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147 I. INTRODUÇÃO Existem 67.997 cargos ou funções de confi- ança na estrutura do Poder Executivo federal bra- sileiro. São cargos em comissão, de livre provi- mento ou de livre nomeação, cujos ocupantes são escolhidos pelo Presidente da República. Entre estes, há 19.202 cargos de Direção e Assessoria Superior (DAS), que abrangem desde os altos cargos de direção e assessoria até cargos médios de gerência. Cerca de 19% dos DAS são respon- sáveis pela alta direção ministerial e assessoria do governo (por exemplo, assessores da Presidên- cia da República, secretários ministeriais e diri- gentes de órgãos da administração indireta). Os DAS restantes (81%) ocupam os níveis médios de gerência e assessoria. Além destes, há 53 car- gos de natureza especial, que também compõem o alto escalão (como os ministros de Estado e diretores do Banco Central) e 48.742 cargos e funções de confiança e gratificações; para estes últimos, não há dados disponíveis que possibili- tem verificar em qual nível hierárquico estão (BRASIL, 2005). A escolha para os cargos de livre nomeação não é importante apenas por causa da expressiva quantidade de cargos ou da posição relevante que parte significativa deles ocupa na estrutura do go- verno. Ela é importante, principalmente, porque afeta diretamente a governabilidade e a governança do sistema político-administrativo brasileiro. A capacidade de o governo manter uma base parla- mentar estável e aprovar seus projetos depende, entre outros tipos de “moeda” política, da troca de cargos da estrutura governamental por apoio de parlamentares e de partidos. Porém, essa tro- ca afeta a governança, isto é, a capacidade de o governo formular e implementar políticas públi- cas, pois estas dependem, em boa parte, da es- colha de pessoas capazes de realizar os projetos do governo e que estejam politicamente afinadas com seus objetivos. Este é um mecanismo bási- co de funcionamento do nosso sistema político, que decorre do nosso presidencialismo de coali- zão, ou seja, da necessidade de formar um go- verno baseado em uma coalizão de partidos, em função do sistema multipartidário brasileiro (ABRANCHES, 1988). O papel da escolha para os cargos de confian- ça no sistema presidencialista brasileiro é como o de uma faca de dois gumes, que pode garantir ao Presidente da República o controle sobre a atua- ção da burocracia, caso os escolhidos ajam de RESUMO Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 147-168, nov. 2007 Cecília Olivieri POLÍTICA, BUROCRACIA E REDES SOCIAIS: AS NOMEAÇÕES PARA O ALTO ESCALÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL 1 Recebido em 29 de setembro de 2006. Aprovado em 8 de março de 2007. 1 Este artigo é fruto do desenvolvimento de reflexões apresentadas na dissertação de mestrado da autora (OLIVIERI, 2002). O estudo das nomeações para os cargos de direção do Banco Central do Brasil, pela análise de redes sociais, permite compreender aspectos fundamentais do sistema político-administrativo brasileiro. A escolha dos dirigentes públicos afeta a governabilidade e a governança do país. A troca entre cargos e o apoio parlamentar podem garantir a estabilidade do governo, mas também podem reduzir o controle do Presidente da República sobre a burocracia e sobre a direção das políticas públicas. A análise de redes sociais permite a construção dos critérios de escolha dos dirigentes públicos, revela novos padrões de interface entre Estado e sociedade e ilumina o estudo da accountability entre dirigentes públicos e a burocracia e entre governo e sociedade. PALAVRAS-CHAVE: nomeação; burocracia; redes sociais; Banco Central; accountability.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 147-168 NOV. 2007

I. INTRODUÇÃO

Existem 67.997 cargos ou funções de confi-ança na estrutura do Poder Executivo federal bra-sileiro. São cargos em comissão, de livre provi-mento ou de livre nomeação, cujos ocupantes sãoescolhidos pelo Presidente da República. Entreestes, há 19.202 cargos de Direção e AssessoriaSuperior (DAS), que abrangem desde os altoscargos de direção e assessoria até cargos médiosde gerência. Cerca de 19% dos DAS são respon-sáveis pela alta direção ministerial e assessoria dogoverno (por exemplo, assessores da Presidên-cia da República, secretários ministeriais e diri-gentes de órgãos da administração indireta). OsDAS restantes (81%) ocupam os níveis médiosde gerência e assessoria. Além destes, há 53 car-gos de natureza especial, que também compõemo alto escalão (como os ministros de Estado ediretores do Banco Central) e 48.742 cargos efunções de confiança e gratificações; para estesúltimos, não há dados disponíveis que possibili-tem verificar em qual nível hierárquico estão(BRASIL, 2005).

A escolha para os cargos de livre nomeaçãonão é importante apenas por causa da expressivaquantidade de cargos ou da posição relevante queparte significativa deles ocupa na estrutura do go-verno. Ela é importante, principalmente, porqueafeta diretamente a governabilidade e a governançado sistema político-administrativo brasileiro. Acapacidade de o governo manter uma base parla-mentar estável e aprovar seus projetos depende,entre outros tipos de “moeda” política, da trocade cargos da estrutura governamental por apoiode parlamentares e de partidos. Porém, essa tro-ca afeta a governança, isto é, a capacidade de ogoverno formular e implementar políticas públi-cas, pois estas dependem, em boa parte, da es-colha de pessoas capazes de realizar os projetosdo governo e que estejam politicamente afinadascom seus objetivos. Este é um mecanismo bási-co de funcionamento do nosso sistema político,que decorre do nosso presidencialismo de coali-zão, ou seja, da necessidade de formar um go-verno baseado em uma coalizão de partidos, emfunção do sistema multipartidário brasileiro(ABRANCHES, 1988).

O papel da escolha para os cargos de confian-ça no sistema presidencialista brasileiro é como ode uma faca de dois gumes, que pode garantir aoPresidente da República o controle sobre a atua-ção da burocracia, caso os escolhidos ajam de

RESUMO

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 147-168, nov. 2007

Cecília Olivieri

POLÍTICA, BUROCRACIA E REDES SOCIAIS:AS NOMEAÇÕES PARA O ALTO ESCALÃO DO

BANCO CENTRAL DO BRASIL1

Recebido em 29 de setembro de 2006.Aprovado em 8 de março de 2007.

1 Este artigo é fruto do desenvolvimento de reflexõesapresentadas na dissertação de mestrado da autora(OLIVIERI, 2002).

O estudo das nomeações para os cargos de direção do Banco Central do Brasil, pela análise de redessociais, permite compreender aspectos fundamentais do sistema político-administrativo brasileiro. A escolhados dirigentes públicos afeta a governabilidade e a governança do país. A troca entre cargos e o apoioparlamentar podem garantir a estabilidade do governo, mas também podem reduzir o controle do Presidenteda República sobre a burocracia e sobre a direção das políticas públicas. A análise de redes sociais permitea construção dos critérios de escolha dos dirigentes públicos, revela novos padrões de interface entreEstado e sociedade e ilumina o estudo da accountability entre dirigentes públicos e a burocracia e entregoverno e sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: nomeação; burocracia; redes sociais; Banco Central; accountability.

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acordo com as diretrizes do governo, mas quetambém pode impedir esse controle, no caso deos nomeados estarem comprometidos com ou-tros interesses ou projetos. A nomeação para oscargos de direção é um dos principais instrumen-tos de controle do Presidente da República sobrea burocracia (WOOD & WATERMAN, 1991).Sem esse controle, o Presidente não tem comoimplementar seu projeto de governo, e suaschances de cumprir um mandato bem-sucedidoreduzem-se.

O grau em que políticos eleitos podem influ-enciar decisões de burocratas e vice-versa é de-finido, em boa parte, pelo processo de nomeaçãoe é um componente decisivo da relação entre po-lítica e burocracia. No caso brasileiro, em que oscargos de livre provimento são contados em de-zenas de milhares, o estudo das nomeações é umaforma privilegiada de compreender a relação en-tre política e burocracia. A escolha para os car-gos de confiança é o momento em que o Presi-dente da República concilia as exigências degovernança e de governabilidade. Essa dupla exi-gência é uma das expressões da idéia weberianade complementaridade entre política e burocra-cia, segundo a qual os papéis de políticos e deburocratas são indissociáveis e complementares,apesar da separação e diferenciação entre suasatribuições e responsabilidades e do potencialconflito entre suas posições (COHN, 1993).

A possibilidade de o Presidente escolher seusassessores diretos e os altos dirigentes públicos éinerente à democracia; não seria desejável buro-cratizar o alto escalão do governo, impedindo suasubstituição conforme a alternância de poder de-corrente das eleições, porque isso impediria aresponsabilização política do governo (WEBER,1993). Esta situação é o oposto do que o modeloweberiano de burocracia prescreve para os esca-lões médios e baixos, nos quais devem vigorarmecanismos de redução da influência da luta po-lítica na administração cotidiana do governo, comoa escolha dos funcionários por mérito e a ascen-são por meio da progressão na carreira.

No caso brasileiro, a influência dos políticosna burocracia atinge profundamente a estruturaburocrática. Isso indica uma forte influência dospolíticos eleitos sobre as decisões da burocracia,pois eles ocupam ou podem indicar quem vai ocu-par cargos de direção em níveis médios da estru-tura do governo. A maior parte dos estudos sobre

burocracia no Brasil concentrou-se nessadistorção da estrutura burocrática nacional e ana-lisou a relação entre política e burocracia sob umviés negativo, como veremos na terceira seção.O alto escalão governamental, em que a livre no-meação é e deve ser a regra, foi pouco estudado,e não pode sê-lo com base nos mesmos concei-tos e avaliações das relações entre política e bu-rocracia que vigoram na literatura.

A próxima seção discute as peculiaridades doBanco Central (BC) como objeto de estudo, osmotivos de sua escolha e a metodologia adotadano trabalho. Por intermédio do estudo das nome-ações para os cargos de Presidente e Diretor doBanco Central do Brasil, foram identificados oscritérios de nomeação e suas conseqüências paraa formulação e implementação de políticas públi-cas. O trabalho analisou as nomeações realizadasentre 1985 e 2000, período em que houve 13 pre-sidentes e 55 diretores2.

A terceira parte retoma brevemente a literatu-ra que tem tratado da relação entre política e bu-rocracia no Brasil. Estudos fundamentais sobre aformação do Estado e da burocracia nacionaisconstruíram uma oposição analítica entre políti-ca e administração que concebe a influência dapolítica na burocracia apenas como fonte deirracionalidade e ineficiência. Trabalhos mais re-centes, que concentraram atenção nas relaçõespessoais subjacentes às estruturas formais daorganização governamental, permitem uma me-lhor compreensão do imbricamento dos conteú-dos políticos e técnicos da atuação dos dirigentesgovernamentais.

A quarta seção delineia o perfil altamente téc-nico e especializado dos profissionais escolhidospara a direção do Banco Central. Esse critério éimportante para a nomeação porque o exercícioda autoridade monetária exige especialização ecompetência técnica. Entretanto, critério funda-mental para a escolha desses dirigentes é a habi-lidade de conciliar conhecimento técnico e obje-

2 As principais fontes de informações foram os currícu-los dos nomeados e entrevistas. Foi possível ter acessoaos currículos de todos os presidentes e de 52 diretores,constituindo um universo de análise de 65 nomeados.Foram entrevistados, entre agosto e outubro de 2001, seteex-presidentes, cinco ex-diretores, um ex-Ministro da eco-nomia, um Senador da República e uma jornalista espe-cializada na cobertura do Banco Central.

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tivos políticos. Essa habilidade é construída narede social, pela circulação dos profissionais porvárias instituições públicas e privadas.

A quinta parte desenvolve a idéia depertencimento à rede social como forma de cons-trução do reconhecimento profissional e das re-lações de confiança. Os atributos pessoais e pro-fissionais dos nomeados, fundamentais para de-finir sua nomeação, são avaliados por meio darede social, ou seja, pela experiência profissionalconjunta, do compartilhamento de identidadesintelectuais e das relações pessoais de confiança.O que caracteriza os nomeados não é a compe-tência profissional ou a formação de alto nível,mas, sim, o pertencimento a uma rede social derelações pessoais e profissionais.

A última seção retoma as principais conclu-sões do artigo sob o ponto de vista das relaçõesentre Estado e sociedade e da accountability go-vernamental.

II. AUTORIDADE MONETÁRIA E REDE SO-CIAL

Apesar de a Constituição Federal de 1988 atri-buir ao Presidente da República o poder de no-mear os dirigentes do Banco Central (artigo 84,inciso XIV), esse poder é, de fato, delegado aoMinistro da Fazenda, que exerce um papel deci-sivo na escolha do Presidente do Banco. A esco-lha dos diretores, por sua vez, fica a cargo doPresidente do Banco Central, com possibilidadesde influência do Ministro da Fazenda e da equipeeconômica que variam a cada governo. Como oPresidente da República delega a escolha dessesdirigentes ao Ministro e ao Presidente do BancoCentral, foi possível analisar o processo de esco-lha dos nomeados basicamente a partir de entre-vistas com os ex-presidentes do Banco.

A principal conclusão do trabalho é que asnomeações para diretores do Banco Central sãoeminentemente técnicas, mas o critério pessoalde escolha dos nomeados é fundamental. O Ban-co Central se caracteriza como uma instituiçãoinsulada e meritocrática, e por isso o critério téc-nico é primordial na escolha de seus dirigentes.Entretanto, a nomeação depende, essencialmen-te, de relações pessoais que se estabelecem combase em vínculos profissionais e em identidadesintelectuais, ideológicas e pessoais. Essas rela-ções estruturam-se em uma rede social, que é for-mada por intermédio da circulação por cargos em

instituições públicas, privadas e acadêmicas. A altacirculação entre as instituições dá origem a umprofissional híbrido, com experiências e compe-tências profissionais mistas, impedindo uma di-ferenciação estrita entre carreiras profissionaisprivadas e públicas. A experiência em várias ins-tituições e a conciliação de competências técni-cas e políticas são as principais contribuiçõesdesse profissional híbrido para instituições gover-namentais que, como o Banco Central, atuam tan-to na formulação e implementação de políticaspúblicas quanto na regulação do mercado.

A escolha do Banco Central como objeto deanálise permitiu o estudo de uma burocracia re-conhecida pela sua competência técnica e, aomesmo tempo, muito próxima do núcleo políticodo governo. O Banco Central é considerado umadas ilhas de excelência técnica do governo fede-ral, ao lado de instituições como o Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e So-cial (Bndes), pois são organizações burocráticascom carreiras estruturadas e relativamente bemremuneradas, portanto, com concursos públicosbastante concorridos, que atraem profissionaiscom boa formação e que têm estímulos durante acarreira para aperfeiçoar-se profissionalmente(LOUREIRO & ABRUCIO, 1999).

O Banco Central está inserido no núcleodecisório do poder Executivo, uma vez que seuPresidente faz parte do gabinete presidencial. Oestudo do caso de uma instituição que ocupa lu-gar de destaque no processo de decisão política,cuja atividade é fortemente permeada por con-teúdo técnico e que requer de seu corpo funcio-nal comprovada expertise profissional, configuraum desafio a uma análise da nomeação de técni-cos e burocratas que não recorra aos conceitosde clientelismo nem de insulamento burocrático.Esses conceitos, como veremos adiante, são osmais recorrentes na literatura que estuda esse tipode instituição, mas não são suficientes para cap-tar a complexidade das relações entre política eburocracia e entre Estado e sociedade no Brasilmoderno.

O Banco Central é responsável pela políticamacroeconômica e pela fiscalização bancária. Aimplementação dessas políticas não depende ape-nas da autoridade estabelecida, ou seja, do poderderivado da autoridade formal, que expressa-sepor normas e regulamentos formais. Ela depende

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também, e fundamentalmente, conforme a análi-se de Weber sobre as diferentes fontes de poderdas instituições, do poder derivado da “constela-ção de interesses que se desenvolve em um mer-cado livre” (SOLA, 1995, p. 49). A autoridadeformal é aquela que impõe-se pela formulação eaplicação das normas, e nesse aspecto o BancoCentral é semelhantes às demais instituições pú-blicas que impõem o cumprimento de normas pormeio da aplicação de punições aos recalcitrantes.O poder derivado da constelação de interesses,por outro lado, refere-se ao poder de induzir com-portamentos, como a atuação do Banco Centralnas operações de mercado aberto.

A relação com essa constelação de interessese a sua correta avaliação é habilidade fundamen-tal da autoridade monetária e coloca sobre seusdirigentes a tarefa do delicado equilíbrio entre osinteresses privados e o interesse público. Essesinteresses são diferentes e expressam visões po-tencialmente conflitantes sobre o funcionamentodo mercado financeiro, mas precisam sercompatibilizados pela autoridade monetária.

O interesse do mercado financeiro consiste,basicamente, em assumir riscos para obter retor-no. Sua tendência é, portanto, assumir mais ris-cos para realizar retornos maiores. Sua funçãosocial é exatamente essa: assumir riscos finan-ceiros de forma mais eficiente do que as institui-ções não financeiras. Todavia, o Banco Centraltem por função primordial limitar os riscos, deacordo com uma regra de prudência, impedindoque sua assunção imprudente pelo mercado levea uma crise generalizada da economia. Ou seja, oBanco Central deve garantir a segurança do fun-cionamento do mercado sem extinguir o risco fi-nanceiro. Essas visões são opostas e potencial-mente conflitantes porque, para o mercado, o in-teresse por ganhos maiores leva à assunção cres-cente de riscos, enquanto, para o Banco Central,a situação ideal, no limite, é a ausência de risco.O Banco Central, no entanto, não pode suprimirtotalmente o risco, pois isto significaria o desa-parecimento da própria razão de existência domercado financeiro, pela perda de seu incentivoeconômico. O Banco Central deve, então, equili-brar as duas posições, tendo em vista os interes-ses privados e o bom funcionamento do sistemaeconômico.

Decisões de caráter técnico, como as deci-sões do Banco Central sobre política monetária e

cambial, têm, inevitavelmente, um conteúdo po-lítico, no sentido de que afetam a atuação e osinteresses de grupos econômicos, enfim, alterama distribuição de recursos na sociedade. Nessesentido, o Banco Central é uma das mais impor-tantes instâncias de governo quanto à capacidadede promover realocação de recursos econômicose, por isso, a indicação de seus dirigentes torna-se objeto de disputa de grupos empresariais epolíticos.

Apesar de não poder-se negar essa disputapelas posições de direção do Banco Central, émuito difícil demonstrar concretamente a exis-tência de conexões entre os nomeados e essespostos e redes políticas, em especial a partir dasfontes de dados selecionadas para este trabalho –entrevistas e currículos –, pois os nomeados ge-ralmente não têm atuação político-partidária nemexplicitam ou assumem publicamente suas rela-ções com grupos políticos ou corporativos.

O que é possível afirmar, no caso brasileirorecente, é que, se esses cargos não fossem tãocobiçados, em função de seu enorme poder, nãoseria necessário que o Presidente da Repúblicaadotasse estratégias para “blindar” o Banco Cen-tral (para usar a expressão dos jornais diários eseus analistas políticos), ou seja, para insulá-lode outras influências e disputas políticas, sejampartidárias, sejam corporativistas. Essa “blinda-gem” ou insulamento expressa-se no fato de queos cargos de direção do Banco Central, ao con-trário dos de outras instituições governamentais,têm ficado na “cota do Presidente”, ou seja, nãoentram nas negociações de cargos por apoio po-lítico dos partidos do Congresso. Nos últimostrês governos, os cargos de direção econômica,por exemplo, os principais postos do Ministérioda Fazenda e do Banco Central, têm sido escolhi-dos diretamente pelo Presidente, sem interferên-cia de negociações partidárias. A rigor, as negoci-ações partidárias constituem a base de sustenta-ção desta autonomia do Presidente para nomearos principais postos de direção econômica, umavez que a distribuição de outros cargos, fora daárea econômica, é que garante ao Presidente essaautonomia (LOUREIRO & ABRUCIO, 1999).Esta busca por autonomia, por intermédio de ne-gociações políticas, significa a tentativa de o Pre-sidente da República garantir que seu grupo polí-tico e suas idéias predominem na direção do Ban-co Central, em oposição a outros grupos com

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idéias ou interesses divergentes que tentem influ-enciar suas decisões.

A análise de redes sociais foi adotada porquepermite compreender os aspectos nãoinstitucionais (como as relações pessoais de con-fiança e as trajetórias de carreira) envolvidos naescolha para os cargos de confiança. No Brasil, aimportância destes aspectos no momento da no-meação é muito grande. Além de as relações pes-soais serem importantes para o funcionamentodo governo – como veremos nas análises deSchneider (1994) e de Loureiro e Abrucio (1999),na próxima seção –, o processo de nomeação écaracterizado por uma grande margem dediscricionariedade do nomeador, pois não há me-canismos institucionais que restrinjam a sua es-colha. No Brasil, não há critérios definidos, apriori, que limitem a escolha do Presidente daRepública para os cargos de confiança.

Esta situação é oposta à dos Estados Unidos,por exemplo, em que existe um processo de ava-liação prévia dos nomes indicados pelo Presiden-te da República. Neste processo, conhecidocomo clearence, os nomes dos indicados peloPresidente passam rotineira e sistematicamentepor um escrutínio formal quanto à sua vida pro-fissional pregressa e quanto a possíveis conflitosde interesse entre a atividade profissional do indi-cado e as funções públicas que assumirá(MACKENZIE & SHOGAN, 1996). A avaliaçãoinclui a consulta informal às comissões do Con-gresso encarregadas de aprovar as nomeações,com intensa negociação política entre os poderesExecutivo e Legislativo quanto aos nomes indi-cados, como forma de evitar a apresentação denomes politicamente inviáveis e uma votação con-trária ao governo.

No Brasil, não existe nada parecido com esseprocesso formal e semi-impessoal de seleção deindicados para os cargos de confiança. A seleçãoé realizada com base em relações pessoais e deconfiança, e a avaliação prévia dos nomes depen-de de informações disponíveis na rede social derelações profissionais e pessoais.

Rede social é o conjunto das relaçõesestabelecidas com base em vínculos de afinidadepessoal, identidade intelectual e convivência pro-fissional. Esses vínculos são distintos mas nãosão excludentes, ou seja, relações de amizadepodem sobrepor-se às relações baseadas na con-vivência profissional ou na colaboração acadêmi-

ca. Como veremos adiante, estes vínculos ten-dem a sobrepor-se, refletindo a grande circula-ção dos profissionais entre várias instituições e adecorrente criação de vários tipos de relaciona-mento.

Além de permitir a compreensão dos aspec-tos não institucionais envolvidos na escolha dosindicados, a análise de redes é um instrumentopotente para a análise da relação entre espaçospúblicos e privados, porque “permite identificardetalhadamente os padrões de relacionamentoentre atores de uma determinada situação social,assim como suas mudanças no tempo” (MAR-QUES, 1999, p. 49). As conexões entre espaçopúblico e privado são importantes no caso doBanco Central, porque mais da metade dos pro-fissionais que ocuparam cargos de direção noperíodo analisado eram profissionais com atua-ção em instituições reguladas pelo Banco, comoinstituições bancárias e financeiras.

A rede permite compreender as relações inter-nas aos diversos grupos aos quais estes profis-sionais pertencem, como os burocratas e os pro-fissionais do mercado, mas também permite com-preender a relação dinâmica entre profissionaisque atuam nas instituições privadas e os profis-sionais que exercem a autoridade pública. Essasrelações são determinadas pelos interesses dosatores (progredir na carreira e/ou influenciar adireção da política econômica) e pelas formas deacesso aos recursos de poder (ser nomeado einfluenciar nomeações) e não pelas estruturasformais das instituições, sejam públicas, sejamprivadas.

A análise de redes interpessoais de MarkGranovetter é o referencial deste trabalho. A pre-ocupação de Granovetter (1973) é explicar osmecanismos de interação social, dentro da pers-pectiva sociológica que analisa a estrutura social.Este trabalho, por sua vez, está preocupado comas relações políticas e quer compreender o pro-cesso de nomeação. Apesar da diferença quantoa objetivos e problemas teóricos entre este traba-lho e o de Granovetter, a análise de redes é ins-trumento útil para o estudo das nomeações por-que permite uma análise das relações interpessoaisentre os atores sem que seja preciso partir de umadefinição a priori e restritiva de seus interesses.Adotar a análise de rede social da sociologia nãosignifica realizar um estudo estruturalista da polí-tica, mas apenas buscar entender um fenômeno

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para o qual a análise institucional da Ciência Polí-tica não tem instrumentos ou cujos instrumentosnão alcançam o que queremos entender (a teoriada agência, que trata da relação de delegação, nãopermite entender o caráter político da relação pes-soal e de confiança que está além da relação hie-rárquica).

Para Granovetter (1973), as relaçõesinterpessoais podem ser fortes ou fracas. As re-lações fortes são ligações entre pessoas com afi-nidades e semelhanças, que tendem a formar gru-pos homogêneos e fechados. Os laços fracos li-gam pessoas com menos afinidades e têm o po-tencial de colocar esses grupos homogêneos emcontato, ampliando a possibilidade de difusão deconhecimento, de mobilidade e de coesão social.Sua tese é de que uma sociedade organizada pre-ponderantemente com base em laços sociais for-tes tende, paradoxalmente, à desagregação, devi-do ao isolamento dos grupos em si mesmos. Ob-serva também que são os laços fracos os respon-sáveis pela comunicação e pelas trocas na socie-dade e, conseqüentemente, são imprescindíveisà manutenção da coesão social. O pesquisadormede a força do laço interpessoal como uma com-binação de quantidade de tempo que as pessoaspassam juntas, de intensidade emocional, de inti-midade e confiança mútua e de serviços recípro-cos prestados (GRANOVETTER, 1973). Ele de-monstrou objetivamente a importância dos laçosfracos por intermédio do estudo sobre a procurapor emprego. Os laços fracos mostraram-se maiseficientes no acesso a informações sobre oportu-nidades de emprego, uma vez que o percentualde profissionais que encontrou um novo empre-go por este meio é maior do que o percentual deprofissionais que o conseguiram pelos laços for-tes. A “força” ou o potencial dos laços fracos estáem conectar o profissional com indivíduos deoutros grupos que detêm informações sobre opor-tunidades profissionais diferentes das informaçõesdetidas pelo profissional e pelas pessoas com quemantém laços fortes (GRANOVETTER, 1983).

No caso do Banco Central, a aplicação do es-tudo de rede social tem por objetivo compreen-der as formas de inter-relação entre os profissio-nais, com base tanto em seus interesses individu-ais – interesse de carreira e interesse em influen-ciar políticas públicas – quanto em seus recursospessoais, profissionais e institucionais. Os inte-resses variam conforme as mentes e os corações,

e consideramos que não podem ser presumidos,mas apenas avaliados caso a caso. Os recursospessoais, profissionais e institucionais variam deacordo com a instituição, que conforma a identi-dade do profissional – burocrata ou profissionaldo mercado – e suas oportunidades de carreira.

Esta seção termina com uma ressalva sobreos limites do trabalho. Não foram analisadas astrajetórias de carreira após a passagem pelo Ban-co Central nem houve a preocupação em avaliaros conflitos éticos potencialmente envolvidos nainterface entre carreiras privadas e públicas. Aanálise da carreira dos nomeados não perseguiusua trajetória posterior à passagem pelo BancoCentral, pois o interesse do trabalho é o processode nomeação. Portanto, não é possível fazer afir-mações sobre o desenvolvimento da carreira dosprofissionais após a passagem pelo Banco Cen-tral. Da mesma forma, questões como tráfico deinfluência ou uso de informações privilegiadas embenefício próprio não foram objeto deste estudo,apesar de sua conexão com o tema das relaçõesentre interesses públicos e privados.

III. POLÍTICA, BUROCRACIA E NOMEAÇÕES

Este trabalho pretende, pelo estudo das no-meações, mostrar que é possível analisar a rela-ção entre política e burocracia no Brasil sem re-correr à dicotomia entre clientelismo e insulamentoburocrático, que é a principal matriz analítica dosestudos sobre a formação da burocracia na lite-ratura nacional. Trabalhos clássicos como os deMaria do Carmo Campello de Souza (1976),Luciano Martins (1985), Bárbara Geddes (1990)e Edson Nunes (1999) trataram a relação entrepolítica e burocracia predominantemente peladicotomia entre clientelismo e insulamento buro-crático (OLIVIERI, 2002).

Para esta literatura, existem duas burocraci-as: a patrimonialista e a insulada. A burocraciapatrimonialista é influenciada pela política parti-dária e é, por este motivo, ineficiente. No extre-mo oposto está a burocracia insulada em relaçãoao Congresso, aos partidos políticos e à socieda-de e que, devido a esse isolamento, caracteriza-se pelo comprometimento com a racionalidadetécnica e com a eficiência administrativa. Essadicotomia supõe uma separação estanque entrepolítica e burocracia e impede a compreensão dainfluência legítima da política na burocracia, bemcomo do papel dos dirigentes públicos.

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Os trabalhos de Maria Rita Loureiro eFernando Abrucio (1998) superam essa dicotomiaao mostrarem que a nomeação não é exclusiva-mente política ou técnica, mas, sim, uma con-junção dos dois fatores. Para compreender a re-lação entre política e burocracia no Brasil em ou-tro paradigma que não o desta dicotomiaempobrecedora, Loureiro e Abrucio (1998) ado-taram a idéia de formulador de política ou, naexpressão mais freqüentemente utilizada pela li-teratura, policymaker.

Análises recentes do desenvolvimento da re-lação entre políticos e burocratas apontam para a“mistura” crescente entre seus papéis e atribui-ções, criando o fenômeno da politização da buro-cracia e da burocratização da política. O modelode separação estrita de funções e de capacidadesentre políticos e burocratas (segundo o qual ospolíticos decidem e inovam, e os burocratas obe-decem e garantem a continuidade das políticas)está sendo substituído, principalmente nos altosescalões, por um modelo híbrido, em quepolicymakers combinam as duas funções e habi-lidades, como mostrou o estudo comparativo deAberbach, Putnam e Rockman (1981). Esse fe-nômeno deu origem a um profissional híbrido queé responsável tanto pela gestão eficiente quantopor atender aos objetivos políticos da agenda go-vernamental. Os ocupantes do alto escalão dogoverno, sejam políticos, sejam burocratas, sãopolicymakers que devem ser capazes de respon-der a essa dupla exigência.

Loureiro e Abrucio (1998) estudaram os cri-térios de nomeação dos ministros dos governosJosé Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco eFernando Henrique Cardoso (FHC), entre 1985 e1998. Nesse período, os ministros foram esco-lhidos com base em seis critérios, definidos pe-los pesquisadores: pessoal, técnico, partidário,federativo, de imagem e de grupos de interesse.O peso dos critérios nas nomeações variou con-forme cada governo e conforme a área do minis-tério em questão. O importante a destacar é queos critérios não são excludentes, ou seja, cadanomeação pode representar a conciliação entre,por exemplo, critérios ou lógicas técnicas e fede-rativas.

As principais conclusões de Loureiro e Abrucio(1998) são que não há nomeações puramente téc-nicas e que a lógica da política não esgota-se naescolha conforme critérios clientelistas. Diante da

necessidade de obter apoio político, o Presidenteda República nomeia alguém que atenda tanto aocritério político quanto ao critério de confiançapessoal. O indicado atende à necessidade do Pre-sidente da República de apoio no Congresso, deapoio de algum partido ou de algum grupo dasociedade, mas permite que o Presidente contro-le a atuação do nomeado pelas relações pessoal ede confiança. Da mesma forma, ao escolher al-guém com perfil preponderantemente técnico, oPresidente certifica-se da fidelidade política ouda identidade ideológica do escolhido ao projetodo governo por critérios pessoais ou de confian-ça.

Na sua análise sobre as instituições públicasque promoveram a política industrial no Brasil dadécada de 1970, Ben Schneider (1994) revela opapel determinante das relações pessoais de con-fiança na estruturação da elite governamental ena formulação e implementação de políticas pú-blicas. Para o autor, o sucesso da política indus-trial brasileira foi resultado das articulações in-formais entre os profissionais envolvidos na for-mulação e implementação das políticas e não dasrelações formais e institucionais.

Uma das principais conclusões de Schneideré que, no Estado brasileiro, a estrutura de poderque importa é a definida pelas nomeações e pelastrajetórias de carreiras dos profissionais. A estru-tura formal da organização burocrática brasileiraé fragmentada e desarticulada, impedindo aestruturação de políticas públicas nos moldes tra-dicionais. A alta circulação dos funcionários en-tre vários órgãos e a dependência das relaçõespessoais para a progressão na carreira, por umlado, agravam a fraqueza das organizações, mas,por outro, foram responsáveis pela capacidadede coordenação e de formulação das políticas. Asdesvantagens de um ambiente organizacional frag-mentado e da fraca lealdade organizacional fo-ram supridas, com sucesso, pelas relações infor-mais baseadas em vínculos pessoais e profissio-nais.

O peso que as relações pessoais e de confian-ça exercem na nomeação e nas carreiras dos al-tos escalões do governo no Brasil é muito gran-de, mas não pode ser confundido com oclientelismo. Da mesma forma, em algumas ins-tituições, como o Banco Central, o peso do crité-rio técnico é importante, mas não basta para ca-racterizar seu insulamento. A nomeação baseada

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em critérios pessoais não é apenas uma forma deagraciar amigos ou recompensar correligioná-rios, nem a nomeação com base em critériostécnicos significa a eliminação da influência dapolítica na burocracia; ambos são instrumen-tos que permitem aos políticos transmitir à bu-rocracia as prioridades e a agenda do governo.

Vejamos, agora, quem são os policymakers doBanco Central e como suas características influ-enciam a formulação e implementação das políti-cas públicas.

IV. PERFIS DE CARREIRA, PROFISSIONALHÍBRIDO E POLICYMAKING

A competência técnica é indispensável para aindicação à diretoria do Banco Central, mas o quedefine a nomeação não é uma avaliação sobre atri-butos profissionais. O que diferencia os profis-sionais nomeados não é seu nível de qualificaçãotécnica. A principal distinção refere-se ao grau deinserção na rede e de hibridismo de suas carrei-ras. Dentro do universo de prováveis indicados,os profissionais com carreira mais híbrida e commais inserção na rede são os nomeados, e, entreos nomeados, são os profissionais mais híbridose mais inseridos que ocupam os cargos depolicymaker, ou seja, a Presidência e as diretori-as ligadas à formulação da políticamacroeconômica.

Os policymakers são, originalmente, burocra-tas e profissionais de fora. As diferenças entreeles referem-se à sua formação, ao grau dehibridismo de suas carreiras e ao tipo de cargoque ocupam no Banco Central. As diretorias liga-das à elaboração da política macroeconômica e aPresidência são ocupadas predominantemente porprofissionais de fora. As áreas de formação aca-dêmica são praticamente as mesmas para ambosos profissionais, mas os burocratas são treina-dos para as atividades específicas do Banco Cen-tral e realizam, proporcionalmente, menos cur-sos de pós-graduação do que os profissionais defora. Por fim, as carreiras dos burocratas sãomenos híbridas.

Entre os diretores, há uma proporção seme-lhante de profissionais de fora e de burocratas.Já entre os presidentes, existe uma grande des-proporção, predominando os profissionais de fora,conforme a tabela a seguir.

TABELA 1 – RELAÇÃO ENTRE PROFISSIONAIS DEFORA E BUROCRATAS

FONTE: a autora.

Apesar de a proporção de diretores de dentroe de fora ser muito semelhante, eles não distribu-em-se igualmente entre as diretorias. As diretori-as ligadas à elaboração da políticamacroeconômica, como as de política monetáriae cambial, tendem a ser ocupadas pelos profis-sionais de fora. Os burocratas, por sua vez, pre-dominam nas diretorias envolvidas com ativida-des de fiscalização e normatização bancária e nasdiretorias relacionadas a assuntos internos do Ban-co Central, como a administrativa, por exemplo.

TABELA 2 – COMPOSIÇÃO DAS DIRETORIAS

FONTE: a autora.

NOTAS:

1. Não foram computados os ocupantes de diretorias es-tranhas às atividades de central banking, e nãoclassificáveis nos termos desta comparação, como asDiretorias de Crédito Rural e Industrial (Dicri), da DívidaPública (Didip), da Dívida Externa (Divex), que foram extin-tas em 1989, nem a Diretoria de Finanças Públicas e Regi-mes Especiais (Difip), que foi criada em 1996.

2. * Inclui as diretorias Bancária (Diban), de Mercado deCapitais (Dimec), da Área Externa (Direx), de Política Mo-netária (Dipom) e de Política Econômica (Dipec).

3. ** Inclui as diretorias de Fiscalização (Difis), de Adminis-tração (Dirad) e de Normas (Dinor).

O perfil técnico e especializado dos nomea-dos é comprovado pela análise dos currículos. Aformação desses profissionais, tanto os burocra-tas de carreira quanto os profissionais de fora,

CARGOS PROFISSIONAIS

DE FORA BUROCRATAS

Diretores 56% 44% Presidentes 70% 30%

CARGOS PROFISSIONAIS DE FORA

BURO-CRATAS

Diretorias de polí-ticas monetária e cambial*

25 7

Diretorias de fis-calização, norma-tização e adminis-tração**

6 18

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está estreitamente relacionada com sua área deatuação. Os burocratas e profissionais de fora sãoformados, majoritariamente, nas áreas afeitas àsatividades financeira e bancária, como economia,administração e contabilidade. Como mostra atabela abaixo, 85% dos diretores e presidentessão formados nestas áreas, mas com predomi-nância de economistas.

TABELA 3 – FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DEFORA E BUROCRATAS

FONTE: a autora.

NOTA: * Dupla formação devido à realização de dois cur-sos de graduação ou de graduação e pós-graduação emáreas diferentes.

A proporção de profissionais com nível de pós-graduação é elevada. Pouco mais da metade de-les (54% do total) concluiu cursos de pós-gradu-ação – Master Business Administration (MBA) estricto sensu. Entretanto, há grande disparidadeentre burocratas e profissionais de fora, pois sãopoucos os funcionários que realizaram cursos depós-graduação em comparação com os de fora(33% dos burocratas e 68% dos profissionais defora).

A instituição em que foram obtidos os títulosmostra um alto grau de internacionalização dosestudos, uma vez que a maioria dos cursos dedoutorado foi realizada em universidades no ex-terior, sendo boa parte delas instituições acadê-micas de grande prestígio acadêmico internacio-nal, conforme tabela a seguir.

TABELA 4 – ÁREAS E INSTITUIÇÕES DOSDOUTORADOS

FONTE: a autora.

NOTAS:

1. Todos os doutorados no exterior foram na área de Eco-nomia.

2. Dos doutorados no Brasil, três foram na área de Conta-bilidade, dois em Economia e um em Administração.

No caso dos burocratas, a competência técnicae a especialização estão estreitamente ligadas à car-reira. Os burocratas são todos concursados e a mai-oria especializa-se, ao longo da carreira, em umadas divisões internas do Banco Central (câmbio eoperações internacionais, normas de regulação dosistema financeiro, fiscalização, política monetária,controle interno, meio circulante e recursos huma-nos). Apesar de, em média, terem nível educacionalmenor do que os profissionais do mercado, se con-siderarmos que são poucos os funcionários que re-alizaram cursos de pós-graduação, eles obtêm a for-mação e a especialização necessárias dentro da pró-pria instituição, uma vez que boa parte deles fre-qüentou cursos internos do Banco Central.

ÁREAS DE FORMAÇÃO

QUANTI-DADE

PERCEN-TUAL

Economista 38 58% Administrador 11 17% Contador 4 6% Engenheiro 4 6% Economista e Contador* 1 2%

Administrador e Contador* 1 2%

Advogado 1 2% Outros 3 5% Não consta 2 3%

TOTAL 65 100%

UNIVERSIDADE NÚMERO DE DOUTORES

Universidades no exterior Massachussetts Institute of Technology 4

Harvard University 3 University of California (Berkeley) 3

Princeton University 2 Stanford University 1 The Johns Hopkins University (Baltimore) 1

New School for Social Research 1

Scuola Superiores Matte (Milão) 1

London School of Economics 1 Subtotal 17

Universidades no Brasil Universidade de São Paulo 5 Fundação Getúlio Vargas 1 Subtotal 6 TOTAL 23

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A diferença quanto ao tipo de cargo ocupadopor burocratas e por profissionais de fora indicaque chegar aos altos escalões não é decorrêncianatural da carreira burocrática, mas de habilida-des pessoais e profissionais específicas. A forçado vínculo institucional dos burocratas com ainstituição pode ser ilustrada pela afirmação deum entrevistado – um burocrata com perfil híbri-do e altamente inserido na rede social – sobre asvicissitudes da circulação do burocrata por vá-rias instituições. Segundo ele, o funcionário queatua fora da burocracia permanece com o “DNAde servidor público”. Em outras palavras, mes-mo os burocratas que passaram uma parte de suascarreiras fora do Banco Central, trabalhando eminstituições financeiras privadas ou realizandocursos de pós-graduação, mantêm intacta avinculação com o ethos burocrático e com a ins-tituição. Apesar disso, só a carreira e o “DNA”não levam o burocrata aos cargos de direção dapolítica macroeconômica, aos cargos depolicymaker. Para chegar a esses cargos, mes-mo em uma instituição meritocrática e organiza-da em carreiras como o Banco Central, são ne-cessárias outras habilidades ou características“não-burocráticas”, como a habilidade de sacri-ficar a pureza burocrática em nome do apoio po-lítico (SCHNEIDER, 1994) e de desenvolver ha-bilidades políticas e comunicativas.

Quais são, então, as habilidades exigidas deum policymaker do Banco Central, seja ele buro-crata ou profissional de fora?

A ampliação dos espaços e das habilidades doburocrata típico é reflexo do fenômeno dapolitização da burocracia e da burocratização dapolítica descrito por Aberbach, Putnam eRockman (1981). De acordo com seu modelo dedirigente híbrido, como já vimos, os dirigentesdo alto escalão combinam as funções e habilida-des burocráticas e políticas. Os burocratas quese tornam policymkers, assumindo a Presidênciado Banco Central ou as diretorias diretamente rela-cionadas com a gestão da política macroeconômica,foram capazes de desenvolver algumas habilida-des pessoais específicas (como capacidade de ar-ticular as necessidades técnicas com as políticas)e de construir outras lealdades além da lealdadeorganizacional com o Banco Central, a que a mai-oria dos burocratas fica restrita.

Conforme um burocrata de carreira do BancoCentral que concedeu entrevista, a separação ní-

Esse perfil de carreira dos burocratascorresponde às características tradicionais do sis-tema de mérito: acesso impessoal e mediante pro-vas de conhecimento, trajetórias de carreira fecha-das e regidas pela progressão nos cargos. Por meiodo sistema meritocrático, o Banco Central confor-ma um corpo de funcionários diferenciado quantoa suas habilidades, com identidade profissional pró-pria e estreitamente vinculada à instituição.

Há, entretanto, burocratas que destoam destepadrão geral, apresentando perfil de carreira maisparecido com o dos profissionais de fora: um perfilhíbrido, com mais circulação entre instituições ecom mais inserção na rede.

Os profissionais com perfil híbrido, sejamburocratas ou profissionais do mercado privado,caracterizam-se pela passagem por várias insti-tuições, tanto públicas quanto privadas, anterior-mente à ocupação do cargo de direção no BancoCentral. Entre estas instituições estão bancos pú-blicos e privados, instituições financeiras priva-das, órgãos do governo (predominantemente naárea econômica, como secretarias do Ministérioda Fazenda ou empresas estatais) e instituiçõesde ensino e pesquisa acadêmica.

Os burocratas híbridos estão entre os poucosburocratas que chegam à Presidência do BancoCentral e às diretorias de política monetária e cam-bial, que são postos geralmente ocupados por pro-fissionais de fora. Essa diferença na distribuiçãode burocratas e profissionais de fora entre oscargos é um reflexo das diferenças no perfil dosnomeados. Somente os profissionais com perfilhíbrido, que mesclam competências técnicas epolíticas, sejam eles profissionais de fora ou bu-rocratas, ocupam a Presidência e as diretorias depolítica macroeconômica, ou seja, ocupam asposições de policymaker.

TABELA 5 – DISTRIBUIÇÃO DOS BUROCRATAS

FONTE: a autora.

NOTAS: A respeito das Diretorias de Política Monetária eCambial e das Diretorias de Fiscalização, Normatização eAdministração, cf. Tabela 2, acima.

CARGO HÍBRIDO NÃO-HÍBRIDO

Presidência 4 0

Diretorias de política monetária e cambial 4 0

Diretorias de fiscalização, normatização e administração 7 11

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tida entre formuladores e implementadores depolíticas – e a tentativa de atribuir tal papel aospolíticos, e aquele, aos burocratas – é ultrapassa-da e inútil, pois esses papéis misturam-se, emespecial nos altos escalões. O entrevistado refe-riu-se à sua participação na formulação de umplano econômico da década de 1990. Na visãodele, sua participação não encaixaria-se propria-mente à figura do formulador, pois ele não estavaentre os que haviam elaborado a proposta originaldo plano. Entretanto, sua posição também não erapassiva como a de um simples implementador,pois o próprio processo de formulação do plano,bem como sua implementação, dependeram deinformações cruciais prestadas por ele sobre ofuncionamento das operações e da máquina bu-rocrática e sobre o histórico de planos anterio-res. Ou seja, sua participação foi mais ativa doque esse modelo “formulador versusimplementador” poderia supor para um burocra-ta, mas sem que ele tivesse transformado-se emum formulador propriamente dito.

Além disso, existem habilidades intrinsecamen-te relacionadas com a especificidade da atuaçãodo Banco Central em relação às demais políticaspúblicas. Como já vimos, o dirigente da autorida-de monetária precisa equilibrar os interesses pri-vados e o interesse público ao exercer seu poderde regulação sobre o mercado.

A habilidade de equilibrar esses interesses de-pende, nas palavras de vários entrevistados, de“conhecer o outro lado do balcão”. O burocrataque passa pela experiência de trabalhar em insti-tuições financeiras privadas conhece melhor osinteresses do mercado, seu ponto de vista e sualógica de ação, bem como as limitações do poderdo Banco Central. No entanto, o profissional domercado que atua como dirigente público passa aconhecer como o governo funciona e quais sãoos obstáculos institucionais e políticos à ação dosdirigentes. Aprende também as agruras de colo-car o comprometimento com a responsabilidadedo cargo acima dos objetivos pessoais.

A passagem pelo Banco Central dá instrumen-tos importantes para o profissional do mercado.Ele passa a conhecer as engrenagens do funcio-namento do governo e aprende que a “vontadepolítica” do dirigente público está restringida porinúmeros obstáculos institucionais e políticos. Naspalavras de um entrevistado, o dirigente “tem queaprender a engolir sapo”, pois ele não pode “dei-

xar o barco” diante de decisões difíceis ou deameaças à sua reputação. Uma vez no cargo, odirigente não pode guiar-se apenas pelos seusobjetivos pessoais, mas deve estar à altura da res-ponsabilidade pública do cargo.

Alguns entrevistados com carreiras predomi-nantemente no setor privado referem-se a essaexperiência em cargos públicos como parte do“serviço militar” que devem prestar ao país apósterem atingido sucesso profissional e estabilidadefinanceira. Porém, seria ingênuo acreditar que apassagem pelo Banco Central é apenas um atoaltruísta que coroa carreiras empresariais bem-sucedidas.

A passagem pelo Banco Central pode alavancarcarreiras no setor privado, não apenas pelo fato dedar visibilidade ao nomeado, que passa a ostentaro valioso título de ex-diretor do Banco Central. Oprofissional também adquire habilidades específi-cas, valorizadas no mercado. Após ocupar o nú-cleo de decisão sobre política macroeconômica dopaís, o “ex-BC” – como o ex-dirigente é identifi-cado nos jornais diários e nas revistas semanais –passa a conhecer os limites do poder da autorida-de monetária, os pontos fracos da instituição ecomo as decisões são tomadas no governo. Essetipo de conhecimento é muito importante no mer-cado financeiro, cujo funcionamento gravita, mui-tas vezes, em torno de expectativas sobre as deci-sões do governo, e é especialmente valioso paraos profissionais que tornam-se consultores, ven-dendo conselhos a partir da avaliação das açõesfuturas das instituições governamentais.

A experiência fora do seu meio institucional“natural” também é importante para o burocratatípico. Esse burocrata tem a visão apenas da au-toridade monetária, visão que pode mostrar-se li-mitada na hora de relacionar-se com o mercado.Já o burocrata híbrido, segundo um entrevista-do, conhece o mercado financeiro “por dentro” e“entende sua lógica”. Ele aprende a criticar o Ban-co Central, aprende a ver de forma mais clara oslimites, os erros e exageros de sua atuação comoautoridade monetária. O burocrata que circuloupor instituições privadas compreende de formamais acurada a visão do mercado sobre a atuaçãodo Banco Central, aprende a antecipar as reaçõesdo mercado e torna-se mais capaz de calibrar suaspróprias decisões, porque conhece “a mente típi-ca de quem está do outro lado”. A política mone-tária depende, em boa parte, de como o mercado

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avalia as decisões do Banco Central, ou seja, dahabilidade do burocrata em comunicar de formaprecisa suas decisões. Se os agentes econômi-cos avaliam corretamente os movimentos do Ban-co Central, conseguirão relacionar-se melhor como banco, e a política tende a obter os resultadosesperados.

Outra característica importante do burocratahíbrido é sua capacidade de “falar a mesma lín-gua” que os diretores de fora. Esta expressãousada por um entrevistado significa a capacidadede os funcionários relacionarem-se de forma com-plementar e cooperativa com os diretores de fora,por terem cursado pós-graduação ou por teremexperiência no mercado. Muitos entrevistadosavaliaram a atitude dos burocratas perante os pro-fissionais de fora que assumem diretorias no Ban-co Central como cooperativa, e isso faz parte doprofissionalismo dos burocratas. Mas, além doprofissionalismo, há habilidades específicas decomunicação que diferenciam os burocratas, eisso também é importante para os que não estãonos cargos de diretoria.

Falar a mesma língua significa a ampliação dacapacidade de diálogo entre os profissionais defora e os funcionários de carreira. Esses buro-cratas híbridos atuam, então, como “guias decego”, conforme definiu outro entrevistado. Osdiretores de fora recorrem a estes funcionáriosmais experientes porque não teriam condições deaprender em poucos meses todos os meandrosda atividade do Banco, o que requer um grandeconhecimento da sua memória institucional. Con-forme as palavras de outro entrevistado, são osburocratas híbridos que, por dominarem as en-grenagens da máquina, “tocam o barco” nas di-retorias ocupadas por profissionais de fora pou-co familiarizados com esses mecanismos.

A aliança e a cooperação entre diretores de forae burocratas são essenciais para a formulação eimplementação de políticas. A elaboração de polí-ticas públicas, na maioria das burocracias, é umprocesso de formação de coalizão, assistênciamútua e negociação (SCHNEIDER, 1994), e osburocratas raramente ficam passivos ou à mar-gem desse processo, mesmo quando não ocu-pam cargos de direção. Uma relação baseada nodiálogo e na confiança mútua, fundamental paraa negociação e a formação da coalizão, desenvol-ve-se mais facilmente quando os profissionaiscompartilham as mesmas visões de mundo ou o

mesmo jargão profissional. Experiências profis-sionais e acadêmicas semelhantes, decorrentes davivência nas mesmas instituições, promovem estaidentidade de visões e de discursos que facilitama aliança e a cooperação.

V. CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA E DACONFIANÇA POR MEIO DA REDE SOCIAL

A partir dos relatos das entrevistas e da análi-se dos currículos dos nomeados, foramconstruídos dois critérios de nomeação dos pre-sidentes e diretores do Banco Central: competên-cia profissional e confiança pessoal. O critério decompetência é composto por atributos pessoaise atributos profissionais. O critério de confiança,por sua vez, é composto de atributos pessoais eatributos relativos à rede social.

O critério de competência profissional incluiatributos pessoais como inteligência e seriedade,além de atributos profissionais como formaçãoacadêmica sólida, especialidade nas áreas finan-ceira ou bancária (ou nas divisões internas doBanco Central, no caso dos burocratas), experi-ência profissional e competência técnica.

O critério de confiança pessoal inclui atribu-tos pessoais como integridade moral e ética, es-pírito público e atributos relativos à rede social,como amizade, indicação por pessoa próxima e/ou respeitável, afinidade de pensamento, experi-ência reconhecida no meio financeiro ecredibilidade entre os profissionais de sua área deatuação.

A diferença analítica fundamental não está naoposição entre competência e confiança. Nas en-trevistas, ao falar sobre a importância da compe-tência como critério de nomeação, os entrevista-dos não realçavam o componente profissional dacompetência, como a formação acadêmica ou aexperiência profissional. Esse componente eraconsiderado “óbvio” ou “natural”, dadas as exi-gências do cargo. A análise dos currículos, defato, confirma que os nomeados têm formaçãocompatível com as exigências técnicas do cargoou função. O que os entrevistados ressaltavamera o componente pessoal da competência, ou seja,inteligência e seriedade. Mais do que um esforçode auto-elogio ou um exercício de diplomacia, estaênfase nos atributos pessoais relativos à compe-tência profissional indica a importância das rela-ções pessoais na definição e na aferição da com-petência profissional.

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Esta diferenciação analítica entre atributospessoais e profissionais da competência profis-sional permite analisar a peculiaridade dos atribu-tos pessoais exigidos do profissional que ocupa-rá a direção do Banco Central, conforme apareceno discurso dos entrevistados. Essa ênfase nosatributos pessoais da competência, como inteli-gência e seriedade, está relacionada com a pecu-liaridade da atividade exercida pelo Banco Cen-tral. De acordo com um entrevistado, o BancoCentral “é o lugar mais delicado da República”,devido ao tipo de informações a que os diretorestêm acesso. São informações que “valem ouro” eexigem do diretor não apenas firmeza de caráterna sua utilização, mas também capacidade demanter sigilo e de saber omitir informações aopúblico, quando necessário. De fato, o BancoCentral não apenas lida com informações sensí-veis, em que o sigilo e o compromisso com obem público são fundamentais, mas exerce umtipo peculiar de autoridade política, que exige ha-bilidades específicas para a intermediação entreinteresses públicos e privados, como já foi anali-sado anteriormente.

A importância da distinção entre critérios decompetência e de confiança não está em reforçara oposição entre técnica e política, como se hou-vesse uma correspondência estanque e absolutaentre critérios técnicos e de competência, de umlado, e entre critérios políticos e de confiança, deoutro. Os critérios de confiança e de competên-cia não opõem-se. Eles são distintos, mas com-plementares. Os critérios complementam-se namedida em que os atributos pessoais exigidos dosnomeados incluem tanto critérios de confiança,como relação de amizade, quanto de competên-cia, como inteligência e seriedade. O componen-te político da nomeação não reduz-se às relaçõespessoais de confiança, mas inclui atributos pro-fissionais como respeito profissional, afinidade depensamento, experiência e credibilidade profis-sionais. A importância da distinção entre critériosde competência e de confiança é possibilitar aidentificação do papel das relações pessoais e darede social nas nomeações, principalmente nasnomeações regidas fortemente pelo critério téc-nico, mas sem recair na oposição entre clientelismoe insulamento, entre política e técnica; ou seja,sem (des)qualificar o conteúdo político das no-meações como elemento espúrio.

Como estas habilidades ou atributos pessoais

são, então, avaliados pelo nomeador? Como sãocontrolados ou monitorados?

Os atributos pessoais e profissionais dos no-meados são conhecidos pelo nomeador por in-termédio do relacionamento próximo entre eles(seja pessoal ou profissional) ou pelo reconheci-mento de terceiros, que indicam algum profissio-nal conhecido, afiançando seus atributos pesso-ais e/ou profissionais. Nenhum ex-Presidente re-latou ter escolhido seus diretores com base emuma análise fria, impessoal e objetiva de currícu-los. Pelo contrário, eles baseiam-se em informa-ções que pessoas do seu círculo pessoal ou pro-fissional e de sua confiança podem fornecer so-bre o caráter e o desempenho dos indicados ouem sua própria experiência de trabalho ou rela-cionamento pessoal com o indicado.

Na falta de procedimentos impessoais einstitucionalizados de avaliação de mérito, os pre-sidentes recorrem às relações de confiança, àsrelações pessoais. Ou seja, a importância das re-lações familiares e de amizade na nomeação nãoindica que sejam nomeados amigos ou parentes,como em uma relação clientelista, mas que asrelações pessoais são a forma de aferição da com-petência e dos atributos de caráter. Esse relacio-namento próximo pode ser decorrente de experi-ência profissional conjunta, que não apenas criaou estreita laços pessoais, mas permite aonomeador avaliar a competência do nomeado inloco, analisando sua atuação enquanto profissio-nal, além de reconhecer suas habilidades pesso-ais, como a postura de comando e a integridadeética.

A relação de confiança, tão importante segun-do os relatos dos entrevistados, não reflete rela-ções personalistas, no sentido clientelista oupatrimonialista do termo. Ela significa uma for-ma de controle sobre a performance futura dosnomeados, ou seja, uma forma de redução dosriscos intrínsecos à delegação de poder entrenomeador e nomeado, e esta confiança não é uni-lateral, ela deve ser mútua. O nomeador, por umlado, deve confiar no nomeado, como forma degarantir-se quanto à conduta ética e profissionalde seus subordinados. Por outro, o nomeado tam-bém deve confiar no nomeador para aceitar oconvite. De acordo com um entrevistado, paraavaliar se aceitaria “o desafio de dirigir o BancoCentral”, o indicado também faz consideraçõessobre os atributos pessoais e profissionais dos

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demais componentes da diretoria e da equipe eco-nômica pois, ao aceitar o convite, o nomeado nãoestá apenas aproveitando a possibilidade dealavancar sua carreira ou de prestar seu “serviçomilitar” ao país, mas também está arriscando-sea comprometer-se com decisões de grande en-vergadura e de alto risco político e profissional.Como a história recente revela, as escolhas e de-cisões políticas exigidas pelo exercício da autori-dade monetária podem destroçar reputações eafundar carreiras promissoras.

Essas relações pessoais e profissionais de con-fiança estabelecem-se na medida em que o pro-fissional circula entre as diversas instituições pú-blicas, privadas e da área acadêmica. Esta circu-lação aporta ao profissional, por uma lado, umavariedade de experiências profissionais – em ins-tituições públicas e privadas – e de conhecimen-tos (práticos e/ou acadêmicos), aumentando,portanto, as habilidades e competências do pro-fissional, como já foi ressaltado na seção anteri-or. Por outro, a circulação também aumenta apossibilidade de o indicado ter seu desempenhoprofissional e suas habilidades pessoais reconhe-cidas e aferidas por outros profissionais. Esteprocesso reforça-se automaticamente, pois amultiplicação de vínculos pessoais e profissionaisdecorrente da circulação aumenta a probabilida-de de o profissional receber convites para traba-lhar em outras instituições, bem como a quanti-dade de pessoas que podem atestar seu desem-penho e suas habilidades.

Essa multiplicação dos vínculos pode ser ilus-trada graficamente por rede de relacionamentos.Os nomeados têm, na sua grande maioria, maisde um vínculo dentro da rede, com profissionaisde várias instituições e não apenas com quem ostenha nomeado.

A rede social foi construída a partir das infor-mações colhidas nos currículos e nas entrevis-tas. As flechas que ligam os nomes representamos vínculos entre ex-presidentes da república, ex-ministros da Fazenda, ex-diretores e ex-presiden-tes do Banco Central. Como não foi possível en-trevistar muitos burocratas, foi adicionado o ator“burocrata” (localizado, na Rede, acima/à esquer-da) para representar a ligação dos nomeados com

burocratas do BC que não tiveram seus nomesrevelados.

Pode-se perceber como alguns nomes têmmuitas flechas a eles relacionadas, indicando quesão pessoas altamente inseridas na rede, comono caso de ex-presidentes do BC (Gustavo Loyola,Pedro Malan, Fernão Bacher, Ibraim Eris) e deformuladores de planos econômicos (Pérsio Arida,André Lara Resende). As entrevistas indicaramque eles não apenas ocuparam postos de desta-que no BC como mantêm-se na rede após o tér-mino de sua passagem pelo governo, pois per-manecem como referências de outros profissio-nais cuja nomeação esteja sendo cogitada.

Os ex-presidentes do BC são como pólos queconcentram várias ligações com outros profis-sionais. Ibraim Eris, por exemplo, que foi presi-dente do BC entre 1990 e 1991 e era profissionalhíbrido por ter carreira no setor privado e na aca-demia (era professor na Faculdade de Economiada USP), está “conectado” com a Ministra daFazenda na época, Zélia Cardoso de Melo, suacolega na USP, que o indicou para o então Presi-dente Fernando Collor, bem como aos seus dire-tores Eliseu Martins (colega de Eris na USP), LuisEduardo Assis (ex-aluno e colaborador de Eris) eAntônio Sochaczewski (indicado a Eris por An-tonio Kandir, assessor da Ministra Zélia) – locali-zado, na Rede, acima/à direita).

Outros profissionais, ao contrário, têm pou-cas ligações na rede, geralmente, apenas com apessoa que os indicou ou recomendou, como é ocaso de Luis Fernando Figueiredo, diretor de po-lítica monetária entre 1999 e 2003. Profissionalnão-híbrido, com carreira apenas no setor priva-do (mais especificamente, no setor bancário),Figueiredo foi recomendado pelo seu ex-patrãono banco BBC, Fernão Bracher, ao então Presi-dente do BC, Armínio Fraga, que precisava mon-tar uma equipe nova após a saída de GustavoFranco (que foi Presidente do BC entre 1997 e1999) em decorrência da crise cambial de 1999.Bracher foi Presidente do BC entre 1985 e 1987 eé um profissional freqüentemente citado nas en-trevistas entre aqueles consultados sobre no-meações até hoje (Figueiredo consta na Rede comoLFigueiredo, no centro, à esquerda).

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FIGURA 1 - REDE SOCIAL

FONTE: a autora.

O laço é mais forte para os burocratas, poiseles provêm de uma mesma instituição, da qualsuas carreiras são mais dependentes e que con-forma um ethos profissional mais definido e for-temente identificado com a instituição. Os pro-fissionais de fora, ao contrário, não vivem emuma só empresa, mas transitam por várias insti-tuições privadas, em especial da área financeira.Tanto burocratas quanto profissionais de fora têmconexão com um terceiro espaço institucional, odas instituições de ensino superior e pesquisa, na-cionais e internacionais. Essa conexão com insti-tuições de ensino, por sua vez, é, como já vimos,mais freqüente e mais internacionalizada entre osprofissionais de fora.

O que interessa-nos é a compreensão do pro-cesso de nomeação e não uma análise sociológi-ca dos grupos profissionais. Assim, essas carac-terísticas são vistas como formas de aferir, ava-liar e garantir os atributos pessoais e profissio-nais dos nomeados no processo de preenchimen-to dos cargos. Para os objetivos deste trabalho, alonga convivência de dois profissionais na mes-

ma instituição não mede a força de sua identidadeprofissional ou o seu comprometimento com ainstituição, mas a capacidade de avaliação recí-proca sobre suas habilidades e competências e acapacidade de atestá-la perante terceiros para pro-mover indicações ou influenciar nomeações.

De acordo com discussões anteriores, são ascarreiras híbridas e não as carreiras fechadas quelevam aos cargos de direção da política econômi-ca. Os policymakers caracterizam-se por carrei-ras híbridas e pela conciliação de habilidades téc-nicas e políticas. Para alcançar os cargos relacio-nados à política monetária, ou seja, para a nomea-ção aos cargos de Presidente do Banco Central eàs diretorias da área monetária e cambial, os laçosfortes são importantes, mas não decisivos. Elessão importantes porque o profissional precisa terespecialidade profissional e reconhecimento entreseus pares. Mas o que é decisivo é o desenvolvi-mento de laços fracos fora de sua instituição de ori-gem, para adquirir outras habilidades, como já foianalisado, e para dispor de fontes de reconhecimen-to diversificadas. Como, então, a rede opera?

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Como não é possível, nos limites deste artigo,descrever a trajetória de todos os profissionaisentrevistados para evidenciar o funcionamento darede, descreveremos a trajetória de carreira deum burocrata híbrido, que permite exemplificarvários mecanismos de avaliação recíproca e deindicação de nomeações. Este burocrata entrouno Banco Central por meio de concurso públicoaos 25 anos de idade, logo após o término docurso superior de Economia. Sua primeira expe-riência fora do Banco Central ocorreu três anosapós o ingresso, para cursar pós-graduação emeconomia na Escola de Pós-Graduação em Eco-nomia da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Ja-neiro (EPGE-FGV-RJ). Nosso burocrata passouquatro anos no Rio de Janeiro, licenciado de suasatividades no Banco Central, e retornou a Brasíliacom os títulos de mestre e doutor na bagagem. Aescolha da EPGE deu-se em função do contatodo burocrata com professores dessa escola, quehaviam sido diretores do Banco Central, e pelaespecialização da escola e de seus professores naárea de estudo desejado: política monetária. Des-taque-se a preeminência, no relato do entrevista-do, do contato prévio com os professores da es-cola para definir sua opção acadêmica.

Sua segunda experiência fora da burocracia,cinco anos após o retorno do Rio de Janeiro (RJ),foi para trabalhar em uma corretora de valores.O convite foi feito por um profissional de foraque ocupou uma diretoria do Banco Central e quetrabalhara junto de nosso burocrata. Novamente,os laços pessoais desenvolvidos no próprio Ban-co Central com profissionais do mercado queocupam diretorias no Banco foram essenciais parapropiciar novas oportunidades profissionais aofuncionário. Ele permaneceu dois anos nacorretora, licenciado do Banco Central.

Essa passagem pelo mercado propiciou nãoapenas a aquisição de experiência sobre “o outrolado do balcão”, mas também sua primeira no-meação para uma diretoria. Algum tempo depoisde seu retorno ao Banco Central, o burocrata foinomeado por um ex-colega da corretora de valo-res que assumiu a Presidência do Banco. A expe-riência fora do Banco Central e os laços estabele-cidos com profissionais do mercado foramdeterminantes, portanto, de sua ascensão a umadiretoria. Este profissional do mercado que assu-miu a Presidência e nomeou o burocrata à direto-ria relatou que a experiência prévia de trabalho

com esse burocrata no mercado privado foi cri-tério determinante da nomeação. Ele ficara im-pressionado com o desempenho do burocrata nacorretora e, além disso, não conhecia ninguémda burocracia do Banco Central quando foi no-meado Presidente. Este burocrata não apenasocupou uma posição destacada na diretoria, comotornou-se o principal mediador entre o Presiden-te e a burocracia do Banco Central.

O vínculo profissional entre representantes deinstituições diferentes e com experiências varia-das promove nomeações diretas, como indica oexemplo acima, e também indiretas, por indica-ção de nomes. Muitos entrevistados relataram tersolicitado informações sobre a experiência pro-fissional e a reputação de indicados a pessoasconhecidas. Quanto maior a inserção deste pro-fissional na rede, ou seja, quanto mais contatosele detém, maior a chance de conseguir informa-ções confiáveis sobre a reputação do indicado, emaior a chance de não decepcionar-se com seudesempenho futuro. Profissionais do mercadohíbridos têm mais inserção na rede, por isso, con-tam com conhecimento mais amplo sobre poten-ciais indicados, e têm mais condições de encon-trar nomes que considerem adequados. Seus la-ços fracos são mais numerosos, pois eles traba-lharam diretamente ou tiveram experiência pro-fissional próxima com um número mais alto depessoas, em um número maior de instituições.

Adicionalmente, os presidentes que estão com-pondo sua equipe costumam reforçar sua avalia-ção sobre algum nome, checando com outrosprofissionais as credenciais ou atributos pessoaise profissionais do indicado. Ao procurar indica-ção ou referência sobre pessoa de outro meioprofissional, o Presidente não precisa ter umagrande circulação em outros meios, mas precisaconhecer pessoas a quem possa pedir indicaçãode profissionais de outras instituições. Por meiodos laços fracos, o nomeador amplia seu lequede opções e tem maiores condições de se certifi-car sobre os atributos dos escolhidos.

As pessoas consultadas sobre as credenciaisde outros profissionais têm duas qualidades: sãopróximas do nomeador o suficiente para prestarinformação sobre a reputação de seus pares sobsigilo e também detêm suficiente conhecimentosobre o indicado e o espaço institucional em queele atua para prestar informações fidedignas. As

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pessoas consultadas precisam, portanto, ter cir-culado por várias instituições e ter uma alta inser-ção na rede. Entre as pessoas consultadas, foramcitados os membros da equipe econômica, cole-gas de profissão que tinham mais convivência como indicado e profissionais com atuação de desta-que, como presidentes de bancos privados e pro-fissionais que participam do debate público sobrepolítica econômica, além de indivíduos com osquais o nomeador tenha afinidades intelectuais.

Essas pessoas que fornecem conselhos sãoouvidas não apenas porque são da confiança donomeador, mas porque são pessoas experientesna área, já tendo ocupado o cargo de Presidentedo Banco Central ou Ministro da Fazenda, e por-que compartilham a linha teórica do nomeador.São pessoas que têm trânsito em várias institui-ções, sejam públicas, privadas ou acadêmicas.Trata-se de profissionais com uma extensa redede contatos e que tornam-se grandesinfluenciadores de equipes do Banco Central. Al-guns destes “notáveis” chegam a tomar a iniciati-va de indicar nomes a presidentes do Banco Cen-tral recém-empossados e que estão à caça de ta-lentos para sua equipe, em uma tentativa de influ-enciar a política econômica por intermédio danomeação de alguém que compartilhe seus inte-resses ou preferências políticas.

As instituições de ensino e pesquisa exercempapel muito importante nesse processo de aferi-ção de competência e de reconhecimento. A pas-sagem por essas instituições é muito mais do queuma forma de adquirir a competência técnica e aespecialização que, como vimos, constituem re-quisitos fundamentais dos nomeados. Esta pas-sagem aporta aos profissionais o reconhecimen-to às suas posições teóricas e políticas, constróireputações e define afinidades intelectuais.

Analisando os fatores de legitimação dos eco-nomistas como uma nova elite dirigente, MariaRita Loureiro destaca a importância do reconhe-cimento internacional dos profissionais da aca-demia para a aprovação política e acadêmica noBrasil. A “[...] internacionalização da ciência eco-nômica inaugura novas formas de acesso ao po-der e de legitimação da elite dirigente. A notorie-dade acadêmica é garantida por fortes vínculoscom o circuito científico internacional, e a visibi-lidade que ela propicia na imprensa, no meio em-presarial e político do país é grande” (LOUREI-RO, 1997, p. 79).

Um exemplo desta forma de legitimação deidéias econômicas foi o percurso de Pérsio Aridae André Lara Resende para obter prestígio inter-nacional à tese inercialista da inflação. Em 1984,eles expuseram e debateram suas idéias com pes-quisadores e funcionários de agências interna-cionais no centro de pesquisa Woodrow Wilson(onde Pérsio Arida estava trabalhando na época),no Fundo Monetário Internacinal (FMI) e no Fe-deral Reserve (LOUREIRO, 1997). Após estaexposição internacional, o tema ganhou destaqueno Brasil graças ao endosso de Mario HenriqueSimonsen às idéias de Arida e Lara Resende. Arespeitabilidade de Simonsen, um dos principaiseconomistas brasileiros da época, colocou Aridae Lara Resende na imprensa e no debate públiconacional. Esta visibilidade e reconhecimento fo-ram importantes para sua participação na elabo-ração do Plano Cruzado, em 1986, e do PlanoReal, em 1993.

Os profissionais com origem na academia ge-ralmente tornam-se conhecidos do mercado aoprestar serviços de consultoria ou ao serem alça-dos a posições de direção no governo por cole-gas ou professores. Os relatos dos entrevistadose os perfis de carreira revelam a atração que aatividade de consultoria exerce sobre alunos e pro-fessores de Economia, Administração e Contabi-lidade. Em alguns centros de ensino, as empre-sas de consultoria estão dentro das próprias uni-versidades. Esta atividade paralela de consultoriaabre um caminho para a construção de carreirasambivalentes, que conciliam pesquisa e docênciacom atividades de prestação de serviços a em-presas privadas ou ao governo.

Estes professores ou alunos não aportam aomercado apenas conhecimento especializado,mas também prestígio acadêmico. Loureiro(1997) evidencia três critérios que determinam oprestígio dos consultores: 1) a relevância dospostos que ocuparam no governo, o conhecimen-to da máquina administrativa e as relações comatuais funcionários que esta passagem promoveu;2) a visibilidade na imprensa, com a publicaçãode artigos em jornais e revistas não-acadêmicas;3) o prestígio da universidade de origem (LOU-REIRO, 1997).

A transformação de acadêmicos respeitadosna sua área, mas desconhecidos do grande públi-co e sem capital político, em personalidades pú-blicas notáveis e com legitimidade para propor

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planos econômicos depende desses mecanismosde legitimação. O primeiro passo é opertencimento ou a passagem pelos principaiscentros acadêmicos na área monetária, comoPUC-Rio, EPGE-FGV-RJ e USP. Estas três uni-versidades constituem referência na área de polí-tica monetária e cambial no Brasil, e isso reflete-se nos currículos dos diretores do Banco Cen-tral. A maioria dos diretores de fora com cursode pós-graduação cursaram estas universidades.

Existe uma forte correlação entre a presençade colegas de universidade na diretoria de presi-dentes que desenvolveram carreiras ambivalentes,no mercado e na academia. Isso não ocorre ape-nas devido à afinidade intelectual e teórica neces-sária em qualquer equipe, mas por causa das co-nexões e relações de confiança entre ex-colegas,à semelhança das relações entre profissionais comexperiência profissional conjunta. Isto não signi-fica, é claro, que os presidentes só indiquem di-retores com formação na mesma faculdade que asua nem que a passagem pela mesma instituiçãogaranta, automaticamente, esta afinidade (recen-temente, dois renomados professores de Econo-mia da mesma instituição de ensino, e que ocupa-ram diretorias no Banco Central no mesmo perío-do, trocaram farpas publicamente por causa dediscordâncias teóricas).

A afinidade intelectual entre membros da equipenão revela apenas a importância dos relaciona-mentos promovidos no ambiente institucional dasfaculdades e que são acionados no processo denomeação. Ela também garante uma certa coesãoda equipe, uma afinidade de visões e de propósi-tos, que pode facilitar a tarefa do Presidente deassegurar-se sobre o desempenho futuro do no-meado. A afinidade intelectual garante a eficiên-cia do trabalho em equipe e o controle sobre osresultados da atuação dos nomeados.

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dois temas importantes permearam a discus-são deste trabalho, apesar de não terem sido tra-tados explicitamente: as relações entre Estado esociedade e a responsabilização governamental ou,na expressão mais freqüentemente utilizada na li-teratura, accountability. A análise das nomeaçõespara os cargos de confiança por meio das redessociais permite avançar as reflexões sobre estasquestões. O estudo das carreiras dos nomeadosa partir das redes sociais permite identificar mais

claramente o padrão de relação entre Estado esociedade. Este padrão deve ser levado em con-sideração nas análises sobre a accountability go-vernamental, na medida em que pode constituirum empecilho à institucionalização de mecanis-mos de responsabilização no processo de esco-lha dos ocupantes de cargos públicos de direção.

O profissional híbrido que circula na rede ex-perimenta a atividade de regulador, ao exercer aautoridade monetária como dirigente do BancoCentral, e a de regulado, ao trabalhar no mercadofinanceiro. Ele personifica a inter-relação entrecarreiras e conhecimentos específicos dos seto-res público e privado.

Existe um interesse recíproco do setor públi-co e do setor privado em relação aos conheci-mentos específicos produzidos em cada área. Esteinteresse tende a ser pequeno em relação ao co-nhecimento produzido em áreas com poucainterface com o mercado como, por exemplo, adiplomacia, cujo conhecimento tem pouca utili-dade para o setor privado, mas é muito grandenos campos em que o Estado atua como regula-dor do mercado, como na área financeira. Estadiferença reflete-se na forma de contratação dosfuncionários destas áreas: o Estado, por um lado,dedica recursos especificamente para o treina-mento e a formação dos futuros diplomatas, emvez de contratá-los “prontos” no mercado de tra-balho, mas, por outro, contrata operadores domercado financeiro para dirigir o Banco Central,de modo a beneficiar-se da expertise promovidapelas carreiras privadas na área financeira.

Este aproveitamento de competênciasconstruídas no mercado privado é tradicional nasdiretorias de política macroeconômica, como jávimos. Na última década, entretanto, ele tem ocor-rido de forma intensa na diretoria da área exter-na. Com a transformação das formas de financi-amento do Estado na década de 1990, caracteri-zada pela substituição dos empréstimos bancá-rios pela negociação no mercado de títulos e pelaatração de investimentos estrangeiros, o perfil dediretores da área externa alterou-se profundamen-te. Funcionários do Banco Central treinados emnegociações de dívida externa foram substituí-dos por profissionais de fora especializados emmercados financeiros internacionais e investimen-to estrangeiro e com experiência e circulação eminstituições internacionais de administração defundos de investimento (OLIVIERI, 2002).

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Quanto maior o interesse do setor privado noconhecimento produzido dentro do Estado me-nor a diferenciação entre elite pública e elite pri-vada (SCHNEIDER, 1995). Esta proximidadecaracteriza o profissional híbrido. Ela também éum dos fatores que materializa a autonomiainserida, ou, na expressão original, a embeddedautonomy, ou seja, uma forma de relacionamentoentre a sociedade e uma instituição estatal em queos contatos entre a sociedade e a instituição nãocaracterizam-se pelo insulamento em relação àsociedade, mas ocorrem por meio de uma certapermeabilidade (EVANS, 1995). No caso do Ban-co Central brasileiro, esta permeabilidade estabe-lece-se pela rede social de relacionamentos pes-soais e profissionais.

Segundo Ben Schneider (1995), a caracteri-zação da inserção autônoma, ou embeddedness,da instituição a partir da trajetória de carreira dosprofissionais não é fácil, no caso do Brasil, por-que estas trajetórias são muito diversificadas, pro-movendo lealdades múltiplas e sobrepostas(ibidem). Os servidores podem ligar-se a seuspróprios órgãos ou a outros grupos políticos, eessa rotatividade desarticula as ligações pessoaisque caracterizam os anéis burocráticos (ibidem).Para Schneider, a circulação pode reduzir a forçadesses vínculos, reduzindo a embeddedness.

Entretanto, se pensarmos em termos de umarede de relações, e não apenas em carreiras indi-viduais e rotatividade de cargos, podemos perce-ber de forma mais acurada o padrão daembeddedness. A circulação entre as diversas ins-tituições públicas, privadas e da área acadêmicaaporta aos profissionais uma variedade de expe-riências profissionais e de conhecimentos, aumen-tando suas habilidades e competências. Este pro-cesso reforça-se automaticamente, pois a multi-plicação de vínculos pessoais e profissionais de-corrente da circulação aumenta a probabilidadede o profissional receber convites para trabalharem outras instituições, bem como a quantidadede pessoas que podem atestar seu desempenho.A rede pode ter o efeito contrário ao darotatividade, como esta foi concebida porSchneider (1995), porque mantém estas ligaçõesao longo do tempo, mesmo quando seus mem-bros não estão ocupando cargos de direção nogoverno. A fraqueza dos laços entre os profissio-nais não extingue a rede nem a condena a desa-parecer; a rede tem a propriedade de emergir ou

submergir, conforme seus membros estejam, res-pectivamente, ocupando algum cargo no gover-no ou não. A rede não desfaz-se com a circula-ção; pelo contrário, ela alimenta-se justamente dacirculação.

Além de caracterizar a embeddedness, a redetambém contribui para o controle do Presidenteda República sobre a burocracia ao criar meca-nismos de aferição de competências dos nomea-dos e ao promover habilidades de comunicação enegociação, necessárias aos policymakers.

A nomeação para os cargos de direção é umdos principais instrumentos de controle do Presi-dente da República sobre a burocracia3 (WOOD& WATERMAN, 1991). A escolha dos ocupantesdos cargos de livre provimento é uma das for-mas pelas quais os políticos podem garantir quea burocracia trabalhe de acordo com a agenda dogoverno, ou seja, é instrumento para direcionaros esforços da burocracia para a consecução dosobjetivos dos políticos eleitos.

Analisando a responsabilidade e aaccountability governamentais a partir da relaçãoentre ministros e seu staff estável na Austrália,Delmer Dunn aponta como a comunicação é es-sencial para conciliar a perspectiva do políticocom a do burocrata. Habilidades de comunicaçãoe negociação são elementos importantes na defi-nição de uma relação complementar entre políti-cos e burocratas (DUNN, 1999). Uma boa co-municação permite a definição e a informação cla-ras das decisões do Ministro à burocracia e adelimitação das responsabilidades dos burocratasperante seus superiores. A falta de comunicaçãogera uma relação de desconfiança entre políticose burocratas, que pode emperrar o trabalho e, nolimite, impedir a responsabilização e aaccountability.

As condições de responsabilização entre polí-ticos e burocratas podem ser promovidas pelascapacidades de negociação e conciliação de inte-resses desenvolvidas na rede. Essas capacidadenão aumentam apenas a eficiência do desempe-nho do governo, como já vimos, mas também a

3 As outras formas de controle da burocracia, segundoWood e Waterman (1991), são: controle orçamentário, re-organização da estrutura administrativa, monitoramento elegislação.

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accountability horizontal. Além disso, a rede so-cial também contribui para a accountability hori-zontal ao suprir a ausência de instrumentos for-mais definidores de critérios de escolha dos no-meados, garantindo uma certa segurança ao Pre-sidente sobre o desempenho futuro dos nomea-dos. Contudo, o papel da rede como forma deaferição de competências pode reduzir aresponsabilização entre governantes e governa-dos (accountability vertical). A rede tem, portan-to, efeitos ambivalentes sobre a accountability. Arede restringe a possibilidade de escrutínio públi-co sobre a definição e aferição dos critérios denomeação, pois eles são “negociados” entrenomeador e nomeado; ainda que esta negociaçãonão seja puramente privada, pois a rede amplia asinstâncias institucionais intervenientes, ela tam-bém não é propriamente pública, ou seja, realiza-da sob as vistas do público.

A possibilidade de escrutínio público sobre aoatos do governo, como a escolha para os cargosde confiança, determina, em boa parte, as condi-ções de responsabilização entre governantes egovernados. Neste sentido, a forma como a redefunciona contribui para a redução da transparên-cia da escolha dos dirigentes públicos, pois ummecanismo fundamental da partilha do poder noBrasil – a distribuição dos cargos do governo –fica à margem do debate e do escrutínio públi-cos. A afirmação de que os critérios de nomeaçãosão puramente técnicos é ingenuidade, ignorân-cia ou, o que é pior, uma forma de tentar retirar adecisão sobre a distribuição dos cargos do âmbi-to do debate público.

O mecanismo clássico de escrutínio públicodas nomeações de dirigentes públicos é a confir-mação da indicação do poder Executivo pelo po-der Legislativo após argüição pública. Entre 1988e 19994, o Senado aprovou todas as indicaçõesde diretores e presidentes do Banco Central apre-sentadas pelo Presidente da República(ANASTASIA, 2000). Este alto nível de aprova-ção (100% de aprovação) pode ser consideradoforte indicador da indiferença da participação doSenado no processo de provimento. Ou seja, o

Senado não estaria cumprindo seu papel de ins-tância de controle sobre o governo ou, pelo me-nos, sobre as nomeações políticas.

Como ainda não há estudos específicos sobreo papel do poder Legislativo no processo de pro-vimento de cargos no Brasil, não se pode afirmarque o papel do Senado seja desprezível, ainda queconstate-se a inexistência de veto formal do Se-nado aos nomes apresentados pelo Presidente daRepública. Nos Estados Unidos, a influência doSenado no processo de provimento aos cargosda administração federal não expressa-se na vo-tação contra os nomes apresentados pelo poderExecutivo, mas na elevada consideração das pre-ferências do Senado pelo governo na própria es-colha dos nomes a serem indicados (MACKENZIE& SHOGAN, 1996). Não pode-se, portanto, des-prezar a hipótese da relevância do papel do Sena-do na aprovação das indicações, pois ela podemanifestar-se em negociações anteriores à vota-ção da indicação.

Nas entrevistas, os ex-diretores referiram-seaos debates sobre política macroeconômica pro-movidos durante a sessão de argüição como po-bres e irrelevantes, o que a leitura das atas dassessões confirma. Entretanto, eles ressaltaram aimportância da sabatina como mecanismo de ga-rantia do controle democrático e da transparên-cia das ações do governo. A exposição públicados nomes dos indicados promoveria, na opiniãodos entrevistados, possibilidade maior de contro-le democrático sobre as nomeações para o órgãode direção da política econômica. Pessoas semqualificação ou cuja atividade profissional impli-casse conflitos de interesse seriam mais facilmenteimpedidas de assumir postos tão importantes pelofato de o Senado controlar as indicações em pro-cesso público e transparente. São hipóteses queaguardam verificação.

Este trabalho ressaltou alguns aspectos dasnomeações que podem promover aresponsabilização, e apontou fatores potencialmen-te redutores da accountability. Estudos nesta áreaprecisam ser aprofundados. Mas o trabalho con-tribuiu para a delimitação e compreensão de ele-mentos fundamentais das análises das instituiçõesque promovem, ou não, a accountability do go-verno, como as relações entre políticos e buro-cratas, a distribuição de atribuições e responsabi-lidades entre estes dois atores e os efeitos dasnomeações nesta relação.

4 A Constituição Federal de 1988 estabeleceu aobrigatoriedade da argüição pública e da aprovação dasindicações à diretoria do Banco Central pelo Senado Fede-ral (BRASIL, 2002, art. 52, III, alínea d).

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Cecília Olivieri ([email protected]) é Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo(USP), Professora da Faculdade Santa Marcelina (FASM) e doutoranda em Administração Pública eGoverno na Escola de Administração de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 227-230 NOV. 2007

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POLITICS, BUREAUCRACY AND SOCIAL NETWORKS: THE CASE OF NOMINEES FORHIGH LEVEL POSITIONS WITHIN THE BRAZILIAN CENTRAL BANK (BANCO CEN-TRAL DO BRASIL)

Cecília Olivieri

The study of nominees to high level positions within the Brazilian Central Bank (Banco Central doBrasil) through social network analysis enables us to understand fundamental aspects of the Brazilianpolitical and administrative system. Choice of public administrators affects the governability andgoverning of the country. The exchange of positions for parliamentary support can work to guaranteegovernment stability, but it may also reduce the president’s control over bureaucracy and themanagement of public policies. Social network analysis makes it possible to determine what criteriahave been used in the choice of public administrators, revealing new patterns of State-society interfaceand paving the way for the study of accountability in the relationship between public administratoresand bureaucracy, and between government and society.

KEYWORDS: nominations; bureaucracy; social networks; Banco Central do Brasil; accountability.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 233-236 NOV. 2007

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POLITIQUE, BUREAUCRATIE ET RÉSEAUX SOCIAUX: LES NOMINATIONS AUX POS-TES MAJEURS DE LA BANQUE CENTRALE DU BRÉSIL

Cecília Olivieri

L’étude des nominations aux postes majeurs de la direction de la Banque Centrale du Brésil aumoyen d’analyses de réseaux sociaux nous permet de compreendre les aspects fondamentaux dusystème politico-administratif brésilien. Le choix des dirigeants du secteur public touche la gouvernabilitéet la gouvernance du pays. L’échange de postes et d’appui parlementaire au gouvernement assuresa stabilité. Par contre, cela peut diminuer le contrôle du président de la République sur la bureaucratieet la direction des politiques publiques. L’analyse de réseaux sociaux aide à connaitre l’organisationdes critères de choix des dirigeants du système public, révèle de nouveaux modèles d’interface entrel’État et la société et illlumine l’étude de l’accountability entre dirigeants publics et la bureaucracieet entre le gouvernement et la société.

MOTS-CLÉS: nommination; bureaucracie; réseaux sociaux; Banque centrale; l’accountability.

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