Criminologia Alessandro Barata Cap. XIV

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    C RIM IN OL OG IA C RlT IC A E C RiT IC A D O D lR EIT O P EN AL

    pos sociais mais elevados consezuem subtrair OSproprios menor 1acao d?s mecani~mos institucionais de reacao ao desvio e, portanlaos efeitos da estigmatizacao daquela espiral sobre 0 seu status soelaI, que, ao contrario, leva os menoresprovenientes deestratos soeitll~

    , m~is debeis a uma assuncao ca~a vez mais definitiva de papeis c 1 " l }rrunosos. De fato, a cada sucessrva recomendacao do menor as in'.tancias oficiais de assistencia e de controle social, a cada sucessiva 'acao d,est,as?bre 0 menor, corresponde urn aurnento, em lugar d {uma diminuicao, das chances de ser selecionado para uma carreiracrirninosa=._ Sobre es:a ~spiral esta baseado urn modelo de explica-

    cao para a criminalidade do rnenor, proposto em urn recentee~tu~037. ~ espiral criminologica posta em acao pel as ins-tancIa.s oflcla~s responde a uma lei gent! do sistema penal;o~ ~fel~os da intervencao das instancias oficiais sao tao sig-l1l~IC,ativ,os para 0 prosseguimen to do processo decriminalizaoao, que aqueles que foram surpreendidos reve-lam uma mais alta criminalidade secundaria do que aque-les que puderam .se subtrair a esta intervencao (com igual-dade de, criminalidade antecedente entre os dois grupos)38.Se os efeitos diretos ou indiretos da condenacao tern, geralrnenteu.n~afunQ~Qmarginalizadora, ainda mais decididamente prejudi ~Cla~Saos fins de reinsercao, que a nova legislacao persegue, sao osefeIto~ da execucao das penas (ou das medidas de seguranca)detentivas sobre a vida do condenado ..

    teste 0 aspecto que, mais em particular examinaremos noI , 'proximo capitulo.

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    A LE SS AN DR O B AR AT TA

    XIV. CARCERE E MARGINALIDADE SOCIAL

    1.As CARACTERisT1CAS CONSTANTE5 DO ((MODELO" CARCERAR10NAS SOClEI)ADES CAP1TALlSTAS CONTEMPORANEAS

    Ha decadas uma vastisssima literatura baseada sobre a obser-vacao empiric a Item analisado a realidade carceraria nos seus as-pectos psicologicos, sociologicos e organizativos. A "comunidadecarceraria'" e a "subcultura'" dos modern os institutos de detencaose apresentam a luz destas investigacoes como dominadas por fato-res que, ate agora, em balance realistico, tern tornado va toda ten-tat iva de realizar tarefas de socializacao e de reinsercao atravesdestas instituicoes.Igualmente, a introducao de modernas tecnicaspsicoterapeuticas e educativas e transforrnacoes parciais na estru-tura organizativa do carcere nao mudaram, de modo decisivo, anaturezae as funcoes dos inst itutos de detencao, na nossa socieda-de. Estes constituem 0 momento culminante e decisive daquele me-canismo de marginalizacao que produz a populacao criminosa e aadministraem nivel insti tucional, de modo a torna-Ia inconfundi-vel e a adapta -Ia a tuncoes proprius' que qualificam esta particularzona de rnarginalizacao. As inovacoes introduzidas na nova legis-lacao penitenciaria nao parecem destinadas a mudar decisivarnen-te a natureza das instituicoes carcerarias,

    Acomunidade carceraria tem, nas sociedades capitalistas con-temporaneas, caracteristicas constantes, predominantes em rela-cao as diferencas nacionais, e que permitiram a construcao de urnverdadeiro e proprio modelo. As caracterist icas deste modele, doponto de vista que mais nos interessa, podem ser resumidas no fatode que osinst itutos de detencao produzem efeitos contraries a ree-ducacao e a reinsercao do condenado, e favoraveis a sua estavelinsercao na populacao crirninosa. 0 carcere e contrario a todo

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    moderno ideal educativo, porque este pro move a individualidade, 0auto-respeito do individuo, al imentado pelo respeito que 0educa-dol' tem dele. Ascerimonias de degradaQao no inicio da detencao",com as quais o encarcerado e despojado ate dos simbolos exterio-res da propria autonomia (vestuarios e objetos pessoais), sao 0opostode tudo isso. A educacao promove 0 sentimento de liberdade e deespontaneidade doindividuo: a vida no carcere, como universe dis-ciplinar, tern urn carater repressive e uniformizante.Exames clinicos realizados com os classicos testes de per so-nalidade mostraram os efeitos negatives do encarceramento so-bre a psique dos condenados e a correlaQao destes efeitos com aduracao daquele. Aconclusao a que chegam estudos deste generoe que "a possibilidade de transformar um delinquente anti-socialviolento em um individuo adaptavel, mediante uma longa penacarceraria , nao parece exist ir" e que "0inst ituto da pen a nao poderealizar a sua finalidade como instituto de educacao'".Efeitos negatives sobre a personalidade e contrarios ao firneducative do tratamento tern, alern disso, 0regime de "privaQaes"7, especial mente quanto as relacoes heterossexuais8, nao s6 dire-tamente mas rambem indiretamente, atraves do modo em que os, .meios de satisfacao das necessidades sao distr ibuidos na comuru-dade oarceraria, em conformidade com as relacoes inforrnais depoder e de prepotencia que a caracterizarn.A atencao da literatura se volta, particularmente, para 0processo de socializacao ao qual e submetido ~ preso. Pro~e~sonegative, que nenhuma tecnica psicoterapeuhca e pedagogicacon segue equilibrar. Este e examinado sob urn duple ponto devista: antes de tudo, 0da "desculturaQao"9, ou seja, a desadapta-cao as condicoes necessarias para a vida em liberdade (dimi-nuicao da forcade vontade, perda do senso de auto-responsabi-lidade do ponto de vista economico e social), a reducao do sensoda realidade do mundo externo e a formacao de uma imagernilusoria deste, 0distanciamento progressivo dos valores e dosmodelos de comportamento pr6prios da sociedade externa. 0segundo ponto de vista, oposto mas complementar , e 0da "acultu-racao" ou "prisionalizaQao"lO. Trata-se da assuncao das atitu-des dos modelos de comportamento, dos valores caracteristicos, ' .da subcultura carceraria. Estes aspectos da subcultura carceraria,

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    cuja interio-rizacao e inversamente proprocional as chsnces aereinsercao na sociedade livre, tern side examinados sob 0aspec-to. das relacoes sociais e de poder, das norrnas, dos valores, dasat1t~des que presidem estas relacoes, como tambern sob 0pontode vista das relaooes entre os detidos e 0staff da instituicao pe-nal. Sob esta dupla ordern de relacoes, 0 efeito negative da"prisionalizacao", e,m face de qualquer tipo de reinsercao docondenado, tem sido reconduzido a dois processos caracterist i-cos: a educscdo para ser criminoso e a educacdo para ser bornpreso. Sobre 0prirneiro processo influi, particularrnente 0 fatode que a hierarquia e a organizacao informal da cornunidade edominada por urna restrita rninoria de crirninosos com forte ori-entacao anti-social, que, peIo poder e, portanto, pelo prestigiode que goza, assume a funcao de modele para os outros sendo ,ao mesmo tempo, uma autoridade com quem 0sfaffda institui-cao e constrangido a medial' 0proprio poder norrnativo de fato.A.m~ne~ra pel a qual sao reguladas as relacoes de poder e dedistr ibuicao de recursos (tambem daqueles relat ivos as necessi-dades sexuais) na cornunidade carceraria, favorece a formacao~e ~a~ito~ u:entais inspirados no cinismo, no culto e no respeitoa violencia ilegal. Desta ultima e transmitido ao preso um mo-delo nao apenas antagonico em face do poder legal, mas tam-bern caracterizado pelo compromisso com este.

    A educar;iiopara ser bam preso ocorre, em parte tarnbem noambito da comunidade dos detidos, dado que a assuncao de urn certograu de ordem, da qual oschefes dos detidos se fazem garantes frenteao staff(em troca de privilegios), faz parte dos fins reconhecidos nestacomunidade. Estaeducacao ocorre, ademais, atraves da aceitacao dasnormas forrnais da instituicao, e das informais postas em acao pelostaff Emgeral , pode-se dizer que a adaptacao a estas norrnas tende ainteriorizar modelos exteriores de comportamento, que servem ao 01'-denado desenvolvimento da vida da instituicao, Estase torna 0verda-deiro objetivoda instituicao, enquanto a funcao propriarnente educativae amplamente excluida do processo deinteriorizacao das normas tam ~b~m no sentido de que a participacao em atividades compree~didasdiretarnente n:estafuncao ocorre com motivacao estranha a ela e deque e favorecida a formacao de atitudes de passivo conforrnismo e deoportunisrno. Arelacao com osrepresentantes dosorgaos institucionais,

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    que, desse modo, setorna caracteristica da atitude do preso, e maroa-da, ao mesmo tempo, pela hostil idade, pela desconfianca e por umasubmissao sem consentimento.

    2. A RELA(:Ao ENTRE PREW E ,)'OCfEDADEo que se indicou em relacao aos limites e aos processos con-

    trarios a reeducacao, que sao caracteristicos do carcere, se integracom uma dupla ordem de consideracoes, que toea ainda mais radi-calmente a natureza contraditoria da ideologia penal da reinsercao,Estas consideracoes se referem a relacao geral entre carcere e soci-edade. Antes de tudo, esta relacao e uma relacao entre quem exclui(sociedade) e quem e excluido (preso). Toda tecnica pedagogica dereinsercao do detido choca contra a natureza mesma desta relacaode exclusao, Nao se pode, ao rnesrno tempo, exc1uir e inc1uir.

    Em segundo Iugar, 0carcere reflete, sobretudo nas caracte-risticas negativas, a sociedade. As relacoes sociais e de poder dasubcultura carceraria tern uma serie de caracteristicas que a dis-t inguem da sociedade externa, e que dependent da particular fun-cao do universo carcerario, mas na sua estrutura mais elementare1as nao sao mais do que a ampliacao, em forma menos mistifica-da e mais "pura", das caracterist icas t ipicas da sociedade capita-l ista: sao relacoes sociais baseadas no egoismo e na violencia i le-gal, no interior das quais os individuos social mente mais debeissao constrangidos a papeis de subrnissao e de exploracao, Antesde falar de educacao e de reinsercao e necessario, portanto, fazerurn exame do sistema de valores e dos modelos de comportamen-to presentes na sociedade em que sequer reinserir 0preso. Um talexame nao pode senao levar a conclusao, pensamos, de que a ver-dadeira reeducacao deveria comecar pela sociedade, antes quepelo condenado": antes de querer rnodificar os excluidos, e pre-ciso modificar a sociedade exc1udente, atingindo, assim, a raiz domecanisme de exclusao. De outro modo perrnanecera, em quemqueira julgar realist icamente, a suspeita de que a verdadeira fun-c;:aodesta modificacao dos exc1uidos seja a de aperfeicoar e detornar pacifica a exclusao, integrando, mais que os excluidos nasociedade, a propria relacao de exclusao na ideologia legitim antedo est ado social.

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    o cuidado crescente que a sociedade punitiva dispensa ao en-carcerado depois do fim da detencao, continuando a seguir sua exis-tencia de milmodos visiveise invisiveis, poderia ser interpretado comoa vontade de perpetual', com a assistencia, aquele estigma que a penatornou indelevel no individuo. A hipotese de Foucault", da ampliacaodo universo carcerario a assistencia antes e depois da detencao, demodo que este universe esteja constantemente sob 0 foeo de uma sem-pre mais cientifica observacao, que setorna, por seu turno, urn instru-mento de controle e de observacao de toda a sociedade, parece, narealidade, muito proxima da linha de desenvolvimento que 0 sistemapenal t01110Una sociedade contemporanea, Este novo "panopticon"tern sernpre menos necessidade do sinal visivel (os mums) da separa-cao para assegurar-se 0 perfeito controle e a perfeita gestao desta zonaparticular de marginalizacao, que e a populacao criminosa.

    3.As LEISDE REFORMA IJENITEN(.'fliRIA fTAL/ANA E ALEMAEmerge da analise que conduzirnos ate agora como 0 sistema

    penitenciario e contrario, no seu conjunto, a reinsercao do preso, ecomo a sua real funcao e a de constituir e manter uma determina-da forma de marginalizacao, Ao fazer esta afirrnacao e preciso,contudo, reconhecer que, nos ultimos anos, assistiu-se a introdu-,c; :aode notaveis inovacoes Neste sistema, como, por exernplo, naItalia e na Alemanha. As"reform8s" carcerarias aprovadas nos doispaises, ainda que nao modifiquern, na substancia, a espiral repres-siva, introduziram dois principios bastante novos, 0primeiro e 0de um trabalho carcerario equiparado - pelo menos em algunsaspectos - ao trabalho desenvolvido fora do carcere pelo assalari-ado!". 0segundo e uma abertura (por ora, apenas uma fresta) apresenca "externa" no carcere, a rnaiores contatos entre os presose a sociedade externa", Encontrarno-nos na vespera de uma trans-formacao qualitativa e funcional do sistema? Confiamos a respostaa dois tipos de consideracoes,

    Ap rirneira consideracao e que a letra da norma e a sua apli-cacao, a ideologia do legislador e a eficacia da Iegislacao, sao doismomentos distintos, mas nao separaveis, A realidade do direi to edada pela sua unidade. Par isso, a analise do sistema penal e da

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    marginalizacao social a ele l igada ndo pode set feita, sob 0aspectojuridico, se 0 trabalho do jurista se limita ao universe da norma,excluindo-se 0conhecimento da eficacia e da aplicacao concretada norma. Partindo desta unidade funcional pode-se compreendercomo 0insucessoque, nos ultimos 150 anos, acompanha todas asiniciativas de reforrnas e tentat ivas de fazer do sistema carcerarioum sistema de reinsercao, naepode ser interpretado como 0casuale desafortunado desvio da realidade carceraria das funooes a daatribuidas pelo direito, ou.seja.cornoconsequencias nao desejsdssdo direito. Deste ponte de vista, a logica daaplicacao seria uma10gica contraria it da norrnatizacao. Uma visao global do direitopermite, ao contrario, interpretar a logica da norrnatizacao it Iuzda realidade historioa e social em que ela e concretizada. Isto pet"mite atribuir a todoo sistema, e nao somente it aphcacao, a suatunciio real, controlavel com os dados da experiencia, e.interpretarcomo ideolcgia Iegitimante as finalidades do Iegislador que, ate agora,permanecerarn urn programa irrealizado,

    Para julgar a nova Iegislacao carceraria dos doispaises ociden-tais e necessario, portanto, nao selimitar aotexto da lei,mas examina-10 it luz de urna serie de momentossucessivos nos quais ela "vive",

    A segunda consideracao e que 0 metodoque tradicionalrnentetem inspiradoos estudossobre marginalizacao criminal nao e satisfa-torio, 110 plano teorico, Essemetodo permite urn Ievantarnento apenasparcial da realidade, do qual nao podem surgir senao propostas deremedies parciais, Aspesquisas sobre marginalizacao tern levado emconta, principalmente, os mecanismos psicolcgicos e oulturais do fe-nomeno. 0conceito demarginalidade tern sido baseado, substancial-mente, sobretres elementos: 1) a participacao em uma subcultura.di-ferente em relacao it dos outros grupos sociais, e os correspondentesmodelos de comportamento, frequentemente desviantes, que dela de"rivam; Z)a definicao dominante desta diferenca cultural na sociedadee a correspondente reacao social em relacao ao grupo respective; 3) aconsciencia do sujeito da propria posicao marginal e a auto-identifi -cacao com ospapeis correspondentes, Astentativas de explicacao fun-clonal da marginalidade tern sedetidc.muito frequentemente, no rno-mente ciadistribuicao de renda.e da consequentedistribuicao de status.Permanecem fora do angulo visual as raizes eccnomicas da distribui-cao, a l igac;aoentre distr ibuicao e tipo de producao, Daqui deriva a

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    ALESSANDRO BAI~ATTA

    i lusao de uma social izacao realizada, perrnitindo a "reinsercao" dealguns sujeitcs "oriminosos" em determinados estratos socials, consi-derando os estratos como elasticos (uma hipotese tipica dornarginalismo) e sem enfrentar os obstaculos que a estrutura econo-mica opoe a este processo. Neste campo existent, todavia, alguns estu-dos que rnerecem uma atenta reflexao, Conceitos marxianos como 0de exercito industrial de reserva e de concorrencia entre trabalhado-res,e da superpopulacao relativa, perrnitiram it teoria.do subdesenvol-vimento'

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    ti as (Freud, T. Reik, supra, capitulo III), evidenciaram a fun Gaoque, na sociedade e no Ego, desenvolvem a identificacao e aestigrnatizacao do desvio. 0livro de Foucault , acima lembrado, in-tegra aquele discurso com uma serie de reflexoes econornicas epolitic as destinadas a influenciar muitoa analise do sistema penalna sociedade conternporanea. Para Foucault, 0sistema punitivo temuma fun Gaodireta e indireta. A fun Gaoindireta e a de golpear umailegalidade visivel para encobrir uma oculta; a funcao direta e a dealimentar uma zona de marginalizados criminais, inseridos em umverdadeiro e proprio mecanisme economico ("industria" do cri-me) e polit ico (uti lizacao de criminosos com fins subversivos e re-pressivos). Se se pensa como a repressao, concentrada principal-mente sobre determinados tipos de delitos, cobre uma mais amplaarea de ilegalidade na nossa sociedade, se se pensa nopapel econo-mico e poli tico de grandes organizacoes criminosas (ciclo econo-mico da droga, sequestros, politica econornica do terrorismo fas-cista), toma-se consciencia do valor daquele discurso. Este esta l i- :gado a urn no, semelhante em importancia, ao do plene ernprego.Oeste ponto de vista, a marginalizacao criminal revela 0carater"impuro" da acumulacao capitalista, que implica necessariamenteos mecanismos econornicos e politicos do parasitismo e da renda. Aesper anca de socializar, atraves do trabalho setores demarginalizacao criminal, se choca com a logica da acumulacaocapitalista, que tem necessidade de manter em pe setores marginaisdo sistema e rnecanisrnos de renda e parasitismo. Em suma, e irn-possivel enfrentar 0 problema da marginalizacao criminal semincidir na estrutura da sociedade capitalista , que tern necessidadede desempregados, que tem necessidade, por motivos ideologicos eeconornicos, de uma marginalizacao criminal.

    5-.Os EXITO.~~ IRREVERSivEIS IJAS PE.";qUISAS DE RUSCHE EKmCHHEIMER E DE FOUCAULT: UO "ENFOqUE IJJEOL()c:ICO" .10.((POL!TICO-ECONdMICO"

    Se e certo que a recente discussao em torno dos ja clas-sicos livros de Rusche e Kirchheirner e de Foucault'", sobre ahistoria da prisao, nao produziu resultados unarrimes e defi-

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    ALESSANpRO BARAnA

    nitivos, no plano substancial - 0 que dificilrnente ocorreria-, no plano epistemologico, ao contrario, produziu resulta-dos irreversiveis, Neste debate, de fate, se consolidararn duasteses centrais, comuns a estas duas obras: a) para que se pos-sa definir a realidade do carcere e Interpretar 0 seu desen-volvimento historico, e necessario levar em conta a funcaoefetiva curnprida por esta instituicao, no seio da sociedade; b)para 0 firn de individualizar esta funcao, e precise levar emconta os tipos determinados de sociedade em que a carcereapareceu e se desenvolveu como instituicao penal. Este modode colocar os problemas episternologicos, que consideramoscorreto e sugerimos denominar cntoque materialists ou poli-tico-economico, se opoe ao que tem side dominante, ha mui-to tempo, que continua a .ser 0mais difundido entre os juris-tas, e que sugerirnos denorninar enfoque ideologico ou idea-lists. 0 nucleo central do enfoque idealista e representadopelas teorias dos fins da pena. A prernissa fundamental destasteorias e 0 axioma segundo 0 qual a pena e urna resposta acrirninalidade, um meio de Iuta contra ela. Nao obstante, asopinioes acerca da questao sobre qual deveria ser a funcaoprimaria ou fundamental desta instituicao, ha dois seculosestao divididas entre os que sustentam que esta funcao deve-ria ser retributiva, as que sustentam que tal funcao deveriaser intirnidativa (prevericao geral) e, enfim, as que sao, antes,de parecer que esta funcao deveria ser reeducativa (preven-cao especial). 0duvidoso exito de tao ample debate tem sidouma teoria "polifuncional" da pena, que, atualmente, na mai-oria dos casos, poe 0 acento, particularrnente, na reeduca-cao, Mas, por outro lado, a sociologia e a historia do sistemapenitenciario chegararu a conclusoes, a proposito da tunctioreal da instituicao carceraria na nossa sociedade, que fazemcom que 0 debate sobre a teoria des objetivos da pena parecaabsolutamente incapaz de conduzir a UlT). conhecimento ci-entifieo desta instituicao .

    Fazendo referencia as teorias classicas dos juristas, Rusche eKirchheimer'" sintetizarn 0questionamento do enfoque juridico, nareconstrucao historica do sistema punitivo, nos seguintes terrnos: "A steorias da pena nao chegarn a explicar a introducao de ferrnas espe-

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    i ficas de punicao, no conjunto da dinarnica social". Foucault" sesxprime no mesmo sentido, quando sustenta a necessidade de "des-fazer-se, antes de tudo, dailusao de que a pena seja, principalmente(se n~o exclusivamente) , um modo de repressao dos delitos[ . .. J . E precise, antes, analisar os concretes sistemas puniti-vos, estuda-los como fenornenos sociais, dos quais nao podedar conta a so arrnadura juridica da sociedade, nern as suasescolhas eticas fundamentais".

    Nesta otica, a indicacao epistemologica de Rusche e Kirch-heirner" assume uma importancia decisiva: "Todo sistema de pro-ducao tern uma tendencia a descobrir (ea uti lizar) sistemas puniti-vos que correspondent as proprias relacoes deproducao". A tese deRus~~e,e Kirchheimer e que, na sociedade capitalista, 0sistema peni-tenciario depende, sobretudo, do desenvolvimento do mercado detrabalho: a medida da populacao carceraria e 0ernprego desta comomao-de-obra dependent do aumento ou da diminuicao da forca detrabalho disponivel no mercado, e da sua util izacao. Foucault, pOI'seu lado, insiste principalmente sobre a importancia do carcere naconstrucao do universe disciplinar que, a part ir do panoptismo docarcere, se desenvolve ate compreender toda a sociedade. 0 recentedebate demonstrou a fecundidade, a importancia, mas tambem aunilateralidade de ambos estes pontos de vista.

    A correlacao entre populacao carceraria e rnercado detrabalho foi confirmada pela analise e as estatisticas recen-tes de Jankoviczz, sobre a evolucao da sociedade americanade 1926 a 1974. Todavia, a tese de Rusche e Kirchheimer s~opes a observacao de que nao leva em conta 0elemento discipline;essencial para cornpreender a funcao do carcere na sua fase inicialque coincide com 0surgirnento da sociedade capitalista. Esta funcao,reslmente educativa, foi a de transforrnar as rnassas de camponesesque, expulsos do campo, deviam ser educados para a dura disciplinada fabrica. '

    For outro Iado, a critic a ao enfoque de Foucault se dir ige con-tra 0carater historicamente abstrato que, no seu discurso, assumea exigencia da discipIina. Esta, em vez de ser reconduzida ao de-senvolvirnento das relacoes de. producao, e diretamente ligada aestrategia de urn "Poder" que, rnais que os individuos, parece ser ,para Foucault, 0proprio sujeito da historia.

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    ALESSANDRO BARATTA

    Apesar das objecoes assinaladas, as contribuicoes de Rusche eKirchheimer e de Foucault sao essenciais para a reconstrucao cien-t~fica da historia do carcere e da sua reforma, na sociedade capita-l is ta. As funcoes desta insti tuicao na producso e no controle daclasse operaria, e na criacao do universe disciplinar de que a mo-derna sociedade industrial tem necessidade, sao elementosindispensaveis a urna epistemologia mater ialista a uma"economia politica" da pena. .'

    Ainda que ambos os trabalhos concentrern seus recursosexplicativos sobre 0 nascimento e 0 desenvolvirnentodo carceremaisque sobre a sua decadencia, a crise da instituicao carceraria,e, portanto, 0 fim de sua parabola historica, sao hipoteses que seacharn tracadas com uma evidencia verdadeirarnente notavel nes-~e~~studos, A diminuicao relativa da populacao carceraria, que1111Cla e continua, de modo decisivo, em todos os principais paisescapitalistas, a part ir da segunda metade do seculo XIX, e urn ternaque ocupou amplamente a atencao de Rusche e Kirchheimer, POl'sua parte, Foucault , na conclusao do seu livro, deixa clararnentevel' a transicao que ocorre dos instrurnentos de controle totalcarcerario para outras instituicoes, Tanto Rusche e Kirchheirner ,quanto Foucault, estao conscientes de que nos paises capitalistasmais avancados, na fase final de desenvolvirnento per eles descrito(a Europa dos anos 30, no caso de Rusche e Kirchheirner; a Europados anos 70, no caso de Foucault), 0carcere nao tem rnais aquelafuncao real de reeducacao e de disciplina, que possuia em sua ori-gem ..Esta funcao educativa e disciplinar se reduz, portanto, agora,a pura ideologia. Asestatisticas das ultirnas decadas, nos paises ca-pitalistas avancados, demons tram uma diminuicao relativa da po-pulacao carceraria, em relacao ao impacto conjunto do sistemapenal, e indicarn urn aumento das formas de controle diversos dareclusao, como, pOl' exemplo, 0probation e Q Iivramento condicio-nal. Alem disso, elas indicam urn nota vel aumento da populacaocarceraria a espera de julgamento, em relacao a populacaocarceraria em expiacaode pena. Tudo isto constitui am convite atornar em consideracao os estudos de Rusche e Kirchheirner e deFoucault , como tambern a discussao que estas obras suscitaram nosultirnos tempos, nao so para ammais precise conhecimento da his-toria das inst ituicoes carcerarias, desde sua origem, mas tarnbem

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    CRIMINOlOGIA CRiTICA E cRinCA DO DIREITO PENAL

    sobre a "reeducacao" e a reinsercao ~, no mesmo momenta emque a estrategia conservadora do sistema deixa cair 0mito da ex-pansao ilimitada da produtividade e do pleno ernprego. Esta estra-regia conduz, de fato, a uma "democracia autori taria", a umasoci-edade em que se torna sernpre mais alta a barreira que divide apopulacao garantida da zona sempre mais vasta da populacao mar-ginalizada e excluida da dinarnica do mercado oficial de trabalho.Nesta situacao, 0"desvio" deixa de ser uma ocasiao - difusa emtodo 0tecido soeial- para recrutar uma restrita populacao crirni-nosa, como indica Foucault , para transforrnar-se, ao contrario, nos tatus habitual de pessoas nao garantidas, ou seja, daqueles quenao sao sujeitos, mas somente objetos do novo "pacto social". Tal-vez, em breve, para disciplinar tais estratos sociais, bastara a cria-Gaode grandes guetos controlados por computador (na medida emque a disciplina do trabalho e do consumo sera suficiente para sa-tisfazer a necessidade de ordern na populacao garantida). Em talsociedade, a originaria funcao do aparato penitenciario, no mo-mento do surgimento da formacao social eapitalista - ou seja, afuncao de transformar e produzir 0homem, adaptando-o a disci-plina da fabrica, e de reproduzir a rnesma disciplina como regimeda sociedade em geral -, estara definitivarnente superada. Ainversao funcional da pen a privativa de Iiberdade=, que seexprimecom 0 nascimento do carcere especial, do care ere de maxima se-guranca, poderia manifestar, neste sentido, todo 0seu significado.

    II I

    II

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    ALESSANDRO BARATTA

    XV. CRIMINOLOGIA CRITICA E POLITICACRIMINAL ALTERNA TIVA

    1.A NJo(Ao IX) PONTO DE VISTADAS CLASS) SUBALTERNAS COMOCARANTIA DE UMA P/{AXIS T()RICA E POLiTICA ALTERNA TWA

    Como se salientou nos capitulos anteri~ a..at,em;db!-$ novacrirninologia, d a - cr iminolog ia cr f tj ( :a ; .s e dirigiu principalrnente parao processo de criminalizacao, identif icando nele urn dos rnaioresnos teoricos e praticos das relacoes sociais de desigualdade propri-~a sociedade capitalis!a)~ perseguindo, como um de seus objeti-vosjir iiici jiais, estencterao campo do direito penal, de modo rigo-roso, a critica do direito desigual, Construir uma teoria materialista(econornico-politica) do desvio, dos comportsmcntos socislmcntenegativos e da crirninalizacao, e elaborar as linhas de uma politic acriminal al ternativa, de urna poli tica das classes subalternas no se- .tor do desvio: estas sao as principais tarefas que incumbem aosrepresentantes da criminologia crit ica..que partem de um enfoquematerialista e estao convencidos de que so uma analise radical dosrnecanismos e das funcoes reais do sistema penal, na sociedadetardo-capitalista, pode permitir uma estrategia autonoma e alter-nativa no setor do controle social do desvio, ou seja, uma "poli ticacriminal" das classes atualmente subordinadas, Somente partindodo ponto de vista dos interesses destas ultirnas consideramos serpossivel perseguir as finalidades aqui indicadas,

    Enquanto a c1asse dominante esta interessada .na contencaodo desvioem limites que nao prejudiquern a funcionaIidade do sis-tema economico-social e os proprios ' interesses e, por consequen-cia, na manutencao da propria hegernonia no processo seletivo dedefinicao e perseguicao da criminaIidade, as classes subaltern as, aocontrario, estao interessadas em uma luta radical contra os com-

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