligados à política criminal.

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A questão, no entanto, ganhou expressão maior no direito pátrio, com o

advento da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 — a nova Lei de Falências

— que em substituição ao Decreto-lei n.° 7.661/45, passou a disciplinar a

matéria, notabilizando-se, na parte comercial, pela introdução dos institutos da

recuperação judicial e da recuperação extrajudicial.

Na parte penal, pela primeira vez, o legislador explicitou que tanto a

sentença de quebra quanto aquela que conceda qualquer das modalidades de

recuperação à empresa são condições objetivas de punibilidade dos crimes

estampados no mesmo diploma legal (artigo 180).

Entretanto, ao fazer referência expressa às condições objetivas de

punibilidade, o legislador falimentar acabou por introduzir em nosso sistema

jurídico-penal uma categoria de elementos cujos contornos não chegou a definir,

e nem se encontram definidos em qualquer outro diploma pretérito.

Dita previsão, é bem de se ver, talvez não fosse tão significativa caso a

categoria das condições objetivas de punibilidade não representasse um dos

capítulos mais obscuros e controversos na dogmática penal.

Com efeito, muitos autores negam-lhe existência, argumentando que a

idéia de tais condições surgiu a partir de uns poucos casos isolados, em que a

definição da natureza jurídica de certos elementos operantes, não reclamaria a

intromissão de uma categoria diferenciada de elementos na teoria geral do

delito, podendo resolver-se essas questões pontuais dentro da própria estrutura

ordinária do delito.

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Outros tantos, que reconhecem sua existência, divergem diametralmente

quanto às características e extensão dessas condições, muitas vezes não

distinguindo seus limites em relação aos demais elementos do delito.

A questão, no entanto, torna-se mais delicada quando colocada em termos

práticos, na medida em que a extensão que se empreste às condições objetivas

de punibilidade pode, verdadeiramente, comprometer certas garantias de direito

penal, das quais a mais evidente é a do respeito ao princípio da culpabilidade.

Nesse contexto, as considerações acerca da sentença de quebra ou

concessiva de recuperação como condições objetivas de punibilidade, exigem a

abordagem preliminar sobre o conteúdo geral dessa categoria sui generis, na

tentativa de definir-lhe os contornos e características.

As conclusões obtidas deverão, então, ser submetidas ao confronto com a

previsão genérica fixada pelo legislador falimentar no artigo 180 e, ao depois, de

forma pormenorizada, com as situações descritas nos tipos penais em espécie, a

fim de constatar-se a possibilidade das sobreditas decisões judiciais

acomodarem-se às características das condições objetivas de punibilidade.

Por fim, esse roteiro permitirá obtemperar sobre a conveniência ou não da

inovação legal, bem como indicar os pontos críticos da sistemática que se

estabeleceu, indicando, sem a pretensão de esgotar o tema, a interpretação que

acomode satisfatoriamente a lei e os princípios garantistas que informam o

direito penal hodierno.

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2 DIREITO PENAL FALIMENTAR

O direito penal, sempre considerado como a ultima ratio — expressão que

decorre de seu caráter subsidiário — em diversos momentos é chamado a

tutelar, por meio do rigor de suas penas, bens jurídicos cuja violação não é

suficientemente afastada através da proteção, sempre menos incisiva, que pode

ser oferecida pelas esferas cível e administrativa do direito, que não dispõem da

categórica nota da punibilidade.

Assim, são tutelados em nossa legislação penal, bens jurídicos de diversas

naturezas, desde os mais fundamentais à garantia do Estado de direito — como a

vida, a liberdade individual, o patrimônio etc. — até aqueles colocados em

dinâmicas específicas como a ordem tributária, o sistema financeiro, o meio-

ambiente, as relações de consumo e de trabalho, entre outros.

Nesse contexto, vê-se que a norma penal tem a possibilidade de atuar,

como de fato atua, em amplo espectro, alcançando e tutelando a ofensa a bens

jurídicos nos mais particulares e variados ramos do direito, quando estes não se

mostrem, por si mesmos, bastantes para garantir a estabilidade de seus sistemas,

daí vindo um dos argumentos por que se afirma o caráter subsidiário do ilícito

penal,

Realmente, a observação perfunctória da própria lei penal comum,

permite constatar que essa categoria de normas freqüentemente entra em

simbiose com os demais ramos do direito, impondo o rigor da pena a fim de

garantir o funcionamento de suas estruturas legais, contra aquelas ameaças em

que os mecanismos peculiares de determinado segmento jurídico se mostrem

insuficientes à prevenção e à repressão de determinadas condutas.

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Nesse contexto, percebe-se, claramente, em diversos momentos a norma

penal caminhando lado a lado com normas de direito tributário, consumerista,

ambiental, administrativo etc..

O mesmo ocorre, e não poderia ser diferente, com as normas de direito

comercial que, muitas vezes, têm no direito penal o socorro à preservação de

suas estruturas.

De fato, verifica-se uma ampla diversidade de normas penais, tanto na

legislação penal comum quanto na especial, voltadas à preservação do sistema

legal de institutos de direito comercial, como os títulos de crédito, as sociedades

comerciais e, finalmente, a falência.

Com efeito, a falência é instituto onipresente em todas as legislações

comerciais, força da própria situação que disciplina, sem dúvida inevitável em

qualquer sociedade que pratique o comércio. Por essa razão é de toda a

procedência a assertiva de Punzo de que “A história do instituto é a própria

história do comércio.”1

O termo “falência”, releva notar, do ponto de vista meramente gramatical,

encontra conhecidos sinônimos como “quebra” e “bancarrota”, expressões cuja

distinção em nossa legislação mereceu o destaque de Siqueira:Quanto ao primeiro, derivado de fallir (do latim fallere, o mesmo queenganar, faltar ao promettido), vemol-o empregado, bem como o defallimento, outro derivado, na Ord. Affonsina.O segundo, que parece ser o verdadeiro termo portuguez para designaraquelle estado, vemol-o já empregado na Ord. Ph., L. V, tit. 66, que seinscreve: Dos mercadores que quebram. E dos que se levantam comfazenda alheia.O nosso cód. commercial usava indistinctamente os dois termos.Bancarrota é o termo que vemos empregado nas legislações italiana,franceza e belga e para os casos em que se prova culpa ou fraude do

1 PUNZO, Massimo, Il delitto di bancarotta, p. 4, “tradução livre do autor”.

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devedor. O nosso código criminal de 1830, art. 263, também oempregava.2

Diferentemente do que acontece, verbi gratia, na legislação italiana, em

que a bancarrota3 corresponde à fraude falimentar, em nossa atual legislação

todas as três expressões podem ser havidas com o mesmo significado, e assim

serão empregadas ao longo deste trabalho.

Historicamente, a falência — entendida, em brevíssimas palavras, como

a insolvência da pessoa jurídica — sofreu notáveis transformações desde os

primórdios do comércio sem, no entanto, jamais se afastar de sua essência, que

se resume na tentativa de disciplinar a satisfação dos débitos do falido.

A disciplina dessa ordem de situação, é bem de se ver, apresentou-se, ao

longo da história, em íntima relação com a sanção de natureza penal, sendo certo

que a evolução das sanções decorrentes da falência evidencia as próprias

transformações que as penas sofreram em seus mecanismos e em suas

finalidades através dos tempos.

À chamada teoria da falência-crime corresponde os primórdios do direito

penal falimentar, sendo certo que suas raízes encontram-se nos diplomas legais

da antiguidade, evidenciando-se, nesse sentido, a Lei da XII Tábuas, que

sancionava o insolvente a despeito de qualquer justificativa que pudesse ser

apresentada 4.

2 SIQUEIRA, Galdino, Direito Penal Brazileiro, v. II, 742.3 A expressão “bancarrota” tem origem medieval e, segundo Navarro e Rizzi, “(...) tradicionalmente proveníadel banco de los comerciantes que antiguamente se rompía en público, en caso que éstos no pudieran pagar asus acreedores (...)” (Guillermo Rafael Navarro e Aníbal Horacio Rizzi, El delito de quiebra, p. 25).4 Sobre a insolvência na Lei das XII Tábuas salienta Punzo: “In tale primitivo documento della sapienzagiuridica latina è mantenuto il principio, dominante nel mondo antico, secondo cui il debitore insolventerisponde con la sua persona, senza possibilità di giustificazione e senza speranza di pietà nemmeno perl’insolvenza dovuta a sventura.” (Massimo Punzo, op. cit., idem).

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A insolvência era, por si só, considerada e punida como infração penal, de

sorte que ao comerciante insolvente era imposta pena independentemente da

verificação das causas que o levaram a tal estado. A falência era, portanto, o

próprio crime ou, como historia Antolisei “[...] a todos os comerciantes era

atribuída a qualificação de fraudador.”5

Com o passar dos tempos, a falência-crime evoluiu na direção de

distinguirem-se as características e conseqüências ao devedor de boa-fé e ao de

má-fé. A Benvenuto Straca é atribuída a separação entre as categorias de

falidos6, sendo certo que, a partir daí, a falência deixa de ser por si só um crime,

de molde que o crime falimentar passa a ser uma infração penal perpetrada pelo

falido.

A distinção de Straca adentrou ao longo dos séculos na doutrina penal,

sendo certo que, embora a atual concepção doutrinária sobre os crimes

falimentares haja se transformado expressivamente, a distinção entre as

categorias de falidos em função do elemento subjetivo foi totalmente

assimilada7, sendo consignada, inclusive, no Livro V das Ordenações Filipinas

(subitem 4.1 supra).

Posteriormente, a sistemática dos crimes falimentares modificou-se ainda

mais, de forma que estes passaram a constituir atos previstos em lei que só se

5 ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale – leggi complementari – II – I reati fallimentari, tributari,ambientali e dell’urbanistica, p. 12, “tradução livre do autor”.6 Cf. Conti: “Si attribuisce all’opera di Benvenuto Stracca la prima compiuta delimitazione tra le variecategorie di falliti [...]” (Luigi Conti, Diritto Penale Commerciale, v. 2, p. 12).7 A distinção entre as categorias de falidos foi também defendida por Beccaria: “Deve-se, entretanto, nãoconfundir o falido de modo fraudulento e aquele que o faz de boa fé. O primeiro teria de ser castigado como osmoedeiros falsos, pois não é mais grave o delito de falsificar o metal amoedado, que é a base da garantia doshomens entre si, do que falsificar essas mesmas obrigações. Contudo, aquele que vai à falência de boa fé, odesgraçado que pode provar de modo evidente aos seus juízes a falta de fidelidade de outrem, as perdas de seuscorrespondentes, ou finalmente imprevistos que a prudência humana não conseguiria evitar e que o privaram deseus bens, deve ser tratado com menos rigor.” (Cesare Beccaria, Dos delitos e das penas, p. 74-75).

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elevam à condição de ilícitos penais em face do decreto de quebra, que, de sua

vez, consistiria numa “condição” do crime, conforme sintetiza Führer:A falência, em si, constituiria condição de punibilidade, deprocedibilidade ou de existência do crime. Assim, o devedor é punido,não por ter causado a falência com dolo ou por culpa, mas por terpraticado, antes ou depois da falência, um ou mais atos capituladoscomo crimes na lei falimentar, atos esses que só serão punidos seexistir a declaração de falência.8

A partir desse enfoque, os crimes falimentares passaram a ser objeto de

profundas discussões dentro da doutrina penal, bastante evoluída e calcada em

princípios cuja acomodação com esta categoria diferenciada de delitos apresenta

polêmicas palmares, consoante a observação de Punzo:[...] esta figura é considerada como um instituto jurídico bastantesingular, para o qual parece não ser possível aplicar os princípiosgerais e as fórmulas que regem os outros crimes quase como se fosseum ilícito de natureza distinta e que não se poderia estudar segundo oscritérios comuns, sobre os quais se discute o evento, o dolo, a culpaetc. 9

De fato, as dúvidas que assombram ainda hoje a sistemática peculiar dos

crimes falimentares, ficam evidenciadas a todo instante, força de sua própria

dinâmica extremamente heterogênea e que, via de efeito, dificulta sua inserção

dentro das estruturas ordinárias do delito, dando azo a complexos

questionamentos, notadamente no plano da imputação objetiva e subjetiva.

As dúvidas em derredor do tema nascem já no que tange à própria

objetividade jurídica dessa modalidade de infrações, entendendo uma primeira

8 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Crimes falimentares, p. 11-12. Nesse sentido merece considerar omagistério de Valverde: “Os atos do devedor, enumerados na lei, anteriores todos à sentença declaratória dafalência, positivavam o procedimento irregular do falido na direção e administração da sua empresa ou de seusnegócios e constituíam, assim, as circunstâncias que qualificavam criminalmente a falência. A lei presumia queo evento danoso — a falência — era o resultado desse procedimento irregular do devedor.” (Trajano deMiranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, v. 3, p. 35.9 PUNZO, Massimo. op. cit., idem, “tradução livre do autor”. Advertência na mesma direção é feita porAntolisei para quem “[...] non si può e non si deve mai perdere di vista che trattasi di un reato a strutturasingolare, anzi , anômala.” (Francesco Antolisei, Manuale di diritto penale – leggi complementari – II – I reatifallimentari, tributari, ambientali e dell’urbanistica, p. 35).

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corrente, à qual pertencem Luigi Conti, Massimo Punzo e Galdino Siqueira, que

se trata de crimes contra o patrimônio dos credores da falida.

Um segundo grupo — nele se destacando o Marquês de Beccaria e

Francesco Carrara — vê os crimes falimentares entre aqueles que comprometem

a fé pública.

Uma terceira corrente, ainda, entende que são uma modalidade de crimes

contra a Administração da Justiça, pois, como observa Marques, “[...] as normas

em que vêm definidos e tipificados visam tutelar o processo falimentar, tendo

em vista o rateio entre os credores do ativo da massa falida.”10. Nessa linha

destacam-se Francesco Carnelutti e José Frederico Marques.

Finalmente, tem ganhado espaço os argumentos daqueles que admitem

que os crimes falimentares sejam pluriofensivos, visto que atingem a um só

tempo, mais de um bem jurídico penalmente tutelado, nesse sentido

posicionando-se Guillermo Rafael Navarro e Aníbal Horácio Rizzi,

Maximilianus Cláudio Américo Führer e Francesco Antolisei, este último

advertindo que “[...] são bastante freqüentes incriminações voltadas à proteção

de uma multiplicidade de interesses, às quais se pode bem atribuir a

denominação de crimes pluriofensivos.”11

Embora aparentemente os argumentos desse último grupo de autores se

acomodem melhor à estrutura heterogênea dos crimes falimentares, notadamente

quando se tem em vista de consideração as infrações dessa natureza de forma

individual12, esse breve panorama, já em torno da objetividade jurídica,

10 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, v. 3, p. 299.11 ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penale – leggi complementari – II – I reati fallimentari, tributari,ambientali e dell’urbanistica, p. 26, “tradução livre do autor”.12 Essa consideração é feita por Silva em seus comentários sobre a Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005,observando que conforme o tipo penal determinado bem jurídico estará mais diretamente atingido do que os

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evidencia o extremo grau de contrariedades que permeia a disciplina jurídica do

tema.

Mas, sem sombra de dúvida, o epicentro da polêmica que gravita em torno

dessa categoria especial de infrações penais, diz respeito à função que a sentença

de falência desenvolve na estrutura das mesmas.

Com efeito, a natureza jurídica a ser atribuída à referida decisão é, ainda

hoje, objeto de inafastáveis contestações doutrinárias, que decorrem

notadamente da estrutura pouco uniforme dessa espécie singular de delitos, não

se perdendo de vista, ademais disso, os desdobramentos pragmáticos que advêm

do entendimento que se adote13, notadamente no que se refere ao plano da

imputação subjetiva.

De fato, o contorno que se dê à sentença de falência pode representar o

ponto de transformação de toda a sistemática a ser empregada na disciplina dos

crimes falimentares, que devendo estar em sintonia com os princípios que

informam a ciência penal hodierna, reclamam uma estrutura diferenciada da que

se assistiu nos últimos tempos e que exija a integração dos elementos objetivos e

subjetivos da figura delituosa com a falência, e não a simples apenação de

determinados fatos porque houve a quebra da empresa. Essas mesmas

considerações já se apresentavam na doutrina contemporânea à revogada Lei de

Falências (Decreto-lei n.° 7.661/45), consoante registra Valverde:

demais: “[...] cremos cabível sustentar (o que não deixa de redundar em tipo de classificação a respeito) quefraude, favorecimento e desvio (artigos 168, 172 e 173) atingem mais diretamente o patrimônio (sentido amplo)dos credores; que a indução a erro descrita no artigo 171, bem como a habilitação ilegal de crédito, queatingem mais de perto a administração da justiça; que a omissão de escrituração (art. 178) pode representarperigo mais próximo relativamente aos ‘interesses envolvidos na massa falida’ [...]” (SILVA, Antonio Paulo C.O.. Comentários às disposições penais da Lei de recuperação de empresas e falências, p. 20-21).13 Sobre o problema em torno do decreto de quebra observa Antolisei: “È questo il principale problema che sipresenta nello studio della struttura del reato di bancarrota. La sua importanza non è soltanto teorica, ma anchepratica, perché dalla soluzione derivano conseguenze notevoli per l’interpretazione e l’applicazione dellalegge.” (Francesco Antolisei, Manuale di diritto penale – leggi complementari – II – I reati fallimentari,tributari, ambientali e dell’urbanistica, p. 27).

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Contra a presunção juris et de jure, de que o fato ou o conjunto defatos mencionados na lei, de autoria do falido, fôra a causa da falência(o dano), insurgem-se os criminalistas, por considerar este nexo decausalidade, mera criação da lei, como sobrevivência daresponsabilidade penal por dano objetivo do antigo direito falimentar,absolutamente inadmissível no direito penal moderno, que nãoconhece ‘no tocante à culpabilidade (ou elemento subjetivo do crime)outras formas além do dolo e da culpa ‘stricto sensu’ [...] 14

A fim de se evitar os mesmos erros cometidos no passado, e que de certa

forma têm estigmatizado a disciplina dos crimes falimentares, a próxima etapa

na evolução destes deve buscar a aproximação do evento da falência com a

conduta típica, a ela conectando-se em relação de causalidade material e moral,

conforme a regra que impera em todo o sistema penal, que cada vez mais deve

pugnar pela homogeneização de seus princípios informadores,

Na legislação brasileira, o advento da recém-publicada Lei n.° 11.101, de

9 de fevereiro de 2005 é, sem dúvida, o momento em que se assiste à retomada

dessas questões pela doutrina, sendo, também, a oportunidade para que haja a

acomodação das características dessa espécie sui generis de infrações penais às

exigências que, numa perspectiva garantista, instruem o moderno direito penal.

14 VALVERDE, Trajano de Miranda. op. cit., p. 36-37.

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3 OS CRIMES FALIMENTARES NA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA.

A falência da pessoa jurídica é, com efeito, instituto reconhecido

universalmente nas legislações estrangeiras, corolário, obviamente, da dinâmica

do comércio que inevitavelmente reclama a disciplina legal do estado de

insolvência empresarial.

Nesse contexto, a quebra da empresa vem sendo maciçamente tratada de

forma diferenciada dentro das legislações vigentes, conforme haja se operado de

forma corriqueira ou de maneira anômala, com interferência de alguma sorte de

manobra — especialmente fraudulenta — e que venha comprometer os direitos

dos credores.

Assim, os crimes falimentares representam um capítulo onipresente na

estrutura legal da falência, diagnóstico que fica evidente quando se passa em

revista a legislação estrangeira referente ao tema.

É bem de se ver que as figuras delituosas guardam evidentes semelhanças

na maioria dos diplomas consultados, divergindo, na maioria das vezes, em

relação ao alcance de seus tipos penais.

No que diz respeito à sentença de quebra percebe-se nitidamente,

diferente do que ocorreu na lei brasileira, não haver grande preocupação em

definir-lhe a natureza jurídica, muito embora essa possa, em alguns casos, ser

claramente extraída pelo contexto e redação empregada.

De qualquer forma, é imperiosa a constatação, ainda que perfunctória, da

dinâmica que é dada às infrações penais de natureza falimentar na legislação

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estrangeira, especialmente como critério de consideração das disposições aqui

introduzidas nessa disciplina pela Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

3.1 Argentina

Na Argentina os crimes falimentares ganharam previsão

diretamente no corpo da Parte Especial do Código Penal, ficando a “Ley de

Concursos y Quiebras” (Ley 24.522) afeta exclusivamente às questões de

matéria estritamente comercial.

No Título VI do Código Penal, que trata dos crimes contra o

patrimônio, o Capítulo 5 — sob o nomem juris “Quebrados y otros deudores

punibles” — encontram-se agrupadas as infrações penais relativas às falências

(artigos. 176 a 180).

O legislador argentino adotou a tradicional distinção entre os atos

considerados de falência fraudulenta (artigo 176) e os de falência culposa (artigo

177), estabelecendo, ainda, disposições específicas relativas ao concurso de

agentes (artigo 178).

Vê-se que os tipos penais são bastante enxutos, e elevam à condição

de ilícitos penais, condutas igualmente consagradas a esse título na maioria dos

países que prevêem infrações penais de natureza falimentar em suas legislações

como, verbi gratia, a simulação de dívidas, a ocultação de bens, o favorecimento

a credores e os gastos pessoais excessivos etc.

No que se refere às penas, tanto para a falência fraudulenta quanto

para a falência culposa cominaram-se penas privativas de liberdade, cumuladas

com a “inhabilitación especial”, instituto previsto genericamente no artigo 20 do

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Código Penal Argentino, que consiste na privação do emprego, cargo ou

profissão e a incapacitação para a obtenção de outro do mesmo gênero. Em

termos comparativos com a legislação pátria a “inhabilitación especial” se

assemelha aos chamados efeitos da condenação previstos em nosso Código

Penal.

No que tange ao decreto de quebra, não houve qualquer referência

expressa à sua natureza jurídica.

Todavia, tanto o artigo 176 (falência fraudulenta)15, quanto o artigo

177 (falência culposa)16 inseriram o decreto de quebra no enunciado de seus

respectivos caput, o que força concluir que tal decreto foi elevado à condição de

elementar dos referidos tipos penais, aí descansando sua natureza jurídica.

3.2 Chile

No Chile, a exemplo do Brasil, a previsão dos crimes falimentares

encontra-se destacada do Código Penal, sendo trazida na legislação especial, in

casu na chamada “Ley de Quiebras” (Lei n.° 18.175, publicada no D.O. de

28.10.82) que, tratando genericamente da questão falimentar, previu, em seu

título XIII (artigos 218 a 234), os chamados “Delitos relacionados con las

quiebras”.

15 In verbis: “Art. 176. Será reprimido, como quebrado fraudulento, con prisión de dos a seis años einhabilitación especial de tres a diez años, el comerciante declarado en quiebra que, en fraude de sus acreedores,hubiere incurrido en alguno de los hechos siguientes:(...)16 In verbis: “Art. 177. Será reprimido, como quebrado culpable, con prisión de un mes a un año e inhabilitaciónespecial de dos a cinco anõs, el comerciante que hubiere causado su propria quiebra y perjudicado a susacreedores, por sus gastos excessivos con relación al capital y al número de personas de su familia,especulaciones ruinosas, juego, abandono de sus negocios o cualquier otro acto de negligencia o imprudenciamanifesta.” (grifamos)

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Referida legislação distingue, do ângulo subjetivo, três modalidades

de falência: a fortuita, a culposa e a fraudulenta, elevando somente as duas

últimas à condição de ilícito penal, cominando, obviamente, apenações distintas

em cada caso.

As hipóteses de falência culposa, agrupadas nos doze incisos do

artigo 219, relacionam-se com atos de gestão temerária, punindo a atividade

imprudente do empresário que contribui para a quebra, como, verbi gratia,

gastos pessoais excessivos, investimentos de alto risco, assunção de fiança, entre

outros. Os casos de falência fraudulenta vêm previstos no artigo 220, que ao

longo de dezesseis incisos descreve manobras voltadas à redução dos ativos ou

aumento dos passivos da empresa, no intuito de dolosamente comprometer o

pagamento dos credores, neste rol incluindo-se figuras conhecidas na legislação

brasileira como a destruição de livros, o pagamento antecipado de credores, a

ocultação de bens, entre outros.

A estrutura dos delitos falimentares na lei chilena é bastante

minuciosa, descrevendo exaustivamente as figuras delituosas que podem

envolver o processo falimentar. Nesse particular, aliás, percebe-se nítida

semelhança dos tipos penais com a nossa revogada lei de falências (Decreto-Lei

n.° 7.661, de 21 de junho de 1945).

A lei chilena não deixou explícita a natureza jurídica da sentença

declaratória de falência em relação aos seus crimes falimentares, tampouco a

mencionou na descrição das infrações penais.

No entanto, ao tratar do procedimento criminal a ser adotado, deixa

clara a necessidade do decreto de quebra pelo juízo falimentar, para que o juízo

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criminal possa ser acionado. É o que dispõe o artigo 222 da referida lei, in

verbis:Art. 222. El tribunal que no tuviere jurisdicción en lo criminal,cuando estime que pueda configurarse alguna de las presuncionesestablecidas en los artículos 219, 220 y 221, oficiará al juez delcrimen poniendo en su conocimiento la declaratoria de quiebra. Igualcomunicación deberá efectuar cuando lo solicite el Fiscal Nacional ola junta de acreedores.

Embora a “Ley de quiebras” haja silenciado, o artigo acima

timidamente sugere que a natureza jurídica da sentença de quebra, para fins

penais, liga-se ao direito adjetivo, tanto pelo teor do dispositivo quanto por sua

localização dentre as normas de caráter procedimental relativas aos crimes

falimentares.

3.3 Paraguai

No direito paraguaio as figuras delituosas relacionadas às falências

encontram previsão no corpo do próprio Código Penal (Ley n.° 1160/97),

estando concentradas nos artigos 178 a 183, no capítulo dedicado aos “Hechos

punibles contra otros derechos patrimoniales”.

Desde logo, percebe-se que as referidas infrações revelam graves

deficiências no que tange ao conteúdo de seus enunciados, o que decorre

notadamente da redação exaustiva dada aos tipos, que acabaram por se tornar

bastante confusos, notadamente no que tange à distinção entre os tipos dolosos e

culposos, aspecto em que a lei permaneceu omissa, e distribuídos de maneira

quase que aleatória entre artigos e parágrafos, numa acomodação pouco lógica e

por vezes repetitiva.

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No que pesem as falhas na técnica legislativa, a lei paraguaia

manteve-se medianamente congruente com as figuras criminais de natureza

falimentar de outros países, tipificando a ocultação e a omissão de livros

contábeis, a gestão imprudente, o favorecimento a credores etc.. Vale enfatizar,

no entanto, a previsão das duas qualificadoras (“Casos graves”) trazidas no

artigo 180, que possibilitam o aumento da pena privativa de liberdade para até

dez anos, no caso do falido haver agido com fim de enriquecimento ou colocado

em risco de indigência um número expressivo de pessoas.

No que tange ao decreto de falência, há a previsão expressa no §2.°

de que no crime de “Conducta conducente a la quiebra” o fato só será punível

quando haja ocorrido a cessação de pagamento ou decretada a quebra da

empresa. Embora o dispositivo não defina expressamente a natureza do decreto

de quebra em relação às infrações penais, condiciona a aplicação da pena à

ocorrência desse fato, sendo crível que o legislador implicitamente reconheceu-o

como condição de punibilidade.

3.4 Portugal

O Título II do Código Penal português, que define os crimes contra

o patrimônio, prevê, em seu Capítulo IV, os chamados “Crimes contra direitos

patrimoniais”, dentre os quais encontram-se três artigos relativos a infrações

penais de caráter falimentar, os quais receberam a atual redação a partir da Lei

n.° 65/98.

Sob os nomem juris de “Insolvência dolosa” (artigo 227),

“Insolvência negligente” (artigo 228) e “Favorecimento de credores” (artigo

229), o legislador tipificou modalidades de fraudes e de gestão temerária da

empresa bastante assemelhadas às encontradas nas legislações penais de outros

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países, descrevendo a título de dolo, condutas, verbi gratia, como o desvio de

bens, a falsificação de livros contábeis, a simulação de dívidas, entre outros, e a

título de culpa os gastos extravagantes, a especulação financeira arriscada e até a

ausência de providências de recuperação diante da insolvência iminente.

Em todos os três artigos a legislação portuguesa condiciona

expressamente a aplicação da pena à declaração judicial da insolvência ou ao

decreto de falência, com a peculiaridade — por sinal bastante interessante — de

que os parâmetros de apenação serão diversos, sobrevindo um ou outro

resultado, reservando-se as penas mais expressivas para a última hipótese.

Vê-se que o legislador português não se preocupou em definir a

natureza dos decretos de insolvência ou falência em relação às infrações penais,

restando à doutrina e à jurisprudência penal o debate sobre a questão.

3.5 Espanha

Na legislação hispânica as infrações penais relativas às quebras

também se encontram incorporadas à Parte Especial do Código Penal, estando

inseridas no Título referente aos “Delitos contra el patrimônio”, mais

precisamente entre os delitos relacionados no Capítulo “De las insolvencias

punibles”.

Reduzidos ao número de três (artigos 259 a 261), os tipos penais

apresentam-se extremamente enxutos, tendo o legislador espanhol nitidamente

divorciado-se da opção por uma previsão exaustiva de diversas formas de

realização de fraudes falimentares, como sói ocorrer em diversas legislações.

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Embora o Código preveja outras modalidades de fraudes a credores

o fato é que somente relacionou algumas situações diretamente ao estado

falimentar, limitando-se, em síntese, a dar previsão típica às hipóteses de

pagamento antecipado de credores (artigo 259), o agravamento doloso do estado

de insolvência (artigo 260) e a apresentação de contabilidade falsa (artigo 261).

No que se refere ao status da declaração de quebra, verifica-se que

nos três artigos em questão esta vem, sem exceção, inserida nos enunciados

típicos, não havendo qualquer previsão explícita ou exclusiva quanto a sua

natureza jurídica na relação de direito penal.

3.6 Itália

No direito italiano, as infrações penais de natureza falimentar não

foram incorporadas diretamente ao texto do Código Penal, tendo sido alocadas

para o corpo da legislação falimentar (Lei n.° 267 de 16 de março de 1942).

As disposições penais da referida lei mostram-se como das mais

exaustivas, dentre as encontradas nas legislações falimentares estrangeiras,

tendo o legislador dedicado diversos artigos (216-241) à previsão minudente das

infrações penais, bem como ao procedimento penal a ser observado.

A parcela penal da lei de falências italiana, dado seu conteúdo

híbrido, que previu, a um só tempo, normas de caráter substantivo e adjetivo,

foi, com efeito, dividida em quatro capítulos distintos, a saber: i) crimes

cometidos pelo falido (artigos 216-222); ii) crimes cometidos por pessoa diversa

do falido (artigos 223-235); iii) Disposições aplicáveis no caso de concordata

preventiva, de administração controlada e de liquidação administrativa (artigos

236-237); iv) disposições procedimentais (artigos 238-241).

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Entre os crimes cometidos pelo falido verifica-se a dicotomia

tradicional que separa o delito de falência simples (artigo 217), caracterizada por

atos de imprudência do empresário, e o de falência fraudulenta (artigo 216),

traduzida pela atividade dolosa em prejuízo dos credores. Há, ainda, no mesmo

capítulo, a previsão de circunstâncias agravantes e atenuantes (artigo 219), bem

como de outras figuras delituosas como o recurso abusivo ao crédito (artigo 218)

e a denúncia de credores inexistentes (artigo 220).

No capítulo seguinte, ao tratar dos delitos cometidos por pessoa

diversa do falido, o legislador voltou-se precipuamente contra os atos que

pudessem vir a ser praticados pelos administradores, diretores, síndicos e

liquidantes, basicamente impondo-lhes as mesmas penas da falência fraudulenta

e da falência simples, obviamente conforme a natureza de seus atos.

Com relação à sentença declaratória de falência há, no artigo 7.° da

referida lei, sob o nomem juris “Stato d’insolvenza risultante in sede penale”, a

determinação de que o Procurador da República requeira a decretação da quebra

da empresa que se tornou insolvente em razão de manobras fraudulentas,

disposição que, embora alocada no início da lei, sinaliza de forma tímida a

natureza jurídica da referida sentença, questão que adiante encontra sinais mais

consistentes.

De fato, é no artigo 238 que se encontra a referência expressa aos

efeitos da declaração de falência em relação às infrações penais. Sob o título

“Esercizio dell’azione per reati in materia di fallimento”, merece destaque o

conteúdo do referido dispositivo, in verbis:Para os crimes previstos nos artigos 216, 217,223 e 224 a ação penal éexercida após a comunicação da sentença declaratória de falência deque trata o artigo 17.

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Inicia-se antes mesmo no caso previsto no artigo 7 e em todos osoutros nos quais concorram graves motivos e que já exista ou sejaapresentado contemporaneamente requerimento para obter adeclaração citada. (tradução livre do autor)

A lei falimentar italiana mostra, quanto ao tema, posição

diferenciada em comparação com a maioria das legislações estrangeiras,

notadamente porque não adotou uma posição uniforme em relação a todas as

figuras delituosas, distinguindo a necessidade de prévia declaração de quebra

para o exercício da ação penal, unicamente em relação à falência simples e à

fraudulenta. É bem de ver-se que em relação aos demais delitos não prescindiu

do mesmo decreto, mas apenas admitiu o início do processo penal mediante a

simples existência de pedido de falência já ajuizado.

Essa postura, diferenciada e inédita, reforça a conclusão de que o

legislador italiano deu à sentença declaratória de falência contornos de condição

de procedibilidade da ação penal, tendo, portanto natureza de ordem

exclusivamente processual, o que se infere por mais de um argumento que

merece destaque, ainda que perfunctório.

Inicialmente porque a questão foi topograficamente inserida dentro

do capítulo IV, que foi dedicado exclusivamente às disposições processuais

relativas aos crimes falimentares. Tangenciando o mesmo argumento, a

abordagem veio no artigo 238, que, conforme salientado, estampa o nomem juris

do exercício da ação por crimes em matéria falimentar. Finalmente, e aí se

ingressa na interpretação do dispositivo legal, verifica-se que a norma é explícita

em relação à quebra como condição para o início da ação penal falimentar e não

à punibilidade de eventual condenado.

Vê-se que o legislador italiano também não foi explícito, como o

legislador brasileiro, em declinar a natureza jurídica do decreto de falência em

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relação às infrações penais. No entanto, os aspectos sucintamente extraídos do

artigo 238, deixam assente que, ao relacionar a declaração de quebra com a

questão penal, houve apenas a vinculação a desdobramentos de ordem

estritamente processual (v.g., custódia do falido, comunicação ao Procurador da

República, entre outros), o que dá consistente margem de argumentos a ensejar o

entendimento de que tal decreto guarda contornos, na lei peninsular, de instituto

de natureza estritamente adjetiva.

3.7 França

Na França as infrações penais de natureza falimentar também se

encontram fora do corpo do Code Pénal, estando concentradas na legislação

extravagante, in casu no Code de Commerce (Ord. n.° 2000-912 du 18 sept.

2000, com as alterações decorrentes da L. n.° 2005-845 du 26 juillet 2005).

Assim, referido Código prevê, no Título V, capítulo IV, sob a

designação “De la banqueroute et des autre infractions”, os delitos ligados à

falência e institutos correlatos, disciplinando, entre os artigos 654-1 e 654-20, os

tipos penais e o correspondente procedimento penal.

A legislação francesa não apresenta distinções expressivas no que

tange ao elenco das figuras delituosas, prevendo infrações penais já consagradas

na maioria das legislações sobre o tema, como, verbi gratia, a dissimulação

patrimonial, o aumento fraudulento do passivo, além das condutas relativas aos

documentos contábeis como omissões e irregularidades (654-2).

No que tange à pena privativa de liberdade, enquanto regra, é

fixada em cinco anos e multa de 75.000 € (654-3), aumentando-se, em caso de

empresa prestadora de serviços de investimento, para sete anos de prisão e multa

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de 100.000 € (654-4), além das peines complémentàires, basicamente focadas

em restrições ao crédito, ao comércio e ao exercício de funções públicos (654-

5).

A grande distinção que a legislação francesa apresenta, em

comparação com as demais até aqui analisadas, diz respeito, ainda em relação às

penas, à possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas que

venham a contribuir com a prática de alguma das infrações penais previstas na

mesma lei (654-7), tema inegavelmente polêmico na doutrina penal mundial e

que na legislação gaulesa, no entanto, parece haver se consolidado.

Nesses casos a pena prevista, no próprio Code de Commerce, é a

multa, além das demais previstas genericamente às pessoas jurídicas na parte

geral do Code Pénal (131-39), como a interdição, temporária ou permanente, de

determinadas atividades, a dissolução, o fechamento, temporário ou definitivo e

o confisco de bens.

No que se refere à natureza jurídica da sentença declaratória de

falência, a lei francesa não faz qualquer consideração nesse sentido, muito

embora a abertura de procedimento de liquidação ou de recuperação

(redressement) esteja inserida no caput do art. 654-2, que justamente concentra

a parcela expressiva das infrações penais falimentares. Nessa perspectiva, tem-

se que a natureza jurídica dessas decisões seja de elementos típicos.

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4 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DELITOS FALIMENTARES NA

LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A análise das infrações penais de natureza falimentar demanda,

necessariamente, a digressão histórica do tema dentro da legislação brasileira,

método de interpretação unanimemente reconhecido na doutrina por ser,

indubitavelmente, fonte de valiosos elementos para a compreensão da norma em

vigor.

Sobre a importância da interpretação histórica é a advertência de Garcia,

no sentido de se “[...] conhecer as leis pela História e a História pelas leis.

Sabendo-se como adveio o texto, pode ter-se idéia nítida da ratio legis, da sua

razão determinante.”17

Com efeito, é interessante observar que a falência, elevada ao status de

infração penal, é fenômeno de notável registro histórico. De fato, as primeiras

legislações vigentes em solo brasileiro já reconheciam certos casos de quebra

como ilícitos na esfera do direito criminal, verificando-se diversos aspectos na

lei falimentar vigente, cujos primórdios se encontram nitidamente delimitados já

na legislação do período colonial.

Importa advertir que a questão será tratada apenas a partir do

descobrimento, deixando-se de lado o período que o antecedeu, visto que, dada a

característica absolutamente rudimentar das sociedades indígenas que aqui

habitavam, certamente restaria impossível a constatação de elementos mínimos

para que se pudesse chegar a cogitar da noção de crime falimentar.

17 GARCIA, Basileu. Instituições de Direito Penal. p. 159.

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4.1 Período Colonial — As Ordenações Filipinas

No período compreendido entre o descobrimento, em 1500, e a

proclamação da independência, em 1822, historicamente conhecido por Período

Colonial, é quando tem início a história do direito penal no Brasil, enquanto

sistema positivo.

É certo que o status de mera colônia não permitia que aqui se

estabelecesse um sistema de normas próprias, ficando em vigor, por isso, a

legislação peninsular. Nessa conformidade, a legislação aplicada no Brasil

naquele intervalo foi, invariavelmente, a mesma que vigia em Portugal.

À época do descobrimento vigoravam as primeiras Ordenações do

Reino — editadas entre 1446 e 1447 — que foram chamadas de Ordenações

Afonsinas, embora não haja a mínima notícia de sua aplicação no Brasil, então

recém-descoberto. De vida curta, as Ordenações Afonsinas vigoraram somente

até o Reinado de D. Manoel, o Venturoso, que logo ordenou fossem substituídas

pelas “Ordenações Manoelinas” que, colocadas em vigor por volta de 1521,

também não apontaram qualquer registro no Brasil18, certamente pelo fato do

processo de colonização encontrar-se ainda em estágio inicial.

Em meados de 1.603, as Ordenações Manoelinas acabaram sendo

revogadas19, por determinação de El-Rey, D. Felipe III de Espanha e II de

18 Edgard Magalhães Noronha, citando o Visconde de Taunay, narra a suposta passagem em que um magistradoteria solicitado aos vereadores de Piratininga as “Ordenações do Reino”, não logrando êxito em encontrar-se umexemplar sequer (Direito Penal, v. 1, p. 55).19 Alguns autores afirmam que as “Ordenações Manoelinas” foram revogadas em 14 de fevereiro de 1569, pordeterminação de D. Sebastião surgindo o “Código Sebastiânico”, todavia a maioria não faz referência a tal fato.Tourinho Filho, no entanto, esclarece que não houve, em verdade sua revogação: “Logo em seguida às‘Ordenações Manuelinas’, e durante o seu período de vigência, surgiu o Código Sebastiânico, vigendo ao ladodas Ordenações Manuelinas, sem, contudo, revogá-las. Como surgiu tal Código? O Cardeal D. Henriquedesignou Duarte Nunes de Leão para fazer uma compilação das lei extravagantes promulgadas depois dasOrdenações Manuelinas, compilação esta que, depois de revista por uma comissão de juristas, foi batizada com

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Portugal, dando lugar às chamadas Ordenações Filipinas ou Código Filipino,

estas sim tendo sido largamente aplicadas no Brasil, e concentrando toda a

matéria penal ao longo de seu Livro V, notabilizado pela hipertrofia de figuras

delituosas atreladas a penas crudelíssimas que, consoante Dotti, “desvendaram

durante dois séculos a face negra do Direito Penal” 20.

A despeito dos inegáveis excessos, as Ordenações Filipinas, com a

redação exótica que a notabilizava, já faziam a previsão de modalidades de

delitos falimentares, tratando da matéria em seu Título LXVI, sob o nomem juris

de “Dos Mercadores que quebrão. E dos que se levantão com fazenda alhea”.

As disposições contidas no referido título, descrevem condutas que,

de certa forma, ainda hoje são reconhecidas como infrações penais, guardadas

obviamente as inevitáveis diferenças que quatro séculos trazem. Assim, verifica-

se a previsão de condutas praticadas pelos chamados “Mercadores” como o

desvio de bens, a simulação de dívidas e a ocultação de livros, as quais

encontram eco nas legislações penais falimentares modernas.

O “Mercador” que viesse a praticar qualquer das fraudes descritas,

estaria sujeito às mesmas penas atribuídas aos “públicos ladrões” e

“roubadores”, bem como perpetuamente inabilitado para o “Officio de

Mercador”. Percebe-se que naquela época o crime de quebra era havido como

contra o patrimônio, já se reconhecendo o instituto da inabilitação, existente até

hoje.

Ainda no que tange às penas, também já se via estabelecida a

distinção em razão do conteúdo subjetivo do delito, atribuindo-se sanções o nome de ‘Código Sebastiânico’ e teve força de lei, pelo Alvará de 14-2-1959.” (Fernando da Costa TourinhoFilho, Processo Penal, v.1, p. 176)20 DOTTI, René Ariel. Casos criminais célebres, p. 320.

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expressivamente mais brandas aos casos de insolvência decorrente de culpa,

nesse aspecto verificando-se, com nitidez, os primórdios do que viria a tornar-se

a conhecida distinção entre falência fraudulenta e falência simples. Havia, ainda,

a expressa isenção de pena para aqueles que se tornassem insolventes por caso

fortuito ou motivos de força maior.

As Ordenações Filipinas traziam, ainda, disposições de natureza

eminentemente procedimental, abordando questões como a busca e apreensão de

bens, a prisão processual e a publicação de editais. Ademais disso, consignaram-

se extensas normas relativas aos eventuais cúmplices dos delitos.

É nítida a relação de semelhança e de proximidade que as

disposições das Ordenações Filipinas guardam com as legislações modernas21,

tornando seu conteúdo, por via de conseqüência, de grande interesse na

interpretação histórica da ilicitude penal na falência.

De fato, ao que se percebe, algumas das manobras fraudulentas que

hodiernamente têm previsão típica como infrações penais falimentares, já eram

outrora constatadas e igualmente fixadas na legislação criminal, denotando que a

dinâmica dessas modalidades de fraudes, sob certo aspecto, não chegou a ser

efetivamente reformulada, em que pese o desenvolvimento da estrutura

empresarial do país nos séculos subseqüentes, mas apenas atualizada.

21 Nesse sentido está igualmente a conclusão de Requião: “A nova redação começava por enunciar as váriasmodalidades de fraude na quebra, não muito diferentes das que ainda são conhecidas...” (Rubens Requião,Curso de Direito Falimentar, v. 1, p. 15)

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4.2 O Alvará de 13 de novembro de 1756

A questão falimentar, ao que se percebe, entrou no Brasil através da

porta do direito penal, na conformidade do quanto estabelecido no Livro V das

Ordenações Filipinas (subitem 4.1 retro).

Suas raízes, no entanto, só alcançaram o campo do direito

comercial na legislação lusitana, de maneira efetiva, por conta de uma tragédia

que assolou a capital.

Com efeito, a falência ganhou espectro e estrutura mais ampla, após

um terremoto havido em Lisboa, em 1.° de novembro de 1755, o que teria

ocasionado uma grande turbulência na economia. De fato, ao que se tem notícia,

o estado de calamidade fomentou, a um só tempo, enormes dificuldades no

comércio e, de outra banda, o aumento das fraudes.

Nesse contexto, tornou-se premente a necessidade de modificação

das disposições contidas no Título LXVI, do Livro V das Ordenações Filipinas

(subitem 4.1. retro), missão que coube a Sebastião de Carvalho e Melo — o

Marquês de Pombal — então Primeiro-Ministro de Portugal.

A fim de contornar a situação, o Marquês de Pombal fez promulgar

o Alvará de 13 de novembro de 1756, tido na doutrina como o diploma que

efetivamente instituiu a falência no direito comercial português, deixando de

tratá-la apenas como uma questão de natureza estritamente penal — embora haja

implementado transformações nesse sentido — evoluindo, também, para o

enfoque comercial, absolutamente necessário para a satisfação dos créditos do

falido.

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Merece destaque a síntese de Paes de Almeida sobre as disposições

introduzidas pelo referido Alvará:Impunha-se ao falido apresentar-se à Junta do Comércio, perante aqual ‘jurava a verdadeira causa da falência’. Após efetuar a entregadas chaves ‘dos armazéns das fazendas’, declarava todos os seus bens‘móveis e de raiz’, fazendo entrega, na oportunidade, do Livro Diário,no qual deveriam estar lançados todos os assentos de todas asmercadorias, com a discriminação das despesas efetuadas..Ultimado o inventário dos bens do falido, seguir-se-ia a publicação deedital, convocando os credores.Do produto da arrecadação, dez por cento eram destinados ao própriofalido para o seu sustento e de sua família, repartindo-se o restanteentre os credores.22

De fato, estabeleceu-se um procedimento falimentar fixando-se,

inclusive, um juízo especializado para a matéria, a quem incumbia a apreciação

da existência ou não de fraude na quebra23. Distinguiram-se as hipóteses de

falência fraudulenta, culposa e inocente, consoante Requião:Mas o Alvará, que constitui a nosso ver o ponto de partida para oestudo da instituição falimentar no direito pátrio, regula não só apunição penal do crime falimentar, mas também a falência culposa e ainocente. Assim, determinava que os comerciantes que por culpaperdessem seus bens, jogando ou gastando demasiadamente,incorriam nas mesmas penas, exceto que não seriam equiparados aos‘publicos ladroens”, nem seriam ‘condenados em pena de mortenatural’, mas em penas de degredo.24

Assim, colônia que era, o Brasil também ficou submetido, em

matéria falimentar, às disposições do Alvará de 13 de novembro de 1756.

22 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Concordata, p. 623 Consoante descreve Ferreira:“Tanto que se achassem instruídos os processos verbais, se convocariamconferências, que fossem necessárias, para se compreenderem cabalmente as causas da falência, julgada afinal,segundo seu merecimento, por pluralidade de votos. Julgada a quebra fraudulenta, remeter-se-ia o processoverbal ao juízo conservador do comércio, o qual pronunciaria e prenderia os culpados, seguindo-se o processopenal.” (Waldemar Ferreira, Tratado de Direito Comercial, v.14, p.28)24 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar, v. 1, p. 15

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4.3 Período Imperial — Código Criminal do Império do Brasil

Com a proclamação da independência se fazia mister que esta se

desse igualmente no campo do direito, de sorte que a nova ordem política não

tardou em providenciar uma codificação penal que a acompanhasse, agora

assentada em bases e critérios bastante distantes daqueles em que estiveram

sedimentadas as Ordenações Filipinas.

Ao clima de reestruturação política trazida pela independência,

somava-se, ainda, um contexto mundial de renovação de valores —

conseqüência clara do movimento iluminista — o que certamente impulsionou

decisivamente a reestruturação jurídica do Brasil independente25, e o

surgimento, em 16 de dezembro de 1830, a partir do projeto original de

Bernardo Pereira de Vasconcelos, do Código Criminal do Império.

Diploma unanimemente reverenciado tanto por seu caráter liberal

quanto pela introdução de novos conceitos na dogmática criminal, que serviram,

inclusive, de inspiração a legislações estrangeiras26, o Código Criminal do

Império também não deixou de elevar à condição de ilícitos penais determinadas

condutas relativas à falência.

Assim no Título III, dedicado aos “crimes contra a propriedade”,

recebeu o Capítulo II o nomem juris “Banca-rota, estellionato e outros crimes

contra a propriedade”, sendo que o legislador do Império concentrou no artigo

263 toda a matéria relativa aos crimes de natureza falimentar, in verbis: Art.

25 Conforme enfatiza José Henrique Pierangelli, “Os movimentos liberais e as novas doutrinas penais,aliadas às modificações sociais do tempo, impunham que essas novas concepções viesseminfluir na nova legislação” (Códigos Penais do Brasil, p. 8)26 Segundo Luis Jimenez de Asúa, o “Código Criminal do Império do Brasil” foi fonte de inspiração do CódigoPenal Espanhol de 1848 (Tratado de Derecho Penal, v.1, p. 1330)

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263. A banca-rota que fôr qualificada de fraudulenta, na conformidade das leis

do commercio, será punida com a prisão com trabalho por um a oito annos.”

O Código Criminal do Império adotou uma fórmula bastante enxuta

na elaboração do tipo penal, elevando à condição de infração penal somente os

atos de fraude que viessem a ser praticados no curso da quebra. O conceito de

ato falimentar fraudulento, no entanto, foi expressamente remetido à legislação

comercial.

Tratava-se, com efeito, de norma penal em branco em que o

legislador, sem abrir mão de manter o delito falimentar agregado ao corpo da lei

comum, remeteu, praticamente in totum, o conteúdo do tipo penal para a

legislação comercial.

Na data da publicação do Código Criminal do Império (1830), não

havia ainda legislação comercial brasileira disciplinando a questão falimentar, o

que só veio a ocorrer em 1850 com o advento do Código Comercial.

Assim, o complemento da norma penal, até a vinda do Código

Comercial, ficou por conta do Alvará do Marquês de Pombal.

Com a publicação Código Comercial Brasileiro, em 1850, no título

dedicado às quebras, distinguiu-se a falência em três modalidades: casual, com

culpa e fraudulenta — distinção que implicitamente as Ordenações Filipinas já

faziam — ao depois descrevendo as condutas que caracterizariam cada uma das

situações.

A falência casual seria a decorrente de caso fortuito ou força maior

(artigo 799). A falência com culpa (artigos 800 e 801) importava em condutas

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semelhantes àquelas que caracterizavam a falência simples no texto da Lei n.°

7.661/45, como, verbi gratia, o excesso de gastos pessoais, as perdas avultadas

em especulação ou em jogos etc.. Por derradeiro, a falência fraudulenta (artigo

802) vinculava-se a condutas até hoje reconhecidas como manobras dolosas em

prejuízo do patrimônio dos credores, como a ocultação de bens, a simulação de

despesas e a falsificação ou omissão de livros.

Interessa notar que o Código Comercial, além complementar o

conteúdo em branco do artigo 263 do Código Criminal do Império, acabou por ir

muito além, adentrando em temas de ordem estritamente criminal e que, por

conseguinte, deveriam ter sido colocados no corpo do Código Criminal. É o que

se percebe em relação às disposições referentes à cumplicidade (artigo 803) e

suas formas de exteriorização.

No que se refere às penas, como seria de se esperar, foram

expressivamente diminuídas em relação àquelas impostas nas Ordenações

Filipinas, tendo sido previstas exclusivamente na modalidade de prisão com

trabalhos e variando seus limites mínimo e máximo entre um e oito anos.

Por fim, releva notar que já no direito imperial o decreto falimentar

era reconhecido como condição para o exercício da ação penal. Filgueiras Júnior

cita acórdão do Supremo Tribunal, declarando nulo processo criminal em que tal

condição foi ignorada, in verbis:O Supr. Trib., no Acc. De 3 de setembro de 1859, recorrente ManoelPinto de Carvalho, recorridos José Pedro dos Santos e outros, declaroumanifesta nullidade o ter-se começado a acção criminal sem queprimeiro tivesse qualificado a bancarrota, como é expresso nesteartigo; pois faltava, por conseguinte a base e corpo de delicto para oprocedimento em juízo criminal, tornando-se por isso tumultuário,nullo e insubsistente todo o processo.27

27 FILGUEIRAS JR., Araújo. Código Criminal do Império do Brazil, p. 278.

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Observadas as principais características dos crimes falimentares no

Período Imperial, conclui-se que as primeiras linhas da noção de fraude na

dinâmica das quebras, semeadas ainda nas Ordenações Filipinas, foram

efetivamente preservadas, muito embora tendo sido sensivelmente buriladas.

4.4 O Código Penal Republicano de 1890

De par com as intempéries de natureza política, a nova ordem

surgida a partir do advento da República, proclamada em 15 de novembro de

1889, com o golpe do Marechal Deodoro da Fonseca, reclamou a substituição da

codificação penal, tarefa que foi atribuída ao Conselheiro Batista Pereira, cujo

projeto, por força do Decreto n.° 847, de 11 de outubro de 1890, foi convolado

no Código Penal dos Estados Unidos do Brasil.

O código republicano, a despeito das merecidas críticas que sofreu

por conta de graves omissões e imprecisões técnicas, procurou atualizar os

aspectos em que seu antecessor havia caducado, notadamente em função das

substanciais alterações que a Lei Áurea havia trazido ao sistema jurídico.

No que tange aos delitos falimentares verifica-se que embora

tenham sido poucas as modificações trazidas em relação ao diploma imperial,

foram de nítida propriedade.

De fato, situados entre os “Crimes contra a propriedade pública e

particular” (Título XII), o legislador fixou nos artigos 336 e 337, no capítulo

intitulado “Da Fallencia”, as infrações penais de natureza falimentar. Bem de se

ver, no entanto, que apenas o artigo 336 tratou efetivamente da matéria relativa

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ao tema, visto que o conteúdo do artigo 337 dizia respeito à fraude a credores

praticada por quem não fosse comerciante.28

O conteúdo do artigo 336 não se distanciou expressivamente do

quanto rezava o artigo 263 do Código Criminal do Império, tratando-se,

igualmente, de norma penal em branco, cujo complemento era expressamente

remetido à legislação comercial em vigor.

Entretanto, o legislador republicano imprimiu algumas

modificações em relação à legislação pretérita, verdadeiramente merecedoras de

louvor.

Por primeiro, tratou de distinguir a falência fraudulenta da culposa,

estabelecendo patamares diferenciados de apenação num e noutro caso,

consoante exige o princípio da culpabilidade. Tal inovação foi de fundamental

relevo, visto que o Código Criminal do Império elevara apenas a falência

fraudulenta à condição de ilícito penal, muito embora o Código Comercial

distinguisse nítida e expressamente as condutas relacionadas à quebra culposa e

à quebra fraudulenta, o que chegou a importar no absurdo entendimento de que a

primeira deveria ser apenada na mesma conformidade da segunda, até que fosse

estabelecida a distinção em lei29, em notória desconsideração ao princípio da

excepcionalidade do crime culposo.

Assim, para a falência fraudulenta fixaram-se os limites da pena de

prisão entre dois e seis anos e para a culposa entre um e quatro anos.

28 A mesma crítica foi feita por Siqueira: “A rubrica do capitulo não condiz com a extensão de sua matéria, poisalém da fallencia (art. 336), comprehende tambem a insolvencia, nos termos do art. 337.” (Galdino Siqueira,Direito Penal Brazileiro, v. II, p. 741.29 Era o que determinava o Código Comercial então vigente em seu artigo 891, in verbis: “Emquanto no Cód.Crim. Outra pena se não determinar para a fallencia com culpa, será esta punida com prisão de um a oitoannos.”.

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Ademais, foi trazida para o corpo do Código Penal (artigo 336, §

3.°), a mesma disposição já contida no Código Comercial que presumia, em

qualquer caso, como fraudulenta a falência dos corretores e agentes de leilão,

prescrição merecedora de indiscutíveis críticas já que reverencia abertamente a

malsinada responsabilidade penal objetiva.

Por fim o caput do artigo 336 coloca, de forma expressa, a

necessidade da declaração de falência para que possa ser iniciada a

correspondente ação penal falimentar, in verbis: “Art. 336. Todo commerciante,

matriculado ou não, que fôr declarado em estado de fallencia, fica sujeito à

acção criminal, se aquella fôr qualificada fraudulenta ou culposa, na

conformidade das leis do commercio.”

Vê-se que o legislador republicano vinculou o decreto falimentar ao

exercício da ação penal, o que leva concluir que o entendimento vigente na

oportunidade, dava à dita declaração natureza processual penal, já que

condicionava o início do processo criminal e não a punibilidade do falido.

Nesse aspecto, torna-se razoável, portanto, concluir que o Código

Penal republicano seguiu os passos do quanto já havia decidido a jurisprudência

do império (subitem 4.3 retro), apenas consignando esse entendimento no texto

legal, a fim de se evitar ações penais antes do decreto de quebra.

No mais, importa observar que o complemento do artigo, já que o

mesmo tratava-se de norma penal em branco, deveria ser buscado na legislação

comercial, consoante expressamente consignado na parcela final do artigo, que

definia os conceitos de falência culposa e fraudulenta.

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Por ocasião da publicação do Código Penal Republicano, a

disciplina geral relativa às quebras, e, portanto, o complemento que os tipos

penais exigiam, encontrava-se, inicialmente, contida na parte terceira do Código

Comercial (Lei n.° 556 de 25 de junho de 1850). No entanto, o Decreto n.° 917,

de 24 de outubro de 1890, de autoria de Carlos de Carvalho e publicado, note-se,

menos de duas semanas após o Código Penal, derrogou a referida parte da lei

comum, passando, então, a vigorar na questão falimentar e, via de efeito, a

fornecer o complemento às figuras delituosas.30

Ao que parece, o mencionado Decreto n.° 917 não atendeu

satisfatoriamente as necessidades atinentes à matéria falimentar, de sorte que já

no início do século foi substituído pela Lei n.º 859, de 16 de agosto de 190231

(regulamentada pelo Dec. 4.855, de 2 de junho de 1903), que também não

logrou vida longa, sendo revogada por conta da publicação da Lei n.º 2.024, de

17 de dezembro de 1908, que, ao depois, também veio a ser substituída com a

entrada em vigor do Decreto n.° 5.746, de 9 de dezembro de 1929.32

Toda essa sucessão de diplomas abordando a questão falimentar, é

bem de se ver, mantiveram a distinção entre a falência culposa e a fraudulenta.

30 Este decreto também vinculava o início da ação penal ao decreto de quebra, consoante se depreende de seuartigo 77, in verbis: Art. 77. O processo criminal contra o fallido correrá em auto apartado, distincto eindependente do commercial; não poderá, porém, ser iniciado antes de declarada a fallencia.31 Este decreto repetiu, ipsis literis, as mesmas disposições do artigo 77, do Decreto n.° 917, de 24 de outubro de1890 (nota 130).32 Sobre a sucessão de normas falimentares destaca Ferreira: “Marcou o Decreto n.° 917, notável avanço eaprimoramento científico sobre a legislação anterior; mas inaplicado satisfatoriamente, em sua vigência severificaram fraudes que ensejaram sua reforma pela Lei n.° 859, de 16 de agosto de 1902, que não teve melhorsorte, mantendo todavia a mesma disciplina quanto aos crimes falimentares A sobrevida do Decreto n.° 2.024,de 17 de dezembro de 1908, na matéria, manteve a classificação dos crimes falimentares em culposos e

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4.5 A Consolidação das Leis Penais

Como conseqüência das deficiências apresentadas pelo código

republicano — que nem foram tantas no que tange aos crimes falimentares —

paralelamente a sucessivas e frustradas tentativas de reforma absoluta, findaram

por colocar em vigor uma vastíssima gama de leis penais especiais, todas

pretendendo sanar as impropriedades havidas no dito código.

Em vista disto, o Desembargador Vicente Piragibe houve por bem

condensar toda aquela farta e extensa legislação em uma consolidação daquelas

que efetivamente se encontravam em vigor, dando origem à Consolidação das

Leis Penais, que se tornou, por força do Decreto n.° 22.213, de 14 de dezembro

de 1932, o estatuto criminal em vigor no Brasil.

No que tange aos crimes falimentares, a Consolidação das Leis

Penais conservou, in totum, os termos empregados no Código Penal de 1890,

não havendo qualquer modificação nem mesmo nas penas cominadas às figuras

típicas que, ademais disso, permaneceram concentradas nos artigos 336 e 337.

Assim, tudo quanto analisado sobre o tema na vigência do Código

Penal de 1890, deve ser igualmente considerado na dinâmica da Consolidação

das Leis Penais, inclusive a necessidade de complemento a ser buscado na

legislação comercial.

fraudulentos, que sua reforma pelo Decreto n.° 5.746, de 9 de dezembro de 1929, conservou coma a ampliaçãode uma ou outra figura delitual.” (Waldemar Ferreira, Tratado de Direito Comercial, v. 15, p. 407).

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4.6 O Decreto-Lei n.° 3.914, de 9 de dezembro de 1941 — A Lei de

Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais

A Consolidação das Leis Penais, que cumpriu a função de cerzir a

“colcha de retalhos” que se tornara a legislação penal brasileira, representou, em

verdade, uma solução transitória para um problema que teria como única

solução a publicação de um novo Código Penal.

Atento a isso, o então Ministro da Justiça, Francisco Campos,

incumbiu ao professor Alcântara Machado, titular da cadeira de medicina legal

da Universidade de São Paulo, a elaboração de um anteprojeto, que foi

publicado em 15 de maio de 1938, posteriormente submetido a uma comissão

revisora presidida pelo próprio Ministro Francisco Campos, e da qual eram

integrantes os pranteados Nelson Hungria, Antonio José da Costa e Silva,

Narcélio de Queiroz, Roberto Lira e Vieira Braga.

Findos os trabalhos, foi publicado o novo Código Penal (Decreto-

Lei n.° 2.848, de 7 de dezembro de 1940), entrando em vigor a partir de 1.° de

janeiro de 1942.

Um ano após, foi também publicada a “Lei de Introdução ao

Código Penal e à Lei de Contravenções Penais” (Decreto-Lei n.° 3.914, de 9 de

dezembro de 1941), com entrada em vigor fixada para a mesma data que fora

estabelecida para a lei comum, e que conforme Dotti “[...] não é parte integrante

de nenhum destes diplomas. Trata-se de uma lei anexa, que se publica

juntamente com o Código para facilitar a sua aplicação.” 33

33 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal — Parte Gera,. p. 250.

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Como o Código Penal banira de seu corpo qualquer previsão sobre

os crimes falimentares, coube à Lei de Introdução fazê-lo, a fim de que a matéria

não ficasse descoberta, assim dispondo em seu artigo 2.°, in verbis: “Art. 2.°

Quem incorrer em falência será punido: I – se fraudulenta a falência, com pena

de reclusão, por 2 (dois) a 6 (seis) anos; II – se culposa, com pena de detenção,

por 6 (seis) meses a 3 (três) anos.”

Tal previsão se deu, certamente, porque com a revogação da

Consolidação das Leis Penais que, conforme exposto, tipificava os crimes

falimentares (subitem 4.4. retro) e, por outro lado, com a retirada dessa

categoria de infrações do corpo do Código Penal que se publicava, a matéria

ficaria efetivamente sem previsão legal, até que se publicasse uma nova

legislação falimentar que tipificasse os ilícitos penais dessa natureza, o que, de

fato, só veio a ocorrer em 1945 com o advento da Lei de Falências (Decreto-Lei

n.° 7.661, de 21 de junho de 1945).

Assim, no período compreendido entre a revogação da

Consolidação das Leis Penais e a publicação da Lei de Falências (Decreto-Lei

n.° 7.661, de 21 de junho de 1945), a disciplina legal dos crimes falimentares

permaneceu regida pela Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de

Contravenções Penais.

4.7 O Decreto-Lei n.° 7.661, de 21 de junho de 1945 — A Lei de

Falências

A legislação falimentar, que permanecia regida pelo Decreto n.°

5.746, de 9 de dezembro de 1929 (que, em verdade, apenas alterou a parte

processual da Lei n.º 2.024, de 17 de dezembro de 1908), foi, na década de

quarenta, objeto de nova modificação.

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50

Com efeito, o anteprojeto da nova Lei de Falências — elaborado

pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Filadelfo Azevedo, pelo Consultor

Geral da República, Hahnemann Guimarães, pelo Professores, Noé Azevedo,

Joaquim Canuto Mendes de Almeida e Sílvio Marcondes, além do advogado

Luís Lopes Coelho — deu origem à Lei n.° 7.661, de 21 de junho de 1945,

ocasião em que se rompeu com a tradição de concentrar os tipos penais relativos

às falências no corpo da lei penal comum, migrando-os de vez para a legislação

extravagante.

A matéria penal e processual penal foi, na referida lei, disciplinada

nos artigos 186 a 199, que ampliou consideravelmente o rol de figuras

delituosas, tratando-se certamente do primeiro diploma legal a emprestar

contornos bem definidos aos tipos penais, deixando, como quase sempre se vira,

de fazer a previsão genérica da fraude ao crédito, ou de adotar uma fórmula em

branco que praticamente esvaziava da norma penal, transferindo a caracterização

da fraude para normas extra-penais, como ocorrera no Código Criminal do

Império (1830), no Código Penal Republicano (1890) e na Consolidação das

Leis Penais (1932).

Assim, a Lei n.° 7.661, de 21 de junho de 1945, fixou nos artigos

186 a 190 as figuras delituosas propriamente ditas, descrevendo, em detalhes, as

diversas condutas passíveis de apenação, cujas penas privativas de liberdade

atribuídas variavam entre seis meses e quatro anos.

No plano dos tipos penais abandonou-se a dicotomia tradicional que

dividia a falência em culposa ou fraudulenta, passando o legislador a entender,

conforme consignou na Exposição de Motivos, que a “concepção de que

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tradicionais figuras, sobretudo da pretensa ‘falência culposa’, exprimem crimes

de dolo, de perigo.” 34

Com efeito, abraçou-se o entendimento de que certas condutas,

manifesta e potencialmente perigosas à empresa e aos credores, distanciam-se da

noção de culpa, visto que o risco consciente da produção de um evento é, de

fato, subjetivamente congruente com a noção de dolo, ainda que eventual.

Assim, a única distinção que realmente foi fixada na lei, separou os crimes

falimentares entre os de perigo e os de dano.

É certo, todavia, que a exclusão da modalidade culposa implicou

praticamente apenas na modificação da interpretação do elemento subjetivo de

determinados tipos, que na sua parte objetiva continuaram tendo previsão a

título de ilícitos penais, porém não mais na forma culposa35, consoante salienta

Ferreira:Em verdade, a lei de falências não alude a crime culposo, como ofizeram as leis anteriores; mas não deixou de punir atos e fatos queelas como daquela natureza conceituaram e assim na legislaçãofalimentar universal têm sido admitidos. 36

Nos demais artigos, tratou-se de temas gerais como, v.g., a

responsabilidade dos diretores, administradores, gerentes e liquidantes (artigo

191), o concurso de crimes (artigo 192), a prisão processual (artigo 193), o

34 Essa posição foi duramente criticada por Hungria: “Em matéria de culpabilidade, a contra-marcha foi mesmoexcessiva. A nova lei vai ao extremo de só punir o crime falimentar a título de dolo.” (Nelson Hungria, Novasquestões jurídico-penais, p. 232.35 Destaque-se, no entanto, a posição de Führer, para quem os delitos falimentares previstos na Lei n.° 7.661/45seriam todos dolosos apenas em princípio, sustentando que, a despeito da excepcionalidade do delito culposo,haveria incriminação na forma da culpa stricto sensu nos casos de identidade material entre duas figurasdelituosas, cuja distinção teria de dar-se obrigatoriamente no plano psicológico, mencionando a título deexemplificativo os artigos 186, inciso VI (escrituração irregular) e 188, inciso VII (escrituração omissa ou falsa),concluindo tratarem-se de “figuras substancialmente idênticas, que só podem ser distinguidas no terrenosubjetivo, embora sem expressa ressalva legal.” Ademais disso, o mesmo autor ressalvou a hipótese do artigo186, inciso II (despesas gerais injustificáveis), afirmando sua incompatibilidade com o dolo, tratando-se, porisso, de delito essencialmente culposo. (Maximilianus Cláudio Américo Führer, Crimes Falimentares, p.31-32).36 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, v. 15, p. 411.

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início da ação penal (artigo 194), os efeitos da condenação (artigos 195 e 196), a

reabilitação criminal (artigos 197 e 198) e, finalmente, a prescrição (artigo 199).

No que toca à sentença declaratória de falência em relação às

figuras penais, o legislador não declinou no corpo da lei a sua natureza37. No

entanto, a questão encontrou no Código de Processo Penal (Decreto-lei n.°

3.689, de 3 de outubro de 1941) disposição que lhe conferiu, in lege, certa

identidade.

Isso porque, na vigência do Decreto-lei n.° 7.661/45 cabia ao

referido Código disciplinar o procedimento penal a ser adotado nos crimes

falimentares (Livro II, Título II, Capítulo I), sendo certo que o artigo 507, ao

determinar que a ação penal não poderia iniciar-se antes do decreto falimentar,

conferiu inegável natureza processual à dita decisão.

4.8 A Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005

Decorridos cinqüenta anos, o Decreto-lei n.° 7.661/45, embora fruto

dos estudos de brilhantes comercialistas e, também, penalistas, encontrava-se

evidentemente defasado, em virtude das transformações havidas na estrutura

econômica do país ao longo de seis décadas38, razão por que a reestruturação da

legislação falimentar reclamava modificações, iniciando-se, ainda na década de

noventa, o processo legislativo que visava a esse intento.

37 A única referência neste sentido encontra-se na Exposição de Motivos da mesma lei, in verbis: “a punibilidadedesses crimes é subordinada à condição objetiva da falência.”.38 Nesse sentido merece destaque a consideração de Penteado: “De longa data a sociedade brasileira reclamavaa atualização ou reforma do Dec.-lei 7.661/1945, de ótima qualidade técnica, mas editado para um paíspreponderantemente agrícola e ainda pouco urbanizado, que sequer dispunha de indústria de base (a primeirasiderúrgica só veio a produzir no final dessa década).” (Mauro Rodrigues Penteado, Disposições Preliminares.In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (Coords.).Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 57).

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Assim, após alguns anos de debate legislativo em torno das

propostas que se apresentaram, sobreveio a edição da Lei n.° 11.101, de 9 de

fevereiro de 2005, que substituiu in totum o já vetusto Decreto-lei n.° 7.661/45.

A nova lei, cuja relatoria coube ao Deputado Federal Osvaldo

Aniceto Biolchi, veio sedimentada nas evidentes necessidades de reestruturação

do processo falimentar, privilegiando-se a possibilidade de reerguimento das

empresas que apresentassem dificuldades na realização de seus passivos,

objetivo que não era satisfatoriamente alcançado pela lei 7.661/45.39

Em função dessa perspectiva, deixada clara pelos próprios institutos

que ingressaram na nova dinâmica, é que o próprio Biolchi consignou:A Lei muda tanto no próprio conceito e no tema, como nadenominação que não se chama mais falência. É a nova Lei derecuperação judicial e extrajudicial e a falência do empresário e dasociedade empresária. 40

De fato, no que tange à parcela exclusivamente de direito

comercial, a novel legislação notabiliza-se pela introdução dos institutos da

recuperação judicial41 (artigos 47-74) e da recuperação extrajudicial (artigos

161-167), como mecanismos para a realização do passivo da empresa, a fim de

evitar-se a quebra.

39 É, da mesma forma, a observação de Coelho: “O direito falimentar brasileiro passa a incorporar regrasespecificamente destinadas à preservação da unidade produtiva diante da crise do empresário que a organizou.Sintoniza-se, dessa maneira, com a ordem jurídica dos países centrais do capitalismo, superando o lamentávelatraso de nossa legislação.” (Fábio Ulhoa Coelho, Falências: principais alterações, In: Revista do advogado, n.°83, p. 51-55.40 BIOLCHI, Osvaldo Anicetto. A nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências, In: Revista do advogado,n.° 83, p. 7-29.41 Conforme observa Coelho, a antiga concordata cede lugar à recuperação:“A medida judicial de preservaçãodo devedor relativamente à falência deixa de ser a concordata (preventiva ou suspensiva) e passa a ser arecuperação judicial.” (Fábio Ulhoa Coelho, Comentários à nova lei de falências e de recuperação deempresas, XXXIX).

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O processo de modernização legal ficou evidenciado também na

parte penal da nova lei, que imprimiu contornos evidentemente diferenciados

aos tipos penais e ao procedimento em relação à revogada lei falimentar.

De início, percebe-se que a redação dada aos tipos passou a seguir o

modelo praticado no Código Penal e, também, na maioria das leis penais

especiais, descrevendo-se, por primeiro, a conduta delituosa (comando primário)

para, ao depois, atribuir-se os parâmetros da sanção correspondentes ao delito

(comando secundário), adaptação que se fazia necessária, visto que o Decreto-lei

7.661/45 invertera esse sistema.

Os tipos penais foram modificados, tanto em relação às figuras

delituosas já consagradas em sede de criminalidade falimentar, como a fraude a

credores, o desvio de bens, a habilitação ilegal de crédito etc., quanto pela

introdução de figuras absolutamente inéditas, como, verbi gratia, a violação de

sigilo empresarial e a divulgação de informações falsas. A introdução de novos

delitos evidencia que o legislador manteve-se atento ao surgimento de condutas

lesivas aos interesses juridicamente protegidos, e que no passado não tinham o

mesmo relevo.42

A perfunctória observação dessas figuras, cujo conteúdo será

observado adiante (capítulo 8 supra), deixa evidente um significativo

endurecimento no que tange às penas e a sua aplicação, de sorte que além do

aumento expressivo dos limites das penas privativas de liberdade, consignou-se,

ainda, a possibilidade de serem praticadas infrações penais no curso da

42 Sobre a necessidade da atualização constante da parcela referente às infrações penais, já advertia Valverdeainda em relação à revogada Lei de Falências: “Uma lei de falências gasta-se depressa no atrito com a fraude.Os princípios jurídicos podem ficar, resistir, porque a sua aplicação não os esgota nunca. As regras práticas,que procuram impedir o nascimento e o desenvolvimento da fraude, é que devem com esta evoluir. Contra afraude à lei é preciso opor a lei contra a fraude. As brechas, que os ardilosos artifícios conseguem com o tempoabrir na lei, por mais fechada que seja, necessitam de reparos.” (Trajano de Miranda Valverde, Comentários àLei de Falências, v. 1, p. 17).

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recuperação judicial ou extrajudicial, já que o Decreto-lei n.° 7.661/45 não

previa essa hipótese em relação à empresa concordatária.43

No que tange à parcela subjetiva, todos os delitos continuaram

punidos apenas a título de dolo, não havendo qualquer exceção culposa, à guisa

do que já se assistia na legislação anterior.

Em boa hora, modificaram-se os dispositivos relativos ao instituto

da prescrição, cuja dinâmica especial prevista na revogada Lei de Falências

(artigo 199), era responsável por expressiva dose do descrédito a que se assistiu

em relação à parte penal daquele diploma44, dada a quantidade significativa de

feitos que findavam prescritos.

Assim, a Lei n.° 11.101/2005 passou a adotar os mesmos prazos

prescricionais estabelecidos no Código Penal, harmonizando-se, também nisso,

com a lei comum.

Afora os aspectos de direto material, foram introduzidas sensíveis

inovações no processo penal (artigos 183-188), tratando desde a questão da

competência até o procedimento a ser adotado.

43 Nesse sentido observa Machado: “Um dos princípios da nova Lei é o rigor na punição de crimes relacionadosà falência e à recuperação. Na Lei anterior (Decreto-Lei n.° 7.661/45) só havia tipificação penal emdecorrência da falência. As penas eram brandas, especialmente em razão de serem aplicadas pela prática ouomissão de atos formais. A lei, de outro lado, não continha definição de crimes decorrentes de atos praticadossob o regime da concordata.” (Rubens Approbato Machado, Alterações da nova Lei de Falências e deRecuperação das Empresas, In: Revista do advogado, n.° 83, p. 121-126.44 Pitombo, com propriedade, registra o estado de coisas que a exígua prescrição produziu na condução dosprocessos para apuração de crimes falimentares: “Em realidade, promotores de justiça e juízes de direitoqueriam conferir à lei eficácia que o próprio sistema não lhes permitia. Assim, ao invés de se dedicarem à buscada verdade real, por meio da perquirição de materialidade e autoria delitivas, ambos levavam a persecuçãopenal a um teatro do absurdo, no qual acusador e magistrado agiam com o único propósito de escapar daprescrição especial do art. 199, do Dec.-lei 7.661/1945.” (Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo, Doscrimes em espécie, In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes(Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 535).

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No que tange à natureza jurídica da sentença falimentar em relação

às infrações penais, consignou expressamente o legislador que esta, bem como a

que concede a recuperação judicial ou extrajudicial, são condições objetivas de

punibilidade dos delitos que previu (artigo 180).

O dispositivo em questão é, certamente, um dos pontos que se

apresenta, ao menos do ângulo da dogmática penal, como dos mais polêmicos,

porquanto introduziu na legislação brasileira a categoria das condições objetivas

de punibilidade — sem, contudo, caracterizá-la — até então debatida

enormemente apenas na doutrina, na qual, diga-se, jamais encontrou

reconhecimento ou identidade unânime.

Uma vez que o legislador falimentar limitou-se a consignar à

sentença de quebra ou concessiva de alguma das formas de recuperação o status

de eventos condicionantes, caberá à doutrina a incumbência de definir os

contornos dessa categoria, bem como considerar a adequação da previsão legal,

tanto do ângulo dogmático quanto pragmático, em relação aos delitos da nova

lei.

Nessa exata direção volta-se o presente trabalho que, antes de

considerar a polêmica questão na dinâmica específica das infrações penais

falimentares (capítulo 8 supra), tomará em consideração as condições objetivas

de punibilidade de forma genérica, a fim de tentar delimitar-lhes o conteúdo

(capítulo 7 supra).

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5 CONDIÇÕES OBJETIVAS DE PUNIBILIDADE — COLOCAÇÃO DO

TEMA

A ciência penal, a despeito de seu dinamismo e do empenho das inúmeras

mentes que iluminaram o caminho de sua dogmática ao longo dos séculos,

permanece, ainda, extremamente controvertida em diversos pontos de seu

conteúdo, notadamente quando se tem em vista de consideração certos conceitos

que historicamente assumiram contornos de verdadeiros pomos de discórdia nos

estudos acadêmicos.

Tais pontos, cuja polêmica obviamente contribuiu para o próprio

desenvolvimento do direito penal, enquanto ciência, ainda se verificam de forma

recorrente em temas de capital importância, começando pela própria estrutura do

conceito formal-analítico de crime e desbordando para uma série de outros

tópicos de relevo.

Essa mesma sorte assiste ao tema relativo às chamadas condições

objetivas de punibilidade, assunto inevitavelmente capitulado nos índices dos

tratados de direito penal, mesmo dos autores que lhes negam existência ou

conveniência diante dos princípios que regem a ciência penal.

De forma bastante ampla a noção de condição objetiva de punibilidade ou

de crime condicionado, pode ser colocada, segundo Massari, como “[...] um tipo

especial de crime, cuja existência ou punibilidade dependa da ocorrência de um

evento, ao qual a lei atribui uma função.” 45

45 MASSARI, Edoardo. Le condizioni di punibilità nel momento processuale. In: Rivista Italiana di DirittoPenale, v. 1, parte II, p. 478-496, “tradução livre do autor”.

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Sem abrir mão de nossas ulteriores considerações acerca da conveniência

de categoria dessa ordem dentro da teoria geral do delito (subitem 7.6. supra),

por agora importa registrar que a noção de condição objetiva de punibilidade

tem tido, inegavelmente, vida reconhecida por expressiva parcela de autores

dentro da ciência penal46, o que, no entanto, nem de longe tem-lhe garantido

identidade pacífica.47

De fato, doutrina e jurisprudência, ao abordarem o tema, deixam nítidas e

até bastante acentuadas as discordâncias de pontos de vista na tarefa de

conceituarem as condições objetivas de punibilidade, o que não tem permitido

chegar-se a um consenso minimamente pacífico acerca do conceito e da

natureza jurídica do instituto, do qual se possa lançar mão. Como observa

Fragoso, trata-se de “[...] matéria extremamente complexa e difícil, em relação à

qual os autores estão longe de ter chegado a qualquer conclusão definitiva.”48

Em meio a essas advertências preliminares há que se enfatizar, desde

logo, que não se tem por objetivo, nem de longe, tornar o tema estreme de

dúvidas, mas identificar a conveniência e adequação de a sentença declaratória

de falência haver expressamente ganhado a natureza jurídica de condição

objetiva de punibilidade no texto do artigo 180 da Lei n.° 11.101 de 9 de

fevereiro de 2005.

46 É o que expõe Buompadre: “En la dogmática contemporânea se discute sobre la existencia de estascondiciones. Un sector mayoritario de opinión, aunque con diversos matices, las admite [...]”(Jorge EduardoBuompadre, Insolvencia fraudulenta y condiciones objetivas de punibilidad en el derecho penal argentino, In:Política Criminal, Derechos Humanos y Sistemas Jurídicos en el siglo XXI, p. 165-178).47 Como adverte Prado,”Embora majoritariamente aceita a existência de tais condições, sua natureza jurídica épolêmica ainda não solucionada pelos cientistas do Direito Penal.” (Luiz Régis Prado, Curso de Direito Penal,v. 1, p.547).48 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade (1.ª parte), In:Revista dos Tribunais, v. 738, p. 741-750.. Ainda mais incisiva é a advertência de Fontán Balestra: “Lo real esque existe anarquia sobre la naturaleza y especie de las circunstancias que pueden ser agrupadas bajo el rótulocomún condiciones objetivas de punibilidad’, al extremo de que podría decirse que cada autor hace suclasificación.” (Carlos Fontán Balestra, Tratado de Dedrecho Penal, v. 1, p. 348).

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A polêmica se apresenta por diversos motivos. De fato, a tentativa de

conceituar as condições objetivas de punibilidade inevitavelmente acaba por

esbarrar em diversos senões — notadamente de ordem estrutural e

principiológica — que sistematicamente impedem a doutrina de chegar a uma

estrutura no menor limite provável de aceitação e, principalmente, que ampare

toda a casuística que se coloque na prática49, razão precípua porque a

existência/conveniência do instituto foi historicamente questionada. Kaufmann

foi ao extremo consignando que “[...] resulta totalmente reparable la

circunstancia de que no hay un solo ‘elemento objetivo de la punibilidad’ cuya

clasificación dentro de este grupo no resulte discutible.”50

De início, percebe-se que as discórdias que imperam em termos

conceituais, é bem de se ver, quase sempre se instalam em razão de uns, ao

conceituarem o instituto, emprestarem-lhe contornos muito amplos, enquanto

que outros adicionam mais elementos às suas definições, impondo-lhes, via de

efeito, contornos mais restritivos, como adverte Antolisei:As disparidades de pontos de vista referem-se não somente àindividuação das ditas condições, que alguns escritores ampliammuito, enquanto outros as reduzem a poucos casos, não faltando nemmesmo quem lhe negue a existência, mas também a essência destaconfiguração jurídica. 51

49 Neste sentido denuncia Soler: “La sistemática de estas circunstancias es una de las más discutidas ycomplejas del Derecho penal, precisamente por su especialidad, que las hace difícilmente organizables.”(Sebastian Soler, Derecho Penal Argentino, v. II, p. 206). Também Buompadre: “En verdad, la preocupacióndoctrinaria por esclarecer todo lo atinente a la naturaleza y fundamentos de estas condiciones ha conformadouno de los temas que más discusión ha generado en la dogmática jurídioc penal contemporánea.” (JorgeEduardo Buompadre, Op. Cit., idem).50 KAUFMANN, Armin. Teoría de la normas – Fundamentos de la dogmática penal moderna, p. 286.51 ANTOLISEI, Francesco. Manuale di Diritto Penale – Parte Generale, p. 751, “tradução livre do autor”. Nomesmo sentido Delitala: “L’esistenza delle condizioni estrinseche di punibilità è oggi generalmente ammeessa.Ma la loro nozione viene intesa, ora in un senso troppo ampio, ora in un senso troppo ristretto.” (GiacomoDelitala, Diritto Penale — Raccolta degli scritti, p. 56). E, ainda, Mantovani pontualmente quando fala doCódigo Penal Italiano: “Per la mancanza di una chiara definizione legislativa e di valide indicazioni nei lavoripreparatori, l’argomento ha formato oggetto di lunghe ed intricate dispute per quanto riguarda sia la essenzastessa dell’istituto, sia l’individuazione delle singole condizioni obiettive di punibilità, che certi autori tendonoad estendere e altre a ridurre.” (Ferrando Mantovani, Diritto Penale – parte generale. p. 782).

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De fato, a extensão, mais ou menos ampla, dada às ditas condições

mostra-se absolutamente conflitante entre os doutrinadores. Indagações de

absoluta pertinência como a vinculação ou a autonomia das ditas condições com

a estrutura causal do delito, sua independência subjetiva em relação aos

elementos típicos, a localização dentro ou fora dos tipos penais, a relação

temporal entre a ocorrência da condição e a execução do delito etc., apresentam

posições muito dessemelhantes.

Com efeito, o alcance que se dê às características das condições objetivas

de punibilidade acaba, muitas vezes, por importar no ingresso além das

fronteiras de outros elementos da estrutura formal analítica do delito, tornando a

questão ainda mais confusa já que se passa a não se ter a noção precisa de quais

são os limites que efetivamente separam, verbi gratia, as condições objetivas de

punibilidade e os elementos do tipo penal.

Notadamente a dificuldade, senão a impossibilidade de se distinguir

claramente as condições objetivas de punibilidade dos demais elementos dos

delitos conduziu, e ainda conduz, a uma série de questionamentos sobre a

própria existência das ditas condições, que, à evidência, não pode confundir-se

com outros componentes da estrutura analítica dos delitos, como obtempera

Bemmann:“¿Hay precisamente , en el concepto del delito, un espacio parafenômenos de esa clase? Este espacio debe existir fuera del domíniode la acción típica, antijurídica y culpable y tampoco ha depertenecer a la esfera del Derecho Procesal. Resulta claro, pues, quesolo pueden existir las condiciones objetivas de punibilidad cuandoentre esos dos territórios hay um hueco.” 52

52 BEMMANN, Günter. Zur Frage der objektiven Bedingungen der Strafbarkeit, apud Luis Jiménez de Asúa,Tratado de Derecho Penal, v. VII, p. 37. Por outras palavras a mesma advertência é, ainda, feita por Kaufmann:“En efecto; ¿dónde podría encontrarse el criterio que distinguiera cada ‘condición objetiva de punibilidad’ deun elemento de la acción o de la autoría, o que permitiera diferenciar una (auténtica) condición de la norma deun presupuesto de perseguibilidad; y cómo podría fundamentarse, por ejemplo, con validez general que el dolo

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É óbvio que a falta de consenso sobre o ângulo conceitual,

inevitavelmente acaba por refletir-se na prática53, de sorte que as hipóteses

concretas que alguns apontam como exemplos de condições objetivas de

punibilidade, são, muitas vezes, entendidas, por outros, como condições de

procedibilidade da ação penal54, havendo, ainda, aqueles que rejeitem as duas

possibilidades e limitem a questão dentro do próprio tipo penal55. É a

advertência de Maurach:“Todo este tema es objeto de fuerte controversia. No existe unaclaridad total acerca de la esencia de las condiciones de punibilidad,ni tampoco acerca de su delimitación frente a los presupuestosprocesales.” 56

Diante de tantas incertezas e a fim de chegar-se às considerações

pretendidas no que toca à previsão feita pela Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de

2005, que consignou pela primeira vez na legislação brasileira a existência das

condições objetivas de punibilidade, fazendo-o na dinâmica dos delitos

falimentares, torna-se imprescindível que o grupo de características que, de

forma genérica, deve envolver o instituto seja previamente destacado,

no deba referirse a las ‘condiciones objetivas de punibilidad’?” (Armin Kaufmann, Teoría de la normas –Fundamentos de la dogmática penal moderna, p. 285.)53 Nesse sentido é, também, a advertência de Fragoso: “Vê-se, pois, que as divergências existentes no planoconceitual, a respeito das condições objetivas de punibilidade, são grandes e sérias. Todavia, as discrepânciasque surgem na identificação de tais condições, em face das diversas figuras de delito, são incomparavelmentemaiores. Mesmo os partidários da mesma conceituação divergem, alguns vendo condições de punibilidade ondeoutros reconhecem elementos do tipo ou pressupostos processuais.” [Heleno Cláudio Fragoso, Pressupostos docrime e condições objetivas de punibilidade (2.ª parte), In: Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761].54 Carnelutti adota nomenclatura própria para as condições objetivas de punibilidade e para as condições deprocedibilidade, preferindo denominar estas de condições constitutivas extrínsecas e aquelas de condiçõesconstitutivas intrínsecas. Destaca o autor: “Probablemente en la fórmula que distingue las condiciones depunibilidad de las condiciones de procedibilidad, se oculta la intuición de la diferencia entre condicionesconstitutivas intrínsecas y condiciones constitutivas extrínsecas, donde me parece está la verdadera diferencia.”(Francesco Carnelutti, Lecciones de derecho penal – El delito, p. 205).55 Conforme salienta Noronha, “Quanto às condições objetivas de punibilidade, não se trata também de matériapacífica: uns negam a utilidade da distinção, outros confundem-nas com as condições de procedibilidade eterceiros ainda as consideram diversamente.” (Edgard Magalhães Noronha, Direito Penal, v. 1, p. 106).56 MAURACH, Reinhart. Derecho Penal – parte general, v.1, p.371. A mesma consideração é feita por Cabana:“[...] cabe destacar que las condiciones objetivas de punibilidad presentan problemas de diferenciación tantorespecto a los elementos pertenecientes al injusto culpable cuanto frente a las condiciones de perseguibilidad oprocedibilidad, esto es, frente a los requisitos procesales.” (Patricia Faraldo Cabana, Falsas condicionesobjetivas de punibilidad en los delitos contra la Administración de Justicia, In: El nuevo derecho penal español.Estudios Penales en Memoria del Preofesor José Manuel Valle Muñiz, p. 1303-1316.).

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pavimentado-se a questão a fim de que não remanesçam pontos controvertidos

cuja raiz devesse ser sanada um passo atrás.

Importa ainda salientar que, a despeito das conclusões adiante expostas,

relativas à conveniência do reconhecimento da categoria das condições objetivas

de punibilidade dentro da teoria geral do crime (subitem 7.6. supra), o fato de

esta haver sido reconhecida pela novel legislação falimentar, torna, mais do que

nunca, inafastável a necessidade de tentar desenhar-se o conjunto de suas

características — tarefa que demanda, inclusive, a consideração do

desenvolvimento histórico do instituto, — de modo a garantir que, a um só

tempo, não se violem os princípios fundamentais que informam a moderna

dogmática do direito penal e que as referidas condições fiquem evidentemente

destacadas dos demais elementos do delito.

Superada essa abordagem prévia e genérica das condições objetivas de

punibilidade, torna-se, então, possível alcançar o cerne deste trabalho e discutir a

sentença de quebra ou a que concede alguma das formas de recuperação a

empresas, diante da estrutura que foi de antemão delineada para as ditas

condições.

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6 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA NOÇÃO DE CONDIÇÃO OBJETIVA

DE PUNIBILIDADE

De maneira genérica a categoria das condições objetivas de punibilidade

— e essa referência parece ser dos poucos pontos pacíficos que se encontra

nesse tema — deita raízes no direito penal alemão, mais precisamente na

conhecida “teoria das normas” elaborada por Karl Binding entre o final do

século XIX e o começo do século XX.

Para o penalista alemão, existiriam hipóteses em que o delito não ficaria

apenas na pendência da realização do conteúdo da figura típica, mas também de

requisitos externos que condicionariam o aperfeiçoamento do mesmo pela

aplicação da pena57 ou, conforme noticia Zaffaroni:“[...] Binding explicó que la legislación contiene otros presupuestosde la conminación penal, que estarían fuera del delito, pero quetambién se distinguen de los presupuestos procesales de lapunibilidad. A partir de entonces, las llamadas condiciones objetivasde punibilidad se han aceptado axiomáticamente.” 58

Essa observação em particular representaria, segundo a crítica de

Kaufmann, um dos poucos tópicos dentro da referida teoria que acabou

acolhido, de forma genérica, pela doutrina posterior:“Los ‘elementos objetivos de la punibilidad’ son unas de las pocascreaciones de la teoría de Binding que han encontrado unreconocimiento generalizado. Como ‘condiciones objetivas depunibilidad han sido aceptadas en casi todos los sistemas del derechopenal.” 59

57 Cf. Alimena: “Nella dottrina germanica i primi accenni si trovano nel BINDING (Grundriss des DeutschenStrafrechts, § 36, Leipzig, 1913), allorchè questo accennò che il fatto delittuoso non è la sola condizione deldiritto penale. Accanto al fatto delittuoso, ve ne sono altri che, al par di questo ed insieme a questo,condizionano ora il diritto penale (die Bedingungen des Strafrechts), ora il diritto di persecuzione penale (dieBedingungen des Strafverfolgungsrechts).” (Francesco Alimena, Le condizioni di punibilità, p. 36)58 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal, v. 5, p. 52.59 KAUFMANN, Armin. Teoría de la normas – Fundamentos de la dogmática penal moderna, p. 285.

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Realmente, após as considerações iniciais de Binding, o tema parece

haver se tornado recorrente entre os penalistas germânicos. Assim, pouco tempo

depois, Beling já fazia expressa referência às condições objetivas de

punibilidade, considerando-as como “elementos adicionais do tipo”, assim

proclamando-as:“Hay figuras que, aparte de la ejecución culpable del tipo, requierenaún ciertas circunstancias objetivas, que no es necesario seanabarcadas por la culpabilidad, y por eso no son características deldelito-tipo, sino elementos puramente objetivos de la figura.” 60

De modo muito semelhante, considerou-as também Von Liszt,

pronunciando conceito que, aliás, tornou-se referência no tema. Para este, “en

una serie de casos el legislador ha hecho depender la efectividad de la sanción

penal de la existencia de circunstancias externas, independientes del acto

punible mismo, y que se añaden a él.”61

Nesse contexto, ao que parece, a categoria das condições objetivas de

punibilidade foi paulatinamente robustecendo-se dentro da dogmática penal,

iniciando-se no direito germânico — no qual contou com a aceitação de outros

notáveis penalistas como, verbi gratia, Edmundo Mezger, Adolph Merkel,

Reinhart Maurach, Heinz Zipf, Hans-Heinrich Jescheck, entre outros — além de

influenciar a doutrina de outros países.

Alimena62 destaca que na Itália — país onde o tema ganhou notável

relevo, em função da expressa previsão legal da categoria das condições

objetivas de punibilidade, como adiante se verá — o primeiro autor a fazer,

ainda que timidamente, referência aos delitos condicionados foi Arturo Rocco,

que sustentando a natureza substantiva da querela concluiu que a falta desta

60 BELING, Ernst Von. Esquema de Derecho Penal, p.130.61 LISZT, Franz Von. Tratado de Derecho Penal, t. 2, p. 456.62 ALIMENA,Francesco. Op. Cit., p. 40.

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importaria na inexistência do crime, o mesmo ocorrendo em relação às demais

hipóteses em que elementos externos ao fato delituoso influenciassem a

imposição da pena.

A exemplo do que ocorrera na Alemanha a noção de condição objetiva de

punibilidade foi ganhando corpo na doutrina italiana, sendo também abordada e

reconhecida por insignes penalistas entre os quais destacam-se Edoardo Massari,

Vincenzo Manzini, Francesco Carnelutti, Giacomo Delitala, Francesco Alimena,

Giuseppe Maggiore, Francesco Antolisei, Biaggio Petrocelli, Alfredo de

Marsico, Remo Pannain, Giulio Battaglini etc..

O acolhimento do instituto na Itália foi tão expressivo, porém não menos

controvertido, que as condições objetivas de punibilidade acabaram por adquirir

vida legal, de forma inédita, com a edição do Código Penal de 1930 (Código

Rocco), que contemplou essa categoria em sua Parte Geral, obrigando mesmo

aqueles que rejeitavam a existência deste instituto, como Eugenio Florian, a

terem de considerá-lo diante da referida previsão.

Muito embora os estudos mais consistentes em torno do tema ainda se

encontrem na doutrina germânica e italiana, a verdade é que nesse contexto

histórico, a categoria das condições objetivas de punibilidade acabou por

ingressar de forma expressiva na doutrina penal estrangeira, sendo tratada com

especial constância nos países de língua hispânica.

No Brasil, o tema não foi descuidado, e antes mesmo do advento da lei

11.101, de 9 de fevereiro de 2005, as condições objetivas de punibilidade já

eram consignadas, também com evidentes contradições, nos trabalhos da

maioria dos autores pátrios, entre os quais Nélson Hungria, Galdino Siqueira,

Edgard Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Heleno Cláudio Fragoso,

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Francisco de Assis Toledo, Guilherme de Souza Nucci, Luiz Régis Prado,

Miguel Reale Júnior.

Assim, embora um intervalo de tempo não tão expressivo permeie as

primeiras considerações feitas na Alemanha de Binding, se fizeram a respeito da

categoria dos delitos condicionados e a previsão legal do instituto na legislação

pátria em 2005, a verdade é que nesse ínterim o tema foi abordado por uma

expressiva gama de autores, nacionais e estrangeiros, e muito embora grande

parte deles tenha tratado a questão de maneira perfunctória, nota-se claramente

que o assunto voltou a ganhar corpo na dogmática moderna que, como se verá,

assume uma perspectiva garantista evidentemente reelaborada, o que, por via de

conseqüência, produz reflexos na interpretação do instituto.

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7 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS CONDIÇÕES OBJETIVAS

DE PUNIBILIDADE.

Inicialmente, importa registrar que, independente das considerações deste

trabalho acerca da conveniência do reconhecimento da suposta categoria das

condições objetivas de punibilidade — que, como adiante será pormenorizado

(subitem 7.7. supra), nunca nos pareceu importar em relevantes benefícios aos

princípios que orientam a ciência penal, nem ao conteúdo programático do delito

— mas, por outro lado, cedendo à vontade do legislador que, com o advento da

Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, reconheceu na norma o polêmico

instituto, sem contudo defini-lo, passa-se à tarefa de tentar delimitar o espectro

das referidas condições, no interesse de reduzir-se ao mínimo os pontos

controvertidos que historicamente gravitam em torno do assunto.

Via de regra, percebe-se que condição objetiva de punibilidade não é um

conceito encontradiço no corpo das legislações penais que, na maioria das vezes,

nem se referem a essa categoria, de sorte que praticamente restou à doutrina a

tarefa de caracterizá-la, identificá-la e conceituá-la.

Não obstante o silêncio das legislações, é certo que, conforme já exposto

(capítulo 6 retro), o Código Penal Italiano, de maneira insólita, efetivamente

estruturou na legislação européia63, um sistema relativo às condições objetivas

de punibilidade, caracterizando o instituto e fazendo previsões inclusive no que

toca aos seus desdobramentos, como, verbi gratia, no que se refere à questão da

prescrição (artigo 158 do CP Italiano).

63 Observa Asúa ser o Código Penal Italiano “[...] el único que legisla, en la Parte general, sobre lascondiciones de punibilidad, muy ampliamente entendidas, lo que ha dado margen a variadas interpretaciones[…]” (Luis Jiménez de Asúa, Tratado de Derecho Penal, v. VII, p. 20)

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Assim, no desenvolvimento do tema não há como deixar de lado as

disposições do referido Código Penal, visto que sua previsão legal é importante

referência, podendo, inclusive, funcionar como ponto de partida na medida em

que já delimita, embora com superficialidade ímpar, alguma característica do

instituto.

Após tumultuado processo de discussão64, o legislador italiano acabou por

definir as condições objetivas de punibilidade, já na Parte Geral do Código

Penal, dispondo seu artigo 44, in verbis: “Quando, para a punibilidade do delito,

a lei requer que se verifique uma condição, o réu responde pelo delito, ainda que

o evento, do qual depende a ocorrência da condição, não seja por ele querido.”

Embora o dispositivo em epígrafe tenha deixado a questão menos obscura,

uma vez que reconheceu no corpo do código as ditas condições, não aliviou as

críticas dos penalistas, certamente em razão das questões que permaneceram em

aberto, malgrado a expressa previsão legal. É o que observa Bettiol:Este artigo, porém, não esclarece de modo algum a natureza dascondições de punibilidade, pois se limita a apenas a estabelecer apossível independência entre a condição e a voluntariedade do fato enão com atinência à economia estrutural do crime. 65

64 O Progetto Preliminare do Código Penal Italiano de 1930 previa a introdução das condições objetivas depunibilidade, previsão que, no entanto, chegou a ser excluída de sua redação. Mormando expõe a discussão queenvolveu o artigo 47 daquele projeto: “Essa non ebbe vita facile, però, già in seno alla Commissione, poiché ilCavaglià, al suo primo intervento ne propose immediatamente l’abrogazione sostenendo, con il consenso delLonghi, dell’Albertini e del Manzini, che le definizioni legali in quanto teoriche sono inutili all’interno di unacoficazione. Sottolineò, al contrario, l’oportunittà di mantenere la norma di cui all’art. 47 del Progetto ilMassari secondo il quale era necessario distinguere ‘le condizioni che attengono all’esistenza del reato, nelqual caso il reato non si perfeziona se non attraverso il verificarsi di esse, dalle altre per cui si versa incondizioni di punibilità e per cui il reato si perfeziona anche prima del loro verificarsi, per tutti gli effettigiuridici, che attengono alla determinazione del momento consumativo’. L’opinione, tuttavia, non superòl’obiezione di fondo di rendere in concreto impercettibile il confine fra gli elementi essenziali del reato e lecondizioni di punibilità e i compilatori optarono, comunque, per l’abrogazione dell’art. 47 del ProgettoPreliminare.” (Vito Mormando, L’evoluzione storico-dommatica delle condizioni obiettive di punibilità, In:Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p. 610-633).65 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, v.1, p.277. Em sentido semelhante é também a crítica de Antolisei:“Siccome, peraltro, la riportata disposizione non spiega in che cosa consistano le condizioni di punibilità ed ilavori preparatori gettano scarsissima luce per chiarirla, l’argomento ha formato oggeto di lunghe ed intricatedispute, che hanno determinato nella dottrina e nella giurisprudenza una non lieve confuzione.” (Op. Cit.,idem). E, ainda, Asúa: “Como hemos advertido, el Código penal italiano ha legislado concretamente sobre estascondiciones en la Parte general, com una fórmula de excesivo sabor teorético y con una amplitud tal que dalugar a controversias interpretativas.” (Op. Cit., p. 22).

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A despeito da procedência das críticas, conseqüência da verdadeira

superficialidade do dispositivo, que acabou por deixar em aberto diversas

questões, é bem de se ver que a característica que efetivamente sobressai do

texto do Código é a de que as condições objetivas de punibilidade devem ser

subjetivamente independentes — sendo, portanto, objetivas — da ação do

agente, critério que também na doutrina é apontado em condição primaz66,

embora insuficiente.67

De fato, remanescem em aberto dúvidas atrozes como, verbi gratia, se as

condições objetivas de punibilidade podem coexistir com o princípio da

culpabilidade; se podem ou não integrar a figura típica; se a conduta do agente

se coloca numa relação de causalidade material no que tange à condição; em que

o momento tais condições se apresentam em relação à execução do delito, entre

outras.

Todas essas questões importaram, inclusive, em opiniões que não

reconheceram a possibilidade de se estruturar uniformemente as referidas

condições. Como considera Jescheck, as condições objetivas de punibilidade

“[...] presentan relevantes diferencias entre si, puesto que, en parte, forman un

verdadero grupo específico, y en parte se aproximan a los elementos del tipo.”68

Observa-se, no entanto, que não se pode admitir, notadamente na estrutura

cada vez mais garantista do moderno direito penal, que se tenha uma categoria

66 Como aponta Fontán Balestra: “No obstante la apuntada disparidad de opiniones con respecto a las llamadascondiciones de punibilidad, la doctrina generalizada, y a nuestro juicio la correcta, señala como característicaespecifica de esas exigencias que ellas no necesitan ser abarcadas por el dolo del autor.” (Carlos FontánBalestra, Tratado de Derecho Penal, t. 1, p. 348).67 É como, aliás, sintetiza Battaglini: “A lei fala apenas da exclusão da condição do campo do dolo, mas demodo algum estabelece em que há de consistir o seu conteúdo específico. O legislador evitou a solução dosegundo ponto, porque se viu embaraçado diante das controvérsias da doutrina.” (Giulio Battaglini, DireitoPenal, v. 1, p. 356).68 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal – Parte general, p. 504.

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de elementos gravitando na órbita da dogmática, com o condão de condicionar o

aperfeiçoamento da norma, pela aplicação da sanção, e, no entanto, sem possuir

um conteúdo homogêneo de características. Esse estado de incerteza, não

atende, com efeito, às exigências da ciência penal.

Assim, tomando-se a idéia de independência moral como ponto de partida

que é, ao menos, o aspecto que resta mais evidente quando se cogite em

condições objetivas de punibilidade, tanto na inédita previsão do Código Penal

Italiano quanto na doutrina69, parte-se para a análise das prováveis

características essenciais do instituto, bem como de seus desdobramentos e

críticas.

7.1 As Condições objetivas de punibilidade e o elemento subjetivo dos

delitos.

Por primeiro, importa salientar que é justamente o suposto caráter

de independência subjetiva que fez com que a doutrina alcunha-se de objetivas

as ditas condições de punibilidade. Conforme registra Carnelutti, “Por esa

extrañeza del evento respecto del momento psicológico (subjetivo) del delito

habla la ley de condición objetiva de punibilidad.” 70

A autonomia da condição em relação à vontade é, com efeito, o

traço primeiro que a doutrina estampa em relação a essas modalidades de

delitos. De fato, a unanimidade dos autores que admitem a existência das

condições objetivas de punibilidade, reconhecem, como Merkel, que ao menos

69 Neste sentido observa Carvalho: “La diversidad de los elementos condicionantes dificulta, indudablemente, suindividualización. Pero ello no impide identificar un rasgo caraterístico general, que poseen todas lascondiciones objetivas de punibilidad: la ajenidad al dolo.” (Érika Mendes de Carvalho, Las “CondicionesObjetivas de Punibilidad Improprias”: Vestigios de responsabilidad objetiva en el Código Espanhol, In: Revistade Derecho Penal y Criminologia, n.° 16, p. 221-255).70 Op. Cit., p. 206. Cf., ainda, Hungria: “Dizem-se condições objetivas porque são alheias à culpabilidade doagente.” (Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 2. p. 28).

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em princípio “[...] dichas condiciones no tienen nada que ver con la cuestión

relativa a si um hecho pudiera ser imputado como doloso o como culposo.” 71

Embora essa autonomia moral seja a característica preponderante

que a parcela expressiva da doutrina reconhece e da qual, inclusive, deflui o

nome atribuído às ditas condições, mesmo assim não se divorciam dúvidas e

críticas72 — de inegável conteúdo — quanto a esse particular, já que acaba por

criar-se uma situação evidentemente excepcional dentro da teoria geral do

delito.73

A primeira grande crítica decorre justamente da indagação de que

se um dado evento ingressa de forma decisiva na aplicação da pena,

condicionando-a, autônomo, porém, em relação à vontade do agente, essa

característica, pergunta-se, não acaba por chocar-se com o imperativo do

princípio da culpabilidade (nullum crimem sine culpa)?

Culpabilidade, lembre-se a apropriada e sintética definição de

Frank, “[...] consiste íntegramente en una relación psíquica con algo

determinado o en la posibilidad de una relación así.” 74

71 MERKEL, Adolf. Derecho Penal – Parte general, p.246. No mesmo sentido destaque-se Von Liszt: “Laculpabilidad — tanto el dolo como la culpa — no comprende las condiciones de punibilidad que se dan fuera delacto.” (Franz Von Liszt, Tratado de Derecho Penal, t. 2, p. 457); Bustos Ramírez e Malarée: “Estascondiciones, en la medida en que son objetivas y que su concurrencia o ausencia no depende de la voluntad enabstracto, sino voluntad en realización conforme al domínio que el sujeto ejerce sobre la situación.” (Juan J.Bustos Ramírez e Hernán Hormazábal Malarée, Leciones de Derecho Penal – Parte General, p. 361). Ainda,Ernst Von Beling, Esquema de Derecho Penal, p. 130; Heleno Cláudio Fragoso, Pressupostos do crime econdições objetivas de punibilidade (2.ª parte), In: Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761.72 Como salienta Di lorenzo “[...] l’origine donde si svilippò il problema delle condizioni di punibilità èrappresentata dal problema del requisito psicologico del reato.” (Antimo Di Lorenzo, Le condizioni dipunibilità nella sistematica del reato, In: Rivista Italiana di Diritto Penale. p. 414-476.).73 Mormando, ao comentar o advento do art. 44 do CP italiano faz justamente essa consideração: “L’elemento dinovità inserito com l’art. 44 c.p. doveva constituire, allora, um’eccezione alle regole generali in tema di oggetodel dolo ed il reato condizionale doveva essere inteso come uma norma ‘alla cui perfezione giuridicaconcorrono, in uno con gli altri elementi volontari, alcuni altri elementi oggettivi, considerati, cioè,independenti dalla volontà del soggetto attivo.’” (Vito Mormando, L’evoluzione storico-dommatica dellecondizioni obiettive di punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p.610-633).74 FRANK, Reinhard. Sobre la estructura del concepto de culpabilidad, p. 25.

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Notadamente perante a ciência hodierna, em que, obtempera Nucci,

“A importância da culpabilidade se alarga no direito penal moderno, e não

diminui [...]”75, a idéia de que determinados elementos se mantenham alheios à

parcela moral das infrações penais sofre inevitável questionamento76, por mais

que se tente afastá-los dos elementos do delito.

Diversos autores, mesmo aqueles que reconhecem a existência das

condições objetivas de punibilidade, admitem verdadeira ofensa ao princípio da

culpabilidade, notadamente quando se vê que a casuística que frequentemente se

propõe ao instituto, acaba, em muitos casos, por aproximar demasiadamente as

ditas condições da relação de causalidade material, o que importa, por via de

conseqüência, em confundi-las com o resultado decorrente da conduta e que, de

sua vez, deve necessariamente estar alcançado pela intenção do agente. Dentre

os exemplos que a doutrina sói identificar como delitos condicionados, e que de

forma evidente encontram-se nessa situação, destaca-se, verbi gratia, o crime de

induzimento, auxílio ou instigação ao suicídio e os crimes ante-falimentares.

Essas situações acabam por dar relevo ao questionamento que se faz

dos supostos eventos condicionantes diante do imperativo da culpabilidade, o

que reforça a necessidade de clarificar as fronteiras das condições objetivas de

punibilidade, sob pena de relevar-se, em segundo plano, aspectos que — a

exemplo da culpabilidade — deveriam manter-se intangíveis em quaisquer

modalidades de delitos. É justamente o que Antolisei, para quem o espectro de

75 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, p. 160.76 Este é um dos, senão o principal, argumento porque muitos autores rejeitam a idéia das condições objetivas depunibilidade. Como registra Buompadre: “Otros autores, a su turno, niegan la existencia de estas condiciones,por cuanto — se afirma — la aceptación de ellas implicaría una severa restricción al principio de culpabilidad,constituyendo el último reducto dogmático de la responsabilidad objetiva (Zaffaroni, Bemmann, Abraldes,etc.).” (Jorge Eduardo Buompadre, Insolvencia fraudulenta y condiciones objetivas de punibilidad en el derechopenal argentino, In: Política Criminal, Derechos Humanos y Sistemas Jurídicos en el siglo XXI, p. 165-178).

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hipóteses das condições objetivas de punibilidade não pode ser alargado em

demasia, coloca em destaque:Em linhas gerais observamos que a tendência de parte da doutrina emestender o campo das condições objetivas de punibilidade não podeser aprovada, porque leva a multiplicar os casos em que aresponsabilidade penal depende de acontecimentos estranhos àvontade do agente, enquanto a evolução do direito, sem a menordúvida, tende à realização sempre mais completa do princípio do nullapæna sine culpa. 77

Ainda mais incisiva é a crítica de Pierangelli e Zaffaroni que, em

defesa justamente do respeito ao princípio da culpabilidade, rejeitam de plano a

categoria das condições objetivas de punibilidade:Tal como foram concebidas, as chamadas ‘condições objetivas depunibilidade’ dissipam-se numa série de elementos heterogêneos e apretensão de sua existência unitária choca, fortemente, com oprincípio da culpabilidade, porque afeta o princípio de que não hádelito sem que, ao menos, revista-se da forma culposa.78

Em contrapartida, há aqueles que não enxergam qualquer ofensa ao

princípio da culpabilidade, quando se fala nas ditas condições, notadamente

quando se argumenta que estas teriam apenas a função de limitar a incidência da

77 ANTOLISEI, Francesco. Manuale di Diritto Penale – parte generale, p. 754, “tradução livre do autor”. Nomesmo sentido considera Fragoso: “As condições objetivas de punibilidade tendem a desaparecer do DireitoPenal moderno, onde a máxima nulla pœna sine culpa vai adquirindo o sentido de princípio básico efundamental de todo o sistema punitivo. Condicionam elas a punibilidade do fato a circunstâncias alheias àculpabilidade, motivo pelo qual impõe-se uma interpretação restritiva, devendo entender-se, na dúvida, que acondição é integrante do tipo.” [Heleno Cláudio Fragoso, Pressupostos do crime e condições objetivas depunibilidade (2.ª parte), In: Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761].78 ZAFFARONI, Eugenio Raúl Zaffaroni; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro— Parte Geral, v. 1, p. 658. No mesmo diapasão está Buompadre: “En el estado actual de la dogmática penal,nuestra doctrina ha puesto de relieve que no debe admitirse ninguna circunstancia que funde la punibilidad sinque sea abrigada por alguna de las formas del dolo o la culpa, en tanto el principio de que no hay pena sinculpabilidad no consiente excepciones. De manera que estas llamadas condiciones objetivas de punibilidad noson más que auténticos elementos del tipo objetivo.” (Jorge Eduardo Buompadre, Insolvencia fraudulenta ycondiciones objetivas de punibilidad en el derecho penal argentino, In: Política Criminal, Derechos Humanos ySistemas Jurídicos en el siglo XXI, p. 165-178).

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norma penal79, tratando-se, no dizer de Mormando, de “[...] uma norma de

represamento [...].”80

Na doutrina de Welzel, de caráter eminentemente finalista, as

condições objetivas de punibilidade são necessariamente externas ao tipo penal

e, portanto, não alcançadas pelo dolo que é ínsito neste. Se o dolo concentra-se

no tipo e a culpabilidade recai sobre o mesmo, a existência de um elemento

externo não importaria qualquer violação ao princípio da culpabilidade81. É o

que consignou o referido autor:“Como la existencia o no existencia de condiciones de punibilidad noaltera en nada el contenido de injusto del hecho, el reconocimiento demeras condiciones externas, respecto de las cuales no necesitareferirse ni el dolo ni la culpabilidad, es compatible con el principiode la culpabilidad imperante en el Derecho Penal (cnfr. §§ 19 ss.).” 82

Tamanha celeuma envolve a questão que uma terceira corrente de

autores ao mesmo tempo em que reconhece como inevitável o

79 Neste sentido está D’Ascola: “È indubitabile, infatti, che di responsabilità oggettiva potrà parlarsi in quantoall’agente vengano senza colpa riferiti elementi costitutivi del reato, adeguati pertanto a segnare in positivo ilcampo della responsabilità penale. Al contrario risulterà sicuramente irrelevante che un criterio di riferibilitàoggettiva sia adoperato in relazione ad elementi ai quali si riconnetta l’efficacia di ridurre l’ambitodioperatività delle norme penali.” (Vincenzo Nico D’Ascola, Punti fermi i aspetti problematici delle condizioniobiettive di punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, v. 36, p. 652-681).80 MORMANDO, Vito. L’evoluzione storico-dommatica delle condizioni obiettive di punibilità, In: RivistaItaliana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p. 610-633.81 Este, aliás, parece ser o entendimento que predominou entre os “finalistas” alemães, consoante a advertênciafeita por Asúa: “[...] los modernos penalistas alemanes, enrolados en la nueva escuela de la ‘acción finalista’,se resuelvan, aunque reconozcan lo controvertido del problema, por considerar lãs llamadas condicionesobjetivas de punibilidad’en el sentido de ser características del delito ― y no del tipo ―, que el dolo no tienepara qué abarcar.” (Luis Jiménez de Asúa, Tratado de Derecho Penal, v. VII, p. 28).82 WELZEL, Hans. Derecho Penal Alemán – Parte general, p. 70. No mesmo sentido está Carvalho: “Luego,como el dolo es unicamente la voluntad de acción orientada a la realización del tipo objetivo de un delito — delo que se desprende comprende el conocimiento actual de todas las circunstancias objetivas del hecho del tipolegal (elemento intelectual) y la voluntad incondicionada de realización del tipo (elemento volitivo) — és lógicoque en su ámbito no entren los elementos que, como las condiciones de punibilidad proprias, se encuentranfuera de lo injusto. Y ello para nada importaría una incompatibilidad de tales elementos con el principio deculpabilidad.” (Érika Mendes de Carvalho, Las “Condiciones Objetivas de Punibilidad Improprias”: Vestigiosde responsabilidad objetiva en el Código Espanhol, In: Revista de Derecho Penal y Criminologia, n.° 16, p. 221-255). E também Guimerá: “Las condiciones objetivas de punibilidad no son abarcadas por el dolo del sujeto, yaque las mismas están fuera del tipo, son ajenas al mismo.” [Juan-Felipe Higuera Guimerá, Las condicionesobjetivas de punibilidad y las excusas absolutórias, In: El nuevo Código Penal: Presupuestos y Fundamentos(Libro Homenaje al Profesor Doctor Don Ángel Torío López), p. 387-410]. Entre os doutrinadores pátrios, Pradoreferenda a posição de Welzel: “É mister destacar que carece de fundamentação a objeção feita no sentido deque as condições objetivas de punibilidade são incompatíveis com o princípio da culpabilidade.” (Luiz RégisPrado, Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 1, p. 548).

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comprometimento do princípio da culpabilidade, admitem que as condições

objetivas de punibilidade representam uma situação excepcional em relação ao

dito princípio, porém merecem abrigo sob o manto dos interesses de política

criminal.83

A questão é inegavelmente delicada notadamente quando se

obtempera que, em síntese, um dado evento — independente da vontade do

agente — acaba por fazer nascer a relação jurídico-punitiva, nesse ponto

repousando as maiores objeções quanto à categoria das ditas condições. Como

chega a registrar Hassemer,“Algunos sectores del Derecho Penal aún no han

sido afectados por la tendencia subjetivista. Ocurre esto sobre todo en la

atávicas condiciones objetivas de punibilidad.” 84

Na perspectiva deste trabalho, é inviável pretender-se acomodar o

princípio da culpabilidade com a categoria das condições objetivas de

punibilidade, quando se traça sua existência calcada na autonomia volitiva como

sua única característica, à guisa do que singelamente fez o legislador italiano de

1930. Com efeito, essa única consideração além de trazer uma distinção

insuficiente e, portanto, incapaz de determinar uma categoria diferenciada

dentro da teoria geral do delito, não demonstra possibilidade de acomodação

com o imperativo da culpa.

Nesse contexto, parece que a única forma de minimizar-se a

violação da exigência do nullun crimen sine culpa será balizar o espectro da

pretensa categoria das condições objetivas de punibilidade em relação aos

demais componentes do delito, na tentativa de reduzir-se o espectro de

hipóteses.

83 Neste sentido Jescheck: “De hecho, constituyen restricciones del principio de culpabilidad por razonespolíticocriminales.” (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal — Parte General, p. 505).84 HASSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho Penal, p. 236.

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Até porque, do que se percebe mesmo a independência volitiva, que

o legislador italiano consignou expressamente, é questão que não se resolve de

forma tão simples, passando pela necessária consideração de um aspecto

preliminar que diz respeito justamente à extensão da autonomia subjetiva que se

dê às condições objetivas de punibilidade. Com efeito, o tema é tão delicado

que, vê-se, a própria idéia de independência acaba por sofrer considerações em

sua amplitude, divergindo a doutrina inclusive quanto a esse particular.

Assim, reparte-se a doutrina em duas correntes bastante distintas: i)

aqueles que entendem que as condições objetivas de punibilidade devem

colocar-se de forma absolutamente independente em relação ao conteúdo

subjetivo do delito; ii) aqueles que, de forma mais ampla, admitem que as

condições objetivas de punibilidade podem ou não estar alcançadas pela

intenção do agente.85

No primeiro — e mais numeroso — grupo estão, entre outros, Júlio

Fabbrini Mirabete, Galdino Siqueira, Antonio José da Costa e Silva, Damásio de

Jesus, Edgard Magalhães Noronha, Everardo da Cunha Luna, Miguel Reale

Júnior, Guilherme de Souza Nucci, Luiz Régis Prado, Hans Welzel, Franz Von

Liszt, Juan Bustos Ramírez, Juan-Felipe Guimerá, Francesco Alimena, entre

outros.

85 A mesma observação foi feita por Di Lorenzo na avaliação do artigo 44 do Código Penal italiano: “È evidenteche, nell’art.44, il riferimento ad uma realtà puramente psicológica (‘anche se non lo há voluto’) vive insiemecom la configurazione di uma realtà giuridica (responsabilità obiettiva per l’avvenimento concretante lacondizione); ed è egualmente evidente che in quel riferimento è prospettata una duplice ipotesi: a) chel’avvenimento da cui dipende il verificarsi della condizione sia voluto; b) che tale avvenimento non sia voluto.”(Antimo Di Lorenzo, Le condizioni di punibilità nella sistematica del reato, In: Rivista Italiana di Diritto Penale.p. 414-476.)

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No segundo grupo, expressivamente minoritário, destacam-se

Heleno Cláudio Fragoso, Adolph Merkel, Antimo Di Lorenzo e Giulio

Battaglini.

A primeira corrente deixa nítida sua preocupação em distinguir, de

forma evidente, as condições objetivas de punibilidade, dos demais elementos

do delito, de sorte que uma independência psicológica que não se manifeste de

forma absoluta, não serve ao propósito de individuação da pretendida categoria e

torna, ainda, impossível o convívio com o imperativo da culpa.

A segunda corrente — para quem, como Battaglini, a condição

objetiva de punibilidade “[...] pode em muitos casos ser perfeitamente

relacionado com a dita vontade”86 — acaba por admitir, abertamente, a

intromissão de uma forma de responsabilidade objetiva no sistema jurídico-

penal, e talvez por isso tenha representação minoritária, na medida em que não

coloca a discussão no campo do alcance ou não da vontade do agente em relação

aos eventos condicionantes, mas apenas sustenta que o alcance daquela em

relação a estes é absolutamente irrelevante perante o juízo criminal. Nesta

direção sintetiza Di Lorenzo:Deve-se, portanto, concluir que não é a falta de uma relaçãopuramente psicológica entre o agente e o evento-condição queconstitui requisito essencial desta, mas sim a irrelevância jurídica detal situação naturalística, em que a norma a iguala plenamente ao casono qual o evento condicionante não ingresse no foco da vontade doagente. 87

A corrente minoritária apega-se ao argumento de que o próprio

enunciado do artigo 44 do Código Penal Italiano, a despeito de ter colocado a

autonomia subjetiva das condições objetivas de punibilidade como sua primaz

86 BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal, v. 1, p. 361.87 DI LORENZO, Antimo. Op. Cit., idem, “tradução livre do autor”. Conclui, ainda, o mesmo autor sobre o nexopsicológico: “Non importa se questo nesso, in una particolare ipotesi, sia sempre esistente: la norma non lorichiede, non lo considera, opera al fuori di esso.” (op. Cit., idem).

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característica, teria deixado consignada a possibilidade de que se verifique o

vínculo moral, antes dito autônomo.

Isso porque, a expressão ali contida diz que as condições ficariam

caracterizadas “anche se l’evento non è voluto”, criando, ao menos à primeira

vista, um contra-senso, na medida em que a lei italiana, ao mesmo tempo em

que criou e estruturou legalmente as condições objetivas de punibilidade, por

outro lado teria relativizado a principal característica de sua própria criação.

O argumento, no entanto, não sustenta a posição indefinida em

relação à autonomia da vontade, devendo a questão ser enfrentada, justamente

para que não restem dúvidas acerca da necessidade de absoluta independência

subjetiva para que determinado evento possa ser tomado como condição objetiva

de punibilidade, notadamente diante da única legislação que, bem ou mal, às

disciplinou.

Admitindo-se nas condições objetivas de punibilidade um elemento

distinto da figura delituosa, é possível que sua ocorrência dependa da ação do

agente. Ação, todavia, nova e distinta daquela prevista no enunciado típico e já

previamente executada. Ilustra bem tal hipótese o exemplo, repetidamente

apontado na doutrina, da necessidade de ingresso no território nacional para a

punição por delito cometido no exterior (artigo 7.°, § 2.°, alínea a, do Código

Penal).88

Essa seria a hipótese em que indiscutivelmente a realização da

condição (evento) imposta pela lei ficaria a cargo da vontade do agente, já que

ingressar ou não no território nacional será, em princípio, faculdade deste. 88 Assim, também, Mantovani: “Può, quindi, trattarsi di fatti posti in essere dallo stesso soggetto (es.: presenzanel territorio italiano dell’autore del delito di cui agli artt. 9 e 10).” (Ferrando Mantovani, Diritto Penale –Parte generale, p. 783).

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Embora a condição dependa, in casu, da vontade do agente, esta é

absolutamente estranha ao conteúdo do delito que haja praticado, inclusive

materialmente.

Por outras palavras, a realização da condição objetiva de

punibilidade poderia ser fruto da vontade do agente, desde que essa vontade se

manifestasse em relação a um outro fato e que importasse em conduta

absolutamente estranha e independente do delito. De outra sorte não se estará

diante de condição objetiva de punibilidade, mas de outro elemento do delito.

O argumento foi, aliás, bem colocado por Pannain:Definitivamente a locução do artigo 44 ‘mesmo se o evento não édesejado’ não significa que a condição pode ser um evento em relaçãode causalidade moral, além de material, com a conduta criminosa ecom o agente, mas simplesmente que tratando-se sempre de eventoestranho à estrutura do crime, pode, às vezes, depender de umaatividade voluntária, diferente daquela executiva do crime. 89

Nota-se, portanto, que a interpretação mais detida da dicção do

Código Penal Italiano, não empresta o argumento pretendido àqueles que,

minoritariamente, não reconhecem a necessidade da absoluta independência

subjetiva das condições objetivas de punibilidade.

Temos, portanto, que ao admitir-se a classe das condições objetivas

de punibilidade, não se pode transigir quanto à total autonomia subjetiva do

evento condicionante, não se admitindo uma posição indefinida — poder ser e

poder não ser — o que, à evidência, importa em dificultar, senão tornar

verdadeiramente impossível, qualquer pretensão de delinear-se uma estrutura de

características uniformes, ou, pior ainda, acabar por se inserir na teoria geral do

89 PANNAIN, Remo. Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 281, “tradução livre do autor”. Crítico da mesmaexpressão, é o magistério de Maggiore: “[...] ha sido bien censurada la expresión del art. 44 ‘aun si el evento noes querido’, pues habría sido mejor decir, con más propiedad, ‘no obstante que el evento no sea querido porél.’” (Giuseppe Maggiore, Derecho penal, v. 1 , p. 280).

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delito, de forma inevitável, uma modalidade de responsabilidade penal objetiva,

como expressamente a reconhece Di Lorenzo, para quem “[...] representa ‘uma

exceção ao princípio geral que o dolo deve compreender todos os elementos do

crime.’”90

Se na década de trinta, por ocasião da publicação do Código Penal

Italiano, a introdução de fórmulas alheias às exigências do direito penal da culpa

tinha certa aceitação91, é bem de se ver que, com o passar das décadas, essa

posição tem suportado críticas cada vez mais incisivas, tornando-se difícil o

acolhimento de que em determinadas situações a lei possa simplesmente fazer

tábula rasa da necessidade do coeficiente subjetivo em relação a elementos

essenciais de certas figuras delituosas.

Assim, na sistemática hodierna, ao se cogitar a hipótese de inserção

de condições objetivas de punibilidade na teoria geral do delito, não há como

admitir-se a irrelevância jurídica do alcance da vontade em relação ao evento

condicionante, criando-se, nessa conformidade, elementos essenciais à

existência do crime que, por simples força da lei, não se subordinam à

necessidade de constatação de qualquer nexo psicológico. Não haveria, nesse

contexto, sequer a necessidade de tentar distinguir-se uma categoria específica,

já que sua constatação decorreria da mera vontade do legislador de fixá-las nas

hipóteses em que queira se ver livre de toda indagação volitiva.

90 DI LORENZO, Antimo. Le condizioni di punibilità nella sistematica del reato, In: Rivista Italiana di DirittoPenale. p. 414-476, “tradução livre do autor”.91 Mormando vai além da mera aceitação de hipóteses isoladas de condições objetivas de punibilidade,sustentando que, historicamente, parece que o legislador italiano propositalmente pretendeu inserir, com asdisposições do art. 44, uma forma de responsabilidade penal objetiva: “[...] dall’evoluzione storica dell’istituto,da cui si può trarre il convicimento che esso sia stato creato e mantenuto, nonostante la sua indefinitezzaconcettuale, anzi forse proprio per questa, per la sua intrinseca duttilità a ‘fungere da passepartout tutte le voltein cui per motivi di prevenzione generale o di praticabilità si voglia escludere qualche elemento pur partecipedella offensività del reato, dall’ambito della colpevolezza.’” (Vito Mormando, L’evoluzione storico-dommaticadelle condizioni obiettive di punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre1996, p. 610-633).

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Em breve síntese, ou adota-se a irrelevância do evento

condicionante estar ou não alcançado pela vontade do agente, e via de

conseqüência sacramenta-se a responsabilidade penal objetiva na legislação

penal — o que é hodiernamente inaceitável — ou reconhece-se a necessidade de

total independência volitiva em relação ao referido evento, e aí tenta-se

acomodá-lo com o princípio da culpabilidade, opção que, advirta-se, minimiza

porém nem de longe pacifica a questão no que toca à convivência com o dito

princípio, ficando, ainda, esse esforço na dependência da consideração do

evento condicionante em relação a outros elementos da estrutura do delito.

Nesses termos, e ainda assim reservando o direito a futuras

considerações sobre a conveniência do reconhecimento das condições objetivas

de punibilidade, observa-se que a tentativa de fixar-se um grupo de

características capazes de delimitar tal categoria somente pode ser cogitada

quando se admita a necessidade de plena independência volitiva do agente em

relação ao evento condicionante.

Esse deverá ser, por sinal, o primeiro critério a ser observado na

indagação se determinado evento configura-se ou não como condição objetiva

de punibilidade, conforme defende Alimena:O primeiro critério é o do elemento psicológico, em que se umdeterminado evento só adquire relevância jurídica, se estiver emrelação, mesmo que filiforme, com o sobredito elemento, então não sepode falar em condição de punibilidade. Este é um critério que não sedeve colocar em dúvida.92

A consideração de Alimena é de toda procedência e, de fato, em se

admitindo a existência da categoria das condições objetivas de punibilidade,

92 ALIMENA, Francesco, Le condizioni di punibilità, p. 81, “tradução livre do autor”. Na mesma linha estáCosta e Silva, para quem da representação e, portanto, do dolo,: “[...] estão excluidas aquellas circumstanciasdas quaes depende a applicação ou efficacia da lei penal (no ponto de vista do tempo, do espaço e das pessoas),as que , constituindo condições de punibilidade [...]” (Antonio José da Costa e Silva, Código Penal dos EstadosUnidos do Brasil Commentado, v. 1, p. 140).

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como o fez a nova lei falimentar, parece inevitável que a caracterização do

instituto só seja possível sem que a vontade do agente tangencie, ainda que

superficialmente, o evento condicionante.

É bem de se ver, por outro lado, que qualquer tentativa de

caracterização das condições objetivas de punibilidade não pode se limitar a

análise da questão exclusivamente do ângulo subjetivo, visto que este único

aspecto não tem satisfeito minimamente a necessidade de limites claros que

permitam o reconhecimento do instituto.

Isso porque, tomando-se as referidas condições como

acontecimentos que se sucedem à prática do fato delituoso e independentes da

vontade do agente, não se pode perder de vista que existem delitos cujo

resultado (evento) não foi nem previsto nem desejado pelo agente, — como nos

casos de culpa inconsciente —, embora sua ocorrência haja se colocado em

linha direta de causalidade com a conduta típica praticada e decorrendo apenas

da falta de dever de cuidado.

A admitir-se a simples independência da vontade como elemento

suficiente para a caracterização das condições objetivas de punibilidade, correr-

se-ia o risco de que o dano nos delitos culposos pudesse deixar de ser entendido

como elemento do fato típico para ingressar na categoria de condição objetiva de

punibilidade, idéia que já se argumentou no passado93, mas que na sistemática

hodierna já não se reconhece mais. 94

93 Entendendo que o resultado é condição de punibilidade nos crimes culposos está Manzini: “il secondomomento dellímputabilità dei delitti colposi è quello relativo alla condizione obiettiva di punibilità per tal titolo,consistente nella circonstanza che l’evento non voluto sia collegato alla condota volontariamente contraria allapolizia o alla disciplina con un nesso causale (causa unica o serie causale non interrotta) di effetiva produzionemateriale, totale o parziale. (Vincenzo Manzini, Trattato Di Diritto Penale Italiano, v. 1, p. 660). Entre nósNelson Hungria, reverencia a mesma posição (Comentários ao Código Penal, v.1, t.2, p. 201).94 Como adverte Noronha: “Ora, no crime culposo é impossível negar-se a estreita causalidade, que temrelevância normativa, entre a ação e o resultado. Faz ele parte do fato típico [...]” (Edgard Magalhães Noronha,Do crime culposo, p. 70). No mesmo sentido, ainda, Luna: “[...] o resultado é efeito da ação, existindo, entre

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Toledo, que não aceita a existência da categoria das condições

objetivas de punibilidade é pontual quanto a esse particular:Como as denominadas condições de punibilidade não são, em geral,alcançadas pelo dolo ou pela culpabilidade do agente, para os autoresque as fazem abranger o evento danoso — caso de Nélson Hungria,quanto ao crime culposo — fica muito difícil, nessa e em outrashipóteses, evitar a intromissão no sistema penal, que tem por base oprincípio da culpabilidade, de uma responsabilidade objetiva, o que sedá pela transformação de um verdadeiro elemento objetivo do tipo (oresultado) em mera condição de punibilidade. 95

Assim, a tentativa de dar alguma homogeneidade às características

do instituto demanda, necessariamente, a avaliação também a partir de outros

aspectos do delito96, além da autonomia subjetiva, notadamente quanto a

existência ou não de vínculo causal entre as condições objetivas de punibilidade

e a conduta delituosa do agente.

A investigação no plano da imputatio facti, aliás, parece

absolutamente indispensável quando, ao mesmo tempo em que se procura

definir contornos claros às condições objetivas de punibilidade, tenta-se

minimizar os riscos de incidência em responsabilidade penal objetiva.

culpa e resultado, um nexo psicológico, e que a condição de punibilidade não se configura como conseqüênciada ação criminosa, tendo existência independente do crime cometido.” (Everardo da Cunha Luna, O resultadono direito penal, p. 97); na doutrina italiana Alimena pormenoriza os argumentos porque não reconhece nosdelitos culposos, o resultado como condição objetiva de punibilidade: “Anzi tutto è da osservare che gli scrittoriche concepiscono l’evento colposo, come uma condizione di punibilità, tendono, in genere, a partire da duepremesse errate, di cui uma è quella di definirei l fatto, in rapporto all’elemento psicologico (anzi in rapportoallá volontà), l’altra è quella di intravedere il legame psicologico tra l’agente ed il fatto, soltanto, quando talelegame si manifesta, in maniera intensa e di non più intravvederlo, quando si manifesta in maniera poco intensa.Sono queste le due premesse errate da cui in genere si parte.” (Francesco Alimena, Op. Cit., p. 83); Cfr.,também, Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán, Derecho Penal, p. 305; Giacomo Delitala, DirittoPenale — Raccolta degli scritti, p. 55-72.95 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 156.96 Cf. Cabana: “El criterio más relevante a la hora de conferir autonomía dogmática a la categoria de lascondiciones objetivas de punibilidad radica en que no es preciso que sean abarcadas por el dolo ni imputables atítulo de imprudencia. Pero cabría interrogarse si, además de este criterio básico de la innecesariedad de que laimputación subjetiva se proyecte sobre la condición, es preciso acudir a otros criterios individualizadores a lahora de proceder a la delimitación frente a figuras afines, como ha sostenido un destacado sector doctrinal.”(Patricia Faraldo Cabana, Falsas condiciones objetivas de punibilidad en los delitos contra la Administración deJusticia, In: El nuevo derecho penal español. Estudios Penales en Memoria del Preofesor José Manuel ValleMuñiz, p. 1303-1316).

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7.2 A relação de causalidade e as condições objetivas de punibilidade

Conforme observado, a mera afirmação de independência subjetiva

das condições objetivas de punibilidade não se mostra, no entender deste

trabalho, como variável suficiente na tentativa de traçarem-se, de forma

definitiva, suas características, de sorte que um critério mais preciso reclama, in

casu, a consideração das referidas condições agora diante de outros aspectos do

delito, sempre tendo como cautela prioritária chegar-se a um conjunto de traços

que possam garantir minimamente a autonomia destas ou, por outras palavras,

que importem em afastar quaisquer confusões com os demais elementos que

integram a estrutura analítica do delito.

Com efeito, pondera-se aqui que, a despeito da necessária e

absoluta autonomia moral das condições objetivas de punibilidade (subitem 7.1.

retro), esse aspecto, por si só, não impediria que ditas condições se

confundissem com outros elementos do delito, de sorte que o “divisor de águas”

deve ser estabelecido sob outros ângulos.

Obviamente se a parcela moral é excluída das ditas condições, os

demais elementos passíveis de caracterizá-las devem ser buscados na porção

objetiva do delito, necessidade percebida também por Mormando: “Excluído, de

fato, que a pesquisa deva ser desenvolvida no terreno dos requisitos da

imputação subjetiva, deve-se necessariamente fazer referência aos critérios que

regem a imputação objetiva.” 97

97 MORMANDO, Vito. L’evoluzione storico-dommatica delle condizioni obiettive di punibilità, In: RivistaItaliana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p. 610-633, “tradução livre do autor”.

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Sem abrir mão de posteriores esclarecimentos acerca do momento

da ocorrência das condições objetivas de punibilidade (subitem 7.3. supra) e

admitindo-as, a priori, como um evento posterior à atividade delituosa do agente

e da qual depende a aplicação da sanção imposta na norma penal violada, a

indagação que necessariamente decorre desse contexto é se tais condições

encontram-se ou não em relação de causalidade com a conduta delituosa do

agente.

Novamente a doutrina não encontra consenso mínimo.98

Inicialmente destaca-se o magistério de Carnelutti que, ao

interpretar as disposições do artigo 44 do Código Penal Italiano, afirma que as

condições objetivas de punibilidade devem, efetivamente, encontrar-se

vinculadas causalmente com a conduta do agente, havendo independência

unicamente no plano moral:“Pero, más exactamente, la condición objetiva de punibilidad sedenomina condición intrínseca, en cuanto, como dijimos, el eventocondicionante está causalmente relacionado con el eventocondicionado; pero la separación de un evento respecto del otroadquiere importancia precisamente porque sólo al primero, y no alsegundo, se refiere la intención.El legislador ha querido decir asi que el evento deducido encondición sólo entra en el momento físico, pero no en el momentoeconómico y en el momento psíquico del delito.”99

Em que pese o entendimento esposado, há que se discordar da

vinculação causal entre a conduta e as condições objetivas de punibilidade por

mais de um argumento.

98 Sobre a relação de causalidade na dinâmica das condições objetivas de punibilidade, sintetiza Di Lorenzo aacentuada divergência doutrinária: “Questo requisito delle condizioni di puibilità viene indicato variamente indottrina, e cioè ora come estraneità al fatto e più specificamente come esclusione di ogni nesso causale con ilcomportamento, ora come estrinsecità e cioè come indipendenza normativa dal fatto e, specialmente dal nessocausale, ora, infine, come estrinsecità al processo esecutivo del reato non estensibile al nesso causale.” (AntimoDi Lorenzo, Le condizioni di punibilità nella sistematica del reato, In: Rivista Italiana di Diritto Penale. p. 414-476.)99 CARNELUTTI, Francesco. Lecciones de derecho penal – El delito, p. 206.

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Por primeiro, observa-se que Carnelutti formou suas convicções a

partir da análise do artigo 44 do Código Penal Italiano que, conforme antes

observado (capítulo 7 retro) tratou de disciplinar as condições objetivas de

punibilidade.

Ocorre que, também em consonância com o já exposto, referido

dispositivo estampou unicamente como característica dessas condições sua

autonomia em relação à vontade do agente, prescindindo, portanto, de outros

aspectos que as identificassem com maior clareza, o que importou em maciças

críticas justamente por conta de sua superficialidade.

Ora, o fato de haver unicamente consignado a autonomia moral das

condições em questão, não retira destas as demais características que possam ter

e que, ao silêncio da lei, venham a ser complementadas pela doutrina.100

Nesse particular, importa recordar que, antes mesmo do advento do

Código Rocco (1930), já se considerava na doutrina a existência da categoria

das condições objetivas de punibilidade e, inclusive, já se traçavam seus

contornos.101

Assim, o fato de o Código Penal Italiano haver feito referência

apenas à característica essencial das condições objetivas de punibilidade ― que

é obviamente sua exclusão do coeficiente volitivo ― não vale dizer que essa é

100 Conforme critica Florian: “Però il códice non definisce le condizioni obbietive di punibilità onde il compitodi identificarle è riservato all’interprete;” (Eugenio Florian, Trattato di Diritto Penale, p. 409).101 Como, verbi gratia, Edoardo Massari, Le condizioni di punibilità nel momento processuale, In: RivistaItaliana di Diritto Penale, v. 1, parte II, p. 478-496. Nesse sentido também Saltelli e Romano-Di Falco: “Lecondizioni obiettive di punibilitá esistevano anche nel codice abrogato, ma in questo no si diceva che cosafossero e non si determinava se e quale rapporto di correlazione deve intercedere tra tali condizioni e l’elementosubiettivo del reato.” (Carlo Saltelli e Enrico Romano-Di Falco, Commento teorico-praticodel nuovo codicepenale, v.1, p. 273).

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sua única faceta, até porque se mostra insuficiente para que se pretenda

caracterizar instituto dessa ordem.

De fato, conforme observado, o esvaziamento do conteúdo

subjetivo do delito em relação às condições objetivas de punibilidade não se

mostrou suficiente para garantir a elas a autonomia necessária dentro da

dogmática penal, visto que não fechou as fronteiras com outros elementos do

delito, perto dos quais permanecem visivelmente passíveis de serem

confundidas.

Assim, não podemos comungar com a idéia de impor-se às

condições objetivas de punibilidade uma necessária relação de causalidade com

a conduta do agente, justamente porque entendimento nessa direção importará

em manter bem abertas as históricas dúvidas que imperam na análise do

instituto, no que tange à ausência de clara delimitação de suas fronteiras.

Com efeito, considerando-se que a doutrina, ao tratar do tema,

freqüentemente lançou mão de processo indutivo de interpretação, partindo de

algumas hipóteses em concreto para, então, tentar construir uma categoria

genérica das condições objetivas de punibilidade, tem-se que o objetivo de

acomodar todas as ditas hipóteses já se encontraria comprometido ao exigir-se a

vinculação causal com a conduta executiva, uma vez que em nem todas as

situações em que, via de regra, se cogita a interferência de um evento

condicionante, haverá o dito vínculo, como, verbi gratia, na necessidade de

ingresso no território nacional para a punição por delito cometido no exterior

(artigo 7.°, § 2.°, alínea a, do Código Penal).

Ora, se a vinculação causal não se encontra de forma constante em

todas as hipóteses concretas em que haja a necessidade da incidência de um

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evento condicionante para a aplicação da pena, sua exigência já não poderia ser

inserida como característica do instituto, uma vez que não é capaz de incidir de

forma genérica.

Por outro lado, ao entender-se pela necessidade de se adicionar

outros aspectos, além da autonomia subjetiva, que possam atribuir vida própria

às referidas condições dentro da dogmática penal ― já que na Itália o Código

Penal, e no Brasil a Lei de Recuperação de Empresas, concederam-lhes

existência legal ― pretende-se evitar que verdadeiros elementos do crime não se

tornem passíveis de serem interpretados como condições objetivas de

punibilidade e, via de efeito, dar chance à fertilização da malsinada

responsabilidade penal objetiva.

A preocupação, ora esposada, decorre do fato de que, ao admitir-se

que a condição objetiva de punibilidade deva encontrar-se na linha de

desdobramento causal, esta poderá acabar por confundir-se com o próprio

resultado do delito, que obviamente encontra-se ligado à conduta pela relação de

causa e efeito.

Ocorre que situação dessa ordem evidentemente não atende às

necessidades do direito penal, que ficaria à mercê de uma estrutura

absolutamente confusa, carecendo de elementos que distinguissem, com clareza,

o resultado do delito do evento condicionante, como bem adverte Pannain: “Se

se admite que a condição possa estar em relação de causalidade com a conduta

criminosa, nunca se terá um critério distintivo entre a condição e o evento.” 102

A acolher-se o ponto de vista de Carnelutti, criar-se-iam, em

síntese, duas categorias de eventos que se encontrariam igualmente conectados 102 PANNAIN, Remo. Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 279, “tradução livre do autor”.

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pela relação de causalidade à conduta desenvolvida pelo agente: uma, porém,

alcançada pela vontade e outra independente desta, a título de condição objetiva

de punibilidade.

Tal estado de coisas seria absolutamente catastrófico, visto que

daria azo a interpretar-se que o resultado do delito, que deve necessariamente

estar alcançado pela vontade do agente, seria mera condição objetiva de

punibilidade que, de outra banda, goza de autonomia moral.

Se de um lado essa situação importaria em celeuma na estrutura do

delito, por outro a conseqüência mais preocupante seria a possibilidade evidente

de favorecer-se o surgimento de uma bem acentuada forma de responsabilidade

penal objetiva, na medida em que um elemento (resultado) que a rigor deveria

estar ligado à vontade do agente, poderia estar sujeito, à falta de outro critério

diferenciador, a não se ver mais preso a esta exigência, sob o simples argumento

de tratar-se de condição objetiva de punibilidade.

Carnelutti parece tentar, de certa forma, contornar essa situação

aduzindo que os crimes condicionados, ou seja, que exigem o advento de uma

condição objetiva para que se opere a punibilidade, serão sempre delitos de

perigo, os quais somente se tornariam puníveis quando a eles se visse agregado

um dano causado pela mesma ação, o qual configuraria as ditas condições.

Tal argumento evidentemente não soluciona o problema e, de certa

forma, consolida os receios aqui expostos.

Com efeito, não se pode pretender construir uma categoria de

delitos de perigo que, no entanto, produzem um dano de que depende a

punibilidade. Colocado dessa forma está-se, à evidência, falando em verdadeiros

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delitos de dano103, porquanto se o resultado, e aqui se fala de resultado

naturalístico, é causado pela conduta do agente e deste depende efetivamente a

imposição da pena, está-se, com efeito, diante de autêntico delito de dano, cujo

resultado, por sua vez, deve estar alcançado pela vontade do agente em respeito

ao princípio da culpabilidade.

A admitir-se o parecer de Carnelutti, a verdade é que estar-se-ia

excluindo o resultado do delito da vontade do agente e, via de efeito, criando-se

uma fórmula que redundaria em evidente responsabilidade penal objetiva, uma

vez que a imposição da sanção viria por conta do advento de um elemento do

delito (resultado), a um só tempo estranho à vontade do agente e, contudo,

causado por este.

Assim, a exigência da relação de causa e efeito entre a conduta

delituosa e as condições objetivas de punibilidade, traria como resultado, em

síntese, a efetiva introdução da responsabilidade objetiva em nosso

ordenamento, hipótese que inegavelmente não se acomoda com o vigente

“direito penal da culpa”.

Uma segunda corrente, à qual pertencem Fragoso104, Battaglini105,

103 Nesse sentido está a crítica de Delitala: “Sostanzialmente si finisce infatti per riconoscere che non si punisceil pericolo, ma il danno, che la offesa dell’interesse protetto dalla norma non consiste nella semplice esposizionea pericolo, ma sibbene nella effetiva lesione dell’interesse medesimo.” (Giacomo Delitala, Diritto Penale —Raccolta degli scritti, t. 1, p. 67).104 “As condições objetivas de punibilidade, sendo objetivas, e, portanto, alheias à culpabilidade, não atingem otipo nem a antijuridicidade da conduta. Tanto faz que se situem na linha desdobramento causal docomportamento, ou não. Por outro lado, nem todos os elementos da conduta punível, mesmo os que integram otipo, são causados pelo agente: assim, por exemplo, a condição de coisa alheia, no furto. O critério decausalidade, portanto, não pode ser aceito. As condições são apenas objetivas e, assim, o único ponto firme deque se deve partir é o da independência em relação ao aspecto subjetivo do crime.” [Heleno Cláudio Fragoso,Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade (2.ª parte), In: Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761]105 “Não é admissível que se possa caracterizar a essência específica da condição de punibilidade, afirmandoque se situa ela fora da relação de causalidade material, já que pode ser tomado como condição de punibilidadetambém o evento que se enquadre na causalidade material.” (Giulio Battaglini, Direito Penal, v. 1, p. 360).

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Antolisei106 e Di Lorenzo107, admite que as condições objetivas de punibilidade

podem ou não se colocar na linha de desdobramento causal da conduta do

agente108.

Essa posição também não atende satisfatoriamente a necessidade de

fixar-se um critério, além da autonomia volitiva, que garanta identidade as

condições objetivas de punibilidade.

Em que pese as respeitáveis opiniões nesse sentido, é bem de se ver

que, em verdade, colocam as condições objetivas de punibilidade numa relação

de absoluta indiferença com a questão da relação de causalidade109, acabando,

em termos práticos, por abrir mão de um critério passível de minimizar as

dúvidas quanto à extensão das referidas condições. Nesse sentido o próprio

Fragoso, a despeito de desconsiderar o aspecto da causalidade na questão,

reconhece que “[...] êste critério pudesse trazer maior segurança na identificação

das condições objetivas de punibilidade [...].”110

Dentro dessa linha de pensamento, argumenta-se a distinção entre

causalidade normativa e naturalística, de sorte que ao evento condicionante

106 “Per l’identificazioene delle condizione di punibilità bisogna tener presente che deve trattarsi di umavvenimento non solo futuro e incerto, ma anche estrinseco al fatto che costituice il reato. Non è necessario chetale avvenimento sia del tutto svincolato, dal punto di vista causale, dal fatto anzidetto; occorre, però, che saicompletamente estraneo al precetto giuridico, e cioè che sia di natura tale da non potersi concepire, rispettoall’agente, um divieto di realizzarlo.” (Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 753).107 “Orbene, quando il legislatore costituisce um particolare evento del mondo esteriore quale condizione per lapunibilità di un fatto, dichiara l’irrilevanza di eventuali derivazioni causali che intercedano naturaliter tra ilprimo e il secondo.” (Antimo Di Lorenzo, Le condizioni di punibilità nella sistematica del reato, In: RivistaItaliana di Diritto Penale. p. 414-476.).108 De forma semelhante, Soler afirma que entre a conduta e as condições objetivas de punibilidade podeentremear uma vinculação sem, no entanto, definir o que a distinguiria da relação causal. (Sebastian Soler,Derecho Penal Argentino, v. 2, p. 207).109 Esse é o pensamento de Mezger: “[...] cuando excepcionalmente la ley no exige tal culpabilidad emreferencia al resultado, ello no implica que en tales casos el resultado no pertenezca al tipo, sino tan sólo queestamos en presencia de una excepció de la regla general [...]” (Edmund Mezger, Tratado de Derecho Penal, t.1, p. 368).110 Op. Cit.

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ficaria exigido apenas o distanciamento causal-normativo, sendo, por via de

conseqüência, indiferente a ligação causal-naturalística.111

Essa posição referenda a concepção, inaceitável na perspectiva

deste trabalho, de que as condições objetivas de punibilidade seguem uma

disciplina diferenciada dos demais elementos do crime, complementando o

entendimento de que o evento condicionante não se encontra — por vontade da

lei, que viria amparada em razões de política criminal — submetido à

necessidade nem do vínculo psicológico, nem do vínculo causal-naturalístico.

Por outras palavras, Alimena assume esse mesmo entendimento,

colocando-se pela total indiferença da questão causal em relação às condições

objetivas de punibilidade, já que a presença ou ausência de vínculo dessa ordem

não influencia os efeitos do evento condicionante, fundamentando seu

entendimento da seguinte forma:E, na verdade, o nexo de causalidade tem somente a função derelacionar um determinado evento com o agente: a primeira condiçãopara que um indivíduo possa ser responsável por um fato é que otenha causado materialmente (imputatio facti). Assim, não é difícilcompreender como é importante o problema da pesquisa se Tício for oautor material de um determinado fato. Porém, no caso do evento quefunciona como condição, não existe um problema de causalidadeporque não existe um problema de responsabilidade: o sujeito ativonão é chamado a responder pelo evento que funciona como condição.Este evento é importante somente em relação ao Estado que manifestainteresse na punição quando o evento ocorre; interesse este que não sefará presente no caso em que tal evento não ocorra, mesmo tendohavido o crime e, portanto, a infração do preceito primário.112

Em que pese fundamentado com maior cautela, do que os demais

autores que se colocaram de forma indiferente à questão o fizeram, é bem de se

ver que o argumento do autor não se acomoda com a noção garantista do

111 Neste sentido Di Lorenzo: “Non si richiede, cioè, che si tratti di avvenimento naturalmente estraneo alrapporto dinamico azione-evento, ma normativamente configurato come tale [...]” (Antimo Di Lorenzo, op. Cit.,idem).112 ALIMENA, Francesco. Le condizioni di punibilità, p. 23-24, “tradução livre do autor”.

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moderno direito penal e, via de efeito, não colabora com a identificação das

possíveis características das condições objetivas de punibilidade.

Isso porque, ainda que se entenda que o agente não é convocado a

responder propriamente pelo evento condicionante, é certo que se este se coloca

na linha de desdobramento causal da conduta, dando lugar, inclusive, a

aplicação da pena, não se verifica, ainda, no que se distinguem referidas

condições do resultado do delito, o que reforça a indagação da própria existência

da categoria das condições objetivas de punibilidade.

Considerem-se duas situações:

Se faltar a um determinado delito a realização do resultado exigido

como conseqüência da conduta, não haverá a possibilidade de aplicação da

sanção penal, nesse caso por uma questão de não preenchimento da totalidade

dos elementos típicos.

Se em outra circunstância, a lei exige a ocorrência de um evento,

agora a título de condição objetiva de punibilidade, que seja conseqüência da

conduta típica do agente e de cujo advento também dependa a aplicação da pena,

continua ausente um elemento capaz de distinguir, com exatidão, o que seja

resultado do crime e o que seja condição objetiva de punibilidade.

Esse estado de confusão/indefinição é, inclusive, um argumento

recorrente porque alguns penalistas, como Florian, não aceitam a existência da

categoria das condições objetivas de punibilidade: “E, então, se na verdade é

exatamente essa circunstância que penetra no fato e o torna delituoso, como é

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possível considerá-la estranha ao mesmo, como se o crime não se consumasse

justamente com a realização de tal circunstância?” 113

Exatamente por conta de indagações dessa ordem, aliás, de total

acerto, não entendemos como seria possível formar-se um conceito

minimamente claro de condição objetiva de punibilidade sem distingui-lo

também dentro do plano da imputatio facti.

Com efeito, no entender deste trabalho, a despeito de todas as

críticas que a idéia da categoria das condições objetivas de punibilidade já

suporta, tornar a questão da causalidade simplesmente indiferente ao processo

de caracterização do instituto torna, de fato, inviável qualquer chance de

delimitação do mesmo.

Assim, se por um lado procura-se, dentro da parcela objetiva da

estrutura dos delitos posicionar as condições objetivas de punibilidade, por

outro, é certo que tal intento não será alcançado mediante uma posição

intermediária — segundo a qual as condições podem estar ou não ligadas

causalmente à conduta delituosa.

De fato, esta posição intermediária e, por isso mesmo, indefinida,

quanto à relação de causalidade, contribui, em verdade, para preservar incertos

os contornos que o instituto possa ter, notadamente porque desconsidera que um

dos pontos mais delicados da questão diz respeito justamente à extrema

proximidade que poderiam guardar com o resultado do delito, especialmente

quando se tem em conta certas hipóteses que a doutrina insiste em fazer

referência como exemplo de condições objetivas de punibilidade, como, verbi

gratia, no delito de induzimento, auxílio ou instigação ao suicídio. 113 FLORIAN, Eugenio. Trattato di Diritto Penale, p. 401, “tradução livre do autor”.

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Realmente, a tentativa de definir os contornos das condições

objetivas de punibilidade tem se mostrado, por outras palavras, na tentativa de

distingui-las dos demais elementos dos delitos.114 Conforme salientado

anteriormente (subitem 7.1. retro) é verdadeiramente impossível aproximar-se

desse objetivo considerando-se apenas a independência da vontade como

característica do instituto.

Por essa razão, a corrente majoritária da qual fazem parte Bettiol,

Régis Prado115, Noronha116, Pannain117, entre outros, entende que as condições

objetivas de punibilidade não podem, em hipótese alguma, colocarem-se na

linha de causalidade física da conduta praticada pelo agente.

Esse nos parece o entendimento que atende com mais eficiência à

tentativa de se definirem as características do instituto, o que, mesmo adicionado

à independência moral, ainda assim, advirta-se, não garante paz à vida dessa

suposta categoria de condições.

Conforme o exposto até aqui, pode-se notar que a razão essencial

que fundamenta a necessidade da característica de independência causal entre a

conduta perpetrada pelo sujeito ativo do delito e o evento condicionante,

114 É justamente por essa relação de proximidade que muitos autores não reconhecem as condições objetivas depunibilidade como uma categoria autônoma dentro da estrutura dos delitos. Nesse sentido estão Pierangelli eZaffaroni, para quem corre-se o risco de “[...]extrair certos elementos dos tipos objetivos e transladá-los paraeste nível, criando, assim, um estratagema capaz de burlar o requisito fundamental de que sejam abarcados peloconhecimento, no dolo, ou pela possibilidade de conhecimento, na culpa.” (José Henrique Pierangelli e EugenioRaúl Zaffaroni, Manual de Direito Penal Brasileiro — Parte Geral, v. 1, p. 658).115 “De fato, as condições objetivas de punibilidade são alheias à noção de delito — ação ou omissão típica,ilícita ou antijurídica e culpável — e, de conseguinte, ao nexo causal.”. (Luiz Régis Prado, Curso de DireitoPenal, v. 1, p.548).116 “A condição objetiva de punibilidade não está relacionada com a conduta humana, permanece fora dequalquer relação causal com esta [...]” (Edgard Magalhães Noronha, Do crime culposo, p. 70).117 “[...] è opportuno precisare che le condizioni di punibilità devono essere fuori sia del rapporto di causalitàmateriale, sia del rapporto di causalità morale rispettivamente con la condotta criminosa e col soggeto attivo”(Remo Pannain, Manuale di diritto penale, v.1, p. 278).

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encontra-se na imperiosa necessidade de distingui-las do resultado que,

consabido, é elemento do delito.

Já observamos que a simples autonomia psíquica, não é suficiente

para garantir que as condições objetivas de punibilidade não se confundam com

outros elementos do delito, de sorte que se a parcela psíquica já se encontra

afastada pelo próprio caráter objetivo das ditas condições, a chance de

encontrar-se o diferencial, por conseguinte, só pode ser buscada na parcela

material da infração penal.

Pois bem, se do ângulo meramente objetivo a infração penal

redunda, em síntese, na conduta humana da qual advém um resultado, estando a

este ligada em relação de causa e efeito, a condição de punibilidade somente

poderá distinguir-se de forma autônoma na medida em que não esteja inserida na

linha de desdobramento fático da conduta desenvolvida pelo agente ou, por

outras palavras, não possa confundir-se com o resultado do delito.118

Nesse particular não há outra forma de estabelecer-se uma linha

divisória senão exigir-se a independência causal entre a conduta do agente e o

evento condicionante, conforme pondera Bettiol:[...] enquanto o fato é o complexo dos elementos materiaisreconduzíveis à ação humana, a condição de punibilidade deveencontrar-se fora de qualquer repercussão que à ação humana possater sob o aspecto da causalidade física ou do da psicológica. Comoafirmou Delitala com exatidão, a condição de punibilidade deveencontrar-se fora de qualquer relação causal com a ação humana. Seela se encontra em relação de dependência causal com a ação, nosentido de que possa ser considerada como efeito embora remoto daação, tal evento não poderá ser considerado condição de punibilidade,mas será elemento constitutivo do fato. 119

118 É justamente esta a advertência de Pannain: “L’elemento costante e imprescindibile per la sussistenza diqualsiasi reato è la causalità materiale, che riconduce l’evento, come a sua causa fisica, all’autore del fatto dacui deriva. Quando, pertanto, ricorre questa peculiare caratteristica dell’evento, si è fuori del concetto dicondizione.” (Remo Pannain, Op. Cit., p. 279).119 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, v.1, p. 280.

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Nessa perspectiva, Vannini, a fim de distinguir o que seja um

evento condicionante dos elementos do delito, propõe que se faça um processo

de eliminação mental da circunstância sobre cuja natureza paire dúvida, e

considerem-se abstratamente os efeitos de sua exclusão:O critério distintivo seria, portanto, este: se a eliminação mental dacircunstância a que está subordinada a existência do crime conservainalterada a harmonia do fato, com a objetividade jurídica que ocaracteriza, essa circunstância se revela mera condição extrínseca depunibilidade, desejada pela lei por simples razões de conveniênciapolítica. No caso inverso deveríamos considerá-la como constitutivodo ‘fato criminoso’.120

A fórmula proposta por Vannini é de importância ímpar quando,

admitido afastamento causal do evento condicionante, tenha-se o propósito de se

distinguir o que pertence ao delito daquilo que é mera condição objetiva de

punibilidade. Dessa forma, considerando-se hipoteticamente a exclusão de

determinado elemento verifica-se o não preenchimento da figura delituosa e, via

de efeito, o comprometimento de sua objetividade jurídica, este não pode ser

tido como condição objetiva de punibilidade, status que só o revestiria se em

nada modificasse a estrutura da infração.

Por outro lado, a necessidade de independência causal entre as

condições objetivas de punibilidade e a conduta do agente, encontra razão de ser

em vista da primeira característica que se tem das ditas condições, qual seja sua

independência moral.

Isso porque, se a autonomia do evento condicionante em relação à

vontade do agente é circunstância que individualmente já levanta, e com bons

argumentos, a violação ao princípio da culpabilidade, por conta do surgimento

120 VANNINI, Ottorino. Manuale di Diritto Penale — parte Generale, p.68, “tradução livre do autor”.

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de uma hipótese de responsabilidade penal objetiva, a prescindir da absoluta

independência causal, as mesmas críticas tornar-se-ão irrefutáveis.

Com efeito, se um determinado evento é fruto da realização da

conduta típica, estando em relação de causa e efeito com esta e, por outro lado,

embora não alcançado pela vontade do agente condiciona-lhe, mesmo assim, a

aplicação da pena, não haverá outra expressão que defina tal estado de coisas

senão responsabilidade penal objetiva. De fato, se o evento encontra-se em linha

de desdobramento fático e, em que pese afastado da vontade por mera afirmação

legal, determina a aplicação da pena, estar-se-á punindo o autor da infração de

forma indubitavelmente objetiva.

Nessa perspectiva é, aliás, imperioso que se tenha atenção a fim de

que verdadeiros elementos do tipo penal, aos quais se dêem o rótulo de condição

objetiva de punibilidade, não venham a se tornar um subterfúgio para a

proliferação de uma forma de responsabilidade penal objetiva por via transversa.

Esta é, aliás, a bem fundamentada crítica de D’Ascola:[...] é necessário observar como, no sulco de uma estranha tradiçãohermenêutica, muito cara na doutrina e na jurisprudência italianas, orecurso ao esquema do crime condicional tenha sido usado com afinalidade de camuflar, com as formas da responsabilidade objetiva,figuras penais nas quais o suposto elemento condicional, era narealidade constitutivo essencial do fato do crime.121

Admitindo-se a existência da categoria das condições objetivas de

punibilidade, não parece possível afirmar sua independência moral sem que se

afirme, igualmente, sua independência causal.

Com efeito, o critério meramente psicológico que, como visto, vem

minoritariamente sustentado na doutrina, acaba por tornar a categoria das

121 D’ASCOLA, Vincenzo Nico. Punti fermi i aspetti problematici delle condizioni obiettive di punibilità, In:Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, v. 36, p. 652-681, “tradução livre do autor”.

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condições objetivas de punibilidade um risco evidente para toda a estrutura

programática do delito.

Primeiramente porque, sustentando-se apenas a autonomia psíquica,

corre-se o risco de ver-se confundido o evento condicionante com o próprio

resultado do delito; e também porque havendo vínculo causal entre a conduta e o

evento que condiciona a punibilidade, a exclusiva independência moral

conduziria a uma inafastável situação de responsabilidade penal objetiva.

Em suma, a independência moral das condições objetivas de

punibilidade deve ser necessariamente completada pela independência causal,

porquanto, ao admitir-se a autonomia subjetiva, sem considerar-se a material,

como único elemento caracterizador das ditas condições, estar-se-á dando azo a

que elementos do tipo penal, que deveriam necessariamente estar alcançados

pela vontade do agente, prescindissem desse conteúdo, o que importaria em

deixar às escâncaras a porta da responsabilidade penal objetiva, situação

verdadeiramente impensável na sistemática hodierna.

Concluindo, nessa ótica, concorda-se com Delitala para quem um

evento para ser admitido como condicionante da punibilidade deve ser material

e psicologicamente independente:As relações que podem interceder entre o agente e o fato são duas:uma objetiva e a outra subjetiva, a culpabilidade e a causalidade.Consequentemente, para que uma determinada circunstância possa serconsiderada como uma condição extrínseca de punibilidade énecessário, ao nosso sentir, que entre ela e a ação delituosa nãosubsista nenhuma dessas duas relações.122

Não obstante isso, tem-se que essas exclusivas características

bastam apenas para reduzirem-se os senões que atingem a possível categoria das

122 DELITALA, Giacomo. Diritto Penale — Raccolta degli scritti, t. 1, p. 73, “tradução livre do autor”.

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condições objetivas de punibilidade, porém, embora espelhando a perspectiva e

o esforço de distanciamento cada vez maior de situações que envidem ou

tangenciem a possibilidade de responsabilidade penal objetiva, é certo que não

se mostram suficientes para tornar a questão estreme de arrazoadas críticas,

razão pela qual, ainda, outros ângulos devem ser considerados.

7.3 A localização temporal das condições objetivas de punibilidade em

relação à realização do tipo penal

Ademais das questões até aqui levantadas, por si sós

suficientemente polêmicas para demonstrarem as insuperáveis dificuldades em

estabelecerem-se denominadores comuns capazes de construírem um conceito

de condição objetiva de punibilidade, percebe-se que freqüentemente a doutrina

esbarra em outro ponto de discórdia que contribui para tornar o assunto ainda

mais delicado.

Trata-se, com efeito, da localização temporal que um determinado

fato deva ter em relação à realização do tipo penal, para que possa ser admitido

como condição objetiva de punibilidade.

Tal aspecto mostra-se tão importante quanto as demais questões já

expostas, visto que a identificação de outras características, além da

independência material e psicológica com o tipo penal, necessariamente

concorrem para delimitar as fronteiras das condições objetivas de punibilidade e,

por via de conseqüência, reduzirem-se as dúvidas que se colocam em torno do

instituto.

Com efeito, à exemplo dos problemas até aqui expostos, diverge a

doutrina de maneira igualmente expressiva, destacando-se, nesse particular, três

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posições distintas: i) as condições objetivas de punibilidade devem ser sempre

eventos posteriores (futuros) ao delito; ii) as condições objetivas de punibilidade

podem ser eventos futuros ou concomitantes ao delito; iii) as condições

objetivas de punibilidade podem verificar-se antes, durante ou após a execução

do delito.

Importante destacar, ainda neste ponto, que, admitindo-se qualquer

das três hipóteses, a imposição da sanção ficaria condicionada à ocorrência do

evento condicionante, tanto no que toca ao delito tentado, quanto ao delito

consumado, ressaltando Manzini quanto a este particular:Sempre quando a lei, para um determinado crime, estabelecer umacondição de punibilidade do fato, esta deve ocorrer não apenas para aconcretização do delito, mas também para a da tentativa.123

Assim, releva ter presente que os atos de tentativa não perdem

importância mesmo diante da necessidade de uma condição objetiva de

punibilidade, mantendo-se, portanto, a mesma dinâmica que impera em relação

aos crimes que não demandam tais condições.

Feita essa a breve advertência acerca da conatus, é de se ver que

dentre as três hipóteses enumeradas, admite parcela predominante da doutrina

que, como Welzel, “(...) la punibilidad depende de condiciones ulteriores.”124

Ou seja, determinado evento só pode ser reconhecido a título de condição

objetiva de punibilidade quando apresentar-se exclusivamente como futuro à

realização — total ou parcial — do tipo penal.

123 MANZINI, Vincenzo. Trattato di Diritto Penale Italiano, v.1, p. 524, “tradução livre do autor”. Na mesmadireção está Régis Prado: “[...] não se verificando a condição objetiva de punibilidade, o delito não serápunível, nem sequer como tentado.” (Luiz Régis Prado, Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 1, p. 549) e, ainda,Von Liszt: “Cuando falta, y en tanto cuanto falta, la condición de punibilidad impuesta por la ley, no hay actopunible, ni siquiera en estado de tentativa.” (Franz Von Liszt, Tratado de Derecho Penal, t. 2, p. 457).124 WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman – parte general, p. 70. No mesmo sentido destaque-se Pagliaro:“D’altra parte, la circonstanza che la condizione sai richiesta ‘per la punibilità del reato’sembra indicare cheil nucleo essenziale del reato, cioè la condotta illecita, debba già essere compiuto al momento del cerificarsidella condizione.” (Antonio Pagliaro, Principi di Diritto Penal – Parte Generale, p. 386).

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O reconhecimento da condição objetiva de punibilidade como

evento sucessivo, é, por alguns autores, fundamentado a partir da analogia com

as chamadas condições do negócio jurídico125, de cunho civilístico, visto que no

direito privado — tal como nos delitos cuja punibilidade se encontra

condicionada a evento posterior — o negócio jurídico acordado entre as partes

teria seu aperfeiçoamento condicionado à ocorrência de um fato futuro.126

Em termos penais vale dizer: o enunciado típico já se encontraria

realizado em todos os elementos de sua descrição, contida no comando primário

da norma penal. No entanto, somente o advento sucessivo de determinado fato

(condição) exigido pela lei é que possibilitaria a aplicação da pena ou, segundo

as palavras de Cuello Calon, “El hecho no es punible mientras no se realice la

condición de punibilidad.”127

Essa mesma posição é, em mais palavras, bem explicada por De

Marsico:Quando a lei exige uma condição objetiva de punibilidade, o crime, jáperfeito abstratamente na coexistência de todos os seus elementossubjetivos e objetivos, torna-se perfeito também concretamente, namedida em que é esta que igualmente determina a punibilidade docrime no caso concreto.128

125 É a posição de Maggiore: “El delito condicional, en analogía con el negocio jurídico condicionado, existeaunque se suspenda, respecto a él, la aplicación de la pena.” (Giuseppe Maggiore, Derecho penal, v. 1, p. 280).Na mesma linha estão Saltelli e Romano- Di Falco: “E, d’altra parte, il problema circa il reato condizionato sipresenta analogo a quello del diritto privato circa l’atto o il negozio giuridico condizionato.” (Carlo Saltelli eEnrico Romano-Di Falco, Commento teorico-pratico del nuovo Codice Penale, v. 1, p. 273).126 Deste ponto de vista diverge expressamente Battaglini: “A condição reveste-se aqui de peculiaridadespróprias distintas das condições do negócio jurídico (arts 153 e segs., do Cód. Civil italiano). (...) Ademais, nãoé necessário tratar-se de evento sucessivo, o que, ao contrário, é próprio da condição em matéria civil.” (GiulioBattaglini, Direito Penal, p. 357).127 CUELLO CALON, Eugenio. Derecho Penal, t. 1, p. 523.128 DE MARSICO, Alfredo. Diritto Penale – Parte generale, p. 300-301, “tradução livre do autor”. Sobre acondição objetiva de punibilidade como evento futuro registre-se, ainda, o magistério de Reale: “Ocorrida aação antecedente é a mesma impunível se não vier a suceder a conseqüência exigida pela lei penal para que amesma seja relevante e punível [...]” (Miguel Reale Júnior, Instituições de Direito Penal, v. 1, p. 229). Namesma linha está Antolisei: “Per le identificazione delle condizioni di punibilità bisogna tener presente che devetrattarsi di un avvenimento non solo futuro e incerto, ma anche estrinseco al fatto che costittuisce il reato.”(Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale – Parte generale, p. 753). E, ainda, Júlio Fabbrini Mirabete,Manual de Direito Penal, v. 1, p. 381.

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Em virtude dessa relação de sucessão em relação à conduta típica, é

freqüente que se diga que as condições objetivas de punibilidade, nos casos em

que a lei as impõe, encontram-se situadas entre o delito e a pena, ou, como

prefere Jesus, “Situam-se entre o preceito primário e o preceito secundário da

norma penal incriminadora, condicionando a existência da pretensão punitiva do

Estado.” 129

Com efeito, a condição objetiva de punibilidade enquanto evento

posterior é pacífica entre todos os doutrinadores que admitem a sua existência.

Divergente, no entanto, é o reconhecimento desta quando, amplia-se o espectro

temporal para além dos eventos futuros, admitindo-se, também, a caracterização

do instituto a partir de eventos concomitantes e, verdadeiramente polêmicos,

quando anteriores à execução do delito.

A possibilidade de condição objetiva de punibilidade como evento

concomitante à realização do tipo penal, encontrou respaldo em bem

fundamentado argumento no contexto da legislação italiana que, conforme dito

anteriormente, foi a única a, de fato, estruturar as ditas condições no corpo de

seu Código Penal.

Com efeito, embora o artigo 44 do Código Penal Italiano, entre

outras falhas, não tenha sido explícito quanto à característica temporal das

condições objetivas de punibilidade, tal questão encontra melhores

esclarecimentos na interpretação do artigo 158 do mesmo diploma. Referido

dispositivo determina os termos iniciais da prescrição nas diversas modalidades

129 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, v. 1, p. 623. Como também observa Marques “A condição depunibilidade está colocada entre o preceito primário e a sanção, de forma que o direito concreto de punirsomente tem existência quando a condição se realiza.” (José Frederico Marques, Tratado de Direito Penal, v.III, p. 396).

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de delitos, in verbis: “O termo da prescrição decorre para o crime consumado,

do dia da consumação; para o crime tentado, do dia em que cessa a atividade do

culpado; para o crime permanente ou continuado, do dia em que cessa a

permanência ou a continuação. Quando a lei faz depender a punibilidade do

crime da ocorrência de uma condição, o termo da prescrição decorre do dia em

que a condição verificou-se. [...]”.

Com efeito, o artigo supra transcrito deixa assente — em todas as

hipóteses que enumera — que o termo inicial da prescrição encontra-se, sem

nenhuma exceção, em relação direta com a finalização do delito, nunca antes.

Nesse contexto, ao mesmo tempo em que se referenda o caráter posterior das

condições objetivas de punibilidade130, dessume-se, também, pela possibilidade

de que o fato concomitante à realização do delito possa assumir a mesma

identidade.

Isso porque, sendo o advento da condição concomitante à prática do

delito, reingressa-se na situação estampada na primeira parcela do dispositivo

em comento, referente ao termo inicial da prescrição no caso do delito

consumado.

Ademais, fica de todo evidente que a concomitância da condição

em nada tem o condão de modificar ou adicionar dúvidas em relação às

características reconhecidas do instituto, ao contrário do que ocorre quando se

cogita de evento anterior, hipótese que levanta inevitáveis senões até no que se

refere à caracterização da autonomia material e psicológica.

130 Conforme ressalta Mantovani: “Che si tratti di avvenimento successivo si desume, oltre che in via logica,dall’art. 158/2, poiché altrimenti si farebbe, assurdamente, decorrere il termine di prescrizione dal momento incui il fatto illecito non è ancora compiuto.” (Ferrando Mantovani, Diritto Penale – Parte generale, p. 783).

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Sob esses argumentos, admite Pannain a condição objetiva de

punibilidade quando importe em eventos futuros ou concomitantes à realização

do tipo penal, assim resumindo o argumento que suporta sua posição:É clara, portanto, a vontade de nunca fixar a decorrência em ummomento no qual o crime ainda não está concluído (n.° 249). Quando,então, o caput do artigo 158 estabelece que se a lei faz depender apunibilidade do crime da ocorrência de uma condição, o termo daprescrição decorre do dia em que a condição verificou-se, prevendoevidentemente a hipótese de uma condição futura e estabelecendo queo momento de decorrência deva, em tal caso, ser deslocado paradepois da consumação, mas não exclui a hipótese de condiçãoconcomitante à consumação porque, em tal caso, vale a regra geralestabelecida para o crime consumado.131

Colocados em termos práticos e dogmáticos, o evento concomitante

em nada difere do futuro no que tange às conseqüências de uma e de outra

situação132, outrossim, não enseja, em relação à característica de independência

das condições objetivas de punibilidade, quaisquer dúvidas além daquelas que já

se levantam amiúde.

Certamente por conta dessa relação de extrema semelhança que

aproxima a condição concomitante e a futura, percebe-se que mesmo a parcela

da doutrina afeta à posição mais reducionista, que reconhece as condições

objetivas de punibilidade só e somente como eventos futuros, não se ocupa de

levantar argumentos contrários à hipótese de concomitância, preferindo limitar-

se a afirmar a exclusividade dos eventos futuros como caracterizadores do

instituto.

131 PANNAIN, Remo. Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 277-278, “tradução livre do autor”. Na mesma linhaestá Manzini: “Condizioni di punibilità del fatto sono quegli elementi obiettivi,estrinseci all’azione oall’omissione, concomitanti o successivi all’esecuzione del fatto stesso [...]” (Vincenzo Manzini, Trattato diDiritto Penale Italiano, v. 1, p. 523)132 Como pondera Battaglini: “A condição pode também não ser um acontecimento separado no tempo da açãodo delito (o que assinala outra distinção relativamente à condição do negócio jurídico). Pode ocorrer, porexemplo, que o escândalo público se verifique enquanto a ação do incesto está em fase de execução. Admitindo-se a surpresa em flagrante no jogo de azar (art. 720, do Cód. Penal italiano), como condição de punibilidade,deve-se admitir também que, nesse caso, ela se concretiza enquanto a ação está em pleno desenvolvimento.”(Op. Cit., p. 359).

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Entrementes, a relação temporal entre a condição de punibilidade e

o fato é questão que se torna muito mais delicada quando se cogite que aquela

possa ocorrer em momento anterior à execução do tipo.

Tal posição, que empresta elasticidade máxima à resposta do

problema, acaba, por isso mesmo, tornando a própria discussão sobre o

momento da verificação da condição efetivamente despicienda, uma vez que se

esta verificar-se antes, durante ou após a realização do tipo penal, em nada

influenciará a configuração do instituto. Assim, a discussão da relação temporal

fica, por via de efeito, completamente esvaziada, deixando a caracterização das

condições objetivas de punibilidade mercê de outras variáveis.

Deixando de lado a variável temporal, porém sem aprofundar-se na

questão, Von Liszt afirma textualmente que “El tiempo y el lugar de la

realización de la condición, son indiferentes para el tiempo y el lugar de la

comisión del delito.” 133, de sorte que para o citado autor o momento em que se

coloca a condição objetiva de punibilidade em relação à execução do delito nada

significa a título de característica, para a configuração do instituto.

Todavia, vê-se que esse entendimento extremado fragiliza a

formulação de um grupo de características que possam identificar essas

condições de maneira mais precisa, uma vez que acaba por dar azo a que as

condições objetivas de punibilidade confundam-se ainda mais com outros

aspectos do delito, notadamente os elementos que integram o tipo penal, sem

qualquer possibilidade de traçar-se um preciso divisor de águas.

133 VON LISZT, Franz. Tratado de Derecho Penal, t. 2, p. 459. Em igual diapasão está, também, Jescheck: “Laaparición de las condiciones objetivas de punibilidade s indiferente para el lugar y el tiempo del hecho.” (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal — Parte generali, p. 508).

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Com efeito, sempre que se diga de condição que anteceda à

realização do tipo penal, esbarra-se no tema dos chamados “pressupostos” do

delito, que consistiriam em fatos preexistentes necessários à realização da figura

delituosa.134

Embora se trate de tema paralelo, sobre ele não se pode deixar de

tecer algumas considerações, visto que tangencia a questão em comento sem

com ela confundir-se. Entre aqueles que, como Manzini, admitem os ditos

“pressupostos” “Esses se distinguem dos elementos constitutivos do crime e das

condições de punibilidade, porque são necessariamente antecedentes ao fato,

enquanto os outros são concomitantes ou sucessivos.”135

A idéia de que existam “pressupostos” do delito136 não é admitida

com firmeza na doutrina, não pela idéia em si de que haja fatos antecedentes ao

delito de que dependa a existência deste, o que é inegável até mesmo no plano

naturalístico, mas porque o que se pretende elevar a uma nova categoria dentro

da teoria geral do delito, não teria razão de ser ou, conforme as palavras de

Florian, “[...] tudo isto nos parece logomaquia vazia.” 137

Realmente quando à noção de “pressuposto” do delito empresta-se

sentido amplo, acaba-se por esbarrar no conhecido problema da regressão ad

134 Conforme define Bettiol:“Na sistematização lógica dos elementos do delito, a doutrina fala também nospressupostos do crime entendendo-se como tais aqueles elementos, requisitos ou fatores que devam preexistir ouque sejam concomitantes ao fato material para que este possa configurar-se como fato delituoso.” (GiuseppeBettiol, Direito Penal, v. 1, p. 268-269).135 MANZINI, Vincenzo. Trattato di Diritto Penale Italiano, v.1, p. 522, “tradução livre do autor”. IgualmentePagliaro sustenta que os pressupostos do crime “[...] si differenziano dalle condizioni per il diverso rapportotemporale com la condotta illecita.”(Antonio Pagliaro, Principi di Diritto Penale — Parte generale, p. 390).136 Manzini, ao que parece o primeiro a cogitar em “pressupostos”, distingue os “pressupostos do crime” e os“pressupostos do fato”. Os primeiros surgiriam como pressupostos de uma figura delituosa que se colocasse emcondição de especialidade em relação a outra. Menciona, neste caso, a condição de funcionário público para acaracterização do delito de peculato que, se inexistente, conduz a alguma figura genérica dos crimes contra opatrimônio. Já os “pressupostos do crime” consistiriam em elementos prévios exigidos para que o fato previstona norma constitua crime, de sorte que sem estes nenhum delito chegaria a se configurar. (Vincenzo Manzini,Op. Cit., v.1, p. 521-522)137 FLORIAN, Eugenio. Trattato di Diritto Penale, v. 1, p. 400, “tradução livre do autor”.

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infinitum, segundo a qual a própria existência do homem ingressaria como

pressuposto138. De fato, em nada assiste a inclusão desse entendimento à teoria

geral do crime, que não seria beneficiada pela adição de fatos óbvios e que se

distanciem, de maneira tão evidente, do conteúdo das figuras delituosas, nas

quais se encontram implícitos.

De outra banda, quando se reduz a latitude dos ditos

“pressupostos”, aproximando-os dos antecedentes imediatos da figura típica,

estes, embora não deixem de ser antecedentes do delito acabam por confundir-se

com os próprios elementos do tipo penal.

Sem dúvida, embora, verbi gratia, a condição de gestante no delito

de aborto, ou a existência de anterior matrimônio na bigamia constituam

antecedentes necessários dos mencionados delitos — e, por isso, até possam ser

chamados pelo sinônimo de “pressupostos” — esses fatos encontram-se,

evidentemente, compreendidos pelos tipos penais correspondentes, não

constituindo uma categoria à parte.

Sobre a inexistência de qualquer independência desses

“pressupostos” com os elementos contidos na própria figura delituosa,

obtempera Bettiol:[...] uma vez que não se afirma que devam ser considerados elementosdo fato somente a ação e o evento e sim devem como tais serconsiderados também todos aqueles elementos, circunstâncias,condições que devem subsistir para que o fato possa delinear-se. E éassim que a doutrina mais recente nega ou põe em dúvida a

138 É o que pondera Fragoso: “As dúvidas a que o conceito dá lugar explicam-se em boa parte pela latitude daexpressão pressupostos. Se a esta se dá um sentido amplo, e não técnico, é possível descobrir pressupostos docrime em vários antecedentes indispensáveis à sua existência, inclusive no próprio fato de estar vivo o agente.”(Heleno Cláudio Fragoso, Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade (1.ª parte), In: Revistados Tribunais, v. 738, p. 741-750).

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necessidade de recorrer a esta noção de pressupostos, que se resolvemnecessariamente em elementos do fato.139

Raciocinando por via inversa, a falta de algum desses elementos

implicará, efetivamente, no não preenchimento dos enunciados típicos e não na

ausência de um “pressuposto”, a menos que viesse a se admitir a norma penal

como pressuposto do crime, o que seria rematado absurdo visto que é a norma

quem dá existência ao próprio crime.140

Entendendo que os “pressupostos” do delito confundem-se com os

próprios elementos do delito está Maggiore, para quem “Mirándolo bien, todo

lo que se cita como presupuesto del delito, no es sino un elemento esencial del

hecho, de modo que, si falta dicho presupuesto, falta también el hecho

constitutivo del delito.”141

Em síntese, não se nega, no plano realístico, a existência de fatos

anteriores dos quais dependem a existência dos delitos, e que se podem chamar

vulgarmente de “pressupostos”. Porém esses fatos não chegam a pertencer a

uma categoria diferenciada dentro da teoria geral do crime. Se colocados a

139 BETTIOL, Giuseppe. Op. Cit., p. 270. No mesmo sentido está Florian: “Quelli che s’indicano comepressuposti, o sono elementi costitutivi del reato o ne incarnano la ragione e l’essenza caratteristica.” (Op. Cit.,idem).140 Nesse sentido registra Fragoso: “A norma penal, de forma alguma pode ser considerada um pressuposto docrime. Como vários autores observaram, a partir de Florian, a norma não é pressuposto do crime, precisamenteporque o cria, não sendo possível separa-la conceitualmente do fato punível. Tanto a norma penal como seuselementos integrativos referem-se à própria existência do preceito penal. Por outro lado, se se considera ocrime como fato humano, é claro que não existe relação entre este e a norma, e por isso esta não pode ser umantecedente.” (Heleno Cláudio Fragoso, Op. Cit., idem). Na mesma esteira Bettiol: “Não nos parece, porém quea norma penal possa ser considerada como pressuposto do crime: ela não é um quid que deva preexistir a fimde que o crime possa sobreviver, mas é ela mesma quem cria o delito, é o âmago do crime, é aquilo que faz comque o delito seja aquilo que ele é. Conceitualmente, não se separa do crime mas lhe é imanente e o caracterizaem cada um de seus elementos. Não se deve — como escreve justamente Delitala — confundir os pressupostosdo fato com os pressupostos da valoração do próprio fato.” (Giuseppe Bettiol, Op. Cit., p. 269). Reticentetambém às idéias de que verdadeiros elementos do crime possam ser reduzidos a simples pressupostos estáNucci:”Não fosse assim poderíamos trivializar totalmente o conceito de delito, lembrando-se que, levado aoextremo esse processo de esvaziamento, até mesmo tipicidade e antijuridicidade — incluam-se nisso ascondições objetivas de punibilidade —, não deixam de ser pressupostos de aplicação da pena, pois, sem eles,não há delito, nem tampouco punição.” (Guilherme de Souza Nucci, Manual de Direito Penal, p. 160).141 MAGGIORE, Giuseppe. Derecho Penal, v.1, p. 277.

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infinita distância do delito, não haverá razão relevante para discuti-los no plano

da dogmática penal; se colocados como antecedentes imediatos, acabarão por

confundir-se com os elementos da figura delituosa, já encontrando, portanto,

lugar dentro do próprio fato típico.

Ainda mais enfática nessa direção é a opinião de Gómez:“[...] los presupuestos del delito no son sino elementos. La muerte deun hombre causada por otro hombre, es lo que constituye el delito dehomicídio. Luego, es elemento necesario del mismo, de la própriamanera que lo es el sujeto activo, um sujeto pasivo viviente, porqueesta circunstancia — la de estar vivo el sujeto contra el cual se dirigela acción — es lo que tiene en cuenta para caracterizar el delito.Cuando la ley estatuye la pena para el homicidio, dice: el que matarea otro tendrá tal sanción; y al expresarse así, establece, comoelemento esencial del delito, la vida del sujeto pasivo. ¿A quéresponde, pues, la insitencia en crear la instituición de los‘presupuestos del delito’.” 142

Da mesma forma, as condições objetivas de punibilidade quando

cogitadas como eventos anteriores à execução do tipo penal, acabam, em

verdade, por não se distinguirem, em nenhum aspecto, dos ditos “pressupostos”

próximos do delito que, por sua vez, conforme dito, trata-se de elementos do

delito.

Com efeito, ainda que se argumente o caráter extrínseco das

condições objetivas de punibilidade em relação à conduta do agente, esse

aspecto em nada estabelece diferenças capazes de extremá-las dos elementos

contidos no fato típico, quando anteriores à realização deste.

Nos exemplos acima citados, a gravidez da gestante e o matrimônio

previamente contraído são fatos, à evidência, extrínsecos à atividade e à vontade

do agente, constituindo circunstâncias prévias aos atos de execução dos delitos

142 GÓMEZ, Eusébio. Tratado de Derecho Penal, t.1, p. 400-401.

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de aborto e de bigamia, porém, nem por isso alguém nega a estes fatos a

condição de elementares dos tipos penais dos referidos delitos.

Embora extrínsecos à atividade do réu, sua relação temporal de

anterioridade não os coloca fora do processo executivo do delito, hipótese que

só poderia ser cogitada em se tratando de evento posterior ou concomitante.

Clara, nesse sentido, é a posição de Hungria:Não há confundir as condições em apreço com os chamados‘pressupostos’ do crime, isto é, fatos ou situações preexistentes, a quea lei subordina o reconhecimento de determinado crime ou grupo decrimes. Tais fatos ou situações, embora extrínsecas à atividade do réu,passam a fazer parte integrante (elemento constitutivo) do crime inspecie.143

Ademais disso, a cogitar-se a idéia de uma condição que anteceda a

realização do tipo penal, incorrer-se-ia em nítida incongruência lógica, na

medida em que, não se mostra razoável pensar-se em fixar um determinado fato

como condicionante da conseqüência (punibilidade) de outro que sequer

aconteceu (o delito).

Correto, portanto, é que se reconheça que tais fatos integram,

efetivamente, os elementos do delito.

É justamente por esses argumentos que, em relação aos chamados

“crimes pós-falimentares”, não se pode ver na sentença declaratória de falência

uma condição objetiva de punibilidade, visto que se a quebra já ocorrera antes

mesmo do agente ingressar na realização da conduta típica, passou, em verdade,

a integrar o conteúdo do próprio delito. A questão será abordada adiante com

mais atenção ao tratar-se especificamente da sentença que decreta a quebra,

143 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, v. 1, t. 2. p. 28.

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concede recuperação judicial ou homologa a extrajudicial, como condição

objetiva de punibilidade dos crimes falimentares (capítulo 8 supra).

Assim, a admitir-se a existência das condições objetivas de

punibilidade, no que se refere ao momento da verificação da condição, a posição

intermediária — evento futuro ou concomitante — parece a mais cabível, visto

que o evento concomitante, em termos doutrinários e práticos, em nada difere do

futuro, enquanto que o evento anterior, por outro lado, acaba por gerar celeuma

em relação às demais características do instituto, contribuindo decisivamente

para a indefinição de suas fronteiras com outros elementos relativos à estrutura

formal do crime e em nada diferindo dos elementos que integram o fato típico.

7.4 A localização das condições objetivas de punibilidade em relação

ao tipo penal.

Definida a necessidade de total autonomia do evento condicionante

em relação a qualquer conteúdo anímico do agente e desvinculando-o da linha

de desdobramento causal da conduta típica, devendo advir em momento

concomitante ou posterior à realização do delito, importa, ainda, considerar as

condições objetivas de punibilidade no que toca a sua localização “topográfica”

dentro da estrutura do delito, a fim de fixar-se ainda mais um elemento

caracterizador, por sinal frequentemente referido nos trabalhos doutrinários

sobre o tema.

Nesse contexto, aspecto que tem ensejado dúvidas na doutrina e que

por outro lado importa em mais um elemento passível de distinguir com maior

clareza a categoria das condições objetivas de punibilidade, diz respeito à

localização destas em relação ao enunciado do tipo penal.

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O cerne da questão investiga se as condições objetivas de

punibilidade devem ser sempre extrínsecas aos elementos do tipo penal ou, em

outras palavras, estranhas ao seu enunciado descritivo, ou se nele podem se

encontrar previstas sem comprometerem suas características, especialmente

aquela referente a sua autonomia psíquica.

Majoritariamente a doutrina sustenta que as condições objetivas de

punibilidade, como corolário de sua necessária autonomia em relação ao

coeficiente subjetivo dos delitos, devem ser mantidas fora do tipo penal, ou seja,

nesses casos excepcionais a punibilidade do delito, explica Mirabete, “[...] está

na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstâncias não

encontradas na descrição típica do crime [...].”144

Isso à vista de que, devendo o coeficiente subjetivo dos delitos ser

abrangente, vale dizer, alcançar todos os elementos que integram o enunciado do

tipo penal, não se poderia admitir a inserção de uma segunda categoria de

elementos que não estivesse, de sua vez, alcançada pela vontade do agente.

Como conclui Urzúa “[...] una circunstancia cuya realización es independiente

de la voluntad del que actúa no puede integrar la descripción típica.”145

A questão, como seria de se esperar, foi amplamente debatida na

doutrina italiana, que diante do conteúdo do enunciado do artigo 44 do Código

Penal daquele país, maciçamente reconheceu como característica do evento

condicionante sua colocação à margem das fronteiras do fato típico, como

conclui Ranieri quando ratifica esse entendimento a partir da interpretação da

dicção do referido dispositivo:“Por lo demás, esto se deduce del texto del art. 44, que al referirse demodo expreso a la verificación de una condición ‘para la punibilidad

144 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, v. 1, p. 381.145 URZÚA, Enrique Cury. Derecho Penal – Parte General, p. 349.

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de un delito’, separa, para mayor razón, lo que pertenece al hechotípico de lo que está fuera de él y que subordina su punibilidad.” 146

Para os doutrinadores ligados à teoria finalista da ação é comum

argumentar-se no mesmo sentido, visto que se as condições objetivas de

punibilidade são extrínsecas ao dolo e se este, por outro lado, encontra-se

inserido no do tipo penal, logo as ditas condições devem ser exteriores ao

último. É a posição de Jesus:Elas se encontram fora do crime praticado pelo agente e a suaocorrência não depende do dolo. É certo que a segunda característicase encontra implícita na primeira: se a condição objetiva depunibilidade se acha fora do crime, é evidente que não depende dodolo do agente, pois este faz parte do tipo.147

Esses mesmos pontos de vista vêm sustentados nos trabalhos de

diversos autores, que comungam in totum com a posição externa do evento

condicionante em relação ao enunciado típico, entre os quais se destacam

também, Galdino Siqueira, Magalhães Noronha, Hans Welzel, Heleno Fragoso,

Ernst Von Beling, Adolph Merkel, Franz Von Liszt, Hans-Heinrich Jescheck,

Francesco Antolisei, Cury Urzua, Reinhart Maurach, Remo Pannain, Vincenzo

Manzini, Sílvio Ranieri.

Muito embora a maioria expressiva da doutrina sustente a absoluta

estranheza do evento condicionante em relação ao enunciado típico, é bem de se

ver que, também neste particular, a questão encontra-se sujeita a entendimentos

146 RANIERI, Silvio. Manual de derecho penal, t. 1, p. 173. Assim também proclama Antolisei:“Si aggiunga chel’art. 44 del códice parla di ‘punibilità del reato’, sicché si deve ritenere che prima del verificarsi dellacondizione esista un reato già completo in tutti i suoi estremi. Se, invero, nel sistema della legge la funzionedella condizione di punibilità fosse di integrare il reato, il codice non avrebbe parlato di punibilità del ‘reato’,ma di punibilità del ‘fatto’” (Francesco Antolisei, Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 752). Na mesma linhaMantovani: “Che si tratti di avvenimento esterno si ricava dalla stessa legge (che parla del ‘verificarsi di unacondizione’ per la ‘punibilità del reato’ e non ‘fatto’), oltre che dalla elementare considerazione che, se sitrattasse di un elemento constitutivo del reato, non vi sarebbe stato bisogno di un’apposita norma.” (FerrandoMantovani, Diritto Penale – Parte generale, p. 783).147 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, v. 1, p. 624. Neste mesmo sentido é o argumento deMirabete: “Deve-se entender que, constituindo-se a condição objetiva de punibilidade de acontecimento futuro eincerto, não coberto pelo dolo do agente, é ela exterior ao tipo e, em consequência, ao crime.” (Júlio FabbriniMirabete, Manual de Direito Penal, v. 1, p. 381).

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distintos. De forma divergente destacam-se René Ariel Dotti148, Antonio

Pagliaro149 e Guilherme de Souza Nucci, os dois primeiros sem exporem

maiores pormenores de seus pontos de vista.

Com efeito, embora a localização externa ao tipo seja o que de fato

ocorre na maioria dos casos em que a doutrina faz referência a delitos

condicionados, Nucci discorda de tal posição, sustentando a possibilidade destas

encontrarem-se inseridas já no tipo penal, a partir da consideração de pontual

hipótese contida no artigo 91 da Lei n.° 8.666/ 93:Nada impede, no entanto, que esteja inserida no tipo penal, emboramantenha o seu caráter refratário ao dolo do agente, isto é, não precisapor este estar envolvida. Observe-se o disposto no art. 91 da Lei8.666/93: ‘Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privadoperante a Administração, dando causa a instauração de licitação ou àcelebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada peloPoder Judiciário: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, emulta” (grifamos). Nesse caso, a condição objetiva de punibilidade,que é a anulação do contrato em juízo, está inserida no tipo. 150

Acredita-se — com o devido respeito ao insigne autor — que ainda

que se admita a categoria das condições objetivas de punibilidade, no exemplo

utilizado não se pode ver uma hipótese do referido instituto. Trata-se, com

efeito, de condição de procedibilidade da ação penal que, a despeito de inserida

em norma de direito material, não perdeu sua natureza estritamente adjetiva.

Isso porque, no exemplo em questão bem como em outras hipóteses

análogas, a que a doutrina sói fazer referência a título de exemplo de condição

objetiva de punibilidade151, os elementos apontados, como observa Toledo, “[...]

148 Para este autor o evento condicionante deve ser alheio à conduta típica, podendo, no entanto, estar contido“[...] no preceito ou na sanção [...]” (René Ariel Dotti, Curso de Direito Penal – Parte geral, p. 670).149 Para Pagliaro a condição objetiva de punibilidade é elemento típico, porém estranho à conduta do agente:“Tutto ciò lascia definir ela condizione obiettiva di punibilità come um elemento del fatto di reato, estraneo allacondotta illecita [...]” (Antonio Pagliaro, Principi di Diritto Penale — Parte Generale, p. 386).150 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, p. 453.151 Verbi gratia o delito estampado no artigo 236 do Código Penal (Induzimento a erro essencial e ocultação deimpedimento), que reclama o trânsito em julgado da sentença anulatória de casamento.

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nada mais são do que atos judiciais, para considerá-las elementos do crime ter-

se-á que admitir que tais crimes se consumam nos tribunais e ... por ato do juiz,

não do criminoso.”152

De fato, uma decisão judicial, que, aliás, é ato jurídico previsto na

lei adjetiva, não pode, simplesmente por estar inserida no tipo penal, assumir

contornos de direito material, devendo sim, ser havida como condição de

procedibilidade da ação penal, à guisa do que ocorre com a representação do

ofendido nos crimes de ação penal pública condicionada ou com a queixa nos

crimes de ação penal privada153. Como observa Bettiol “[...] um instituto retira

sua natureza não da colocação que tenha tido num complexo legislativo em vez

de outro, mas dos seus traços característicos e da função que desempenha no

seio da ordenação jurídica.”154

A natureza de condição de procedibilidade fica mais evidente

quando se tem em consideração a questão colocada em prática. Se o parquet

propõe uma ação penal, para apuração de infração penal capitulada no artigo 91

da Lei de Licitações, antes que a invalidação do certame tenha sido feita pelo

Poder Judiciário, a mesma deverá ser rejeitada pelo Juízo, podendo, contudo, ser

reproposta quando a anulação judicial vier a ocorrer. De qualquer forma, o delito

já se encontra perfeito em todos os seus elementos, de sorte que apenas o

exercício da ação penal é que se encontra na pendência da anulação judicial.155

152 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 156.153 Nesta mesma linha de raciocínio estão Bustos Ramirez e Malareé: “Aparte de la querella o denuncia en losllamados delitos privados, entre otros, se encuentran en la Parte Especial del Código Penal casos, como, porejemplo, la necesidad de sentencia firme o auto también firme de sobreseimiento del juez o tribunal que mandeproceder contra el acusador o denunciante falso en el delito de acusación y denuncia falsa (art. 456.2 CP), o lanecesidad de declaración civil de quiebra, concurso o suspensión de pagos en el delito previsto em el art. 260CP.” (Juan J. Bustos Ramírez e Hernán Hormazábal Malarée, Leciones de Derecho Penal – Parte General, p.362.).154 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, v.1, p. 281.155 Em relação ao artigo 236 do Código Penal (Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento), aquestão se mostra semelhante à do artigo 91 da Lei de Licitações, relevando destacar o entendimento, emboraextenso, de Tourinho Filho, com o qual comungamos, e que se encaixa perfeitamente a esta outra hipótese:“Parte da doutrina entende que o trânsito em julgado da sentença que, por motivo de erro ou impedimento anule

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O mesmo Toledo arremata o entendimento de que nessas

circunstâncias, e aí exemplifica com hipóteses semelhantes, o que se tem são

condições de procedibilidade, que a despeito de sua condição heterotópica, não

mantêm vínculo com instituto de direito material;Com efeito, tanto no crime falimentar, para cuja punição se exige asentença declaratória da falência, como no do art. 236 do CódigoPenal, para o qual se exige o trânsito em julgado da sentençaanulatória de casamento (parágrafo único), pode-se, com enorme dosede razão, sustentar que o que fica em suspenso, na dependênciadaquelas condições legalmente estabelecidas, não é o crime ou atipicidade da conduta, mas sim e tão-somente o exercício da açãopenal. A inclusão na lei substantiva dessa autêntica ‘condição da ação’pode ser, talvez, a causa da confusão que se tem feito sobre a suaverdadeira natureza.156

Importa, ainda, considerar que nesses casos não haveria qualquer

óbice em reconhecer-se uma condição de procedibilidade da ação penal,

tranqüilidade que, por outro lado, não se verifica quando se pretende dar

configuração ao elemento dentro do direito substantivo.

Por outras palavras, não há porque dizer-se que uma decisão

judicial inserida no tipo penal é condição objetiva de punibilidade — sujeita,

portanto, às inafastáveis críticas que temos apontado — se esta pode ser

assimilada no campo do direito processual a título de condição de

procedibilidade. De fato, ao vincular-se elemento dessa ordem a instituto de

direito material, a crítica mínima que se levanta é quanto à possibilidade de sua

independência moral, indagação que, a despeito de possíveis respostas, já não

o casamento (CP, art. 236, parágrafo único) é mera condição objetiva de punibilidade. Temos para nós tratar-se de condição de procedibilidade. Ele condiciona o exercício da ação penal. De fato. Proposta, se o Juizverificar que a sentença anulatória do casamento não transitou em julgado, rejeitá-la-á, nada impedindo suarenovação, dês que satisfeita a condição. Entretanto, se um brasileiro casado se dirigisse a um país asiático,onde se admite a poligamia, e lá convolasse núpcias, poderia ser processado aqui pelo crime de bigamia. Se seprovasse, na instrução, que o fato não era punível no país em que foi praticado, a sentença seria absolutória(CP, art. 7.°, § 2.°, b). Como se vê as situações são diferentes.” (Fernando da Costa Tourinho Filho, ProcessoPenal, v. 1, p. 494).156 Op. Cit., p. 157.

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tem qualquer importância quando lhe é conferido domicílio no direito

processual.

Entende-se aqui, portanto, que uma decisão judicial pode

condicionar a ação penal, porém não pode se apresentar como condição objetiva

de punibilidade, ainda que esteja excepcionalmente inserida no tipo penal.

Nessa conformidade, conclui-se, ao lado da doutrina predominante,

que o evento condicionante não poderá, em qualquer hipótese, encontrar-se

inserido nos elementos do enunciado do tipo penal, até porque, considerando-se

a perspectiva de buscar-se distinguir ao máximo as condições objetivas de

punibilidade dos demais elementos do delito, tem-se que entendimento diverso

não contribui para esse intento, tornando, ao contrário, a questão ainda menos

clara.

Ademais, reverenciando a premissa de que a parcela volitiva deve

ser abrangente e, por conseguinte, alcançar todos os elementos contidos no

enunciado do tipo penal, vê-se que em se admitindo a possibilidade de que em

certas circunstâncias esse imperativo pode ser deixado de lado, estar-se-á

semeando ainda mais espaço para a violação do princípio da culpabilidade, já

tão comprometido neste tema.

Assim, para que a determinado evento possa ser cogitado o status

de condição objetiva de punibilidade, este deverá encontrar-se fora do enunciado

do tipo penal.

A conclusão sob esse ponto, no entanto, não esgota as discussões no

que se refere à localização das condições objetivas de punibilidade.

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Se de um lado, pode-se concluir que o evento condicionante deve

necessariamente estar excluído do enunciado do fato típico, por outro lado a

localização “topográfica” das condições objetivas de punibilidade admite, ainda,

uma segunda consideração, de conteúdo mais amplo, indagando-se se o evento

condicionante deverá ser, ademais do fato, externo ao próprio delito.

Como indaga Bettiol, “constituí a condição de punibilidade um

requisito do delito, de tal modo que na sua falta ele não subsista, ou é

inteiramente independente do delito e condiciona tão-só a possibilidade de

aplicação da pena?” 157

Nesse ponto particular, já não há uma predominância de

entendimentos tão expressiva em um mesmo sentido, de sorte que parte da

doutrina satisfaz-se com a estranheza apenas em relação ao enunciado típico,

mas não à figura delituosa, enquanto que para outros o evento condicionante

deve apresentar-se externo inclusive ao delito.

Observe-se, também, que enquanto todos os textos, sem exceção,

fazem referência à relação entre o evento condicionante e o enunciado do tipo

penal, boa parcela permanece à margem da mesma questão quanto ao crime.

No entanto, e certamente esse é o grande motivo porque as opiniões

agora divergem diametralmente, essa questão acaba, necessariamente, por trazer

à baila a indagação se a própria punibilidade é ou não elemento do crime,

tratando-se, consabido, de outro problema bastante controvertido dentro da

dogmática penal.158

157 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal, v.1, p. 277.158 Como observa Barbosa: “O problema das condições objetivas de punibilidade deve ser resolvido através dovelho e crucial problema de se saber se a punibilidade é elemento essencial e integrante do delito, sem o qualele não subsiste, ou se é apenas condição para aplicação da pena.” (Marcelo Fortes Barbosa, Condiçõesobjetivas de punibilidade, In: Justitia, v. 85, p. 137-140).

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Isso porque, não se pode ignorar a íntima ligação que há entre o

preceito incriminador e o preceito sancionador, conduzindo a inevitáveis

indagações sobre a inclusão ou não da punibilidade dentro da estrutura formal

do delito, como resume Petrocelli:A questão das relações entre crime e punibilidade está estritamenteligada, como se sabe, àquela entre preceito e sanção. Ao contrário,destacar a punibilidade do crime não é possível senão excluindo aestreita conexão orgânica entre preceito e sanção.159

De fato, como obtempera Fragoso, “Saber se os acontecimentos a

que nos referimos condicionam a aplicação da pena ou a própria existência do

crime, é questão que depende, de certa forma, da solução dada a uma outra, ou

seja, depende do próprio conceito de crime.”160

Embora polêmica, a verdade é que diante dessa discussão a questão

contempla apenas duas opiniões: ou se admite que a condição objetiva de

punibilidade situa-se entre o tipo penal e a punibilidade e, sendo essa, elemento

do delito, este desaparecerá quando falhar a referida condição ou, de outra

banda, não se reconhece a punibilidade como elemento do delito e na falta do

evento condicionante desapareceria apenas a possibilidade de aplicação da pena.

Por outras palavras, na primeira hipótese, embora o enunciado

típico estivesse preenchido, o delito, entretanto, estaria incompleto. Na segunda,

ter-se-ia um delito estruturalmente perfeito, porém não aperfeiçoada a aplicação

da norma penal já que a imposição da sanção seria característica desta e não do

delito em si.

159 PETROCELLI, Biagio. Reato e Punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale. Fasc. 4(Ottobre-Dicembre 1960), p. 669-700, “tradução livre do autor”.160 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade (2.ª parte), In:Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761.

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Respeitáveis penalistas posicionam-se num e noutro sentido.

Na Itália, a dicção do artigo 44 do Código Penal, ao prever as

condições objetivas de punibilidade, acirrou ainda mais as críticas daqueles que

viam na punibilidade um elemento do crime. Isso à vista de que referido

dispositivo ao fazer uso da expressão “per la punibilità del reato”, teria deixado

implícito que o legislador quis desvincular a punibilidade da estrutura do crime.

Mesmo assim, o entendimento de que a punibilidade e, via de

efeito, suas condições objetivas integram a estrutura do crime, foi mantido para

muitos doutrinadores. Para Pannain, verbi gratia, a ausência das referidas

condições importa na não realização do delito, assim expondo suas

considerações:A situação é esta: se a característica indefectível do crime é acapacidade de produzir aquela conseqüência jurídica específica que éa pena, isto é, a punibilidade, e sem verificar-se a condição apunibilidade não existe, é óbvio que a condição é essencial para aexistência do crime.[...]Portanto não se pode tratar de elementos extrínsecos ao crime.161

Aqueles que acolhem a punibilidade como elemento do delito,

seguem, de certa forma, a mesma linha de argumento acima, merecendo

destaque, no entanto, o magistério de Welzel que, propondo o chamado “tipo

penal em sentido amplo” — composto pelo tipo em sentido estrito, pela

antijuridicidade, pela culpabilidade e pelas condições objetivas de punibilidade

— entende que o evento condicionante faz parte desse, que também chama de

conjunto de pressupostos de punibilidade, porém é estranho ao tipo penal stricto

161 PANNAIN, Remo. Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 274-275, “tradução livre do autor”. Por outraspalavras, ainda, Pagliaro; “E tutto quel che è necessario a fare scattare la sanzione penale rientra, secondo lapremesse di teoria generale, nell’illecito penale, ossia nel reato.” (Antonio Pagliaro, Principi di Diritto Penale— parte generale, p. 386.

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sensu.162 Ou seja, para o penalista alemão embora a punibilidade não seja

elemento do crime, suas condições objetivas o são.

Na direção oposta, há aqueles que, a exemplo do argumento

sintetizado por Balestra, entendem que “la amenaza de pena es característica

específica de las leyes penales, no del delito.”163

Dentro dessa perspectiva, que exclui efetivamente a punibilidade do

conteúdo programático do delito, as condições objetivas de punibilidade

permaneceriam externas ao crime164, neste sentido concluindo Jesus que “Se a

punibilidade não é requisito do crime, a circunstância que a condiciona não pode

encontrar-se no crime, mas fora dele.”165

Dessas breves referências doutrinárias, que muito en passant

evidenciam enorme dissenso sobre a própria “identidade” do delito, percebe-se

que o tema das condições objetivas de punibilidade acaba por servir de “pano de

fundo” para a retomada do debate em torno da estrutura formal dos delitos.

Embora essa discussão surja paralelamente à investigação das

condições objetivas de punibilidade e seja talvez ainda mais delicada do que o

próprio tema central, percebe-se que ela não importa em grandes conseqüências

no que tange ao objetivo inicialmente proposto neste trabalho, qual seja o de

tentar delimitar as características das referidas condições para, em seguida,

162 WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman, p. 69-70.163 BALESTRA, Carlos Fontán. Tratado de Derecho Penal, t. 1, p. 347164 Cf. Hungria;“[...] a punibilidade é condicionada a certas circunstâncias extrínsecas ao crime, isto é, diversasda tipicidade, da injuridicidade e da culpabilidade. São as denominadas ‘condições objetivas de punibilidade’.Representam um quid pluris indispensável para que à violação da lei penal se siga a possibilidade de punição.”(Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, v. 1, t.II, p. 28).165 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal, v. 1, p. 624. Semelhantes são, ainda, as palavras de Ranieri:“[...] las condiciones objetivas de punibilidad no completan el hecho típico, sino que solo influyen sobre supunibilidad, y así como están fuera del hecho, también están fuera de su modelo legal.” (Silvio Ranieri, Manualde Derecho Penal, t. 1, p. 174).

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colocá-las diante do disposto no artigo 180 da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro

de 2005.

De fato, embora o entendimento deste trabalho esteja ao lado

daqueles que não vêem na punibilidade um elemento pertencente à estrutura

programática do delito, aderindo à concepção deste como fato típico,

antijurídico e culpável, conceito que há tempos vem sendo majoritariamente

acolhido na doutrina, tem-se que a discussão desse particular não colabora com

a tentativa de uniformizar os traços que efetivamente devem pertencer às

condições objetivas de punibilidade, porquanto, seja qual for a posição que

venha a ser abraçada quanto a isto, não importará, com efeito, na fixação de

mais um elemento a contribuir na distinção das ditas condições dos demais

elementos do delito.

Com efeito, a estranheza ao conteúdo do enunciado típico, como

aqui sustentado, é, sem dúvida, um elemento capital no processo de distinguir as

ditas condições, importância que, no entanto, não se apresenta quando a mesma

questão é levantada em relação ao próprio delito.

Sem desmerecer a inegável importância dogmática dessa questão,

que ora surge de forma periférica ao tema em discussão, colocada em termos

pragmáticos, quer se entenda a punibilidade como elemento ou não do delito, a

verdade é que a resposta, seja qual for, não irá adicionar nenhum dado relevante

ao objetivo proposto, sendo crível que por esse aspecto, boa parte dos autores

quando trataram da questão das condições objetivas de punibilidade, deixaram

de lado o debate sobre sua vinculação ao delito.

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7.5 Condições objetivas de punibilidade e condições de

procedibilidade (ou de perseguibilidade) da ação penal.

A categoria das condições objetivas de punibilidade, quando

colocada em discussão na doutrina, acaba, invariavelmente, por ser confrontada

com as chamadas condições de procedibilidade da ação penal166, também

denominadas, por um grupo minoritário, de condições de perseguibilidade.167

Isso porque, em função da relação de extrema semelhança e

proximidade que há entre os dois institutos — já que ambos pressupõem a

existência de um delito completo em todos os seus elementos — especialmente

no que toca aos desdobramentos práticos, aqueles que reconhecem a categoria

das condições objetivas de punibilidade não podem deixar de cotejá-las com a

das condições de procedibilidade.

Por outro lado, também entre os autores que não reconhecem as

condições objetivas de punibilidade há a invariável referência às de

procedibilidade, visto que, sustentam estes, nestas últimas estariam inseridas

algumas das hipóteses em que se cogita a existência das primeiras.168

Independente da aceitação ou não das condições objetivas de

punibilidade, a verdade é que o primeiro critério diferenciador que a doutrina

procura estabelecer com as de procedibilidade, diz respeito à distinta natureza

jurídica dos dois institutos.

166 Embora as condições de procedibilidade sejam majoritariamente reconhecidas na doutrina, Grinover sustentaque estas não têm vida independente das condições ordinárias da ação: “As ‘condições de procedibilidade’ nãoexistem. Os exemplos da doutrina são reconduzíveis à possibilidade jurídica.” (Ada Pellegrini Grinover, Ascondições da ação penal (uma tentativa de revisão), p. 198).167 Assim, Vincenzo Manzini, Trattato Di Diritto Penale Italiano, v. 1, p. 523. Entre nós José FredericoMarques, Tratado de Direito Penal, v. 3, p. 397.168 Neste sentido está Luis Jiménez de Asúa, La Ley y el Delito, p. 532.

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Nesse sentido, enquanto a categoria das condições objetivas de

punibilidade é colocada como instituto de direito material, às condições de

procedibilidade reconhece-se natureza eminentemente processual, conforme

expressa Battaglini:Às vezes, contudo, não se trata de decidir se determinado evento érequisito de fato-tipo ou condição de punibilidade, mas se constituicondição de punibilidade ou condição de procedibilidade. Estapertence ao processo e consiste em um pressuposto necessário para aválida constituição da relação processual. 169

De fato, e nisto a doutrina caminha com relativa tranqüilidade, as

condições de procedibilidade representam obstáculos ligados ao processo penal

e que, por via de conseqüência, são aptas a comprometerem só e somente o

desenvolvimento da ação, sem influírem diretamente sobre a punibilidade como

desdobramento da prática da infração penal170 e, portanto, também sobre os

possíveis eventos que a condicionem. A distinção de natureza, segundo Prado, é

palmar:Por derradeiro, cumpre não confundir as condições objetivas depunibilidade e as condições de procedibilidade, de natureza processual(v.g., representação do ofendido – arts. 130, § 2.°; 147, parágrafoúnico; 225, § 2.°, CP; requisição do Ministro da Justiça – art. 7.°, §3.°, b; queixa nos crimes contra a honra – art. 145, CP). Estas nãoinfluem na punibilidade do crime, mas representam tão-somenteobstáculo ao início ou prosseguimento da ação penal. 171

Em que pese a natureza jurídica ser um critério diferencial, é bem

de se ver que em termos práticos essa distinção não fica tão evidente, ao ponto 169 Na mesma direção está Von Listz:“Entre las condiciones de la punibilidad, que como requisitos de la acciónpertenecen al Derecho material, deben distinguirse, en cuanto a su concepto y efectos, los llamadosREQUISITOS PROCESALES, es decir, los requisitos necesarios para la eficacia jurídica de los actosprocesales en general, y, especialmente, para la efectividad de la acción pública.” (Franz Von Liszt, Tratado deDerecho Penal, v. 2, p. 459.).170 Nesse sentido veja-se Bustos Ramírez e Malarée, para quem as condições de procedibilidade “Se trata decasos que no condicionan la reacción penal sino su persecución.” .” (Juan J. Bustos Ramírez e HernánHormazábal Malarée, Leciones de Derecho Penal – Parte General, p. 361).171 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 549. De forma semelhante, adverte Mirabete:“Não se confundem as condições objetivas de punibilidade com as condições de procedibilidade, referentes àsquestões ligadas à ação penal, como a do trânsito em julgado da sentença que anula o casamento, no crimedefinido no art. 236, a representação do ofendido e a requisição do Ministro da Justiça etc. Estas apenas

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de afirmar-se com segurança que determinada circunstância pertence a uma ou a

outra categoria. Há que se ter em vista de consideração, portanto, outros

aspectos que permitam estabelecer essa distinção.

A ação penal, tal como qualquer matéria afeta ao direito

instrumental, prende-se a uma série de requisitos para seu exercício válido,

conhecidos como condições de procedibilidade da ação que, em breves palavras

de Nucci, trata-se de “condição ligada ao processo, que, uma vez presente,

autoriza a propositura da ação.” 172

Com efeito, há condições de procedibilidade que são onipresentes

para a persecução penal de qualquer sorte de delitos, às quais Tourinho Filho

denomina de condições genéricas173, sendo a mais evidente a própria

possibilidade jurídica do pedido.

Por outro lado, há também condições de procedibilidade de

natureza singular, cuja incidência não se impõe a quaisquer delitos, mas apenas

a algumas hipóteses pontuais. Nessa categoria a doutrina sói referir-se, a título

de exemplos, ao oferecimento da queixa-crime, nos crimes de ação penal

privada174, à representação do ofendido, nos crimes de ação penal pública

condicionada à representação etc..

Essas últimas são, em síntese, condições específicas da ação penal,

cuja natureza processual não afeta o conteúdo do fato enquanto ilícito, mas

condicionam o exercício da ação penal, são de direito processual e se atêm somente a admissibilidade dapersecução penal.” (Julio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, v. 1, p. 381-382).172 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, p. 453.173 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, v. 1, p. 478.174 Nesse sentido concorda Hassemer: “Una clara naturaleza de presupuesto procesal tiene, en cambio, laquerella en los delitos persiguibles a instancia de parte.” (Winfried Hassemer, Fundamentos del Derecho Penal,p. 303). De forma isolada, Tornaghi vê na queixa uma condição objetiva de punibilidade. (Hélio Tornaghi,Comentários ao Código de Processo de Penal, v. 1, t. 2.°, p. 95).

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apenas a persecutio in juditio175 e que, como ressalta Mezger, “[...] no

pertenecen ya al Derecho Penal, aunque en algunos casos se regulen en el

Código, como la querella [...].”176

Genéricas ou específicas, é bem de se ver que a conseqüência pela

falta de uma condição será sempre o comprometimento da própria ação penal.

Essas considerações, de inegável acerto, ainda parecem, no

entanto, insuficientes, notadamente quando se tem em consideração que se a

falta de uma condição de procedibilidade impede o início da ação penal, tem-se

que este mesmo efeito se verificará na ausência de uma condição objetiva de

punibilidade.

Realmente, se é colocada em juízo uma ação penal por delito cuja

punibilidade está, ainda que aparentemente, condicionada a um determinado

evento que não se verificou, o feito, à guisa da falta de uma condição de

procedibilidade, não poderá ter início.

Imagine-se uma ação penal proposta pelo delito de induzimento,

auxílio ou instigação ao suicídio. Embora não se concorde, contrariando

expressiva doutrina, com a afirmação de que a ocorrência da morte ou de lesões

corporais graves sejam condições objetivas de punibilidade dessa figura

delituosa, considera-se hipoteticamente, ao menos por agora, ser esta uma

infração penal condicionada.

175 Como registra Jescheck: “En las condiciones objetivas de punibilidad se expresa, en cada caso, el gradoespecífico del quebranto del orden jurídicamente protegido, mientras que los presupuestos procesales respondena las circunstancias que se oponen al desarollo de un proceso penal.” (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado deDerecho Penal — Parte General, p. 506.).176 MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal, p. 369. Assim também observa Welzel: “Totalmente fueradel tipo general están los pressupuestos de procesabilidad, que pertencen al Derecho Procesal, pero que están

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Se o evento morte ou as lesões corporais graves não ocorrem e

mesmo assim a ação penal é proposta, falta, de forma evidente, um elemento de

que depende a própria configuração da conduta como ilícito. De fato, quer

considere-se como evento condicionante, quer considere-se como resultado do

delito (posição preferida), a verdade é que não haverá ilícito penal a ser punido,

não podendo, por isso, ser recebida a inicial acusatória e, via de efeito, iniciar-se

a correspondente ação penal.

Essa mesma conseqüência, no entanto, ocorrerá caso o parquet

proponha, verbi gratia, uma ação penal sem que tenha havido a representação do

ofendido, naqueles casos em que a lei expressamente a exige, embora essa

circunstância seja maciçamente considerada como uma condição de

procedibilidade.

Nessa linha de raciocínio o evento condicionante exerceria

primeiramente a função de obstáculo processual, já que a efetiva punibilidade

surge concretamente ao final da ação penal, e tal como a condição de

procedibilidade impediria o processamento da ação penal177. De certa forma o

próprio Von Liszt ratifica esse entendimento ao afirmar que “Cuando falta, y en

tanto cuanto falta, la condición de punibilidad, no es possible que nazca la

acción penal pública; [...].”178

reglamentados en el Código Penal, p. Ej. La acción penal [...]” (Hans Welzel, Derecho Penal Aleman — Partegeneral, p. 70).177 De certa forma é o que enfatiza Mormando: “[...] il difetto di uma condizione di punibilità equivale, dunque,sul piano sostanziale al difetto di una condizione di procedibilità sul piano processuale; cosicché intanto si puòoperare una reductio ad unum tra le due categorie allorché si dimostri la medesima natura e funzione dientrambe.” .” (Vito Mormando, L’evoluzione storico-dommatica delle condizioni obiettive di punibilità, In:Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p. 610-633). De forma semelhanteconsidera também Sabatini: “[...] perchè il reato, anche sussistendo, non è punibile se non intervenga lamanifestaziona di volontà conforme dei soggeti a cui è attribuito questo potere.” (Guglielmo Sabatini, Principidi diritto processuale penale, v. 1, 236).178 VON LISZT, Franz. Tratado de Derecho Penal, t. 2, p. 458. De forma semelhante considera tambémSabatini: “[...] perchè il reato, anche sussistendo, non è punibile se non intervenga la manifestaziona di volontàconforme dei soggeti a cui è attribuito questo potere.” (Op. cit., idem).

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É justamente por essas circunstâncias que alguns autores não vêem

qualquer utilidade prática em distinguir-se uma determinada circunstância como

condição objetiva de punibilidade ou como condição de procedibilidade,

considerando a discussão bizantina. É a linha que expressamente segue

Noronha:Se a punibilidade efetiva está sujeita a procedibilidade — nulla pœnasine judicio — parece-nos que realmente as duas circunstâncias seconfundem. De qualquer maneira, se distinção houver, será nenhumano terreno prático.179

No entanto, essa visão extremamente pragmática, e acertada,

encontra vozes divergentes que, levando os desdobramentos de ambos os

institutos um passo a frente, entendem haver diferenças muito evidentes nas

conseqüências que se apresentam entre eles.

Assim, muitos autores expressam a distinção entre as condições

objetivas de punibilidade e as de procedibilidade em função dos desdobramentos

num e noutro caso, observando que, enquanto as primeiras importariam na

absolvição do acusado, as segundas acarretariam em vício formal do processo

penal180, como salienta Marques:

179 NORONHA, Edgard Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, p. 379. Na mesma direção, ainda,Muñoz Conde e García Arán: “Se trata de obstáculos procesales que, en el fondo, tienen la misma función quelas condiciones objetivas de punibilidad.” (Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán, Derecho Penal —Parte General, p. 419). Mais pormenorizado, neste sentido, está Carnelutti: “Habiendo considerado desde elprincipio el delito y la pena como conceptos inseparables, anverso y reverso de la misma medalla, por lo que nipuede darse pena sin delito ni delito sin pena, considero que esta distinción no tiene ningún fundamento, demanera que las condiciones de procedibilidad se resuelven en condiciones de punibilidad y viceversa (...)”(Francesco Carnelutti, Lecciones de derecho penal – El delito, p. 206). Pontualmente sobre a sentença de quebra,registra, entre nós, Nucci: “A propósito, nada impede que consideremos a condição objetiva de punibilidade, nocaso a sentença de quebra, também como condição de procedibilidade.” (Guilherme de Souza Nucci, Código deProcesso Penal Comentado, p. 767).180 Nesse sentido destaca-se também entre nós Tourinho Filho: “É claro que, não estando satisfeita a condiçãode procedibilidade, a conseqüência é a anulação do processo. Contudo, ausente a condição objetiva depunibilidade, haverá uma decisão terminativa de mérito.” (Fernando da Costa Tourinho Filho, Processo Penal,v. 1, p. 496) Entre os penalistas alemães verifica-se a mesma linha de raciocínio, assim proclamando Maurach:“Como los presupuestos procesales pertenecen exclusivamente al derecho procesal, no afectan ni al contenidode ilícito ni a la punibilidad del hecho, sino que si limitan exclusivamente a condicionar la perseguibilidad.Faltando ellos, no procede absolver, sino sobreseer el procedimiento.” (Reinhart Maurach, Tratado de DerechoPenal — Parte General, p. 374). Também Jescheck: “Cuanto al tiempo del juicio oral falta una condición depunibilidad se produce la absolución, pero cuando falta un presupuesto procesal se sobresee el procedimiento.”(Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal — Parte General, p. 506.). E Welzel, para quem as

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Se a sentença declarar inexistente uma condição de perseguibilidade,não há decisão definitiva ou julgamento sobre o mérito, e sim umainterlocutória que apreciou apenas o direito de ação ou regularidade darelação processual. O inverso se dará com as condições depunibilidade, porque então a sentença apreciará a procedência ouimprocedência da pretensão punitiva, decidindo o meritum causœ.181

Conseqüência prática dessa distinção é de que o vício formal está

sujeito a reparo, possibilitando, portanto, a interposição de uma nova ação penal,

enquanto a ausência de uma condição objetiva de punibilidade não permitiria o

reingresso em juízo.

Colocados no plano teórico todos esses traços apontados na

doutrina parecem satisfazer a tentativa de distinguir-se um instituto do outro.

Porém, a despeito da absoluta procedência de todos esses

argumentos — tanto no que se refere à natureza quanto aos desdobramentos de

cada uma dessas condições — que não poderiam ser omitidos, tem-se que na

sistemática legal pátria a questão possa se tornar mais simples a partir de outro

critério.

É fato evidente que as condições de procedibilidade, assim

entendidas como os pré-requisitos de ordem processual para a validade do

exercício de ação, encontram acolhimento praticamente unânime dentro da

condições de procedibilidade “No inciden en la punibilidad de un hecho, sino en la admissibilidad de supersecución procesal. Si faltan, procede el sobreseimiento, pero no la absolución, como en el caso de faltar unode los elementos de la punibilidad.” (Hans Welzel, Derecho Penal Aleman, p. 70). Na doutrina italiana destaca-se Cordero, para quem na falta de uma condição de procedibilidade “[...] l’único epilogo corretto è una sentenzache dichiari ‘non doversi procedere’; mancando condizioni della pena, invece, l’imputato sarebbe assolto.”(Franco Cordero, Procedura penale, p. 393). Também Saltelli e Romano-DiFalco: “La conseguenza piùimportante della distinzione fra condizioni di punibilità e condizioni di procedibilità consiste in ciò: mentre lamancanza della condizione di punibilità conduce alla dichiarazione della inesistenza del reato, la mancanza,invece, della condizione di procedibilità conduce alla sospensione della procedura, ma non alla dichiarazione diinesistenza del reato.” (Carlo Saltelli e Enrico Romano-Di Falco, Commento Teorico-pratico del nuovo CodicePenale, v. 1, p. 276-277). E, ainda, Mantovani: “la sentenza assolutoria per difetto della condizione di punibilitàimpedisce un secondo processo, ma non così, invece, il proscioglimento per mancanza della condizione diprocedibilità.” (Ferrando Mantovani, Diritto Penale – parte generale, p. 785).181 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal, v. 3, p. 397.

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dogmática processual penal. Por essa razão, observa Marques que “[...] o

legislador teve o cuidado de caracterizá-las muito bem, sempre que teve de

focalizar quaisquer dessas condições.”182

Assim, percebe-se que as condições de procedibilidade se

encontram totalmente incorporadas ao nosso sistema, vindo consignadas, via de

regra, na legislação penal ou processual penal, de forma clara, por expressões

como “somente se procede mediante queixa”, “somente se procede mediante

representação” etc., quando não explicitou que o início da ação penal depende

da ocorrência de determinada condição.

Aos eventos assim identificados não se levantam dúvidas quanto a

sua natureza processual, de sorte que a doutrina não diverge quando as

reconhece como condições de procedibilidade.

Se o legislador vier a se omitir quanto à natureza de uma condição

de procedibilidade, o aprofundamento da distinção entre essas e as ditas

condições objetivas de punibilidade seria de capital importância, por força dos

próprios desdobramentos que, como se viu, cada um desses institutos acarreta.

Entretanto, quando localiza explicitamente determinados eventos

dentro do direito processual, não há porque levar o debate adiante, notadamente

porque ao conferir-lhes domicílio dentro do direito adjetivo, em termos práticos

o legislador estará tornando a situação estreme das polêmicas que

inevitavelmente emergiriam se as previsse a título de condições objetivas de

punibilidade, pelos conflitos que esta suposta categoria gera, notadamente

perante o imperativo da culpa, conforme se tem aqui procurado evidenciar.

182 MARQUES, José Frederico, op. cit., p. 399.

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Sobre essa distinta natureza dos eventos condicionantes, merece destaque a

consideração de Zaffaroni e Pierangelli:Nenhum problema há em admiti-los, quando são meros requisitos deperseguibilidade do delito, porque é algo que não diz respeito aodireito penal e sim ao direito processual penal, e que de, formaalguma, põe em jogo o princípio da culpabilidade.183

Essa consideração leva à conclusão de que se é verdade que as

condições de procedibilidade se encontram assimiladas em nosso sistema

jurídico-penal, não é menos verdade que a mesma sorte de aceitação, no entanto,

não assiste às condições objetivas de punibilidade que, conforme tem-se aqui

enfaticamente ressaltado, enfrentam críticas quanto a seu conteúdo que chegam

ao ponto de questionar-se sua existência e conveniência, como categoria distinta

dentro da teoria geral do delito.

Esse distinto reconhecimento doutrinário fica absolutamente

evidente na própria legislação que, como já observado, até o advento do artigo

180 da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, jamais fez referência à

categoria das condições objetivas de punibilidade, ainda que por meio de

expressões que implicitamente indicassem que determinado evento pertenceria a

essa suposta categoria.

Assim, com a publicação do referido diploma legal as condições

objetivas de punibilidade ingressaram formalmente em nosso sistema, de sorte

que uma vez identificadas, as únicas hipóteses em que se tem reconhecida por

lei esta categoria é em relação aos delitos falimentares.

Obviamente não se pode perder de vista o fato de o legislador

afirmar, textualmente, a natureza jurídica de determinado evento, como

183 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro — ParteGeral, v. 1, p. 658.

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pertencente a esta ou àquela categoria, por si só não torna a questão invulnerável

a questionamentos doutrinários; mas se em torno de tal situação, vale repetir,

não gravitam expressivas polêmicas com relação às condições de

procedibilidade, igual sorte não se assiste em relação ao artigo 180 da nova Lei

de Falências, que conferiu à sentença de quebra, ou concessiva de alguma das

formas de recuperação, o status de condições objetivas de punibilidade.

Em havendo alguma situação obscura, em que o legislador não haja

sido explícito quanto à natureza de determinado evento condicionante, o que, no

6ambito deste trabalho, representaria uma exceção à postura que até aqui se

assistiu, outra solução não haverá senão interpretá-la em face de suas

características, tendo-se em vista de consideração as distinções identificadas na

doutrina conforme já exposto.

Assim, em circunstâncias excepcionais, o evento condicionante

colocado em concreto deverá ser tomado em cotejo com as categorias das

condições de procedibilidade e das objetivas de punibilidade, sendo certo que a

última importa, ao nosso sentir, em um conjunto muito mais complexo e

polêmico do que as primeiras, de sorte que, enquanto regra genérica, será

sempre muito mais simples assimilar as questões duvidosas no âmbito

processual penal que, inclusive, prende-se a exigências menores.

7.6 Nossa posição

Conforme já exposto, a doutrina penal historicamente vivenciou, e

ainda hoje vivencia, verdadeira celeuma quando coloca-se em discussão o tema

das condições objetivas de punibilidade, apontando-as como categoria

diferenciada dentro da teoria do crime. Conflito que, é bem de se ver, torna-se

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ainda mais acirrado quando aqueles que as reconhecem, e não são todos,

procuram definir sua natureza jurídica e traçar seus contornos característicos.184

Tal estado de coisas não é sem razão.

De fato, ao pretender eleger-se uma categoria que, em princípio,

seja apenas autônoma do conteúdo anímico do delito, esbarra-se,

sucessivamente, em questões e princípios penais inexoráveis, o que acaba por

gerar um inevitável contexto de alta complexidade, produto da multiplicação da

interferência de variáveis que, na tentativa de uniformizar um grupo de

características, torna o reconhecimento efetivo de uma categoria autônoma

dentro da estrutura do delito, algo extremamente dificultoso.

Corolário de tantas incertezas e senões é justamente que se chegue

ao ponto de argumentar, e uma parcela respeitável da doutrina o faz sob variados

argumentos, já pormenorizados, a inexistência de tais condições. É a sintética

advertência que faz Prado:Em que pese à ampla aceitação alcançada pelas condições objetivas depunibilidade, autores há que negam peremptoriamente sua existência,sob fundamentos diversos. Assim, alega-se que tais condiçõesafrontam o princípio de culpabilidade e, demais disso, não passamalgumas de autênticos elementos do tipo e outras de pressupostosprocessuais. 185

Ao ingressar com maior profundidade no tema, vê-se que, se de um

lado é inevitável o surgimento dessas complexas e delicadas questões, de outro,

não é menos verdade que, apesar da doutrina maciçamente ter atuado na

184 É também a consideração de Carvalho: “Es forzoso reconocer, sin embargo, que las condiciones objetivas depunibilidad no reúnen ciertas características uniformes que permitan su inmediata identificación. Son, mas bién,elementos heterogéneos que por fuerza de una decision legislativa condicionan la punibilidad de una conductatípica, antijurídica y culpable.” (Érika Mendes de Carvalho, Las “Condiciones Objetivas de PunibilidadImproprias”: Vestigios de responsabilidad objetiva en el Código Espanhol, In: Revista de Derecho Penal yCriminologia, n.° 16, p. 221-255).185 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, p. 545-546.

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tentativa de acomodá-las para garantir vida às condições objetivas de

punibilidade, não se tem mostrado possível um consenso mínimo capaz de

distinguir, com ínfima uniformidade, as referidas condições dos demais

elementos do delito, ou ainda, das condições de procedibilidade. Kaufmann

chega a afirmar que as condições objetivas de punibilidade “[...] sólo

constituyen un concepto que tiende a reunir diversos elementos que sólo tienen

en común lo dudoso de su correcto agrupamiento.” 186

Tal estado de coisas reconduz ao inevitável questionamento acerca

da efetiva necessidade de reconhecimento de uma categoria diferenciada de

elementos — sob o nome de condições objetivas de punibilidade — dentro da

estrutura da teoria geral do delito.

De fato, no entender deste trabalho, após analisados todos os óbices

que a doutrina enumera em relação às ditas condições, tem-se mostrado muito

mais trabalhoso e ainda menos satisfatório, tentar atingir-se um mínimo

denominador comum, capaz de justificar a contento o reconhecimento de uma

categoria à parte, do que, inversamente, buscar encaixar as poucas e pontuais

hipóteses que a doutrina enumera — e mesmo este rol não se apresenta de forma

pacífica — dentro dos elementos que são unanimemente reconhecidos na teoria

do delito.

Neste ponto, aliás, interessa observar que quando se cogita em

condições objetivas de punibilidade a doutrina comporta-se de forma peculiar,

articulando um processo em que parte da casuística concreta para, então, tentar

configurar a categoria genérica das ditas condições, processo indutivo que

inevitavelmente conduzirá ao comprometimento da indispensável formulação de

186 KAUFMANN, Armin. Teoría de la normas – Fundamentos de la dogmática penal moderna, p. 286.

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uma estrutura analítica única e geral para todas as modalidades de infrações

penais.

Em suma, reconhecer-se a categoria das condições objetivas de

punibilidade importa, com efeito, em dificuldades e incertezas maiores do que

aquelas que se apresentam nos casos em que, de forma pontual, se cogita de sua

existência.

Bem por isso, e sedimentado em diversos aspectos, este trabalho

coloca-se ao lado daqueles que não reconhecem a necessidade e, via de

conseqüência, a própria existência da categoria das condições objetivas de

punibilidade, entendimento que, em face da previsão normativa expressa de sua

existência, a partir do artigo 180 da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005,

nos obriga a retomar a tentativa de desenhar suas características, coisa que o

legislador não fez, de molde a que se chegue a um denominador que, a um só

tempo, conflite minimamente com os princípios fundamentais do direito penal e

se destaque, da maneira mais evidente possível, dos demais elementos do delito,

a fim de que, em seguida, se possa cotejar essas conclusões diante do referido

dispositivo da nova lei falimentar (capítulo 8 supra).

Malgrado esse encargo decorrente da novel legislação falimentar,

visto que até então o debate poderia permanecer em terreno estritamente

doutrinário, há que se consignar as razões, das quais não se pode abrir mão, já

que não parece haver qualquer vantagem no reconhecimento da categoria das

condições objetivas de punibilidade.

Inicialmente, nota-se que, conforme dito, seria verdadeiramente

impossível admitir-se a categoria das condições objetivas de punibilidade, sem

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que houvesse o comprometimento da uniformidade da estrutura formal dos

delitos.

Isso porque, do momento em que se passa a admitir que em alguns

crimes, por poucos que sejam, exista uma categoria a mais que se insere de

forma absolutamente particular na estrutura do delito, condicionando a aplicação

da pena, estar-se-á, à evidência, comprometendo-se a uniformidade desta

estrutura, que passaria a não ser a mesma para toda a categoria e sorte de

infrações penais.

Por mais que se argumente que diante de uma condição objetiva de

punibilidade o delito já se encontra estruturalmente perfeito187, o fato é que seu

aperfeiçoamento pela efetiva aplicação da pena, ficaria na dependência de mais

uma variável ou, pelas palavras de Maurach, “[...] para que entre en acción el

efecto sancionador se requieren más elementos que aquellos que bastan para el

ilícito que configura el tipo.”188

É certo que alguns autores não vêem qualquer problema nesta

eventual modificação de estrutura189, e que, como teoriza Alimena, o

reconhecimento da categoria das condições objetivas de punibilidade

necessariamente importará em uma estrutura diferenciada para os casos em que

esta se verifique:Em substância, o crime e a pena estão ligados por uma relação decausa e efeito, em que, ubi crimen ibi pœna. Isto, porém, acontece no

187 Cfr. Ranieri: “Em efecto, el hecho típico está ya completo es sus partes, independientemente e que severifique la condición [...]” (Sílvio Ranieri, Manual de Derecho Penal, t. 1, p. 173).188 MAURACH, Reinhart. Tratado de Derecho Penal — Parte General, p. 374. No mesmo sentido está Cabana:“Son, en definitiva, circunstancias adicionales que operan como factores excepcionalmente agregados a loselementos objetivos y subjetivos de imputación.” (Patricia Faraldo Cabana, Falsas condiciones objetivas depunibilidad en los delitos contra la Administración de Justicia, In: El nuevo derecho penal español. EstudiosPenales en Memoria del Preofesor José Manuel Valle Muñiz, p. 1303-1316).189 Como pondera Bettiol, que acolhe a concepção tripartida do delito: “[...] sob o aspecto teleológico, atripartição tem um valor meramente programático: é um sistema que espelha uma realidade, mas que não sesuperpõe à própria realidade quando esta, em casos marginais, rebela-se contra a possibilidade de umatripartição.” (Giuseppe Bettiol, Direito Penal, v.1, p.273).

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maior número dos casos: em alguns casos (e são uma minoria) a penaestá em relação, não somente com o crime, mas também com acondição, na qual se estabelece o princípio ubi crimen et conditio ibipœna. Disto retiramos que o princípio, nulla pœna sine crimine, deve,nos casos em que é previsto uma condição, ser modificado para nullapœna sine crimine et condicione. A condição, portanto, não pode serconsiderada como um requisito do crime. 190

As considerações de Alimena são, de fato, inevitáveis quando se

sustente a existência do evento condicionante, de sorte que o aperfeiçoamento

do delito pela imposição da pena estaria sujeito a duas estruturas distintas, uma

delas, em caráter excepcional, adicionando o referido evento e outra não.

Se de um lado pode-se aqui concordar com a possibilidade de

reconhecimento da categoria das condições objetivas de punibilidade passaria

inevitavelmente por um processo de “desuniformização estrutural”, o que

ocorreria no interesse de garantir sua inserção na teoria geral do delito, por

outro, tal estado de coisas não nos parece verdadeiramente satisfatório.

Isso porque se deve obtemperar que a estrutura formal analítica das

infrações penais foi construída pela doutrina alicerçada nas garantias que, ao

longo dos séculos, foram conquistadas e elevadas à condição de princípios de

direito penal. É o caso, verbi gratia, da tipicidade, que enquanto elemento do

fato típico, nada mais é do que a exteriorização do princípio da legalidade dentro

da referida estrutura, bem como da culpabilidade, decorrência do imperativo do

nullun crimen sine culpa.

O reconhecimento da categoria das condições objetivas de

punibilidade, como se tem aqui enfatizado, importaria, no entanto, na criação de

um elemento adicional dentro da estrutura formal do delito o qual não se

sujeitaria às mesmas exigências principiológicas impostas aos demais elementos 190 ALIMENA, Francesco. Le condizioni di punibilità, p. 58, “tradução livre do autor”.

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da figura delituosa. Toledo, com razão, chega a observar que as condições

objetivas de punibilidade “[...] criam uma categoria nova de elementos do crime,

que não são típicos!...”191

Tal estado de coisas, numa perspectiva penal atual, mostra-se como

um perigoso subterfúgio para que a efetiva aplicação da pena se desvie dos

imperativos que servem de garantia e, bem por isso, devem verificar-se de forma

completa.

O argumento fica evidente quando se fala que as condições

objetivas de punibilidade não devem estar alcançadas pela vontade do agente,

embora sua punição esteja na dependência direta de seu advento.

Tal consideração converge para a inevitável questão da violação ao

princípio da culpabilidade que, depurado ao longo dos tempos, como lembra

Bettiol, “[...] leva o juiz a indagações psicológicas cada vez mais sutis.”192, de

sorte que o direito penal moderno há tempos vem garantindo maior relevo a este

aspecto e, por conseguinte, caminhando na mão contrária da vetusta

responsabilidade penal objetiva.

Com efeito, a orientação cada vez mais garantista da sistemática

hodierna, tem procurado banir os últimos resquícios — por mais tímidos que

sejam — de responsabilidade sem culpa que pontualmente se apresentem na

sistemática penal.

Às condições objetivas de punibilidade, notadamente naquelas

hipóteses em que a doutrina as apresenta como determinantes da lesão ao bem

191 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 156.192 Op. Cit.,p. 275.

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protegido, como no caso do delito de induzimento, auxílio ou instigação ao

suicídio, não há como negar-se a evidente situação de responsabilidade penal

objetiva. Tanto isso é verdade que há doutrinadores que não rejeitam esse estado

de coisas e abertamente admitem esses casos que, como resume Pagliaro,

“integram uma hipótese de responsabilidade objetiva mista com dolo: na

essência são verdadeiros eventos ‘mascarados’.”193

Com efeito, se por ocasião do Código Penal Italiano de 1930

admitia-se a introdução de formas de responsabilidade penal objetiva, é bem de

se ver que hodiernamente situações excepcionais dessa ordem não se acomodam

com o atual relevo emprestado ao coeficiente subjetivo dos delitos.194

O perfunctório panorama de que o aperfeiçoamento da norma penal

fique condicionado ao advento de fato absolutamente estranho à vontade do

agente, por si só já não revela possibilidade de acomodação com o princípio da

culpabilidade195 que, entrementes, ficará comprometido, como observa

Buompadre:“Si todo hecho, para ser merecedor de una pena, debe ser culpable,es decir, ser alcanzado por el dolo o por la culpa, y si las condicionesobjetivas de punibilidad no pertenecen al tipo ni quedan abarcadaspor la culpabilidad del autor, va de suyo que estas condiciones no

193 PAGLIARO, Antonio. Principi di Diritto Penale — parte general, p. 387, “tradução livre do autor”.Impressiona a posição de Saltelli e Romano-Di Falco quanto a este particular: “Il codice non esige che l’eventoda cui dipende il verificarsi di una condizione sia voluto, perchè, rispetto ai reati nei quali esso pone unacondizione al cui verificarsi subordina la punibilità, intende rendere più severa la repressione.” (Carlo Saltelli eEnrico Romano-Di Falco, Commento teorico-pratico del nuovo Codice Penale, v. 1, p. 273).194 Conforme critica Zaffaroni, acerca das disposições do Código Penal Italiano que reverenciam a categoria dascondições objetivas de punibilidade: “[...] son manifestaciones autoritarias del código italiano y que son, porende, inconstitucionales, como meras formas de responsabilidad objetiva. En efecto, la transformación deelementos típicos en las pretendidas ‘condiciones objetivas’ es una nefasta forma de responsabilidad objetiva[...]” (Eugenio Raul Zaffaroni, Tratado de Derecho Penal — Parte General, t. v, p. 54).195 Neste sentido está Benito: “La delimitación del injusto o del tipo punible por mérito de la concurrencia deuna circunstancia objetiva, extraña al ámbito de la conducta del sujeto activo del mismo, supone, por su propriaexistencia y efectos derivados, una infracción del principio de la culpabilidad, toda vez que aquella delimitaciónno resulta englobada en la culpabilidad. (José Luis Barron de Benito. La referencia a la cuantia del seguroobligatorio como condicion objetiva de punibilidad de los ilicitos culposos con resultado de daños. Afectaciondel principio de culpabilidad tras la reforma del codigo penal por la ley organica 3/1989, de 21 de junio, In:Actualidad Penal, n.° 45, p. 527-536).

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pueden ser admitidas en el marco de un derecho penal de laculpabilidad.” 196

Nessa perspectiva, é inevitável que a idéia da categoria das

condições objetivas de punibilidade seja rejeitada, à luz dos questionamentos

decorrentes dos influxos do “direito penal da culpa”, conforme a crítica incisiva

de Zaffaroni:“La circunstancia de que representen um ataque al principio deculpabilidad ha determinado que muchas hipótesis de responsabilidadobjetiva se canalizasen por esa via y, prácticamente, puede afirmarseque es el último reducto dogmático de la responsabilidad objetiva.Dadas estas características, otro sector doctrinario niega laexistencia de condiciones objetivas de punibilidad. Creemos que es latesis correcta, particularmente si tenemos en cuenta que esaubicación de ‘nexo al tipo’que no necesita de la tipicidad subjetivacorrespondiente, es abertamiente la confesión de que con ellas sepostula la restauriación de la responsabilidad objetiva.” 197

Nessa conformidade a conclusão inevitável é de que a categoria

das condições objetivas de punibilidade, por mais que a doutrina que as acolhe

tenha tentado sustentar, além de importar na introdução de mais um elemento na

estrutura do delito, acabaria por conflitar com o imperativo da culpa198, razão

porque sua existência a título de instituto de direito material não deveria ser

admitida.

O único argumento que ainda parece sustentar a defesa das

condições objetivas de punibilidade seriam razões de política criminal,

expressão certamente tão eloqüente quanto superficial e que, notadamente na

espécie, parece disfarçar o nefasto interesse de manterem-se abertas as portas da

196 BUOMPADRE, Jorge Eduardo. Insolvencia fraudulenta y condiciones objetivas de punibilidad en el derechopenal argentino, In: Política Criminal, Derechos Humanos y Sistemas Jurídicos en el siglo XXI, p. 165-178.197 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Op. Cit., p. 55. No mesmo sentido, na doutrina italiana destaque-se oargumento de Florian: “In definitiva questa categoria, se non nell’intenzione dei suoi fautori certo nel risultato,si riduce ad escludere come necessario, per certe parti del reato, il concorso dell’elemento soggetivo.” (EugenioFlorian, Trattato di Diritto Penale, p. 401).198 Segundo a conclusão de Zaffaroni sobre o tópico das condições objetivas de punibilidade “o se acepta elprincipio de culpabilidad o se rechaza la existencia de condiciones ‘objetivas’ de punibilidad.” (Eugenio RaulZaffaroni, Op. Cit., p. 57).

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responsabilidade penal objetiva, como nos pareceu pretender o legislador penal

italiano de 1930. Realmente, o instituto não se sustenta à luz da dogmática penal

vigente, porém, como registra Hassemer “Se puede forzar un argumento

calificado de ‘politicocriminal’al que casi siempre se recurre cuando fracasan

los sistemáticos y juridicoéticos.”199

Por conta de todos esses aspectos, é importante considerar,

finalmente e inclusive à vista dos interesses político-criminais, sobre a real

necessidade de construir-se essa categoria dentro da estrutura do delito, cuja

cogitação, à evidência, partiu sempre de algumas hipóteses concretas para a

tentativa de construção de um elemento diferenciado, ao invés de antes procurar

encaixar essas situações pontuais dentro dos elementos — materiais ou

processuais — já existentes e que poderiam, de forma satisfatória, mais simples

e menos polêmica, responder às poucas situações duvidosas que se levantam.200

Neste particular comunga-se aqui com Florian quando conclui que

“[...] parece, portanto, não ser possível acolher doutrinariamente esta categoria,

visto que é imprecisa e complica inutilmente coisas simples.”201

Por outras palavras, as hipóteses que alguns chamam de condições

objetivas de punibilidade poderiam ser perfeitamente acolhidas e assimiladas

como pertencentes a outros elementos do delito, como, aliás, vários autores,

entre os quais Asúa, têm insistido:“Ya dije que las condiciones objetivas y extrínsecas de punibilidadque mencionan los autores, no son propriamente tales, sino elementosvalorativos y, más comúnmente, modalidades del tipo. En caso de

199 HASSEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal, p. 238.200 Conforme expõem García: “[...] la teoria jurídica del delito resultaría más clara si se suprimieran, de los‘caracteres que lo forman’ las condiciones objetivas de punibilidad, que por no ser constantes y por estar tandiscutidas, no pueden ser ‘caracteres del delito’” (Diego Vicente Tejera García, Comentários al Código deDefensa Social, apud Luis Jiménez de Asúa, Tratado de Derecho Penal, v. VII, p. 40).201 FLORIAN, Eugenio. Op. cit., idem, “tradução livre do autor”.

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ausencia funcionarán como formas atípicas que destruyen latipicidad.A nuestro entender, las más genuinas condiciones objetivas son lospresupuestos procesales a que a menudo se subordina la persecuciónde ciertas figuras de delito, como la calificación de la quiebra.” 202

Por todos os aspectos até aqui expostos, tem-se, em síntese, que a

idéia da categoria das condições objetivas de punibilidade não nos traz qualquer

simpatia, visto que se de um lado sua existência tem se mostrado muito mais

onerosa do que proveitosa, já que as dúvidas que se colocam em relação a umas

poucas hipóteses concretas, poderiam ser respondidas, ao menos do ângulo

dogmático, de forma menos custosa aos princípios de direito penal e à clareza da

estrutura dos delitos, por outro, toda tentativa de traçar-se um grupo de

características comuns capazes de construir uma categoria diferenciada para

esses eventos condicionantes, acaba por confrontar diretamente com garantias e

princípios penais essenciais, o que não permitiu que até hoje se formasse na

doutrina um mínimo denominador comum em torno de suas características.

Retornando à origem das condições objetivas de punibilidade,

dentro da “teoria das normas”, de Binding, Kaufmann sustenta o mesmo ponto

de vista e inconformismo:

202 ASÚA, Luis Jiménez de. La Ley y el Delito, p. 531-532. No mesmo sentido está Florian: “A nostro aviso,pertanto, le accennate ipotesi s’ingranano senz’altro nella categoria degli elementi costitutivi del reato, anchese non lo sono del fatto; anche se non create dall’attività dell’agente, si riferiscono però al fatto quale da luicomesso od all’evento da lui cagionato col suo comportamento. D’altronde non sarà sempre agevole distinguerequeste condizioni dagli elementi costitutivi e dalle circonstaze del reato. Talora poi vengono qui assunteaddirittura condizioni di procedibilità, condizioni necessarie per l’esercizio dell’azione penale [...]” (EugenioFlorian, op. cit., idem). A mesma advertência é, ainda, feita por Kaufmann: “En verdad, cada vez se impone másdesde los distintos puntos de vista, la idea de que las llamadas condiciones objetivas de punibilidad, en parte,importan presupuestos de perseguibilidad, y en parte son simples elementos del tipo (elementos de la acción) obien son en parte ‘puros elementos del deber’.” (Armin Kaufmann, Teoría de la normas – Fundamentos de ladogmática penal moderna, p. 286.). Na doutrina pátria, Toledo expressamente rejeita a existência de qualquerconceito de condição objetiva de punibilidade, concluindo, tal como Asúa, que as hipóteses que repetidamente seapresentam a título de exemplo, por suas características próprias, estariam inseridas em outros institutos: “[...]pensamos nós que o exame mais detidos dos casos apresentados para justificar a existência das mencionadas‘condições’ revela, sem muita dificuldade, que alguns deles se identificam perfeitamente com as denominadas‘condições de procedibilidade’ (condições específicas da ação penal); os demais ou são características daconduta típica, portanto elementos do tipo, ou dizem respeito ao resultado, também elementos objetivos dotipo.” (Francisco de Assis Toledo, Princípios Básicos de Direito Penal, p. 156).

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“Lo que Binding ha designado como ‘condiciones objetivas depuibilidad’ no es um grupo cerrado de elementos que puedareconocerse según su estructura especial. Al contrario, se trata decasos de la más diversa especie, que dogmáticamente no pueden serreducidos a un común denominador. Precisamente en el punto en quela teoría de las normas ha alcanzado una resonancia general, resultainsostenible.” 203

Nesse contexto, pode-se concluir que a busca insistente de uma

estrutura que fosse capaz de esclarecer, de forma satisfatória, as escassas

dúvidas concretas que se apontam, poderiam ser satisfeitas mediante respostas

distribuídas dentro de elementos consagrados, não se mostrando, em síntese,

necessária a introdução de um novo elemento cujas fronteiras não se consegue

desenhar. Em relação aos poucos casos obscuros que fomentaram o surgimento,

na doutrina, das condições objetivas de punibilidade, concorda-se neste trabalho

com Florian quando conclui que “[...] alcançar-se-á a clareza retornando ao

antigo, isto é, à simples categoria dos elementos constitutivos, abandonando a

nova e oscilante figura jurídica, tão exaustivamente fantasiada.”204

No entanto, se na ciência penal pátria a questão das condições

objetivas de punibilidade foi discussão que sempre se manteve no plano

estritamente doutrinário, é bem de se ver, como já dito, que após o advento da

Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, o instituto ganhou vida expressa

quando reconheceu, em seu artigo 180, que a sentença declaratória de falência, a

que concede recuperação judicial ou homologa o plano de recuperação

extrajudicial à empresa, são condições objetivas de punibilidade.

Como advertido ao início deste capítulo, a partir de então, tem-se a

contingência de, ao invés de rejeitar a categoria das referidas condições205, por

203 KAUFMANN, Armin. Op. cit., p. 287.204 FLORIAN, Eugenio. op. cit., p. 400, “tradução livre do autor”.205 Situação semelhante ocorreu a partir do Código Penal Italiano de 1930, diante da expressa previsão dascondições objetivas de punibilidade na Parte Geral (art. 44), registrando Asúa que alguns doutrinadores “[...] se

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conta dos argumentos até agora pormenorizados, ter de desenhar, diante da nova

previsão legal, seus contornos, já que o dispositivo citado limitou-se a afirmar

sua existência sem, no entanto, delimitar suas características mínimas.

É de se observar, ainda, que embora a referida norma haja

reconhecido a categoria das condições objetivas de punibilidade, não significa

que a questão em relação às infrações penais da mesma lei tenham se tornado

pacífica, aspecto que será abordado com cautela mais adiante (capítulo 8 supra).

Por agora, feitas as considerações pelas quais não se vê qualquer

vantagem nas condições objetivas de punibilidade, importa, diante da previsão

legal, apenas considerar suas características para, em seguida, cotejá-las com as

disposições da nova lei falimentar (capítulo 8 supra), reservando, inclusive,

considerar sobre a possibilidade das figuras típicas lá estampadas acomodarem-

se, em sua totalidade, a um único grupo de características traçadas a título de

condições objetivas de punibilidade.

Assim, por todo exposto ao longo dos subitens do presente capítulo,

cumpre sintetizar o grupo de características a serem preenchidas para que dado

evento possa ser reconhecido como condição objetiva de punibilidade.

Por razões lógicas e em conformidade com o quanto se tem aqui

sustentado, o caráter de independência volitiva, que garante às ditas condições o

caráter objetivo, deve ser considerado como conseqüência das demais

características, observadas no plano da imputatio facti206, única forma de

ven precisados a a aceptarlas por imperio del art. 44 [...]” (Luis Jiménez de Asúa, Tratado de Derecho Penal,v. VII, p. 45)206 Conforme considera Pannain: “[...] le condizioni di punibilità sono un quid di autonomo, di distintodall’evento e dagli altri elementi del reato; devono, perciò possedere caratteri che imprimano ad esse una suitasinconfondibile, e che, perciò, non possono essere quelli di alcuno degli altri elementi del reato.” (RemoPannain, Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 276).

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reduzir-se o espectro do instituto e, via de conseqüência, diminuir a

possibilidade de alargamento das hipóteses de responsabilidade penal objetiva.

Assim, inicialmente, importa reiterar que o evento condicionante

deve encontrar-se situado fora do enunciado típico, tanto para que não se

confunda com os próprios elementos do delito, quanto para que se possam ver

reduzidos os conflitos com o imperativo da abrangência subjetiva de todos os

elementos típicos (subitem 7.4. retro).

Considerada sua estranheza ao tipo penal, o evento condicionante

deve, também, encontrar-se afastado da linha de desdobramento causal da

conduta típica desenvolvida pelo agente ou, por outras palavras, não se

apresentar em relação de conseqüência com o delito perpetrado, o que se

sustenta no intuito de evitar-se que, na prática, deixe-se em aberto a

possibilidade de que o próprio resultado do delito, por simples manobra legal,

não se veja alcançado pela necessidade de imputação subjetiva, via de efeito

comprometendo o princípio da culpabilidade (subitem 7.2. retro). Nesse sentido,

não se vê no evento morte ou nas lesões corporais de natureza grave, um evento

condicionante do delito de induzimento, auxílio ou instigação ao suicídio.207

Trata-se de verdadeiros resultados que devem ser creditados ao agente ao menos

a título de dolo eventual.

No que tange ao aspecto temporal, somente poderá ser admitido a

título de evento condicionante aquele que se coloque em relação de

concomitância ou sucessão à execução do delito, de sorte que qualquer outro

elemento preexistente deve ser admitido como integrante da figura delituosa e

207 Igualmente se posiciona Silveira para quem no delito do artigo 122 do Código Penal “[...] é evidente arelação de dependência causal, objetiva e subjetiva, do evento morte ou lesão grave com a ação do induzidor,instigador ou auxiliador ao suicídio.” (Euclides Custódio da Silveira, Direito Penal (Crimes contra a pessoa), p.100).

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não como condição objetiva de punibilidade (subitem 7.3. retro). Por essa razão,

tem-se que nos crimes pós-falimentares a sentença de quebra não pode, de

plano, ser cogitada como condição objetiva de punibilidade, situação que será

pormenorizada adiante (capítulo 8 supra).

Por fim, somente o conjunto concomitante desses aspectos de

ordem objetiva é que permite a configuração da característica principal do

instituto — a autonomia volitiva do evento condicionante — que, conforme dito

(subitem 7.1. retro) deve apresentar sua independência subjetiva de forma plena,

razão precípua porque se insiste, também no distanciamento causal.

Nesse contexto — reiterando, a particular antipatia deste trabalho

pela idéia da categoria das condições objetivas de punibilidade, mas

reconhecendo ainda a necessidade de traçar seus contornos diante da previsão

legal na lei falimentar — e pelos fundamentos pormenorizados, procura-se fixar

as características que, no entender deste trabalho, contrastariam minimamente

com os princípios que informam a ciência penal hodierna e, de certa, forma

distanciaria o instituto dos demais elementos do delito.

Pavimentada a questão das condições objetivas de punibilidade, de

forma genérica, por meio dessas considerações importa, então, observá-las à luz

da dinâmica da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, ponderando a

adequação da norma contida no artigo 180 que estabeleceu genericamente para

todas as infrações penais estampadas no mesmo diploma legal, a declaração de

falência, a concessão de recuperação judicial ou extrajudicial como condições

objetivas de punibilidade.

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8 A SENTENÇA QUE DECRETA A FALÊNCIA, CONCEDE A

RECUPERAÇÃO JUDICIAL OU CONCEDE A RECUPERAÇÃO

EXTRAJUDICIAL COMO CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE

— O ARTIGO 180 DA LEI N.° 11.101 DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005 E

OS CRIMES FALIMENTARES EM ESPÉCIE

Conforme observado, a nova legislação falimentar, diferentemente da

legislação que a antecedeu (Decreto-Lei n.° 7.661/45), inovou ao declarar

expressamente a natureza jurídica da sentença que decreta a falência ou que

concede a recuperação judicial ou extrajudicial da empresa, como condições

objetivas de punibilidade de suas infrações penais, agrupadas entre os artigos

168 a 177 da mesma Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. É o que ficou

proclamado no artigo 180, in verbis: “Art. 180. A sentença que decreta a

falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial

de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das

infrações penais descritas nesta Lei.”

Porém, muito além desse aspecto, é bem de se ver que o referido diploma

legal foi, na legislação brasileira, a primeira norma a efetivamente fazer

referência ao instituto das condições objetivas de punibilidade, sem, no entanto,

definir-lhe as características, tentativa que preliminarmente empreendemos

(capítulo 7 retro), antes de traçar nossas considerações acerca da conveniência

desta previsão legal, especialmente na dinâmica em que foi colocada.

Conforme salientado, ao consignar nossa posição, no sentido de não

visualizarmos qualquer vantagem ou conveniência no reconhecimento da

categoria das condições objetivas de punibilidade, (subitem 7.6 retro), a

doutrina, ao tratar do tema, freqüentemente parece adotar um processo indutivo

em que, a partir de algumas poucas hipóteses concretas, tenta buscar um

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conjunto uniforme de características às ditas condições. Ocorre que, além de não

se haver, até hoje, conseguido alcançar minimamente um grupo de

características comuns, capazes de garantir às ditas condições o status de

categoria208, também não há na doutrina consenso sequer quanto às hipóteses

legais em que estas se verificam, de sorte que eventos que uns entendem como

condições objetivas de punibilidade, outros reconhecem natureza jurídica

distinta.

É justamente o que ocorre em relação ao decreto falimentar que, embora

alguns autores recorrentemente exemplifiquem como hipótese de condição

objetiva de punibilidade, outros, que inclusive admitem a existência de tais

condições, não entendem que tal hipótese possa ser dessa forma admitida. Esse

ponto não escapa do mesmo grau de polêmica que notabiliza a própria existência

e contornos da categoria das condições objetivas de punibilidade.

Assim, reconhecem a sentença de falência como condição objetiva de

punibilidade dos crimes falimentares — sem, contudo, aprofundar a questão —

Galdino Siqueira, Miguel Reale Júnior, Nelson Hungria, Luiz Régis Prado, René

Ariel Dotti, Ernst Von Beling, Reinhardt Maurach, Franz Von Listz, Antimo Di

Lorenzo, Edmund Mezger, Francisco Muñoz Conde e García Arán, Giulio

Battaglini e Hans Welzel (os últimos quatro autores apenas em relação aos

crimes antefalimentares).

Em sentido contrário, encontramos Everardo da Cunha Luna, Juan Bustos

Ramirez, Carlos Fontán Balestra, Luis Jimenez de Asúa, Henrique Cury Urzua,

208 Alguns autores sustentam que as condições objetivas de punibilidade não possuem, de qualquer forma, caráterhomogêneo. Neste sentido está Mezger: “La exacta delimitación de estas llamadas condiciones objetivas depenalidad se dificulta más aún a causa de que no revisten carácter unitario.” (Edmund Mezger, Tratado deDerecho Penal, p. 370). E, ainda, Reinhart Maurach, Derecho Penal — Parte General, p. 373.

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Francisco de Assis Toledo, José Frederico Marques, Antônio Pitombo e Eusébio

Gómez.

Consideradas as características absolutamente peculiares das infrações

penais falimentares, bem como a diversidade de tipos penais estampados na Lei

n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a questão não parece passível de respostas

genéricas e, menos ainda, de previsões legais com a amplitude que emprestou o

legislador. A situação exige um processo detido de análise, capaz de decantar as

hipóteses em que os eventos arrolados no artigo 180 possam ser ao menos

debatidos a título de condições objetivas de punibilidade, bem como identificar a

natureza jurídica dos mesmos nos demais casos.

O que não será possível, e neste particular adiantamos parte de nosso

ponto de vista, é afirmar que, em qualquer infração penal arrolada na Lei n.°

11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a sentença de quebra ou a que concede

recuperação judicial ou extrajudicial, possua natureza de condição objetiva de

punibilidade, o que se conclui por variados aspectos, os quais podem ser

diagnosticados de antemão a título genérico, antes de ingressar-se na análise

detida de cada uma das figuras delituosas.

De início, há que se considerar, coisa que o legislador também não fez,

duas categorias distintas de delitos falimentares, levadas em conta na doutrina

em função da situação cronológica do evento condicionante. Assim, afirma-se,

com razão, a dicotomia entre delitos pré-falimentares e delitos pós-falimentares.

Os primeiros seriam aqueles em que a conduta típica tenha sido executada

no período que antecedeu o evento condicionante. Os segundos, por outro lado,

teriam a realização da figura delituosa após a ocorrência do dito evento. Essa

classificação, releva notar, deve ser considerada, também em relação à sentença

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que concede recuperação judicial ou extrajudicial, visto que, na conformidade

do citado artigo 180, são colocadas, igualmente à sentença de quebra, como

condições objetivas de punibilidade, nesse particular funcionando da mesma

forma como eventos condicionantes.

Embora a utilidade dessa classificação nem sempre seja reconhecida209, a

distinção é fundamental210, especialmente quando se discute a natureza jurídica

da sentença de quebra, ou das que concedem recuperação.

Isso à vista de que, conforme já sustentado de forma genérica (subitem

7.3. retro), só e somente os fatos que se apresentem contemporâneos ou

posteriores à execução do tipo penal é que podem ser cogitados como

pertencentes à categoria das condições objetivas de punibilidade.

De fato, pelos argumentos expendidos alhures, fica muito difícil

argumentar que um evento possa condicionar a aplicação da sanção de um crime

que sequer ingressou em fase de execução, razão por que não se mantém a

afirmação de que nos chamados crimes pós-falimentares os eventos relacionados

no artigo 180 possam ser reconhecidos como condições objetivas de

punibilidade.

209 Neste sentido está Führer: “Não há dúvida que existem crimes praticados antes da falência e crimespraticados depois da falência. Entre as duas situações, porém, inexiste qualquer diferença ontológica, nãohavendo interesse em se dizer que os primeiros seriam crimes ‘condicionais’e os outros não. Na verdade, todoseles dirigem-se a um único fim, qual seja, o de lesar ou colocar em perigo os interesses da massa falida. Numsentido amplo, não existe, portanto, nenhuma diferença essencial entre crimes antefalimentares e crimes pós-falimentares.” (Maximilianus Cláudio Américo Führer, Crimes Falimentares, p. 27)210 Carrara considerava a distinção entre os crimes pré-falimentares e pós-falimentares de capital importância,sobretudo no que tange ao perfil criminológico do agente. Para o referido autor, os delitos pré-falimentaresimportam numa situação mais grave na medida em que o agente tenha dado causa à quebra da empresa por meiode manobras fraudulentas, o que deveria ensejar uma sanção expressivamente severa. Os delitos pós-falimentares, de outra banda, representariam uma situação menos reprovável, porquanto o falido, diante de suainsolvência, encontrar-se-ia sob influência do pânico da iminente miséria e de outros receios análogosdecorrentes da insolvência, concluindo, assim, que “[...] sotto il punto di vista giuridico presenta un delittoessenzialmente minore nella forza volitiva del delinqüente: ciò è incontrastabile.” (Francesco Carrara, Pensierisulla nozione della bancarotta, In: Opuscoli di Diritto Criminale, v. V, p. 160-176.)

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Como fatos antecedentes do próprio crime, os referidos eventos são, em

verdade, autênticos elementos do delito, passando a integrar o conjunto de

circunstâncias preexistentes que se acham contempladas na figura delituosa e,

via de efeito, alcançadas pelo prévio conhecimento do agente, o que não se

acomoda com a característica de incerteza e de autonomia subjetiva do evento

condicionante.

Nesse panorama, a previsão genérica estabelecida no artigo 180 da nova

lei falimentar, não se sustenta com a amplitude que lhe foi dada.

Realmente, mesmo aqueles que, nos crimes pós-falimentares não

reconhecem, nos eventos arrolados no referido artigo, um elemento do delito,

mas um pressuposto deste, rejeitam, pelos mesmos argumentos, qualquer

excogitar na direção de uma hipótese de condição objetiva de punibilidade,

como se vê em Fragoso:A condição objetiva de punibilidade somente pode ser umacontecimento futuro ou concomitante e incerto, pois de outra formanão teria sentido a sua disciplina jurídica. As condições anteriores àação ou omissão devem ser consideradas pressupostos do crime.Assim sendo, a sentença declaratória de falência é pressuposto doscrimes falimentares praticados posteriormente à mesma, [...] 211

Ademais disso, um outro argumento, agora relativo à prescrição, vem

reforçar o equívoco legislativo em não distinguir os crimes pós-falimentares.

Com efeito, a prescrição penal nos delitos previstos na Lei n.° 11.101, de

9 de fevereiro de 2005, à guisa do que ocorreu no Código Penal Italiano (art.

211 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Pressupostos do crime e condições objetivas de punibilidade (2.ª parte), In:Revista dos Tribunais, v. 739, p. 753-761. No mesmo sentido está Pannain: “Se si esaminano, invece, quelleipotesi nelle quali l’attività criminosa segue alla dichiarazione di fallimento (es. Art. 216 cpv. legge fall.), ladichiarazione stessa é un presupposto della condotta criminosa, perchè non possono ipotizzarsi condizioni dipunibilità anteriori alla consumazione.” (Remo Pannain, Manuale di Diritto Penale, v. 1, p. 283).

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158212), foi disciplinada de forma peculiar no que tange ao seu termo inicial que,

na conformidade do artigo 182213, terá início a partir do advento da condição

objetiva de punibilidade, in casu com o decreto falimentar ou com a sentença

que concede recuperação à empresa.

A situação é, de certa forma, análoga àquela adotada pelo Código Penal

Italiano, que fixa o início da contagem da prescrição nos delitos condicionados,

a partir da ocorrência do evento condicionante.

Ocorre que, enquanto no Código Penal Italiano fica evidenciado que a

condição objetiva de punibilidade nunca será um evento anterior à conduta — já

que a punibilidade é pretensão que sucede o delito já realizado — a lei

falimentar pátria ignorou o fato de que previu modalidades de delitos cuja

conduta típica é passível de desenvolver-se após o surgimento do evento

condicionante (delitos pós-falimentares), não distinguindo, contudo, estas duas

situações no que tange ao termo inicial da prescrição.

Esse estado de coisas revela grave impropriedade do legislador brasileiro,

quando se tem em consideração que nos crimes pós-falimentares a contagem do

prazo prescricional, segundo a determinação legal, deverá ter início antes

mesmo da prática da própria infração penal.

Ora, a situação colocada dessa forma, permite ponderar que um delito

pós-falimentar possa ter sua pretensão punitiva prescrita antes mesmo da

212 In verbis: Art. 158. Decorrenza del termine della prescrizione. Il termine della prescrizione decorre per ilreato consumato, dal giorno della consumazione; per il reato tentato, dal giorno in cui é cessata l’attività delcolpevole; per il reato permanente o continuato, dal giorno in cui è cassata la permanenza o la continuazione.Quando la legge fa dipendere la punibilitá del reato dal verificarsi di una condizione, il termine dellaprescrizione decorre dal giorno in cui la condizione si è verificata. Nondiemo, nei reati punibili a querela, istanzao richiesta, il termine della prescrizione decorre dal giorno del commesso reato.”213 In verbis: Art. 182. A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições do Decreto-Lein.° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a correr do dia da decretação da falência, daconcessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial.

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execução do delito, o que evidencia, em termos práticos, a falha palmar em que

se incidiu.

Por outro lado, se a sentença de quebra e a que concede alguma forma de

recuperação fosse, ao menos no tange aos crimes pós-falimentares, havidas

como elementos do delito, ou até como pressupostos deste, não haveria qualquer

problema nesse sentido, visto que o início da prescrição viria a partir da

execução do tipo penal, seguindo a regra geral do instituto.

Toda essa situação aqui evidenciada deixa claro que, conforme advertido

(subitem 7.3. retro), qualquer fato anterior ao próprio delito não pode ingressar

na categoria das condições objetivas de punibilidade a fim de evitar, como

adverte Pagliaro,“[...] o absurdo de deixar decorrer o termo prescricional de um

momento em que não só o fato ilícito não se concluiu, mas nem mesmo se

formou o seu núcleo essencial.”214

Esse aspecto, por si só, já deixa assente que o legislador, ao pretender

introduzir a categoria das condições objetivas de punibilidade, de forma

genérica na Lei de Falências, o fez de maneira absolutamente descompassada,

visto que não considerou que as infrações penais de natureza falimentar não

apresentam uma estrutura homogênea que permita afirmar que em todos os

casos, a sentença de quebra ou concessiva de recuperação possa assumir a

natureza de evento condicionante, especialmente em função da relação temporal

que se estabeleça entre estas e a execução do delito.

214 PAGLIARO, Antonio. Principi di diritto penal — parte generale, p. 390, “tradução livre do autor”. Namesma direção está D’Ascola: “[...] sembra del tutto esatto il criterio di segno negativo secondo il quale lacondizione non potrà mai consistere in un evento antecedente rispetto alla condotta del colpevole e ciò perché,altrimenti, si finirebbe per immaginare la possibilità che la prescrizione del reato inizi a decorrere ancor primadella sua stessa consumazione , dato che l’art. 158 cpv.c.p. fissa, per i reati condizionali, la decorrenza deltermine di prescrizione a partire dal momento in cui si verifica la condizione stessa.” (Vincenzo Nico D’Ascola,

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Nessa conformidade, os delitos pós-falimentares não podem ser havidos

como condicionados e, a despeito da expressa previsão legal, os eventos

arrolados no referido artigo 180 devem ser tomados nesses casos, como

elementos típicos e, por via de conseqüência, contemplados pela vontade do

agente tal como os demais que integram a figura delituosa. Esse aspecto da lei, à

evidência, reclama célere reparo, especialmente no que tange à questão

prescricional que, conforme salientado, contraria o bom senso.215

Afastadas essas hipóteses do âmbito das condições objetivas de

punibilidade, resta, então, a análise da questão em relação aos delitos pré-

falimentares, ou seja, naquelas hipóteses em que os eventos relacionados no

artigo 180, se apresentem concomitantemente ou após a realização dos tipos

penais.

Com efeito, também nesses casos não há uma uniformidade casuística que

permita sustentar que a sentença de quebra ou concessiva de recuperação são,

genericamente, condições objetivas de punibilidade, o que se percebe por mais

de um ângulo.

Conforme sustentado ao traçar as características das condições objetivas

de punibilidade (capítulo 7 retro), estas devem ser elementos estranhos ao

enunciado do delito (subitem 7.4. retro), especialmente porque este deve estar

alcançado, de forma abrangente, pela vontade do sujeito ativo, enquanto que as

Punti fermi i aspetti problematici delle condizioni obiettive di punibilità, In: Rivista Italiana di Diritto eProcedura Penale, v. 36, p. 652-681).215 Nucci sustenta que nos crimes pós-falimentares deve-se tomar como termo inicial da prescrição a data daconsumação do delito: “[...] quando a conduta criminosa se concretizar após o advento da sentença de falênciaou decisão de concessão de recuperação judicial ou extrajudicial, torna-se absurdo supor que a prescrição jácomeçara, isto é, antes de o agente atuar já se computava prescrição contra o Estado. Nessas situações, aprescrição deve ter, como regra geral, o disposto no art. 111, I e II, do Código Penal (começa a prescrição dadata em que o crime se consumar ou em que se der a cessação da atividade criminosa em caso de tentativa).”(Guilherme de Souza Nucci, Leis penais e processuais penais comentadas, p. 576.

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ditas condições, ao contrário, devem justamente permanecer afastadas de

qualquer conteúdo volitivo, corolário de sua própria natureza objetiva.

Ademais disso, todo elemento fixado no enunciado descritivo integra o

tipo penal, de sorte que o evento condicionante, considerado enquanto categoria

distinta, não pode se encontrar lá inserido, sob pena de não se distinguir dos

próprios elementos típicos e, via de conseqüência, não fixar um grupo

objetivamente diferenciado dentro da teoria geral do delito.

Em que pesem essas características, aceitas de forma predominante na

doutrina, é bem de se ver que o legislador falimentar as ignorou de maneira

evidente, porquanto, embora haja fixado a sentença de quebra ou as que

concedem qualquer forma de recuperação à empresa como condições objetivas

de punibilidade, em diversas ocasiões inseriu os supostos eventos

condicionantes diretamente nos enunciados dos tipos penais.

É ao que se assiste nos delitos de Fraude a credores (artigo 168),

Divulgação de informações falsas (artigo 170), Indução a erro (artigo 171),

Favorecimento de credores (artigo 172), Desvio, ocultação ou apropriação de

bens (art. 173), Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens (art. 174),

Habilitação ilegal de créditos (art. 175), Violação de impedimento (art. 177) e

Omissão de documentos contábeis obrigatórios (art. 178).

Em todas essas infrações, os supostos eventos condicionantes pertencem

expressamente à estrutura do fato típico e, a despeito das respeitáveis opiniões

em contrário (subitem 7.4 retro), tem-se que essa característica não se acomoda

com aquelas que envolvem as condições objetivas de punibilidade.

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Essa assertiva fica evidente quando se pondera que, se a característica

inafastável do delito condicionado é que o enunciado deste esteja realizado em

todos os seus elementos, de sorte que o evento condicionante viria em seguida,

apenas limitar a aplicação da pena, não há como afirmar que, estando a sentença

de quebra ou concessiva de recuperação inseridas no tipo, possam ser havidas a

este título. E não podem justamente porque, enquanto não se realizarem, o

próprio tipo penal não estará completo, de molde a poder cogitar-se do

aperfeiçoamento da punibilidade, momento que inegavelmente se sucede à

realização integral do enunciado.

Essa é, sem dúvida, outra impropriedade palmar em que o legislador

incidiu, visto que não poderia estabelecer um sistema em que as supostas

condições objetivas de punibilidade não se distinguem, no plano objetivo, dos

demais elementos do tipo penal.

Outros ângulos, no entanto, demonstram que, à evidência, o dispositivo

em comento foi falho, em função da configuração incompatível com a

diversidade de características das figuras delituosas com as quais se relaciona.

De fato, percebe-se que a referida lei previu infrações penais em que os

supostos eventos condicionantes encontram-se diretamente na linha de

desdobramento da conduta perpetrada pelo agente, o que fica bastante evidente

especialmente naqueles casos em que o delito vise justamente ao

comprometimento da saúde financeira da empresa. É a hipótese, verbi gratia, da

Violação de sigilo empresarial (artigo 169) e da Divulgação de informações

falsas (artigo 170).

Conforme observado alhures (subitem 7.2. retro), o evento condicionante

não pode encontrar-se causalmente ligado à conduta do agente, sob pena de, a

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um só tempo, confundir-se com o próprio resultado do delito — ainda que a

norma o nomeie como condição objetiva de punibilidade — e, por via de

conseqüência, apresentar-se subjetivamente vinculado ao sujeito ativo, o que, de

novo, contrasta com o próprio caráter objetivo das ditas condições.

Em síntese, a conduta do agente não pode haver contribuído para o

decreto de falência ou para a concessão de recuperação, para que estas possam

ser reconhecidas como condições objetivas de punibilidade, consideração que,

por sinal, Mirabete já fazia ainda na vigência da antiga Lei de Falências

(Decreto-lei n.° 7.661/45): “Exemplo de condição objetiva de punibilidade é a

sentença declaratória de falência em relação aos crimes falimentares (nas quais a

ação é anterior à decisão), desde que a conduta não tenha sido a causa da

quebra.” 216

Por mais que funcionalmente o legislador insista em atribuir aos eventos

indicados a nomenclatura de condições objetivas de punibilidade, é bem de se

ver que a norma não pode se distanciar dessa forma da realidade, de sorte que

atribuir-se o caráter de objetividade a um evento que foi causado e até buscado

pelo agente, ainda que de forma eventual, não enseja qualquer chance de

acomodação na estrutura da referida categoria.

A própria autonomia volitiva — característica maior das condições

objetivas de punibilidade — não se mostra passível de acomodação em certas

hipóteses. Veja-se, verbi gratia, a figura da Divulgação de informações falsas

(artigo 170). Seu enunciado prevê expressamente a finalidade específica de levar

o devedor à falência. Como é possível o legislador pretender afirmar que, em

hipótese dessa ordem, há a independência da vontade, quando o enunciado do

216 Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal, v. 1, p. 381.

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delito taxativamente conduz o dolo do agente à sua expressão superlativa,

justamente na direção do suposto evento condicionante?

A incongruência é de clareza solar. Não há como descrever um tipo penal

fixando a finalidade específica de produzir determinado evento como elementar

e, alguns artigos adiante, afirmar o caráter meramente objetivo217 do mesmo

evento. In casu, se não restar comprovado o dolo do agente, direta e

especificamente voltado à produção da quebra da empresa, a conduta será

inclusive atípica.

O conjunto desses argumentos evidencia que o legislador falimentar

debruçou atenção aquém do necessário, no estudo preliminar das condições

objetivas de punibilidade, haja vista que desconsiderou a diversidade de

circunstâncias que as figuras delituosas capituladas apresentam entre si.

Esse estado de coisas mostra-se ainda mais crítico em razão da ausência

de norma que descreva as condições objetivas de punibilidade, restando apenas

um grupo de infrações particulares que não apresentam um conjunto uniforme

de traços comuns, passíveis de permitir, pelo processo indutivo, estabelecer-se

um rol de características gerais que configurassem as referidas condições.

Realmente, o legislador agiu com impropriedade ímpar ao introduzir, na

lei penal brasileira, pelos portões dos crimes falimentares, a categoria das

condições objetivas de punibilidade, sendo de absoluta procedência a crítica de

Pitombo ao artigo 180 do novel diploma falimentar:Por capricho acadêmico, conseguiram classificar a sentençadecretatória da falência como condição objetiva de punibilidade,perspectiva torta que vingou na versão final aprovada pelo Congresso

217 Nesse particular divergimos diametralmente de Reale Júnior quando afirma: “A declaração de falência écondição objetiva de punibilidade nos crimes falimentares e evidentemente não integra a vontade do agente.”(Miguel Reale Júnior, instituições de Direito Penal, v. 1, p. 229).

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Nacional (art. 180, da Lei n.° 11.101/05), mas que não se sustentafrente à melhor interpretação.218

Consignadas — de forma genérica — as razões pelas quais não se vê a

possibilidade de acomodar-se a sentença de quebra ou concessiva de

recuperação na categoria das condições objetivas de punibilidade, em relação à

totalidade das infrações penais contidas na Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de

2005, como determinou o artigo 180 do mesmo diploma, importa, então,

considerar a questão de forma pontual, em relação a cada uma das onze

infrações penais estampadas na referida lei.

A análise individual, é fundamental advertir, não tem por objetivo

detalhar de forma completa todos os aspectos dos tipos penais, mas apenas das

situações contextualizadas em seus enunciados, a fim de que se possa

aprofundar a questão da natureza jurídica da sentença de quebra ou concessiva

de recuperação, objetivo da presente pesquisa.

8.1 Fraude a Credores

Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a

falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação

extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos

credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou

para outrem.

Pena — reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Aumento de pena

§ 1.° A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o

agente:

218 PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes. Velhos Fantasmas, In: Boletim do Instituto Brasileiro deCiências Criminais, n.° 148, p. 11.

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I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;

II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que

neles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;

III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais

armazenados em computador ou sistema informatizado;

IV – simula a composição do capital social;

V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos

de escrituração contábil obrigatórios.

Contabilidade paralela

§ 2.° A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor

manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade

exigida pela legislação

§ 3.° nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis,

auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para

as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua

culpabilidade.

Redução ou substituição de pena

§ 4.° Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de

pequeno porte, e não se constatando prática habitual de condutas

fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de reclusão

de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penas restritivas de

direitos, pelas de perda de bens e valores e pelas de prestação de serviços à

comunidade ou a entidades públicas.

O art. 168 é, na verdade, a quase repetição do art. 187 da revogada

Lei de Falências (Decreto-Lei n.° 7.661/45), tipo penal em que descansava a

expressiva estatística de incidências, corolário, certamente, da amplitude do

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enunciado que genericamente previa a prática de qualquer sorte de fraude em

prejuízo dos credores da massa falida.

O artigo em comento não repete, ipsis literis, a redação empregada

na legislação anterior, de conteúdo inegavelmente mais enxuto. De fato, foi

expandido não apenas em função da criação dos novos institutos da recuperação,

mas também pela inserção de causas de aumento (§s 1.° e 2.°) e de diminuição

de pena (§ 4.°), bem como de disposições relativas ao concurso de agentes (§

3.°).

A idéia central do caput, contudo, permanece focada na previsão

genérica da fraude — daí Batista denominar o delito de “estelionato falencial”219

— assumindo, por outro lado, incidência residual, porquanto terá aplicação

quando a manobra fraudulenta não vier descrita de maneira específica em algum

dos incisos ou até em outro artigo do mesmo diploma legal, técnica que o

legislador houve por bem adotar em relação às fraudes mais evidentes no meio

empresarial.

O núcleo do tipo penal descreve conduta comissiva, traduzida pelo

verbo praticar que significa fazer, cometer, realizar, executar, levar a efeito ato

fraudulento capaz de comprometer o patrimônio dos credores da empresa.

Sendo a prática da fraude a conduta nuclear do delito em questão, e

não estando definidos os seus contornos nem no tipo penal em apreço, nem em

outro de nossa legislação220, deve ser havida, conforme genericamente exposta

na doutrina, como o artifício, o logro ou a manobra ardilosa, voltada, em

219 Nilo Batista, Lições de Direito Penal Falimentar, p. 111.220 A expressão fraude já era encontrada em diversos outros tipos penais como, verbi gratia, os dos arts. 179(fraude à execução), 335 (Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência) e 358 (violência ou fraude emarrematação judicial), todos do Código Penal, sem, no entanto, ter definidos os seus elementos.

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qualquer caso, a alcançar uma vantagem indevida ao agente; ou, conforme a

definição de Garraud, muito apropriada à dinâmica da fraude falimentar:A fraude é um processo de execução de delitos contra a propriedadeque consiste em obter, por uma manobra mentirosa a entrega de umvalor (dolo), ou em frustrar, por apropriação fraudulenta, a confiançade um credor (fraude propriamente dita) .221

Na análise da parcela objetiva do tipo penal vê-se, ainda, que, na

esteira da legislação anterior, a fraude falimentar não se aperfeiçoa enquanto

delito, mediante a simples prática de manobra fraudulenta. Há, ainda, a

exigência de que a fraude resulte ou possa resultar prejuízo aos credores.

Ao abordar a questão do resultado nesses termos, o legislador

acabou por elevar a fraude a credores à condição de crime de perigo, na medida

em que entendeu bastante a simples exposição a risco do bem jurídico protegido

— in casu, o patrimônio dos credores. Embora haja previsto também o efetivo

prejuízo aos credores, é bem de ver-se que equiparou, para fins de resultado, o

prejuízo real à simples ameaça.

No que tange ao elemento subjetivo, vê-se que o delito é punido

exclusivamente a título de dolo, agregando-se, no entanto, ao dolo genérico, o

dolo específico, introduzido no tipo penal pela expressão com o fim de obter ou

assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. A vantagem referida é

aquela de natureza econômica, o que fica subentendido notadamente em função

221 René Garraud, Traité Theorique et Pratique du Droit Penal Français, t. VI, p. 305, “tradução livre do autor”.Cf., ainda, o magistério de Guilherme de Souza Nucci, “fraudar significa lesar ou enganar com o fito de obterproveito.” (Código Penal Comentado, p. 717.). Mais pontual em relação ao tema é a definição de NOSTRE, aocomentar o artigo em tela: “A fraude, seja no âmbito penal, seja no âmbito civil, caracteriza-se pelo vício do atojurídico, consistente tanto na manipulação de seus requisitos e pressupostos quanto no desvirtuamento dosefeitos previstos pelo ordenamento. Nesse contexto, o ato fraudulento somente se perfaz se sua realização tiversido conseqüência de engodo, simulação, falsidade ou induzimento em erro, bem assim, se seus efeitos foremdeliberadamente distintos daqueles normalmente previstos no ordenamento.” (Guilherme Alfredo de MoraesNostre, Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes(Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 538).

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da objetividade jurídica do delito que descansa na proteção do patrimônio dos

credores da empresa.

O tipo penal cuidou de prever tanto o fim de obter quanto o fim de

assegurar a vantagem indevida visada pelo agente. Embora muito próximas, as

duas situações mereceram distinção a fim de concederem ao tipo penal maior

alcance. As duas hipóteses se distinguem notadamente no que importa à

seqüência das ações do agente que visa à vantagem indevida em prejuízo dos

credores. No primeiro caso pratica a fraude para alcançar a vantagem indevida

previamente visada. No segundo, já obteve a vantagem indevida, por meios não

fraudulentos, mas mesmo assim ilícitos, e ao depois se utiliza da fraude para

garantir-lhes a posse.

O § 1.° contempla hipóteses das chamadas causas de aumento de

pena, ou seja, circunstâncias que eventualmente podem vir a se agregar à

conduta do caput, obrigando o aplicador da norma, na terceira etapa do sistema

trifásico (art. 68 do Código Penal), a exasperar a sanção. De maneira geral, vê-se

que o parágrafo agrupa hipóteses que determinam o agravamento da pena em

função do meio que o agente venha a empregar para obter ou assegurar a

vantagem indevida.

As circunstâncias descritas nos cinco incisos dão conta de que, na

consecução da fraude, o agente empregou meios que ou se relacionam com

alguma forma de falsidade (incisos I, II e IV), ou de que o agente atuou no

sentido de comprometer o acesso a dados e informações da empresa (incisos III

e V), circunstâncias que, é certo, importam em evidentes dificuldades na

equalização dos débitos da empresa.

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O § 2.° traz mais uma hipótese de causa de aumento de pena, esta

voltada à questão da contabilidade paralela, no jargão popular conhecida como

“caixa dois”. A contabilidade paralela consiste, em síntese, na omissão de

lançamentos de ativos e passivos na escrituração contábil da empresa, de sorte

que formalmente esta irá expressar falsamente a movimentação financeira que

transitou no caixa.

O §3.° trata do concurso de agentes na fraude falimentar, disposição

que se trata da quase repetição do quanto disposto no art. 29 do Código Penal,

que estabelece a regra geral em sede de concurso de agentes. No entanto, ao

invés da previsão genérica, traduzida no dispositivo do Código pelo pronome

relativo quem, preferiu o legislador falimentar enfatizar as figuras dos

contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais, providência

evidentemente inútil.

O § 4.° contempla hipótese de causa de diminuição de pena, ou

seja, circunstâncias em que o agente, que haja praticado qualquer uma das

fraudes descritas ao longo do mesmo artigo, possa ser beneficiado com a

aplicação de causa de diminuição de pena ou com a substituição da pena

privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Certamente calçado na presunção da menor extensão dos danos,

impôs o legislador, como pressuposto objetivo elementar para a concessão de

qualquer dessas duas modalidades de benefício, que a fraude praticada envolva a

falência de microempresa (ME) ou de empresa de pequeno porte (EPP), ficando,

portanto, as empresas de maior porte desde logo excluídas da possibilidade de

alcançarem qualquer dos benefícios.

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Feitas essas considerações preliminares de conteúdo absolutamente

perfunctório e genérico, já que o escopo do presente estudo não é a análise

minudente dos tipos penais, importa considerar a questão da natureza jurídica da

sentença de quebra ou concessiva de recuperação, diante do delito do artigo 168.

Por primeiro, importa considerar duas situações distintas que, via de

efeito, demandam considerações também separadas. A primeira em relação à

hipótese da fraude ser perpetrada após a declaração de quebra ou à concessão de

recuperação. A segunda no caso de fraude pré-falimentar.

Na primeira situação, a sentença falimentar ou concessiva de

recuperação são elementares do tipo penal porque, conforme observado (subitem

7.3 retro), e este é um aspecto em que a doutrina apresenta pouca discórdia, as

condições objetivas de punibilidade só podem se configurar como evento

concomitante ou posterior à prática da conduta típica.

A uma, porque a punibilidade surge como conseqüência da prática

do crime, de sorte que as condições de que dependa assumem, por via de efeito

lógico, a mesma relação de posterioridade; a duas, porque os eventos que se

encontrem como antecedentes da conduta típica, acabam por ingressar no

conjunto de elementos preexistentes obrigatoriamente cobertos pela vontade do

agente, vínculo psicológico que contraria o próprio caráter objetivo que é a

essência das condições em questão.

Sobre a descaracterização da sentença de quebra ou concessiva de

recuperação como eventos condicionantes, quando a conduta lhes seja sucessiva,

também está Nucci, para quem “Nessa hipótese, não se está cuidando de

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condição objetiva de punibilidade, mas de mera fraude cometida contra os

credores durante o processo de falência ou recuperação.”222

Assim, na fraude pós-falimentar a sentença de quebra ou concessiva

de recuperação tem natureza de elemento do tipo penal e não de condição

objetiva de punibilidade.

No que se refere à segunda hipótese, quando a Fraude a credores

vier a ser perpetrada antes do decreto de falência ou da concessão de

recuperação à empresa, a questão assume outro enfoque na medida em que pelo

menos a característica de posterioridade do evento condicionante em relação à

conduta estaria preenchida.

No entanto, a questão deve ser considerada por outros ângulos,

notadamente aquele relativo ao conteúdo subjetivo do delito, que na espécie

parece não se acomodar, satisfatoriamente, com a categoria das condições

objetivas de punibilidade.

Nesse sentido, releva notar, por primeiro, que os supostos eventos

condicionantes encontram-se inseridos taxativamente no enunciado típico,

aspecto que, conforme antes salientado (subitem 7.4 retro), não se admite em

relação às condições objetivas de punibilidade, visto que todos os elementos

típicos devem estar necessariamente alcançados pela vontade do agente.

Esse aspecto, por outro lado, prenuncia o contexto da necessidade

de uma indispensável relação entre o agente e os ditos eventos condicionantes, o

222 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, p. 553. Assim Também ManoelPedro Pimentel, Legislação Penal Especial, p. 120.

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que afasta qualquer possibilidade de admiti-los como condições objetivas de

punibilidade.

Essa necessidade assume contornos práticos porque, conforme

pacificamente sustentado na doutrina, as manobras fraudulentas de que trata o

artigo em tela, só adquirem relevância quando levadas a efeito dentro da

chamada “zona de risco penal”, ou seja, naquele período que antecede a quebra

ou a recuperação, quando a empresa já apresente sintomas evidentes da

possibilidade de ocorrência dos referidos eventos, conforme sintetiza Nostre:A fraude a credores de que ora se trata é aquela praticada já emmomento de desequilíbrio financeiro do devedor. Na recuperaçãojudicial, desde seu requerimento (art. 48). Na recuperaçãoextrajudicial, desde o início das tratativas com os credores para oestabelecimento do plano de recuperação a ser homologadojudicialmente. Já na falência o momento de início da crise é de maisdifícil determinação, podendo retroceder aos momentos iniciais doperíodo de endividamento temerário que acaba por ensejar a falência[...] 223

De fato, as manobras que se distanciam da “zona de risco penal”

não são reconhecidas como configuradoras de Fraude a credores, justamente

porque neste período tem-se a certeza de que a ocorrência dos supostos eventos

condicionantes se não são diretamente buscados pelo agente, são ao menos

previsíveis em função da crise financeira.224 É certamente por isso que a

sentença de quebra ou concessiva de recuperação foi inserida no enunciado do

tipo penal.

Se o agente atua no sentido de esvaziar fraudulentamente os ativos

da empresa e levá-la ao estado falimentar ou de recuperação em prejuízo de seus

credores, fica evidente que tais eventos foram visados e até causados pelo

223 Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO,Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 538224 Nesse mesmo entendimento está SILVA “Não tem sentido, realmente, falar-se em fraude falimentar se amanobra artificiosa teve lugar, por exemplo, anos antes da quebra e não contribuiu, por si só, para agravarsituação dos credores que àquela viera a acorrer.” (Antonio Paulo C. O. Silva, Comentários às disposiçõespenais da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, p. 74).

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agente, situação que não guarda qualquer semelhança com a categoria das

condições objetivas de punibilidade.

Se, por outro lado, a vontade do agente não é diretamente voltada à

quebra ou à recuperação, porém o estado financeiro crítico que caracteriza a

“zona de risco penal” as torna previsíveis, ao atuar fraudulentamente,

antecipando-se na tentativa de resguardar patrimônio em prejuízo de seus

credores, é evidente que estará assumindo o risco da ocorrência dos eventos que

em tese condicionam a punibilidade, razão por que lhe devem ser creditados,

ainda que a título eventual.

Em ambas as situações, a quebra e a recuperação não assumem o

caráter objetivo que exige a categoria das condições objetivas de punibilidade.

Em síntese, o caráter objetivo não se acomoda com uma fraude, de

sorte que a falência não pode nesta modalidade delituosa ser havida como

evento estranho à vontade do agente. É o que bem proclamam Chauveau e

Hélie:Assim, em matéria de falência fraudulenta, a fraude ou, em outrostermos, a culpabilidade do agente deve ser expressamente declarada:ela não pode implicitamente resultar de qualquer fato, porque estefato, qualquer que seja, não a supõe necessariamente, porque a penanão pode ter por base uma indução extraída de um fato: é preciso quea culpabilidade seja completamente estabelecida pelo júri. 225

Por esses argumentos conclui-se que, da forma com que foi

redigido, o artigo 168 não permite reconhecer a sentença de falência ou

concessiva de recuperação como condições objetivas de punibilidade.

225 CHAUVEAU, Adolphe; HÉLIE, Faustin. Theorie du Code Pénal, t. II, p. 348.

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8.2 Violação de sigilo empresarial

Art. 169. Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo

empresarial ou dados confidenciais sobre operações ou serviços,

contribuindo para a condução do devedor a estado de inviabilidade

econômica ou financeira:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa

Ao introduzir a figura delituosa do art. 169, o legislador falimentar

inovou completamente em relação ao extinto Decreto-Lei 7.661/45, visto que o

dispositivo em tela não deita quaisquer raízes na legislação anterior, nela não se

encontrando qualquer tipo penal semelhante.

O fundamento principiológico das figuras penais que, de maneira

geral, punem a violação de segredos, remete à proteção constitucional da

intimidade, art. 5.°, inciso X226, salientando-se que tal garantia alcança não

apenas as pessoas físicas, mas também as jurídicas, sendo o delito de violação

de sigilo empresarial exemplo verdadeiro de que a empresa também é alcançada

pela proteção a intimidade.

Nota-se ser o art. 169 da Nova Lei de Falências talvez o primeiro

dispositivo penal genuinamente voltado à tutela da intimidade da pessoa

jurídica227, o que é digno de aplausos, considerando-se que a legislação

226 Art. 5.° (...)X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito aindenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação227 Antes da nova Lei de Falências, a Lei 7.492 de 16 de junho de 1986 – “Lei do colarinho branco”, previadispositivo que, embora voltado a preservar a higidez do Sistema Financeiro Nacional, protegia, ao mesmotempo, uma determinada fatia da intimidade das instituições financeiras, consoante se depreende do tipo penalabrigado no art. 18 daquele diploma legal, in verbis:

Art. 18. Violar sigilo de operação ou de serviço prestado por instituição financeira ou integrante dosistema de distribuição de títulos mobiliários de que tenha conhecimento, em razão de ofício.

Pena — reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa

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brasileira é ainda muito tímida, mesmo no que se refere à tutela penal da

intimidade das pessoas físicas.228

O tipo penal abrange três condutas distintas, voltadas a proteger o

sigilo de informações no âmbito das empresas devedoras, a fim de evitar que o

vazamento de determinados dados venha a cooperar ainda mais para os óbices à

superação da dívida.

A primeira conduta é descrita pelo verbo violar que, na hipótese,

significa a revelação ou devassa abusiva de informação sigilosa. Viola um

segredo aquele a quem este foi direta e formalmente confiado, de maneira

originária ou sucessiva, assumindo o sigilo pela informação recebida.

O segundo núcleo do tipo — explorar — implica na tipicidade da

conduta daquele que tira ou tenta tirar proveito ou partido da informação sigilosa

de que seja detentor.

Finalmente o legislador previu conduta de divulgar, cujo

significado é tornar público, difundir determinada informação sigilosa. A

divulgação é a conduta de conteúdo mais amplo dentre a três previstas no tipo

penal, importando notar que nessa modalidade, a despeito de opiniões em

contrário, é bastante que a informação seja divulgada a um só indivíduo, não se

exigindo, para a realização da conduta nuclear, a ampla comunicação a mais de

uma pessoa.229

228 A doutrina já advertia sobre a importância da intimidade dos entes jurídicos, observando Costa Júnior que aprevisão de ilícitos penais relacionados à intimidade das pessoas físicas “não exclui que as pessoas moraispossam vir a ser tuteladas, mormente em matéria de segredo, que poderá inclusive revestir-se de considerávelvalor patrimonial.” (Paulo José da Costa Júnior e Luiz Vicente Cernicchiaro, Direito Penal na Constituição, p.229)229 A questão é a mesma que se levanta em relação ao crime de Divulgação de segredo (artigo 153, CódigoPenal). Sobre a necessidade do conhecimento por um número indeterminado de pessoas estão Cezar RobertoBitencourt (Manual de Direito Penal,, v.2, p. 514), Paulo José da Costa Júnior (Curso de Direito Penal, p. 344),Nelson Hungria (Comentários ao Código Penal, v. VI, p. 251), Fernando Capez (Curso de Direito Penal – Parte

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Norma protetora da intimidade da pessoa jurídica, o objeto material

do delito é o sigilo empresarial ou o dado confidencial relacionado a uma

operação ou serviço da empresa. Sigilo empresarial é a relação de segredo que

se estabelece em derredor de determinadas informações de uma empresa, que

deverá ser preservada num círculo restrito de pessoas.

Dado confidencial importa em expressão semelhante, porém, in

casu, de conteúdo mais restrito, visto que deverá referir-se necessariamente a

uma operação ou serviço da empresa. A operação a que se refere poderá ser de

natureza comercial ou, numa acepção mais abrangente, qualquer medida voltada

à consecução de um objetivo financeiro. Serviço, em uma acepção estritamente

econômica, consiste no conjunto de pagamentos referentes a um empréstimo ou

dívida, incluindo aí não apenas o principal, mas todas as despesas e valores

acessórios.

Ainda acerca do objeto material, é imprescindível a avaliação do

conteúdo e da natureza da informação, visto que informações que, de plano,

verificar-se não terem o condão de comprometer a empresa, quer por sua

insignificância, quer pela ausência de relação com a saúde financeira da

empresa, ficarão excluídas do tipo penal por manifesta falta de potencial lesivo.

Obviamente essa avaliação se desenvolverá tanto no plano da conduta como da

causalidade, visto que o tipo penal prevê a causação de um resultado.

O objeto jurídico, de sua vez, repousa na proteção patrimonial dos

credores da empresa, que poderão ver comprometida a perspectiva do

pagamento de seus créditos pela total ruína econômico-financeira da devedora. Especial, v.2, p. 338), Julio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, v. 2, p. 214). Entendendo ser bastanteo conhecimento por parte de uma única pessoa estão Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, p.485), Celso Delmanto e outros (Código Penal Comentado, p.307).

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Atento ao fato de que nem toda abertura de segredo poderá ser tida

como criminosa, o legislador inseriu no próprio enunciado do tipo penal

elemento normativo — sem justa causa — ligado diretamente à noção de

ilicitude, exigindo, portanto, um juízo de valor sobre a antijuridicidade já no

campo da tipicidade. Haverá justa causa para a revelação de segredo nas

hipóteses de delatio criminis, cumprimento do dever de testemunhar a verdade,

apreensão de documentos e no exercício do direito de defesa em juízo.230

O tipo penal em tela é material, perfazendo-se somente quando a

violação de sigilo venha a contribuir com a inviabilidade econômica ou

financeira da empresa, o que força concluir que se trata de crime antefalimentar.

Esses aspectos são de capital importância na consideração da

natureza jurídica da sentença de quebra ou concessiva de recuperação que,

embora não se encontrem inseridas no enunciado do delito, no contexto

particular da Violação de sigilo empresarial não completam as características

que lhes dariam domicílio na categoria das condições objetivas de punibilidade.

Com efeito, não se põe em dúvida que tanto a falência quanto a

recuperação são conseqüências da inviabilidade econômico-financeira de uma

empresa, situação que na figura do artigo 169, deve haver sido causada também

pela conduta do agente. Ora, se o estado de inviabilidade foi causado pelo

agente, por via de efeito, a quebra ou a recuperação também o foram, já que

representam o estado jurídico superlativo da ruína preexistente, de que a ação do

agente foi concausa.

230 Neste sentido Fernando Capez, “Curso de Direito Penal – parte especial”, v.2, p.358.

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Esse estado de coisas contrasta com a categoria das condições

objetivas de punibilidade porque, conforme observado (subitem 7.2 retro), entre

suas características exige-se a necessidade do distanciamento causal entre a

conduta do agente e o evento condicionante, sob pena de não haver uma

distinção exata com o próprio resultado.

É justamente esse distanciamento que não se verifica no caso

vertente, uma vez que se tem o delito como consumado com a contribuição para

a inviabilidade da empresa, aperfeiçoando-se, no entanto, com a possibilidade de

aplicação da pena, apenas quando sobrevier a quebra ou a recuperação, que

também são conseqüências, ainda que parciais, da mesma conduta do agente.

Em síntese, pelos desdobramentos diretos da prática do delito, esse se consuma

um passo atrás, mas a possibilidade da pena surge um passo depois, a partir de

eventos que são frutos da mesma ação.

Fica evidente, nessa circunstância, a relação de causalidade entre a

violação de sigilo, a inviabilidade econômico-financeira e a

falência/recuperação.

Essa conexão causal material, ademais, deixa assente que a vontade

do sujeito ativo também se apresenta ligada aos supostos eventos

condicionantes, o que importa em mais um elemento que descaracteriza a

natureza de condições objetivas de punibilidade.

Isso à vista de que, quando o legislador estabelece como resultado

do delito a contribuição para a inviabilidade econômico-financeira da empresa,

deixa implícito que a mesma já se encontra em dificuldades dessa mesma

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ordem231, previamente à violação do sigilo, estado que, obviamente, deve ser

conhecido pelo agente que justamente busca agravar a situação de fragilidade.

Reiterando que a quebra ou a recuperação representam estados

jurídicos conseqüentes da inviabilidade econômico-financeira, força reconhecer

que se aquelas não foram diretamente visadas pelo agente, este no mínimo

assumiu com sua conduta o risco de suas ocorrências, que eram, com efeito,

previsíveis nas circunstâncias em que a empresa já se encontrava. Em suma, se

os supostos eventos condicionantes não chegaram a ser objeto de dolo direto,

pela situação contextualizada, pelo menos terão sido de dolo eventual, o que não

se acomoda com a exigência de independência volitiva das condições objetivas

de punibilidade.

Essas considerações evidenciam mais uma vez o desacerto

legislativo nas disposições do artigo 180, visto que, ao se considerar que no

delito de Violação de sigilo empresarial a sentença de quebra ou concessiva de

recuperação são condições objetivas de punibilidade, estar-se-á criando uma

presunção de caráter meramente funcional, mas distorcida do ponto de vista

realístico, na medida em que a conduta do agente encontra-se conectada material

e subjetivamente aos referidos eventos, que a lei sustenta serem meramente

condicionantes da punibilidade.

8.3 Divulgação de informações falsas

Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa

sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou

de obter vantagem: 231 Neste sentido observa Nucci: “Note-se, ademais, que a figura criminosa exige um empresário devedor,afinal, é este que corre o risco de ver seu negócio ruir, caso a informação sigilosa chegue ao mercado.”(Guilherme de Souza Nucci, Leis penais e processuais penais comentadas, p. 560).

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Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa

Ao estabelecer o delito de divulgação de informações falsas, a lei

n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 também agiu com ineditismo, visto que

infração penal em questão não encontra correspondente, nem mesmo

semelhante, na legislação falimentar pretérita.

Trata-se, a exemplo do artigo anterior, de dispositivo voltado a

proteger, com a maior eficácia que a norma penal teoricamente promete, a

empresa que se encontre devedora e, portanto, fragilizada em sua saúde

financeira, de investidas desleais que possam comprometer ainda mais sua

situação.

Na espécie, o tipo penal visa especialmente proteger a empresa,

cuja recuperação judicial haja sido decretada, das chamadas “intrigas

empresariais” ou seja, da propagação de inverdades acerca de sua condição

econômica durante o curso da recuperação judicial, visando à falência desta ou

ao auferimento de vantagem.

A situação ventilada pelo legislador vem se mostrando

extremamente atual, sendo cada vez mais freqüentes os desastres empresariais

causados pela veiculação de informações inverídicas, conseqüência da

instabilidade produzida no segmento em que a pessoa jurídica atue. Nesse

panorama, é oportuna a referência à escandalosa falência da empresa norte-

americana “Enron”, ocorrida, justamente, segundo amplamente noticiado na

imprensa mundial, por conta de informações de auditoria falsas fornecidas pela

Andersen.

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A nova Lei de Falências, visando, então, evitar situações desta

ordem, deixou nítido que o legislador evoluiu e atualizou substancialmente a

visão legal da dinâmica empresarial, agora reconhecendo expressamente as

suscetibilidades de uma empresa em dificuldades financeiras, bem como a

relevância de determinadas variáveis — como o segredo e a reputação —, antes

deixadas de lado, mas que podem ser de importância decisiva para o processo de

reerguimento econômico-financeiro.

Embora a reputação da empresa possa ser atingida pela realização

da conduta típica, o dispositivo em tela não visa diretamente à proteção da honra

objetiva da pessoa jurídica, mas, na realidade, garantir a eficácia da recuperação

judicial, ou melhor dizendo, evitar seu fracasso, em razão de intrigas

oportunistas. De forma mais ampla, entende Pitombo sobre o artigo em

comento:Assim, o objeto jurídico se alicerça nos princípios da ordemeconômica (art. 170, da CF), afinal, tanto a livre iniciativa, como alivre concorrência podem ser maculadas pela conduta ilícita, sem falarnas conseqüências no âmbito do direito de propriedade.232

Embora, conforme dito, o dispositivo em questão seja inédito na

dinâmica falimentar, é bem de se ver que a importância da veracidade das

informações que circulem a respeito de uma pessoa jurídica já foi, de forma

semelhante, prevista anteriormente em nossa legislação, que contempla no art.

3.° da Lei n.° 7.492, de 16 de junho de 1986233 (define os Crimes contra o

Sistema Financeiro Nacional), dispositivo de conteúdo bastante próximo,

colocado, no entanto, no âmbito das instituições financeiras, porém, igualmente

232 PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes. Divulgação de Informações falsas. In: SOUZA JÚNIOR,Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperaçãode Empresas e Falência, p. 544.233 In verbis:Art. 3.° Divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira:Pena — reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa

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atento aos revezes que uma informação falsa possa produzir a esse perfil de

empresa.

É, com efeito, apropriada a introdução de tipo penal incriminador

nessa direção, no corpo da lei falimentar, uma vez que a competitividade de

mercado demonstra, cada vez mais, o emprego de toda sorte de estratégias,

mesmo aquelas despidas de mínimo conteúdo ético-empresarial.

O enunciado primário da figura delituosa em questão abriga dois

núcleos típicos — divulgar e propalar — ambos relacionados à publicidade que

se dê a informações de conteúdo inverídico, sendo certo que, tendo em vista que

em nenhuma das duas condutas há a exigência, explícita ou implícita, de

qualquer condição especial do agente, o delito será sempre comum.

Divulgar significa tornar público, difundir, disseminar uma

informação falsa. Trata-se de conduta de iniciativa do próprio idealizador

originário da informação falsa, que além de engendrar falácia, ainda a divulga a

terceiro(s).

Tal como no tipo penal imediatamente anterior, violação de sigilo

empresarial, para a realização da conduta típica é bastante que haja a divulgação

a uma única pessoa, não se exigindo, a despeito de abalizadas opiniões em

contrário234, a ampla comunicação a terceiros. Acerca desta divergência

doutrinária, reportamo-nos aos argumentos já ventilados no subitem anterior.

Convém, no entanto, reforçar o argumento, observando que a

divulgação de uma informação falsa, ainda quando se faça a uma só pessoa

poderá expor a empresa, já debilitada, ao risco da bancarrota, notadamente se 234 Cf. Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo, op. cit., idem.

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esta única pessoa for peça importante para o restabelecimento da pessoa jurídica

como, verbi gratia, no caso de um potencial cliente em vias de fechar

importante transação comercial.

Propalar, de sua vez, é expressão sinônima a divulgar, diferindo-se

porque enquanto esta redunda do próprio criador da informação falsa, a

propalação decorre da conduta de terceiro que simplesmente toma conhecimento

de informação sabidamente inverídica e a dissemina a fim de cavar a falência da

empresa ou de auferir alguma sorte de vantagem.

Da análise das condutas nucleares, vê-se que a objetividade material

do delito volta-se para a proteção da credibilidade das informações que venham

a ser divulgadas a respeito da empresa em recuperação, interessando-se a lei

penal por aquelas que tenham conteúdo falso.

Informação falsa é qualquer dado cujo conteúdo seja inverídico,

devendo estar necessariamente relacionada com as atividades desempenhadas

pela empresa que in casu, encontra-se em recuperação judicial.

É importante notar que independentemente da finalidade buscada

pelo agente — a falência da empresa ou o auferimento de vantagem — deve-se

ter em conta que não será qualquer informação falsa que se venha a divulgar ou

propalar em relação à empresa, que realizará o tipo penal. Com efeito, a

informação falsa deverá, ao menos potencialmente, ter o condão de levar a

empresa à bancarrota ou de propiciar alguma sorte de vantagem ao agente.

De fato, se a falsa afirmação for absolutamente inócua, ou

absolutamente inverossímil, ao ponto de não gerar um mínimo de credibilidade,

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não se poderá ter o tipo penal como realizado, por ausência de ofensividade ao

bem jurídico penalmente tutelado.

Recomenda-se, quanto a isto, seguir-se o mesmo critério que se tem

em consideração com relação às fraudes em geral, exigindo-se dessas o

potencial mínimo para levar alguém a erro. Na espécie, insista-se, há de haver na

informação, ao menos no menor limite provável, um conteúdo crível.

No que se refere ao meio de divulgação, o legislador, certamente a

fim de garantir ampla proteção ao bem jurídico, lançou mão de fórmula

abrangente, dando à norma penal o condão de alcançar a divulgação de

informações falsas por qualquer meio que venha a ser empregado.

Nessa conformidade, estará dentro da conduta típica desde a

simples divulgação verbal, até aquela que se venha a fazer pelos meios de

comunicação mais complexos, encontrando-se entre esses dois extremos a

comunicação por rádio, televisão, jornal, e-mail, home pages, carta, telegrama,

fonograma, panfletos etc. Pouco importa o quão inédito ou exótico seja o meio

utilizado, bastando que seja eficaz para que leve a informação falsa ao

conhecimento de pelo menos uma pessoa.

O sujeito passivo será a empresa em prejuízo de quem se venha a

divulgar a informação falsa, sendo elementar do delito que a empresa se

encontre, previamente à conduta delituosa, em recuperação judicial, assim

decretada pelo juízo competente. Estando em recuperação extrajudicial a

conduta estará fora do tipo penal.

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Também no delito em tela vê-se que a sentença que concede a

recuperação judicial não se acomoda na categoria das condições objetivas de

punibilidade.

Trata-se, com efeito, de evento preexistente à prática da conduta

típica, sendo certo, bem por isso, que deve encontrar-se alcançado pelo dolo do

agente que, dessa forma, deverá ter o prévio conhecimento de que a empresa

encontra-se em estado de recuperação.

Por via inversa, caso o agente desconheça essa situação legal, não

se poderá ter como realizada a infração penal pela ausência do dolo, que

necessariamente abrange todos os elementos do enunciado, inclusive o estado de

recuperação.

Esse entendimento, evidentemente, contrasta com a natureza das

condições objetivas de punibilidade e, a admitir-se que neste caso a sentença

concessiva da recuperação judicial encontra-se na referida categoria, haveria que

se reconhecer como típica a conduta do agente que divulgasse ou propalasse

informações falsas sobre a empresa, visando aos fins estampados na parcela

final do tipo, mesmo desconhecendo previamente seu estado de recuperação.

Tal estado de coisas, à evidência, contraria flagrantemente o

imperativo da culpa, evidenciando a impropriedade em que o legislador incidiu

ao fixar genericamente a sentença de quebra ou concessiva de alguma das

formas de recuperação como condições objetivas de punibilidade para todos os

delitos previstos na novel lei falimentar.

Na espécie, tanto pelo fato de a concessão da recuperação ser

anterior à conduta, quanto por estar inserida expressamente no tipo penal, fica

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afastada qualquer possibilidade de sustentar-se que se trata de condição objetiva

de punibilidade, devendo ser havida, a despeito da previsão legal, como

elemento típico e, portanto, sujeito ao alcance do conteúdo anímico do agente.

A mesma interpretação cabe no que tange à sentença de falência,

que também não poderá ser havida como condição objetiva de punibilidade, já

que se encontra, igualmente, inserida no tipo penal e, embora não se apresente

como fato preexistente, está, no contexto do tipo penal, situada diretamente na

linha de desdobramento fático da conduta do agente.

Malgrado se trate de delito formal, não se exigindo, portanto, que a

quebra da empresa venha efetivamente a acontecer, nem tampouco que o agente

venha a auferir a vantagem que foi visada, a verdade é que o eventual decreto de

falência encontra-se ligado à conduta do agente em necessária relação de causa e

efeito e, embora seu advento represente apenas o exaurimento do delito, não se

pode negar-lhe, ao menos do ângulo realístico, o caráter de resultado do mesmo.

Também o coeficiente subjetivo do delito em questão, conforme

mencionado alhures (capítulo 8 retro), reforça a impropriedade do legislador ao

fixar a sentença de quebra como condição objetiva de punibilidade.

Com efeito, ao dolo genérico, entendido como a vontade livre e

consciente de praticar-se a conduta típica, há de haver necessariamente agregado

o chamado dolo específico, que é a especial finalidade a ser alcançada com a

prática do delito, na espécie consistente no fim de levar a empresa devedora à

falência ou obter vantagem.

Ora, se é característica das condições objetivas de punibilidade a

absoluta autonomia volitiva (subitem 7.1 retro) do agente em relação aos

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eventos condicionantes, é evidente que essa exigência típica não se acomoda

com o dolo específico — consabido, expressão superlativa do conteúdo anímico

delituoso.

De fato, especialmente no toca ao delito em comento, o legislador

ao mesmo tempo em que exigiu a vontade do agente diretamente focada ao

decreto de quebra, poucos artigos depois afirmou que o mesmo é condição

objetiva de punibilidade de todos os crimes previstos no diploma legal.

Por todos esses argumentos, tem-se que, no delito de Divulgação de

informações falsas, é absolutamente inviável afirmar-se que a sentença de

falência ou concessiva de recuperação são condições objetivas de punibilidade,

tratando-se, em ambos os casos, de elementos típicos, razão pela qual devem

necessariamente estar alcançados pela vontade do agente.

8.4 Indução a erro

Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações

falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação

extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os

credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o administrador

judicial:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

O delito de indução a erro representa mais uma inovação

introduzida pela Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, sendo certo que a

anterior Lei de Falências (Decreto-lei n.° 7.661/45), não contemplava

dispositivo sequer semelhante.

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O enunciado da infração penal em questão resume-se no

comprometimento do regular andamento do processo de falência ou de

recuperação judicial ou extrajudicial, em que o agente venha a atuar

introduzindo dados falsos, ou deixando à margem dos referidos feitos, as

informações que não lhe sejam convenientes, mas que em juízo seriam

relevantes.

Por isso, as condutas típicas são dirigidas ao induzimento em erro

daqueles que obrigatoriamente atuam nos processos de falência e recuperação

(juiz, representante do parquet, credores, assembléia-geral de credores, Comitê

ou administrador judicial) e, direta ou indiretamente, zelam pela observância do

procedimento legal, sendo-lhes, assim, devidas as informações na extensão e

conteúdo necessários.

Sobressai, portanto, a objetividade jurídica focada na proteção da

administração da justiça, na espécie visando resguardar o correto andamento dos

processos de falência e de recuperação, judicial ou extrajudicial, colocados em

juízo. Tendo os crimes falimentares caráter pluriofensivo (capítulo 2 retro), na

figura da Indução a erro, a proteção do patrimônio dos credores aparece em

segundo plano.

Sonegar significa encobrir, ocultar com fraude, deixando

transparecer seu desconhecimento ou inexistência. Omitir importa,

simplesmente, em não mencionar, não manifestar-se. Igualmente à sonegação

traduz-se em conduta passiva do agente que deixa de prestar a informação que

deveria, sendo mister, obviamente, que haja o dever jurídico de prestá-las.235

235 Cf. Nostre: “Em ambas as hipóteses a conduta omissiva somente será relevante se o agente tinha o deverjurídico de prestar a informação ou de trazê-las ao conhecimento das pessoas envolvidas no processofalimentar.” (Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de;PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas eFalência, p. 545).

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Prestar informações falsas, por outro lado, é conduta ativa,

consistente na comunicação de dados sabidamente inverídicos no curso dos

feitos de falência ou de recuperação.

Em quaisquer das condutas apontadas o objeto material do delito

será sempre a informação que deva ser prestada, tanto por força da lei como de

requerimento da autoridade competente.

Trata-se, com efeito, de modalidade específica de falsidade

ideológica236, prendendo-se, por isso, às exigências ordinárias desse delito

(artigo 299, Código Penal), salientando-se, por isso, a relevância da informação

sonegada, omitida ou inverídica, de sorte que somente terão expressão para fins

penais, aquelas que tenham potencial de comprometer o regular andamento da

falência ou da recuperação. Conforme expressa Nucci, “Dados fúteis são

inoperantes para ferir a administração da justiça.” 237

Da mesma forma, a informação omitida, sonegada ou prestada

inveridicamente deverá ter o potencial de levar a erro as pessoas indicadas no

enunciado típico.238 A informação grosseiramente falsa e, portanto, sem

potencial de engano, torna atípica a conduta.

Ao dolo genérico o tipo penal exige, ainda, a adição do específico

consistente justamente no intuito especial de levar a erro o juiz, o representante

ministerial, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou o 236 Nesse sentido Silva: “É modalidade de falsidade ideológica contemplada no Código Penal (aqui especificadaao se mencionar ambiente em que pode ocorrer).” (Antonio Paulo C.O. Silva, Comentários às disposiçõespenais da lei de Recuperação de Empresas e Falências, p. 127).237 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, p. 562.238 Neste sentido observa Migliari Júnior: “Não se exige que tais pessoas do processo sejam efetivamenteenganadas, mas, sim, que exista potencial suficiente para que possam ser induzidos a erro. Se o forem, tratar-

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administrador judicial, de molde a comprometer o regular andamento da falência

ou da recuperação.

As peculiaridades do delito de Indução a erro, por alguns aspectos,

não permitem que a sentença de quebra ou concessiva de alguma das formas de

recuperação sejam havidas como condições objetivas de punibilidade,

importando, preliminarmente, distinguirem-se algumas situações.

Por primeiro, embora o tipo penal consigne a existência de processo

de falência, recuperação judicial ou extrajudicial em andamento, deve-se atentar

para o fato de que não exigiu a prévia decisão de quebra ou concessiva de

recuperação, de sorte que o delito poderá se desenvolver tanto antes quanto após

as referidas decisões, muito embora seja crível que a maioria das hipóteses em

concreto irão se apresentar após o advento das ditas decisões.

Principalmente em relação à falência, a hipótese do delito ser

praticado antes da quebra parece pouco provável, mas não impossível,

notadamente quando esta vier a ser requerida pelo próprio devedor (artigos 105-

107 da Lei de Falências).

Considerando que as condições objetivas de punibilidade têm como

uma de suas características a relação de concomitância ou posterioridade em

relação à conduta típica (subitem 7.3 retro), porquanto a possibilidade de

aplicação da pena se apresenta em relação lógica de sucessão, a omissão,

sonegação ou prestação de informações falsas que venham a ocorrer no período

posterior ao decreto de quebra ou da decisão que conceda recuperação à

empresa, deverão ser havidas como elementos típicos estando, portanto,

se-á de exaurimento do crime, eis que sua consumação já existiu com a conduta de sonegar, omitir ou prestarinformações falsas.” (Arthur Migliari Júnior, Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 137).

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envolvidas pelo dolo do agente. Não se tratarão, assim, de condições objetivas

de punibilidade.

Remanesce a questão quando a conduta vier a se desenvolver antes

das referidas decisões.

Por outro fundamento, também nesses casos não se estará diante de

hipótese de condição objetiva de punibilidade.

Com efeito, embora não declarada a falência ou concedida a

recuperação da empresa, ao praticar alguma das falsidades típicas, o agente já

deverá encontrar-se em procedimento judicial, quando, obviamente visa

diretamente ou ao menos prevê um destes eventos, perspectiva que, de antemão,

contrasta com a autonomia volitiva das condições objetivas de punibilidade.

Notadamente em relação às hipóteses de recuperação, importa

lembrar que os procedimentos em juízo são de iniciativa do empresário, que tem

nelas um benefício legal a ser pleiteado, de sorte que sua concessão será sempre

buscada diretamente.

A partir dessa observação, tome-se de exemplo, e essa parece uma

das poucas hipóteses plausíveis de indução a erro antefalimentar (ou ante-

recuperação), o empresário que pretende obter o benefício da recuperação

judicial. Determina a Lei de Falências que ingresse com pedido em juízo,

apresentando uma série de informações (artigo 51) cujo conteúdo, obviamente,

deverá ser verídico. Supondo que as preste falsamente, no intuito evidente de ver

concedida a recuperação, ter-se-á, em tese, configurado o tipo penal, que se

aperfeiçoará com a decisão judicial visada.

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Ora, in casu a dita decisão não funciona como condição objetiva de

punibilidade, justamente porque, embora o delito seja formal, importou em

evento diretamente buscado pelo agente, estando sua ocorrência, portanto, em

relação de causalidade objetiva e subjetiva, o que não se acomoda com a dita

condição.

Note-se, ademais disso, que se o delito em tela se desenvolve,

obrigatoriamente, na dinâmica colocada em juízo, e por isso trata-se de crime

contra a administração da justiça, a quebra ou a concessão de recuperação

judicial ou extrajudicial, são eventos cuja ocorrência, quando não diretamente

buscada, é previsível como conseqüência da sonegação, omissão ou

fornecimento de informações falsas do agente, de sorte que a este devem ser

atribuídos ainda que a título de dolo eventual.

Em síntese, as peculiaridades do delito em questão não permitem

afirmar-se a desconexão subjetiva do agente com os supostos eventos

condicionantes, o que, via de efeito, não lhes confere domicílio na categoria das

condições objetivas de punibilidade.

Nessa conformidade, também na Indução a erro não se vê uma

hipótese de delito condicionado, não amparando o conteúdo do artigo 180 da Lei

de Falências.

8.5 Favorecimento de credores

Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a

falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de

recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou

gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em

prejuízo dos demais.

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189

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio,

possa beneficiar-se de ato previsto no caput deste artigo.

O delito em tela representa mais uma inovação introduzida pela Lei

de Recuperação de Empresas e, embora se possa buscar sua raiz legal por

aproximação a outro dispositivo da legislação anterior, o nomem juris e o

enunciado típico são absolutamente inéditos.

Com efeito, o atual artigo 172 encontra sua referência no artigo

188, inciso II da revogada Lei de Falências239 (Decreto-Lei n.° 7.661, de 21 de

junho de 1945), que punia o favorecimento a credores unicamente quando

houvesse o pagamento antecipado de algum credor e, em conseqüência, o

prejuízo de outros. A lei n.° 11.101/2005 imprimiu expressiva evolução no

enunciado do delito, ampliando o espectro descritivo do tipo penal, de molde a

alcançar uma gama maior de atos semelhantes, o que fica assente quando

salienta a caracterização da infração penal ao punir qualquer “[...] ato de

disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação [...]”.

Pretende o legislador, dessa forma, garantir tratamento paritário aos

credores da empresa, punindo as manobras que importem na saída ou na

assunção de compromisso patrimonial, visando ao benefício de um(s) credor(es)

em prejuízo de outro(s).240 Trata-se, em síntese, de modalidade de fraude

239 Decreto-Lei n.° 7.661/45Art. 188. Será punido o devedor com a mesma pena do artigo antecedente, quando com a falência concorreralgum dos seguintes fatos: [...]II – pagamento antecipado de uns credores em prejuízo de outros;240 Conforme salienta ABRÃO, “Ao devedor se impõe um tratamento igual aos credores, salvo o título legal àpreferência (CC, art. 1556): á a par conditio creditorum, princípio básico do procedimento falimentar” (NelsonAbrão, Curso de Direito Falimentar, p.389-390).

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falimentar, característica que já era reconhecida ainda na vigência da lei

anterior.241

Ato de disposição deve ser compreendido como aquele voltado a

transferir bem do devedor para o credor. Ato de oneração, de sua vez, importa

na aplicação de ônus sobre bem em favor de certo credor, que passa a

beneficiar-se dessa condição. Por fim, ato gerador de obrigação importa na

concessão de determinados direitos a credores que, em função disso, assumem a

possibilidade de exigi-los.

Trata-se, com efeito, de crime próprio que só pode ser cometido

pelo empresário, gestor judicial ou administrador judicial, ressaltando, embora

inutilmente, o parágrafo único do mesmo artigo, a incidência do tipo penal

também em relação ao credor que, previamente acertado com o agente, possa ser

beneficiado pela conduta delituosa.242

Considerando-se que as condutas apontadas no tipo penal são

hipóteses corriqueiras no dia-a-dia da maioria das empresas, não se podendo,

por isso, elevá-las, por si sós, à condição de ilícitos penais, sem que sejam

consideradas suas condições e seus objetivos, a configuração do delito em tela, é

bem de se ver, pode ser bastante complexa.

Com efeito, se por um lado houve a ampliação das condutas

descritas a título de Favorecimento de credores, em comparação à lei anterior, de

241 Assim se pronunciava o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in verbis: “O inc. II do art. 188da LF visa incriminar o ato que altere, em proveito do devedor ou de outrem, a entrada para a massa de bens aela destinados, subtraindo-os à execução concursal. Não é todo ato de alienação, entretanto, que configura odesvio, já que este tem como substrato a fraude, pelo que só aqueles praticados com a intenção de prejudicar oscredores enquadram-se no referido tipo penal.” (RT 734/669).242 A lei falimentar chilena faz advertência bastante semelhante, presumindo a cumplicidade daqueles que, tendoconhecimento da insolvência do empresário vierem a receber pagamentos antecipados de dívidas. É o que dispõea “Ley de quiebras” (Ley n. 18.175, publicada no D.O. de 28.10.82), em seu artigo 221, n.° 6, in verbis: “6. Losque, con conocimiento de la cesación de pagos, obtuvieren el pago anticipado del todo o parte de su crédito,”.

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outra parte, talvez tenha se tornado mais delicada a questão da prova, que deverá

demonstrar que determinado ato efetivamente divorciou-se da gestão dos

interesses da empresa, para atender ao de algum (uns) credor (es) em detrimento

de outros, fraudando, assim, a par conditio creditorum.

Além de aspectos objetivos, que a doutrina e a jurisprudência da lei

anterior já apontavam no intuito de balizar o alcance do tipo243, o ponto

primordial que distingue a conduta lícita da ilícita descansa na finalidade

específica de favorecimento indevido.

No conteúdo do dolo específico, inserido no tipo, encontra-se o

efetivo divisor de águas que, por sinal, acentua que o delito trata-se de

modalidade de fraude, condição que não se deve perder de vista, notadamente

diante de eventuais dúvidas que possam surgir em relação à determinada

situação concreta, já que fatos que não tenham finalidade fraudulenta não se

enquadram no tipo.244

Além de perimetrar o alcance do tipo penal, o dolo específico

mostra-se de capital importância na consideração da natureza jurídica para fins

penais, da sentença de quebra ou concessiva de recuperação, que deve ser

considerada sob enfoques diversos, quando a conduta se apresente anterior ou

posteriormente a tais decisões.

243 Critério importante que foi pacificado na doutrina, ainda na vigência da antiga Lei de Falências, comoelemento indicador da prática do delito do art. 188, inciso II, da Lei n.° 7.661/45, dava conta da configuração dotipo penal só e somente quando ocorresse o pagamento de dívida vincenda e houvesse, na época, outras jávencidas. Como registrava Betanho “O pagamento antecipado diz respeito a dívida não vencida; assim, opagamento de dívida vencida não configura o tipo.” (Luiz Carlos Betanho, Falência. In: FRANCO, AlbertoSilva et al. Leis penais e sua interpretação jurisprudencial, p. 1474).244 Neste sentido observa e exemplifica Nostre: “Se as condutas forem praticadas com propósito empresarial,evidentemente, não haverá crime. Assim, se o devedor hipotecar bem em favor de instituição financeira paraobter redução da taxa de juros incidente sobre suas atividades financeiras, ainda que tenha criado ônus quefavorece um credor, não se configura o delito.” (Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In: SOUZA

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Embora os ditos eventos estejam inseridos no corpo do enunciado

do tipo penal, o que já contrasta com a característica extrínseca das condições

objetivas de punibilidade (subitem 7.4 retro), nota-se que a questão merece,

ainda, ser considerada por outros ângulos.

Inicialmente, quando os atos de disposição, oneração ou geradores

de obrigações se derem após a sentença de quebra ou concessiva de recuperação,

essas decisões ingressam como elementos típicos do delito, estando, portanto,

alcançadas pelo prévio conhecimento do agente, que age de molde a

comprometer a par conditio creditorum e, via de efeito, o próprio andamento do

feito colocado em juízo.

Conforme observado alhures (subitem 7.3. retro) não se pode

acolher um fato que anteceda a própria infração penal como evento

condicionante da punibilidade. Esta é, necessariamente, conseqüência da prática

de um delito, o qual nestas circunstâncias, ainda nem teria sido perpetrado.

Remanesce a discussão quanto aos atos de disposição, oneração

patrimonial ou geradores de obrigações, levados a efeito antes da ocorrência dos

supostos eventos condicionantes.

Notadamente no caso do período que antecede a falência ou as

recuperações, o aplicador da lei penal poderá ver-se diante de dúvida minaz ao

analisar determinado ato do empresário, especialmente considerando que tal

período, via de regra, caracteriza-se pelo emprego de toda ordem de esforços a

fim de se contornarem as dificuldades financeiras da empresa, observando-se,

JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei deRecuperação de Empresas e Falência, p. 547).

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muitas vezes, verdadeiras “ginásticas” com o ativo da empresa no intuito de

contornar-se o passivo.245

Nessas circunstâncias, inegavelmente críticas, a prática de

determinados atos capazes de importar em prejuízo aos credores torna-os

suspeitos, configurando-se o ilícito penal, no entanto, só e somente quando

estiver demonstrada a finalidade específica de beneficiar-se algum (uns) credor

(es) em detrimento dos demais. Conforme enfatizado, o limite entre o ato lícito e

o ilícito no Favorecimento de credores descansa na fraude.

Ora, nessas circunstâncias, fraude só haverá quando o empresário

em dificuldades — antevendo a quebra ou uma das formas de recuperação —

antecipa-se e promove algum dos atos enumerados no tipo penal.

Não estando diagnosticada essa antevisão do agente, os atos

referidos no tipo penal não se configuram como fraude que, ressalta-se, deve

sempre visar ao prévio benefício de um em prejuízo de outro, no caso da

empresa ingressar em falência ou recuperação.

Assim, vê-se que os supostos eventos condicionantes não podem ser

havidos como condições objetivas de punibilidade, uma vez que o

comprometimento do regular andamento da provável falência ou recuperação

acaba sendo necessariamente visado pelo agente, que atua no intuito de fraudá-

las.

245 Exemplifica Abrão: “Muitas vezes o devedor assim procede a fim de evitar a caracterização de um delitoautônomo: é o caso, p.ex., do empresário que, tendo em seu poder adiantamentos para mercadorias, deles lançamão para outros fins. Na ânsia de escapar aos processos criminais por apropriação indébita, passa a vender aterceiros até mesmo bens instrumentais do estabelecimento (máquinas, utensílios), que fazem os pagamentos aoscredores do vendedor; ou, então, efetua o devedor dação em pagamento com bens que não correspondem aosprevistos no contrato.” (Nelson Abrão, Op. Cit.p. 390).

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Nesse sentido, importa lembrar que os crimes falimentares são

pluriofensivos, sendo certo que a administração da justiça é um dos bens

jurídicos protegidos que, na espécie, fica comprometido, na medida em que a

conditio par creditorum é previamente fraudada pelo sujeito ativo.

Embora a falência ou a recuperação não sejam necessariamente

visadas pelo agente, o comprometimento do andamento das mesmas o é, de sorte

que a possibilidade desses eventos não se apresenta acromática do ângulo

subjetivo, estando sim alcançadas ao menos de forma eventual pela vontade.

Assim, também no Favorecimento a credores antefalimentar, não se

estará diante de hipótese de delito condicionado, por faltar o requisito da

autonomia subjetiva.

Por todo exposto, conclui-se que o decreto de falência, a sentença

concessiva de recuperação judicial e a homologação de plano de recuperação

extrajudicial não são condições objetivas de punibilidade do delito do artigo 172

da Lei de Falências.

8.6 Desvio, ocultação ou apropriação de bens

Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao

devedor sob recuperação judicial ou à massa falida, inclusive por meio da

aquisição por interposta pessoa:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

O delito do artigo 173 da nova Lei de Falências encontra

correspondência no revogado Decreto-lei n.° 7.661/45, sendo certo que no

extinto diploma a questão era tratada em dois tipos penais distintos.

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O artigo 188, inciso III e o artigo 189, inciso I, cuidavam do desvio

e da ocultação de bens, sendo certo que o primeiro tipo referia-se à conduta

antefalimentar, com pena de reclusão entre 1 e 4 anos, enquanto que o segundo

punia a mesma infração quando pós-falimentar, atribuindo a pena entre 1 e 3

anos na forma da reclusão.246

O tipo penal visa, com efeito, preservar os bens da empresa, falida

ou em recuperação judicial, visto que esses respondem pelo passivo, de sorte

que a objetividade jurídica do delito descansa, precipuamente, na proteção ao

patrimônio dos credores que possam ser prejudicados com o esvaziamento dos

bens da pessoa jurídica devedora, estabelecendo três núcleos típicos que

caracterizam o delito, todos de maneira comissiva.

Apropriar significa tomar como sua a posse de determinados bens

pertencentes a terceiro, no caso à pessoa jurídica devedora. Desviar tem o

sentido de modificar o destino legal que os bens deveriam ter em face da quebra

ou da recuperação.247 Ocultar traduz-se como, esconder, encobrir, não revelar a

existência ou paradeiro de determinados bens quando instado a fazê-lo.

O tipo penal visa só e somente àqueles atos que forem perpetrados

no intuito de reduzir os ativos da empresa a fim de excluí-los do concurso de

credores, tratando-se, por isso, de modalidade de fraude, o que fica bastante

evidente inclusive por conta da parcela final do artigo, que adverte pontualmente

246 Ferreira discordava dessa distinção estabelecida pelo Decreto-lei 7.661/45: “Estabeleceu, indubitavelmente, adualidade de penas, mais grave ma do que a outra, para o mesmo crime. É que, como já se viu, no númeroanterior, está sujeita à pena do art. 188, n. III, — a de reclusão por um a quatro anos, o devedor, quando, com afalência concorra o desvio de bens. Ora, decretada a falência, o devedor é falido. Desviando ou ocultando bensda massa, o crime é o mesmo, quer o desvio se dê antes ou depois de declarada a falência, pois que, nas duashipóteses, os bens são da massa, há de aplicar-se a pena mais leve. In dúbio pro reo. Mesmo porque não se podedistinguir onde a lei não distinguiu.” (Waldemar Martins Ferreira, Instituições de Direito Comercial, v. 5, p.389). A mesma opinião foi referendada por Führer (Maximilianus Cláudio Américo Füher, Crimes Falimentares,p. 85).247 Valverde observa que: “no desvio dá-se a subtração fraudulenta, por atos positivos, de bens da massa falida(...)” (Trajano de Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, v. 3, p. 78).

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sobre a venda por interposta pessoa, também conhecida como “venda

simulada.”248

Sobre isso, importa notar que, caso os bens adquiridos pela

interposta pessoa já pertençam à massa falida, essa estará incursa como autora

do delito do artigo 174 (Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens), e não

como co-autora de Desvio, ocultação ou apropriação de bens.

O delito em questão representa, por sem dúvida, uma das fraudes

falimentares de maior incidência em juízo, certamente porque a retirada do

patrimônio da empresa será o primeiro impulso do agente na tentativa de

resguardar alguns bens.

O delito é material, encontrando seu resultado na diminuição do

patrimônio da empresa em detrimento dos credores e, embora exclusivamente

doloso, o tipo penal não chega a exigir a finalidade específica que, no entanto,

fica implícita no delito.

Quanto à natureza jurídica da sentença de quebra ou concessiva de

recuperação judicial essas não são, na espécie, condições objetivas de

punibilidade, mas elementos do tipo penal.

Isso porque, além de estarem inseridas na descrição típica, esta dá

conta de que a conduta delituosa demanda o preexistente estado falimentar ou de

248 Conforme descreve Nostre: “Trata-se da conduta em que se transfere simuladamente a propriedade de bensda empresa devedora para o nome de pessoas que se oferecem apenas para figurar como titulares aparentes dedireitos, fraudando a lei: os denominados laranjas.” (Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In:SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários àLei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 548).

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recuperação judicial, de molde que a execução do delito deverá ser sempre

posterior às referidas decisões.249

A ocultação, desvio ou apropriação fraudulentas que ocorram antes

do decreto de quebra ou da concessão de recuperação, poderão dar lugar à

incidência do artigo 168, de espectro mais amplo, sendo, no entanto atípicas em

relação ao artigo 173.

Trata-se, portanto, de delito necessariamente pós-falimentar (ou

pós-recuperação), de sorte que os supostos eventos condicionantes, justamente

por se colocarem em relação de anterioridade à conduta, encontram-se cobertos

pelo conhecimento e pela vontade do agente, sendo, por isso, elementos típicos.

Aliás, o delito só é praticado porque o agente tem ciência do estado

precário da empresa e age justamente na tentativa de destacar parte do

patrimônio do alcance do concurso creditício, de modo que a vontade é

projetada sobre a falência ou sobre a recuperação judicial, razão por que não se

pode considerá-las como condições objetivas de punibilidade.

De fato, característica indefectível das referidas condições é a

relação de contemporaneidade ou posterioridade à realização do delito (subitem

7.3 retro), de sorte que qualquer elemento que se apresente dantes ingressará na

categoria de elemento do tipo penal.

Pontual nesse aspecto é o magistério de Nucci:

249 A característica de delito necessariamente pós-falimentar foi bastante criticada por Silva: “(...) simplesmentenão mais será possível falar no desvio de bens antes da falência (esmagadora maioria dos casos como, hádécadas, vem se percebendo) simplesmente porque mencionou-se apenas ‘massa falida’ (o que pressupõequebra decretada), ‘deslembrando-se’ do que poderia ocorrer neste aspecto antes daquela.” (Antonio PauloC.O. Silva, Comentários às disposições penais da lei de Recuperação de Empresas e Falências, p. 154).

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Se o tipo penal prevê, como é o caso do art. 173, condutas passíveis deocorrência após a falência já ter sido decretada ou a recuperaçãojudicial, concedida, não é possível cuidar-se de condição objetiva depunibilidade. Na realidade, a existência dos termos recuperaçãojudicial e massa falida, no tipo, está a demonstrar que o desvio debens, apropriação ou ocultação antes da recuperação ou falência éconduta atípica. Possivelmente, conforme o caso concreto, pode-seencaixar a situação no art. 168 desta Lei. 250

Nessa conformidade, o delito de Desvio, ocultação ou apropriação

de bens também dá conta da impropriedade das disposições do artigo 180, visto

que nesta espécie os supostos eventos condicionantes são evidentes elementos

típicos.

8.7 Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens

Art. 174. Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe

pertencer à massa falida ou influir para que terceiro, de boa-fé, o adquira,

receba ou use:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

O delito em questão não encontra correspondente similar na

legislação pretérita, tratando-se, assim, de mais uma inovação da Lei n.°

11.101/2005 que, é bem de se ver, complementa as disposições da parcela final

do artigo antecedente.

Segundo alguns doutrinadores, trata-se de modalidade especial de

receptação, com algumas peculiaridades decorrentes da dinâmica falimentar em

que se insere. Nesse sentido, é a adequada consideração de Migliari Júnior: “Tal

dispositivo é norma especial com relação ao crime de receptação do Código

250 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, p. 565.

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Penal (art. 180), mas possui uma distinção ímpar que é a tipificação do crime de

usar bem pertencente à massa falida.”251

Trata-se, em síntese, de figura que vem complementar o delito

antecedente (artigo 173 — Desvio, ocultação ou apropriação de bens), já que

pune a conduta do agente que atua de molde a assumir a indevida posse dos bens

da falida que, é certo, devem ser preservados em favor dos credores.

No patrimônio dos credores encontra-se a precípua objetividade

jurídica do delito que, secundariamente, protege também a administração da

justiça na proteção do regular andamento do procedimento falimentar.

O enunciado reparte-se em dois, prevendo-se na primeira parcela os

atos praticados diretamente pelo agente. Adquirir significa comprar, obter por

compra. Receber traduz-se em aceitar, tomar, aceitar em pagamento, entrar na

posse. Usar corresponde a empregar, utilizar, servir-se do bem que deveria estar

à disposição da massa e de seus credores.

Na segunda parcela do artigo, buscam-se os atos voltados a influir

terceiro de boa-fé para que assuma a posse dos bens, também por aquisição,

recebimento ou uso. Influir deve ser entendido como induzir, inspirar, insuflar,

tratando-se, assim, de atividade voltada a exercer efeito sobre a vontade do

terceiro que desconheça a natureza dos bens. Nesse caso só haverá a

configuração do delito caso o terceiro venha efetivamente a adquirir, receber ou

251 MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 145. No mesmosentido está Andreucci: “O tipo penal em análise se assemelha à receptação, nas modalidades simples dolosaprópria (adquirir, receber,usar) e simples dolosa imprópria (influir), podendo-se falar em um tipo de receptaçãofalimentar.” (Ricardo Antonio Andreucci, Dos crimes em espécie. Previsão legal dos crimes e das penas. Análiseconfrontada com as previsões contidas no Dec. Lei n.° 7.661/45. In: DAOUN, Alexandre Jean (coord.). Crimesfalimentares — de acordo com a Lei n.° 11.101/2005, p. 81).

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utilizar bem da massa falida, comprometendo o patrimônio que responde pelos

débitos da empresa. Há de haver, portanto, ofensa ao bem jurídico tutelado.

O tipo penal ainda é explícito no sentido de que não é toda e

qualquer aquisição recebimento ou uso que se eleva à condição de ilícito penal.

Com efeito, o elemento normativo “ilicitamente” delimita o raio de atuação da

norma penal, ficando ressaltado, embora a colocação diretamente no tipo tenha

apenas a função de reforçar o conteúdo ilícito da conduta, que só e somente as

condutas que sejam vedadas no procedimento falimentar é que darão lugar à

infração penal.252

O delito é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa,

observando-se que neste caso o objeto material restringe-se ao bem pertencente

à massa falida — móvel ou imóvel —, ficando a recuperação judicial ou

extrajudicial excluídas do tipo penal.

No que tange à parcela subjetiva do delito, esse é punido apenas a

título de dolo na sua forma direta, de sorte que deve ser diagnosticado o prévio

conhecimento por parte daquele que adquire, recebe ou utiliza o bem, que este

provém da massa falida, e que sua conduta contraria os imperativos legais que

informam o procedimento de quebra. A mesma consciência deverá ser

constatada em relação àquele que influencia o terceiro de boa-fé.

Feitas essas considerações genéricas sobre o delito, importa

observar a questão relativa às condições objetivas de punibilidade.

252 Cf. Nostre: “O juízo de antijuridicidade, inserto na análise da tipicidade, depende da verificação dasprevisões legais quanto à disposição de bens da massa, afirmação esta que veio a ser reforçada pelo legisladorao empregar o advérbio ilicitamente.” (Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR,Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperaçãode Empresas e Falência, p. 548).

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Nesse sentido, observe-se que o delito é necessariamente pós-

falimentar, de sorte que quaisquer das condutas típicas somente têm relevância

penal quando se desenvolverem após o decreto de quebra, situação que,

conforme enfatizado, contrasta com a categoria das condições objetivas de

punibilidade.

De fato, além da sentença de quebra encontrar-se abrangida no

enunciado típico, mais um aspecto que não permite reconhecer o artigo 174

como delito condicionado, a relação de posterioridade da conduta com a referida

decisão obriga a que essa esteja alcançada pela vontade do agente, que atua

justamente visando ao comprometimento da falência.

Assim, na Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens a sentença

de quebra não é condição objetiva de punibilidade, mas elemento do tipo penal,

estando, dessa forma, coberta pelo coeficiente subjetivo do delito.

8.8 Habilitação ilegal de crédito

Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou

recuperação extrajudicial, relação de créditos, habilitação de créditos ou

reclamações falsas, ou juntar a elas título falso ou simulado:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

O presente artigo encontra sua origem no revogado art. 189, inciso

II, da anterior Lei de Falências253, havendo, também, dispositivo semelhante no

artigo 14 da Lei n.° 7.492/ 86 (define os crimes contra o Sistema Financeiro

253 Art. 189. Será punido com reclusão de um a três anos: (...) II – quem quer que, por si ou interposta pessoa, ou por procurador, apresentar, na falência ou na concordatapreventiva, declarações ou reclamações falsas, ou juntar a elas títulos falsos ou simulados;

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Nacional). A nova redação dada à Habilitação ilegal de crédito, é bem de se ver,

imprimiu poucas modificações em relação ao dispositivo revogado.

Inicialmente foi suprimida a expressão “concordata preventiva”,

dando lugar à “recuperação judicial” e à “recuperação extrajudicial”, o que

consiste na atualização legislativa do delito, visto que as modalidades de

concordata desapareceram na novel legislação.

Foram, ainda, excluídas as expressões “por interposta pessoa” e

“por procurador”, as quais, diga-se, mostravam-se absolutamente

desnecessárias, uma vez que, diante das disposições do art. 29 do Código Penal,

a possibilidade de concurso destes já estaria alcançada pelas regras gerais que

informam a co-delinqüência.

O tipo penal visa evitar o comprometimento, ainda maior, da

higidez patrimonial de uma empresa já enfraquecida, bem como o regular

andamento dos processos de recuperação e falência, sancionando a apresentação

de créditos inverídicos. Pune-se, em síntese, a manobra fraudulenta consistente

na criação dolosa de débitos inexistentes da empresa.

O enunciado descreve duas condutas típicas. A primeira consistente

na apresentação de relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamações

falsas. Apresentar, in casu, significa propor, indicar, expor, aduzir, manifestar

relação creditícia inexistente com a empresa falida ou em recuperação, mediante

qualquer das três formas estampadas no tipo, sobre as quais sintetiza Nostre:Relação de créditos é o rol de créditos que se reconhece. Habilitaçãode créditos é documento em que, comprovando créditos, requer-se ahabilitação para recebê-los. Reclamação é qualquer pedido, reclamo,para receber pagamento ou vantagem pretensamente devida. 254

254 NOSTRE, Guilherme Alfredo de Moraes. Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO,Antônio Sérgio Altieri de Moraes (Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 551.

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Na segunda parcela do artigo, previu-se, ainda, a conduta de “juntar

a elas título falso ou simulado”. O “título” de que fala o enunciado do delito é

aquele referente à obrigação creditícia a ser adimplida pela empresa, nesse

conceito inserindo-se os títulos de crédito em geral, como notas promissórias,

cheques, duplicatas etc.

O título deverá, no entanto, apresentar-se ideológica ou

materialmente falso. Será ideologicamente falso quando representar dívida

inverídica ou, por outras palavras, expressar um crédito fictício para com a

empresa, muito embora o documento representativo da dívida apresente-se

extrinsecamente genuíno. Seria o caso, verbi gratia, da nota promissória emitida

pelo empresário em favor de alguém, porém referente a débito de transação

comercial que jamais ocorreu. Em seus elementos externos o título de crédito é

verídico, porém seu conteúdo não corresponde à verdade.

Será, por outro lado, materialmente falso, o título de crédito cujo

elemento que o torna inverídico recaia em seus aspectos físicos ou externos,

como, verbi gratia, a hipótese de cheque impresso falsamente, portanto não

confeccionado pela instituição financeira a que se refere a conta, apontando a

empresa como emitente e em nome dela subscrito.

Por último, o enunciado do delito faz menção ao título simulado,

que não deixa de ser uma espécie, da qual é gênero o título falso. A simulação,

no entanto, consiste na falsidade bilateral, ou seja, o título de crédito, além de

ideologicamente falso, é produzido mediante o concerto dos supostos devedor e

credor que conjuntamente criam um débito inverídico para a empresa.255

255 A simulação é, com efeito, manobra fraudulenta verificada amiúde na dinâmica falimentar, conformedescrevia Valverde ainda na vigência do Decreto-lei n.° 11.101/45: “Em regra, o declarante do crédito está

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204

No que se refere ao sujeito ativo, nota-se que se está diante de

hipótese de crime comum, visto que o tipo penal não impôs a exigência de

qualquer condição diferenciada ao agente. Destarte, qualquer um, inclusive o

próprio empresário, poderá ser autor do delito em tela.

O enunciado não determina a produção de resultado naturalístico

para a consumação do delito, tratando-se, por isso, de crime formal. Com efeito,

se em decorrência da habilitação de crédito ilegal houver, verbi gratia, a

diminuição do patrimônio da empresa ou da massa, em prejuízo dos legítimos

credores, tal hipótese constituirá mero exaurimento do delito.

A exemplo da totalidade das infrações penais da Lei n.°

11.101/2005, o delito em questão é punido exclusivamente a título de dolo,

observando-se que, embora a norma não faça exigência explícita de qualquer

propósito especial do agente voltado à obtenção de vantagem indevida, para si

ou para outrem, esta circunstância fica, no entanto, implícita pelas próprias

características do delito.

De fato, a habilitação ilegal de créditos trata-se de modalidade de

fraude levada a efeito através de falsidade. Ora, não se levantam dúvidas de que

o conteúdo anímico da fraude descansa no intento de alcançar alguma sorte de

ganho indevido.256 Quando inócua, a fraude não tem significado e relevância

combinado com o falido ou o concordatário, que preparou com antecedência a sua escrituração de modo aaparentar a legitimidade do crédito. É a simulação fraudulenta, que reveste geralmente a forma de títulos decrédito, em particular, notas promissórias.” (Trajano de Miranda Valverde, Comentários à Lei de Falências, v.3, p. 79.). Neste mesmo sentido, Guilherme Alfredo de Moraes Nostre: “O título simulado não deixa de serideologicamente falso. Mas a falsidade ideológica na simulação é bilateral. O título é verdadeiro materialmente,credor e devedor reconhecem os elementos intelectuais nele lançados, mas o fazem porque estão forjando aexistência daquela relação jurídica que, em última análise, é falsa.” (Art. 175. In: SOUZA JÚNIOR, FranciscoSatiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação deEmpresas e Falência, p. 551).256 Assim, Garraud:“La fraude ne se présume pas, et les faits matériels constitutif de la banqueroute neprendront un caractère criminel que s’il résulte des débats la preuve que l’accusé a agi avec intention

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205

perante a ciência criminal. O mesmo se diga em relação à falsidade que somente

tem importância perante o direito penal quando voltada a fins ilegítimos.257

No que tange à sentença de quebra ou concessiva de recuperação

judicial ou extrajudicial, vê-se que na espécie são decisões que necessariamente

antecedem a conduta delituosa, razão primeira por que não se pode falar que se

trate de condições objetivas de punibilidade, mas sim de elementos que

ingressam previamente na construção do tipo penal.

Ademais disso, o próprio enunciado típico deixa evidente que a

conduta do agente somente pode se desenvolver no curso dos processos de

falência ou de quebra, sendo certo que essa se volta justamente ao

comprometimento do escorreito andamento dos referidos feitos, mediante a

apresentação de créditos ilegítimos.

Ora, além de estarem inseridas na descrição do tipo penal — mais

um aspecto que contrasta com a categoria das condições objetivas de

punibilidade —, é assente que a quebra ou a recuperação são estados da empresa

previamente conhecidos pelo agente, o que fica patente quando se pondera que

esse sequer poderia apresentar os supostos créditos ou títulos, se desconhecesse

a existência dos procedimentos em juízo.

Assim, não há como pretender-se afirmar a desvinculação volitiva

do agente em relação à quebra ou à recuperação, o que evidencia pontualmente

um estado de coisas que conflita com a característica precípua das condições

objetivas de punibilidade.

frauduleuse, c’est-à-dire en cette direction de la volonté que réside la fraude, puisque la banqueroute est un volau préjudice de la masse.” (René Garraud, Traité Theorique et Pratique du Droit Penal Français, t. VI, p. 609)257 Conforme, aliás, descreve o enunciado do artigo 299 do Código Penal, há de haver “(...) o fim de prejudicardireito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.”, de maneira que não seráqualquer falsidade, por si só, que dará ensejo a atuação da justiça penal.

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206

Por essas considerações, confirma-se que no delito de Habilitação

ilegal de crédito a sentença de falência ou concessiva de alguma forma de

recuperação da empresa não é condição objetiva de punibilidade, mas elementar

do tipo penal, devendo estar, por isso, alcançada pela vontade do agente.

8.9 Exercício ilegal de atividade

Art. 176. Exercer atividade para a qual foi inabilitado ou

incapacitado por decisão judicial, nos termos desta Lei:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O Exercício ilegal de atividade representa mais uma inovação

introduzida na parte penal da nova Lei de Falências, não encontrando, portanto,

correspondente similar na legislação falimentar antecedente, muito embora se

trate, como observa Migliari Júnior, “[...] de norma específica em relação ao

crime do artigo 359 do Código Penal.”258

A infração penal visa garantir a efetividade das decisões judiciais

que trazem como consectário ao falido, certas limitações no âmbito patrimonial

e profissional. Predomina, portanto, a objetividade jurídica voltada à

administração da justiça que ficará, certamente, comprometida sempre que uma

decisão sua vier a ser descumprida.

No enunciado do delito verifica-se um único núcleo típico no verbo

“exercer”, que significa executar, desempenhar, pôr em ação, praticar algum ato

ou atividade cujo desempenho encontrava-se cerceado por força de decisão

judicial arrimada na Lei de Falências.

258 MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 149.

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207

O núcleo pressupõe a relação de freqüência no exercício da

atividade, o que revela estar-se diante de hipótese de crime habitual. Por via de

conseqüência, esse aspecto deixa afastado do tipo penal os atos pontuais ou

eventuais que venham a desrespeitar os impedimentos de que trata o artigo.

Trata-se de crime próprio que só pode ser cometido pelo falido, já

que a inabilitação e a incapacitação são efeitos decorrentes exclusivamente da

sentença falimentar.

A inabilitação, nos termos do artigo 102 da Lei de Falências259, é a

proibição do exercício de qualquer atividade empresarial, a partir do decreto de

quebra e até que haja a extinção das obrigações.

Ademais, a inabilitação poderá advir, também, a título de efeito da

condenação penal por crime falimentar (artigo 181, inciso I), sendo certo que

seus efeitos perdurarão por mais cinco anos após a extinção da punibilidade

(artigo 181, § 1.°).

A incapacitação, de sua vez, é a perda por parte do falido, do direito

de gerir ou dispor de seu patrimônio, consoante determina o artigo 103 da

mesma lei .260

O crime será sempre doloso, salientando-se a necessidade do prévio

conhecimento por parte do falido, de seu estado de inabilitação ou

incapacitação.

259 In verbis: “Art. 102. O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir dadecretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, respeitado o disposto no § 1.° do art. 181desta Lei. Parágrafo único. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz da falência queproceda à respectiva anotação em seu registro.”260 In verbis: “Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o direito de administraros seus bens ou deles dispor.”.

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O delito é necessariamente pós-falimentar, já que a incapacidade ou

a inabilitação só podem surgir na dinâmica do processo falimentar como

conseqüência da quebra, colocando-se, assim, em relação de sucessão a essa.

Esse aspecto, à guisa do foi argumentado em relação a outros tipos

penais falimentares, evidencia que, no que se refere à natureza da sentença de

quebra, essa não pode ser havida como condição objetiva de punibilidade.

Com efeito, conforme observado (subitem 7.3. retro), à categoria

das condições objetivas de punibilidade só podem ser admitidos eventos

concomitantes ou posteriores à realização da conduta delituosa. De fato, sendo a

punibilidade elemento que sucede à prática de um delito, o evento que a

condiciona, por exercício de lógica, também deverá sê-lo.

Quanto aos eventos anteriores à conduta, estar-se-á diante de

verdadeiros elementos do delito, os quais, dada sua preexistência, são

necessariamente abrangidos pelo conhecimento e pela vontade do agente,

contrastando, por conseguinte, com as características de um evento

condicionante.

Assim, a sentença que decreta a falência é elemento do delito do

artigo 176, dele ficando excluída a sentença concessiva de alguma forma de

recuperação, visto que a inabilitação e a incapacitação são conseqüências ligadas

exclusivamente à falência.

8.10 Violação de impedimento

Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o

administrador judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o

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209

oficial de justiça ou o leiloeiro, por si ou por interposta pessoa, bens de

massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, em relação a estes,

entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos

respectivos processos:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

O artigo 177 da nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência

encontra seu antecedente histórico nas disposições do artigo 232 do Código

Penal de 1890261 e, sucessivamente, no artigo 190 da revogada Lei falimentar262,

sendo certo que, em relação a este último, poucas modificações foram

introduzidas no texto atual.

Inicialmente houve a necessária atualização legislativa do

enunciado do tipo penal, notadamente em função do desaparecimento do

instituto da concordata, dando lugar às modalidades de recuperação. Assim,

substituiu-se a figura do “síndico”, pelo “administrador judicial” e pelo “gestor

judicial”.

Ademais disso, o legislador imprimiu algumas modificações no

comando primário do tipo penal, certamente no intuito de garantir-lhe contornos

mais precisos. Nessa perspectiva substituiu a expressão “direta ou

indiretamente” pela “por si ou por interposta pessoa”. Também deixou explícita

a necessidade de que os sujeitos ativos enumerados no enunciado do delito

261 “Art. 232. Haver para si, directa ou indirectamente, ou por algum acto simulado, no todo ou em parte,propriedade ou effeito em cuja administração, disposição ou guarda, deva intervir em razão do officio; entrar emalguma especulação de lucro, ou interesse, relativamente à dita propriedade ou effeito:Penas – de prisão cellular por um a seis meses, de perda do emprego e multa de 5 a 20% da propriedade, effeitosadquiridos ou interesse que auferir da negociação. Em todo caso a acquisição será nulla.Paragrapho único. Em iguaes penas incorrerão os peritos, avaliadores, partidores, contadores, tutores, curadores,testamenteiros, depositários, administradores de massas falidas e syndicos de sociedades em liquidação, quandocommetterem o mesmo crime.”262 “Art. 190. Será punido com detenção, de um a dois anos, o juiz, o representante do Ministério Público, osíndico, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro que, direta ou indiretamente, adquirirbens da massa, ou, em relação a eles, entrar em alguma especulação de lucro.”

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“tenham atuado nos respectivos processos”. Tais modificações serão, mais

adiante, pormenorizadas.

Por fim, modificou o preceito sancionador do delito, elevando os

limites mínimo e máximo da pena, que na lei anterior variava entre 1 e 2 anos,

para 2 a 4 anos de reclusão, acrescentando, cumulativamente, a pena de multa.

Sob o nomem juris de violação de impedimento, o artigo 177 da Lei

de Recuperação de Empresas e Falência deu foros de ilícito penal à proibição de

que certas pessoas, em razão do ofício que desempenham, venham a adquirir

bens que, de alguma forma, se encontram sob sua responsabilidade, ou como

sintetiza Betanho:O dispositivo indica uma série de pessoas que têm envolvimento noprocesso falimentar e que estão impedidas de adquirir bens da Massaou de, prevalecendo-se de sua posição, fazer algum negócio relativoaos mesmos bens, com o intuito de lucro.263

O tipo penal visa, com efeito, garantir que os processos falimentares

e as recuperações judiciais tramitem em juízo, guiados unicamente pela

finalidade de satisfazer os interesses dos credores, com os quais não deverão

concorrer interesses pessoais. Processos dessa natureza devem, portanto, pautar-

se pela moralidade e pela ética, princípios que se tornam questionáveis quando

desaparece o imperativo de imparcialidade dos envolvidos no processo. Como

observava Abrão, ainda na vigência da anterior Lei de Falência, “Incumbidas, de

qualquer modo, de zelar pelos interesses da massa, as pessoas enumeradas no

art. 190 não podem ter interesses próprios no procedimento falimentar.” 264

Notadamente no que se refere à empresa que se encontre em

263 BETANHO, Luiz Carlos. Falência. In: FRANCO, Alberto Silva et al. Leis penais e sua interpretaçãojurisprudencial, p. 1484.264 ABRÃO, Nelson. Curso de Direito Falimentar, p.386.

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processo falimentar ou de recuperação judicial, a fragilidade de sua situação

jamais deverá ser encarada como um mercado de oportunidades, mas como um

ente jurídico que necessita de cuidados, estremes de qualquer outro interesse

além do pagamento de seus passivos.

Previsão nesse sentido não é inédita em nosso ordenamento

jurídico, salientando-se, no campo do direito privado, as disposições contidas no

artigo 497, inciso III, do Código Civil (antigo artigo 1.133) que expressamente

grava de nulidade a aquisição, por juízes, secretários de tribunais, arbitradores,

peritos e outros serventuários da justiça, ainda que em hasta pública, de bens e

direitos, objeto de litígio, no lugar onde servirem.

Congruentes os fundamentos, tanto na esfera penal como na civil,

que dão suporte à proibição nesse sentido, destacados com clareza no magistério

de Santos:A proibição, em casos tais, tem dupla finalidade: visa não somentegarantir a isenção, a imparcialidade dessas pessoas, que no processotêm interferência, senão também colocar a justiça acima de quaisquersuspeitas, livrando-a de acusações que pudessem influir para seudesprestígio. 265

Assim, diferentemente do que ocorre em relação à maioria das

figuras delituosas previstas na Lei de Recuperação de Empresas e Falência, o

artigo em comento não traz a descrição casuística de mais uma modalidade de

fraude. Trata-se de modalidade delituosa que tem em conta a preservação do

andamento do processo de recuperação ou de falência, a fim mantê-lo, ao menos

em relação àqueles que em nome da justiça nele atuam, imparcial e, portanto,

acima de desconfianças.

265 SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, v. 16, p. 144. Cf., ainda, Jones FigueiredoAlves, Novo Código Civil Comentado, p. 441.

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É por conta dessa característica singular, que Abrão situou a

violação de impedimento entre os chamados “crimes contra a administração da

justiça”266, ou seja, aqueles que, segundo Noronha, descrevem fatos que “[...]

não atentam apenas contra a instituição da justiça, mas também contra a função,

atingindo-a no prestígio e eficácia que lhe são absolutamente indispensáveis.” 267

Tendo, então, sua objetividade jurídica voltada para a administração

da justiça, o tipo penal distingue duas condutas puníveis: a primeira consistente

na aquisição de bens da empresa, falida ou em recuperação judicial; a segunda

na especulação de lucro em relação aos mesmos bens. Qualquer das condutas,

registre-se, tornar-se-á passível de apenação, quando vier a ser praticada por

alguma das pessoas indicadas no tipo penal.

No que tange à primeira parcela do tipo, a conduta representada

pelo núcleo — “Adquirir” — deve ser entendida como a obtenção por compra,

permuta ou qualquer outro meio que implique na transferência da propriedade

de algum bem pertencente à empresa falida ou em recuperação, pouco

importando tratar-se de bens móveis ou imóveis, já que não foi empregada

nenhuma fórmula restritiva nessa direção.

Além da aquisição de bens da empresa, o legislador puniu, aí na

segunda parte do tipo, a prática de qualquer manobra voltada à especulação de

lucros em relação aos bens da massa ou da empresa em recuperação judicial.

Seria o caso, verbi gratia, do gestor que passa atuar como corretor na locação

dos imóveis pertencentes à falida, percebendo comissão de corretagem.

266 ABRÃO, Nelson. op. cit., p.385.267 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, v. 4, p. 355.

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Não há necessidade de comprovar-se que a aquisição ou a

especulação tenha, de alguma forma, onerado ou até beneficiado a empresa.268 O

delito em questão não se trata de modalidade de fraude, que demandaria a

indagação de prejuízo, a simples realização da conduta já consuma o delito que

é, portanto, formal.

Em qualquer uma das formas de conduta previstas, o delito será

sempre próprio, porquanto somente as pessoas enumeradas, numerus clausus, no

enunciado do tipo penal é que estarão impedidas de adquirir bens ou

especularem lucros da empresa.

O legislador destacou no tipo penal as características pessoais dos

sujeitos ativos passíveis de praticarem o delito, relacionando os principais

envolvidos na dinâmica dos processos de falência e de recuperação judicial,

ficando, destarte, impedidos o juiz, o representante do parquet, o administrador

judicial, o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou

o leiloeiro.

Observe-se que o rol dos impedidos é taxativo e absolutamente

exaustivo, não dando, por isso, azo à interpretação extensiva.

Após enumerar as pessoas impedidas, cuidou o legislador de

salientar a Violação do impedimento levada a efeito por interposta pessoa,

pondo em destaque a hipótese do delito praticado por intermediário, que em seu

nome formaliza os atos de aquisição ou especulação, ocultando o verdadeiro

agente que estaria impedido em razão de sua condição pessoal. É o vulgarmente

conhecido “testa-de-ferro”, “laranja” ou “homem de palha”.

268 Cf. Maximilianus Cláudio Américo Führer, Crimes Falimentares, p. 94.

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A advertência tem fundamento na medida em que, como atentava

Valverde, ainda na vigência do Decreto-lei n.° 7.661/45, “[...] a violação do

preceito proibitivo é quase sempre levada a efeito indiretamente, por interposta

pessoa.” 269

Assim, em ocorrendo violação de impedimento por interposta

pessoa, esta, desde que consciente do impedimento, também se sujeitará às

penas do delito, na conformidade das disposições relativas ao concurso de

agentes, previstas no artigo 29 do Código Penal, haja vista que concorreu para a

prática do mesmo.

No que se refere à sentença de falência ou concessiva de

recuperação, está-se diante de outra hipótese em que não é possível afirmá-las

como condições objetivas de punibilidade.

Com efeito, percebe-se que a falência ou a concessão de

recuperação judicial são decisões que obrigatoriamente antecedem a conduta

delituosa do agente — em qualquer das duas modalidades descritas no tipo

penal.

Tal estado de coisas, não permite que as referidas decisões sejam

incluídas na categoria das condições objetivas de punibilidade que, conforme

observado (subitem 7.4 retro), devem ser sempre concomitantes ou posteriores à

execução do delito.

Ora, se não houver a prévia falência ou recuperação judicial nem

mesmo o enunciado típico terá possibilidade de ser completado, circunstância

que fica evidente quando se percebe que o legislador faz uso do verbo no tempo 269 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências, v. 3, p. 84.

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pretérito — “[...] tenham atuado nos respectivos processos” — para consignar a

circunstância de impedimento dos agentes, concluindo-se que a quebra ou a

recuperação, como também a participação dos agentes nos feitos

correspondentes, antecedem necessariamente as condutas nucleares.

Além da relação de anterioridade dos supostos eventos

condicionantes em relação à execução do delito, o tipo penal em comento deixa

evidente a total impossibilidade de afirmar-se a autonomia volitiva do agente no

que tange ao estado falimentar ou de recuperação.

De fato, a conduta delituosa descrita só alcança o status de infração

penal porque os sujeitos ativos explicitados na norma, conhecendo a situação

legal da empresa e tendo atuado nos feitos de recuperação judicial ou falência,

passam a agir justamente no interesse de beneficiarem-se de negócios

envolvendo o patrimônio que se encontra comprometido.

Portanto, o desconhecimento da situação da empresa por parte dos

agentes parece, do ponto de vista prático, absolutamente improvável, força do

próprio enunciado típico, não havendo como sustentar-se que a sentença de

falência ou concessiva de recuperação judicial possa ser havida como autônoma

em relação à vontade.

Assim, no delito de Violação de impedimento, a decisão de quebra

ou a concessão de recuperação judicial são elementos do tipo penal, tratando-se,

assim, de mais uma figura delituosa que evidencia a impropriedade do artigo

180 da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

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8.11 Omissão de documentos contábeis obrigatórios

Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois

da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou

homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de

escrituração contábil obrigatórios:

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não

constitui crime mais grave.

O delito de Omissão de documentos contábeis obrigatórios encontra

seu correspondente no artigo 186, inciso VI, da revogada Lei de Falências

(Decreto-lei 7.661/45).270

Trata-se de figura penal que tem em consideração a obrigação de

manter-se em ordem toda a contabilidade da pessoa jurídica, ou, como observa

Migliari Júnior “A intenção do legislador foi a de exigir que o empresário

continue a escriturar seus documentos normalmente, procurando manter a

confiança em suas elaborações fiscais e contábeis.”271

Deixar pressupõe conduta omissa consistente em pôr de lado, não

considerar, não fazer. Pune-se, por primeiro, o agente que deixa de elaborar os

documentos de escrituração contábil obrigatórios, o que importa na ausência —

total ou parcial — dos mesmos. Igualmente tratada será a conduta de deixar de

escriturar, hipótese em que apesar de elaborados os documentos contábeis, o

agente deixa de registrá-los. Finalmente deixar de autenticar significa não

certificar conforme as exigências legais.

270 In verbis: “Art. 186. Será punido o devedor com detenção, de seis meses a três anos, quando concorrer com afalência algum dos seguintes fatos: [...]VI — inexistência dos livros obrigatórios ou sua escrituração atrasada, lacunosa, defeituosa ou confusa;”271 MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 152.

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Sendo, em qualquer hipótese, delito omissivo, esse somente poderá

ser imputado a quem recair o dever legal de manter a regularidade da

documentação contábil da pessoa jurídica.

O enunciado típico demonstra, ademais, estar-se diante de norma

penal em branco, visto que o rol de documentos contábeis a serem mantidos em

dia e formalmente em ordem pela empresa, será determinado pela legislação

extra-penal.272

É delito punido exclusivamente a título de dolo, bastando que este

seja genérico.

Feitas estas considerações de caráter geral, importa observar que o

delito em questão representa um dos pontos críticos, ao menos do ângulo

dogmático, em que o legislador falhou de forma evidente, ponto que, aliás,

converge exatamente na direção da questão das condições objetivas de

punibilidade.

Com efeito, nos termos em que foi estabelecida, a Omissão de

documentos contábeis obrigatórios não possibilita o reparo dos problemas

diagnosticados ainda na vigência do Decreto-lei n.° 7.661/45, quando o artigo

186, inciso VI, correlato ao atual artigo 178, era aplicado de forma praticamente

mecânica, sem fazer-se uma apreciação adequada de seu conteúdo volitivo273,

nem tampouco investigarem-se os reflexos e riscos efetivos que as falhas na 272 Conforme observa Nucci: “Cuida-se de norma penal em branco. As variadas leis, regendo as atividadesempresariais em geral, possuem, para cada tipo de comerciante ou empresário, um rol de livros necessáriospara, em suma, registrar as atividades realizadas no dia-a-dia, justamente para servir de prova da lisura dosnegócios efetivados e para propiciar a fiscalização eficiente dos agentes do Estado e, também, quando o caso,dos credores e financiadores do empreendimento.” (Guilherme de Souza Nucci, Leis Penais e ProcessuaisPenais Comentadas, p. 572).273 Conforme a acertada crítica de Führer, na vigência da revogada Lei de Falências muitos autores “[...]consideravam a irregularidade da escrituração ‘um simples fenômeno naturalístico’, bastando para a punição a

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escrituração contábil teriam carreado à dinâmica falimentar. Como consignava

Valverde “O simples fato positiva o crime, pois que revela uma conduta

irregular do comerciante [...].”274

Da forma que foi publicado, o atual artigo 178 não se esquiva da

mesma sorte de críticas, notadamente porque o enunciado típico dá conta de um

delito exclusivamente doloso e de perigo abstrato, cuja prática traz a presunção

absoluta de risco aos credores da empresa, configurando-se o ilícito penal

independentemente de qualquer constatação concreta nesse sentido, ou do

intuito nessa direção, ficando o agente sujeito à apenação pelo simples advento

da recuperação ou da quebra.

Ora, não resta dúvida de que o comprometimento da documentação

contábil pode ser, e muitas vezes o é, um mecanismo de fraude aos credores da

empresa, razão por que o artigo 168 (Fraude a credores), § 1.°, incisos I, II e V

do mesmo diploma legal, justamente eleva à condição de causa de aumento de

pena as manobras que se façam na contabilidade da empresa com tal propósito.

Nestes casos ficam evidentes os riscos aos credores.

No entanto, quando os vícios na escrituração contábil são colocados

de forma autônoma e isolada a título de crime de perigo abstrato, sem que se

exija ou demonstre estarem minimamente vinculados ao comprometimento da

falência ou à recuperação da empresa, como é o caso em apreço, cria-se uma

situação que contrasta de forma evidente com o princípio culpabilidade.275

simples realização material do fato, independentemente de qualquer culpa.” (Maximilianus Cláudio AméricoFührer, Crimes Falimentares, p. 65).274 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências, v. 3, p. 59.275 A discussão em torno dos tipos penais incriminadores que se apresentaram em nossa legislação de formaanáloga é antiga, sendo congruente com a crítica hodierna o ponto de vista de Alves Júnior, feito ainda navigência do Código Criminal do Império (1830), sob a questão da escrituração contábil irregular: “Podem haverrazões muito procedentes, e circumstancias muito peculiares, que tenham levado o negociante em ser omisso,em um facto em que elle tem tudo a perder, porque a regularidade da escripturação é uma garantia para onegociante e desde que esta circumstancia se provar, desde que a negligencia a ninguém prejudica senão ao

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Como registra Pitombo, “Tem de existir algum nexo entre a conduta de omitir

documentos contábeis e o fato atinente à falência, sob pena de infringir-se o

nullum crimen nulla pœna sine culpa.”276

A completa desvinculação com os fatos da dinâmica falimentar

representa, com efeito, o centro de gravidade da polêmica que se estabelece em

torno do delito em questão, aspecto que é extremamente relevante no processo

de investigação sobre a natureza jurídica da sentença de quebra ou concessiva de

recuperação, objeto do presente trabalho.

Considerando-se, por primeiro, a hipótese da Omissão de

documentos contábeis obrigatórios, perpetrada antes do decreto de quebra ou da

concessão de recuperação, verifica-se o único caso na Lei de Falências em que

tais decisões talvez pudessem ser cogitadas como condições objetivas de

punibilidade, já que ficam razoavelmente preenchidas as características que

configuram a dita categoria.

De fato, a principal crítica que se faz em relação ao delito em tela,

— a desvinculação com o fato da falência ou das recuperações —, importa, ao

mesmo tempo, na configuração de característica fundamental das condições

objetivas de punibilidade, qual seja, a desvinculação causal com os eventos

condicionantes (subitem 7.2 retro).277

proprio negociante, desde que emfim esta irregularidade não importe em fraude, como julgal-à até sufficientepara a culpa? Ao prudente arbítrio do Juiz compete decidir sem ser escravo da disposição litteral da lei.”(Thomaz Alves Júnior, Annotações Theoricas e Praticas ao Codigo Criminal, t. 1, p. 689).276 PITOMBO, Antonio Sérgio Altieri de Moraes. Art. 178. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de;PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas eFalência, p. 554.277 Como observava Pimentel, sobre o revogado artigo 186, inciso VI, da revogada Lei de Falências: “Não épreciso que a falência tenha tido origem na inexistência dos livros. Basta que tal inexistência concorra com afalência.” (Manoel Pedro Pimentel, Legislação Penal Especial, p. 111).

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Essa característica traz, como conseqüência, a desvinculação

volitiva entre a omissão dos documentos contábeis e os eventos condicionantes,

situação que também, ao mesmo tempo em que importa em aspecto precípuo das

condições objetivas de punibilidade (subitem 7.1 retro), é alvo de maciças e

procedentes críticas, uma vez que o agente é chamado a responder por crime

falimentar sem jamais ter visado tal resultado ou o comprometimento dos feitos

dessa natureza. Se com esse intuito agir estará certamente incidindo em outro

tipo penal.

Nesse contexto, é importante frisar que a desvinculação material e

moral que se faz entre as condutas tipificadas no artigo 178 e a quebra ou a

recuperação, é conclusão obtida por via indireta, já que, conforme dito, quando

atrelada à vontade do agente, que dolosamente deixa de cumprir com as

formalidades da contabilidade da empresa, haverá inevitavelmente a

configuração de alguma modalidade de fraude, da qual são hipóteses mais

prováveis a causa de aumento de pena do artigo 168 (Fraude a credores) ou,

conforme as circunstâncias, o delito do artigo 171 (Indução a erro).278 Ratifica

essa interpretação a própria ressalva feita no comando secundário do artigo em

tela, registrando sua incidência somente se o fato não constituir crime mais

grave279, disposição que consignou o caráter subsidiário desse delito.

278 Na vigência do revogado Decreto-lei n.° 7.661/45 verificava-se a mesma polêmica entre os delitos dos artigos188, inciso VII e o do artigo 186, inciso VI. Conforme registrava Führer havia identidade material entre os doistipos penais, entendendo, por isso, que o primeiro tratava-se de crime doloso enquanto o segundo eracaracterizado pela culpa (Maximilianus Cláudio Américo Führer, Crimes Falimentares, p. 64). No caso da Lein.° 11.101/2005, não há a mínima possibilidade de afirmar-se haver qualquer modalidade de delito culposo,ponto de vista que, aliás, já era defendido ainda na vigência da lei falimetar anterior (neste sentido v. EuvaldoChaib, Crime Falimentar — Punibilidade exclusivamente a título de dolo, In. Revista dos Tribunais, v. 555, p.297-301).279 Conforme Migliari Júnior: “Trata-se de verdadeiro crime subsidiário, eis que a imposição da punibilidade sóé exigível se o fato não constituir crime mais grave, o que de fato poderá ocorrer, como a falta de elaboraçãodos documentos de escrituração obrigatórios visando a sonegação de bens e valores, ou desvio de bens,procurando, dessa maneira, angariar vantagens. Logicamente não se tratará do presente delito, mas de um dosanteriormente existentes.” (Arthur Migliari Júnior, Crimes de Recuperação de Empresas e de Falências, p. 152).

Nucci referenda esse ponto de vista ampliando ainda mais a casuística subsidiária do delito: “o tipopenal se auto-intitula tipo de reserva, vale dizer, somente se utiliza o disposto no art. 178, caso não se encontreoutro delito, previsto nesta Lei, mais grave. Exemplo: se não se anota determinado negócio para acobertar oenvolvimento do juiz da falência, que adquiriu bem da massa falida, deve-se usar o disposto no art. 177,

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Ora, se de um lado esse estado de coisas, de certa forma, permitiria

referendar a quebra ou a concessão de recuperação como eventos

condicionantes, por outro reforça nosso ponto de vista (subitem 7.6 retro) sobre

a inconveniência da categoria das condições objetivas de punibilidade, uma vez

que acaba por configurar-se numa figura penal de conteúdo dogmático

questionável, tanto que praticamente foi deixada de lado do texto da nova Lei de

Falências, por não se acomodar com o imperativo da culpa.

Essa situação é evidente. O delito recebe merecidas críticas porque

descreve e pune uma conduta subjetivamente desvinculada da falência ou da

recuperação. Por outro lado, essa mesma malsinada desvinculação com os

eventos condicionantes da punibilidade — que o inconformismo da doutrina

chega a sugerir ser contornada280 — é, justamente, a característica essencial dos

delitos condicionados.

De fato, a ser aplicado nos termos em que foi colocado, tanto pelo

conteúdo de seu enunciado quanto por seu caráter condicional expressado no

artigo 180 da mesma lei, permanecerá em vigor o mesmo estado de coisas que

outrora era criticado por Ferreira, quando observava que “[...] a lei pune

deixando-se de lado o mencionado art. 178.” (Guilherme de Souza Nucci, Leis Penais e Processuais PenaisComentadas, p. 573).280 Pitombo, crítico severo do dispositivo em comento, chega a propor uma interpretação mais ampla ao tipopenal, como forma de acomodar-se a figura delituosa às exigências dogmáticas: “A única forma de considerar-se a conduta — se típica, dada a exclusão das hipóteses de fraude (art. 168, da Lei 11.101/2005) e de indução aerro (art. 171, da Lei 11.101/2005) — seria exigir-se o prejuízo ou perigo de dano a credores ou à massafalida.” (Antonio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo, op. cit., idem.). Na mesma linha está Batista: “Emboraestejamos diante de um crime de perigo presumido, se for possível estabelecer, mediante seguro juízo ex post,que a omitida elaboração ou escrituração dos documentos obrigatórios em nada perturbaria a reconstruçãoaziendal, ou mesmo perturbando-a não produziria ou implicaria o prejuízo aos credores (ou o faria de formainsignificante), a conduta seria impunível: a presunção de perigo não pode impor-se sobre a racionaldemonstração de sua impossibilidade, não só pela prevalência do princípio da lesividade, como pela expansãoanalógica da regra acerca do crime impossível.” (Nilo Batista, Lições de Direito Penal Falimentar, p. 196-197).Alguns julgados sustentam a mesma linha, in verbis: “Não ocorre o crime falimentar quando a inexistência deum dos livros obrigatórios, e o atraso na escrituração dos demais, bem como a falta de rubrica judicial nosmesmos, não acarretou prejuízo aos credores, nem foi o elemento caracterizados causal da quebra.” (RT499/350). Na mesma direção: RT 353/227, 413/255, 273/129.

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exatamente aquela inexistência de livros, sem aludir ao elemento subjetivo do

crime.”281

Releva notar, contudo, que a única característica das condições

objetivas de punibilidade não preenchidas pelo artigo 178 decorre da inserção

dos eventos condicionantes no enunciado típico que, conforme observado

(subitem 7.4 retro), é aspecto que, na prática, poderá ser utilizado como

argumento para exigir-se a vinculação entre a omissão de documentos e a quebra

ou a recuperação, na tentativa de, assim, contornarem-se as falhas legislativas.

Por derradeiro, registre-se que a situação, no entanto, será outra

quando a Omissão de documentos contábeis obrigatórios ocorrer após o decreto

de quebra ou da concessão de recuperação à empresa.

Se — como repetidamente sustentado — as ditas decisões forem

anteriores à prática de alguma das condutas típicas, o delito se apresentará como

pós-falimentar, razão por que aquelas não poderão ser reputadas como

condições objetivas de punibilidade.

De fato, sendo o estado falimentar ou de recuperação preexistente à

conduta típica, estas situações (quebra ou recuperação) serão do prévio

conhecimento do agente, estando, por via de efeito, cobertas por sua vontade,

estado de coisas incompatível com os traços essenciais dos eventos

condicionantes.

Assim, quando a Omissão de documentos contábeis obrigatórios se

apresentar como delito pós-falimentar, as sentenças de quebra ou concessivas de

recuperação deverão ser havidas como elementos do delito. 281 FERREIRA, Waldemar Martins. Tratado de Direito Comercial, v. 15, p. 440.

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9 PROPOSTA DE MODIFICAÇÃO DO ARTIGO 180 DA LEI N.° 11.101,

DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005

Conforme ficou evidenciado, a categoria das condições objetivas de

punibilidade, por si só, representa um verdadeiro “calcanhar de Aquiles” na

doutrina penal, que diverge no grau superlativo, até mesmo, quanto a sua

existência.

Mesmo na Itália, único país a fazer certa descrição das condições

objetivas de punibilidade no corpo de seu Código Penal (artigo 44), o desacordo

na doutrina é evidente, tanto no que tange às características quanto à casuística

concreta das hipóteses de crimes condicionados.

O conjunto de senões leva a concluir pela impossibilidade de acomodar-se

a idéia das condições objetivas de punibilidade aos princípios que

hodiernamente informam a ciência penal, especialmente o da culpabilidade

(subitem 7.6 retro).

Em que pese nosso ponto de vista preliminar, essa suposta categoria

passou, obrigatoriamente, a ter de ser levada em conta na doutrina pátria, visto

que, de forma expressa, ingressou in lege a partir do artigo 180 da Lei n.°

11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

Ocorre que, a despeito da referência legal, consignando que a sentença

que decreta a falência ou a que concede qualquer das duas formas de

recuperação à empresa, são condições objetivas de punibilidade dos crimes

falimentares, é bem de se ver que a disposição em questão estampa erros

palmares.

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A heterogeneidade dos tipos penais, com efeito, não permite que, pelo

processo indutivo, se chegue a um denominador comum sobre as características

das condições objetivas de punibilidade, já que as decisões judiciais que

supostamente deveriam funcionar como eventos condicionantes, não se

apresentam de maneira uniforme em todas as modalidades de crimes

falimentares. Esse é o principal fator do desacerto legislativo nas disposições do

artigo 180.

De fato, embora o dispositivo em comento consigne que a sentença

falimentar, bem como as concessivas de qualquer forma de recuperação “[...] é

condição objetiva de punibilidade das infrações descritas [...]”, é bem de se ver

que tais decisões, em diversos casos, funcionam como verdadeiros elementos do

tipo penal, notadamente quando inseridos no mesmo, ou apontados como

acontecimentos preexistentes à conduta. Em outros casos, as supostas condições

encontram-se em nítida relação de causa e efeito com a conduta, o que evidencia

tratarem-se de verdadeiros eventos do delito.

Essa diversidade de situações impede, portanto, a disposição generalista

da norma em questão que, em verdade, fez referência a um instituto até então

desconhecido em nossa legislação e cujos contornos também não identificou.

Consignadas as razões por que entendemos ter havido um desacerto

legislativo nas disposições do artigo 180 da Lei de Falências (capítulo 8 retro), e

pormenorizadas as impropriedades que conduzem a tal conclusão, na análise

individual de cada uma das infrações penais falimentares, resta apenas

considerar se, diante da diversidade de circunstâncias que permeiam os delitos

em espécie, é possível agrupar os supostos eventos condicionantes sob um

mesmo denominador na teoria do delito, capaz de determinar-lhes a natureza

jurídica na peculiar estrutura dos crimes falimentares.

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Nesse particular a questão pode ser considerada, a um só tempo, tanto do

ângulo material quanto processual, sem risco de maiores conflitos.

Com efeito, a sentença de quebra e a concessiva de recuperação tem, à

evidência, inegável importância na própria estrutura das infrações penais

falimentares, tanto é que o legislador fez questão de fixá-las dentro de categoria

indiscutivelmente ligada ao direito material.

Embora os referidos eventos não se apresentem minimamente aptos a

serem agrupados a título de condições objetivas de punibilidade, categoria

excepcional, por si só polêmica e vulnerável a sensíveis argumentos (subitem

7.6 retro), nota-se que, por outro lado, podem ser considerados dentro da própria

estrutura formal ordinária do delito.

Consabido, todas as condutas delituosas tipificadas a título de infrações

penais falimentares ganham relevância jurídica só e somente com o advento da

sentença de quebra (pela novel legislação, também com alguma das formas de

recuperação) que, na acertada síntese de Marques “[...] é um plus que se

acrescenta ao ato para transformá-lo em fato típico.”282

Realmente, sem que se verifique algum desses eventos não haverá o

próprio objeto jurídico da infração, posto que a dinâmica falimentar que a lei

penal tutela em situações particulares, não terá tido existência.

Os referidos eventos são, portanto, o baricentro da própria ilicitude das

infrações penais falimentares ou, conforme as palavras de Carrara, “[...] o

282 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, v. 3, p. 300.

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substrato material de um malefício”283, sem os quais a conduta típica é

absolutamente inócua, uma vez que não poderá constituir ofensa ao interesse

juridicamente tutelado que, por sinal, nem chega a ganhar vida.

Assim colocados, dessume-se que os ditos eventos são, em qualquer caso,

elementos constitutivos dos crimes falimentares, na medida em que a

ofensividade das infrações penais na presença deles se desenvolve ou sobre eles

se projeta, ora como causa, ora como elemento preexistente, vindo a talho de

foice o ponto de vista de Mantovani, sobre a natureza de eventos desta ordem:Devem considerar-se elementos constitutivos os acontecimentos quese prendem à ofensa do bem protegido e que concentram em si a‘ofensividade do fato’ e, portanto, a própria razão da incriminação.Sem eles, de fato, faltaria ao crime a ofensa típica. 284

Com efeito, é fato inconteste que a sentença de quebra ou concessiva de

recuperação integra os delitos falimentares, ainda que eventualmente não se

encontrem expressas no enunciado de alguns tipos penais. E integram de forma

a dar existência ao próprio bem jurídico, sem o qual, é bem de se ver, o delito

não se aperfeiçoa, tornando, inclusive, atípicas as condutas descritas a título de

infrações penais.285 É bem por isso que Greco Filho afirma textualmente que a

sentença falimentar “[...] se trata de elemento do tipo penal, ainda que implícito

ou genérico.”286

O entendimento do autor é de total procedência, o que se percebe quando

justamente se pondera que a ausência destes eventos conduz à atipicidade da

conduta do agente, de sorte que devem, então, ser reconhecidos como elementos

283 CARRARA, Francesco. Programma del corso di diritto criminale, v. VII, p. 86, “tradução livre do autor”.284 MANTOVANI, Ferrando. Diritto Penale — Parte generale, p. 783, “tradução livre do autor”.285 Tanto é assim que ASÚA considera que “En caso de ausencia funcionarán como formas atípicas quedestruyen la tipicidad.” (Luis Jimenéz de Asúa, La Ley y el Delito, p. 532).286 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, p. 381. Na mesma direção está Marques: “Parece-nos,porém, que a sentença falimentar compõe o tipo como um dos elementos constitutivos da descrição legal.” (JoséFrederico Marques, op.cit., idem). Também Carlos Fontán Balestra, Tratado de derecho penal, t. 1, p. 349 eEugenio Raúl Zaffaroni, Tratado de Derecho Penal, v. 5, p. 57.

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do tipo penal, ainda que a este se empreste extensão mais ampla do que

simplesmente a do enunciado, alcançando, também, os elementos que compõem

a figura delituosa em sua totalidade. Esse juízo harmoniza-se com o ponto de

vista de Balestra para quem “Una acción no es típicamente antijurídica si no

contiene todos los requisitos de una figura legal.”287

De certa forma, o mesmo argumento é empregado por Gómez para

rechaçar o status de condição objetiva de punibilidade à sentença de quebra:“Se cita como ejemplo de condición objetiva de punibilidad, la de ladeclaración del estado de falencia para la punibilidad del delito dequiebra. Pero el error es evidente: la declaración susodicha esnecesaria para que el delito exista y no para su punibilidad. Esta seproduce, no por otra cosa sino porque concurren todos los hechosconstitutivos del delito de quiebra y, entre ellos, la declaración defalencia, que es esencial.”288

Nesse contexto, em que os eventos em questão em verdade pertencem à

figura delituosa e acabam por determinar a própria ilicitude da conduta, reforça-

se a conclusão da impropriedade em afirmá-las como meras condições objetivas

de punibilidade, visto que, como sustenta Soler, essas últimas “Son

circunstancias que no afectan ni la antijuridicidad ni la culpabilidad de la

acción [...]”.289

Esse entendimento, ao que parece, vem ganhando corpo no próprio direito

italiano que, conforme sustentado (capítulo 7 retro) foi o único a disciplinar a

categoria das condições objetivas de punibilidade no corpo de sua legislação.

Isso se afirma à vista do entendimento esposado pela “Comissione Pagliaro” na

Bozza di articolato para Reforma do Código Penal Italiano que, em seu artigo 13

registra: “Prever como condições de punibilidade objetivamente operantes

287 BALESTRA, Carlos Fontán. Tratado de derecho penal, t. 1, p. 349.288 GÓMEZ, Eusébio. Tratado de Derecho Penal, t.1, p. 401.289 SOLER, Sebastian. Derecho Penal Argentino, v. 2, p. 208.

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somente os acontecimentos estranhos à ofensa típica do crime.” (tradução livre

do autor).

De fato, a punibilidade, bem como as possíveis circunstâncias que possam

condicioná-la, por apresentar-se como conseqüência da conduta típica,

antijurídica e culpável, destes elementos deve diferenciar-se de forma

evidente.290

Na questão em apreço, se não ocorre o decreto de quebra ou a concessão

de alguma das modalidades de recuperação, a infração penal ainda não estará

revestida da nota da antijuridicidade, significando, por via de conseqüência, que

o delito está incompleto, não se podendo, portanto, cogitar-se em sua

punibilidade .291

Assim, conclui-se que, perante o direito substantivo, a sentença

declaratória de falência ou concessiva de alguma das formas de recuperação

devem ser havidas como elementares da figura delituosa, cuja ausência conduz à

atipicidade do delito.

Esse é, efetivamente, o único denominador comum a todas as infrações

penais previstas na Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, ao menos no que

interessa ao direito material.

290 Conforme considera Balestra: “Por eso, porque el tipo es la suma de los requisitos que definen la conductapunible, no consideramos necesario incluir en la definición las condiciones objetivas de punibilidad, ni ningúnotro agregado referido a la adecuación, que resulta ya de la calificación tipicamente antijurídica.” (CarlosFontán Balestra, Op. cit., idem).291 Adverte Mormando que as condições objetivas de punibilidade devem estar afastadas dos elementos ligados àilicitude do delito: “I problemi relativi alla natura delle condizioni obietivi di punibilità ed al rapporto con glielementi costitutivi del reato possono trovare adeguata soluzione solo se le prime vengono considerate estraneeall’interesse del reato.” (Vito Mormando, L’evoluzione storico-dommatica delle condizioni obiettive dipunibilità, In: Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Aprile-Settembre 1996, p. 610-633.

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A despeito dessa consideração, feita exclusivamente à luz do direito

substantivo, observa-se que os adventos da quebra ou da recuperação podem, no

caso da referida lei, ser interpretados, de modo complementar, sob o ângulo do

direito instrumental.

De fato, considerando a lastimável previsão estampada no artigo 180 do

mesmo diploma, deduz-se que, se o legislador pretendia imprimir um contorno

diferenciado em relação à sentença de quebra ou à concessiva de recuperação —

já que seria despiciendo reiterá-las como elementos da figura delituosa, o que

realmente são —, tal intento seria, como realmente é, impossível a título de

condições objetivas de punibilidade, dadas as características absolutamente

heterogêneas das infrações penais envolvidas, conforme enfatizado (capítulo 8

retro).

Por outro lado, o intento de ressaltar a sentença de quebra ou concessiva

de recuperação na dinâmica penal-falimentar poderia ser alcançado, de forma

menos traumática e onerosa à dogmática, e sem retirar-lhes a característica de

elementos dos crimes, dentro do direito adjetivo. Aliás, é justamente por conta

dos inevitáveis senões que, à evidência, fragilizam dogmaticamente as atuais

disposições do artigo 180, que certos autores, como Toledo, já entendiam que à

sentença de quebra sempre deveria ser reconhecida natureza jurídica processual

penal, situando-a entre as condições de procedibilidade:Com efeito, tanto no crime falimentar, para cuja punição se exige asentença declaratória da falência, como no do art.236 do CódigoPenal, para o qual se exige o trânsito em julgado da sentençaanulatória do casamento (parágrafo único), pode-se, com enorme dosede razão, sustentar que o que fica em suspenso, na dependência dasuperveniência daquelas condições legalmente estabelecidas, não é ocrime ou a tipicidade da conduta, mas sim e tão-somente o exercícioda ação penal. A inclusão na lei substantiva dessa autêntica ‘condição

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da ação’ pode ser, talvez, a causa da confusão que se tem feito sobre asua verdadeira natureza. 292

Realmente, se, ao invés de conferir aos ditos eventos o status explícito de

condições objetivas de punibilidade, houvesse o legislador situado-os entre as

chamadas condições de procedibilidade (subitem 7.5 retro), a questão tornar-se-

ia muito menos polêmica e, via de efeito, distanciada de críticas tão severas

quanto procedentes.

Nesse particular, percebe-se que a Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de

2005, representou um notável retrocesso em relação à legislação que

imediatamente a antecedeu.

De fato, embora o revogado Decreto-lei n.° 7.661/45 não contivesse

norma expressa definindo a natureza jurídica da sentença de quebra, é bem de se

ver que esta era reconhecida como condição de procedibilidade, haja vista que o

Código de Processo Penal (Decreto-lei n.° 3.689, de 3 de outubro de 1941), que

na vigência daquela lei disciplinava o procedimento nos crimes falimentares

(Livro II, Título II, Capítulo I), deixava implícita a natureza adjetiva do referido

evento, por conta do disposto em seu artigo 507, in verbis: “Art. 507. A ação

penal não poderá iniciar-se antes de declarada a falência e extinguir-se-á quando

reformada a sentença que a tiver decretado.”

Essa disposição tornava a questão livre de maiores polêmicas em termos

práticos, na medida em que expressamente o início da ação penal ficava

292 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal, p. 157. Também Urzua, embora admita aexistência da categoria das condições objetivas de punibilidade, reconhece que às condições de procedibilidade:“[...] pertenece, característicamente, la declaratoria de quiebra en los delitos de quiebra fraudulenta.” (EnriqueCury Urzúa, Derecho Penal – Parte General, p.348).

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condicionado à sentença falimentar, proclamando Espínola Filho que nesta

deitava-se “[...] o alicerce do processo penal.”293

Obviamente, o conteúdo do dispositivo do Código de Processo Penal não

afastava os entendimentos da doutrina que viam na sentença de quebra uma

condição objetiva de punibilidade, porém nessas circunstâncias a discussão

permanecia no campo estritamente doutrinário.

A despeito dessas posições divergentes, quase sempre pouco

aprofundadas na questão, é bem de se ver que, na vigência da revogada Lei

falimentar, a natureza jurídica do decreto de quebra ficou in lege, ligada ao

direito processual, visto que na disposição do Código de Processo Penal, tratava-

se, de verdadeira condição de procedibilidade da ação penal.

Nessa mesma direção, aliás, havia caminhado a Câmara Federal no curso

do processo legislativo que deu origem à Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de

2005, entendimento que, no entanto, não se sustentou no Senado, conferiu à

sentença de quebra o status de condição objetiva de punibilidade, consoante

historia Bittencourt:O Substitutivo aprovado na Câmara Federal condicionava o início daação penal à ‘decretação da falência’ (art. 204), configurando, nessahipótese, condição de procedibilidade, ou seja, um autêntico requisitoespecífico da ação penal, sem o qual não se poderia iniciá-la. Contudo,esse texto foi alterado no Senado, constando expressamente que areferida decisão judicial é condição objetiva de punibilidade (art.180). 294

A alteração do Senado foi de infelicidade ímpar. Estabeleceu-se em lei,

conforme dito, um instituto cuja própria existência e utilidade são duvidosas e

cujas características, ademais, são totalmente incertas. Outorgou-se-lhe 293 ESPÍNOLA FILHO, Eduardo Espínola. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, v. 5, p. 84.294 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Aspectos procedimentais e político-criminais dos crimes disciplinados nanova lei falimentar, In: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n.° 148, p. 7-10.

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amplitude que não se acomoda, de forma geral, às características dos tipos

penais que foram estabelecidos na nova lei, de sorte que, se a questão em torno

das condições objetivas de punibilidade importava em discussões apenas no

campo doutrinário, a partir das disposições do artigo 180 da nova lei, o tema

ganhou foros de cidade.

Tamanha celeuma, é bem de se ver, teria sido evitada caso o legislador

houvesse apenas vinculado o início da ação penal ao decreto de quebra ou à

concessão de recuperação.

De fato, se os eventos arrolados no artigo 180 da referida lei houvessem

sido reconhecidos como condições de procedibilidade da ação penal, as

características de direito material ligadas aos mesmos seriam preservadas,

admitindo que, conforme acabamos de sustentar, genericamente integram todas

as figuras delituosas previstas na mesma lei, permanecendo, no entanto,

passíveis de identidade própria no contexto individual de cada uma das infrações

penais, apresentando-se, verbi gratia, como circunstâncias preexistentes, como

resultado do delito.

Também do ângulo prático, mostra-se mais interessante à persecutio

criminis que o decreto de quebra e a concessão de recuperação sejam tratadas

como condições de procedibilidade. Isso porque, conforme o entendimento

doutrinário predominante (subitem 7.5 retro), se é proposta uma denúncia por

crime falimentar, antes da ocorrência de algum dos ditos eventos, e os mesmos

forem admitidos como condições de procedibilidade, a ação deverá ser extinta

sem julgamento do mérito, podendo ser oferecida novamente sobre os mesmos

fatos, em sobrevindo algum dos eventos condicionantes. De outra banda, em se

reconhecendo tratar-se de condições objetivas de punibilidade haverá uma

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decisão definitiva de mérito que obstará o reinício da ação penal na hipótese do

advento posterior da condição.

Assim, o contorno de instituto de direito procedimental, além de enfatizar

a condição que daria início ao processo criminal — que, aliás, só pode mesmo

ter início quando se completem todos os elementos da figura delituosa, sob pena

de faltar-lhe justa causa —, também garantiria a possibilidade dos fundamentos

de uma ação penal proposta de maneira açodada, voltar a serem levados a juízo

após o advento da condição processual.

Dessa forma, e por conta de todas as contrariedades que, tanto do ponto de

vista prático quanto acadêmico, inquinam o atual conteúdo do artigo 180,

conclui-se que a sentença que decreta a falência, concede recuperação judicial

ou concede recuperação extrajudicial deveriam ter sua natureza jurídica

modificada no texto legal, e passar a serem admitidas como condições de

procedibilidade da ação penal, entendimento que, de outra parte, não retiraria o

conteúdo substantivo que as referidas decisões apresentem em relação aos tipos

penais em espécie, submetendo-as às mesmas exigências que se operam em

relação às categorias de direito material a que possam individualmente

pertencer, especialmente no que tange ao princípio da culpabilidade.

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10 CONCLUSÃO

A dinâmica penal-falimentar, no que tange à natureza jurídica da sentença

de quebra, sofreu notável modificação na disciplina imposta pela Lei n.° 11.101,

de 9 de fevereiro de 2005. De fato, ao estabelecer que tal evento, igualmente à

sentença que concede alguma das formas de recuperação à empresa, é condição

objetiva de punibilidade, o legislador incidiu em equívoco dogmático palmar,

consoante sustentado neste trabalho, o que importa nas seguintes conclusões:

1. As condições objetivas de punibilidade são eventos posteriores ou

concomitantes à execução da conduta típica, estranhos ao enunciado do tipo

penal, causalmente desvinculados da conduta do agente e estranhos à sua

vontade (capítulo 7, retro).

2. Nos crimes pós-falimentares, a sentença que decreta a falência ou que

concede a recuperação judicial ou extrajudicial não pode ser tomada como

condição objetiva de punibilidade, já que nesses casos o suposto evento

condicionante preexiste à conduta. Trata-se, portanto, de elementos do tipo

penal que, por serem anteriores à execução do delito, estão alcançados pela

vontade do agente.

3. Nos delitos em que a sentença de falência ou concessiva de qualquer

das duas modalidades de recuperação da empresa, estiver inserida no enunciado

descritivo do tipo penal (artigos 168, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 177 e 178),

também estar-se-á diante de elementos típicos que, devendo ser alcançados pela

vontade do agente, não podem ingressar na categoria das condições objetivas de

punibilidade;

4. Nos delitos em que a falência ou da recuperação judicial forem

previstas como conseqüências da realização da conduta típica, os referidos

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eventos não se apresentam como condições objetivas de punibilidade, mas como

resultado do delito. Verbi gratia, o delito de Violação de sigilo empresarial

(artigo 169).

5. No delito de Divulgação de informações falsas (artigo 170), a falência é

expressamente apontada como objeto do dolo específico do agente, previsão

evidentemente incongruente com o caráter objetivo que o artigo 180 conferiu ao

mesmo evento.

6. Todos esses aspectos evidenciam uma profunda diversidade nas

características e na função que a sentença de quebra e a concessiva de

recuperação, desempenha em relação a cada delito previsto na nova Lei de

Falências. Esse estado de coisas não permite identificar um grupo de

circunstâncias homogêneas a essas decisões, que permita lhes atribuir o caráter

genérico de condições objetivas de punibilidade. De fato, na conformidade com

que foram elaborados os tipos penais não é sequer possível distinguir os

supostos eventos condicionantes dos demais elementos do delito.

7. Assim, do ângulo do direito material, a sentença declaratória da

falência ou concessiva de alguma das formas de recuperação da empresa devem

ser admitidas como elementos típicos da figura delituosa, visto que, ainda

quando não estejam expressas no enunciado do tipo penal, determinam a

antijuridicidade dos delitos falimentares, fazendo surgir, inclusive, o objeto

jurídico dos delitos dessa espécie.

8. Essas observações sob o prisma material, por outro lado, não impedem

que se faça a consideração dos supostos eventos condicionantes do ponto de

vista do direito processual. Com efeito, quando se pretendeu dar destaque à

função desempenhada pela sentença de quebra ou concessiva de recuperação nos

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crimes falimentares, o legislador deveria tê-las identificado como condições de

procedibilidade da ação penal, tal como consignava o Código de Processo Penal

(artigo 507), em relação aos delitos da revogada Lei de Falências (Decreto-lei

n.° 7.661/45).

9. As condições de procedibilidade da ação penal representam, do ângulo

dogmático, categoria que não suporta as inconciliáveis críticas que a doutrina

tece em relação às condições objetivas de punibilidade, uma vez que não

colocam em xeque exigências de conteúdo principiológico, especialmente no

que toca à questão da culpabilidade.

10. No que se refere ao aspecto pragmático, ao se admitir que a sentença

de quebra ou concessiva de recuperação sejam condições de procedibilidade,

uma ação penal falimentar, hipoteticamente proposta antes dos referidos eventos

e, obviamente julgada nula por faltar-lhe uma condição processual específica,

poderia ser reapresentada em torno dos mesmos fatos, após o advento da

referida condição. O mesmo não ocorre caso se tratem os mesmos eventos como

condições objetivas de punibilidade. Sendo, então, elementos ligados ao direito

material, haveria, na mesma hipótese, uma decisão absolutória de mérito, o que

impediria o reingresso em juízo com base nos mesmos acontecimentos.

11. Por todo esse contexto é recomendável que se modifique o conteúdo

do artigo 180 da Lei n.° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, passando a

reconhecer-se a sentença de quebra e a concessiva de alguma das formas de

recuperação como condições de procedibilidade da ação penal falimentar,

categoria evidentemente menos polêmica e conflitante com as garantias de

direito penal e, por outro lado, mais eficiente à persecutio criminis.

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ANEXO

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Presidência da RepúblicaCasa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 11.101, DE 9 DE FEVEREIRO DE 2005.

Regula a recuperação judicial, a extrajudicial ea falência do empresário e da sociedadeempresária.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eusanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falênciado empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

Art. 2o Esta Lei não se aplica a:

I – empresa pública e sociedade de economia mista;

II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidadede previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedadeseguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas àsanteriores.

Art. 3o É competente para homologar o plano de recuperação extrajudicial, deferir arecuperação judicial ou decretar a falência o juízo do local do principal estabelecimento dodevedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil.

Art. 4o (VETADO)

CAPÍTULO II

DISPOSIÇÕES COMUNS À RECUPERAÇÃO JUDICIAL E À FALÊNCIA

Seção I

Disposições Gerais

Art. 5o Não são exigíveis do devedor, na recuperação judicial ou na falência:

I – as obrigações a título gratuito;

II – as despesas que os credores fizerem para tomar parte na recuperação judicial ou nafalência, salvo as custas judiciais decorrentes de litígio com o devedor.

Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperaçãojudicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor,inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

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§ 1o Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandarquantia ilíquida.

§ 2o É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão oumodificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de naturezatrabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8o desta Lei, serão processadasperante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito noquadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

§ 3o O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1o e 2o deste artigo poderádeterminar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou nafalência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.

§ 4o Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótesenenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado dodeferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, odireito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente depronunciamento judicial.

§ 5o Aplica-se o disposto no § 2o deste artigo à recuperação judicial durante o período desuspensão de que trata o § 4o deste artigo, mas, após o fim da suspensão, as execuçõestrabalhistas poderão ser normalmente concluídas, ainda que o crédito já esteja inscrito noquadro-geral de credores.

§ 6o Independentemente da verificação periódica perante os cartórios de distribuição, asações que venham a ser propostas contra o devedor deverão ser comunicadas ao juízo dafalência ou da recuperação judicial:

I – pelo juiz competente, quando do recebimento da petição inicial;

II – pelo devedor, imediatamente após a citação.

§ 7o As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperaçãojudicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional eda legislação ordinária específica.

§ 8o A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a jurisdiçãopara qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência, relativo ao mesmo devedor.

Seção II

Da Verificação e da Habilitação de Créditos

Art. 7o A verificação dos créditos será realizada pelo administrador judicial, com basenos livros contábeis e documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lheforem apresentados pelos credores, podendo contar com o auxílio de profissionais ouempresas especializadas.

§ 1o Publicado o edital previsto no art. 52, § 1o, ou no parágrafo único do art. 99 destaLei, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar ao administrador judicialsuas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados.

§ 2o O administrador judicial, com base nas informações e documentos colhidos naforma do caput e do § 1o deste artigo, fará publicar edital contendo a relação de credores no

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prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contado do fim do prazo do § 1o deste artigo, devendoindicar o local, o horário e o prazo comum em que as pessoas indicadas no art. 8o desta Leiterão acesso aos documentos que fundamentaram a elaboração dessa relação.

Art. 8o No prazo de 10 (dez) dias, contado da publicação da relação referida no art. 7o, §2o, desta Lei, o Comitê, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Públicopodem apresentar ao juiz impugnação contra a relação de credores, apontando a ausência dequalquer crédito ou manifestando-se contra a legitimidade, importância ou classificação decrédito relacionado.

Parágrafo único. Autuada em separado, a impugnação será processada nos termos dosarts. 13 a 15 desta Lei.

Art. 9o A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7o, § 1o, destaLei deverá conter:

I – o nome, o endereço do credor e o endereço em que receberá comunicação de qualquerato do processo;

II – o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido derecuperação judicial, sua origem e classificação;

III – os documentos comprobatórios do crédito e a indicação das demais provas a seremproduzidas;

IV – a indicação da garantia prestada pelo devedor, se houver, e o respectivoinstrumento;

V – a especificação do objeto da garantia que estiver na posse do credor.

Parágrafo único. Os títulos e documentos que legitimam os créditos deverão ser exibidosno original ou por cópias autenticadas se estiverem juntados em outro processo.

Art. 10. Não observado o prazo estipulado no art. 7o, § 1o, desta Lei, as habilitações decrédito serão recebidas como retardatárias.

§ 1o Na recuperação judicial, os titulares de créditos retardatários, excetuados os titularesde créditos derivados da relação de trabalho, não terão direito a voto nas deliberações daassembléia-geral de credores.

§ 2o Aplica-se o disposto no § 1o deste artigo ao processo de falência, salvo se, na data darealização da assembléia-geral, já houver sido homologado o quadro-geral de credorescontendo o crédito retardatário.

§ 3o Na falência, os créditos retardatários perderão o direito a rateios eventualmenterealizados e ficarão sujeitos ao pagamento de custas, não se computando os acessórioscompreendidos entre o término do prazo e a data do pedido de habilitação.

§ 4o Na hipótese prevista no § 3o deste artigo, o credor poderá requerer a reserva de valorpara satisfação de seu crédito.

§ 5o As habilitações de crédito retardatárias, se apresentadas antes da homologação doquadro-geral de credores, serão recebidas como impugnação e processadas na forma dos arts.13 a 15 desta Lei.

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§ 6o Após a homologação do quadro-geral de credores, aqueles que não habilitaram seucrédito poderão, observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código deProcesso Civil, requerer ao juízo da falência ou da recuperação judicial a retificação doquadro-geral para inclusão do respectivo crédito.

Art. 11. Os credores cujos créditos forem impugnados serão intimados para contestar aimpugnação, no prazo de 5 (cinco) dias, juntando os documentos que tiverem e indicandooutras provas que reputem necessárias.

Art. 12. Transcorrido o prazo do art. 11 desta Lei, o devedor e o Comitê, se houver, serãointimados pelo juiz para se manifestar sobre ela no prazo comum de 5 (cinco) dias.

Parágrafo único. Findo o prazo a que se refere o caput deste artigo, o administradorjudicial será intimado pelo juiz para emitir parecer no prazo de 5 (cinco) dias, devendo juntarà sua manifestação o laudo elaborado pelo profissional ou empresa especializada, se for ocaso, e todas as informações existentes nos livros fiscais e demais documentos do devedoracerca do crédito, constante ou não da relação de credores, objeto da impugnação.

Art. 13. A impugnação será dirigida ao juiz por meio de petição, instruída com osdocumentos que tiver o impugnante, o qual indicará as provas consideradas necessárias.

Parágrafo único. Cada impugnação será autuada em separado, com os documentos a elarelativos, mas terão uma só autuação as diversas impugnações versando sobre o mesmocrédito.

Art. 14. Caso não haja impugnações, o juiz homologará, como quadro-geral de credores,a relação dos credores constante do edital de que trata o art. 7o, § 2o, desta Lei, dispensada apublicação de que trata o art. 18 desta Lei.

Art. 15. Transcorridos os prazos previstos nos arts. 11 e 12 desta Lei, os autos deimpugnação serão conclusos ao juiz, que:

I – determinará a inclusão no quadro-geral de credores das habilitações de créditos nãoimpugnadas, no valor constante da relação referida no § 2o do art. 7o desta Lei;

II – julgará as impugnações que entender suficientemente esclarecidas pelas alegações eprovas apresentadas pelas partes, mencionando, de cada crédito, o valor e a classificação;

III – fixará, em cada uma das restantes impugnações, os aspectos controvertidos edecidirá as questões processuais pendentes;

IV – determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução ejulgamento, se necessário.

Art. 16. O juiz determinará, para fins de rateio, a reserva de valor para satisfação docrédito impugnado.

Parágrafo único. Sendo parcial, a impugnação não impedirá o pagamento da parteincontroversa.

Art. 17. Da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo.

Parágrafo único. Recebido o agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo àdecisão que reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação do seu valor ou

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classificação no quadro-geral de credores, para fins de exercício de direito de voto emassembléia-geral.

Art. 18. O administrador judicial será responsável pela consolidação do quadro-geral decredores, a ser homologado pelo juiz, com base na relação dos credores a que se refere o art.7o, § 2o, desta Lei e nas decisões proferidas nas impugnações oferecidas.

Parágrafo único. O quadro-geral, assinado pelo juiz e pelo administrador judicial,mencionará a importância e a classificação de cada crédito na data do requerimento darecuperação judicial ou da decretação da falência, será juntado aos autos e publicado no órgãooficial, no prazo de 5 (cinco) dias, contado da data da sentença que houver julgado asimpugnações.

Art. 19. O administrador judicial, o Comitê, qualquer credor ou o representante doMinistério Público poderá, até o encerramento da recuperação judicial ou da falência,observado, no que couber, o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil,pedir a exclusão, outra classificação ou a retificação de qualquer crédito, nos casos dedescoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou, ainda, documentosignorados na época do julgamento do crédito ou da inclusão no quadro-geral de credores.

§ 1o A ação prevista neste artigo será proposta exclusivamente perante o juízo darecuperação judicial ou da falência ou, nas hipóteses previstas no art. 6o, §§ 1o e 2o, desta Lei,perante o juízo que tenha originariamente reconhecido o crédito.

§ 2o Proposta a ação de que trata este artigo, o pagamento ao titular do crédito por elaatingido somente poderá ser realizado mediante a prestação de caução no mesmo valor docrédito questionado.

Art. 20. As habilitações dos credores particulares do sócio ilimitadamente responsávelprocessar-se-ão de acordo com as disposições desta Seção.

Seção III

Do Administrador Judicial e do Comitê de Credores

Art. 21. O administrador judicial será profissional idôneo, preferencialmente advogado,economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica especializada.

Parágrafo único. Se o administrador judicial nomeado for pessoa jurídica, declarar-se-á,no termo de que trata o art. 33 desta Lei, o nome de profissional responsável pela condução doprocesso de falência ou de recuperação judicial, que não poderá ser substituído semautorização do juiz.

Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, alémde outros deveres que esta Lei lhe impõe:

I – na recuperação judicial e na falência:

a) enviar correspondência aos credores constantes na relação de que trata o inciso III docaput do art. 51, o inciso III do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art. 105 desta Lei,comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou da decretação da falência, anatureza, o valor e a classificação dada ao crédito;

b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados;

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c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício, a fim de servirem defundamento nas habilitações e impugnações de créditos;

d) exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;

e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2o do art. 7o desta Lei;

f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do art. 18 desta Lei;

g) requerer ao juiz convocação da assembléia-geral de credores nos casos previstos nestaLei ou quando entender necessária sua ouvida para a tomada de decisões;

h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadaspara, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;

i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei;

II – na recuperação judicial:

a) fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;

b) requerer a falência no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano derecuperação;

c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor;

d) apresentar o relatório sobre a execução do plano de recuperação, de que trata o incisoIII do caput do art. 63 desta Lei;

III – na falência:

a) avisar, pelo órgão oficial, o lugar e hora em que, diariamente, os credores terão à suadisposição os livros e documentos do falido;

b) examinar a escrituração do devedor;

c) relacionar os processos e assumir a representação judicial da massa falida;

d) receber e abrir a correspondência dirigida ao devedor, entregando a ele o que não forassunto de interesse da massa;

e) apresentar, no prazo de 40 (quarenta) dias, contado da assinatura do termo decompromisso, prorrogável por igual período, relatório sobre as causas e circunstâncias queconduziram à situação de falência, no qual apontará a responsabilidade civil e penal dosenvolvidos, observado o disposto no art. 186 desta Lei;

f) arrecadar os bens e documentos do devedor e elaborar o auto de arrecadação, nostermos dos arts. 108 e 110 desta Lei;

g) avaliar os bens arrecadados;

h) contratar avaliadores, de preferência oficiais, mediante autorização judicial, para aavaliação dos bens caso entenda não ter condições técnicas para a tarefa;

i) praticar os atos necessários à realização do ativo e ao pagamento dos credores;

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j) requerer ao juiz a venda antecipada de bens perecíveis, deterioráveis ou sujeitos aconsiderável desvalorização ou de conservação arriscada ou dispendiosa, nos termos do art.113 desta Lei;

l) praticar todos os atos conservatórios de direitos e ações, diligenciar a cobrança dedívidas e dar a respectiva quitação;

m) remir, em benefício da massa e mediante autorização judicial, bens apenhados,penhorados ou legalmente retidos;

n) representar a massa falida em juízo, contratando, se necessário, advogado, cujoshonorários serão previamente ajustados e aprovados pelo Comitê de Credores;

o) requerer todas as medidas e diligências que forem necessárias para o cumprimentodesta Lei, a proteção da massa ou a eficiência da administração;

p) apresentar ao juiz para juntada aos autos, até o 10o (décimo) dia do mês seguinte aovencido, conta demonstrativa da administração, que especifique com clareza a receita e adespesa;

q) entregar ao seu substituto todos os bens e documentos da massa em seu poder, sobpena de responsabilidade;

r) prestar contas ao final do processo, quando for substituído, destituído ou renunciar aocargo.

§ 1o As remunerações dos auxiliares do administrador judicial serão fixadas pelo juiz,que considerará a complexidade dos trabalhos a serem executados e os valores praticados nomercado para o desempenho de atividades semelhantes.

§ 2o Na hipótese da alínea d do inciso I do caput deste artigo, se houver recusa, o juiz, arequerimento do administrador judicial, intimará aquelas pessoas para que compareçam à sededo juízo, sob pena de desobediência, oportunidade em que as interrogará na presença doadministrador judicial, tomando seus depoimentos por escrito.

§ 3o Na falência, o administrador judicial não poderá, sem autorização judicial, apósouvidos o Comitê e o devedor no prazo comum de 2 (dois) dias, transigir sobre obrigações edireitos da massa falida e conceder abatimento de dívidas, ainda que sejam consideradas dedifícil recebimento.

§ 4o Se o relatório de que trata a alínea e do inciso III do caput deste artigo apontarresponsabilidade penal de qualquer dos envolvidos, o Ministério Público será intimado paratomar conhecimento de seu teor.

Art. 23. O administrador judicial que não apresentar, no prazo estabelecido, suas contasou qualquer dos relatórios previstos nesta Lei será intimado pessoalmente a fazê-lo no prazode 5 (cinco) dias, sob pena de desobediência.

Parágrafo único. Decorrido o prazo do caput deste artigo, o juiz destituirá oadministrador judicial e nomeará substituto para elaborar relatórios ou organizar as contas,explicitando as responsabilidades de seu antecessor.

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Art. 24. O juiz fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração do administradorjudicial, observados a capacidade de pagamento do devedor, o grau de complexidade dotrabalho e os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes.

§ 1o Em qualquer hipótese, o total pago ao administrador judicial não excederá 5%(cinco por cento) do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial ou do valorde venda dos bens na falência.

§ 2o Será reservado 40% (quarenta por cento) do montante devido ao administradorjudicial para pagamento após atendimento do previsto nos arts. 154 e 155 desta Lei.

§ 3o O administrador judicial substituído será remunerado proporcionalmente ao trabalhorealizado, salvo se renunciar sem relevante razão ou for destituído de suas funções pordesídia, culpa, dolo ou descumprimento das obrigações fixadas nesta Lei, hipóteses em quenão terá direito à remuneração.

§ 4o Também não terá direito a remuneração o administrador que tiver suas contasdesaprovadas.

Art. 25. Caberá ao devedor ou à massa falida arcar com as despesas relativas àremuneração do administrador judicial e das pessoas eventualmente contratadas para auxiliá-lo.

Art. 26. O Comitê de Credores será constituído por deliberação de qualquer das classesde credores na assembléia-geral e terá a seguinte composição:

I – 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois)suplentes;

II – 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantiaou privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes;

III – 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e comprivilégios gerais, com 2 (dois) suplentes.

§ 1o A falta de indicação de representante por quaisquer das classes não prejudicará aconstituição do Comitê, que poderá funcionar com número inferior ao previsto no caput desteartigo.

§ 2o O juiz determinará, mediante requerimento subscrito por credores que representem amaioria dos créditos de uma classe, independentemente da realização de assembléia:

I – a nomeação do representante e dos suplentes da respectiva classe ainda nãorepresentada no Comitê; ou

II – a substituição do representante ou dos suplentes da respectiva classe.

§ 3o Caberá aos próprios membros do Comitê indicar, entre eles, quem irá presidi-lo.

Art. 27. O Comitê de Credores terá as seguintes atribuições, além de outras previstasnesta Lei:

I – na recuperação judicial e na falência:

a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;

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b) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;

c) comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses doscredores;

d) apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;

e) requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores;

f) manifestar-se nas hipóteses previstas nesta Lei;

II – na recuperação judicial:

a) fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta)dias, relatório de sua situação;

b) fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;

c) submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nashipóteses previstas nesta Lei, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônusreais e outras garantias, bem como atos de endividamento necessários à continuação daatividade empresarial durante o período que antecede a aprovação do plano de recuperaçãojudicial.

§ 1o As decisões do Comitê, tomadas por maioria, serão consignadas em livro de atas,rubricado pelo juízo, que ficará à disposição do administrador judicial, dos credores e dodevedor.

§ 2o Caso não seja possível a obtenção de maioria em deliberação do Comitê, o impasseserá resolvido pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, pelo juiz.

Art. 28. Não havendo Comitê de Credores, caberá ao administrador judicial ou, naincompatibilidade deste, ao juiz exercer suas atribuições.

Art. 29. Os membros do Comitê não terão sua remuneração custeada pelo devedor oupela massa falida, mas as despesas realizadas para a realização de ato previsto nesta Lei, sedevidamente comprovadas e com a autorização do juiz, serão ressarcidas atendendo àsdisponibilidades de caixa.

Art. 30. Não poderá integrar o Comitê ou exercer as funções de administrador judicialquem, nos últimos 5 (cinco) anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou demembro do Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou deprestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada.

§ 1o Ficará também impedido de integrar o Comitê ou exercer a função de administradorjudicial quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3o (terceiro) grau com o devedor,seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo oudependente.

§ 2o O devedor, qualquer credor ou o Ministério Público poderá requerer ao juiz asubstituição do administrador judicial ou dos membros do Comitê nomeados emdesobediência aos preceitos desta Lei.

§ 3o O juiz decidirá, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sobre o requerimento do § 2o

deste artigo.

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Art. 31. O juiz, de ofício ou a requerimento fundamentado de qualquer interessado,poderá determinar a destituição do administrador judicial ou de quaisquer dos membros doComitê de Credores quando verificar desobediência aos preceitos desta Lei, descumprimentode deveres, omissão, negligência ou prática de ato lesivo às atividades do devedor ou aterceiros.

§ 1o No ato de destituição, o juiz nomeará novo administrador judicial ou convocará ossuplentes para recompor o Comitê.

§ 2o Na falência, o administrador judicial substituído prestará contas no prazo de 10 (dez)dias, nos termos dos §§ 1o a 6o do art. 154 desta Lei.

Art. 32. O administrador judicial e os membros do Comitê responderão pelos prejuízoscausados à massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa, devendo o dissidenteem deliberação do Comitê consignar sua discordância em ata para eximir-se daresponsabilidade.

Art. 33. O administrador judicial e os membros do Comitê de Credores, logo quenomeados, serão intimados pessoalmente para, em 48 (quarenta e oito) horas, assinar, na sededo juízo, o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas asresponsabilidades a ele inerentes.

Art. 34. Não assinado o termo de compromisso no prazo previsto no art. 33 desta Lei, ojuiz nomeará outro administrador judicial.

Seção IV

Da Assembléia-Geral de Credores

Art. 35. A assembléia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre:

I – na recuperação judicial:

a) aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelodevedor;

b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;

c) (VETADO)

d) o pedido de desistência do devedor, nos termos do § 4o do art. 52 desta Lei;

e) o nome do gestor judicial, quando do afastamento do devedor;

f) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores;

II – na falência:

a) (VETADO)

b) a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus membros e sua substituição;

c) a adoção de outras modalidades de realização do ativo, na forma do art. 145 desta Lei;

d) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores.

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Art. 36. A assembléia-geral de credores será convocada pelo juiz por edital publicado noórgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais, comantecedência mínima de 15 (quinze) dias, o qual conterá:

I – local, data e hora da assembléia em 1a (primeira) e em 2a (segunda) convocação, nãopodendo esta ser realizada menos de 5 (cinco) dias depois da 1a (primeira);

II – a ordem do dia;

III – local onde os credores poderão, se for o caso, obter cópia do plano de recuperaçãojudicial a ser submetido à deliberação da assembléia.

§ 1o Cópia do aviso de convocação da assembléia deverá ser afixada de forma ostensivana sede e filiais do devedor.

§ 2o Além dos casos expressamente previstos nesta Lei, credores que representem nomínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos créditos de uma determinada classepoderão requerer ao juiz a convocação de assembléia-geral.

§ 3o As despesas com a convocação e a realização da assembléia-geral correm por contado devedor ou da massa falida, salvo se convocada em virtude de requerimento do Comitê deCredores ou na hipótese do § 2o deste artigo.

Art. 37. A assembléia será presidida pelo administrador judicial, que designará 1 (um)secretário dentre os credores presentes.

§ 1o Nas deliberações sobre o afastamento do administrador judicial ou em outras em quehaja incompatibilidade deste, a assembléia será presidida pelo credor presente que seja titulardo maior crédito.

§ 2o A assembléia instalar-se-á, em 1a (primeira) convocação, com a presença decredores titulares de mais da metade dos créditos de cada classe, computados pelo valor, e, em2a (segunda) convocação, com qualquer número.

§ 3o Para participar da assembléia, cada credor deverá assinar a lista de presença, queserá encerrada no momento da instalação.

§ 4o O credor poderá ser representado na assembléia-geral por mandatário ourepresentante legal, desde que entregue ao administrador judicial, até 24 (vinte e quatro) horasantes da data prevista no aviso de convocação, documento hábil que comprove seus poderesou a indicação das folhas dos autos do processo em que se encontre o documento.

§ 5o Os sindicatos de trabalhadores poderão representar seus associados titulares decréditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho que nãocomparecerem, pessoalmente ou por procurador, à assembléia.

§ 6o Para exercer a prerrogativa prevista no § 5o deste artigo, o sindicato deverá:

I – apresentar ao administrador judicial, até 10 (dez) dias antes da assembléia, a relaçãodos associados que pretende representar, e o trabalhador que conste da relação de mais de umsindicato deverá esclarecer, até 24 (vinte e quatro) horas antes da assembléia, qual sindicato orepresenta, sob pena de não ser representado em assembléia por nenhum deles; e

II – (VETADO)

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§ 7o Do ocorrido na assembléia, lavrar-se-á ata que conterá o nome dos presentes e asassinaturas do presidente, do devedor e de 2 (dois) membros de cada uma das classesvotantes, e que será entregue ao juiz, juntamente com a lista de presença, no prazo de 48(quarenta e oito) horas.

Art. 38. O voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito, ressalvado, nasdeliberações sobre o plano de recuperação judicial, o disposto no § 2o do art. 45 desta Lei.

Parágrafo único. Na recuperação judicial, para fins exclusivos de votação em assembléia-geral, o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio davéspera da data de realização da assembléia.

Art. 39. Terão direito a voto na assembléia-geral as pessoas arroladas no quadro-geral decredores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo administrador judicial naforma do art. 7o, § 2o, desta Lei, ou, ainda, na falta desta, na relação apresentada pelo própriodevedor nos termos dos arts. 51, incisos III e IV do caput, 99, inciso III do caput, ou 105,inciso II do caput, desta Lei, acrescidas, em qualquer caso, das que estejam habilitadas nadata da realização da assembléia ou que tenham créditos admitidos ou alterados por decisãojudicial, inclusive as que tenham obtido reserva de importâncias, observado o disposto nos §§1o e 2o do art. 10 desta Lei.

§ 1o Não terão direito a voto e não serão considerados para fins de verificação do quorumde instalação e de deliberação os titulares de créditos excetuados na forma dos §§ 3o e 4o doart. 49 desta Lei.

§ 2o As deliberações da assembléia-geral não serão invalidadas em razão de posteriordecisão judicial acerca da existência, quantificação ou classificação de créditos.

§ 3o No caso de posterior invalidação de deliberação da assembléia, ficam resguardadosos direitos de terceiros de boa-fé, respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelosprejuízos comprovados causados por dolo ou culpa.

Art. 40. Não será deferido provimento liminar, de caráter cautelar ou antecipatório dosefeitos da tutela, para a suspensão ou adiamento da assembléia-geral de credores em razão dependência de discussão acerca da existência, da quantificação ou da classificação de créditos.

Art. 41. A assembléia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:

I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentesde trabalho;

II – titulares de créditos com garantia real;

III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ousubordinados.

§ 1o Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a classeprevista no inciso I do caput deste artigo com o total de seu crédito, independentemente dovalor.

§ 2o Os titulares de créditos com garantia real votam com a classe prevista no inciso II docaput deste artigo até o limite do valor do bem gravado e com a classe prevista no inciso IIIdo caput deste artigo pelo restante do valor de seu crédito.

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Art. 42. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credoresque representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia-geral,exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial nos termos da alínea a do incisoI do caput do art. 35 desta Lei, a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa derealização do ativo nos termos do art. 145 desta Lei.

Art. 43. Os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas, controladoras,controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% (dez porcento) do capital social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenhamparticipação superior a 10% (dez por cento) do capital social, poderão participar daassembléia-geral de credores, sem ter direito a voto e não serão considerados para fins deverificação do quorum de instalação e de deliberação.

Parágrafo único. O disposto neste artigo também se aplica ao cônjuge ou parente,consangüíneo ou afim, colateral até o 2o (segundo) grau, ascendente ou descendente dodevedor, de administrador, do sócio controlador, de membro dos conselhos consultivo, fiscalou semelhantes da sociedade devedora e à sociedade em que quaisquer dessas pessoasexerçam essas funções.

Art. 44. Na escolha dos representantes de cada classe no Comitê de Credores, somente osrespectivos membros poderão votar.

Art. 45. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, todas as classes decredores referidas no art. 41 desta Lei deverão aprovar a proposta.

§ 1o Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a propostadeverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditospresentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.

§ 2o Na classe prevista no inciso I do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovadapela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.

§ 3o O credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação dequorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condiçõesoriginais de pagamento de seu crédito.

Art. 46. A aprovação de forma alternativa de realização do ativo na falência, prevista noart. 145 desta Lei, dependerá do voto favorável de credores que representem 2/3 (dois terços)dos créditos presentes à assembléia.

CAPÍTULO III

DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Seção I

Disposições Gerais

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação decrise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, doemprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservaçãoda empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

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Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido,exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintesrequisitos, cumulativamente:

I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada emjulgado, as responsabilidades daí decorrentes;

II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;

III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial combase no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;

IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoacondenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Parágrafo único. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjugesobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data dopedido, ainda que não vencidos.

§ 1o Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos eprivilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

§ 2o As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condiçõesoriginalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos,salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.

§ 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ouimóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujosrespectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusiveem incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva dedomínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão osdireitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislaçãorespectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o doart. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capitalessenciais a sua atividade empresarial.

§ 4o Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere oinciso II do art. 86 desta Lei.

§ 5o Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitoscreditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ourenovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto nãorenovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantiaspermanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4o do art. 6o

desta Lei.

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente acada caso, dentre outros:

I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidasou vincendas;

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II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição desubsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nostermos da legislação vigente;

III – alteração do controle societário;

IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seusórgãos administrativos;

V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e depoder de veto em relação às matérias que o plano especificar;

VI – aumento de capital social;

VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituídapelos próprios empregados;

VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordoou convenção coletiva;

IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição degarantia própria ou de terceiro;

X – constituição de sociedade de credores;

XI – venda parcial dos bens;

XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendocomo termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-seinclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;

XIII – usufruto da empresa;

XIV – administração compartilhada;

XV – emissão de valores mobiliários;

XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamentodos créditos, os ativos do devedor.

§ 1o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou suasubstituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular darespectiva garantia.

§ 2o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada comoparâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credortitular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperaçãojudicial.

Seção II

Do Pedido e do Processamento da Recuperação Judicial

Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:

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I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões dacrise econômico-financeira;

II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e aslevantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância dalegislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:

a) balanço patrimonial;

b) demonstração de resultados acumulados;

c) demonstração do resultado desde o último exercício social;

d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;

III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazerou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valoratualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e aindicação dos registros contábeis de cada transação pendente;

IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários,indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, ea discriminação dos valores pendentes de pagamento;

V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o atoconstitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;

VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores dodevedor;

VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuaisaplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou embolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;

VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede dodevedor e naquelas onde possui filial;

IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figurecomo parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valoresdemandados.

§ 1o Os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e nosuporte previstos em lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e,mediante autorização judicial, de qualquer interessado.

§ 2o Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, asmicroempresas e empresas de pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábilsimplificados nos termos da legislação específica.

§ 3o O juiz poderá determinar o depósito em cartório dos documentos a que se referem os§§ 1o e 2o deste artigo ou de cópia destes.

Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá oprocessamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

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I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;

II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedorexerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento debenefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;

III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma doart. 6o desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadasas ações previstas nos §§ 1o, 2o e 7o do art. 6o desta Lei e as relativas a créditos excetuados naforma dos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei;

IV – determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquantoperdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores;

V – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às FazendasPúblicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.

§ 1o O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá:

I – o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento darecuperação judicial;

II – a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e aclassificação de cada crédito;

III – a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7o, §1o, desta Lei, e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicialapresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta Lei.

§ 2o Deferido o processamento da recuperação judicial, os credores poderão, a qualquertempo, requerer a convocação de assembléia-geral para a constituição do Comitê de Credoresou substituição de seus membros, observado o disposto no § 2o do art. 36 desta Lei.

§ 3o No caso do inciso III do caput deste artigo, caberá ao devedor comunicar asuspensão aos juízos competentes.

§ 4o O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o deferimentode seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na assembléia-geral decredores.

Seção III

Do Plano de Recuperação Judicial

Art. 53. O plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazoimprorrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento darecuperação judicial, sob pena de convolação em falência, e deverá conter:

I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados, conformeo art. 50 desta Lei, e seu resumo;

II – demonstração de sua viabilidade econômica; e

III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscritopor profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

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Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo aviso aos credoressobre o recebimento do plano de recuperação e fixando o prazo para a manifestação deeventuais objeções, observado o art. 55 desta Lei.

Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) anopara pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentesde trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial.

Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias parao pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos denatureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperaçãojudicial.

Seção IV

Do Procedimento de Recuperação Judicial

Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperaçãojudicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que tratao § 2o do art. 7o desta Lei.

Parágrafo único. Caso, na data da publicação da relação de que trata o caput deste artigo,não tenha sido publicado o aviso previsto no art. 53, parágrafo único, desta Lei, contar-se-á dapublicação deste o prazo para as objeções.

Art. 56. Havendo objeção de qualquer credor ao plano de recuperação judicial, o juizconvocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação.

§ 1o A data designada para a realização da assembléia-geral não excederá 150 (cento ecinqüenta) dias contados do deferimento do processamento da recuperação judicial.

§ 2o A assembléia-geral que aprovar o plano de recuperação judicial poderá indicar osmembros do Comitê de Credores, na forma do art. 26 desta Lei, se já não estiver constituído.

§ 3o O plano de recuperação judicial poderá sofrer alterações na assembléia-geral, desdeque haja expressa concordância do devedor e em termos que não impliquem diminuição dosdireitos exclusivamente dos credores ausentes.

§ 4o Rejeitado o plano de recuperação pela assembléia-geral de credores, o juiz decretaráa falência do devedor.

Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credoresou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedorapresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 daLei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.

Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial dodevedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei outenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.

§ 1o O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteveaprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, deforma cumulativa:

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I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos oscréditos presentes à assembléia, independentemente de classes;

II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou,caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1(uma) delas;

III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) doscredores, computados na forma dos §§ 1o e 2o do art. 45 desta Lei.

§ 2o A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1o deste artigose o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houverrejeitado.

Art. 59. O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores aopedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias,observado o disposto no § 1o do art. 50 desta Lei.

§ 1o A decisão judicial que conceder a recuperação judicial constituirá título executivojudicial, nos termos do art. 584, inciso III, do caput da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973- Código de Processo Civil.

§ 2o Contra a decisão que conceder a recuperação judicial caberá agravo, que poderá serinterposto por qualquer credor e pelo Ministério Público.

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiaisou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado odisposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverásucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária,observado o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei.

Art. 61. Proferida a decisão prevista no art. 58 desta Lei, o devedor permanecerá emrecuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que sevencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial.

§ 1o Durante o período estabelecido no caput deste artigo, o descumprimento dequalquer obrigação prevista no plano acarretará a convolação da recuperação em falência, nostermos do art. 73 desta Lei.

§ 2o Decretada a falência, os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nascondições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvadosos atos validamente praticados no âmbito da recuperação judicial.

Art. 62. Após o período previsto no art. 61 desta Lei, no caso de descumprimento dequalquer obrigação prevista no plano de recuperação judicial, qualquer credor poderá requerera execução específica ou a falência com base no art. 94 desta Lei.

Art. 63. Cumpridas as obrigações vencidas no prazo previsto no caput do art. 61 destaLei, o juiz decretará por sentença o encerramento da recuperação judicial e determinará:

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I – o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, somente podendoefetuar a quitação dessas obrigações mediante prestação de contas, no prazo de 30 (trinta)dias, e aprovação do relatório previsto no inciso III do caput deste artigo;

II – a apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas;

III – a apresentação de relatório circunstanciado do administrador judicial, no prazomáximo de 15 (quinze) dias, versando sobre a execução do plano de recuperação pelodevedor;

IV – a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial;

V – a comunicação ao Registro Público de Empresas para as providências cabíveis.

Art. 64. Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seusadministradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização doComitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles:

I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometidoem recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economiapopular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente;

II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei;

III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;

IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas:

a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situaçãopatrimonial;

b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ougênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;

c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seufuncionamento regular;

d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput doart. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial;

V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelosdemais membros do Comitê;

VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial.

Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juizdestituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos dodevedor ou do plano de recuperação judicial.

Art. 65. Quando do afastamento do devedor, nas hipóteses previstas no art. 64 desta Lei,o juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicialque assumirá a administração das atividades do devedor, aplicando-se-lhe, no que couber,todas as normas sobre deveres, impedimentos e remuneração do administrador judicial.

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§ 1o O administrador judicial exercerá as funções de gestor enquanto a assembléia-geralnão deliberar sobre a escolha deste.

§ 2o Na hipótese de o gestor indicado pela assembléia-geral de credores recusar ou estarimpedido de aceitar o encargo para gerir os negócios do devedor, o juiz convocará, no prazode 72 (setenta e duas) horas, contado da recusa ou da declaração do impedimento nos autos,nova assembléia-geral, aplicado o disposto no § 1o deste artigo.

Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderáalienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidadereconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamenterelacionados no plano de recuperação judicial.

Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante arecuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ouserviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação defalência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

Parágrafo único. Os créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes afornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido derecuperação judicial terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência,no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação.

Art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderãodeferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede derecuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei no 5.172, de 25 deoutubro de 1966 - Código Tributário Nacional.

Art. 69. Em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito aoprocedimento de recuperação judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial, aexpressão "em Recuperação Judicial".

Parágrafo único. O juiz determinará ao Registro Público de Empresas a anotação darecuperação judicial no registro correspondente.

Seção V

Do Plano de Recuperação Judicial para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte

Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1o desta Lei e que se incluam nos conceitos demicroempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se àsnormas deste Capítulo.

§ 1o As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei,poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção defazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei.

§ 2o Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados narecuperação judicial.

Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto noart. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:

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I – abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes derepasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei;

II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas,corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a. (doze por cento ao ano);

III – preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento eoitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;

IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administradorjudicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial nãoacarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos nãoabrangidos pelo plano.

Art. 72. Caso o devedor de que trata o art. 70 desta Lei opte pelo pedido de recuperaçãojudicial com base no plano especial disciplinado nesta Seção, não será convocada assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial seatendidas as demais exigências desta Lei.

Parágrafo único. O juiz também julgará improcedente o pedido de recuperação judicial edecretará a falência do devedor se houver objeções, nos termos do art. 55 desta Lei, decredores titulares de mais da metade dos créditos descritos no inciso I do caput do art. 71desta Lei.

CAPÍTULO IV

DA CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA

Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial:

I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei;

II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53desta Lei;

III – quando houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do § 4o do art. 56desta Lei;

IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, naforma do § 1o do art. 61 desta Lei.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não impede a decretação da falência porinadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial, nos termos dos incisos I ou IIdo caput do art. 94 desta Lei, ou por prática de ato previsto no inciso III do caput do art. 94desta Lei.

Art. 74. Na convolação da recuperação em falência, os atos de administração,endividamento, oneração ou alienação praticados durante a recuperação judicial presumem-seválidos, desde que realizados na forma desta Lei.

CAPÍTULO V

DA FALÊNCIA

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Seção I

Disposições Gerais

Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa apreservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive osintangíveis, da empresa.

Parágrafo único. O processo de falência atenderá aos princípios da celeridade e daeconomia processual.

Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobrebens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas nãoreguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.

Parágrafo único. Todas as ações, inclusive as excetuadas no caput deste artigo, terãoprosseguimento com o administrador judicial, que deverá ser intimado para representar amassa falida, sob pena de nulidade do processo.

Art. 77. A decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas dodevedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis, com o abatimento proporcionaldos juros, e converte todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda do País, pelocâmbio do dia da decisão judicial, para todos os efeitos desta Lei.

Art. 78. Os pedidos de falência estão sujeitos a distribuição obrigatória, respeitada aordem de apresentação.

Parágrafo único. As ações que devam ser propostas no juízo da falência estão sujeitas adistribuição por dependência.

Art. 79. Os processos de falência e os seus incidentes preferem a todos os outros naordem dos feitos, em qualquer instância.

Art. 80. Considerar-se-ão habilitados os créditos remanescentes da recuperação judicial,quando definitivamente incluídos no quadro-geral de credores, tendo prosseguimento ashabilitações que estejam em curso.

Art. 81. A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamenteresponsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitosjurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados paraapresentar contestação, se assim o desejarem.

§ 1o O disposto no caput deste artigo aplica-se ao sócio que tenha se retiradovoluntariamente ou que tenha sido excluído da sociedade, há menos de 2 (dois) anos, quantoàs dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não teremsido solvidas até a data da decretação da falência.

§ 2o As sociedades falidas serão representadas na falência por seus administradores ouliquidantes, os quais terão os mesmos direitos e, sob as mesmas penas, ficarão sujeitos àsobrigações que cabem ao falido.

Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, doscontroladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, seráapurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da

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sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto noCódigo de Processo Civil.

§ 1o Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença deencerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo.

§ 2o O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar aindisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o danoprovocado, até o julgamento da ação de responsabilização.

Seção II

Da Classificação dos Créditos

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta)salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;

II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;

III – créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição,excetuadas as multas tributárias;

IV – créditos com privilégio especial, a saber:

a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária destaLei;

c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada emgarantia;

V – créditos com privilégio geral, a saber:

a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002;

b) os previstos no parágrafo único do art. 67 desta Lei;

c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária destaLei;

VI – créditos quirografários, a saber:

a) aqueles não previstos nos demais incisos deste artigo;

b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados aoseu pagamento;

c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limiteestabelecido no inciso I do caput deste artigo;

VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ouadministrativas, inclusive as multas tributárias;

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VIII – créditos subordinados, a saber:

a) os assim previstos em lei ou em contrato;

b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício.

§ 1o Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do bemobjeto de garantia real a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso dealienação em bloco, o valor de avaliação do bem individualmente considerado.

§ 2o Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimentode sua parcela do capital social na liquidação da sociedade.

§ 3o As cláusulas penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigaçõesneles estipuladas se vencerem em virtude da falência.

§ 4o Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários.

Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedênciasobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:

I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivadosda legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviçosprestados após a decretação da falência;

II – quantias fornecidas à massa pelos credores;

III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seuproduto, bem como custas do processo de falência;

IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sidovencida;

V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperaçãojudicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativosa fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida noart. 83 desta Lei.

Seção III

Do Pedido de Restituição

Art. 85. O proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre empoder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição.

Parágrafo único. Também pode ser pedida a restituição de coisa vendida a crédito eentregue ao devedor nos 15 (quinze) dias anteriores ao requerimento de sua falência, se aindanão alienada.

Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro:

I – se a coisa não mais existir ao tempo do pedido de restituição, hipótese em que orequerente receberá o valor da avaliação do bem, ou, no caso de ter ocorrido sua venda, orespectivo preço, em ambos os casos no valor atualizado;

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II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente deadiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3o e 4o, da Lei no

4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuaisprorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente;

III – dos valores entregues ao devedor pelo contratante de boa-fé na hipótese derevogação ou ineficácia do contrato, conforme disposto no art. 136 desta Lei.

Parágrafo único. As restituições de que trata este artigo somente serão efetuadas após opagamento previsto no art. 151 desta Lei.

Art. 87. O pedido de restituição deverá ser fundamentado e descreverá a coisa reclamada.

§ 1o O juiz mandará autuar em separado o requerimento com os documentos que oinstruírem e determinará a intimação do falido, do Comitê, dos credores e do administradorjudicial para que, no prazo sucessivo de 5 (cinco) dias, se manifestem, valendo comocontestação a manifestação contrária à restituição.

§ 2o Contestado o pedido e deferidas as provas porventura requeridas, o juiz designaráaudiência de instrução e julgamento, se necessária.

§ 3o Não havendo provas a realizar, os autos serão conclusos para sentença.

Art. 88. A sentença que reconhecer o direito do requerente determinará a entrega dacoisa no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

Parágrafo único. Caso não haja contestação, a massa não será condenada ao pagamentode honorários advocatícios.

Art. 89. A sentença que negar a restituição, quando for o caso, incluirá o requerente noquadro-geral de credores, na classificação que lhe couber, na forma desta Lei.

Art. 90. Da sentença que julgar o pedido de restituição caberá apelação sem efeitosuspensivo.

Parágrafo único. O autor do pedido de restituição que pretender receber o bem ou aquantia reclamada antes do trânsito em julgado da sentença prestará caução.

Art. 91. O pedido de restituição suspende a disponibilidade da coisa até o trânsito emjulgado.

Parágrafo único. Quando diversos requerentes houverem de ser satisfeitos em dinheiro enão existir saldo suficiente para o pagamento integral, far-se-á rateio proporcional entre eles.

Art. 92. O requerente que tiver obtido êxito no seu pedido ressarcirá a massa falida ou aquem tiver suportado as despesas de conservação da coisa reclamada.

Art. 93. Nos casos em que não couber pedido de restituição, fica resguardado o direitodos credores de propor embargos de terceiros, observada a legislação processual civil.

Seção IV

Do Procedimento para a Decretação da Falência

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:

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I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquidamaterializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia àpenhora bens suficientes dentro do prazo legal;

III – pratica qualquer dos seguintes atos, exceto se fizer parte de plano de recuperaçãojudicial:

a) procede à liquidação precipitada de seus ativos ou lança mão de meio ruinoso oufraudulento para realizar pagamentos;

b) realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o objetivo de retardar pagamentosou fraudar credores, negócio simulado ou alienação de parte ou da totalidade de seu ativo aterceiro, credor ou não;

c) transfere estabelecimento a terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos oscredores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo;

d) simula a transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar alegislação ou a fiscalização ou para prejudicar credor;

e) dá ou reforça garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com benslivres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;

f) ausenta-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagaros credores, abandona estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de suasede ou de seu principal estabelecimento;

g) deixa de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperaçãojudicial.

§ 1o Credores podem reunir-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para opedido de falência com base no inciso I do caput deste artigo.

§ 2o Ainda que líquidos, não legitimam o pedido de falência os créditos que nela não sepossam reclamar.

§ 3o Na hipótese do inciso I do caput deste artigo, o pedido de falência será instruídocom os títulos executivos na forma do parágrafo único do art. 9o desta Lei, acompanhados, emqualquer caso, dos respectivos instrumentos de protesto para fim falimentar nos termos dalegislação específica.

§ 4o Na hipótese do inciso II do caput deste artigo, o pedido de falência será instruídocom certidão expedida pelo juízo em que se processa a execução.

§ 5o Na hipótese do inciso III do caput deste artigo, o pedido de falência descreverá osfatos que a caracterizam, juntando-se as provas que houver e especificando-se as que serãoproduzidas.

Art. 95. Dentro do prazo de contestação, o devedor poderá pleitear sua recuperaçãojudicial.

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Art. 96. A falência requerida com base no art. 94, inciso I do caput, desta Lei, não serádecretada se o requerido provar:

I – falsidade de título;

II – prescrição;

III – nulidade de obrigação ou de título;

IV – pagamento da dívida;

V – qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrançade título;

VI – vício em protesto ou em seu instrumento;

VII – apresentação de pedido de recuperação judicial no prazo da contestação,observados os requisitos do art. 51 desta Lei;

VIII – cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido defalência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual nãoprevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.

§ 1o Não será decretada a falência de sociedade anônima após liquidado e partilhado seuativo nem do espólio após 1 (um) ano da morte do devedor.

§ 2o As defesas previstas nos incisos I a VI do caput deste artigo não obstam adecretação de falência se, ao final, restarem obrigações não atingidas pelas defesas emmontante que supere o limite previsto naquele dispositivo.

Art. 97. Podem requerer a falência do devedor:

I – o próprio devedor, na forma do disposto nos arts. 105 a 107 desta Lei;

II – o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante;

III – o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo dasociedade;

IV – qualquer credor.

§ 1o O credor empresário apresentará certidão do Registro Público de Empresas quecomprove a regularidade de suas atividades.

§ 2o O credor que não tiver domicílio no Brasil deverá prestar caução relativa às custas eao pagamento da indenização de que trata o art. 101 desta Lei.

Art. 98. Citado, o devedor poderá apresentar contestação no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. Nos pedidos baseados nos incisos I e II do caput do art. 94 desta Lei, odevedor poderá, no prazo da contestação, depositar o valor correspondente ao total do crédito,acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios, hipótese em que a falêncianão será decretada e, caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará olevantamento do valor pelo autor.

Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:

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I – conterá a síntese do pedido, a identificação do falido e os nomes dos que forem a essetempo seus administradores;

II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90 (noventa) diascontados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1o (primeiro) protestopor falta de pagamento, excluindo-se, para esta finalidade, os protestos que tenham sidocancelados;

III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relaçãonominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dosrespectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de desobediência;

IV – explicitará o prazo para as habilitações de crédito, observado o disposto no § 1o doart. 7o desta Lei;

V – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido, ressalvadas ashipóteses previstas nos §§ 1o e 2o do art. 6o desta Lei;

VI – proibirá a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do falido,submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e do Comitê, se houver, ressalvados osbens cuja venda faça parte das atividades normais do devedor se autorizada a continuaçãoprovisória nos termos do inciso XI do caput deste artigo;

VII – determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partesenvolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores quandorequerida com fundamento em provas da prática de crime definido nesta Lei;

VIII – ordenará ao Registro Público de Empresas que proceda à anotação da falência noregistro do devedor, para que conste a expressão "Falido", a data da decretação da falência e ainabilitação de que trata o art. 102 desta Lei;

IX – nomeará o administrador judicial, que desempenhará suas funções na forma doinciso III do caput do art. 22 desta Lei sem prejuízo do disposto na alínea a do inciso II docaput do art. 35 desta Lei;

X – determinará a expedição de ofícios aos órgãos e repartições públicas e outrasentidades para que informem a existência de bens e direitos do falido;

XI – pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido com oadministrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o disposto no art. 109desta Lei;

XII – determinará, quando entender conveniente, a convocação da assembléia-geral decredores para a constituição de Comitê de Credores, podendo ainda autorizar a manutenção doComitê eventualmente em funcionamento na recuperação judicial quando da decretação dafalência;

XIII – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta àsFazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiverestabelecimento, para que tomem conhecimento da falência.

Parágrafo único. O juiz ordenará a publicação de edital contendo a íntegra da decisão quedecreta a falência e a relação de credores.

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Art. 100. Da decisão que decreta a falência cabe agravo, e da sentença que julga aimprocedência do pedido cabe apelação.

Art. 101. Quem por dolo requerer a falência de outrem será condenado, na sentença quejulgar improcedente o pedido, a indenizar o devedor, apurando-se as perdas e danos emliquidação de sentença.

§ 1o Havendo mais de 1 (um) autor do pedido de falência, serão solidariamenteresponsáveis aqueles que se conduziram na forma prevista no caput deste artigo.

§ 2o Por ação própria, o terceiro prejudicado também pode reclamar indenização dosresponsáveis.

Seção V

Da Inabilitação Empresarial, dos Direitos e Deveres do Falido

Art. 102. O falido fica inabilitado para exercer qualquer atividade empresarial a partir dadecretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações, respeitado o disposto no§ 1o do art. 181 desta Lei.

Parágrafo único. Findo o período de inabilitação, o falido poderá requerer ao juiz dafalência que proceda à respectiva anotação em seu registro.

Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o direito deadministrar os seus bens ou deles dispor.

Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência,requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bensarrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada,requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis.

Art. 104. A decretação da falência impõe ao falido os seguintes deveres:

I – assinar nos autos, desde que intimado da decisão, termo de comparecimento, com aindicação do nome, nacionalidade, estado civil, endereço completo do domicílio, devendoainda declarar, para constar do dito termo:

a) as causas determinantes da sua falência, quando requerida pelos credores;

b) tratando-se de sociedade, os nomes e endereços de todos os sócios, acionistascontroladores, diretores ou administradores, apresentando o contrato ou estatuto social e aprova do respectivo registro, bem como suas alterações;

c) o nome do contador encarregado da escrituração dos livros obrigatórios;

d) os mandatos que porventura tenha outorgado, indicando seu objeto, nome e endereçodo mandatário;

e) seus bens imóveis e os móveis que não se encontram no estabelecimento;

f) se faz parte de outras sociedades, exibindo respectivo contrato;

g) suas contas bancárias, aplicações, títulos em cobrança e processos em andamento emque for autor ou réu;

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II – depositar em cartório, no ato de assinatura do termo de comparecimento, os seuslivros obrigatórios, a fim de serem entregues ao administrador judicial, depois de encerradospor termos assinados pelo juiz;

III – não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo ecomunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas nalei;

IV – comparecer a todos os atos da falência, podendo ser representado por procurador,quando não for indispensável sua presença;

V – entregar, sem demora, todos os bens, livros, papéis e documentos ao administradorjudicial, indicando-lhe, para serem arrecadados, os bens que porventura tenha em poder deterceiros;

VI – prestar as informações reclamadas pelo juiz, administrador judicial, credor ouMinistério Público sobre circunstâncias e fatos que interessem à falência;

VII – auxiliar o administrador judicial com zelo e presteza;

VIII – examinar as habilitações de crédito apresentadas;

IX – assistir ao levantamento, à verificação do balanço e ao exame dos livros;

X – manifestar-se sempre que for determinado pelo juiz;

XI – apresentar, no prazo fixado pelo juiz, a relação de seus credores;

XII – examinar e dar parecer sobre as contas do administrador judicial.

Parágrafo único. Faltando ao cumprimento de quaisquer dos deveres que esta Lei lheimpõe, após intimado pelo juiz a fazê-lo, responderá o falido por crime de desobediência.

Seção VI

Da Falência Requerida pelo Próprio Devedor

Art. 105. O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitospara pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razõesda impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial, acompanhadas dos seguintesdocumentos:

I – demonstrações contábeis referentes aos 3 (três) últimos exercícios sociais e aslevantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância dalegislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:

a) balanço patrimonial;

b) demonstração de resultados acumulados;

c) demonstração do resultado desde o último exercício social;

d) relatório do fluxo de caixa;

II – relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza eclassificação dos respectivos créditos;

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III – relação dos bens e direitos que compõem o ativo, com a respectiva estimativa devalor e documentos comprobatórios de propriedade;

IV – prova da condição de empresário, contrato social ou estatuto em vigor ou, se nãohouver, a indicação de todos os sócios, seus endereços e a relação de seus bens pessoais;

V – os livros obrigatórios e documentos contábeis que lhe forem exigidos por lei;

VI – relação de seus administradores nos últimos 5 (cinco) anos, com os respectivosendereços, suas funções e participação societária.

Art. 106. Não estando o pedido regularmente instruído, o juiz determinará que sejaemendado.

Art. 107. A sentença que decretar a falência do devedor observará a forma do art. 99desta Lei.

Parágrafo único. Decretada a falência, aplicam-se integralmente os dispositivos relativosà falência requerida pelas pessoas referidas nos incisos II a IV do caput do art. 97 destaLei.

Seção VII

Da Arrecadação e da Custódia dos Bens

Art. 108. Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador judicialefetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens, separadamente ou embloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz, para esses fins, as medidasnecessárias.

§ 1o Os bens arrecadados ficarão sob a guarda do administrador judicial ou de pessoa porele escolhida, sob responsabilidade daquele, podendo o falido ou qualquer de seusrepresentantes ser nomeado depositário dos bens.

§ 2o O falido poderá acompanhar a arrecadação e a avaliação.

§ 3o O produto dos bens penhorados ou por outra forma apreendidos entrará para amassa, cumprindo ao juiz deprecar, a requerimento do administrador judicial, às autoridadescompetentes, determinando sua entrega.

§ 4o Não serão arrecadados os bens absolutamente impenhoráveis.

§ 5o Ainda que haja avaliação em bloco, o bem objeto de garantia real será tambémavaliado separadamente, para os fins do § 1o do art. 83 desta Lei.

Art. 109. O estabelecimento será lacrado sempre que houver risco para a execução daetapa de arrecadação ou para a preservação dos bens da massa falida ou dos interesses doscredores.

Art. 110. O auto de arrecadação, composto pelo inventário e pelo respectivo laudo deavaliação dos bens, será assinado pelo administrador judicial, pelo falido ou seusrepresentantes e por outras pessoas que auxiliarem ou presenciarem o ato.

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§ 1o Não sendo possível a avaliação dos bens no ato da arrecadação, o administradorjudicial requererá ao juiz a concessão de prazo para apresentação do laudo de avaliação, quenão poderá exceder 30 (trinta) dias, contados da apresentação do auto de arrecadação.

§ 2o Serão referidos no inventário:

I – os livros obrigatórios e os auxiliares ou facultativos do devedor, designando-se oestado em que se acham, número e denominação de cada um, páginas escrituradas, data doinício da escrituração e do último lançamento, e se os livros obrigatórios estão revestidos dasformalidades legais;

II – dinheiro, papéis, títulos de crédito, documentos e outros bens da massa falida;

III – os bens da massa falida em poder de terceiro, a título de guarda, depósito, penhor ouretenção;

IV – os bens indicados como propriedade de terceiros ou reclamados por estes,mencionando-se essa circunstância.

§ 3o Quando possível, os bens referidos no § 2o deste artigo serão individualizados.

§ 4o Em relação aos bens imóveis, o administrador judicial, no prazo de 15 (quinze) diasapós a sua arrecadação, exibirá as certidões de registro, extraídas posteriormente à decretaçãoda falência, com todas as indicações que nele constarem.

Art. 111. O juiz poderá autorizar os credores, de forma individual ou coletiva, em razãodos custos e no interesse da massa falida, a adquirir ou adjudicar, de imediato, os bensarrecadados, pelo valor da avaliação, atendida a regra de classificação e preferência entre eles,ouvido o Comitê.

Art. 112. Os bens arrecadados poderão ser removidos, desde que haja necessidade de suamelhor guarda e conservação, hipótese em que permanecerão em depósito sobresponsabilidade do administrador judicial, mediante compromisso.

Art. 113. Os bens perecíveis, deterioráveis, sujeitos à considerável desvalorização ou quesejam de conservação arriscada ou dispendiosa, poderão ser vendidos antecipadamente, após aarrecadação e a avaliação, mediante autorização judicial, ouvidos o Comitê e o falido noprazo de 48 (quarenta e oito) horas.

Art. 114. O administrador judicial poderá alugar ou celebrar outro contrato referente aosbens da massa falida, com o objetivo de produzir renda para a massa falida, medianteautorização do Comitê.

§ 1o O contrato disposto no caput deste artigo não gera direito de preferência na comprae não pode importar disposição total ou parcial dos bens.

§ 2o O bem objeto da contratação poderá ser alienado a qualquer tempo,independentemente do prazo contratado, rescindindo-se, sem direito a multa, o contratorealizado, salvo se houver anuência do adquirente.

Seção VIII

Dos Efeitos da Decretação da Falência sobre as Obrigações do Devedor

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Art. 115. A decretação da falência sujeita todos os credores, que somente poderãoexercer os seus direitos sobre os bens do falido e do sócio ilimitadamente responsável naforma que esta Lei prescrever.

Art. 116. A decretação da falência suspende:

I – o exercício do direito de retenção sobre os bens sujeitos à arrecadação, os quaisdeverão ser entregues ao administrador judicial;

II – o exercício do direito de retirada ou de recebimento do valor de suas quotas ouações, por parte dos sócios da sociedade falida.

Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridospelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo damassa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, medianteautorização do Comitê.

§ 1o O contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de até 90 (noventa)dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro de 10 (dez) dias,declare se cumpre ou não o contrato.

§ 2o A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao contraenteo direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário, constituirá créditoquirografário.

Art. 118. O administrador judicial, mediante autorização do Comitê, poderá darcumprimento a contrato unilateral se esse fato reduzir ou evitar o aumento do passivo damassa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, realizando opagamento da prestação pela qual está obrigada.

Art. 119. Nas relações contratuais a seguir mencionadas prevalecerão as seguintes regras:

I – o vendedor não pode obstar a entrega das coisas expedidas ao devedor e ainda emtrânsito, se o comprador, antes do requerimento da falência, as tiver revendido, sem fraude, àvista das faturas e conhecimentos de transporte, entregues ou remetidos pelo vendedor;

II – se o devedor vendeu coisas compostas e o administrador judicial resolver nãocontinuar a execução do contrato, poderá o comprador pôr à disposição da massa falida ascoisas já recebidas, pedindo perdas e danos;

III – não tendo o devedor entregue coisa móvel ou prestado serviço que vendera oucontratara a prestações, e resolvendo o administrador judicial não executar o contrato, ocrédito relativo ao valor pago será habilitado na classe própria;

IV – o administrador judicial, ouvido o Comitê, restituirá a coisa móvel comprada pelodevedor com reserva de domínio do vendedor se resolver não continuar a execução docontrato, exigindo a devolução, nos termos do contrato, dos valores pagos;

V – tratando-se de coisas vendidas a termo, que tenham cotação em bolsa ou mercado, enão se executando o contrato pela efetiva entrega daquelas e pagamento do preço, prestar-se-áa diferença entre a cotação do dia do contrato e a da época da liquidação em bolsa oumercado;

VI – na promessa de compra e venda de imóveis, aplicar-se-á a legislação respectiva;

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VII – a falência do locador não resolve o contrato de locação e, na falência do locatário,o administrador judicial pode, a qualquer tempo, denunciar o contrato;

VIII – caso haja acordo para compensação e liquidação de obrigações no âmbito dosistema financeiro nacional, nos termos da legislação vigente, a parte não falida poderáconsiderar o contrato vencido antecipadamente, hipótese em que será liquidado na formaestabelecida em regulamento, admitindo-se a compensação de eventual crédito que venha aser apurado em favor do falido com créditos detidos pelo contratante;

IX – os patrimônios de afetação, constituídos para cumprimento de destinação específica,obedecerão ao disposto na legislação respectiva, permanecendo seus bens, direitos eobrigações separados dos do falido até o advento do respectivo termo ou até o cumprimentode sua finalidade, ocasião em que o administrador judicial arrecadará o saldo a favor da massafalida ou inscreverá na classe própria o crédito que contra ela remanescer.

Art. 120. O mandato conferido pelo devedor, antes da falência, para a realização denegócios, cessará seus efeitos com a decretação da falência, cabendo ao mandatário prestarcontas de sua gestão.

§ 1o O mandato conferido para representação judicial do devedor continua em vigor atéque seja expressamente revogado pelo administrador judicial.

§ 2o Para o falido, cessa o mandato ou comissão que houver recebido antes da falência,salvo os que versem sobre matéria estranha à atividade empresarial.

Art. 121. As contas correntes com o devedor consideram-se encerradas no momento dedecretação da falência, verificando-se o respectivo saldo.

Art. 122. Compensam-se, com preferência sobre todos os demais credores, as dívidas dodevedor vencidas até o dia da decretação da falência, provenha o vencimento da sentença defalência ou não, obedecidos os requisitos da legislação civil.

Parágrafo único. Não se compensam:

I – os créditos transferidos após a decretação da falência, salvo em caso de sucessão porfusão, incorporação, cisão ou morte; ou

II – os créditos, ainda que vencidos anteriormente, transferidos quando já conhecido oestado de crise econômico-financeira do devedor ou cuja transferência se operou com fraudeou dolo.

Art. 123. Se o falido fizer parte de alguma sociedade como sócio comanditário ou cotista,para a massa falida entrarão somente os haveres que na sociedade ele possuir e foremapurados na forma estabelecida no contrato ou estatuto social.

§ 1o Se o contrato ou o estatuto social nada disciplinar a respeito, a apuração far-se-ájudicialmente, salvo se, por lei, pelo contrato ou estatuto, a sociedade tiver de liquidar-se, casoem que os haveres do falido, somente após o pagamento de todo o passivo da sociedade,entrarão para a massa falida.

§ 2o Nos casos de condomínio indivisível de que participe o falido, o bem será vendido ededuzir-se-á do valor arrecadado o que for devido aos demais condôminos, facultada a estes acompra da quota-parte do falido nos termos da melhor proposta obtida.

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Art. 124. Contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação dafalência, previstos em lei ou em contrato, se o ativo apurado não bastar para o pagamento doscredores subordinados.

Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos créditoscom garantia real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos bens que constituema garantia.

Art. 125. Na falência do espólio, ficará suspenso o processo de inventário, cabendo aoadministrador judicial a realização de atos pendentes em relação aos direitos e obrigações damassa falida.

Art. 126. Nas relações patrimoniais não reguladas expressamente nesta Lei, o juizdecidirá o caso atendendo à unidade, à universalidade do concurso e à igualdade detratamento dos credores, observado o disposto no art. 75 desta Lei.

Art. 127. O credor de coobrigados solidários cujas falências sejam decretadas tem odireito de concorrer, em cada uma delas, pela totalidade do seu crédito, até recebê-lo porinteiro, quando então comunicará ao juízo.

§ 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica ao falido cujas obrigações tenhamsido extintas por sentença, na forma do art. 159 desta Lei.

§ 2o Se o credor ficar integralmente pago por uma ou por diversas massas coobrigadas,as que pagaram terão direito regressivo contra as demais, em proporção à parte que pagaram eàquela que cada uma tinha a seu cargo.

§ 3o Se a soma dos valores pagos ao credor em todas as massas coobrigadas exceder ototal do crédito, o valor será devolvido às massas na proporção estabelecida no § 2o desteartigo.

§ 4o Se os coobrigados eram garantes uns dos outros, o excesso de que trata o § 3o desteartigo pertencerá, conforme a ordem das obrigações, às massas dos coobrigados que tiverem odireito de ser garantidas.

Art. 128. Os coobrigados solventes e os garantes do devedor ou dos sóciosilimitadamente responsáveis podem habilitar o crédito correspondente às quantias pagas oudevidas, se o credor não se habilitar no prazo legal.

Seção IX

Da Ineficácia e da Revogação de Atos Praticados antes da Falência

Art. 129. São ineficazes em relação à massa falida, tenha ou não o contratanteconhecimento do estado de crise econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção destefraudar credores:

I – o pagamento de dívidas não vencidas realizado pelo devedor dentro do termo legal,por qualquer meio extintivo do direito de crédito, ainda que pelo desconto do próprio título;

II – o pagamento de dívidas vencidas e exigíveis realizado dentro do termo legal, porqualquer forma que não seja a prevista pelo contrato;

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III – a constituição de direito real de garantia, inclusive a retenção, dentro do termo legal,tratando-se de dívida contraída anteriormente; se os bens dados em hipoteca forem objeto deoutras posteriores, a massa falida receberá a parte que devia caber ao credor da hipotecarevogada;

IV – a prática de atos a título gratuito, desde 2 (dois) anos antes da decretação dafalência;

V – a renúncia à herança ou a legado, até 2 (dois) anos antes da decretação da falência;

VI – a venda ou transferência de estabelecimento feita sem o consentimento expresso ouo pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao devedor benssuficientes para solver o seu passivo, salvo se, no prazo de 30 (trinta) dias, não houveroposição dos credores, após serem devidamente notificados, judicialmente ou pelo oficial doregistro de títulos e documentos;

VII – os registros de direitos reais e de transferência de propriedade entre vivos, portítulo oneroso ou gratuito, ou a averbação relativa a imóveis realizados após a decretação dafalência, salvo se tiver havido prenotação anterior.

Parágrafo único. A ineficácia poderá ser declarada de ofício pelo juiz, alegada em defesaou pleiteada mediante ação própria ou incidentalmente no curso do processo.

Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores,provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e oefetivo prejuízo sofrido pela massa falida.

Art. 131. Nenhum dos atos referidos nos incisos I a III e VI do art. 129 desta Lei quetenham sido previstos e realizados na forma definida no plano de recuperação judicial serádeclarado ineficaz ou revogado.

Art. 132. A ação revocatória, de que trata o art. 130 desta Lei, deverá ser proposta peloadministrador judicial, por qualquer credor ou pelo Ministério Público no prazo de 3 (três)anos contado da decretação da falência.

Art. 133. A ação revocatória pode ser promovida:

I – contra todos os que figuraram no ato ou que por efeito dele foram pagos, garantidosou beneficiados;

II – contra os terceiros adquirentes, se tiveram conhecimento, ao se criar o direito, daintenção do devedor de prejudicar os credores;

III – contra os herdeiros ou legatários das pessoas indicadas nos incisos I e II do caputdeste artigo.

Art. 134. A ação revocatória correrá perante o juízo da falência e obedecerá aoprocedimento ordinário previsto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código deProcesso Civil.

Art. 135. A sentença que julgar procedente a ação revocatória determinará o retorno dosbens à massa falida em espécie, com todos os acessórios, ou o valor de mercado, acrescidosdas perdas e danos.

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Parágrafo único. Da sentença cabe apelação.

Art. 136. Reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a ação revocatória, as partesretornarão ao estado anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ouvalores entregues ao devedor.

§ 1o Na hipótese de securitização de créditos do devedor, não será declarada a ineficáciaou revogado o ato de cessão em prejuízo dos direitos dos portadores de valores mobiliáriosemitidos pelo securitizador.

§ 2o É garantido ao terceiro de boa-fé, a qualquer tempo, propor ação por perdas e danoscontra o devedor ou seus garantes.

Art. 137. O juiz poderá, a requerimento do autor da ação revocatória, ordenar, comomedida preventiva, na forma da lei processual civil, o seqüestro dos bens retirados dopatrimônio do devedor que estejam em poder de terceiros.

Art. 138. O ato pode ser declarado ineficaz ou revogado, ainda que praticado com baseem decisão judicial, observado o disposto no art. 131 desta Lei.

Parágrafo único. Revogado o ato ou declarada sua ineficácia, ficará rescindida a sentençaque o motivou.

Seção X

Da Realização do Ativo

Art. 139. Logo após a arrecadação dos bens, com a juntada do respectivo auto aoprocesso de falência, será iniciada a realização do ativo.

Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada aseguinte ordem de preferência:

I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco;

II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivasisoladamente;

III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos dodevedor;

IV – alienação dos bens individualmente considerados.

§ 1o Se convier à realização do ativo, ou em razão de oportunidade, podem ser adotadasmais de uma forma de alienação.

§ 2o A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral decredores.

§ 3o A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessáriosà operação rentável da unidade de produção, que poderá compreender a transferência decontratos específicos.

§ 4o Nas transmissões de bens alienados na forma deste artigo que dependam de registropúblico, a este servirá como título aquisitivo suficiente o mandado judicial respectivo.

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Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suasfiliais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:

I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei,sub-rogam-se no produto da realização do ativo;

II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão doarrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas dalegislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

§ 1o O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:

I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;

II – parente, em linha reta ou colateral até o 4o (quarto) grau, consangüíneo ou afim, dofalido ou de sócio da sociedade falida; ou

III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.

§ 2o Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediantenovos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes docontrato anterior.

Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, sehouver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades:

I – leilão, por lances orais;

II – propostas fechadas;

III – pregão.

§ 1o A realização da alienação em quaisquer das modalidades de que trata este artigo seráantecedida por publicação de anúncio em jornal de ampla circulação, com 15 (quinze) dias deantecedência, em se tratando de bens móveis, e com 30 (trinta) dias na alienação da empresaou de bens imóveis, facultada a divulgação por outros meios que contribuam para o amploconhecimento da venda.

§ 2o A alienação dar-se-á pelo maior valor oferecido, ainda que seja inferior ao valor deavaliação.

§ 3o No leilão por lances orais, aplicam-se, no que couber, as regras da Lei no 5.869, de11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

§ 4o A alienação por propostas fechadas ocorrerá mediante a entrega, em cartório e sobrecibo, de envelopes lacrados, a serem abertos pelo juiz, no dia, hora e local designados noedital, lavrando o escrivão o auto respectivo, assinado pelos presentes, e juntando as propostasaos autos da falência.

§ 5o A venda por pregão constitui modalidade híbrida das anteriores, comportando 2(duas) fases:

I – recebimento de propostas, na forma do § 3o deste artigo;

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II – leilão por lances orais, de que participarão somente aqueles que apresentarempropostas não inferiores a 90% (noventa por cento) da maior proposta ofertada, na forma do §2o deste artigo.

§ 6o A venda por pregão respeitará as seguintes regras:

I – recebidas e abertas as propostas na forma do § 5o deste artigo, o juiz ordenará anotificação dos ofertantes, cujas propostas atendam ao requisito de seu inciso II, paracomparecer ao leilão;

II – o valor de abertura do leilão será o da proposta recebida do maior ofertante presente,considerando-se esse valor como lance, ao qual ele fica obrigado;

III – caso não compareça ao leilão o ofertante da maior proposta e não seja dado lanceigual ou superior ao valor por ele ofertado, fica obrigado a prestar a diferença verificada,constituindo a respectiva certidão do juízo título executivo para a cobrança dos valores peloadministrador judicial.

§ 7o Em qualquer modalidade de alienação, o Ministério Público será intimadopessoalmente, sob pena de nulidade.

Art. 143. Em qualquer das modalidades de alienação referidas no art. 142 desta Lei,poderão ser apresentadas impugnações por quaisquer credores, pelo devedor ou peloMinistério Público, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas da arrematação, hipótese em que osautos serão conclusos ao juiz, que, no prazo de 5 (cinco) dias, decidirá sobre as impugnaçõese, julgando-as improcedentes, ordenará a entrega dos bens ao arrematante, respeitadas ascondições estabelecidas no edital.

Art. 144. Havendo motivos justificados, o juiz poderá autorizar, mediante requerimentofundamentado do administrador judicial ou do Comitê, modalidades de alienação judicialdiversas das previstas no art. 142 desta Lei.

Art. 145. O juiz homologará qualquer outra modalidade de realização do ativo, desde queaprovada pela assembléia-geral de credores, inclusive com a constituição de sociedade decredores ou dos empregados do próprio devedor, com a participação, se necessária, dos atuaissócios ou de terceiros.

§ 1o Aplica-se à sociedade mencionada neste artigo o disposto no art. 141 desta Lei.

§ 2o No caso de constituição de sociedade formada por empregados do próprio devedor,estes poderão utilizar créditos derivados da legislação do trabalho para a aquisição ouarrendamento da empresa.

§ 3o Não sendo aprovada pela assembléia-geral a proposta alternativa para a realizaçãodo ativo, caberá ao juiz decidir a forma que será adotada, levando em conta a manifestação doadministrador judicial e do Comitê.

Art. 146. Em qualquer modalidade de realização do ativo adotada, fica a massa falidadispensada da apresentação de certidões negativas.

Art. 147. As quantias recebidas a qualquer título serão imediatamente depositadas emconta remunerada de instituição financeira, atendidos os requisitos da lei ou das normas deorganização judiciária.

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Art. 148. O administrador judicial fará constar do relatório de que trata a alínea p doinciso III do art. 22 os valores eventualmente recebidos no mês vencido, explicitando a formade distribuição dos recursos entre os credores, observado o disposto no art. 149 desta Lei.

Seção XI

Do Pagamento aos Credores

Art. 149. Realizadas as restituições, pagos os créditos extraconcursais, na forma do art.84 desta Lei, e consolidado o quadro-geral de credores, as importâncias recebidas com arealização do ativo serão destinadas ao pagamento dos credores, atendendo à classificaçãoprevista no art. 83 desta Lei, respeitados os demais dispositivos desta Lei e as decisõesjudiciais que determinam reserva de importâncias.

§ 1o Havendo reserva de importâncias, os valores a ela relativos ficarão depositados até ojulgamento definitivo do crédito e, no caso de não ser este finalmente reconhecido, no todo ouem parte, os recursos depositados serão objeto de rateio suplementar entre os credoresremanescentes.

§ 2o Os credores que não procederem, no prazo fixado pelo juiz, ao levantamento dosvalores que lhes couberam em rateio serão intimados a fazê-lo no prazo de 60 (sessenta) dias,após o qual os recursos serão objeto de rateio suplementar entre os credores remanescentes.

Art. 150. As despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração dafalência, inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades previstas no inciso XIdo caput do art. 99 desta Lei, serão pagas pelo administrador judicial com os recursosdisponíveis em caixa.

Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três)meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos portrabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.

Art. 152. Os credores restituirão em dobro as quantias recebidas, acrescidas dos juroslegais, se ficar evidenciado dolo ou má-fé na constituição do crédito ou da garantia.

Art. 153. Pagos todos os credores, o saldo, se houver, será entregue ao falido.

Seção XII

Do Encerramento da Falência e da Extinção das Obrigações do Falido

Art. 154. Concluída a realização de todo o ativo, e distribuído o produto entre oscredores, o administrador judicial apresentará suas contas ao juiz no prazo de 30 (trinta) dias.

§ 1o As contas, acompanhadas dos documentos comprobatórios, serão prestadas em autosapartados que, ao final, serão apensados aos autos da falência.

§ 2o O juiz ordenará a publicação de aviso de que as contas foram entregues e seencontram à disposição dos interessados, que poderão impugná-las no prazo de 10 (dez) dias.

§ 3o Decorrido o prazo do aviso e realizadas as diligências necessárias à apuração dosfatos, o juiz intimará o Ministério Público para manifestar-se no prazo de 5 (cinco) dias, findoo qual o administrador judicial será ouvido se houver impugnação ou parecer contrário doMinistério Público.

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§ 4o Cumpridas as providências previstas nos §§ 2o e 3o deste artigo, o juiz julgará ascontas por sentença.

§ 5o A sentença que rejeitar as contas do administrador judicial fixará suasresponsabilidades, poderá determinar a indisponibilidade ou o seqüestro de bens e servirácomo título executivo para indenização da massa.

§ 6o Da sentença cabe apelação.

Art. 155. Julgadas as contas do administrador judicial, ele apresentará o relatório final dafalência no prazo de 10 (dez) dias, indicando o valor do ativo e o do produto de suarealização, o valor do passivo e o dos pagamentos feitos aos credores, e especificarájustificadamente as responsabilidades com que continuará o falido.

Art. 156. Apresentado o relatório final, o juiz encerrará a falência por sentença.

Parágrafo único. A sentença de encerramento será publicada por edital e dela caberáapelação.

Art. 157. O prazo prescricional relativo às obrigações do falido recomeça a correr a partirdo dia em que transitar em julgado a sentença do encerramento da falência.

Art. 158. Extingue as obrigações do falido:

I – o pagamento de todos os créditos;

II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinqüenta por cento)dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia necessária paraatingir essa porcentagem se para tanto não bastou a integral liquidação do ativo;

III – o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência, se ofalido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei;

IV – o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado do encerramento da falência, se ofalido tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei.

Art. 159. Configurada qualquer das hipóteses do art. 158 desta Lei, o falido poderárequerer ao juízo da falência que suas obrigações sejam declaradas extintas por sentença.

§ 1o O requerimento será autuado em apartado com os respectivos documentos epublicado por edital no órgão oficial e em jornal de grande circulação.

§ 2o No prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação do edital, qualquer credor podeopor-se ao pedido do falido.

§ 3o Findo o prazo, o juiz, em 5 (cinco) dias, proferirá sentença e, se o requerimento foranterior ao encerramento da falência, declarará extintas as obrigações na sentença deencerramento.

§ 4o A sentença que declarar extintas as obrigações será comunicada a todas as pessoas eentidades informadas da decretação da falência.

§ 5o Da sentença cabe apelação.

§ 6o Após o trânsito em julgado, os autos serão apensados aos da falência.

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Art. 160. Verificada a prescrição ou extintas as obrigações nos termos desta Lei, o sóciode responsabilidade ilimitada também poderá requerer que seja declarada por sentença aextinção de suas obrigações na falência.

CAPÍTULO VI

DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor enegociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

§ 1o Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária,derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim comoàqueles previstos nos arts. 49, § 3o, e 86, inciso II do caput, desta Lei.

§ 2o O plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamentodesfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos.

§ 3o O devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiverpendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ouhomologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos.

§ 4o O pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acarretarásuspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação defalência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial.

§ 5o Após a distribuição do pedido de homologação, os credores não poderão desistir daadesão ao plano, salvo com a anuência expressa dos demais signatários.

§ 6o A sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constituirá títuloexecutivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III do caput, da Lei no 5.869, de 11 dejaneiro de 1973 - Código de Processo Civil.

Art. 162. O devedor poderá requerer a homologação em juízo do plano de recuperaçãoextrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições,com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.

Art. 163. O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperaçãoextrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado porcredores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie porele abrangidos.

§ 1o O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos previstosno art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII do caput, desta Lei, ou grupo de credores de mesmanatureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e, uma vez homologado, obriga atodos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente em relação aos créditosconstituídos até a data do pedido de homologação.

§ 2o Não serão considerados para fins de apuração do percentual previsto no caput desteartigo os créditos não incluídos no plano de recuperação extrajudicial, os quais não poderãoter seu valor ou condições originais de pagamento alteradas.

§ 3o Para fins exclusivos de apuração do percentual previsto no caput deste artigo:

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I – o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio davéspera da data de assinatura do plano; e

II – não serão computados os créditos detidos pelas pessoas relacionadas no art. 43 desteartigo.

§ 4o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou suasubstituição somente serão admitidas mediante a aprovação expressa do credor titular darespectiva garantia.

§ 5o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial só poderá ser afastada se ocredor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano derecuperação extrajudicial.

§ 6o Para a homologação do plano de que trata este artigo, além dos documentosprevistos no caput do art. 162 desta Lei, o devedor deverá juntar:

I – exposição da situação patrimonial do devedor;

II – as demonstrações contábeis relativas ao último exercício social e as levantadasespecialmente para instruir o pedido, na forma do inciso II do caput do art. 51 desta Lei; e

III – os documentos que comprovem os poderes dos subscritores para novar ou transigir,relação nominal completa dos credores, com a indicação do endereço de cada um, a natureza,a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dosrespectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente.

Art. 164. Recebido o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicialprevisto nos arts. 162 e 163 desta Lei, o juiz ordenará a publicação de edital no órgão oficial eem jornal de grande circulação nacional ou das localidades da sede e das filiais do devedor,convocando todos os credores do devedor para apresentação de suas impugnações ao plano derecuperação extrajudicial, observado o § 3o deste artigo.

§ 1o No prazo do edital, deverá o devedor comprovar o envio de carta a todos os credoressujeitos ao plano, domiciliados ou sediados no país, informando a distribuição do pedido, ascondições do plano e prazo para impugnação.

§ 2o Os credores terão prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação do edital, paraimpugnarem o plano, juntando a prova de seu crédito.

§ 3o Para opor-se, em sua manifestação, à homologação do plano, os credores somentepoderão alegar:

I – não preenchimento do percentual mínimo previsto no caput do art. 163 desta Lei;

II – prática de qualquer dos atos previstos no inciso III do art. 94 ou do art. 130 destaLei, ou descumprimento de requisito previsto nesta Lei;

III – descumprimento de qualquer outra exigência legal.

§ 4o Sendo apresentada impugnação, será aberto prazo de 5 (cinco) dias para que odevedor sobre ela se manifeste.

§ 5o Decorrido o prazo do § 4o deste artigo, os autos serão conclusos imediatamente aojuiz para apreciação de eventuais impugnações e decidirá, no prazo de 5 (cinco) dias, acerca

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do plano de recuperação extrajudicial, homologando-o por sentença se entender que nãoimplica prática de atos previstos no art. 130 desta Lei e que não há outras irregularidades querecomendem sua rejeição.

§ 6o Havendo prova de simulação de créditos ou vício de representação dos credores quesubscreverem o plano, a sua homologação será indeferida.

§ 7o Da sentença cabe apelação sem efeito suspensivo.

§ 8o Na hipótese de não homologação do plano o devedor poderá, cumpridas asformalidades, apresentar novo pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial.

Art. 165. O plano de recuperação extrajudicial produz efeitos após sua homologaçãojudicial.

§ 1o É lícito, contudo, que o plano estabeleça a produção de efeitos anteriores àhomologação, desde que exclusivamente em relação à modificação do valor ou da forma depagamento dos credores signatários.

§ 2o Na hipótese do § 1o deste artigo, caso o plano seja posteriormente rejeitado pelojuiz, devolve-se aos credores signatários o direito de exigir seus créditos nas condiçõesoriginais, deduzidos os valores efetivamente pagos.

Art. 166. Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienaçãojudicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a suarealização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei.

Art. 167. O disposto neste Capítulo não implica impossibilidade de realização de outrasmodalidades de acordo privado entre o devedor e seus credores.

CAPÍTULO VII

DISPOSIÇÕES PENAIS

Seção I

Dos Crimes em Espécie

Fraude a Credores

Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder arecuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulteou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevidapara si ou para outrem.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Aumento da pena

§ 1o A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente:

I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;

II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que deles deveria constar,ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;

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III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados emcomputador ou sistema informatizado;

IV – simula a composição do capital social;

V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituraçãocontábil obrigatórios.

Contabilidade paralela

§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve oumovimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação.

Concurso de pessoas

§ 3o Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outrosprofissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas nesteartigo, na medida de sua culpabilidade.

Redução ou substituição da pena

§ 4o Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, e não seconstatando prática habitual de condutas fraudulentas por parte do falido, poderá o juizreduzir a pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penasrestritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores ou pelas de prestação de serviços àcomunidade ou a entidades públicas.

Violação de sigilo empresarial

Art. 169. Violar, explorar ou divulgar, sem justa causa, sigilo empresarial ou dadosconfidenciais sobre operações ou serviços, contribuindo para a condução do devedor a estadode inviabilidade econômica ou financeira:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Divulgação de informações falsas

Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor emrecuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Indução a erro

Art. 171. Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo defalência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erroo juiz, o Ministério Público, os credores, a assembléia-geral de credores, o Comitê ou oadministrador judicial:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Favorecimento de credores

Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder arecuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou

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oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores emprejuízo dos demais:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio, possa beneficiar-se de ato previsto no caput deste artigo.

Desvio, ocultação ou apropriação de bens

Art. 173. Apropriar-se, desviar ou ocultar bens pertencentes ao devedor sob recuperaçãojudicial ou à massa falida, inclusive por meio da aquisição por interposta pessoa:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Aquisição, recebimento ou uso ilegal de bens

Art. 174. Adquirir, receber, usar, ilicitamente, bem que sabe pertencer à massa falida ouinfluir para que terceiro, de boa-fé, o adquira, receba ou use:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Habilitação ilegal de crédito

Art. 175. Apresentar, em falência, recuperação judicial ou recuperação extrajudicial,relação de créditos, habilitação de créditos ou reclamação falsas, ou juntar a elas título falsoou simulado:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Exercício ilegal de atividade

Art. 176. Exercer atividade para a qual foi inabilitado ou incapacitado por decisãojudicial, nos termos desta Lei:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Violação de impedimento

Art. 177. Adquirir o juiz, o representante do Ministério Público, o administrador judicial,o gestor judicial, o perito, o avaliador, o escrivão, o oficial de justiça ou o leiloeiro, por si oupor interposta pessoa, bens de massa falida ou de devedor em recuperação judicial, ou, emrelação a estes, entrar em alguma especulação de lucro, quando tenham atuado nos respectivosprocessos:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Omissão dos documentos contábeis obrigatórios

Art. 178. Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença quedecretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperaçãoextrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios:

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime maisgrave.

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Seção II

Disposições Comuns

Art. 179. Na falência, na recuperação judicial e na recuperação extrajudicial desociedades, os seus sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou dedireito, bem como o administrador judicial, equiparam-se ao devedor ou falido para todos osefeitos penais decorrentes desta Lei, na medida de sua culpabilidade.

Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede arecuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidadedas infrações penais descritas nesta Lei.

Art. 181. São efeitos da condenação por crime previsto nesta Lei:

I – a inabilitação para o exercício de atividade empresarial;

II – o impedimento para o exercício de cargo ou função em conselho de administração,diretoria ou gerência das sociedades sujeitas a esta Lei;

III – a impossibilidade de gerir empresa por mandato ou por gestão de negócio.

§ 1o Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamentedeclarados na sentença, e perdurarão até 5 (cinco) anos após a extinção da punibilidade,podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação penal.

§ 2o Transitada em julgado a sentença penal condenatória, será notificado o RegistroPúblico de Empresas para que tome as medidas necessárias para impedir novo registro emnome dos inabilitados.

Art. 182. A prescrição dos crimes previstos nesta Lei reger-se-á pelas disposições doDecreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, começando a correr do diada decretação da falência, da concessão da recuperação judicial ou da homologação do planode recuperação extrajudicial.

Parágrafo único. A decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cujacontagem tenha iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação doplano de recuperação extrajudicial.

Seção III

Do Procedimento Penal

Art. 183. Compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência,concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial,conhecer da ação penal pelos crimes previstos nesta Lei.

Art. 184. Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

Parágrafo único. Decorrido o prazo a que se refere o art. 187, § 1o, sem que orepresentante do Ministério Público ofereça denúncia, qualquer credor habilitado ou oadministrador judicial poderá oferecer ação penal privada subsidiária da pública, observado oprazo decadencial de 6 (seis) meses.

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Art. 185. Recebida a denúncia ou a queixa, observar-se-á o rito previsto nos arts. 531 a540 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal.

Art. 186. No relatório previsto na alínea e do inciso III do caput do art. 22 desta Lei, oadministrador judicial apresentará ao juiz da falência exposição circunstanciada, considerandoas causas da falência, o procedimento do devedor, antes e depois da sentença, e outrasinformações detalhadas a respeito da conduta do devedor e de outros responsáveis, se houver,por atos que possam constituir crime relacionado com a recuperação judicial ou com afalência, ou outro delito conexo a estes.

Parágrafo único. A exposição circunstanciada será instruída com laudo do contadorencarregado do exame da escrituração do devedor.

Art. 187. Intimado da sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial,o Ministério Público, verificando a ocorrência de qualquer crime previsto nesta Lei,promoverá imediatamente a competente ação penal ou, se entender necessário, requisitará aabertura de inquérito policial.

§ 1o O prazo para oferecimento da denúncia regula-se pelo art. 46 do Decreto-Lei no

3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, salvo se o Ministério Público,estando o réu solto ou afiançado, decidir aguardar a apresentação da exposiçãocircunstanciada de que trata o art. 186 desta Lei, devendo, em seguida, oferecer a denúncia em15 (quinze) dias.

§ 2o Em qualquer fase processual, surgindo indícios da prática dos crimes previstos nestaLei, o juiz da falência ou da recuperação judicial ou da recuperação extrajudicial cientificará oMinistério Público.

Art. 188. Aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código de Processo Penal, noque não forem incompatíveis com esta Lei.

CAPÍTULO VIII

DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 189. Aplica-se a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil,no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei.

Art. 190. Todas as vezes que esta Lei se referir a devedor ou falido, compreender-se-áque a disposição também se aplica aos sócios ilimitadamente responsáveis.

Art. 191. Ressalvadas as disposições específicas desta Lei, as publicações ordenadasserão feitas preferencialmente na imprensa oficial e, se o devedor ou a massa falidacomportar, em jornal ou revista de circulação regional ou nacional, bem como em quaisqueroutros periódicos que circulem em todo o país.

Parágrafo único. As publicações ordenadas nesta Lei conterão a epígrafe "recuperaçãojudicial de", "recuperação extrajudicial de" ou "falência de".

Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizadosanteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei no

7.661, de 21 de junho de 1945.

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§ 1o Fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência emcurso, podendo ser promovida a alienação dos bens da massa falida assim que concluída suaarrecadação, independentemente da formação do quadro-geral de credores e da conclusão doinquérito judicial.

§ 2o A existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei não obsta opedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação noâmbito da concordata, vedado, contudo, o pedido baseado no plano especial de recuperaçãojudicial para microempresas e empresas de pequeno porte a que se refere a Seção V doCapítulo III desta Lei.

§ 3o No caso do § 2o deste artigo, se deferido o processamento da recuperação judicial, oprocesso de concordata será extinto e os créditos submetidos à concordata serão inscritos porseu valor original na recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário.

§ 4o Esta Lei aplica-se às falências decretadas em sua vigência resultantes de convolaçãode concordatas ou de pedidos de falência anteriores, às quais se aplica, até a decretação, oDecreto-Lei no 7.661, de 21 de junho de 1945, observado, na decisão que decretar a falência,o disposto no art. 99 desta Lei.

§ 5o O juiz poderá autorizar a locação ou arrendamento de bens imóveis ou móveis a fimde evitar a sua deterioração, cujos resultados reverterão em favor da massa. (incluído pela Leinº 11.127, de 2005)

Art. 193. O disposto nesta Lei não afeta as obrigações assumidas no âmbito das câmarasou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira, que serão ultimadas eliquidadas pela câmara ou prestador de serviços, na forma de seus regulamentos.

Art. 194. O produto da realização das garantias prestadas pelo participante das câmarasou prestadores de serviços de compensação e de liquidação financeira submetidos aos regimesde que trata esta Lei, assim como os títulos, valores mobiliários e quaisquer outros de seusativos objetos de compensação ou liquidação serão destinados à liquidação das obrigaçõesassumidas no âmbito das câmaras ou prestadoras de serviços.

Art. 195. A decretação da falência das concessionárias de serviços públicos implicaextinção da concessão, na forma da lei.

Art. 196. Os Registros Públicos de Empresas manterão banco de dados público egratuito, disponível na rede mundial de computadores, contendo a relação de todos osdevedores falidos ou em recuperação judicial.

Parágrafo único. Os Registros Públicos de Empresas deverão promover a integração deseus bancos de dados em âmbito nacional.

Art. 197. Enquanto não forem aprovadas as respectivas leis específicas, esta Lei aplica-sesubsidiariamente, no que couber, aos regimes previstos no Decreto-Lei no 73, de 21 denovembro de 1966, na Lei no 6.024, de 13 de março de 1974, no Decreto-Lei no 2.321, de 25de fevereiro de 1987, e na Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997.

Art. 198. Os devedores proibidos de requerer concordata nos termos da legislaçãoespecífica em vigor na data da publicação desta Lei ficam proibidos de requerer recuperaçãojudicial ou extrajudicial nos termos desta Lei.

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Art. 199. Não se aplica o disposto no art. 198 desta Lei às sociedades a que se refere oart. 187 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986.

Parágrafo único. Na recuperação judicial e na falência das sociedades de que trata ocaput deste artigo, em nenhuma hipótese ficará suspenso o exercício de direitos derivados decontratos de arrendamento mercantil de aeronaves ou de suas partes.

§ 1o Na recuperação judicial e na falência das sociedades de que trata o caput desteartigo, em nenhuma hipótese ficará suspenso o exercício de direitos derivados de contratos delocação, arrendamento mercantil ou de qualquer outra modalidade de arrendamento deaeronaves ou de suas partes. (Renumerado do parágrafo único com nova redação pela Lei nº11.196, de 2005)

§ 2o Os créditos decorrentes dos contratos mencionados no § 1o deste artigo não sesubmeterão aos efeitos da recuperação judicial ou extrajudicial, prevalecendo os direitos depropriedade sobre a coisa e as condições contratuais, não se lhes aplicando a ressalva contidana parte final do § 3o do art. 49 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

§ 3o Na hipótese de falência das sociedades de que trata o caput deste artigo,prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa relativos a contratos de locação, dearrendamento mercantil ou de qualquer outra modalidade de arrendamento de aeronaves ou desuas partes. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

Art. 200. Ressalvado o disposto no art. 192 desta Lei, ficam revogados o Decreto-Lei no

7.661, de 21 de junho de 1945, e os arts. 503 a 512 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubrode 1941 - Código de Processo Penal.

Art. 201. Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação.

Brasília, 9 de fevereiro de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVAMárcio Thomaz BastosAntonio Palloci FilhoRicardo José Ribeiro BerzoiniLuiz Fernando Furlan