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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP TAÍSA SILVA REQUE AS DIMENSÕES DO USO DA EXPRESSÃO “REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO” NO CONTEXTO DA GUERRA-FISCAL DO ICMS MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

TAÍSA SILVA REQUE

AS DIMENSÕES DO USO DA EXPRESSÃO “REDUÇÃO DA BASE DE

CÁLCULO” NO CONTEXTO DA GUERRA-FISCAL DO ICMS

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

TAÍSA SILVA REQUE

AS DIMENSÕES DO USO DA EXPRESSÃO “REDUÇÃO DA BASE DE

CÁLCULO” NO CONTEXTO DA GUERRA-FISCAL DO ICMS

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Tributário, sob a orientação do Prof. Dr. ROQUE ANTONIO CARRAZZA.

SÃO PAULO

2016

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Banca Examinadora

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Na condição de bolsista da CAPES,

agradeço a esta instituição pelo

financiamento desta pesquisa.

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Aos meus pais, João e Sandra, e a minha

irmã Natália, pelo amor incondicional.

E ao meu amor Eurico.

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AGRADECIMENTOS

A conclusão desta dissertação de mestrado não seria possível sem a

compreensão daqueles que fazem parte do meu dia a dia. A todos vocês, os meus

agradecimentos:

A minha amada família, a quem devo tudo o que sou e conquistei.

Ao meu tio Paulinho pela colaboração na revisão deste trabalho.

Ao meu amor Eurico de Santi pelo incentivo e ajuda fundamental para a

conclusão desta pesquisa.

Ao meu querido chefe Robson Maia, pela compreensão e disponibilidade

para discussão sobre os temas deste trabalho.

As amigas e colegas de sala Marcela Maia e Marília Bezzan e ao Marcelo

Rocha, contemporâneo no mestrado e companheiro no desespero desta reta final.

Aos colegas da Barros Carvalho Advogados Associados e do Instituto

Brasileiro de Direito Tributário - IBET pelo convívio diário.

As minhas amigas de longa data, companheiras do ballet e da PUC, que

agradeço na pessoa da Lícia Porfírio, pela ajuda com o inglês jurídico.

E, finalmente, ao meu orientador Roque Antonio Carrazza, pela

disponibilidade e precisão na orientação deste trabalho.

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RESUMO

A concessão de incentivos fiscais pelos Estados no âmbito do ICMS com

o objetivo de atrair investimentos é prática recorrente e antiga: durante a vigência do

extinto Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC) já se praticava o que

denominamos de "guerra fiscal".

Nosso intuito com este trabalho é ressaltar o abuso dessa prática com

foco no conceito "redução da base de cálculo", demonstrando que conceitualmente

ela não pode ser equiparada a isenção (parcial), mas que ainda assim o seu uso é

feito de forma abusiva com intuito de fomentar ainda mais o conflito entre os

Estados.

Com uma legislação tributária excessivamente complexa e onerosa, que

acaba por estimular esse tipo de prática, o problema da guerra fiscal se torna cada

vez difícil de resolver, prejudicando contribuintes que ficam submetidos ao poder dos

Estados, que por sua vez manipulam os conceitos jurídicos procurando contornar

legislações, princípios e jurisprudências.

Palavras Chaves: Redução da base de cálculo. Isenção, Convênios, Lei específica,

Guerra Fiscal, ICMS.

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ABSTRACT

The granting of ICMS tax incentives by States in order to attract

investments is a recurrent and old practice: it was already practiced during the term

of the former Tax on Sales and Consignment (IVC), collaborating to what we call "tax

competition".

Our goal with this study is to demonstrate the abuse of this practice,

focusing on "reduction of the tax basis", demonstrating that, conceptually, it cannot

be equated with exemption (partial), but still its use is done improperly encouraging

yet plus the dispute between federal entities.

With an overly complex and burdensome tax law, which ultimately

stimulates this type of practice, the problem of the tax competition becomes

increasingly more difficult to solve, affecting taxpayers who are subject to the power

of States, who handle the legal concepts violating the law, the principles and the

jurisprudence.

Keywords: Reduction of the tax basis, Exemption, Covenants, Specific law, Tax

Competition, ICMS.

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LISTA DE ABREVIATURAS

ADCT Atos das Disposições Constitucionais Transitórias

ADPF Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental

ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade

CONFAZ Conselho Nacional de Política Fazendária

CF Constituição Federal

CTN Código Tributário Nacional

EC Emenda Constitucional

IVA Imposto sobre o valor Agregado

IVC Imposto sobre Vendas e Consignações

IVM Imposto sobre Vendas Mercantis

ICM Imposto sobre Circulação de Mercadorias

ICMS Imposto Sobre Operações de Circulação de Mercadorias e de

Prestação de Serviços de Comunicação e de Transporte

interestadual e intermunicipal

LC Lei Complementar

Min. Ministro

RE Recurso Extraordinário

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

TVA Taxe sur la Valeur Ajoutée

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS ...................................................... 19

1.1. Competência Legislativa Tributária ................................................................ 23

1.1.1. Atributos da Competência Tributária ....................................................... 26

1.1.1.1 O ICMS como exceção ao atributo da facultatividade das

competências tributárias ................................................................................. 27

1.1.2. Conflitos de Competência no ICMS e a Delegação para o CONFAZ editar

Convênios ......................................................................................................... 28

1.2. Concretização da Competência Legislativa Tributária e a Estrutura da Regra

Matriz de Incidência .............................................................................................. 29

1.2.1. Critérios que compõem a regra matriz de incidência tributária ............... 30

1.2.2. Base de Cálculo ...................................................................................... 33

1.2.3. Regra Matriz de Incidência do ICMS ...................................................... 37

1.3. Competência Administrativa Tributária e Incidência ...................................... 40

1.3.1. Teorias sobre a Incidência ...................................................................... 41

1.3.2. As formas de constituição da obrigação tributária .................................. 45

1.4. Isenção Tributária .......................................................................................... 51

1.4.1. Isenção Tributária como espécie do gênero Benefício Fiscal ................. 51

1.4.2. Teorias sobre a isenção .......................................................................... 52

1.4.3. Da interpretação da expressão “parcial” no conceito de isenção de Paulo

de Barros Carvalho ........................................................................................... 56

1.5. Redução da Base de Cálculo ......................................................................... 59

1.6. Considerações sobre os conceitos Redução da Base de Cálculo e sua

Equiparação a Isenção (parcial) ............................................................................ 62

CAPÍTULO 2 – CONVÊNIOS CONFAZ E A DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA

PREVISTA NO ART. 155, §2º, XII, "g" DA CF ......................................................... 64

2.1. Instituição dos Convênios CONFAZ ............................................................... 65

2.2. A exigência de unanimidade dos Estados ..................................................... 69

2.3. Convênios Impositivos, Autorizativos e a Delegação de Competência

Constitucional ........................................................................................................ 72

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2.3.1. A dissociação entre a natureza autorizativa dos convênios e a

necessidade de sua implementação pelos Estados ......................................... 75

CAPÍTULO 3 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO USO DA EXPRESSÃO “REDUÇÃO

DA BASE DE CÁLCULO” NA CONSTITUIÇÃO E NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA

.................................................................................................................................. 82

3.1. Origens da Guerra Fiscal do ICMS na Transição do IVC para o ICM com a

Emenda Constitucional nº 18 de 1965 e a Instituição do Princípio da Não

Cumulatividade ..................................................................................................... 82

3.2. Constituição Federal de 1967: confirmação do princípio da não

cumulatividade e manutenção do regramento geral do ICM ................................. 86

3.3. Emenda Constitucional nº 1 de 1969: a reação institucional para barrar a

concessão unilateral de isenções pelos Estados .................................................. 86

3.4. A Regulamentação dos Convênios pela Lei Complementar nº. 24 de 1975 .. 87

3.5. Reação do STF para impedir a ação dos Estados de exigir o cancelamento

dos créditos de operações beneficiadas com isenção, em defesa do princípio da

não cumulatividade ............................................................................................... 88

3.6. Pressão dos Estados para diminuir os prejuízos decorrentes das concessões

unilaterais de isenção que culminou com a Emenda Constitucional nº 23 de 1983

.............................................................................................................................. 88

3.7. Nova vitória dos Estados com a Constituição Federal de 1988 que estendeu a

restrição ao crédito também às operações anteriores à isenção ou não incidência

e a Inserção da Necessidade de Lei Específica para Concessão de Benefícios

Fiscais pela EC nº 3 de 1993 ................................................................................ 89

3.8. A origem dos conflitos dos casos Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina

e Santa Lúcia ........................................................................................................ 91

CAPÍTULO 4 – REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO DA

LEGALIDADE ........................................................................................................... 92

4.1. Princípio da legalidade ................................................................................... 92

4.2. O uso da expressão “redução da base de cálculo” como violação ao princípio

da legalidade ......................................................................................................... 95

4.2.1. O uso da redução da base de cálculo como afronta à exigência de

estipulação de alíquotas do ICMS pelo Senado Federal .................................. 96

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4.2.2. O uso da redução da base de cálculo como afronta à necessidade de lei

estadual para fixação de alíquotas ................................................................... 99

4.2.3. O uso da redução da base de cálculo como afronta à obrigatoriedade de

lei para concessão de isenção ........................................................................ 101

4.2.4. A redução de base de cálculo manteve-se ativa na função de afrontar a

legalidade, apesar da obrigatoriedade de celebração de convênios (LC 24/75)

........................................................................................................................ 102

4.2.5. Restrição ao aproveitamento de crédito introduzida pela EC nº 23/83

aumentou a importância da redução da base de cálculo para os Estados ..... 103

4.2.6. O uso da redução da base de cálculo manteve-se vantajoso, apesar da

exigência de lei específica introduzida pela EC nº 3 de 1993 ......................... 105

4.2.6.1. O termo “lei específica” na interpretação do STF ............................ 106

CAPÍTULO 5 - REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO DA NÃO

CUMULATIVIDADE ................................................................................................ 112

5.1. Princípio da não cumulatividade .................................................................. 112

5.2. A impossibilidade de restrição dos créditos decorrentes de redução da base

de cálculo ............................................................................................................ 117

5.3. O uso da expressão “redução da base de cálculo” como violação ao princípio

da não cumulatividade ........................................................................................ 119

5.3.1. Reação dos Estados frente às decisões do Supremo Tribunal Federal 121

5.3.2. Nova confirmação do princípio da não cumulatividade com o RE nº

161.031/MG (caso Camargo Soares) ............................................................. 122

5.3.3. Reação dos Estados culminando com o RE nº 174.478/RS (caso

Monsanto) ....................................................................................................... 123

CAPÍTULO 6 - REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO FEDERATIVO

................................................................................................................................ 125

6.1. Princípio federativo ...................................................................................... 125

6.2. O princípio federativo e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ...... 129

6.2.1. RMS nº 17949/ES: cobrança de tributo mais oneroso para operações

que destinassem mercadoria para fora do Estado .......................................... 129

6.2.2. ADI nº 349-6/DF: aumento da base de incidência dos produtos

destinados para fora do Estado. ..................................................................... 130

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6.2.3. ADI nº 3.389/RJ: concessão de redução de base de cálculo pelo Estado

do Rio de Janeiro para mercadorias produzidas exclusivamente em seu

território ........................................................................................................... 131

6.2.4. ADI nº 3410/MG: concessão de redução de base de cálculo aliada à

exigência de antecipação do recolhimento do tributo como afronta ao art. 152

da CF .............................................................................................................. 133

6.2.5. RE nº 635.688/RS (caso Santa Lúcia): concessão de redução de base de

cálculo aliada à exigência de cancelamento dos créditos como afronta ao art.

152 da CF ....................................................................................................... 135

CAPÍTULO 7 – USO DA EXPRESSÃO REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO NA

JURISPRUDÊNCIA DO STF .................................................................................. 138

7.1. O uso da expressão redução da base de cálculo culminando em conflitos a

serem decididos pelos STF ................................................................................. 139

7.2. Caso Camargo Soares (RE nº 161.031/MG): Decisão paradigmática do

Ministro Marco Aurélio que diferenciava os conceitos de isenção e redução de

base de cálculo em defesa do princípio constitucional da não cumulatividade ... 141

7.3. Caso Monsanto (RE nº 174.478/SP): Decisão que superou a jurisprudência

anterior do Min. Marco Aurélio equiparando redução de base de cálculo ao

conceito de isenção parcial ................................................................................. 142

7.4. Caso Santa Catarina (ADI nº 2.320/SC): Decisão que manteve a equiparação

dos conceitos (“isenção” e “redução de base de cálculo”), mas não analisou a

abrangência do termo “legislação” empregado pelo art. 155, § 2º, II da CF ....... 145

7.5. Caso Santa Lúcia (RE nº 635.688/RS): consolidação em sede de repercussão

geral da equiparação dos conceitos de isenção e redução da base de cálculo,

porém restando abertas as indefinições sobre o tema ........................................ 148

7.6. Desafios do STF no tema da “Redução da Base de Cálculo” ...................... 152

7.7. A Proposta de Súmula Vinculante nº 69 do STF não sinaliza solução para o

problema da guerra fiscal .................................................................................... 153

CONCLUSÕES ....................................................................................................... 157

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 164

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INTRODUÇÃO

A guerra fiscal do ICMS, desde sua origem, caracteriza-se pela existência

de conflitos que envolvem distorções de conceitos jurídicos pelos entes estatais que

mediante subterfúgios, buscam contornar os limites legais do ordenamento jurídico.

O foco deste trabalho é a análise das dimensões do uso da expressão

“redução da base de cálculo” como forma jurídica para os Estados oportunamente

exercitarem a guerra fiscal do ICMS, sem se submeter aos limites e efeitos

decorrentes das restrições legais impostas aos conceitos jurídicos de alíquota e

isenção. No processo de pesquisa, foram identificados quatros acórdãos do

Supremo Tribunal Federal que representam a evolução da jurisprudência sobre o

tema.

No RE nº 161.031/MG (caso Camargo Soares), o STF entendeu que os

conceitos de redução de base de cálculo e isenção (parcial) não se equiparam. Em

decorrência disso, a exceção ao princípio da não cumulatividade que proíbe o

aproveitamento de créditos nos casos de isenção (art. 155, §2º, II da CF), não

poderia ser aplicada aos casos de redução de base de cálculo, restando garantido,

então, o direito ao crédito do contribuinte.

O RE nº 174.478/SP (caso Monsanto) marcou a mudança de

entendimento do STF que passou a equiparar os conceitos de redução da base de

cálculo e isenção parcial. Assim, a aplicação do art. 155, §2º, II da CF passou a ser

possível, permitindo o cancelamento/estorno dos créditos nos casos de base de

cálculo reduzida.

Na ADI nº 2.320/SC (caso Santa Catarina), manteve-se a equiparação

dos conceitos, porém foi autorizada a manutenção dos créditos decorrentes das

operações com redução de base de cálculo, isto porque os ministros entenderam

que havia lei estadual permitindo esta manutenção, e apesar do art. 155, §2º, II da

CF determinar o estorno dos créditos, ressalva a hipótese de previsão em

“legislação” em contrário. Ocorre que neste acórdão não ficou claro se apenas lei

estadual poderia autorizar a manutenção dos créditos, ou se também convênio

entraria no conceito de “legislação”.

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Finalmente, no RE nº 635.688/RS (caso Santa Lúcia), o STF, em sede de

repercussão geral, pacificou-se a equiparação dos conceitos de redução de base de

cálculo e isenção parcial. Entendeu que os convênios são meramente autorizativos e

concluiu que a falta de lei prevendo a manutenção dos créditos permite o seu

cancelamento.

Assim, verifica-se que os quatro casos revelam a intensão dos Estados

em contornar a restrição ao direito ao crédito prevista para os casos de isenção (art.

155, §2º, II da CF), por meio da utilização da redução da base de cálculo. E

posteriormente pretendem a equiparação desses conceitos judicialmente para

garantir o cancelamento dos créditos aumentando a arrecadação.

O uso da expressão “redução da base de cálculo” envolve problema de

competência tributária na medida em que se procura definir se os Estados possuem

autorização restringir o direito ao crédito nas hipóteses de base de cálculo reduzida.

No primeiro capítulo serão tratados, então, os conceitos fundamentais

ligados à competência: (i) a visão estática da competência legislativa tributária,

permitirá a compreensão sobre as limitações dos Estados no que diz respeito a

instituição e regulamentação do ICMS; (ii) a concretização da competência

legislativa, mediante a estrutura da regra-matriz de incidência, tratará da relação

entre a base de cálculo e alíquota e (iii) a realização da competência administrativa

pela via da incidência, possibilitará a demonstração da distinção entre os conceitos

de isenção e redução de base de cálculo.

No segundo capítulo serão tratados os problemas decorrentes da

delegação de competência aos convênios/CONFAZ que induziu o surgimento da

dualidade: (i) convênios autorizativos, que devolvem aos Estados a liberdade para

concederem ou não os benefícios por meio de suas legislações estaduais e (ii)

convênios impositivos, que mantém a competência do CONFAZ, determinando a

obrigatoriedade de todos os Estados instituírem benefícios fiscais.

No terceiro capítulo será traçada a evolução histórica da guerra fiscal

ressaltando as alterações legislativas realizadas ao longo dos anos com o objetivo

de fortalecer a Federação e solucionar o problema da guerra fiscal. Será visto, no

entanto, que estas alterações não foram bem-sucedidas, uma vez que os Estados

frequentemente desrespeitam os limites impostos a eles institucionalmente. Este

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capítulo irá evidenciar o jogo de ação dos Estados para despistar as limitações

legais que lhe são impostas e reação institucional para conter estas ações.

Nos capítulos quatro, cinco e seis, será destacada a manipulação do

conceito de redução de base de cálculo pelos Estados como forma de evitar a

incidência dos limites impostos pelos princípios da legalidade, da não cumulatividade

e federativo.

Dessa forma, no quarto capítulo será demonstrado como o conceito

“redução da base de cálculo” surgiu para evitar a exigência de: (i) estipulação de

alíquotas do ICMS pelo Senado Federal; (ii) lei estadual para fixação de alíquotas; e

(iii) lei para concessão de isenção; em nítida afronta ao princípio da legalidade.

No quinto capítulo será demonstrada a violação ao princípio da não

cumulatividade, na medida em que a pretensão de equiparar o conceito de redução

de base de cálculo com o conceito de isenção (parcial) torna cumulativo o ICMS sem

autorização constitucional.

E no sexto capítulo se demonstrará a violação ao princípio federativo na

medida em que a utilização da redução de base de cálculo pelos Estados busca

contornar a proibição de distinção tributária em razão da origem do bem.

Já no último capítulo serão relatados os quatro acórdãos do STF (caso

Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia) envolvendo a concessão

de redução de base de cálculo, com o objetivo de destacar que a forma como a

redução da base de cálculo passou a ser utilizada pelos Estados fomenta a guerra

fiscal e transmite ao poder judiciário o dever de solucioná-la. No entanto, o que esta

pesquisa sinaliza é que os conflitos estão longe de terminar, pois a capacidade

institucional do STF resolver os problemas da guerra fiscal do ICMS é menor que o

interesse e a criatividade jurídica dos Estados.

Método

A pesquisa será desenvolvida por meio de uma análise sistemática do

ordenamento jurídico. Far-se-á uma análise da legislação pátria, bem como da

doutrina especializada (pesquisas bibliográficas e artigos publicados), além de

extensa pesquisa jurisprudencial realizada perante o Supremo Tribunal Federal.

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Partiremos da premissa de que o conhecimento é redutor de

complexidades1 na medida em que visa tornar o objeto cognoscente menos

complexo. De acordo com a filosofia da linguagem, inaugurada por Ludwig

Wittgenstein, a linguagem é condição para que haja conhecimento, porquanto

somente ela revela o significado do objeto a ser conhecido que, por sua vez, verifica-

se no mundo da experiência2.

Ou seja, a mera apreensão das coisas pela experiência concreta não é

suficiente para que o conhecimento se solidifique, sendo imprescindível que os

dados, empiricamente recolhidos pelos sentidos do ser cognoscente, sejam

revestidos em linguagem.

O conhecimento científico pressupõe linguagem rigorosa, o que torna

necessário que o cientista opte por um método3 e delimite o objeto que pretende

conhecer (corte metodológico4). A depender do método adotado, diferentes serão as

regras aplicáveis às proposições resultantes da aproximação com o objeto.5

Dessa forma, o método aqui empregado será a análise linguística6 do

direito positivo. E sendo este (o direito positivo7) o objeto do presente estudo, tratar-

1 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método, São Paulo: Noeses, 2013, p. 7. 2 Não há, portanto, compreensão fora da linguagem. “Mediante a superação da dualidade sujeito-objeto, intermediado pela linguagem, esta deixa de ser terceiro elemento que serviria de instrumento ao conhecimento do mundo. Ao contrário. A linguagem, sob esta concepção, passa a ser responsável pela própria construção (conhecimento) do objeto que se pretende conhecer. O sujeito cognoscente do objeto é representado na linguagem e, a partir desta perspectiva, compreende o objeto a ser conhecido. Abandona-se a máxima metafísica da existência do objeto em si, ‘entificado’. Não há compreensão desvinculada da linguagem. Há, portanto, mudança de concepção em relação à possibilidade de se conhecer o ‘objeto em si’, enquanto ente.” PISCITELLI, Thatiane dos Santos. Os limites à interpretação das normas tributárias. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 23. 3 “(…) empregaremos o signo ‘método’ no sentido de caminho a ser percorrido pelo cientista para a justificação de suas asserções, ou seja, são os instrumentos utilizados pelo cientista para se aproximar (approach) do objeto (entendido o ‘objeto’ sempre em um sentido lingüístico).” MOUSSALLÉM, Tárek Moysés. Fontes do direito tribuário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 9. 4 “Corte metodológico é o ato lingüístico delineador da linguagem do objeto de estudo. Vale ressaltar que a aludida incisão ocorre mediante o processo de abstração, operação lingüística consistente em prescindir partes de um todo. Ademais, esta separação é medida arbitrária do sujeito cognoscente. Não se encontra sujeita a contestações. É pressuposto epistemológico.” MOUSSALLÉM, Tárek Moysés, Fontes do direito tribuário, p. 11. 5 Enunciados produzidos de acordo com um método não se relacionam com enunciados resultantes de outro. “Por ejemplo: ‘la concepción del mundo del señor Copérnico atenta contra las convicciones religiosas de nuestra comunidad’. Este enunciado no discute la veracidad o la falsidad de la teoría copernicana sino su valor moral de acuerdo com los presupuestos religiosos de una sociedad.” SCAVINO, Dardo. La filosofia actual: pensar sin certezas. Buenos Aires: Paidós, 2007, p. 67. 6 “A reviravolta lingüística do pensamento filosófico do século XX se centraliza, então, na tese

fundamental de que é impossível filosofar sobre algo sem filosofar sobre a linguagem, uma vez que

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se-á com especial atenção as normas jurídicas constitucionais e infraconstitucionais

que disciplinam a forma de concessão de benefícios fiscais. O objetivo é demonstrar

os problemas decorrentes do uso da expressão “redução da base de cálculo” (corte

metodológico) pelos Estados e os prejuízos causados a Federação com o aumento

dos casos de guerra fiscal.

Espera-se, então, que ao final da pesquisa, consiga-se demonstrar que a

utilização da expressão redução da base de cálculo não é proibida pelo

ordenamento jurídico pátrio, porém o seu emprego para conceder benefícios fiscais

no âmbito do ICMS, visa contornar as disposições constitucionais, legais e a

jurisprudência, trazendo insegurança jurídica aos contribuintes e aos Estados.

esta é o momento necessário constitutivo de todo e qualquer saber humano, de tal modo que a formulação de conhecimentos intersubjetivamente válidos exige reflexão sobre sua infra-estrutura lingüística.” OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 2006, p. 13. Neste contexto, Fabiana Del Padre Tomé assevera que: “(…) o fenômeno do conhecimento não se opera entre um sujeito cognoscente e um objeto da experiência, pois qualquer coisa do mundo lá fora só passa a ser suscetível de se conhecer quando apreendida pelo ser humano, que a constitui lingüisticamente. Conhecer não significa a apreensão mental de um objeto da existência concreta. Ao contrário, é o intelecto que produz os objetos que conhecemos.” A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 2. 7 O direito positivo, para nós, é o conjunto de normas voltadas para a regulação das condutas humanas. Na lição de KELSEN: “o Direito (…) é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. (…) Dizemos que se dirigem intencionalmente à conduta de outrem não só quando, em conformidade com seu sentido, prescrevem (comandam) essa conduta, mas também quando a permitem e, especialmente, quando conferem o poder de realizar, isto é, quando a outrem é atribuído um determinado poder, especialmente o poder de ele próprio estabelecer normas”. Abrange, portanto, tanto as normas expedidas pelo Legislativo (leis), quanto aquelas expedidas pela Administração e pelo Judiciário. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 51.

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CAPÍTULO 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Ser competente é estar habilitado a fazer algo. É poder jurídico de exercer

deliberação sobre dado campo material: atributo de agente prescrever conduta,

mediante exercício da atividade de produção normativa8. O uso da expressão

“redução da base de cálculo” aparece em vários planos do processo de

concretização da competência tributária: demarcação constitucional, definições de

lei complementar, edição de convênios, elaboração de lei estadual, respectiva

regulamentação, aplicação administrativa e solução dos conflitos decorrentes desse

processo através do Poder Judiciário.

O problema do abuso da expressão “redução de base de cálculo” teve

seu ápice com o recente julgamento do caso Santa Lúcia, em sede de repercussão

geral. Este e outros três casos (Camargo Soares, Monsanto e Santa Catarina)

apresentam problema comum ligado ao exercício da competência tributária: todos

discutem a possibilidade de equiparação dos conceitos de isenção e redução da

base de cálculo para fins de determinar se os Estados tem competência para

restringir o direito ao crédito nos casos de concessão de redução de base de

cálculo, com base na regra prevista no art. 155, §2º, II da Constituição Federal que

apenas permite a restrição nos casos de isenção ou não incidência.

O ordenamento jurídico brasileiro é composto por normas jurídicas9 que

organizadas sistematicamente orientam todo o seu funcionamento. Adota-se neste

trabalho o conceito de ordenamento como sinônimo ao de sistema10, consistindo,

8 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 76-112. 9 Paulo de Barros Carvalho distingue as normas jurídicas da seguinte forma: “(...) ‘normas jurídicas em sentido amplo’ para aludir aos conteúdos significativos das frases do direito posto, vale dizer, aos enunciados prescritivos, não enquanto manifestações empíricas do ordenamento, mas como significações que seriam construídas pelo intérprete. Ao mesmo tempo, a composição articulada dessas significações, de tal sorte que produza mensagens com sentido deôntico-jurídico completo, receberia o nome de ‘normas jurídicas em sentido estrito’” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 135- grifamos) 10 Há quem diferencie ordenamento e sistema, sendo este a forma elaborada, interpretada e organizada dos enunciados prescritivos e aquele, o texto bruto tal qual foi posto pelo legislador. Dessa forma, a ciência do direito alcançaria o status de sistema, mas o direito positivo não. No entanto, não se pode concordar com esta posição. Entende-se neste trabalho que direito positivo

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pois, em um conjunto de regras e princípios organizados de acordo com um

fundamento comum11.

As normas jurídicas que compõem esse sistema, segundo a

nomenclatura adotada por Paulo de Barros Carvalho12, dividem-se em normas de

conduta, que são aquelas que regulam as relações intersubjetivas, e normas de

estrutura, que regulam o modo de produção de outras normas13.

Interessa-nos, neste momento, a análise das normas de estrutura, nas

quais se destacam as normas de competência. São estas normas que garantem a

autonomia dos entes políticos, uma vez que cada um deles possui competências

delimitadas cuidadosa e exaustivamente pela Constituição Federal. Esta distribuição

minuciosa de competências configura reclamo impostergável do princípio

federativo14.

Geraldo Ataliba15 adverte que a república e a federação são os princípios

mais importantes do ordenamento, capazes de orientar a interpretação dos demais.

Sobre a relação existente entre eles, destaca:

também alcança o status de sistema, uma vez que, conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, “onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema”. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010, p. 171. 11 Geraldo Ataliba define sistema normativo da seguinte forma: “conjunto unitário e ordenado de normas, em função de uns tantos princípios fundamentais, reciprocamente harmônicos, coordenados em torno de um fundamento comum”. (Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 19) 12 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010. 13 Esta classificação das normas jurídicas em normas de conduta e de estrutura não é precisa. Paulo de Barros Carvalho explica: “(...) a adoção desse sistema classificatório atende a certo padrão de operacionalidade com a experiência do sistema de normas, mas, como toda classificação, vai cedendo seu rigor, à proporção em que a investigação se aprofunda. O próprio Norberto Bobbio, que a utiliza fartamente, ao formalizar as chamadas ‘regras de estrutura’ não pôde evitar o reconhecimento ostensivo da tônica ‘conduta’, como destino finalístico de toda regulação normativa”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos da Incidência. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 43) Dessa forma, pode-se dizer que as regras de estrutura também acabam por regular comportamentos: tanto do sujeito que produzirá as novas normas, quanto daqueles que devem obediência às normas produzidas. A mesma relativização ocorre com as regras de conduta, que, assim como as de estrutura, também regulam a produção normativa, uma vez que a aplicação dessas normas de conduta (gerais e abstratas) ocorre por meio da produção de normas individuais e concretas, sendo apenas estas últimas, verdadeiras normas de conduta. (PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.77-78). 14 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 571/572. 15 “No Brasil os princípios mais importantes são os da Federação e da república”. (ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 37).

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Tal como fixado o regime republicano, entre nós, a federação é uma forma necessária de sua realização: a autonomia dos Estados surge, já em 1891, como forma de expressão das exigências republicanas, entre nós. Como postulado pela mais lúcida doutrina, tudo o que puder ser feito pelos escalões intermediários haverá de ser de sua competência; tudo o que o povo puder fazer por si mesmo, a ele próprio incumbe. Aí está a demonstração da íntima relação entre república e federação16.

É importante observar que a guerra fiscal afeta diretamente o conceito de

Federação, por abalar a relação de cooperação entre os Estados, conforme

demonstra Ricardo Varsano17:

A guerra fiscal é, como o próprio nome indica, uma situação de conflito na Federação. O ente federado que ganha – quando, de fato, existe algum ganho – impõe, na maioria dos casos, uma perda a algum ou a alguns dos demais, posto que a guerra raramente é um jogo de soma positiva. O federalismo, que é uma relação de cooperação entre as unidades de governo, é abalado. Também a Federação – cara aos brasileiros a ponto de a Constituição conter cláusula pétrea que impede sua abolição - perde.

Dentre as principais características que distinguem o ordenamento

jurídico dos demais tipos de ordenamentos normativos encontram-se as normas de

competência (por exemplo, não parecem existir normas de competência nos

ordenamentos morais)18. Entende-se por competência a habilidade para praticar

atos cujo resultado seja a criação de normas válidas, ou seja, aptidão para provocar

alterações no ordenamento jurídico19.

Daniel Monteiro Peixoto, ao mencionar as três funções do Estado

brasileiro, a legislativa, a administrativa e a judiciária, ensina que a produção de

16 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 45. 17 VARSANO, Ricardo. Guerra fiscal do ICMS: quem ganha e quem perde. IPEA. Planejamento e Políticas Públicas, n. 15, junho de 1967, p.6 apud PEIXOTO, Daniel Monteiro. Federação, competência tributária e guerra fiscal entre Estados via ICMS. In SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1082-1083. 18 GUASTINI, Riccardo. Prólogo à obra de Beltran, Jordi Ferrer. Las normas de competência: um aspecto de la diámica jurídica. Madrid: Boletín Oficial del Estado, 2000 apud PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 76. 19 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Federação, competência tributária e guerra fiscal entre Estados via ICMS. In SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1084.

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normas nestas esferas é regulada por normas de competência com características

peculiares:

As ‘normas de competência legislativa’ regulam a função legislativa na produção de normas, notadamente, abstratas e gerais; as ‘normas de competência administrativa’, a função administrativa na produção de normas, em sua maior parte, concretas e individuais; e as ‘normas de competência judiciária’, a função jurisdicional em que o Estado juiz produz normas com o propósito de resolver determinada situação litigiosa (podem ser concretas e individuais, no caso das sentenças condenatórias; ou mesmo abstratas e gerais, como no caso do controle concentrado de constitucionalidade pelo STF)20.

Assim, verifica-se que as normas produzidas legislativamente são

majoritariamente normas gerais e abstratas, as produzidas administrativamente,

individuais e concretas e as produzidas pela função jurisdicional, individuais e

concretas ou gerais e abstratas21.

Sobre a classificação das normas pela generalidade e abstração Paulo de

Barros Carvalho22 escreve:

Costuma-se referir a generalidade e a individualidade da norma ao quadro de seus destinatários: geral, aquela que se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número; individual, a que se volta a certo indivíduo ou a grupo identificado de pessoas. Já a abstração e a concretude dizem respeito ao modo como se toma o fato descrito no antecedente. A tipificação de um conjunto de fatos realiza uma previsão abstrata, ao passo que a conduta especificada no espaço e no tempo dá caráter concreto ao comando normativo.

Com base nos problemas de competência apresentados nos casos

Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia, interessa-nos estudar: (i)

a visão estática da competência legislativa tributária, que permitirá entender as

limitações dos Estados no que diz respeito a instituição e regulamentação do ICMS;

(ii) a concretização da competência legislativa, mediante a estrutura da regra-matriz

de incidência, em especial, o produto base de cálculo e alíquota do critério

20 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 76. 21 Trataremos com maiores detalhes sobre as normas produzidas pela função jurisdicional no capítulo 7 deste trabalho. 22 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 57-58.

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quantitativo e (iii) a realização da competência administrativa pela via da incidência,

possibilitando a distinção dos conceitos de isenção e redução de base de cálculo.

1.1. Competência Legislativa Tributária

Dentre as competências atribuídas aos entes políticos, destaca-se a

competência legislativa tributária, que permitirá a arrecadação de recursos para o

desempenho das funções constitucionalmente outorgadas. Isto porque, sem

autonomia financeira, a independência e a isonomia entre os entes políticos

desaparecem.

Pode-se conceituar competência tributária como a aptidão das pessoas

políticas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)

para criar tributos, descrevendo, legislativamente, as suas regras matrizes de

incidência.

Destaca Roque Antonio Carrazza23 que a Constituição Federal ao

discriminar as competências tributárias descreveu todos os critérios da regra matriz

de incidência dos tributos, cabendo ao legislador, ao exercer a sua competência, ser

fiel aos limites da norma traçada constitucionalmente.

Consequentemente, o ente competente para criar o tributo, também tem

poderes para aumentar ou diminuir a carga tributária, isentar24 e até simplesmente

não tributar.

Ocorre que esta competência legislativa outorgada aos entes políticos

não é ilimitada. Por afrontar diretamente o direito à propriedade e à liberdade dos

contribuintes, deve ser exercido com cautela, observando as limitações impostas

pela própria Constituição Federal.

Leciona Roque Antonio Carrazza que:

23 “Noutros termos, ela [Constituição Federal] apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 587). 24 “Em rigor, a competência para tributar e a competência para isentar são como o verso e o anverso de uma mesma moeda. Ou, dito de outro modo (menos metafórico), se só a lei pode validamente tributar, só a lei pode validamente isentar (esta, pelo menos, é a regra geral)”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 433).

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(...) o tributo, de algum modo, esgarça o direito de propriedade. Ora, na medida em que o direito de propriedade é constitucionalmente protegido, o tributo só será válido se, também ele, deitar raízes na Constituição25

Os limites impostos pela Constituição ao exercício da competência

tributária estão presentes nas normas e princípios constitucionais, que implicam o

respeito aos amplos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, com

destaque à norma que impede o uso do tributo com efeito de confisco (art. 150, IV),

bem como a que impede o estabelecimento de diferença tributária em razão da

procedência ou destino dos bens e serviços (art. 152). Assim, verifica-se a

submissão do Estado ao direito (Estado de Direito).

A nossa Carta Magna é exaustiva ao tratar de matéria tributária,

despendendo ao tema inúmeros artigos, na contramão do que ocorre com

Constituições estrangeiras que se limitam a descrever princípios gerais, em um ou

dois artigos, dando ao legislador ordinário ampla liberdade.

No Brasil, então, a Constituição deixou pouco espaço para o legislador

infraconstitucional no que diz respeito à matéria tributária, podendo ser classificada,

sob a perspectiva de sua intensidade e amplitude, como rígida. Sobre o assunto,

ensina Geraldo Ataliba:

O que ao nosso estudo interessa, das considerações formuladas, é estabelecer a validade científica da classificação dos diversos sistemas constitucionais tributários, em função da liberdade por eles concedidas ao legislador ordinário; é anotar que sua feição geral será – sob a perspectiva de sua intensidade e amplitude – rígida ou flexível, conforme se restrinja ao ditame de princípios genéricos, admitindo à lei participar da tarefa de moldar o sistema tributário, ou se estenda, direta e imediatamente, à modelagem do sistema, conferindo à lei simples função regulamentar.26

Dessa forma, ao criar, in concreto, os tributos os entes políticos devem

total obediência aos ditames constitucionais, sob pena de flagrante

inconstitucionalidade.

25 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 433. 26 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 16.

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No que diz respeito à distribuição de competência legislativa tributária às

pessoas políticas de direito público interno, é relevante para este trabalho a opção

da Constituição Federal em deixar a incumbência para a instituição do ICMS aos

Estados-membros.

Acredita-se que o principal motivo para a existência de conflito entre os

entes estatais, no que diz respeito ao ICMS, seja justamente a atribuição deste

tributo a competência dos Estados. Por trata-se de tributo sobre o consumo, a sua

abrangência extrapola os limites territoriais dos Estados, o que o fornece um caráter

nacional:

Desde o início, todavia, ficou claro que a regionalização do modelo brasileiro do imposto sobre o valor agregado, cuja vocação, na esmagadora maioria dos países, é nacional, continuaria a ser o grande obstáculo para um sistema tributário que objetivasse a justiça fiscal e o desenvolvimento nacional, em função das distorções

que provoca 27.

Ao redor do mundo, o imposto que faz às vezes do nosso ICMS é o IVA

(Imposto sobre o Valor Agregado), atualmente adotado em mais de 150 países28.

Dentre as suas principais características está a homogeneidade, amparada pela

existência de alíquotas uniformes e com poucas isenções29.

Dessa forma, o Brasil, ao contrariar a experiência mundial, e não instituir

um único tributo sobre o consumo, mas quatro (ICMS, ISS, IPI e PIS-COFINS) e em

diferentes esferas, possibilitou a ocorrência de conflitos de competência entre os

entes federados e também disputas horizontais (v.g. entre os Estados) pelo aumento

de arrecadação tributária que se denominou “guerra fiscal”.

27 CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra Fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2ª Ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. XIV. 28 COELHO, Isaías. Reforma do PIS-COFINS, sem chororô. JOTA, São Paulo, jun/2015. Disponível em http://jota.info/reforma-do-pis-cofins-sem-chororo. Acesso em 27 de setembro de 2015. 29 “Há duas gerações do IVA no mundo. Os IVAs antigos (VERSÃO 1.0 entre 1967 e 1980s), que eram repletos de isenção e muitas alíquotas; e os IVAs modernos (VERSÃO 2.0 após 1990) apresentam alíquotas uniformes e poucas isenções” SANTI, Eurico M. D. de. Em defesa de um IVA nacional versão 3.0 e o modelo mundial. JOTA, São Paulo, mai/2015. Disponível em: http://jota.info/em-defesa-de-um-iva-nacional-versao-3-0-e-modelo-mundial. Acesso em 27 de setembro de 2015.

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1.1.1. Atributos da Competência Tributária

Roque Antonio Carrazza30 destaca seis características próprias da

competência, quais sejam: privatividade; indelegabilidade; incaducabilidade;

inalterabilidade; irrenunciabilidade e facultatividade de exercício.

A privatividade consiste na exclusão da competência das demais pessoas

políticas no que se refere a competência outorgada especificamente a um ente

federado. Paulo de Barros Carvalho31 entende que apenas a União possui

competência privativa, pois em situações excepcionais pode legislar sobre

materialidades originalmente previstas no campo de competência de outros entes

federados.

A indelegabilidade impede a transferência da competência outorgada a

determinado ente político a quem quer que seja, ainda que por meio de lei.

A incaducabilidade garante ao titular da competência tributária o direito de

instituir os tributos a qualquer tempo, impedindo a sua caducidade.

A inalterabilidade impede que a própria pessoa política titular da

competência amplie as suas dimensões. Apesar disto, Paulo de Barros Carvalho32

entende que é possível alterar a competência tributária por meio do poder

constituinte derivado.

A irrenunciabilidade proíbe que o ente político abdique unilateral e

definitivamente da competência que lhe foi atribuída.

E por fim, a facultatividade permite liberdade às pessoas políticas para

exercitar a competência tributária quando e da forma como pretenderem. No

entanto, no que diz respeito ao ICMS, a facultatividade não se aplica. Isto porque,

por força do art. 155, §2º, XII, “g” da CF o tributo deve ser obrigatoriamente

instituído.

30 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 590 e seguintes. 31 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 272. 32 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 272.

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1.1.1.1 O ICMS como exceção ao atributo da facultatividade das

competências tributárias

Sabe-se que o ente competente para criar o tributo, também tem poderes

para conceder isenção, são duas faces da mesma moeda. Assim, a competência

constitucional para tributar, de que são dotados os entes federativos, os permite

certa liberdade de decisão política sobre a instituição ou não dos tributos a eles

discriminados (facultatividade), e uma vez instituídos é possível ainda que os

Estados concedam benefícios fiscais. Esta é a regra.

Com o ICMS, no entanto, a Constituição Federal/88 (desde a Emenda

Constitucional nº 1 de 1969) retirou-lhes tanto a liberdade de instituição, quanto a de

concessão de benefícios, tendo em vista o já mencionado caráter nacional do

imposto.

Sobre o assunto, ensina Roque Antonio Carrazza:

Pensamos que a única exceção a esta facultatividade – e ainda assim, em termos- é a que toca ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS), que os Estados e o Distrito Federal estão obrigados a instituir e arrecadar, em decorrência do que dispõe o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF: “Cabe à lei complementar: (...) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos ou revogados”33.34

Assim, ao delegar à lei complementar (e indiretamente aos convênios) a

competência para concessão de benefícios fiscais a Constituição Federal de 1988,

ao mesmo tempo em que limitou a possibilidade de concessão de isenção unilateral

pelos Estados, também os obrigou a instituí-lo e cobrá-lo.

33 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 771. 34 O autor ainda acrescenta: “Ainda assim, não vemos como compelir o Poder Legislativo de um Estado (ou do Distrito Federal) a criar o ICMS. O máximo que podemos aceitar é que as demais pessoas políticas competentes para criar este imposto podem bater às portas do Poder Judiciário (STF, ex vi do art. 102, I, “f”, da CF) e, lá, postular o ressarcimento dos prejuízos (sofridos ou iminentes) causados por tal omissão. (...)”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 772).

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1.1.2. Conflitos de Competência no ICMS e a Delegação para o

CONFAZ editar Convênios

Não obstante a rígida repartição constitucional de competências há

situações em que a ocorrência do fato jurídico tributário permite uma margem de

dúvida sobre qual tributo deverá incidir no caso concreto, acarretando conflitos de

competência que envolvem todos os entes federativos. E muitas são as

possibilidades: temos conflitos entre IPTU (Municípios) e ITR (União); entre ICMS

(Estados e Distrito Federal) e ISS (Municípios) e também IPI (União); entre outros.

Assim, existem conflitos de competência entre Municípios, Estados,

Distrito Federal e União (conflitos verticais), mas não só, existem também conflitos

horizontais, como por exemplo, o conflito entre os próprios entes estaduais, que

brigam entre si na tentativa de aumentar a sua arrecadação, seja por concessão

unilateral de benefícios fiscais, seja pela glosa de créditos oriundos de operações

beneficiadas em outros Estados, entre outras situações. Passou-se a denominar tais

conflitos de “guerra fiscal”.

Daniel Monteiro Peixoto35 a define da seguinte forma:

‘Guerra fiscal’, na acepção construída pelos tribunais, imprensa e literatura especializada, é expressão que representa metaforicamente o esforço competitivo entre pessoas políticas para que a alocação de investimentos privados seja direcionada aos seus respectivos territórios.

Com o objetivo de evitar estes conflitos, a competência para a concessão

de isenções e não incidência em matéria de ICMS foi transferida dos Estados para

os convênios/CONFAZ, pela EC nº 1 de 1969, de modo que a concessão ficou

adstrita a deliberação conjunta de todos os entes estaduais, limitando a autonomia

destes entes.

No entanto, após esta delegação de competência aos

convênios/CONFAZ revelou-se uma pretensão dos Estados em reaver a autonomia

perdida, por meio da estratégia de tornar os convênios mecanismos meramente

35 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Federação, competência tributária e guerra fiscal entre Estados via ICMS. In SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1082-1083.

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autorizativos, retirando a sua obrigatoriedade, de modo que apenas por meio da

edição de lei específica (estadual) seja possível a concessão de benefícios fiscais36.

Tal atitude fere frontalmente o atributo da indelegabilidade das

competências, uma vez que pretende indiretamente devolver a competência que foi

delegada ao CONFAZ de volta aos Estados.

Observe-se que essas situações apenas acontecem quando a concessão

de benefícios fiscais foi feita por convênio, demonstrando assim, que o problema da

guerra fiscal do ICMS não se limita às situações de concessão unilateral de

benefícios.

Assim, optou-se por estudar neste trabalho as situações de guerra fiscal

em que há celebração de convênios, objetivando demonstrar que o uso da

expressão redução da base de cálculo pelos Estados tem sido feito com o objetivo

de desrespeitar as legislações e jurisprudência, colocando os contribuintes em

situação de insegurança jurídica.

Estes casos possuem uma complexidade extra, uma vez que não se

tratam de casos típicos de guerra fiscal, nas quais há concessão de benefícios

unilateralmente pelos Estados, mas de benefícios concedidos com base em

convênios, demonstrando que mesmo se observando o disposto na LC 24/75 e na

CF/88 (art. 155, §2º, XII, “g”) ainda assim a situação conflituosa existente entre os

Estados e a insegurança jurídica do contribuinte não se resolvem.

1.2. Concretização da Competência Legislativa Tributária e a Estrutura

da Regra Matriz de Incidência

As decisões do STF nos casos Camargo Soares, Monsanto, Santa

Catarina e Santa Lúcia apresentam, em comum, também, problemas históricos

conectados com a regra-matriz de incidência tributária. O cerne do problema

encontra-se no critério quantitativo da norma tributária, uma vez que a relação direta

entre a alíquota e a base de cálculo permite que a alteração de uma equivalha à

36 Este assunto será tratado no segundo capítulo deste trabalho.

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alteração da outra, isto é, ambas compõem o valor do tributo, logo, a alteração de

qualquer delas alterará o valor final a ser pago.

Esta relação entre os elementos do critério quantitativo possibilitou

inicialmente aos Estados manipular o conceito de redução da base de cálculo para

fugir das restrições impostas à alteração das alíquotas37, maneira mais usual de

alteração do valor do tributo. Posteriormente a redução da base de cálculo passou a

ser utilizada para fugir das restrições impostas à isenção (no art. 155, §2º, II da CF),

problema central nos casos julgados pelo STF.

1.2.1. Critérios que compõem a regra matriz de incidência tributária

As normas jurídicas38 possuem estrutura lógica de juízo hipotético, dessa

forma tem-se que a regra matriz de incidência de um tributo, assim como as demais

normas jurídicas, estrutura-se da seguinte forma: dada uma hipótese, deve ser uma

consequência.

A peculiaridade da norma jurídica tributária é que o fato abstratamente

previsto na sua hipótese dará ensejo a uma relação jurídica entre o Fisco e o

contribuinte, em que o primeiro tem o direito subjetivo de cobrar do segundo

determinada quantia (crédito), cuja contrapartida é o dever jurídico deste último de

cumpri-la (débito).39

A regra matriz de incidência consubstancia uma regra de comportamento

na medida em que regula a conduta que deverá assumir o sujeito passivo - devedor

da prestação fiscal - perante o sujeito ativo - titular do crédito tributário. Ela define a

incidência dos tributos. O seu estudo permite o melhor conhecimento do fenômeno

jurídico tributário, ao passo que possibilita uma análise minuciosa de seus critérios,

aprofundando a investigação sobre a legislação tributária.

37 Este assunto que será tratado no capítulo 4, item 4.2. 38 “’Norma Jurídica’ é a expressão mínima e irredutível (com o perdão do pleonasmo) de manifestação do deôntico, com o sentido completo”. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 627. 39 Como assevera Lourival Vilanova: “a norma jurídica, geral e abstrata (generalidade e abstrateza, que não é de todas as normas), não se realiza, i.e., não passa do nível conceptual para o domínio do real-social, sem o fato que lhe corresponde, como suporte fáctico de sua hipótese fáctica. Sem a fattispecie concreta correspectiva à fattispecie abstrata.” Causalidade e relação no direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 144.

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Sua estrutura é dividida em antecedente e consequente, também

chamados de descritor e prescritor, respectivamente. O antecedente descreve todos

os critérios necessários para que se repute ocorrido o fato jurídico tributário40. Trata-

se de uma escolha do legislador, que dentre os inúmeros fatos do mundo social

elege aqueles que ostentem signos presuntivos de riqueza, passíveis de serem

tributados.

Para designar este antecedente, muitas denominações surgiram, dentre

elas a expressão fato gerador. Ocorre que esta expressão pode ser ambígua,

significando não só a descrição constante da norma geral e abstrata, como também

o fato verificado no mundo empírico que satisfaz os requisitos da norma abstrata.

Com efeito, Paulo de Barros Carvalho prefere denominar de forma distinta

estas situações, diferenciando o fato verificado no mundo empírico e a descrição

deste constante da norma geral e abstrata, evitando assim a ambiguidade do termo

fato gerador.

Para nominar-lhes, Geraldo Ataliba sugeriu “hipótese de incidência” e “fato imponível”, mas preferimos operar com “hipótese tributária” e “fato jurídico tributário”, assinalando que o importante é discernir as duas situações, evitando, com isso, a possível ambiguidade da expressão fato gerador.41

Assim, temos a hipótese tributária como a descrição normativa do evento

(situações ocorridas no mundo social que podem ser captadas pelos órgãos

sensoriais, mas que ainda não foram relatadas em linguagem) e fato jurídico

tributário como o relato linguístico da ocorrência deste evento, ou seja, o fato

concretamente realizado.

Já o consequente prescreve um vínculo abstrato entre sujeitos de direito,

resultando na formação da relação jurídica tributária, que já explicitamos tratar-se do

direito subjetivo do sujeito ativo de cobrar a quantia devida pelo sujeito passivo, que,

por sua vez, possui o dever jurídico de cumpri-la.

40 “Pontes de Miranda utilizou suporte fáctico para designar o fato bruto e o fato jurídico para referir-se àquela porção demarcada pelas notas da descrição hipotética. Acrescentemos que o fato bruto, o suporte físico, é plurilateral; o fato jurídico é que é, todo ele e exclusivamente, jurídico.” CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 155. 41 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 155.

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Compõem o antecedente da regra matriz os critérios material, temporal e

espacial. E o consequente, os critérios pessoal e quantitativo.

Paulo de Barros Carvalho define os três primeiros critérios da seguinte

forma:

O critério material é o núcleo do conceito mencionado na hipótese normativa. Nele há referência a um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço e de tempo, de tal sorte que o isolamento desse critério, para fins cognoscitivos, é claro, antessupõe a abstração das condições de lugar e de momento estipuladas para a realização do evento. Já o critério espacial é o plexo de indicações, mesmo tácitas e latentes, que cumprem o objetivo de assinalar o lugar preciso em que a ação há de acontecer. O critério temporal, por fim, oferece elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante ocorre o fato descrito. (grifo nosso)42

No que se refere ao critério pessoal temos os sujeitos ativos e passivos,

sendo os primeiros, pessoas jurídicas de direito público ou privado que titularizem a

capacidade tributária ativa43. Já os sujeitos passivos são pessoas físicas ou

jurídicas, privadas ou públicas, sujeitas ao cumprimento da obrigação tributária.

Os sujeitos ativos estão definidos na Constituição Federal por meio da

repartição de competências tributárias, mas permite-se alteração através da

transferência da capacidade tributária ativa. Quanto ao sujeito passivo, cabe ao

legislador ordinário escolher aquele que arcará com o ônus fiscal, mas sempre

observando os limites constitucionais, uma vez que a Constituição determina os

sujeitos passivos possíveis, quais sejam os realizadores do fato jurídico tributário.

No critério quantitativo temos a base de cálculo como o seu aspecto

dimensível, mensurando a intensidade do comportamento descrito pelo legislador. E

a alíquota, complementando-a, na medida em que realiza com ela a determinação

42 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 156. 43 “No mais das vezes, a competência tributária e a capacidade tributária ativa acumulam-se numa mesma pessoa política. Logo, habitualmente, ocupa o pólo ativo da obrigação tributária a mesma pessoa política que, por haver exercitado a competência tributária, criou in abstracto o tributo. De fato, se dermos revista em nosso direito positivo, veremos que essa é a regra geral. (...).” (CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 156)

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do valor do débito, possibilitando o controle do confisco, bem como da

extrafiscalidade.

Interessa para o presente trabalho estudar com maiores detalhes um dos

elementos do critério quantitativo da regra matriz de incidência, qual seja, a base de

cálculo.

1.2.2. Base de Cálculo

Ao discorrer sobre a base de cálculo, cumpre ressaltar a posição de

destaque que ela ocupa na teoria da glorificação do fato gerador que a considera

como o núcleo da hipótese de incidência, cabendo aos demais critérios a função de

complementa-la, conforme destaca Alfredo Augusto Becker44:

Resumindo, o aspecto atômico da hipótese de incidência da regra de tributação revela que em sua composição existe um núcleo e um, ou mais, elementos adjetivos. O núcleo é a base de cálculo e confere o gênero jurídico ao tributo.

Os elementos adjetivos são todos os demais elementos que integram a composição da hipótese de incidência. Os elementos adjetivos conferem a espécie àquele gênero jurídico de tributo. (grifo nosso)

Reconhece-se nesse trabalho que a base de cálculo possui papel

fundamental na norma jurídica tributária, porém colocá-la como elemento central é

subestimar a importância dos critérios constantes do descritor da regra matriz.

Assim, Paulo de Barros Carvalho reconhece sua importância, mas em

conjunto com os demais critérios, apontando a relevante ligação existente entre o

binômio hipótese normativa e a base de cálculo, que é o responsável por permitir a

identificação da natureza jurídica de cada tributo45.

A base de cálculo do tributo deve guardar correlação lógica com a

hipótese, dimensionando-a adequadamente. Assim, a natureza jurídica do tributo

44 Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 347. 45 “(...) no direito tributário, o tipo tributário se acha integrado pela associação lógica e harmônica da hipótese de incidência e da base de cálculo. O binômio, adequadamente identificado, com revalar a natureza própria do tributo que investigamos, tem a excelsa virtude de nos proteger da linguagem imprecisa do legislador.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 61)

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independerá do nome a ele atribuído, pois o que o distinguirá dos demais será a

relação hipótese de incidência/base de cálculo.

Com efeito, a base de cálculo apresenta uma enorme versatilidade, sendo

a análise do binômio supracitado apenas uma das suas três funções, a comparativa.

Somada a função comparativa, temos ainda a (i) mensuradora e (ii) a objetiva.

Passemos a sua análise.

A função mensuradora decorre da escolha do legislador ordinário, que ao

cumprir com a competência outorgada pela Constituição, deve dimensionar a

conduta prevista no verbo núcleo do tipo, delimitando a “fórmula numérica de

estipulação do conceito econômico do dever jurídico”46 que será cumprido pelo

sujeito passivo.

É neste momento que se determina qual será o atributo valorativo do fato

tributário (dentre os muitos existentes: valor da operação; valor venal; altura, volume,

ect) sobre o qual recairá a alíquota. Em outras palavras, é a base de cálculo que

possui a capacidade de medir a intensidade do fato.

A sua segunda função é a objetiva, ou seja, a função de demarcar o

conteúdo do objeto da obrigação tributária. Nesta função, observa-se que a base de

cálculo se equipara a alíquota, que juntas não representam “mais que números

justapostos que se preparam para um processo de cálculo matemático”47. Assim, ela

também compõe a específica determinação do valor do tributo.

A terceira função, comparativa, não mais se relaciona com o aspecto

unicamente numérico, mas sim com o caráter material do tributo. Ao permitir a

identificação da natureza jurídica de cada tributo tem-se na base de cálculo a

segurança procurada pelos intérpretes das normas, que podem com ela confirmar,

infirmar ou afirmar o critério material da hipótese tributária48.

46 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 401. 47 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 402. 48 A função comparativa da base de cálculo ajuda a eliminar a imprecisão existente nas redações legais, que por atecnia do legislador pode transformar um tributo em entidade difusa (v.g. um imposto revestido de taxa), o que é inadmissível. Tal situação é explicada por Paulo de Barros Carvalho da seguinte forma: “São bem comuns e muito conhecidas, entre nós, figuras de tributos cujos nomes sugerem realidades completamente distintas, mas que o legislador utiliza para burlar a rígida

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Assim, a base de cálculo (i) confirma o critério material da regra matriz de

incidência tributária quando a grandeza eleita e a hipótese prevista pelo legislador

estiverem em sintonia; (ii) infirma, quando forem incompatíveis e (iii) afirma, quando

a formulação do dispositivo legal suscitar dúvidas.

Cumpre ainda destacar que diante de incompatibilidade entre a base de

cálculo e o critério material eleito pelo legislador deve prevalecer a base de cálculo,

para fins de se detectar a natureza da exação tributária, conforme demonstra a sua

característica “infirmadora”. No entanto, constatado que o desencontro entre a

hipótese e a base de cálculo desconfigura a natureza jurídica do tributo criado, e a

nova configuração acarreta inconstitucionalidades, ele não poderá subsistir, uma vez

que estará burlando a rígida repartição de competência tributária prevista

constitucionalmente49.

Ainda sobre as funções da base de cálculo Aires Barreto50 confirma o

acima descrito e acrescenta uma quarta função, a de determinar a capacidade

contributiva:

Presta-se a base de cálculo a: a) servir como elemento de mensuração do critério material do suposto normativo; b) permitir a determinação da base calculada, pela conjugação do critério dimensional (base de cálculo) com a alíquota; c) afirmar, confirmar ou infirmar – como destaca proficientemente Paulo de Barros Carvalho – o critério material. Em outras palavras, a possibilitar a precisa investigação da natureza jurídica do tributo criado; d) determinar a presença de capacidade contributiva.

Com efeito, a mesma relação existente entre a base de cálculo e a

hipótese tributária, que nos permite identificar a natureza jurídica do tributo, deve ser

observada para efeito de obediência ao princípio da capacidade contributiva. Assim,

discriminação das competências impositivas” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 60). 49 “Vem ao encontro desta ideia de unicidade, o art. 154, I, da Constituição Federal, que ao autorizar a União a criar novos impostos, proibiu tivessem ‘fato gerador e base de cálculo próprios’ dos discriminados nos arts. 153, 155 e 156, deste mesmo Diploma. Com isso, sinalizou nitidamente que a hipótese de incidência e a base de cálculo são realidades jurídicas distintas, que sob pena de inconstitucionalidade, devem estar em perfeita sintonia”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p.170) 50 Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª ed. revisada. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 115-116.

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caso a base de cálculo não reflita a grandeza prevista na hipótese, a capacidade

contributiva do sujeito passivo restará violada.

A versatilidade da base de cálculo fica ainda mais latente quando a

observámos sobre duas perspectivas diversas, distinguindo-a em (i) base de cálculo

normativa e (ii) base de cálculo fática. Esta consiste na versão concreta daquela51.

Ou seja, a sua previsão em abstrato pela lei configura a base de cálculo normativa,

já o seu resultado, apurado por ocasião do lançamento, expresso em moeda,

corresponde à base de cálculo fática.

A esta mesma dualidade, Aires Barreto denomina de base de cálculo e

base calculada, explicando o fenômeno da seguinte forma:

A subsunção dos fatos tributários à norma é objeto de formalização através do ato do lançamento, e com observância ao tipo fechado, que já elegeu a base de cálculo. A administração, a partir daí, procede à investigação e avaliação dos fatos, transformando a base de cálculo (conceito ou critério legal) em base calculada. Sobre ela aplica a alíquota devida, na forma da lei, obtendo o tributo a ser carreado aos cofres públicos52.

Este autor defende ainda que apenas há necessidade de lei para a

alteração da base de cálculo (normativa), estando dispensada deste requisito a

alteração da base calculada (base de cálculo fática) 53. Explica: “o critério de

51 A base de cálculo nunca vem determinada no plano normativo. Lá teremos só uma referência abstrata – o valor da operação, o valor venal do imóvel ect. É com a norma individual do ato administrativo do lançamento que o agente público, aplicando a lei ao caso concreto, individualiza o valor, chegando a uma quantia líquida e certa – a base de cálculo fáctica. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 406) 52 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª ed. revisada. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.126. 53 A discussão a respeito da possibilidade de alteração da planta de valores do IPTU por meio de decreto é outro exemplo que envolve a discussão sobre a dualidade base de cálculo/base calculada. Sem diferenciá-las, o STF (RE 648245) pacificou entendimento no sentido de que a alteração da planta de valores do IPTU equivale à majoração da base de cálculo do IPTU, por implicar aumento de tributo, e por isso, está adstrita à existência de lei em sentido formal, conforme determina o princípio da legalidade, preconizado no art. 150, I, da Constituição e no art. 97 do Código Tributário Nacional. Aires Barreto critica tal posicionamento, justamente por ignorar a dualidade inerente à base de cálculo. Afirma que a criação de tributo e sua majoração só podem ser feitas por meio de lei, entendendo-se por criação, a definição dos aspectos da regra matriz, inclusive a base de cálculo e alíquota e por majoração, a alteração do critério legal da base de cálculo (normativa). Assim, não se inclui nestas definições a base de cálculo fática, chamada por ele de base calculada. (BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª ed. revisada. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.147)

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decisão, ínsito aos casos de reserva de lei formal, se esgota no definir a base de

cálculo e jamais pode estender-se a base calculada”54.

São todas essas características peculiares (capacidade para detectar a

natureza jurídica da exação tributária - função comparativa - e para compor o valor

do tributo em conjunto com a alíquota – função objetiva) que dão à base de cálculo

um papel de destaque, não só na regra matriz de incidência, mas também na

disputa existente entre os Estados na busca por maior arrecadação em seus

territórios, situação que delimita os contornos da guerra fiscal do ICMS.

1.2.3. Regra Matriz de Incidência do ICMS

A partir do conhecimento das características básicas da regra matriz do

ICMS é possível entender com maior facilidade a lógica da guerra fiscal através da

concessão de redução de base de cálculo deste tributo.

A sigla ICMS esconde pelo menos cinco diferentes impostos, isto porque

é possível identificar cinco diferentes hipóteses de incidência e bases de cálculo.

Roque Antonio Carrazza55 as descreve da seguinte forma:

a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que compreende o que nasce da entrada, na Unidade Federada, de mercadorias ou bens importados do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre a extração, circulação e distribuição ou consumo de minerais.

Interessa para este estudo a descrição dos critérios da hipótese de

incidência do primeiro imposto, que denominaremos de ICMS - operações mercantis.

O critério material corresponde à realização de operações relativas à

circulação de mercadorias. Da análise desse critério é possível chegar a duas

conclusões: (i) a operação deve ser sobre uma circulação de mercadoria e ainda,

54 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª ed. revisada. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.148. 55 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17ª ed revista e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 42-43.

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deve ser onerosa, ou seja, é necessária a existência de negócio jurídico mercantil

entre alienante e adquirente; e (ii) a circulação deve ser jurídica (e não meramente

física), o que significa dizer que é necessária a alteração de titularidade da

mercadoria.

O critério espacial é o território do Estado ou Distrito Federal, nos limites

do território nacional. Já o critério temporal é o momento da saída da mercadoria do

estabelecimento comercial.

No que diz respeito ao critério pessoal, temos como sujeito ativo os

Estados-membros e o Distrito Federal e como sujeito passivo, o comerciante que

praticou a operação de circulação de mercadoria.

E por fim, no critério quantitativo, tem-se a base de cálculo como o valor

da operação de circulação da mercadoria, e a alíquota como uma variável a ser

estabelecida em legislação competente. Cabe, neste momento, especificá-la (a

alíquota) com maior concretude, demonstrando as legislações que a regulam.

O art. 155, §2º, IV da CF/88 prevê a competência do Senado Federal, por

meio de resolução, para estabelecer as alíquotas aplicáveis às operações

interestaduais. Assim, atualmente é a Resolução nº 22 de 198956 que determina as

alíquotas de ICMS a serem aplicadas nessas operações: (i) regra geral, alíquota de

12% e (ii) nas operações realizadas nas regiões Sul e Sudeste, destinadas às

Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, alíquota de

7%.

56 RESOLUÇÃO N° 22, DE 1989 . Estabelece alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas a circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais. Art. 1° A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento. Parágrafo único. Nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão: I - em 1989, oito por cento; II - a partir de 1990, sete por cento. Art. 2° A alíquota do imposto de que trata o art. 1°, nas operações de exportação para o exterior, será de treze por cento. Art. 3° Esta Resolução entra em vigor em 1° de junho de 1989. Senado Federal, 19 de maio de 1989. SENADOR IRAM SARAIVA 1° Vice-Presidente, no exercício da Presidência.

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E no que diz respeito às alíquotas internas, a Constituição57 apenas

faculta ao Senado a previsão de alíquotas máximas e mínimas, competência que

nunca foi exercida. Assim, cabe a cada Estado estabelecer a alíquota que será

aplicada em seu território. Estas alíquotas não podem ser inferiores às previstas

para as operações interestaduais58 e em regra variam entre 17% e 18%, a depender

do Estado e do tipo de mercadoria.

Será demonstrado no capítulo 4, item 4.2, como a competência do

senado e as demais regras para alteração de alíquotas influenciaram a concessão

de redução da base de cálculo.

A Constituição Federal de 1988 determina ainda a obediência a dois

princípios específicos do ICMS: da seletividade e da não cumulatividade. O primeiro

indica que este tributo deverá ser seletivo, em função da essencialidade das

mercadorias. Tal princípio existe para possibilitar a determinação da capacidade

econômica do sujeito que irá efetivamente arcar com o ônus do tributo.

Deverá também ser não cumulativo, compensando-se o que for devido

em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. Este princípio se realiza

por meio do mecanismo de compensação de créditos e débitos. Discorremos sobre

o princípio da não cumulatividade no capítulo 5, demonstrando o seu papel

fundamental para manter a neutralidade do tributo.

Existe ainda, a delegação de competência à lei complementar para dispor

sobre determinados assuntos em matéria de ICMS, dentre eles encontra-se o

regime de compensação do imposto e a forma de deliberação dos Estados e Distrito

Federal para concederem e revogarem benefícios fiscais.

Coube à Lei Complementar nº 24/1975 disciplinar sobre a concessão dos

benefícios fiscais e à Lei Complementar nº 86/1996 dispor sobre o seu regime de

compensação. Antes da edição desta última lei, vigorava o Convênio 66/88, que

57Art. 155, §2º, V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; 58Art. 155, §2º VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

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dispunha, em caráter excepcional59, sobre as normas gerais do imposto, até que a

lei complementar competente fosse elaborada.

1.3. Competência Administrativa Tributária e Incidência

A Constituição Federal ao outorgar aos entes políticos a competência

para instituir tributos, discriminou todos os critérios da regra matriz, ainda que

implicitamente60. Assim, a criação do tributo in abstracto deve obrigatoriamente

observar todos os parâmetros traçados constitucionalmente, sem os quais a sua

incidência não se fará possível.

Observou-se ainda que uma das características das competências

tributárias é a facultatividade do seu exercício, que permite ao ente federado a

opção para usufruir da competência que lhe foi atribuída ou não. Caso se opte por

não a utilizar, total ou parcialmente, estar-se-á diante de um caso de não incidência.

José Souto Maior Borges61 identifica dois tipos de não incidência, a

chamada pura e simples e a qualificada:

I) pura e simples, a que se refere a fatos inteiramente estranhos à regra jurídica de tributação, a circunstâncias que se colocam fora da competência do ente tributante;

II) qualificada, dividida em duas subespécies: a) não-incidência por determinação constitucional ou imunidade tributária; b) não-incidência decorrente de lei ordinária – a regra jurídica da isenção (total)

Com efeito, uma vez feito uso da competência, institui-se o tributo,

cabendo-nos, então, verificar de que forma e em que momento a sua incidência

ocorrerá.

59 ADCT. Art. 34, § 8º Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, "b", os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria. 60 “Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 587.) 61Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 155.

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Pressupõe-se aqui62 que a incidência constitui um ato de juridicização de

fatos, acarretando no estabelecimento de relações jurídicas, em outras palavras, é

apenas por meio dela que um fato ingressa no ordenamento jurídico, submetendo-se

aos efeitos previstos nas normas jurídicas.

Com base nesse conceito a doutrina diverge sobre o momento de sua

ocorrência, sendo duas as principiais correntes sobre o assunto: a que entende

tratar-se de uma operação que acontece de forma automática e infalível e a que

atribui ao fenômeno a necessidade de intervenção humana. Ambas contam com o

apoio de juristas renomados e por isso merecem ser destacadas.

1.3.1. Teorias sobre a Incidência

Para Pontes de Miranda, expoente da primeira corrente, um fato se torna

jurídico após incidir sobre ele uma regra jurídica63. A divergência com a segunda

corrente irá ocorrer quanto ao tempo da incidência, entendendo referido autor que

ela se concretizará com o simples acontecimento dos fatos, de forma automática e

infalível, sendo possível distinguir dois momentos: o da incidência e o da aplicação.

Incidência é eficácia; porém eficácia não é só incidência. A incidência distingue-se da aplicabilidade; egos negócios jurídicos a serão regidos, desde 12, pela lei A, mas a justiça só aplicará a lei A, no ano próximo. A aplicação, aí, está suspensa sem que o esteja a incidência.64

62 “Com base nas distinções feitas por esses autores [Paulo de Barros Carvalho e Marcelo Neves], é possível afirmar, em princípio, que ao dizer que a norma produziu efeitos (incidiu), queremos significar que: (i) juridicizou um fato, o qual, por sua vez, desencadeou os efeitos previstos no seu consequente; ou (ii) foi cumprida voluntariamente (observância) ou imposta (executada). Como se verá a seguir, as duas principais teorias a respeito da incidência normativa defendem que este fenômeno equivale à situação descrita no item (i), ou seja, juridicização de fatos e consequente instalação da relação jurídica correspondente. (...)” (FIGUEIREDO, Marina Vieira de. Lançamento Tributário: revisão e seus efeitos. São Paulo: Noeses, 2014, p. 41) 63 “Para que os fatos sejam jurídicos, é preciso que regras jurídicas — isto é, normas abstratas — incidam sobre eles, desçam e encontrem os fatos, colorindo-os, fazendo-os ‘jurídicos’”. (Tratado de direito privado. Tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970) 64 Tratado de direito privado. Tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.

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Inúmeros juristas também adotam este posicionamento, dentre eles,

Alfredo Augusto Becker65 que descreve o fenômeno da incidência, da seguinte

forma:

(...) com o acontecer dos fatos, vão se realizando (existindo no presente e no pretérito), um a um, os elementos previstos na composição da hipótese de incidência, quando ‘todos’ os elementos se realizaram (existem no presente e no pretérito), a hipótese de incidência realizou-se e, então, automaticamente (imediata, instantânea e infalivelmente) aquele instrumento entra em ‘dinâmica’ e projeta uma descarga (incidência) de energia eletromagnética (juridicidade) sobre a hipótese de incidência realizada.

De outro lado, encontram-se aqueles que defendem a incidência como

um fenômeno que depende de ação humana (por meio do relato em linguagem),

jamais ocorrendo de forma automática.

Ferrenho defensor dessa tese, Paulo de Barros Carvalho, é adepto da

filosofia da linguagem, adotando os ensinamentos de Vilém Flusser no sentido de

que a “língua é, forma, cria e propaga a realidade”66. Transportando para o campo

do direito pode-se dizer que a linguagem do direito positivo67 cria a realidade

jurídica68.

Pode-se concluir, então, que todo o processo de criação do direito é feito

por meio da linguagem, aí incluído o processo de produção das normas jurídicas

gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas e individuais e

concretas69.

65 Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva. 1972, p. 279. 66 FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 2ª edição. São Paulo: Annablume, 2004 apud CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 177. 67 Expressão utilizada na forma mais ampla, abrangendo, portanto, tanto as normas expedidas pelo Legislativo (leis), quando aquelas expedidas pela Administração e pelo Judiciário, conforme mencionado na introdução deste trabalho. 68 Digamos, então, que sobre essa linguagem (a social) incide a linguagem prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e condutas, valoradas com o sinal positivo da licitude e negativo da ilicitude. A partir daí, aparece o direito como sobrelinguagem, ou linguagem de sobrenível, cortando a realidade social com a incisão profunda da juridicidade. Ora, como toda a linguagem é redutora do mundo sobre o qual incide, a sobrelinguagem do direito positivo vem separar, no domínio do real-social, o setor juridicizado do setor não juridicizado, vem desenhar, enfim, o território da facticidade jurídica. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos da Incidência. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 35) 69 “Costuma-se referir a generalidade e a individualidade da norma ao quadro de seus destinatários: geral, aquela que se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número; individual, a que se volta a certo indivíduo ou a grupo identificado de pessoas. Já a abstração e a concretude

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Ocorre que, mesmo após a criação da norma geral e abstrata os

comportamentos intersubjetivos70 não se encontram diretamente regulados, faltando

ainda uma maior concretude e individualidade. Assim ocorre o chamado “processo

de positivação”71, em que as normas gerais e abstratas fundamentam a produção de

normas individuais e concretas, regulando as condutas intersubjetivas, por meio da

prescrição de direitos e deveres.

E como também a criação dessa norma individual e concreta depende de

linguagem, ela deve ser feita obrigatoriamente por um agente competente para

realizar esta subsunção, que constituirá o fato jurídico tributário e a correspondente

obrigação, como explica Roque Carrazza72:

Note-se que, no preciso instante em que um fato se ajusta a uma hipótese de incidência tributária, o tributo nasce no mundo real, mas ainda não ingressa no mundo jurídico. Para que isso aconteça, é imprescindível a intervenção do agente fiscal competente, que fará a subsunção e, com ela, desencadeará a incidência da norma jurídica tributária. Aí, sim, o tributo nasce também perante o Direito.

Observe-se que é apenas com a edição dessa norma (individual e

concreta) que o comando geral e abstrato atinge o seu inteiro teor de juridicidade73.

Mas para que isso ocorra é necessário o exato enquadramento do fato à norma, em

respeito ao princípio da tipicidade.

Neste trabalho, optou-se por adotar o posicionamento sobre a

imprescindibilidade do relato em linguagem competente74 dos fatos para que estes

dizem respeito ao modo como se toma o fato descrito no antecedente.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 57-58). 70 “O direito positivo se exprime com locuções como “estar facultado a fazer ou omitir”, “estar obrigado a fazer ou omitir”, “estar impedido de fazer ou omitir”. E tais locuções não descrevem como factualmente o sujeito agente se comporta, mas como deve comportar-se.” (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005, p. 68). 71 “Esse caminho, em que o direito parte de concepções abrangentes, mais distantes, para se aproximar da região material das condutas intersubjetivas, ou, na terminologia própria, iniciando-se por normas jurídicas gerais e abstratas, para chegar às individuais e concretas, e que é conhecido por ‘processo de positivação’, deve ser necessariamente percorrido, a fim de que o sistema alimente suas expectativas de regulação efetiva dos comportamentos sociais. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 436. 72 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 32. 73 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 436. 74 “É que muitas vezes, o direito posto não se satisfaz com a linguagem ordinária que utilizamos em nossas comunicações corriqueiras: exige uma forma especial, fazendo adicionar declarações perante autoridades determinadas, requerendo a presença de testemunhas e outros requisitos mais.

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se constituam juridicamente, ou seja, é imprescindível que o relato linguístico seja

feito de acordo com a forma prevista em lei.

Assim, a ocorrência de um fato previsto no antecedente da regra matriz

de incidência, com o respectivo relato em linguagem competente, instaura uma

relação jurídica de cunho patrimonial que denominamos obrigação tributária.

É neste exato instante, da instauração dessa relação jurídico-tributária,

que nasce para o Fisco o direito de cobrar determinada quantia do particular –

crédito tributário75. Defendendo este posicionamento Paulo de Barros Carvalho

ensina:

Nasce o crédito tributário no exato instante em que irrompe o laço obrigacional, isto é, ao acontecer, no espaço físico exterior em que se dão as condutas inter-humanas, aquele evento hipoteticamente descrito no suposto da regra-matriz de incidência tributária, mas desde que relatado em linguagem competente para identificá-lo.76

Assim, pode-se observar que a fenomenologia da incidência tributária,

pressupõe dois mecanismos: o da subsunção e da implicação. A subsunção

relaciona-se com o fenômeno da inclusão de classes, no qual “uma ocorrência

concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica

unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral

e abstrata”. A implicação, por sua vez, pressupõe que “o antecedente implica a tese,

vale dizer, o fato concreto, ocorrido hic et nunc, faz surgir uma relação jurídica

também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito” 77.

Justamente o que sucede no caso do nascimento. A linguagem do direito não aceita as comunicações que os pais fazem aos vizinhos, amigos e parentes. Impõe, para que o fato se dê por ocorrido juridicamente, um procedimento específico. Eis a linguagem do direito positivo (Ldp) incidindo sobre a linguagem da realidade social (Lrs) para produzir uma unidade na linguagem da facticidade jurídica (Lfj)”. CARVALHO, Paulo de Barros Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 426. 75 “Definimos crédito tributário como o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em dinheiro.” CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 430. 76 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 431. 77 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 483.

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Em outras palavras, não é possível diferenciar incidência de aplicação

que ocorrem sempre no mesmo momento, após um ato humano realizar a

subsunção do fato a norma, implicando no nascimento da obrigação tributária.

1.3.2. As formas de constituição da obrigação tributária

A incidência tributária ocorre por meio da edição de uma norma individual

e concreta, que faz nascer a obrigação tributária. Mas que norma é essa? Quem é o

sujeito competente para instituí-la?

Alguns autores defendem que apenas a Administração Tributária tem

competência para constituir o crédito tributário, e este ato seria feito,

exclusivamente, por meio do lançamento, conforme determina o art. 142 do Código

Tributário Nacional. Diante disso, surge divergência no que diz respeito a

modalidade do lançamento por homologação, uma vez que nele todos os atos são

praticados pelo contribuinte, cabendo à Administração apenas a posterior

homologação desses atos.

O Código Tributário Nacional, no capítulo referente à “Constituição do

Crédito Tributário”, define Lançamento Tributário, nos termos do art. 142:

Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. (grifo nosso)

Paulo de Barros Carvalho afirma que “’lançamento’ é palavra que padece

do problema semântico da ambiguidade, do tipo, ‘processo/produto’, como tantas

outras nos discursos prescritivo e descritivo do direito”78.

As definições79 encontram fundamento justamente na necessidade de

afastar a ambiguidade e vagueza dos termos que se pretende estudar, a fim de

78 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 445.

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produzir um texto preciso e coerente, livre de possíveis contradições. Este é o

propósito da definição: explicar e aclarar o significado das palavras.

Entende-se que um termo é vago “quando seu possível campo de

referência é indefinido”80. É preciso considerar o contexto em que o termo está

inserido para eliminar com propriedade sua vagueza e eventual ambiguidade,

escolhendo o conceito adequado para a situação contextual em questão.

Seguindo esta linha de raciocínio, ensina Eurico Marcos Diniz de Santi:

“definir o vocábulo ‘lançamento’ como utilizado no Código Tributário Nacional implica

considerar sua significação, ante o contexto frásico e textual, em cada uma de suas

aparições”81.

O Código Tributário Nacional ora define lançamento como um

procedimento administrativo (art. 142), ora se reporta ao lançamento como um ato

(art. 150, caput82).

Trata-se de um problema que cabe aos cientistas do direito solucionar83,

uma vez que a plurivocidade que atinge a linguagem do direito positivo, não deve

ser transferida à linguagem técnica da Ciência do Direito84.

Paulo de Barros Carvalho diferencia procedimento de ato da seguinte

forma:

Como providência epistemológica de bom alcance, podemos tomar ‘procedimento’ como atividade, como processo de preparação, e ‘ato’ como o produto final, composto por enunciados de teor prescritivo, consubstanciados num documento que passa a integrar o sistema do direito positivo85

79 “As definições jurídicas explícitas não perseguem uma finalidade primordialmente teórica, mas fundamentalmente prática: seu fim essencial consiste em facilitar a interpretação e aplicação das normas que integram cada sistema do direito”. MAYNES, Eduardo Garcia. Lógica del concepto jurídico. México: Fondo de Cultura Econômica, 1995, p. 77. 80 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 2007, p. 234. 81 Lançamento Tributário. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.107. 82 Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. (grifo nosso) 83 Fazer ciência para Luiz Alberto Warat “é transformar um sistema de conceitos lexicográficos em um sistema de conceitos emergentes de um conjunto de estipulações precisas”. WARAT, Luiz Alberto. O direito e sua linguagem. Porto Alegre: Fabris, 1984, p. 57. 84 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.108. 85 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 450.

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A divergência doutrinária acerca deste tema é grande.

Rubens Gomes de Souza86 afirma que lançamento pode ser tanto ato

como procedimento. Já Alfredo Augusto Becker87 entende que lançamento se trata

de um procedimento administrativo. E Amilcar Araújo Falcão88 acolhe a tese do

lançamento como ato administrativo.

Paulo de Barros Carvalho também entende lançamento tributário como

ato administrativo, mas ressalta que “se nos detivermos na concepção de que ato é,

sempre, o resultado de um procedimento e que tanto ato quanto procedimento hão

de estar, invariavelmente, previstos em normas do direito posto, torna-se intuitivo

concluir que norma, procedimento e ato são momentos significativos de uma e

somente uma realidade”89.

Dessa forma, conclui-se que para solucionar o problema semântico do

termo “lançamento”, é fundamental analisar cada contexto para determinar, em

função dele, qual conceito se objetivou empregar.

Ou seja, são válidas quaisquer das acepções em que o termo lançamento

é empregado: norma, ato ou procedimento. “a prevalência de qualquer das três

acepções dependerá do interesse protocolar de quem se ocupe do assunto”90.

Assim, para designar lançamento tributário91 como resultado da atividade

desenvolvida no curso do procedimento, utilizaremos o conceito dado por Paulo de

Barros Carvalho, que o define como:

Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na

86 “O lançamento pode portanto ser definido como ato ou serie de atos de administração vinculada e obrigatória que tem como fim a constatação e a valoração qualitativa e quantitativa das situações que a lei define como pressupostos da incidência; e como consequência, a criação da obrigação tributária em sentido formal.” Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 102. 87 “O lançamento (‘acertamento’) tributário consiste na série de atos psicológicos e materiais ou jurídicos praticados pelo sujeito passivo (contribuinte), ou pelo sujeito ativo (Estado) da relação jurídica tributária, ou por ambos, ou por um terceiro [...]”. Teoria geral do direito tributário, São Paulo: Lejus, 2002, p. 359. 88 “Ato declaratório, o lançamento não cria a obrigação tributária”. Fato Gerador da Obrigação Tributária. São Paulo: Noeses, 2013. 89 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 453. 90 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 453. 91 Como assevera Décio Porchat, lançamento é o “ato, composto por uma série finita de enunciados prescritivos, expedidos por agente público, a partir do qual o intérprete irá compor a norma individual e concreta que constitui o crédito tributário”. Suspensão do crédito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 77.

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ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.92

Dessa forma, o lançamento tributário é um ato administrativo, privativo da

Administração Pública, que institui uma norma individual e concreta, constituindo a

obrigação tributária.

Observa-se que o Código Tributário Nacional institui três espécies de

lançamento: (i) lançamento de oficio ou direto; (ii) lançamento misto ou por

declaração; e (iii) lançamento por homologação. Essa classificação leva em

consideração o índice de colaboração do sujeito passivo na constituição do ato

administrativo25.

O lançamento de ofício está previsto no art. 149 do CTN e não depende

da participação do particular na sua elaboração. Apenas a Administração praticará

os atos tendentes a cobrança do tributo. Um exemplo dessa modalidade de

lançamento é o IPTU.

No lançamento por declaração tanto o particular quanto a Administração

participam na elaboração do lançamento. O primeiro fornece dados para que o

segundo o realize. Sua previsão legal encontra-se no art. 147 do CTN. Atualmente,

não há nenhum caso de tributo constituído dessa forma no ordenamento jurídico

brasileiro.

Já o lançamento por homologação é aquele em que o particular pratica

todas as atividades necessárias para a apuração do crédito tributário, não havendo

qualquer participação da Administração, a quem competirá apenas homologar o ato

praticado pelo sujeito passivo, no prazo de cinco anos.

Por determinar o supracitado art. 142 do CTN que o ato de lançamento é

privativo da autoridade administrativa e no lançamento por homologação não haver

a participação da Administração, que se limita a homologar os atos praticados pelo

contribuinte, surgiram duas questões: ou a constituição do crédito ocorreria apenas

92 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 458.

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com a homologação da Administração, ou a sua constituição não seria ato privativo

da Administração e também o contribuinte poderia fazê-la por meio de sua

declaração.

Afirmar que também nas hipóteses do chamado lançamento por

homologação a constituição do crédito apenas ocorrerá com o ato da Administração,

ou seja, com a homologação, revela algumas inconsistências, tais como a distinção

entre o momento de surgimento do crédito e da obrigação tributária, o que não é

admissível, conforme ensina Paulo de Barros Carvalho93:

Retomemos a mensagem do art. 142, do CTN, para lembrar que esse Estatuto faz uma distinção, no meu entender, improcedente, entre crédito e obrigação, como se fora possível, à luz da Teoria Geral do Direito, separar essas duas entidades. A obrigação nasceria com o acontecimento do “fato gerador”, mas surgiria sem crédito que somente com o “procedimento de lançamento” viria a ser “constituído”. Que obrigação seria essa, em que o sujeito ativo nada tem por exigir (crédito) e o sujeito passivo não está compelido a qualquer conduta? O isolamento do crédito em face da obrigação é algo que atenta contra a integridade lógica da relação, condição mesma de sua existência jurídica.

Assim, para evitar a incongruência mencionada, este autor entende que a

obrigação tributária pode ser constituída tanto pela Administração Pública, quanto

pelo particular. No entanto, por ser explícito no CTN que o lançamento é ato

privativo da Administração, a constituição da obrigação por ato do particular ocorrerá

por meio da apresentação de Declaração, sendo, portanto, impróprio falar-se em

“lançamento” por homologação.

Assim, são atos de aplicação da lei ao caso concreto tanto o lançamento

tributário quanto a atividade do particular de verificar a ocorrência do fato gerador da

obrigação, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido e

adiantar o pagamento.

Quando o agente administrativo ou o particular certificam em linguagem

competente94 (lançamento tributário/declaração, respectivamente) a ocorrência de

93 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 446. 94 “Algo, portanto, só será relevante para o direito quando descrito em linguagem e, por se tratar de um sistema com regras próprias, é necessário não só linguagem, mas sim uma linguagem competente, significa dizer, que atenda aos requisitos prescritos pelo próprio ordenamento”.

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um evento que possui todas as características previstas no antecedente da norma

geral e abstrata, constitui-se o crédito tributário, formalizando-se a obrigação

tributária.

É possível perceber que o legislador quis atribuir caráter constitutivo à

atividade do particular, assim como atribuiu ao lançamento tributário95, observando-

se o disposto no art. 150, § 1º do CTN96 (lançamento por homologação) que

estabelece a extinção do crédito tributário com o pagamento antecipado.

Esse dispositivo legal, ao assim estabelecer, permite-nos concluir que o

crédito já existe com a simples atividade do particular, uma vez que não se pode

extinguir o que ainda não existe.

Cabe aqui mencionar, que o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o

entendimento sobre a possibilidade do sujeito passivo constituir o crédito tributário,

sumulando-o:

Súmula 436. A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.

Dito isto, verifica-se que os veículos introdutores de norma individual e

concreta capazes de constituir o crédito tributário são tanto o lançamento tributário,

quanto a atividade de quantificação realizada pelo sujeito passivo. Porém, apenas o

ato de formalização do crédito feito pela Administração é que podemos denominar

de Lançamento Tributário.

Em conformidade com o disposto no art. 142 do CTN, lançamento é

apenas o ato praticado exclusivamente pela autoridade administrativa, não sendo

FIGUEIREDO, Marina Vieira de. Lançamento Tributário: revisão e seus efeitos. São Paulo: Noeses, 2014. 95 Inúmeros doutrinadores defendem a tese do lançamento como ato declaratório, como é o caso do Prof. Estevão Horvath: “Adotamos a tese declarativa, porquanto entendemos que a obrigação nasce com a ocorrência do fato gerador, sendo somente declarada mediante o ato de lançamento”. (Lançamento tributário e “autolançamento”, p. 77). Porém, não é este o entendimento adotado neste trabalho. Seguimos o entendimento de Paulo de Barros Carvalho que entende Lançamento como ato constitutivo: “E quando cabe ao Fisco, em caráter inaugural, montar a linguagem competente, será ele constitutivo, tanto do fato jurídico tributário como da obrigação que se irradia pelo liame lógico da imputação normativa (“causalidade jurídica, na terminologia de Lourival Vilanova). Curso de direito tributário, p. 462. 96 Art. 150. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.

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possível então, considerar o chamado “lançamento” por homologação como uma

espécie de lançamento tributário, apesar de também ser capaz de constituir o crédito

tributário, formalizando a obrigação tributária.

Assim, pode-se concluir que, independentemente do sujeito que constitua

a obrigação tributária, o procedimento é o mesmo: aplica-se a norma que institui o

tributo e, como resultado, tem-se a produção de uma norma individual e concreta,

seja ela o lançamento ou a declaração do particular.

1.4. Isenção Tributária

1.4.1. Isenção Tributária como espécie do gênero Benefício Fiscal

Para afastar a ambiguidade e vagueza inerente aos termos que se

pretende estudar a definição97 é o meio mais adequado. Esta é justamente a sua

função: explicar e aclarar o significado das palavras.

Sendo assim, cumpre neste momento definir “benefício fiscal”, a fim de

diferenciá-lo de isenção e também de redução da base de cálculo. Neste trabalho

benefício fiscal será utilizado como sinônimo de incentivo fiscal98.

Jose Souto Maior Borges99 diferencia incentivos tributários de incentivos

financeiros, colocando-os como espécies do gênero incentivo fiscal:

Os incentivos fiscais lato sensu podem ser desdobrados em a) incentivos tributários propriamente ditos, ou mais amplamente b) incentivos financeiros (tributários e extratributários).

(...)

Os incentivos fiscais em sentido lato podem relacionar-se quer ao âmbito tributário (incentivos tributários propriamente ditos, como as isenções e reduções de tributo), quer por exclusão ao âmbito financeiro (p. ex., financiamento empresarial)

97 “As definições jurídicas explícitas não perseguem uma finalidade primordialmente teórica, mas fundamentalmente prática: seu fim essencial consiste em facilitar a interpretação e aplicação das normas que integram cada sistema do direito”. MAYNES, Eduardo Garcia. Lógica del concepto jurídico. México: Fondo de Cultura Econômica, 1995, p. 77 98 “Nesse sentido, a CF de 1988, no afã de nada deixar fora da lei complementar, foi até pleonástica. Porque todo ‘benefício fiscal’ acaba por confundir-se com um ‘incentivo’”. (BORGES, José Souto Maior. Sobre as isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 06, p. 69) 99 A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua Inaplicabilidade a Incentivos Financeiros Estaduais. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 63, p. 83.

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Cientes da distinção entre incentivos tributários e financeiros cumpre

destacar que não se tratará neste trabalho sobre os financeiros, sendo assim ao

falar-se em benefício/incentivo fiscal se estará referindo exclusivamente aos

incentivos tributários.

Geraldo Ataliba e José Arthur Lima Gonçalves100 incluem no conceito de

benefício fiscal variadas formas jurídicas, quais sejam, a imunidade, isenção,

alíquotas reduzidas, manutenção de créditos, ect...:

Os incentivos fiscais manifestam-se, assim, sob várias formas jurídicas, desde a forma imunitória até a de investimentos privilegiados, passando pelas isenções, alíquotas reduzidas, suspensão de impostos, manutenção de créditos, bonificações, créditos especiais – dentre eles os chamados créditos-prêmio – e outros tantos mecanismos, cujo fim último é, sempre, o de impulsionar ou atrair, os particulares para a prática das atividades que o Estado elege prioritárias, tomando, por assim dizer, os particulares em participantes e colaboradores da concretização das metas postas como desejáveis ao desenvolvimento econômico e social, por meio da adoção do comportamento ao qual são condicionados.

O Min. Cezar Peluso, ao proferir voto na ADI nº 2.777, acrescentou que “o

benefício fiscal, ou incentivo fiscal, tem por finalidade estimular ou desestimular

comportamentos, mediante desoneração ou redução de carga tributária, ou ainda,

concessão de condições mais favoráveis para o pagamento de tributo devido”.

Pode-se dizer então que a isenção configura uma das várias espécies do

gênero benefício fiscal.

1.4.2. Teorias sobre a isenção

O conceito de isenção tributária é assunto polêmico que foi amplamente

estudado e debatido pela doutrina e jurisprudência e, em decorrência disso, alvo de

divergências, que deram origem a inúmeras teorias doutrinárias sobre o assunto.

100 Crédito Prêmio de IPI – Direito adquirido – Recebimento em dinheiro. Revista de Direito Tributário. São Paulo, nº 55, p. 166-167.

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Destacaremos três teorias sobre o tema: (i): Isenção como dispensa legal

do pagamento do tributo devido; (ii) a isenção como hipótese de não incidência

legalmente qualificada; e (iii) a isenção como mutilação parcial dos critérios da regra

matriz de incidência tributária.

A doutrina tradicional encabeçada por Rubens Gomes de Souza101

defende a primeira teoria, alegando que a isenção é um “favor fiscal, que consiste

em dispensar o pagamento de um tributo devido102”.

O Código Tributário Nacional ao prever a isenção como forma de

exclusão do crédito tributário adota esta teoria, entendo que a obrigação tributária

nasceria para, posteriormente, ser excluída.

Assim, fica claro que para Rubens Gomes de Souza a isenção pressupõe

a incidência, tendo referido autor se preocupado em diferenciar ‘não incidência’ de

‘isenção’:

É importante fixar bem as diferenças entre não-incidência e isenção: tratando-se de não incidência, não é devido o tributo porque não chega a surgir a própria obrigação tributária; ao contrário, na isenção o tributo é devido, porque existe a obrigação, mas a lei dispensa o seu pagamento; por conseguinte, a isenção pressupõe a incidência, porque é claro que só se pode dispensar o pagamento de um tributo que seja efetivamente devido103.

Pressupondo-se que a obrigação tributária nasça para que depois haja a

dispensa do pagamento, haveria nesta situação uma cronologia de incidências, em

que uma norma (a tributária) incide primeiro que a outra (a isentante), dispensando o

recolhimento do tributo. Esta é uma das críticas feita a primeira teoria. Não é

possível estipular cronologia entre a incidência das normas.

A segunda dificuldade em se aceitar a conceituação de Rubens Gomes

de Souza está na impossibilidade de se diferenciar a isenção da remissão, que nada

101 No mesmo sentido Amílcar de Araújo Falcão pronunciou-se sobre o assunto: “Na isenção, diversa é a hipótese. Nela, há incidência, ocorre o fato gerador. O legislador, todavia, seja por motivos relacionados com a apreciação da capacidade econômica do contribuinte, seja por considerações extrafiscais, determina a inexigibilidade do débito tributário ou, como diz Rubens Gomes de Souza, delibera ‘dispensar o pagamento de um tributo devido’.” (FALCÃO, Amilcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 7ª edição. São Paulo: Noeses, 2013, p. 88). 102 Compêndio de legislação tributária. Obra póstuma. São Paulo: ed. Resenha Tributária, 1975, p. 97. 103 SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Obra póstuma. São Paulo: ed.

Resenha Tributária, 1975, p. 97.

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mais é do que o perdão legal do débito tributário. Assim, ambas se confundiriam em

um só conceito.

Pretendendo solucionar estes problemas, a segunda teoria pensada por

José Souto Maior Borges, com base nos ensinamentos de Alfredo Augusto

Becker104, defende ser a isenção uma hipótese de não incidência, legalmente

qualificada, da norma que prescreve a obrigação tributária e, simultaneamente, uma

hipótese de incidência da norma isentante105.

Dessa forma não ocorreria o nascimento da obrigação tributária, uma vez

que apenas norma que institui a isenção iria incidir:

Nas hipóteses de isenção, a lei pré-exclui do âmbito das normas obrigacionais tributárias os fatos isentos. As técnicas de exoneração são diversas, ora é o pressuposto objetivo, ora subjetivo, ora o temporal, ora o espacial. Enquanto norma excepcional diante da normatividade geral da tributação, a isenção se funda em pressupostos de incidência diferentes dos contemplados em norma jurídica obrigacional tributária. Daí a impossibilidade lógica (é devido, não é devido) e fenomenológica da incidência simultânea das duas normas, a obrigacional e a isentante. Não por outro motivo ocorreu-me caracterizar a isenção como hipótese de não-incidência legalmente qualificada, autonomizada, enquanto tal, das hipóteses constitucionais de não-incidência (imunidade tributária)106.

104 Criticando a teoria de Rubens Gomes de Souza, Alfredo Augusto Becker escreve: “Na verdade, não existe aquela anterior relação jurídica e respectiva obrigação tributária que seriam desfeitas pela regra jurídica da isenção. Para que pudesse existir aquela anterior relação jurídica tributária, seria indispensável que, antes da incidência da regra jurídica de isenção, houvesse ocorrido a incidência da regra jurídica de tributação. Porém, esta nunca chegou a incidir porque faltou, ou excedeu, um dos elementos da composição de sua hipótese de incidência, sem o qual ou com o qual, ela não se realiza. Ora, aquele elemento faltante, ou excedente, é justamente o elemento que, entrando na composição da hipótese de incidência da regra jurídica de isenção, permitiu diferençá-la da regra jurídica de tributação, de modo que aquele elemento sempre realizará uma única hipótese de incidência: a da isenção, e desencadeará uma única incidência: a da regra jurídica da isenção, cujo efeito jurídico é negar a existência de relação jurídica tributária. A regra jurídica de isenção incide para que a de tributação não possa incidir”. (Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Noeses, 2007, p. 324-325). 105 “A isenção configura simultaneamente: 1º) hipótese de não incidência, legalmente qualificada, da norma que prescreve a obrigação tributária. (...) 2º) hipótese de incidência da norma que a institui. A norma isentante incide precisamente porque, na regra tributária, falta um pressuposto de incidência (objetivo ou subjetivo) preenchido no preceito isentante.(...)”. (BORGES, José Souto Maior. Sobre as isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 06, p. 70). 106 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.199-200.

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Ocorre que, também nesta hipótese pressupõe-se uma cronologia de

incidências das normas, uma vez que a norma isentante incidiria primeiro, para que

a norma tributária não incida.

Este fato, somado ao problema lógico da definição pela negativa, fez que

com Paulo de Barros Carvalho propusesse um novo conceito, descrevendo o

fenômeno apenas no plano normativo: isenção como mutilação parcial da regra

matriz de incidência tributária:

Em resumo, a terceira teoria considera a isenção como norma (em

sentido amplo) de estrutura que subtrai parcialmente o campo de abrangência da

regra matriz de incidência tributária, esta sim, uma regra de conduta107.

Referido professor destaca oito maneiras possíveis para a regra de

isenção inibir a funcionalidade da regra matriz de incidência tributária:

I – pela hipótese a) atingindo-lhe o critério material, pela desqualificação do verbo; b) atingindo-lhe o critério material, pela subtração do complemento; c) atingindo-lhe o critério espacial; d) atingindo-lhe o critério temporal II – pelo consequente e) atingindo-lhe o critério pessoal, pelo sujeito ativo; f) atingindo-lhe o critério pessoal, pelo sujeito passivo; g) atingindo-lhe o critério quantitativo, pela base de cálculo; h) atingindo-lhe o critério quantitativo, pela alíquota.108

É importante destacar que o autor entende não ser possível que se mutile

a totalidade da regra matriz, e por isso destaca que a mutilação deve ser parcial,

uma vez que, se assim fosse, anular-se-ia a própria regra matriz de incidência

tributária:

O timbre da parcialidade há de estar presente. Se por ventura o legislador vier a desqualificar, semanticamente, todos os verbos; se subtrair a integralidade dos complementos; se anular por inteiro, toda

107 Sobre a diferenciação entre normas de estrutura e de conduta, Paulo de Barros Carvalho escreve: “A distinção é relevantíssima. Ambas têm a mesma constituição interna: uma hipótese, descritora de um fato, e uma consequência, que é o mandamento normativo. Só que, nas regras de conduta, o consequente ou prescritor expede um comando voltado ao comportamento das pessoas, nas suas relações de intersubjetividade, enquanto nas regras de estrutura o mandamento atinge outras normas, e não a conduta diretamente considerada” (Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 567) 108 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 570-571.

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a amplitude do critério espacial; ou se retirar todas as unidades da escala do critério temporal, evidentemente que o evento tributário jamais acontecerá no mundo físico exterior, o que equivale à revogação da regra-matriz, por ausência do descritor normativo. Também no consequente, se ficar totalmente comprometido o sujeito ativo; se extratarmos o conjunto global dos sujeitos passivos; se reduzirmos todas as bases de cálculo ou todas as alíquotas ao valor zero, é óbvio que nunca surdirá à luz uma relação jurídica daquele tributo, o que significa a inutilização cabal da norma-padrão de incidência.109

Assim, ao conceituar isenção como mutilação parcial, Paulo de Barros

Carvalho refere-se à regra matriz de incidência do tributo como um todo,

pretendendo salientar que se a mutilação excluir todas as possibilidades de

incidência do tributo resultará na sua completa inutilização.

Opta-se neste trabalho pelo conceito de isenção defendido por esta

terceira teoria pelo maior rigor ao limitar a sua análise ao âmbito normativo, além de

entender-se fundamental a diferenciação entre isenção e não incidência - apesar de

não haver conflito evidente entre ela e a segunda teoria110.

1.4.3. Da interpretação da expressão “parcial” no conceito de

isenção de Paulo de Barros Carvalho

Cumpre esclarecer eventual ambiguidade que o uso da expressão

“parcial” possa acarretar àquele que interpreta o conceito de isenção de Paulo de

Barros Carvalho. Conforme destacamos acima, a parcialidade se refere à regra

matriz de incidência, visando excluir do conceito de isenção as situações em que se

anulem todas as possibilidades de incidência do tributo, não se confundindo com a

mera redução de um dos seus critérios, que se condicionou chamar impropriamente

de isenção parcial.

109 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 574. 110 Roque Antônio Carrazza ao consultar o prefácio da 2ªª edição do livro de Souto Maior Borges verifica que este autor acolheu bem as ideias de Paulo de Barros Carvalho, concluindo que “os dois conceitos (o de Souto Maior e o de Barros Carvalho) não se excluem; antes, se completam. Apenas captam o fenômeno da isenção tributária por ângulos diversos. Conjugados permitem uma melhor visualização deste interessante e ainda tão pouco explorado assunto”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 998)

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No que diz respeito aos critérios componentes dessa regra, a parcialidade

não se aplica. Para que a isenção ocorra é necessário que a situação que se

objetiva isentar seja totalmente desonerada. É o que ocorre quando a isenção se dá

pela mutilação do critério quantitativo. Nessas situações, a base de cálculo ou a

alíquota devem ser reduzidas totalmente para que a isenção seja possível. Uma vez

que, se a redução for parcial, ainda ocorrerá a incidência, descaracterizando a

isenção.

Este é o caso da alíquota zero. Ela é sinônimo de isenção, uma vez que

qualquer situação que tenha a alíquota reduzida a zero, não ensejará o pagamento

de tributo, por ausência de incidência da norma.

Assim, com base nos estudos de Paulo de Barros Carvalho111 entende-se

tratar a alíquota zero de pura isenção tributária:

É o caso da alíquota zero. Que experiência legislativa será essa que, reduzindo a alíquota a zero, aniquila o critério quantitativo do antecedente da regra-matriz do IPI? A conjuntura se repete: um preceito é dirigido à norma-padrão, investindo contra o critério quantitativo do consequente. Qualquer que seja a base a base de cálculo, o resultado será o desaparecimento do objeto da prestação. Que diferença há em inutilizar a regra de incidência, atacando-a num critério ou noutro, se todos são imprescindíveis à dinâmica da percussão tributária? Nenhuma. No entanto, o legislador designa de isenção alguns casos, porém, em outros, utiliza fórmulas estranhas, como se não se tratasse do mesmo fenômeno jurídico. Assim ocorre com supressões do critério temporal (suspensão ou diferimento do imposto) e do critério material, quando se compromete o verbo (chamada de definição negativa de incidência).

A situação pode parecer confusa, quando se pensa nos demais critérios.

Isto porque se forem esvaziados completamente, o tributo não subsistirá.

Exemplificando, uma isenção de imposto sobre a renda (IR) para servidores

diplomáticos de governos estrangeiros, atinge a regra-matriz de incidência no critério

pessoal, mas não o exclui totalmente, continuando a incidir IR sobre os demais

sujeitos passivos112.

111 Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 570. 112 De qualquer maneira, guardando sua autonomia normativa, a regra de isenção ataca a própria esquematização formal da norma-padrão de incidência, para destruí-la em casos particulares, sem aniquilar a regra-matriz, que continua atuando regularmente para outras situações. Se a operação é isenta, a regra-matriz de incidência fica neutralizada, não havendo falar-se em acontecimento do “fato

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Apesar destes critérios não poderem ser mutilados totalmente, precisam

destruir, e aí sim totalmente, o caso particular que se pretende isentar: todos os

servidores diplomáticos, utilizando o exemplo acima. Afinal, só existe isenção se não

ocorrer o nascimento da obrigação tributária que se pretender isentar.

E por este motivo não se pode afirmar que este autor aceite a existência

de “isenção parcial”. A parcialidade não é utilizada para referir-se especificamente

aos critérios da regra matriz, mas a ela como um todo:

Quando me refiro à mutilação parcial da regra-matriz de incidência, entretanto, não estou me referindo à mera diminuição de um de seus elementos. Quero com isso deixar claro apenas que a supressão do critério não pode ser total, de modo que represente aniquilação da norma-padrão como um todo. Não é possível, por exemplo, instituir isenção que subtraia da regra-matriz do ICMS o elemento “operação de circulação de mercadorias”, pois isso significaria extinguir aquele

imposto em sua totalidade113.

Dessa forma, a “isenção parcial” não se encaixa no conceito de isenção,

caracterizando-se como mera redução do quantum de tributo que deve ser pago.

Também José Souto Maior Borges114 reconhece a impropriedade do

termo isenção parcial, e admite que ele não possui rigor terminológico por tratar-se,

na realidade, de mera redução tributária, uma vez que há o nascimento do tributo:

Ao lado das isenções ditas totais, a doutrina equivocadamente coloca as “isenções” parciais, como espécies de um só e mesmo gênero. A isenção (total) é, como visto, uma hipótese de não-incidência da norma que prescreve a obrigação tributária. Já a impropriamente denominada “isenção parcial” não corresponde a hipótese em que a norma tributária não incida. Nela a norma tributária incide: surge para o “parcialmente isento” a obrigação tributária. Só que aí a lei determina uma diminuição do montante do tributo decorrente de redução (a) da base de cálculo e/ou (b) da alíquota do tributo. Não por outro motivo as isenções parciais melhor seriam nomeadas: reduções de tributo115.

gerador” e, por via de consequência, em nascimento da obrigação tributária. (Paulo de Barros Carvalho. Parecer, 2006. Não publicado) 113 CARVALHO, Paulo de Barros. Parecer. 2006, Não publicado, p. 30. 114 Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 279-280. 115 BORGES, José Souto Maior. Sobre as isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 06, p. 70.

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Reforça esse entendimento Sacha Calmon Navarro Coelho116:

Ocorre, no entanto, que, à luz da teoria da norma jurídica tributária, a denominação de isenção parcial para o fenômeno da redução parcial do imposto a pagar, através das minorações diretas de bases de cálculo e de alíquotas, afigura-se absolutamente incorreta e inaceitável. A isenção ou é total ou não é, porque a sua essentialia consiste em ser modo obstativo ao nascimento da obrigação. Isenção é o contrário de incidência. As reduções, ao invés, pressupõem a incidência e a existência do dever tributário instaurado com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese de incidência da norma de tributação. As reduções são diminuições monetárias do quantum da obrigação, via base de cálculo ou alíquota reduzida”

Destas colocações é possível concluir que o conceito “isenção parcial”117

é uma contradição em termos, afinal, ou (i) não haverá incidência e se estará diante

de isenção ou (ii) haverá a incidência, mas com redução do valor a ser pago, e se

estará diante de redução de alíquota ou base de cálculo.

Portanto, esclarece-se eventual ambiguidade que o uso do termo “parcial”

no conceito de isenção de Paulo de Barros Carvalho possa acarretar, destacando

que ele se refere apenas à regra matriz de incidência e não aos seus critérios, já que

a redução destes deve ser total para que não haja o nascimento da obrigação

tributária.

1.5. Redução da Base de Cálculo

Diversamente da isenção, a redução da base de cálculo não foi alvo de

estudos minuciosos a ponto de discutirem teorias a respeito de seu conceito ou de

sua natureza jurídica. O que se observa dos textos escritos sobre este assunto é

apenas uma preocupação em distinguir a redução da base de cálculo do conceito de

isenção. Vejamos.

116 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, nº 149, fev./2008, p. 107.

117

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Paulo de Barros Carvalho entende ser a redução da base de cálculo, uma

mera redução do quantum de tributo devido, alertando que ela não pode ser

confundida com a isenção:

Não confundamos subtração do campo de abrangência do critério da hipótese ou da consequência com mera redução da base de cálculo ou da alíquota, sem anulá-las. A diminuição que se processa no critério quantitativo, mas que não conduz ao desaparecimento do objeto, não é isenção, traduzindo singela providência modificativa que reduz o quantum de tributo que deve ser pago.118

Também Sacha Calmon refere-se à redução da base de cálculo como

redução do quantum tributário:

As reduções de base de cálculo e de alíquotas decorrem do modo de calcular o conteúdo pecuniário do dever tributário, determinando uma forma de pagamento – elemento liberatório do dever – que implica, necessariamente, uma redução do quantum tributário em relação à generalidade dos contribuintes (ou em relação à situação impositiva imediatamente anterior)119

Este autor classifica-a ainda como uma exoneração interna contida no

consequente da regra matriz de incidência e apresenta a seguinte tabela para

explicar os diversos tipos de fenômenos exonerativos120:

118 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.575. 119 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 149, p. 103. 120 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 149, p. 91.

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Exoneração nas hipóteses

(qualitativas)

Imunidades

Exonerações Internas

Exonerações nas

consequências

(quantitativas)

Isenções

Reduções diretas de base

de cálculo e de alíquotas

Deduções tributárias de

despesas presumidas e

concessão de créditos

presumidos

Remissões

Exonerações Externas

Devolução de tributos

Outros autores, apesar de não explicitarem o conceito, também

demonstram que a redução da base de cálculo não pode ser equiparada à isenção

(parcial), como é o caso de Roque Antonio Carrazza121:

Na hipótese de o contribuinte optar pela tributação com base de cálculo reduzida, ele não fica isento do pagamento do ICMS, mas, apenas, vê diminuído o montante a pagar. Há, pois, incidência, embora esta leve a uma redução do quantum debeatur.

A incidência tributária é o ponto fundamental para diferenciar a isenção da

redução da base de cálculo: nos casos de isenção a incidência da norma tributária

não ocorre, ao passo que nas hipóteses de redução da base de cálculo há a

incidência, o que fará com que o tributo nasça com um valor reduzido.

121 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. Não publicado, 2011, p. 33.

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Sacha Calmon122, além de frisar a impossibilidade de equiparação da

redução da base de cálculo à isenção parcial, tendo em vista a impropriedade deste

conceito123, destaca ainda que o próprio art. 150, § 6º da CF estabelece a diferença

entre os conceitos e critica a alteração de entendimento do STF sobre o tema:

Entretanto, de inopino, a Corte máxima, rompendo com a coerência e previsibilidade requeridas pelo princípio da confiança nas decisões das Cortes Constitucionais – tão respeitado a Europa - mudou posteriormente de opinião ao único argumento de que redução de base de cálculo significa isenção parcial, como se não existisse o art. 150, parágrafo 6º da Constituição Federal que diferencia isenção e redução da base de cálculo.

Assim, estes doutrinadores concordam que a redução da base de cálculo

não possui natureza jurídica de isenção, tratando-se de um conceito independente,

que mais se aproxima do que se denominou erroneamente de “isenção parcial”124,

visto que em ambas as situações há o nascimento do tributo, o que não ocorre nas

hipóteses de isenção total.

1.6. Considerações sobre os conceitos Redução da Base de Cálculo e

sua Equiparação a Isenção (parcial)

É possível observar que o conceito de isenção foi objeto de estudo

aprofundado por doutrinadores que criaram sobre ele teorias a fim de lapidar o

conhecimento a seu respeito. No entanto, o mesmo não ocorreu com a redução da

base de cálculo, sobre a qual apenas se concluiu que o seu conceito não se encaixa

122 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 149, p.87. 123 ”Ocorre, no entanto, que, à luz da teoria da norma jurídica tributária, a denominação de isenção parcial para o fenômeno da redução parcial do imposto a pagar, através das minorações diretas de bases de cálculo e de alíquotas, afigura-se absolutamente incorreta e inaceitável. A isenção ou é total ou não é, porque a sua essentialia consiste em ser modo obstativo ao nascimento da obrigação. Isenção é o contrário de incidência. As reduções, ao invés, pressupõem a incidência e a existência do dever tributário instaurado com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese de incidência da norma de tributação. As reduções são diminuições monetárias do quantum da obrigação, via base de cálculo ou alíquota reduzida” (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 149) 124 “Assim, s.m.j., é impróprio falar em isenção parcial, até porque não há meia-isenção (ou há isenção, ou não há isenção: tertium non datur)”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. 2011. Não publicado, p. 33).

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no de isenção (parcial), uma vez que no caso da redução da base de cálculo a

incidência do tributo pode ser verificada.

Aliás, a expressão “redução de base de cálculo” foi criada, justamente,

para contornar os regimes jurídicos impostos aos bem demarcados conceitos de

isenção e alíquota.

O Min. Marco Aurélio foi dos primeiros que se apercebeu dessa confusão

conceitual e procurou construir paradigmas de gênero próximo e diferença

específica, conforme afirmação feita no julgamento do caso Monsanto:

O direito é ciência e, como tal, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio. A sinonímia não se faz presente. Uma coisa é isenção, outra a não incidência e um terceiro gênero surge quando se cogita da incidência com simples redução de base de cálculo. (Trecho de seu voto no RE nº 174.478/SP, Pg. 12)

No entanto, como se demostrará no Capítulo 7, os demais ministros não

se convenceram desta tese e considerando que os efeitos práticos de ambos os

conceitos se equivalem, equipararam isenção e redução da base de cálculo.

Apesar de certo consenso doutrinário sobre a impossibilidade de

equiparação desses conceitos, a jurisprudência da mais alta corte deste país não a

acatou. É possível que esta lacuna doutrinária e a consequente falta de definição de

um conceito de redução da base de cálculo, tenha refletido nas decisões

inconclusivas do Supremo Tribunal Federal.

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CAPÍTULO 2 – CONVÊNIOS CONFAZ E A DELEGAÇÃO DE

COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 155, §2º, XII, "g" DA CF

Os convênios CONFAZ revelam um jogo dos Estados para reaver a

autonomia perdida sobre a concessão de benefícios fiscais no âmbito do ICMS.

Assim, pretendem tornar os convênios mecanismos meramente autorizativos,

retirando a sua obrigatoriedade e reconquistando a liberdade para optar pela

concessão ou não dos benefícios por meio de suas legislações estaduais.

Exemplo dessa prática aparece objetivamente no caso Santa Lúcia sobre

a interpretação do alcance e sentido do Convênio 128/94:

Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a estabelecer carga tributária mínima de 7% (sete por cento) do ICMS nas saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica. § 1º Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a não exigir a anulação proporcional do crédito prevista no inciso II do artigo 32 do Anexo Único do Convênio ICM 66/88, de 14 de dezembro de 1988, nas operações de que trata o caput desta cláusula.

Os termos “autorizados” acima sublinhados demonstram o início dessa

prática que no lugar da elaboração do convênio com os modais obrigatório ou

proibido, tem-se o expediente do modal facultativo que delega a deliberação sobre a

concessão do benefício ao arbítrio de cada ente estatal.

Afronta-se, aqui, conforme ensina Roque Antonio Carrazza125, o atributo

da indelegabilidade126 da competência tributária colocando em perspectiva a

impossibilidade de delegação da competência que foi outorgada ao CONFAZ para

os Estados.

A exigência de lei específica (art. 150, §6º da CF) é utilizada para justificar

a natureza autorizativa dos convênios, com o argumento de que a concessão de

benefício fiscal depende sempre de lei.

125 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 590 e seguintes. 126 Conforme item 1.1.1 deste trabalho.

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No caso Santa Lúcia a natureza autorizativa dos convênios aparece para

justificar o entendimento pela necessidade de lei específica para a manutenção do

crédito. O que implica considerar essa manutenção como uma nova forma de

benefício fiscal e não como uma decorrência do princípio da não cumulatividade.

No entanto, nem a necessidade de lei específica justifica tornar os

convênios mecanismos meramente autorizativos, nem a manutenção dos créditos

configura nova forma de benefício fiscal127.

2.1. Instituição dos Convênios CONFAZ

Afirma Alcides Jorge Costa que tributos plurifásicos, não cumulativos, não

deveriam ser objeto de isenções, uma vez que elas perturbam a aplicação do tributo,

podendo causar a quebra da sua neutralidade128.

No entanto, o que se observa na prática é a concessão de inúmeras

isenções e demais benefícios fiscais que tumultuam a incidência do ICMS,

desencadeado a guerra entre os entes estaduais. Para contornar estes problemas

foi necessária a instituição de regulamentação sobre sua concessão. A forma

encontrada foi a criação dos convênios.

A instituição deles ocorreu por sugestão dos próprios Estados, que

reunidos no Rio de Janeiro, os criaram por meio do Ato Complementar nº 34 de

1967129. A introdução na Constituição ocorreu com a EC nº1/69 (art. 23, §6º)130, que

conferiu aos convênios, mediante regulamentação de lei complementar, a

competência para concessão de isenções.

127 A manutenção dos créditos configura um direito decorrente do princípio da não cumulatividade, conforme será visto no capítulo 5, item 5.1. 128 “Num imposto plurifásico, não cumulativo, sobre o valor acrescido, o ideal é não haver isenções, que quase sempre perturbam a aplicação do tributo e podem causar quebra do princípio da neutralidade do imposto”. (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 133) 129 SOUZA, Rubens Gomes de. A reforma tributária e as isenções condicionadas. Revista de Direito Administrativo, vol. 92, p. 390 apud COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 124. 130 Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sôbre: (...) § 6º As isenções do impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos têrmos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar.

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A justificativa para tal ato é revelada por Alcides Jorge Costa131 da

seguinte forma:

Tão logo implantado o novo sistema tributário nacional, foi sentida a necessidade de um disciplinamento do poder de outorgar isenções e reduções, através das quais se pode tanto provocar a cumulatividade do imposto, como eliminar-lhe a neutralidade que deve ter em relação ao preço final dos produtos e, por meio disto, favorecer produtores de determinados Estados ou propiciar a integração vertical das empresas, o que é um sub-produto da eliminação daquela neutralidade.

A lei complementar mencionada pelo art. 23, §6º da EC nº1/69 só foi

promulgada em 1975 (LC 24/75), regulamentando a forma de elaboração dos

convênios, vigente até hoje. E com ela foi criado o Conselho Nacional de Política

Fazendária – CONFAZ, órgão que faz parte da estrutura do Ministério da Fazenda,

onde são realizadas as reuniões trimestrais dos entes federados para celebração

dos referidos convênios.

Da exposição de motivos da LC 24/75 e razões legais para criação do

CONFAZ é possível observar que a preocupação em relação a possível anulação da

neutralidade do tributo pelos Estados continuou existindo, verificando-se a

necessidade de implementação de mecanismos para impedir sua ocorrência:

A implementação de um tributo com estas características, como competência dos Estados num País de regime federativo, traz no seu bojo problemas peculiares. Existe um processo de distribuição de receita entre as várias Unidades componentes da Federação, uma vez que o tributo incide em todas as etapas de produção, industrialização e comercialização. Cria-se, consequentemente, a possibilidade de uma Unidade conceder benefícios, isoladamente, anulando a neutralidade do tributo, especialmente no que se refere à localização da atividade econômica. A necessidade de coordenação entre as várias Unidades da Federação surgiu imediatamente após a implantação do novo tributo, quando estas mesmas Unidades iniciaram um processo de alteração nas normas básicas do imposto, fixadas na Legislação Federal, mediante atos que definem uma política fiscal paralela ou contrária à do Governo Federal.132

131 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha

Tributária, 1979, p. 125. 132 Projeto de Lei Complementar 471/1974, p.18 apud SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Parecer, 2015,

não publicado.

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Assim, por tratar-se de tributo de projeção nacional que extrapola os

limites territoriais do Estado, a LC 24/1975 objetivou harmonizar a forma de

concessão de benefícios fiscais pelos Estados, retirando-lhes esta competência e

outorgando-a aos convênios/CONFAZ, na tentativa de impedir a tão temida

anulação da neutralidade fiscal e dos demais benefícios trazidos pela

implementação do sistema não cumulativo.

Esta Lei Complementar foi expressamente133 recepcionada pela

Constituição Federal de 1988, que em seu art. 155, §2º, XII, “g”, manteve a

delegação de competência à lei complementar para regulamentação de concessão

de benefícios fiscais:

Art. 155. §2º. XII - cabe à lei complementar: (...)

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

Nestes termos, Daniel Monteiro Peixoto134 destaca a necessidade de

uniformização das regras do ICMS:

A partir deste postulado – o caráter nacional do ICMS – podemos compreender importante característica da competência tributária relativa a este imposto, consistente no afastamento da característica geral da “facultatividade das competências tributárias”, sendo um tributo de instituição obrigatória pelos Estados-membros, devendo, como já visto, ser obedecidos os comandos uniformizadores previstos em leis nacionais. Como decorrência desta obrigatoriedade, falta também autonomia no que se refere às desonerações fiscais (isenções, incentivos ect.) de modo que só podem ser instituídas pelos Estados em conjunto, mediante deliberação prévia em convênios interestaduais (art. 15, §2º, XII, g da CF/88)

Dessa forma, respeitando a vontade expressa na Constituição, a LC

24/75 buscou centralizar a competência para concessão de benefícios fiscais,

somente autorizando-a mediante a celebração de convênios pelos Estados.

133 ADCT Art. 34 § 8º Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, "b", os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria. 134 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Federação, competência tributária e guerra fiscal entre Estados via ICMS. In SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1090.

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Alcides Jorge Costa135 resume a sistemática dessa lei, destacando seus

principais pontos:

a) Além das isenções, também só através de convênios podem os Estados reduzir a base de cálculo, devolver o tributo total ou parcialmente, direta ou indiretamente, condicionalmente ou não, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; conceder créditos presumidos; instituir quaisquer outros incentivos ou favores fiscais baseados no ICMS, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus; b) os convênios são celebrados em reuniões dos Estados; c) as reuniões realizam-se com a presença de representante da maioria dos Estados; d) a concessão dos benefícios depende sempre de decisão unânime dos Estados representados; sua revogação total ou parcial depende da aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos Estados presentes; e) publicados os convênios, o Poder Executivo, de cada Estado, por decreto, retificá-lo-á ou não. A rejeição deve ser expressa. Os Estados que não tiverem comparecido à reunião também deverão manifestar-se. O prazo para ratificação ou rejeição é de quinze dias; f) a ratificação (ou rejeição) é publicada no Diário Oficial da União e os convênios entram em vigor trinta dias após essa publicação; g) os convênios ratificados obrigam todos os Estados, mesmo os que, regularmente convocados, não se tenham feito representar na reunião.

Como mencionado acima, a necessidade de regulamentação da forma de

concessão de benefícios fiscais pelos Estados, acabou por limitar a autonomia

destes. Obviamente, tal novidade não foi bem recebida por estes entes federados,

que passaram a insurgir-se contra elas.

Trataremos neste capítulo de duas tentativas dos Estados de reaver a

autonomia mitigada. A primeira é a contestação da validade da regra de

unanimidade prevista na LC 24/75. E a segunda, a contestação da natureza

impositiva dos convênios.

A regra da unanimidade complementa a função impositiva dos convênios,

uma vez que só é possível impor consequências a quem tenha se obrigado a fazer

algo. No caso dos convênios, dada a necessidade de centralização, todos precisam

estar obrigados a conceder o benefício.

135 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha

Tributária, 1979, p. 128.

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2.2. A exigência de unanimidade dos Estados

O debate sobre a constitucionalidade da exigência de aprovação unânime

dos Estados para a concessão de benefícios fiscais divide opiniões dos juristas

brasileiros.

Referido debate é atual e ainda não teve pronunciamento do Supremo

Tribunal Federal, que foi instado a se manifestar sobre o tema na ADPF nº 198,

questionando a constitucionalidade da regra da unanimidade (artigos 2º, § 2º, e 4º,

da Lei Complementar nº 24/75), por suposta afronta ao preceito fundamental do

princípio democrático.

O conteúdo dos artigos objeto do litígio é:

Art. 2º. § 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. Art. 4º - Dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados da publicação dos convênios no Diário Oficial da União, e independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de cada Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados, considerando-se ratificação tácita dos convênios a falta de manifestação no prazo assinalado neste artigo.

Os argumentos utilizados por aqueles que são contrários à unanimidade

para a concessão de benefícios fiscais podem ser resumidos da seguinte forma: (i)

viola o princípio federativo, por restringir a autonomia dos Estados; (ii) bem como

ofende o princípio democrático, por tratar-se de regra ditatorial, que privilegia a

vontade das minorias, possibilitando o voto com poder de veto de um único Estado.

Ives Gandra da Silva Martins136, ferrenho defensor da regra de

unanimidade, contrapõe esses argumentos alegando que referida regra decorre da

própria Constituição Federal, não se tratando de disposição isolada da LC 24/75.

Para chegar a essa conclusão, o autor analisa os incisos, IV, V e VI do

§2º do artigo 155 da CF:

136 CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra Fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2ª Ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 09.

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§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação

dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

(...) IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

Verifica que a estipulação de quóruns mínimos de aprovação vem

estabelecida nos incisos IV e V, que tratam da competência do Senado para regular

as alíquotas do ICMS. Já no inciso VI não há qualquer previsão de quórum mínimo

como acontece nos incisos anteriores, sendo atribuído a todos os Estado e ao

Distrito Federal, em conjunto, a deliberação sobre a diminuição das alíquotas

internas em patamar inferior às externas.

A justificativa para a unanimidade, prevista no inciso VI, foi o risco de

descompetitividade caso não houvesse aprovação de todos os Estados na redução

da alíquota interna, procurando evitar assim eventual favorecimento de um

determinado Estado em virtude de maior competitividade no seu mercado interno.

No caso dos incisos IV, não há esse risco, uma vez que as alíquotas

interestaduais e de exportação são uniformes para todos os Estados, bastando a

maioria absoluta do Senado, que age em nome da Federação, para tal

regulamentação.

E também no caso do inciso V, não existe nenhum risco, pois se trata de

faculdade do Senado, que poderá manifestar-se quando houver conflito entre os

Estados na regulamentação de suas alíquotas internas, atuando mais uma vez no

interesse da Federação, através da uniformização das alíquotas.

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Repare-se ainda que o inciso VI faz menção expressa ao inciso XII, “g”,

que trata da concessão de benefícios fiscais pelos Estados, e por esse motivo,

referido autor interpreta que “a unanimidade, que para incentivos fiscais é exigida do

CONFAZ, não é senão um reflexo infraconstitucional do regime de fixação de

alíquotas, imposto pela Constituição ao Senado Federal”137.

Cabe ainda reforçar a tese de Ives Gandra da Silva Martins, favorável à

unanimidade, com a regra de obrigatoriedade de instituição do ICMS138 pelos

Estados e proibição de concessão de isenção de forma unilateral, extraídas

justamente do art. 155, §2º, XII, “g” da CF, que dão a este imposto um tratamento

totalmente diverso dos demais, justamente por possuir caráter nacional e demandar

esse tipo de regulamentação.

Diante destas peculiaridades do ICMS, o argumento de que a

unanimidade fere a autonomia dos Estados e por consequência viola o princípio

Federativo, não possui nenhum fundamento constitucional, pois foi a própria

Constituição que limitou a autonomia destes entes federativos ao delegar à lei

complementar a competência para regular a concessão de benefícios fiscais,

impossibilitando a sua concessão unilateral.

É, também, absurdo o argumento de que a unanimidade fere o princípio

democrático por privilegiar a vontade da minoria, possibilitando poder de veto aos

Estados. Isto porque, a concessão de benefício fiscal em sede de ICMS não deveria

existir, pois, por tratar-se de tributo estadual não cumulativo, ela, por si só, causaria

desequilíbrio entre os entes federativos. Assim, ensina Alcides Jorge Costa139:

Num imposto plurifásico, não cumulativo, sobre o valor acrescido, o ideal é não haver isenções, que quase sempre perturbam a aplicação do tributo e podem causar quebra do princípio da neutralidade do imposto.

Dessa forma, os benefícios fiscais de ICMS deveriam ser exceção em

nosso ordenamento jurídico e a exigência de unanimidade visa justamente

137 CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra Fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2ª Ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 08. 138 Este assunto foi tratado no primeiro capítulo, item 1.1.1, ao falarmos da exceção ao atributo da facultatividade das competências tributárias. 139 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 133.

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desestimular a utilização dessas desonerações que, ou devem ser estendidas a

todos os Estados, ou a nenhum.

Portanto, não há que se falar que os artigos. 2º e 4º da LC 24/75 não

foram recepcionados pela Constituição Federal, uma vez que a exigência de

unanimidade não contraria nossa lei suprema; ao contrário, encontra respaldo nela:

seja pela visão de Ives Gandra da Silva Martins, que defende sua autorização pelo

art. 155, §2º, VI da CF, seja pela restrição da autonomia dos Estados pela própria

Constituição ao proibir a concessão unilateral de benefícios fiscais, delegando tal

função aos convênios (art. 155, §2º, XII, “g”).

2.3. Convênios Impositivos, Autorizativos e a Delegação de Competência

Constitucional

Também como forma de libertarem-se dos limites impostos pela

Constituição, os Estados passaram a questionar a natureza impositiva dos

convênios, pretendendo restringi-los a mero fundamento de validade dos benefícios

locais, devolvendo para si a competência que lhes foi retirada pela própria

Constituição.

A título de esclarecimento, Roque Antônio Carrazza140 explica o que se

entende por convênios impositivos e convênios autorizativos:

...convênios impositivos são aqueles pelos quais os Estados e o Distrito Federal são obrigados a adotar, em seus territórios, o benefício fiscal neles previsto. Distinguem-se dos autorizativos, que, como o próprio nome revela, limitam-se a facultar a unidade federativa a instituir o benefício fiscal neles previsto.

Assim, os Estados inconformados com a perda de autonomia imposta

pela Constituição iniciaram uma tentativa para reavê-la, enfraquecendo o

mecanismo que os prejudicou: os convênios. Sabendo que invalidá-los não seria

possível, passaram a defender que a sua natureza seria apenas autorizativa, pois

assim poderiam instituir o benefício previsto nos convênios apenas quando

140 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. 2011. Não publicado.

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desejassem, alcançando a liberdade que almejavam. É possível observar esta

movimentação dos Estados nas decisões proferidas pelo STF.

O Recurso Extraordinário nº 96.545 de 1982141 discute a possibilidade de

revogação de isenção por meio de Decreto estadual, pretendendo a empresa

recorrente a declaração de inconstitucionalidade deste decreto, por entender que

houve desrespeito a preceito constitucional, bem como à lei complementar, que

determina a necessidade de convênio para revogar benefício fiscal.

Sustenta, o Estado recorrido, que a redação do art. 1º da LC 24/75

permite que os convênios se auto intitulem autorizativos, uma vez que dispõe que as

isenções serão “concedidas ou revogadas nos termos de convênios”.

O Min. Moreira Alves, ao proferir seu voto, considerou não ser admitida a

distinção entre convênios autorizativos e impositivos, entendendo que o art. 1º da LC

24/75 não autoriza os Estados a disporem como quiserem ou o que quiserem sobre

benefícios fiscais. Ademais, verificou que a impossibilidade de existência de

convênios autorizativos decorre da constituição, que, ao prever a necessidade de

convênios, pretendeu reduzir a competência dos Estados. Assim, julgou

inconstitucional o decreto que revogou unilateralmente a isenção, por considerar

obrigatória a elaboração de convênios, tanto para conceder quanto para revogar

benefícios fiscais.

Dois trechos da excelente fundamentação do voto resumem-no de forma

satisfatória:

Observo, finalmente, que a inadmissibilidade da distinção entre convênio autorizativo e convênio impositivo, em matéria de concessão ou de revogação de isenção, decorre do próprio texto constitucional (o § 6º do artigo 23 da Constituição Federal), uma vez que a inovação que ele introduziu em nosso direito

141 -ICM. ISENÇÃO CONCEDIDA POR CONVENIO. REVOGAÇÃO PELO DECRETO ESTADUAL N. 1473/80. 1. A LEI COMPLEMENTAR N. 24/75 NÃO ADMITE A DISTINÇÃO ENTRE CONVENIOS AUTORIZATIVOS E CONVENIOS IMPOSITIVOS. ASSIM, A REVOGAÇÃO DE ISENÇÃO DECORRENTE DE CONVENIO NÃO PODE FAZER-SE POR MEIO DE DECRETO ESTADUAL, MAS TEM DE OBSERVAR O DISPOSTO NO PARAGRAFO 2. DO ARTIGO 2. DA REFERIDA LEI COMPLEMENTAR. 2. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO, DECLARADA A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSAO "BACALHAU" CONSTANTE DO PARAGRAFO 21 QUE O DECRETO 14737, DE 15 DE FEVEREIRO DE 1980, DO ESTADO DE SÃO PAULO ACRESCENTOU AO ARTIGO 5. DO REGULAMENTO DO IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS, APROVADO PELO DECRETO 5.410, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1974, DO MESMO ESTADO. (RE 96545, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/1982, DJ 04-03-1983)

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constitucional, e que reduz a competência tributária dos Estados individualizadamente, visa - como acentua FERNANDO BROCKSTEDT [...] - a “que os Estados adotem uma política uniforme e harmônica de isenções, evitando as chamadas ‘guerras fiscais’ [...]”.

A esse fim perseguido pelo texto constitucional não se chegaria com a admissão, em matéria de concessão ou de revogação de isenção, de convênios autorizativos, e, portanto, de convênios que deixariam a critério dos Estados conceder, ou não, a isenção, podendo, também, na hipótese de haverem concedido, a revogarem unilateralmente. (RE 96545, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/1982, DJ 04-03-1983)

Observa-se que, com muita precisão, o STF garantiu e preservou a

vontade da Constituição de dar tratamento uniforme e harmônico aos benefícios

fiscais de ICMS, restringindo a competência dos Estados para agir individualmente

nesse tema. Outros julgados também foram proferidos nesse sentido142.

Com a vigência da Constituição de 1988 este posicionamento

permaneceu perfeitamente aplicável, isto porque houve a manutenção da restrição à

autonomia dos Estados, tendo apenas sido alterada esta competência para a Lei

Complementar, e não mais a outorgada diretamente aos convênios.

Isto é, independentemente de qual Constituição Federal se esteja

referindo, seja de 1967 (EC nº1/69) seja de 1988, o poder para conceder benefícios

fiscais de ICMS não pertence aos Estados. A delegação de competência foi feita de

forma expressa pela EC nº 1/69 aos convênios (art. 23), e pela CF de 1988, à lei

complementar (art. 155, §2º, XII, “g”).

Assim, não merece nenhum reparo o acórdão relatado pelo Min. Moreira

Alves (RE nº 96.545) que pode perfeitamente servir de base para a solução de

casos sob a égide da CF de 1988, preservando o regramento uniforme da

concessão de benefícios fiscais por meio da garantia da delegação de competência

prevista no art. 155, §2º, XII, “g”.

Frise-se, por fim, que a fundamentação do referido acórdão se baseou em

disposições constitucionais, restando constatado que a impositividade dos convênios

deriva da própria Constituição. Observe-se, então, que esta natureza impositiva foi

142 RE nº 100.386; RE nº 97.686; RE nº 98.952; RE nº 99.064; RE nº 99.735, RE nº 99.176.

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reconhecida independentemente de qualquer relação com a necessidade de

implementação por meio de lei dos benefícios concedidos em convênio, o que

implica dizer que esta implementação pelos Estados membros em nada alteraria o

resultado do julgamento.

No entanto, apesar da histórica defesa da natureza impositiva dos

convênios pelo Supremo Tribunal Federal, evitando que os Estados contornassem

de maneiras escusas as prescrições constitucionais, essa garantia tem sofrido

perdas consideráveis. Após a introdução do §6º do art. 150 pela EC nº 3 de 1993,

ganhou força a necessidade de lei específica para implementação dos convênios na

esfera de cada Estado e decisões do STF passaram a dar aos convênios natureza

autorizativa.

A relação entre a necessidade de lei específica e a natureza autorizativa

dos convênios foi argumento estratégico utilizado pelos Estados na tentativa de

reaver a competência que lhes foi retirada.

Importa neste momento desvincular essas duas situações, demonstrando

que a necessidade de lei específica não implica o reconhecimento da natureza

autorizativa dos convênios, e para isso, analisaremos decisões do STF posteriores a

esta alteração legislativa, demonstrando que não há nelas nenhum fundamento

lógico que justifique essa relação de implicação.

2.3.1. A dissociação entre a natureza autorizativa dos convênios e a

necessidade de sua implementação pelos Estados

No julgamento do RE nº 96.545 constatou-se que o caráter impositivo dos

convênios decorre da Constituição Federal, sendo irrelevante a análise da

necessidade de implementação dos convênios pelos Estados para chegar a esta

conclusão.

No entanto, ao ser chamado a decidir sobre os meios aptos para se

realizar essa implementação, o Supremo Tribunal Federal alterou seu

posicionamento sobre a natureza dos convênios. E o fez, porém, sem aprofundar-se

neste debate, gerando insegurança jurídica em torno do assunto.

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Em 2009, no julgamento do RE nº 539.130/RS143 analisou-se a viabilidade

de manutenção de autuação fiscal realizada em virtude da desconsideração de

isenção. Isenção que, por sua vez, fora aprovada em Convênio, mas não instituída

pelo Estado.

No acórdão restou comprovada a existência de Decreto legislativo

implementando o convênio, e em decorrência disso o Min. Joaquim Barbosa

reconheceu a validade da isenção, autorizando que ratificações de convênios sejam

feitas pelo poder legislativo, seja por lei, seja por decreto, e impedindo as realizadas

pelo poder executivo. O posicionamento do STF sobre a forma de implementação

dos convênios será tratado no capítulo 4, item 4.2.7.1.

No entanto, no que diz respeito à natureza dos convênios, a única

menção feita neste acórdão, ocorreu no penúltimo parágrafo do voto:

Ratificado o convênio, cabe à legislação tributária de cada ente efetivamente conceder o benefício que foi autorizado nos termos de convênio. Preservada a palavra do Legislativo é dado o longo caminho necessário à aprovação do incentivo, descabe impor forma mais rigorosa.

Assim, apesar de a fundamentação do acórdão limitar-se à discussão

sobre a forma de implementação dos convênios, existe uma passagem isolada

outorgando a eles natureza autorizativa.

É nítido que não houve discussões a respeito deste tema, não sendo

possível considerar este julgado como uma alteração do posicionamento do STF

sobre a natureza impositiva dos convênios, tão bem fundamentada pelo Min. Moreira

Alves no RE nº 96.545.

Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº

101/2000) alguns autores passaram a defender com maior entusiasmo a natureza

143 DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVÊNIO ICMS 91/91. ISENÇÃO DE ICMS. REGIME ADUANEIRO ESPECIAL DE LOJA FRANCA. "FREE SHOPS" NOS AEROPORTOS. PROMULGAÇÃO DE DECRETO LEGISLATIVO. ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. 1. Legitimidade, na hipótese, da concessão de isenção de ICMS, cuja autorização foi prevista em convênio, uma vez presentes os elementos legais determinantes para vigência e eficácia do benefício fiscal. 2. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido. (RE 539130, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-022 DIVULG 04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010 EMENT VOL-02388-05 PP-00900 RTJ VOL-00213- PP-00682 RDDT n. 175, 2010, p. 179-185 RT v. 99, n. 895, 2010, p. 177-185 LEXSTF v. 32, n. 374, 2010, p. 227-241)

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autorizativa dos convênios, sob o argumento de que necessidade de previsão

orçamentária de qualquer renúncia fiscal impossibilita a obrigatoriedade de

implementação de convênios pelos Estados. Assim entende Tiago Severini144:

(...) o STF posicionou-se, ainda na década de 80, no sentido da incompatibilidade entre a distinção dos convênios em autorizativos e impositivos e o teor da LC 24/75. Não obstante, o advento da LC 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, ensejou uma necessária relativização desse posicionamento. Isso porque, de acordo com o art. 14 da LC 101/2000, a concessão de qualquer incentivo fiscal de que decorra renúncia de receita pelos Estados torna necessária a previsão orçamentária do impacto financeiro correspondente, a ser acompanhado de demonstração de que as metas de resultados fiscais não serão afetadas ou de medidas de compensação que proporcionem aumento de receita. (...) Desse modo, a fim de evitar que as restrições orçamentárias eventualmente aplicáveis a certo Estado inviabilizem a celebração de certo convênio, com o qual este concorda, torna-se salutar a atribuição de natureza autorizativa aos convênios.

O STF, em decisão monocrática (RE nº 630.705/MT), negou seguimento

à Recurso Extraordinário que pretendia ver reconhecido benefício fiscal previsto em

convênio, mas não implementado pelo Estado, citando Tiago Severini para justificar

a natureza autorizativa dos convênios. Utilizou ainda como precedente, para

justificar o indeferimento do RE, decisões do Superior Tribunal de Justiça145 (STJ),

que também não discutem o tema com profundidade.

No entanto, não é possível concordar com esse posicionamento, uma vez

que o referido art. 14 da LC 101/2000 não pode ser aplicado aos convênios de

ICMS. Isto porque, em decorrência do princípio Federativo, a União não pode

estipular a forma pela qual os Estados exercitarão suas competências tributárias,

uma vez que eles são livres para deliberarem sobre elas, sujeitando-se apenas aos

limites impostos pela Constituição.

Roque Antonio Carrazza146 vai além ao afirmar que:

Acima da Lei de Responsabilidade Fiscal está o art. 155, §2º, XII, “g” da Carta Magna, que, no intuito de evitar atritos entre as unidades

144 SEVERINI, Tiago. O convênio ICMS 130/2007 e a transferência interestadual de bens importados sob o Repetro. Revista Tributária de Finanças Públicas, São Paulo, vol. 97, p. 185, mar/2011. 145 RMS 13.543/RJ e RMS 26.328/RO. 146 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 9ª ed revista e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 387.

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federativas (com prejuízo da harmonia da Federação), estabelece que os Estados e o Distrito Federal deliberarão entre si para conceder “isenções, incentivos e benefícios fiscais” em matéria de ICMS. Os eventuais impactos orçamentários financeiros destas medidas nas unidades federativas individualmente consideradas não têm o condão de sobrepujar o interesse nacional que leva à celebração dos convênios-ICMS.

Assim, considerando a incompetência da União para intervir nas matérias

de competência dos Estados, bem como a preponderância do interesse nacional

sobre o individual, é inaceitável a utilização desta Lei para justificar a natureza

autorizativa dos convênios.

A questão sobre a natureza dos convênios voltou a ser tratada pelo STF

no recente julgamento do caso Santa Lucia147, novamente sem ter sido dada a

importância devida ao tema. Ele foi abordado não para justificar a necessidade de lei

específica para a concessão de redução de base de cálculo, pois no caso havia,

mas para justificar a necessidade de lei que preveja a manutenção integral dos

créditos nos casos de operações com base de cálculo reduzida.

E a justificativa pela opção da natureza autorizativa dos convênios neste

caso foi feita pelo Min. Gilmar Mendes com base na jurisprudência da corte, citando

a decisão monocrática proferida no RE nº 630.705/MT, supracitado. No entanto,

tanto esta como as demais decisões do STF apenas tratam o tema de forma

superficial.

Dessa forma, certos de que a impositividade é necessária para assegurar

valores constitucionais, tais como o princípio da indelegabilidade das competências,

resta-nos ressaltar que a impositividade dos convênios independe de considerações

a respeito da efetiva instituição dos benefícios por lei, uma vez que ela deriva da

própria constituição, que limitou autonomia dos Estados no que diz respeito à

concessão de benefícios fiscais.

Qualquer decisão que entenda de maneira diversa estará descumprindo a

cláusula de delegação de competência prevista no art. 155, §2º, XII, “g” da CF, uma

vez que, ao tornarem os convênios autorizativos, os Estados pretendem devolver

para si próprios a competência que a Constituição delegou à lei complementar.

147 RE nº 635.688/RS.

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Já ressaltava Rui Barbosa Nogueira148 que:

“Reservando à lei complementar, que é de caráter nacional, dispor sobre todos esses itens do ICMS, vê-se que a Constituição Federal previu a maior concentração e unificação da disciplina deste imposto que, embora pertença aos Estados e ao Distrito Federal, é prioritariamente regido por legislação nacional, por deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Federal, pouco restando à criatividade legislativa dos Estados, de per si”.

Soma-se a isso a interpretação do art. 150, §6º da CF feita por Tércio

Sampaio Ferraz Junior149, na qual observou que o dispositivo elenca algumas

garantias do contribuinte – vide item 4.2.7.1. Configurando uma garantia, não é

possível que venha a prejudica-lo, retirando-se a força da unificação da disciplina de

benefícios fiscais dada pela Constituição.

Sendo assim, é preciso conciliar ambas as interpretações: a delegação de

competência aos convênios e a necessidade de lei específica. É sobre isso que o

Supremo precisa se pronunciar para acabar com a insegurança que paira sobre os

contribuintes que sofrem com a briga dos gigantes da federação.

Não se pretende, ao defender a impositividade dos convênios, preterir a

necessidade lei para a efetiva instituição do benefício fiscal pelos Estados, mas

apenas desvincular a ideia da imprescindibilidade de lei específica e da natureza

autorizativa dos convênios, uma vez que a sua vinculação implica em dar ampla

liberdade aos Estados para conceder tais benefícios, anulando-se assim os

preceitos constitucionais que existem justamente para impor limites a tais atos.

Acredita-se que a melhor interpretação (que valoriza as normas

constitucionais) seria a que mantém a função dos convênios como verdadeiros

limitadores da competência dos Estados, na medida em que os obriga a instituir os

benefícios acordados por eles próprios, e não como mero fundamento de validade

dos benefícios concedidos individualmente pelos Estados, sem os acarretar

nenhuma obrigação.

148 Curso de Direito Tributário. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 140. 149 Remissão e Anistia fiscais: Sentido dos Conceitos e Forma Constitucional de Concessão. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 92.

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Sendo assim, é possível que os convênios sejam impositivos e que os

Estados sejam obrigados a elaborarem leis específicas para concessão dos

benefícios, sujeitando-se aqueles que não a fizerem às consequências decorrentes

de sua omissão, tais como, perda de competitividade, impossibilidade de restrição

de créditos concedidos em outros Estados com apoio em convênios, entre outras.

A obrigação dos Estados em sujeitarem-se ao ônus decorrente da não

elaboração da lei para implementar o convênio foi defendida no STJ pela Min.

Denise Arruda, que citou trecho da obra de Sérgio Pyrrho150:

Revista a razão de ser da exigência constitucional de prévia deliberação dos Estados e do DF para a concessão de benefícios fiscais relacionados com o ICMS, percebe-se que a obrigação que os convênios devidamente aprovados trazem para cada um dos Estados-Membros ('obrigação' essa que deflui da literalidade do já citado art. 7º da LC nº 24/75) é uma só: cada Estado, porque previamente anuiu à possibilidade de que os demais viessem a instituir benefícios fiscais, fica obrigado a tolerar o emprego que outros Estados façam da prerrogativa que foi a todos conferida. Deste modo, a concessão de uma isenção por um dos Estados-Membros, que sem a prévia aprovação de convênio poderia ensejar a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pelos Estados que se considerassem prejudicados pela fuga de empresas, passa, graças ao convênio existente (e implementado pelo Estado que venha a instituir o benefício tributário), a ser de obrigatória tolerância pelas demais unidades federativas, ainda que estas venham a experimentar efeitos não previstos quando da celebração do convênio.

... a despeito da literalidade do art. 7º da Lei Complementar nº 24/75, os convênios firmados pelos Estados não os obrigam a implementar, em suas respectivas porções territoriais, os benefícios previstos nos convênios celebrados, impondo-lhes apenas a tolerância ao emprego que outras Unidades da Federação façam do instrumento, com base neles (convênios) outorgando o favor fiscal que todos os Estados se dispuseram a aceitar - o que afasta a nocividade da 'guerra fiscal’.

Observa-se, que a posição adotada pelo autor e acolhida pelo STJ é no

sentido de afirmar que os convênios obrigam os Estados a “tolerar o emprego que

outros Estados façam da prerrogativa que foi a todos conferida”.

150.PYRRHO, Sérgio. Soberania, ICMS e Isenções. Os convênios e os Tratados internacionais. Rio de janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, pp. 39/24 apud RMS 26.328/RO, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 01/10/2008.

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Porém, é necessário fazer uma ressalva, uma vez que tanto o autor

quanto o acórdão do STJ consideram os convênios mecanismos meramente

autorizativos151. A nosso ver, tais afirmações são contraditórias, pois os Estados

apenas poderiam sujeitar-se a essa obrigação se os convênios os obrigassem a

instituir os benefícios. Se restasse caracterizada a liberdade dos Estados em instituí-

los, não haveria justificativa para sujeitarem-se ao referido ônus.

É por este motivo que mantemos nossa posição na defesa da

impositividade dos convênios, independentemente da obrigação de lei específica

para concessão dos benefícios, sujeitando-se os Estados que não elaborarem a lei

às consequências decorrentes de sua omissão.

151 RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE ICMS PREVISTA EM CONVÊNIO DO CONFAZ. NÃO-CONCESSÃO POR ESTADO-MEMBRO. POSSIBILIDADE. NATUREZA AUTORIZATIVA DO CONVÊNIO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO. EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. RECURSO DESPROVIDO. (...)3. O convênio celebrado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ é um pressuposto para a concessão da isenção do ICMS. Por si só, não cria direito ao contribuinte. Trata-se de uma autorização para a implementação do benefício fiscal pelos Estados e o Distrito Federal, e não de uma imposição. 4. "É só este o alcance da 'obrigação' que o convênio regularmente aprovado impõe a todos os Estados-Membros: o respeito à implementação do benefício fiscal que, no limite do convênio, cada um deles venha a promover em seu território. Não poderia mesmo ser de outra forma, porque o objetivo de atribuir a cada um dos Estados a mera faculdade (e não a obrigação) de conceder benefício fiscal é, acima de tudo, um corolário da autonomia político-administrativa dos Estados em relação à União, autonomia essa consagrada pelo art. 18, caput, da Constituição da República, e que restaria malferida se o art. 7º da LC nº 24/75 fosse interpretado em sentido diverso ao ora sustentado" (PYRRHO Sérgio. "Soberania, ICMS e Isenções. Os Convênios e os Tratados Internacionais", Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 40). 5. Esta Corte Superior já se manifestou acerca da natureza meramente autorizativa dos convênios celebrados pelo CONFAZ, quando do julgamento do REsp 709.216/MG (2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 9.5.2005).(...) 7. Recurso ordinário desprovido. (RMS 26.328/RO, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 01/10/2008)

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CAPÍTULO 3 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO USO DA EXPRESSÃO

“REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO” NA CONSTITUIÇÃO E NA

LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA

Por mais de meio século, foram feitas várias alterações legislativas do

desenho do ICMS com o objetivo de fortalecer a Federação e solucionar o problema

da guerra fiscal por meio da imposição de limites à atuação dos Estados. No

entanto, não houve sucesso, uma vez que estes entes federados frequentemente

desrespeitam os limites impostos a eles institucionalmente.

Este capítulo irá evidenciar o jogo de ação dos Estados para despistar as

limitações legais que lhe são impostas e reação institucional para conter estas

ações.

Dentre as ações dos Estados destaca-se a concessão da redução da

base de cálculo, ao invés da isenção ou não incidência, com o objetivo de evitar a

incidência da restrição ao princípio da não cumulatividade previsto no art. 155, §2º, II

da CF, possibilitando a manutenção dos créditos decorrentes dessa operação.

Tal fato representa o início dos conflitos que envolvem a equiparação dos

conceitos isenção e redução da base de cálculo, na medida em que esta

equiparação possibilitaria o cancelamento dos créditos por atrair a aplicação do art.

155, § 2º, II da CF. É, justamente, esse o problema apresentado nos casos Camargo

Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia.

3.1. Origens da Guerra Fiscal do ICMS na Transição do IVC para o ICM

com a Emenda Constitucional nº 18 de 1965 e a Instituição do Princípio

da Não Cumulatividade

A atual atribuição do ICMS à competência dos Estados pela Constituição

Federal de 1988, a despeito do nítido caráter nacional deste tributo, teve origem com

o Imposto sobre Venda e Consignações (IVC), que instituído pela Constituição

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Federal de 1934152, em substituição ao Imposto sobre Vendas Mercantis (IVM) que

era federal, foi transferido para a esfera de competência dos Estados, com a

característica de ser multifásico e cumulativo (situação mantida pelas Constituições

de 1937 e 1946), ou seja:

(...) incidia sobre todas as vendas e consignações efetuadas por comerciantes, industriais e produtores, em todas as fases do ciclo econômico, sem que o imposto pago em qualquer das operações fosse levado em consideração no cálculo do tributo devido nas posteriores.153

Com a aprovação da Emenda à Constituição de 1946, nº 18/65, que teve

por objetivo integrar o sistema tributário nacional, instituiu-se o ICM, reduzindo para

doze o número de impostos da CF/46 (dentre eles o ICM), contra os dezessete

anteriormente existentes, baseando-se primordialmente em considerações

econômicas, deixando para um segundo momento a análise de critérios jurídicos,

políticos ou administrativos.

O tributo recém-criado continuou a ser um imposto plurifásico, mas

perdeu a característica da cumulatividade, não mais incidindo “em cascata”154, a

exemplo da francesa taxe sur la valeur ajoutée (TVA). As razões que levaram a

substituição do sistema cumulativo pelo não cumulativo foram destacadas no

Relatório155 da Comissão do anteprojeto da EC nº18/65:

É característica moderna dos impostos sobre a circulação, primeiro elaborada na França e imitada pela maioria dos países, a de só tributarem, em cada sucessiva operação, o valor acrescido, eliminando-se assim os notórios malefícios econômicos da superposição em cascata, de incidências repetidas sobre bases

152 “No campo específico do imposto de vendas e consignações, o problema das relações entre os Estados chamados produtores e os ditos consumidores surgiu com a transferência do tributo para a competência impositiva estadual, pela Constituição de 1934 e não encontrou solução adequada durante toda a existência do imposto de vendas e consignações” (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p.10). 153 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 6. 154 “Essa expressão (‘incidência em cascata’), de conteúdo nitidamente não jurídico, significaria, à sua vez, o fenômeno da pluralidade de incidências tributárias sucessivas sobre algo que, economicamente, se considera o mesmo valor de base, trazendo, coo consequência – em matéria de tributos ditos ‘indiretos’ – o alardeado efeito econômico da sobreoneração dos preços dos produtos” (ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. ICM – Abatimento Constitucional – Princípio da não-cumulatividade. Revista de Direito Tributário. São Paulo, nº. 29/30, p. 113). 155 Reforma Tributária Nacional, publicação nº17, da Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, 1996, p. 49 apud COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 6.

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de cálculo cada vez mais elevadas pela adição de novas margens de lucro, de novas despesas acessórias, e do próprio imposto que recaiu sobre as operações anteriores.

As desvantagens de um sistema cumulativo eram muitas: (i) incentivava a

verticalização das empresas, pois assim diminuíam-se os números de operações

realizadas, reduzindo-se o custo final do produto em relação aos empresários

pequenos; (ii) não constituía uma carga uniforme para todos os consumidores, na

medida em que determinados produtos tem ciclo de produção menor (v.g. joias) do

que outros (v.g. carne); e (iii) tornava impossível uma desoneração completa de

produtos destinados à exportação, assim como acarretava vantagens concorrenciais

ao produto importado sobre o nacional.

Além desses casos, também preocupava a Comissão do anteprojeto a

situação das operações interestaduais, que conforme já destacava Rubens Gomes

de Souza, ao comentar a reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional

nº18/65, na vigência do IVC o problema mais sério era o originado pelas operações

mercantis interestaduais, tendo em vista as discrepâncias de capacidade produtiva

existente entre os Estados.

Referido autor ainda alimentava a esperança de que com a instituição do

ICM, tal problema seria resolvido:

(...) Uma das consequências dessa situação era que, na transferência de mercadorias para venda em outro Estado por filial ou representante do fabricante ou produtor, tanto o Estado de origem como o de destino pretendiam tributar a venda. Em 1938, uma lei federal dispôs que o imposto seria devido somente ao Estado produtor: essa solução, embora julgada constitucional pelo Supremo Tribunal, revelou-se, entretanto, infeliz tanto econômica como juridicamente, e até mesmo do ponto de vista político. De vez que o fato gerador do imposto era a venda mercantil, o Estado consumidor, onde essa venda efetivamente ocorria, tinha razões para considerar-se fraudado de um direito legítimo e, portanto, procurar contornar a lei federal tributando a operação mediante subterfúgios legais, que por sua vez, naturalmente davam lugar a litígios demorados e custosos, sem falar no seu efeito desmoralizador do sistema tributário. Espera-se que a substituição do imposto de vendas por um imposto sobre a circulação, independente do conceito jurídico de venda, venha a eliminar o problema, já que sua cobrança será possível a ambos os Estados. Todavia, a fim de equilibrar o montante do imposto do Estado produtor (arrecadado sobre o valor integral da transferência) e do Estado consumidor (sobre a fração do preço de venda correspondente ao valor agregado), e de evitar uma excessiva

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oneração do consumidor final, a Emenda nº 18 submete o imposto sobre as transferências interestaduais a uma alíquota limite, fixada pelo Senado Federal nos termos do que disponha a lei complementar.156 (grifo nosso)

Observe-se que desde essa época já se destacava a intenção dos

Estados em contornar a lei procurando tributar as operações mediante subterfúgios

legais que, consequentemente davam lugar a litígios demorados e custosos.

Qualquer semelhança com nosso panorama atual não é mera coincidência: tal

prática dos Estados, como se pode observar, não remonta de hoje.

Assim, para solucionar este problema foi proposta a fixação de uma

alíquota-teto para esse tipo de operação visando eliminar as desigualdades

tributárias entre os Estados produtores e consumidores e restaurar as autonomias

política, financeira e jurídica de ambos.

Com a publicação da EC nº 18/65157, passou-se a ter, então, um tributo

estadual sobre o valor acrescido - não cumulativo - com competência do Senado158

para fixar alíquotas máximas em operações interestaduais.

No entanto as expectativas que envolviam a criação do ICM e da alíquota-

teto não se concretizaram, pois, os Estados consumidores, que são menos

industrializados, criticaram o sistema de arrecadação do ICM sob a alegação de que

ele transferia renda para os Estados produtores159.

156 SOUZA, Rubens Gomes de. A reforma tributária do Brasil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v.87, 1967, p. 10. 157 Art. 12 (...) § 1º A alíquota do impôsto é uniforme para tôdas as mercadorias, não excedendo, nas operações que as destinem a outro Estado, o limite fixado em resolução do Senado Federal, nos têrmos do disposto em lei complementar. § 2º O impôsto é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos têrmos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado, e não incidirá sôbre a venda a varejo, diretamente ao consumidor, de gêneros de primeira necessidade, definidos como tais por ato do Poder Executivo Estadual. 158 “Tendo-se em vista que cada Estado elege igual número de senadores, o Senado Federal, estando livre das injunções políticas inerentes à representação proporcional, pode ser considerado como o órgão adequado para dispor sôbre as matérias de interêsse nacional que afetem a mais de um Estado” (SOUZA, Rubens Gomes. A reforma tributária do Brasil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v.87p. 11) 159 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 09-10.

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3.2. Constituição Federal de 1967: confirmação do princípio da não

cumulatividade e manutenção do regramento geral do ICM

Com a instituição de uma nova ordem jurídica o princípio da não

cumulatividade, que havia sido implementado com a EC nº 18/65, foi confirmado

pelo art. 24, §5º da Constituição de 1967:

Art. 24. (...) § 5º - O imposto sobre circulação de mercadorias é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos termos do disposto em lei, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado, e não incidirá sobre produtos industrializados e outros que a lei determinar, destinados ao exterior.

Esta constituição manteve ainda o ICM sem alterações substanciais,

reafirmando também a competência do Senado para fixação de alíquotas

interestaduais com uma ampliação para as internas e de exportação, nos seguintes

termos:

Art. 24. (...) § 4º - A alíquota do imposto a que se refere o nº II será uniforme para todas as mercadorias; o Senado Federal, através de resolução tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para as operações internas, para as operações interestaduais e para as operações de exportação para o estrangeiro.

No entanto, a preocupação com a disputa entre os Estados ia além da

questão da alíquota, sendo um grave problema a concessão de isenções unilaterais

pelos Estados. Para tentar inibir este tipo de ação, uma nova reforma legislativa foi

proposta.

3.3. Emenda Constitucional nº 1 de 1969: a reação institucional para

barrar a concessão unilateral de isenções pelos Estados

No que se refere à alíquota do ICM, a Emenda Constitucional nº 1/69160

seguiu a mesma linha, mantendo-as uniformes e com alíquotas máximas a serem

estipuladas por resolução do Senado Federal.

160 Art. 23 (...) § 5º A alíquota do impôsto à que se refere o item II será uniforme para tôdas as mercadorias nas operações internas e interestaduais; o Senado Federal, mediante resolução

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A novidade trazida por esta reforma foi a tentativa de barrar a atividade

dos Estados consistente na concessão de isenções de forma descentralizada e para

isso foi inserida a seguinte norma ao texto constitucional:

Art. 23 (...) § 6º As isenções do impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos têrmos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar.

Assim, procurou-se uniformizar a forma de concessão de isenções por

meio de convênios a serem celebrados e ratificados pelos Estados, resultando que

nenhum Estado poderia sozinho estabelecer isenções no âmbito do ICM.

3.4. A Regulamentação dos Convênios pela Lei Complementar nº. 24 de

1975

A Lei Complementar mencionada pelo §6º do art. 23 da EC nº1/69 foi

editada em 1975, tendo imposto a exigência de elaboração de convênios, além da

isenção, também para a redução da base de cálculo, concessão de créditos

presumidos e quaisquer outros benefícios fiscais:

Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. Parágrafo único - O disposto neste artigo também se aplica: I - à redução da base de cálculo; II - à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; III - à concessão de créditos presumidos; IV - à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus; V - às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.

Foi também com base na LC º 24/75 que foi instituído o Conselho

Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão deliberativo colegiado formado

tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para as operações internas, as interestaduais e as de exportação.

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por um representante de cada Estado e do Distrito Federal (nas pessoas dos

respectivos Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação) e por um

representante da União (Ministro da Fazenda), com a função de deliberar sobre a

concessão desses benefícios e elaborar os convênios.

3.5. Reação do STF para impedir a ação dos Estados de exigir o

cancelamento dos créditos de operações beneficiadas com isenção, em

defesa do princípio da não cumulatividade

A instituição dos convênios e sua regulamentação não foi suficiente para

impedir a ação dos Estados de conceder isenção unilateralmente.

Nesse contexto, os demais Estados, que se sentiam prejudicados,

passaram a exigir o estorno compulsório dos créditos tributários oriundos desse

benefício, como forma de defesa de seus interesses.

Tal situação foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu tais

conflitos em conformidade com o princípio da não-cumulatividade, impedindo a

retaliação dos Estados que pretendiam estornar os créditos autoritariamente (RE nº

77.093, rel. min. Aliomar Baleeiro, Primeira Turma, DJ de 04/11/1974; RP nº 973, rel.

min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ de 07/04/1978).

3.6. Pressão dos Estados para diminuir os prejuízos decorrentes das

concessões unilaterais de isenção que culminou com a Emenda

Constitucional nº 23 de 1983

Diante do posicionamento do STF, a pressão dos Estados por uma

solução para o prejuízo que sofriam em decorrência da concessão de isenções

unilaterais veio com a EC nº 23 de 1983 (emenda “Passos Porto”), que introduziu a

restrição à concessão de créditos nas operações seguintes às que houvesse

isenção ou não incidência:

Art. 23 (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias

realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-incidência, salvo

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determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes.

Observe-se que o limite ao aproveitamento dos créditos acrescentado

pela Emenda se aplicava apenas para as operações seguintes, nada tendo sido dito

sobre os créditos decorrentes das operações anteriores.

Diante disso, o STF continuava julgando pela impossibilidade de restrição

ao crédito nas hipóteses não abrangidas pela EC nº 23, tendo em vista a falta de

previsão legal161. Esta situação mudou com a CF88.

3.7. Nova vitória dos Estados com a Constituição Federal de 1988 que

estendeu a restrição ao crédito também às operações anteriores à

isenção ou não incidência e a Inserção da Necessidade de Lei Específica

para Concessão de Benefícios Fiscais pela EC nº 3 de 1993

Com a Constituição Federal de 1988 limitou-se ainda mais a liberdade

dos Estados no que se refere à estipulação das alíquotas do ICMS (referido tributo

deixou de ser chamado de ICM, uma vez que passou a incidir também sobre

prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação).

As alíquotas interestaduais e de exportação devem agora ser fixadas pelo

Senado e as internas, podem ser fixadas pelos Estados, desde que não sejam

inferiores às interestaduais, sendo ainda facultado ao Senado estabelecer os seus

limites máximos e mínimos:

161 ICM - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - ATOS SUCESSIVOS DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS. O princípio da não- cumulatividade é observado sem especificidade, prescindindo da vinculação a uma certa mercadoria. Considera-se o sistema de conta- corrente em que lançados créditos e débitos. ICM - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - MATÉRIA-PRIMA TRIBUTADA - MERCADORIA ISENTA - CRÉDITO - CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1969. A teor do disposto no inciso II do artigo 23 da Constituição Federal de 1969, com a redação imprimida pela Emenda Constitucional nº 23, de 1º de dezembro de 1983, somente a isenção ou a não- incidência na transação precedente implicava, salvo preceito de lei em contrário, a inviabilidade de lançar-se crédito. Inconstitucionalidade da extensão da regra a situação inversa, isto é, de pagamento do tributo na comercialização e circulação da matéria-prima e isenção na saída da mercadoria produzida. (RE 161257, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 16/12/1997, DJ 17-04-1998 PP-00016 EMENT VOL-01906-03 PP-00623)

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Art. 155 (...) §2º. IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

E, no que se refere à restrição aos créditos, a CF/88 acrescentou o limite

também aos créditos decorrentes de operações anteriores à isenção ou não

incidência, nos seguintes termos:

Art. 155 (...) §2º. II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

Outra novidade trazida pela nova ordem jurídica foi o conceito redução de

base de cálculo ter chegado a nível constitucional, implicando que a concessão de

qualquer incentivo fiscal, inclusive a redução da base de cálculo, dependerá de lei

específica dos Estados162.

162 Art. 150 (...) § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

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3.8. A origem dos conflitos dos casos Camargo Soares, Monsanto, Santa

Catarina e Santa Lúcia

Mesmo diante de todas as alterações legislativas, os problemas causados

pela redução da base de cálculo têm aumentado desde a introdução da limitação de

créditos nos casos de isenção ou não incidência pela EC nº 23/83 até a previsão do

art. 155, §2º, II pela CF/88. Isto porque a redução da base de cálculo ao mesmo

tempo em que permitiria o aproveitamento dos créditos, atraindo investimentos aos

Estados, possibilitaria a estes mesmos Estados o questionamento judicial sobre sua

equiparação ao instituto da isenção e consequentemente a anulação dos

conflituosos créditos. Configura então dupla vantagem aos Estados.

Esta perspectiva da EC nº 23/83 como origem dos conflitos estudados

nos casos Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia, será tratada

também no próximo capítulo, à medida que se for demonstrando como a expressão

“redução de base de cálculo” surgiu para contornar disposições constitucionais e

legais.

Assim, em que pese as tentativas de reformas no âmbito do ICMS

objetivando acabar com os conflitos entre os entes estaduais, elas não foram bem-

sucedidas, tendo inclusive acirrado o problema da guerra fiscal desde que foi

instituído o ICM:

Já assinalamos que foi vã a esperança dos autores do projeto de reforma de acabarem com as disputas fiscais entre os Estados, através da substituição do IVC pelo ICM. Pelo contrário, a “guerra fiscal” acirrou-se.163

Mesmo sabendo que essas alterações tiveram o único objetivo de frear as

ações dos Estados de concederem benefícios fiscais (especialmente a redução da

base de cálculo) valendo-se das brechas legais para contornar a própria lei, a guerra

fiscal continua atormentando estes entes federados, os contribuintes e o judiciário,

que é constantemente instado a decidir conflitos cada vez mais complexos.

163 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p.131.

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CAPÍTULO 4 – REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO DA

LEGALIDADE

Os Estados pretendem manter a aparência de legalidade de seus atos,

por meio da utilização da expressão “redução da base de cálculo”, que os permite

contornar a incidência de normas que limitam sua autonomia, tais como, as que

restringem as alterações de alíquotas e concessões de isenção. Porém, ao proceder

desta forma, acabam por afrontar efetivamente o princípio da legalidade.

Neste contexto, Marco Aurélio Greco defende que “tentar contornar a

norma constitucional, é frustrar sua imperatividade, é negar seu preceito. Em outras

palavras, é agredi-la pelo mais insidioso dos meios: o disfarce”164.

Este é o motivo pelo qual o STF qualifica como hipótese de fraude à

Constituição165, a utilização de uma competência constitucional para obter um

resultado por ela não admitido166.

4.1. Princípio da legalidade

Paulo de Barros Carvalho167 destaca que todas as normas jurídicas, por

estarem inseridas no mundo da cultura (uma vez que o direito é um objeto cultural)

possuem uma carga valorativa, que irá variar de norma para norma. Aquelas que

possuem alto nível valorativo, irão influenciar a compreensão de inúmeros

segmentos no ordenamento jurídico. Estas normas são denominadas princípios168.

164 GRECO, Marco Aurélio. Parecer, 2005. Não publicado, p. 14. 165 ADI 2348 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 07/12/2000, DJ 07-11-2003; ADI 2984 MC, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/2003, DJ 14-05-2004. 166 GRECO, Marco Aurélio. Parecer, 2005. Não publicado, p. 14. 167 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p.192. 168 “Os princípios são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas dos sistemas, as normas mais gerais. A palavra ‘princípio’ leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim, não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os argumentos são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal

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Este mesmo autor destaca ainda quatro usos distintos para a expressão

“princípio”:

“a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma.”169

Podemos dizer que existem princípios que encerram valores e outros que

estabelecem limites objetivos. Segundo Aurora Tomazini de Carvalho valores são

“centros significativos que expressam uma referibilidade por certos conteúdos de

expectativas, são preferências por núcleos de significações”170. Já os limites

objetivos são meios pelos quais o legislador busca atingir determinados fins, não se

caracterizam como valores em si mesmos, mas voltam-se para a sua

implementação.

O princípio da legalidade configura um limite objetivo, que se encontra

expresso no art. 5º, II da CF171 e reforçado, no campo tributário, pela especificidade

do art. 150, I da CF172, impossibilitando o surgimento de qualquer direito subjetivo ou

deveres correlatos sem estipulação legal, implementando assim o princípio da

segurança jurídica.

Alexandre de Moraes173 utiliza-se dos ensinamentos de José Afonso da

Silva para diferenciar o princípio da legalidade do princípio da reserva legal, sob a

alegação de ser aquele mais amplo do que este:

obtenho sempre animas, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulamentado: mas, então, servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?” (BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Polis/UnB, 1989, p.158-159 apud CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 47-49). 169 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p.192. 170 Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo lógico-semântico. São Paulo, Noeses, 2009, p.

482. 171 Art. 5º. II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; 172 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; 173 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 43.

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José Afonso da Silva ensina que a doutrina não raro confunde ou não distingue suficientemente o princípio da legalidade e o da reserva legal. O primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal. Encontramos o princípio da reserva legal quando a Constituição reserva conteúdo específico, caso a caso, à lei. Por outro lado, encontramos o princípio da legalidade quando a constituição outorga poder amplo e geral sobre qualquer espécie de relação.

A reserva de lei pode ser determinada pela Constituição Federal de forma

absoluta ou relativa. É absoluta quando se exige lei formal174 para a regulamentação

integral do assunto em questão (v.g. quando a CF emprega fórmulas como: “a lei

regulará”, a “lei criará”, a “lei complementar organizará”...) e relativa quando a

necessidade de lei formal se limita à fixação de parâmetros de atuação, podendo ser

complementada por atos infra legais (v.g. “os termos da lei”, “no prazo da lei”, “nos

limites da lei”).

Sobre a reserva de lei relativa expõe Gomes J. J. Canotilho:

Quanto a certas matérias, a Constituição preferiu a lei como meio de actuação das disposições constitucionais, mas não proibiu a intervenção de outros actos legislativos, desde que a lei formal isso mesmo autorize e estabeleça, previamente, os princípios e objeto de regulamentação das matérias (reserva relativa).175

Especificamente no âmbito tributário, Roque Antônio Carrazza destaca

ainda que a lei que instituir o tributo deve obrigatoriamente conter todos os

elementos essenciais da norma jurídica tributária:

No Brasil, por injunção do princípio da legalidade, os tributos são criados, in abstrato, por meio de lei (art. 150, I, da CF), que deve descrever todos os elementos essenciais da norma jurídica tributária. Consideram-se elementos essenciais da norma jurídica tributária os que, de algum modo, influem no an e no quantum do tributo; a saber: a hipótese de incidência do tributo, seu sujeito ativo, seu sujeito

174 Entendida como o “ato normativo emanado do Congresso Nacional elaborado de acordo com o devido processo legislativo constitucional” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 43.). 175 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 635 apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 43.

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passivo, sua base de cálculo e sua alíquota. Estes elementos essenciais só podem ser veiculados por meio de lei176.

Conclui-se que a lei deve ser rigorosa em sua redação, não sendo

permitido realizar apontamentos genéricos, indeterminados ou abertos de modo a

possibilitar subjetivismos ou múltiplas situações tributáveis.

4.2. O uso da expressão “redução da base de cálculo” como violação ao

princípio da legalidade

Eurico Marcos Diniz de Santi destaca 05 (cinco) situações que explicam o

surgimento da expressão “redução da base de cálculo” como conceito-solução para

os Estados iludirem a Constituição Federal de 1967 e o Código Tributário

Nacional177:

Importa destacar 5 (cinco) funções que explicam o surgimento da expressão “redução de base de cálculo”, no alvorecer da guerra fiscal, como conceito-solução para que os Estados iludissem a Constituição Federal (1967) e o Código Tributário Nacional (CTN – Lei 5172/66): (i) driblar a alíquota uniforme a ser fixada pelo Senado Federal, ex vi do art. 24, § 4º da CF67; (ii) contornar a exigência de lei estadual para alteração de alíquotas exigida pelo art. 97, IV, do CTN; (iii) desviar da exigência de lei estadual para “exclusão do crédito tributário”, ex vi do art. 97, VI, do CTN; (iv) iludir a regra que determina que a “isenção” decorre sempre de lei, ex vi do art. 176 do CTN e; enfim, (v) dificultar o controle de constitucionalidade do STF, dado que havia à época dúvida acerca do cabimento de controle direto sobre os meros “decretos” que veiculavam as oportunas “reduções de base de cálculo”

176 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 575. 177 Importa destacar 5 (cinco) funções que explicam o surgimento da expressão “redução de base de cálculo”, no alvorecer da guerra fiscal, como conceito-solução para que os Estados iludissem a Constituição Federal (1967) e o Código Tributário Nacional (CTN – Lei 5172/66): (i) driblar a alíquota uniforme a ser fixada pelo Senado Federal, ex vi do art. 24, § 4º da CF67; (ii) contornar a exigência de lei estadual para alteração de alíquotas exigida pelo art. 97, IV, do CTN; (iii) desviar da exigência de lei estadual para “exclusão do crédito tributário”, ex vi do art. 97, VI, do CTN; (iv) iludir a regra que determina que a “isenção” decorre sempre de lei, ex vi do art. 176 do CTN e; enfim, (v) dificultar o controle de constitucionalidade do STF, dado que havia à época dúvida acerca do cabimento de controle direto sobre os meros “decretos” que veiculavam as oportunas “reduções de base de cálculo”. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. 5 usos abusivos do termo redução da base de cálculo e o horror da guerra fiscal. Disponível em: http://jota.info/5-usos-abusivos-do-termo-reducao-de-base-de-calculo-e-o-horror-da-guerra-fiscal. Acesso em 05 de outubro de 2015.

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Optou-se neste trabalho representar o surgimento da expressão “redução

da base de cálculo” como forma de evitar a exigência de (i) estipulação de alíquotas

do ICMS pelo Senado Federal; (ii) lei estadual para fixação de alíquotas; e (iii) lei

para concessão de isenção.

Após o seu surgimento, o uso da redução da base de cálculo se

consolidou, superando as posteriores exigências impostas à forma de concessão da

redução de base de cálculo, tais como a celebração de convênio e a edição de lei

específica.

4.2.1. O uso da redução da base de cálculo como afronta à exigência

de estipulação de alíquotas do ICMS pelo Senado Federal

Com a Emenda Constitucional nº 18/65 a liberdade dos Estados para

estipular as alíquotas do ICMS foi limitada pela introdução da competência do

Senado Federal para fixar as alíquotas máximas do ICMS, nos seguintes termos:

Art. 12. Compete aos Estados o impôsto sôbre operações relativas à

circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores. § 1º A alíquota do impôsto é uniforme para tôdas as mercadorias, não excedendo, nas operações que as destinem a outro Estado, o limite fixado em resolução do Senado Federal, nos têrmos do disposto em lei complementar.

A CF/67 e a EC nº1/69 mantiveram a competência do Senado, tendo

apenas aumentado a sua competência, pois além da fixação das alíquotas máximas

interestaduais mencionaram as internas e de exportação.

O Senado foi o órgão escolhido para realizar esta função, por melhor

representar os Estados-membros, sendo capaz de zelar pelos interesses da

Federação. Sobre esta atribuição de competência ao Senado, Rubens Gomes de

Souza destacou:

Tendo-se em vista que cada Estado elege igual número de senadores, o Senado Federal, estando livre das injunções políticas inerentes à representação proporcional, pode ser considerado como

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o órgão adequado para dispor sôbre as matérias de interêsse nacional que afetem a mais de um Estado.178

Esta foi a inovação (alíquotas máximas) que se esperava que resolvesse

as desigualdades existentes entres os Estados na vigência do extinto IVC, em caso

de operações interestaduais, no entanto a esperança não se concretizou.

A Resolução do Senado nº 65 de 1970179 fixou as alíquotas máximas para

operações interestaduais em 15%, e para as operações internas, manteve as

alíquotas vigentes à época em cada Estado (v.g. estados da região norte-nordeste,

18% e região centro sul, 17%).

Sobre as consequências dessa estipulação Alcides Jorge Costa180

ressaltou:

Disto resultou que, nas operações interestaduais entre um Estado do cento-sul e outro do norte-nordeste, este último recebia, na operação posterior realizada em seu território, além do ICM resultante do acréscimo de valor da mercadoria, o derivado da diferença de alíquotas.

Os Estados não concordavam com essa diferenciação, pleiteando

alíquotas máximas iguais para todo o país. No entanto, nenhuma

inconstitucionalidade foi reconhecida181.

Com a Resolução nº 98 de 1976182 uniformizaram-se as alíquotas

máximas internas e interestaduais (sudeste e sul, 14%; norte, nordeste e centro-

oeste, 15%), mas as diferenças regionais foram mantidas.

178 SOUZA, Rubens Gomes, A reforma tributária do Brasil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v.87p. 11 179 Art. 1º - As alíquotas máximas do Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias são: I - nas operações internas, as alíquotas vigentes em cada Estado na data desta Resolução; II - nas operações interestaduais e nas de exportação, 15% (quinze por cento). Art. 2º - Consideram-se operações internas: I - aquelas em que remetente e destinatário da mercadoria estejam situados no mesmo Estado; II - aquelas em que o destinatário, embora situado noutro Estado, não seja contribuinte do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, ou, sendo contribuinte, tenha adquirido a mercadoria para uso ou consumo próprio; III - as de entrada, em estabelecimento de contribuinte, de mercadoria importada do exterior pelo titular do estabelecimento. 180 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p.163. 181 “Imagina-se que as alíquotas máximas devam ser as mesmas para todo o país. A força da necessidade produziu um efeito diferente, desconhecendo possíveis vícios de inconstitucionalidade. (...)” (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p.163).

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Para contornar essa equiparação das alíquotas internas e interestaduais

os Estados encontraram uma saída alternativa: a redução da base de cálculo. Por

meio do Convênio ICM 44/76, que previa uma base de cálculo reduzida, foi possível

alcançar os mesmos efeitos que a diferenciação das alíquotas permitia.

Observe-se ainda que a fixação das alíquotas pelo Senado se limitava a

estabelecer um patamar máximo, o que significava que os Estados podiam

estabelecer alíquotas menores se quisessem. Porém essa redução dependia de lei

estadual (art. 97, IV do CTN) o que dificultava o processo. No entanto, o mesmo

resultado podia ser alcançado com a redução da base de cálculo183. Buscando fugir

da limitação legal, esta foi a opção adotada.

Esta situação se manteve com a Resolução nº 129 de 1979184, sendo

apenas alterada pela CF/88, que aumentou a limitação à liberdade dos Estados, não

mais dispondo sobre a competência para definir as alíquotas máximas para as

operações interestaduais e de exportação, mas sim determinando a estipulação de

uma alíquota fixa pelo Senado (Resolução nº 22 de 1989185):

CF/88. Art. 155. (...) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação

182 Art. 1º - As alíquotas máximas do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão as seguintes, a partir de 1º de janeiro de 1977: I - Nas operações internas e interestaduais: a) nas regiões Sudeste e Sul: 14%¨(quatorze por cento); b) nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste: 15% (quinze por cento). II - Nas operações de exportação: 13% (treze por cento). 183 “O Senado fixa as alíquotas máximas, mas os Estados podem cobrar o ICM com alíquotas menores. A redução depende, porém, de lei estadual inexistente até agora. O convênio chegou ao mesmo resultado via redução de base de cálculo”. (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p.164.) 184 Art. 1º - As alíquotas máximas do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias

serão as seguintes: I - para as operações internas e interestaduais: a) nas Regiões Sudeste e Sul: 1 -

15% (quinze por cento) em 1980; 2 - 15,5% (quinze inteiros e cinco décimos por cento) em 1981; 3 -

16% (dezesseis por cento) em 1982 e exercícios subseqüentes b) nas Regiões Norte, Nordeste e

Centro-Oeste: 16% (dezesseis por cento) em 1980 e exercícios subseqüentes: (...) 185 Art. 1° A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento. Parágrafo único. Nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão: I - em 1989, oito por cento; II - a partir de 1990, sete por cento.

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É possível observar que a redução da base de cálculo era tida como um

caminho mais simples para se alcançar os mesmos objetivos proporcionados pela

redução da alíquota, mas com menor dificuldade.

4.2.2. O uso da redução da base de cálculo como afronta à

necessidade de lei estadual para fixação de alíquotas

Além da estipulação pelo Senado Federal, as alíquotas encontravam

outra limitação em nível infraconstitucional: o Código Tributário Nacional

determinava (e ainda hoje determina) a necessidade de lei para sua fixação:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; (grifo nosso)

Como decorrência desta previsão legal que dificultava a sua livre

estipulação, a redução da base de cálculo apareceu como solução para os Estados

alcançarem seus objetivos de aumentar arrecadação.

Sobre esta situação Eurico Marcos Diniz de Santi destaca:

Nessa lógica, como “redução de base de cálculo” não é o mesmo que “fixação da alíquota”, os Estados estariam livres das amarras da uniformidade e do legítimo debate político no âmbito do Senado para estabelecerem as distinções que lhes fossem convenientes. (grifo nosso)

É certo que este artigo 97 do CTN também impõe que a fixação da base

de cálculo seja por lei, mas a base de cálculo possui características diversas da

alíquota. Estabelecer a alíquota por lei é estipular o percentual a ser aplicado e

reduzi-la é reduzir este percentual. Com a base de cálculo a raciocínio não funciona

assim.

A base de cálculo apresenta duas feições: base de cálculo normativa e

base de cálculo fática186. Estipular a base de cálculo normativa é indicar a sua

previsão em abstrato na lei (v.g. valor da mercadoria). E estabelecer a base de

cálculo fática é indicar o valor desta mercadoria (v.g. valor da bicicleta = R$ 300,00).

186 Ver capítulo 01, item 1.2.2.

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Para Aires Barreto apenas a estipulação da base de cálculo normativa depende de

lei187.

No entanto, reduzir a base de cálculo não implica alterar nenhuma destas

duas modalidades. A base de cálculo normativa continuará sendo o valor da

mercadoria e a venda da bicicleta continuará ocorrendo por R$ 300,00. A redução

ocorrerá apenas no momento da apuração do valor do tributo devido.

Diante deste fato, não há como dizer que existia necessidade de lei para

redução da base de cálculo. E por este motivo, aproveitando-se desta peculiaridade,

os Estados a concediam por meio de decreto.

O fato de utilizarem decreto para a concessão de redução de base de

cálculo trazia mais uma vantagem, evitar o controle de constitucionalidade do

Supremo Tribunal Federal.

Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal não admite controle de

constitucionalidade de decretos, pois estes possuem função meramente

regulamentar e uma vez excedendo os limites das leis que regulamentam incidem

em ilegalidade, fugindo do âmbito de competência do STF.

Nesse sentido entende Robson Maia Lins188:

É com fundamento na falta de autonomia normativa que o STF não aceita que Adin e ADC sejam propostas contra leis e atos normativos que ofendam ainda que indiretamente à Constituição. Na seara tributária, seria o caso do regulamento de execução de RMIT. O regulamento, na hipótese de desbordar dos limites da RMIT, estaria violando diretamente a própria RMIT e somente indiretamente a Constituição.

A concessão de redução de base de cálculo por decreto tinha, então, a

vantagem de não se submeter ao controle da corte suprema.

É certo que atualmente o STF admite o controle de constitucionalidade de

decretos que concedem benefícios fiscais189, pois entendem tratar-se de decretos

187 Ver capítulo 01, item 1.2.2 e nota de rodapé nº 54. 188 O Supremo Tribunal Federal e norma jurídica: aproximações com o constructivismo lógico-semântico. In: HARET, Florence e CARNEIROS, Jerson. Vilém Flusser e Juristas – comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2009, p. 367-395.

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autônomos, porém inicialmente este entendimento não era pacífico190, influenciando

ainda mais o uso da expressão redução da base de cálculo.

4.2.3. O uso da redução da base de cálculo como afronta à

obrigatoriedade de lei para concessão de isenção

Outro empecilho para os Estados era a necessidade de lei para a

concessão de isenção. Esta limitação está prevista no Código Tributário Nacional,

conforme demonstra a redação dos seguintes dispositivos:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. (grifo nosso)

É fato que apesar destas disposições legais, os Estados afrontavam a

legalidade de duas formas: ou alteravam as alíquotas e concediam isenções sem lei,

ou procuravam dar “ar de legalidade” a seus atos, buscando os meios obscuros da

redução da base de cálculo.

189 O STF passou a entender que os decretos que concedem benefícios fiscais não se tratam de meros decretos regulamentares, mas sim decretos autônomos, na medida em que inovam o ordenamento ao introduzir um novo benefício fiscal: EMENTAS: 1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de constitucionalidade. 2 (...) (ADI 4152, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-181 DIVULG 20-09-2011 PUBLIC 21-09-2011 EMENT VOL-02591-01 PP-00050) 190 TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO 13/97 E §§ 6.º E 7.º DO ART. 498 DO DEC. nº 35.245/91 (REDAÇÃO DO ART. 1.º DO DEC. nº 37.406/98), DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA OFENSA AO § 7.º DO ART. 150 DA CF (REDAÇÃO DA EC 3/93) E AO DIREITO DE PETIÇÃO E DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Convênio que objetivou prevenir guerra fiscal resultante de eventual concessão do benefício tributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior quando a operação final for de valor inferior ao do fato gerador presumido. Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida de concessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º). Impossibilidade de exame, nesta ação, do decreto, que tem natureza regulamentar. (...) (ADI 1851, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2002, DJ 22-11-2002 PP-00055 EMENT VOL-02092-01 PP-00139 REPUBLICAÇÃO: DJ 13-12-2002 PP-00060)

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4.2.4. A redução de base de cálculo manteve-se ativa na função de

afrontar a legalidade, apesar da obrigatoriedade de celebração de

convênios (LC 24/75)

Para evitar as afrontas a legalidade e regular a forma de concessão de

isenção pelos Estados, instituiu-se com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 a

necessidade de celebração de convênios, que seriam regulados por lei

complementar191. Com esta medida pretendia-se centralizar e harmonizar a

concessão de isenções pelos Estados, e, por consequência, limitar a competência

deles para tais atos.

Foi a Lei Complementar 24/75 que cumpriu o papel de regular esta

disposição constitucional:

Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. Parágrafo único - O disposto neste artigo também se aplica: I - à redução da base de cálculo; II - à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; III - à concessão de créditos presumidos; IV - à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus; V - às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data. (grifo nosso)

Como se pode perceber a lei complementar procurou abranger todas as

formas de benefícios fiscais, inclusive a redução de base de cálculo, trazendo uma

forma de controle centralizado para essas ações.

No entanto, o uso da redução da base de cálculo continuou sendo viável

para os Estados, afinal a única restrição colocada ao seu uso foi a elaboração de

convênio, mantendo-se a possibilidade de despistar a obrigatoriedade de

191 Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sôbre: (...) § 6º As isenções do impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos têrmos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar.

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estipulação das alíquotas pelo Senado, a necessidade de lei para alteração das

alíquotas e a exigência de lei para a concessão de isenção192.

Em reação contra essa alteração legislativa, os Estados tentaram ainda

desqualificar a importância dos convênios, alegando tratarem-se de mecanismos

meramente autorizativos, apenas servindo de fundamento de validade para a

concessão de redução da base de cálculo. Por muitos anos o STF manteve firme

seu posicionamento sobre a impositividade dos convênios, porém recentemente

cedeu às pretensões dos Estados, passando a considerá-los meramente

autorizativos193.

4.2.5. Restrição ao aproveitamento de crédito introduzida pela EC nº

23/83 aumentou a importância da redução da base de cálculo para

os Estados

A Emenda Constitucional nº 23/83, fruto da pressão dos Estados que

sofriam com a concessão unilateral de benefícios fiscais, introduziu uma exceção ao

princípio da não-cumulatividade, proibindo a concessão de créditos nas operações

seguintes às que houvesse isenção ou não incidência. Posteriormente, com a

Constituição de 1988, esta restrição passou a abranger também os créditos

decorrentes de operações anteriores:

Art. 155. §2º (...) II - a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

Cumpre destacar a ressalva contida no inciso II deste artigo: a isenção ou

não incidência não implicará crédito ou o anulará, apenas se não houver

determinação em contrário da legislação.

Mas o que se entende por “legislação” em contrário?

192 Eurico Marcos Diniz de Santi. Parecer, 2015, não publicado. 193 Ver capítulo 02.

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O Código Tributário Nacional estabelece a abrangência do termo

legislação tributária em seu art. 96, prescrevendo que elas abrangem as normas

complementares que versem sobre tributos:

Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.

E no conceito de normas complementares este mesmo Código inclui os

convênios celebrados entre os entes federativos:

Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa; III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Assim, pode-se concluir que o termo “legislação” na forma como adotado

pelo CTN abrange os convênios firmados pelos Estados em matéria de ICMS.

Neste sentido, Roque Antonio Carrazza194 ensina:

Em matéria de ICMS, convênio é o acordo, o ajuste, o programa a ser desenvolvido pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal. Pode e deve ser considerado legislação tributária. (...) Assim, quando o art. 155, §2º, II, alude à “determinação em contrário da legislação”, compreende também os Convênios-ICMS.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, não foi claro ao debater este

tema em seus julgamentos, conforme se pode observar nos acórdãos dos casos

Santa Catarina e Santa Lúcia195, não havendo como concluir por uma posição que

represente o entendimento desta corte suprema.

Para concluir, importa ressaltar que a introdução da EC nº 23/83 tornou o

uso da redução da base de cálculo ainda mais vantajosa para os Estados por não a

incluir nas hipóteses de restrição ao crédito, o que foi mantido pelo art. 155, §2º, II

194 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer, 2011. Não publicado, p. 54-55. 195 A indecisão do STF sobre a abrangência do termo “legislação” será demostrada no último capítulo, item 7.4 e 7.5.

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da CF/88. Em razão da ausência de restrição constitucional a redução da base de

cálculo poderia, então, ser usada com aplicação irrestrita do princípio da não

cumulatividade.

4.2.6. O uso da redução da base de cálculo manteve-se vantajoso,

apesar da exigência de lei específica introduzida pela EC nº 3 de

1993

Objetivando aumentar a regulamentação sobre a concessão de benefícios

fiscais, foi introduzida pela EC nº 3 de 1993 a necessidade de lei específica196 para a

concessão de redução da base de cálculo, sendo a atual redação da Constituição

Federal de 1988 a seguinte:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de

1993)

É claro que a exigência de lei para a concessão de isenção decorre do

princípio da estrita legalidade tributária e já constava expressamente no CTN. No

entanto, diante do frequente desrespeito a essas normas, e da falta de previsão

legal para as demais espécies de benefícios fiscais, inseriu-se esse novo dispositivo

constitucional.

Apesar de configurar mais uma limitação ao uso da redução da base de

cálculo, a exigência de lei específica serviu de reforço para os Estados clamarem

por sua autonomia, alegando que apesar da necessidade de convênios para

concessão de redução de base de cálculo, ela só poderia ser efetivamente

196 Foi esta alteração legislativa que deu força ao argumento dos Estados sobre a natureza autorizativa dos convênios, como visto no capítulo 04.

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concedida mediante lei específica estadual (tornando os convênios mecanismos

meramente autorizativos)197.

Este fato, somado à não inclusão nas hipóteses de restrição ao crédito,

forneceu à redução da base de cálculo as características que os Estados

procuravam para reaver a autonomia perdida com as sucessivas alterações

legislativas.

4.2.6.1. O termo “lei específica” na interpretação do STF

O referido §6º do art. 150 da CF/88, ao referir-se à “lei específica” trouxe à

tona dúvidas sobre sua interpretação desencadeando discussão sobre a forma pela

qual a implementação dos convênios deveria se dar; isto porque a LC nº 24/75

estabelecia que a ratificação se daria por decreto executivo. Assim, a dúvida que se

coloca é se ela deveria ocorrer por decreto executivo, legislativo ou por lei em

sentido estrito. Analisaremos nesse momento a evolução da jurisprudência do STF

sobre o assunto.

Antes de iniciar a análise dos julgados, é preciso esclarecer, para a

correta compreensão da redação do parágrafo 6º, incluído no art. 150 da CF8/88, o

sentido e alcance de dois termos utilizados: a exigência de lei “específica” e

regulação “exclusiva”.

Tércio Sampaio Ferraz Junior ao estudar este dispositivo legal destacou a

importância de interpretá-lo conjuntamente com seu caput, concluindo que as

exigências contidas no §6º devem ser consideradas de acordo com as garantias

asseguradas aos contribuintes. Isto porque a expressão “sem prejuízo de outras

garantias” utilizada no caput leva a crer que o conteúdo do artigo em questão é um

elenco delas que se acresce às demais garantias existentes na Constituição198.

Posteriormente, ao analisar a exigência de lei específica, referido autor

verifica que o conceito de ‘específico’ opõe-se ao de ‘genérico’, e que este, por sua

197 Ver capítulo 2. 198 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Remissão e Anistia fiscais: Sentido dos Conceitos e Forma Constitucional de Concessão. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 92, p. 67.

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vez, possui dois sentidos, conforme observado por Norberto Bobbio199: (i) dirige-se a

todos os destinatários ou (ii) a sua matéria consiste num tipo abstrato. Assim, tem-se

no primeiro caso a generalidade do sujeito e no segundo, do objeto.

Assim, conclui que:

A exigência de lei específica significa, nesse sentido, que seus preceitos devem estar dirigidos a um subconjunto dentro de um conjunto de sujeitos ou que seu conteúdo deve estar singularizado na descrição da facti species normativa, isto é, pela delimitação de um subconjunto material dentro de um conjunto200.

Ou seja, ambas as possibilidades de interpretação da expressão “lei

específica” observam os preceitos constitucionais, devendo então a lei dirigir-se a

um determinado grupo de pessoas e tratar de uma matéria específica.

O mencionado parágrafo 6º refere-se ainda à regulamentação exclusiva

das matérias nele enumeradas ou do tributo a elas correspondente. Diante disso,

Tercio S. Ferraz Junior, delimitou qual o objetivo dessa exigência, tendo em vista

que o dispositivo trata de uma proteção ao contribuinte201:

(...) a exclusividade deve ser tomada como um instrumento a serviço da sistematicidade orgânica da disciplina normativa. Por isso, no exame de caso o que se deve observar é essa sistematicidade orgânica do diploma legal e verificar, dentro dela, a matéria, revelando-se deste modo o tratamento exclusivo.

Chegou a essa conclusão por entender que, gramaticalmente, a

exclusividade possui sentido de concentração temática e, portanto, o que importa é

o contexto em que a matéria está inserida, visando-se impedir apenas que o

benefício fiscal seja tratado em uma lei que não possua qualquer relação com ele ou

com o tributo a que se refere.

199 BOBBIO, Norberto. Studi per uma Teoria Generale del Diritto. Torino, 1979, p 11 e ss. apud FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Remissão e Anistia fiscais: Sentido dos Conceitos e Forma Constitucional de Concessão. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 92, p. 68. 200 Tércio Sampaio. Remissão e Anistia fiscais: Sentido dos Conceitos e Forma Constitucional de Concessão. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 92, p. 68. 201 “Como vimos, seu sentido é de proteção do contribuinte contra a discricionariedade na concessão de uma exceção, evitando-se, destarte que se privilegie ilegitimamente um em detrimento dos demais, mas também de proteção contra o tratamento igual de contribuintes em situação desigual, evitando-se, em contrapartida, uma iniquidade”. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Remissão e Anistia fiscais: Sentido dos Conceitos e Forma Constitucional de Concessão. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 92, p. 69.

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Enfim, delimitado o alcance das expressões do art. 150, §6º da CF,

passa-se a discorrer sobre as formas de implementação dos convênios celebrados

pelo CONFAZ, no âmbito do ICMS: se por meio de lei, decreto legislativo ou decreto

executivo.

A LC nº 24/1975 dispõe em seu art. 4º que a ratificação dos convênios

será feita por decreto publicado pelo Poder Executivo de cada Estado:

Art. 4º - Dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados da publicação dos convênios no Diário Oficial da União, e independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de cada Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados, considerando-se ratificação tácita dos convênios a falta de manifestação no prazo assinalado neste artigo.

O Supremo Tribunal Federal já entendeu ser válida essa disposição da

Lei Complementar nº 24/75, ao julgar o RE 106.796 interposto por empresa que

objetivava invalidar a revogação de benefício fiscal concedido por convênio e

implementado por decreto estadual.

A fundamentação do julgado não se baseou na análise da necessidade

de convênio para revogação de benefícios fiscais, pois este efetivamente existia,

mas sim na possibilidade de sua implementação ser feita por decreto.

Assim, nosso tribunal supremo entendeu que a Lei Complementar, com

competência concedida pela Constituição, possibilitou que a ratificação fosse feita

por decreto do Poder Executivo, o que foi cumprido pelo decreto ora questionado,

validando a revogação:

As isenções de ICM são feitas por convênios e por eles revogadas — Art. 23, § 6º, da Constituição sem ofensa ao princípio da legalidade. Válida é a ratificação do Convênio por decreto do Poder Executivo - Art. 4º da Lei complementar nº 24, de 7.1.75. O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da CF) não se aplica à revogação de isenção do ICM. RE conhecido e provido. (RE 106796, Relator(a): Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 12/11/1985, DJ 06-12-1985 PP-22588 EMENT VOL-01403-03 PP-00598)

A despeito dessa decisão do STF, muitos doutrinadores defendem que o

decreto executivo não é o instrumento adequado para a implementação de convênio

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pelo Estado, dentre eles destacam-se Geraldo Ataliba202 e José Souto Maior Borges,

que já em 1975 nos ensinava que:

“... numa decorrência do princípio da legalidade tributária e sem a qual não estarão obedecidas as suas exigências solenes, o sistema da Constituição exige sejam os convênios ratificados pelas Assembleias Legislativas Estaduais. É portanto manifestamente inconstitucional a prática de ratificação dos convênios mediante Decreto do Poder Executivo”203

Essa corrente ganhou força com a Emenda Constitucional nº 3 de 1993,

que incluiu o §6º no art. 150 da CF, sendo possível perceber a mudança de

posicionamento do STF sobre o assunto.

Em 1995 (ADI 1296 MC)204, ao ser instado a se manifestar sobre a

constitucionalidade de lei estadual que autorizava um decreto executivo a conceder

benefícios fiscais, entendeu que referida norma operava “indisfarçável delegação

202 “Exige o texto constitucional que os convênios sejam ‘celebrados’ pelos Estados e depois ‘ratificados’. A celebração cabe ao Executivo. A ratificação ao Poder Legislativo. ‘Estado’ não é Executivo. O Estado se representa pelo Executivo, mas delibera mediante harmônica atuação deste com o Legislativo. Nem tem propósito que um Auxiliar do governador o ratifique. Não foi isso o que quis dizer a Carta Magna” (ATALIBA, Geraldo. Convênios interestaduais e ICM. Artigo in O Estado de São Paulo, de 25.06.1972 apud BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 173). 203 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 173. 204 E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE OUTORGA AO PODER EXECUTIVO A PRERROGATIVA DE DISPOR, NORMATIVAMENTE, SOBRE MATÉRIA TRIBUTARIA - DELEGAÇÃO LEGISLATIVA EXTERNA - MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO - POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PRINCÍPIO DA RESERVA ABSOLUTA DE LEI EM SENTIDO FORMAL - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - CONVENIENCIA DA SUSPENSÃO DE EFICACIA DAS NORMAS LEGAIS IMPUGNADAS - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - A essência do direito tributário - respeitados os postulados fixados pela própria Constituição - reside na integral submissão do poder estatal a rule of law. (...) O Executivo não pode, fundando-se em mera permissão legislativa constante de lei comum, valer-se do regulamento delegado ou autorizado como sucedâneo da lei delegada para o efeito de disciplinar, normativamente, temas sujeitos a reserva constitucional de lei. – (...). Isso significa dizer que o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado - como o Poder Executivo - produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar. O legislador, em consequência, não pode deslocar para a esfera institucional de atuação do Poder Executivo - que constitui instância juridicamente inadequada - o exercício do poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias temáticas - (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de cálculo tributaria, (c) a concessão de crédito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de sua própria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal. - Traduz situação configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae - tendo em vista o sistema constitucional de poderes limitados vigente no Brasil - só pode residir em atos estatais primários editados pelo Poder Legislativo. (ADI 1296 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 14/06/1995, DJ 10-08-1995 PP-23554 EMENT VOL-01795-01 PP-00027)

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legislativa externa, outorgando ao Executivo o exercício de um encargo jurídico

absolutamente intransferível pelo Parlamento a qualquer outra instância de poder”.

Com base nesse precedente, já em 2009, com o RE 539.130205,o STF

firmou sua jurisprudência no sentido de não ser autorizado ao Poder Legislativo

delegar atividade que lhe é inerente, além de o Poder Executivo não possuir reserva

de lei de sua iniciativa para dispor sobre matéria tributária, principalmente sobre

concessão de benefícios fiscais206.

Neste acórdão, o Min. Joaquim Barbosa destaca ainda que o sentido de

“lei” do art. 150, §6º da CF precisa ser interpretado de forma ampla, conforme trecho

extraído de seu voto:

Ainda assim, especificamente para a concessão de benefícios relativos ao ICMS, dou à palavra “lei” interpretação mais ampla, de modo a significar “legislação tributária”.

Verifica-se que neste acórdão, utilizado como precedente para muitos

outros207, o Supremo não só se posiciona pela inconstitucionalidade de ratificação

por decreto executivo, como também flexibiliza o termo “lei” utilizado pelo §6º,

entendendo como sinônimo de legislação, abrangendo, portanto, o decreto

legislativo. Assim, tanto o decreto legislativo quanto a lei estadual, são considerados

aptos pelo STF para implementarem os convênios.

205 DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVÊNIO ICMS 91/91. ISENÇÃO DE ICMS. REGIME ADUANEIRO ESPECIAL DE LOJA FRANCA. "FREE SHOPS" NOS AEROPORTOS. PROMULGAÇÃO DE DECRETO LEGISLATIVO. ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. 1. Legitimidade, na hipótese, da concessão de isenção de ICMS, cuja autorização foi prevista em convênio, uma vez presentes os elementos legais determinantes para vigência e eficácia do benefício fiscal. 2. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido. (RE 539130, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-022 DIVULG 04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010 EMENT VOL-02388-05 PP-00900 RTJ VOL-00213- PP-00682 RDDT n. 175, 2010, p. 179-185 RT v. 99, n. 895, 2010, p. 177-185 LEXSTF v. 32, n. 374, 2010, p. 227-241) 206 “Ademais, esta Corte já firmou não haver reserva de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre matéria tributária, inclusive benefícios fiscal, se a hipótese não versar sobre os territórios (cf., por todos, a ADI 2.464, rel. min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe- 023 Divulg 24-05-07 Public 25-05-2007)” (RE 539130, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-022 DIVULG 04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010). 207 RE nº 576.357/RS, Min. Rel. Celso de Mello; RE nº 588.765/RN, Min. Rel. Joaquim Barbosa; RE nº 610.480/RS, Min. Rel. Celso de Mello; e RE nº 611.433/RS, Min. Rel. Ricardo Lewandowski; entre outros.

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Este também é o entendimento de Roque Antonio Carrazza208, ao afirmar

que apenas o poder legislativo, e não o executivo, tem legitimidade para ratificar um

convênio:

...os Estados e o Distrito Federal, querendo conceder isenções de ICMS, devem firmar entre si, por seus Executivos, convênios (pactos, acordos, contratos). Tais convênios, para se tornarem direito interno das unidades federativas interessadas, precisam ser ratificados, não por decreto do Governador – como infelizmente vem acontecendo com base o art. 4º da Lei Complementar 24/75 – mas, sim, por meio de decreto legislativo baixado pela respectiva Assembleia Legislativa ou, no caso do Distrito Federal, por sua Câmara Legislativa. Repisamos que, por força do princípio da legalidade, o decreto legislativo (estadual e distrital) – lei em sentido material, como ensinava Pontes de Miranda – é que deve conceder isenções de ICMS.

Assim, atualmente o STF entende que a ratificação dos convênios é

imprescindível para sua eficácia209. Ou seja, o convênio é válido, porém não gera

efeitos para os Estados que não o implementarem. E o meio pelo qual essa

ratificação deve ser feita, depende da interpretação dada a expressão “lei

específica”, que este tribunal entendeu abranger tanto a lei em sentido estrito,

quanto decretos legislativos.

208 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 9ª ed revista e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 374. 209 Cumpre fazer alguns esclarecimentos sobre os conceitos de validade, vigência e eficácia utilizados neste trabalho. Adotou-se os conceitos de Paulo de Barros Carvalho, sendo válida a norma que “mantém relação de pertinencialidade com o sistema ‘S’, ou que nele foi posta por órgão legitimado a produzi-la, mediante procedimento estabelecido para esse fim”. Diante dessas ponderações, pode-se concluir que a “vigência se confunde com a existência da norma, de sorte que afirmar que u’a norma existe implica reconhecer sua validade, em face de determinado sistema jurídico”. Já a vigência, caracteriza-se pela “aptidão para qualificar fatos e determinar o surgimento de efeitos de direito, dentro dos limites que a ordem positiva estabelece, no que concerne ao espaço e no que consulta ao tempo”. Por fim, a eficácia pode ser estudada em três fases: (i) eficácia jurídica configura o “próprio mecanismo lógico da incidência, o processo pelo qual, efetivando-se o fato previsto no antecedente, projetem-se os efeitos prescritos no consequente”; (ii) eficácia técnica é a “condição que a regra do direito ostenta, no sentido de descrever acontecimentos que, uma vez ocorridos no plano do real-social, tenham o condão de irradiar efeitos jurídicos, já removidos os obstáculos de ordem material que impediam tal propagação”; e (iii) eficácia social ou efetividade diz respeito aos “padrões de acatamento com que a comunidade responde aos mandamentos de uma ordem jurídica historicamente dada”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 114-117)

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CAPÍTULO 5 - REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO DA

NÃO CUMULATIVIDADE

O uso da expressão redução da base de cálculo viola o princípio da não

cumulatividade, na medida em que a pretensão de equipará-lo com o conceito de

isenção parcial210 torna cumulativo o ICMS sem autorização constitucional.

A cumulatividade do imposto decorre da anulação dos créditos feita pelos

Estados nos casos de operações com redução da base de cálculo e ela não possui

autorização constitucional, pois as duas únicas hipóteses de restrição ao crédito são

a isenção e a não incidência.

A equiparação destes conceitos revela a intenção dos Estados em

desrespeitar a Constituição: ao invés de concederem isenção, reduzem a base de

cálculo, atraindo contribuintes, para depois pretender a equiparação dos conceitos

por meio do judiciário, anulando a diferença do crédito pago na operação

interestadual anterior.

É justamente a cumulatividade do tributo, que torna a mercadoria vinda de

outro estado mais onerosa que a do Estado que concedeu a redução da base de

cálculo, produzindo o efeito de barreira fiscal, o que viola o art. 152 da CF211.

5.1. Princípio da não cumulatividade

Assim como o princípio da legalidade descrito no capítulo anterior, também o

princípio da não cumulatividade se configura como um limite objetivo, realizando de

forma indireta outros princípios-valores, tais como “o da justiça da tributação, o do

210 No primeiro capítulo, item 1.4.3, foi defendida a imprecisão da expressão “isenção parcial”, uma vez que ela não se inclui no conceito de isenção, tratando-se de mera redução do valor do tributo. Defendemos ainda que o conceito de redução de base de cálculo não se equipara ao de isenção, pois no primeiro há incidência do tributo e no segundo, não. Logo a pretensão dos Estados em equiparar a redução da base de cálculo à isenção parcial, não é possível, por dois motivos: (i) na redução da base de cálculo há incidência e por isso não pode ser confundida com a isenção e (ii) na isenção parcial, por também ocorrer a incidência, não pode ser considera como isenção. 211 Conforme será demonstrado no capítulo 6.

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respeito a capacidade contributiva do administrado e o da uniformidade na

distribuição da carga tributária”212.

A substituição do IVC pelo ICM objetivou retirar a característica da

cumulatividade que vigorava anteriormente, para torná-lo um imposto não

cumulativo, a exemplo da francesa taxe sur la valeur ajoutée (TVA), evitando assim

o que se convencionou chamar de incidência “em cascata” e seus inúmeros

problemas, tal como a verticalização das estruturas empresarias e a falta de

neutralidade do tributo.

Assim, a partir da EC nº 18/65 concretizou-se em nossas constituições

(1967/1969 e 1988) uma regra matemática de compensação ou abatimento dos

valores cobrados nas operações anteriores com o que seria devido nas seguintes,

nos seguintes termos:

EC nº 18/65. Art. 12. Compete aos Estados o impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores.§ 2º O impôsto é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos têrmos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado, e não incidirá sôbre a venda a varejo, diretamente ao consumidor, de gêneros de primeira necessidade, definidos como tais por ato do Poder Executivo Estadual.

CF/88. Art. 155. §2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

O objetivo dessa regra é tributar apenas a diferença entre o valor da

operação seguinte e da operação anterior, em outras palavras, gravar apenas o

valor acrescido213, permitindo o controle do gravame que incidiu no processo

produtivo e viabilizando a liberdade de circulação de mercadorias e serviços.

212 CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não cumulatividade. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 33, p. 156. 213 “... se o imposto é multifásico, se é não cumulativo e se a Constituição manda que em cada operação seja abatido o imposto cobrado nas anteriores, segue-se que se trata de um imposto sobre o valor acrescido, nota característica essencial do tributo.” (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 152)

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Destacam-se dois métodos de apuração do valor acrescido, o método base

sobre base e o método imposto sobre imposto214. O primeiro, menos utilizado em

razão da maior dificuldade prática, consiste na dedução do valor das mercadorias e

serviços adquiridos pelo contribuinte da base de cálculo do tributo, sendo aplicada

sobre este valor a alíquota.

Já o segundo método, que foi o adotado no Brasil desde a implantação da

não-cumulatividade, consiste na compensação do imposto a ser pago na operação

seguinte com o imposto que incidiu na operação anterior. Assim, na fatura (nota

fiscal) o imposto que incidiu na operação vem destacado para posteriormente ser

abatido do imposto a ser pago pelo contribuinte adquirente215.

Geraldo Ataliba e Cléber Giardino216 explicam o fenômeno da

compensação217 seguinte forma:

O esquema constitucional, portanto - ao mencionar 'abatimento' - pode ser visto como um processo matemático de dedução no qual, por imposição constitucional, o montante do ICM devido é o 'minuendo' e o montante de ICM anteriormente cobrado é o 'subtraendo'. (Não é de surpreender, assim, que tenham prosperado as expressões 'débito', 'crédito', 'conta-corrente', etc., para indicar este fenômeno, todas elas tradutoras, numa linguagem leiga, do procedimento jurídico da compensação).

E no mesmo sentido acrescenta Roque Antonio Carrazza218:

De fato, a compensação a que estamos aludindo efetiva-se por intermédio da chamada “conta-corrente fiscal”, em que o saldo, se devedor, é suportado pelo contribuinte e, se credor, é transferido para aproveitamento em períodos subsequentes.

Pode-se concluir que o princípio da não-cumulatividade se realiza por meio

do mecanismo de compensação de créditos e débitos. E consequentemente

havendo créditos decorrentes de operações anteriores é direito do contribuinte a

214 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 155. 215 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 71-72. 216 Abatimento Constitucional – Princípio da não-cumulatividade. Revista de Direito Tributário. São Paulo, nº. 29/30, p. 117. 217 Observa-se que nas Constituições anteriores a redação utilizada pelo constituinte era “abatimento”, expressão que foi alterada pela Constituição de 1988, passando a constar “compensação”. 218 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. 2011. Não publicado, p. 21.

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compensação, não sendo admitidas restrições, além das previstas pela própria

Constituição.

Estas restrições constitucionalmente previstas não podem sofrer alterações

de legislações infraconstitucionais, uma vez que só é admitida diminuição da

abrangência do princípio da não-cumulatividade diante de autorização da própria

Constituição Federal, o que ocorre em apenas duas hipóteses: isenção e não

incidência.

Trata-se de rol taxativo, que não pode ser ampliado nem pelo legislador

ordinário, nem pelo julgador e muito menos pelo agente fiscal, uma vez que as

exceções devem sempre ser interpretadas restritivamente, como sugere a máxima

exceptio este strictissimae interpretations219.

Há ainda juristas que entendem que mesmo as restrições constitucionais

não podem ser absolutas. É o caso de Tércio Sampaio Ferraz Junior, que procura

solucionar o aparente conflito entre o princípio da não-cumulatividade e as exceções

previstas constitucionalmente, destacando quais situações estariam abrangidas

pelas normas restritivas do crédito:

Desta principiologia segue inelutável e claramente quais as situações objetivadas pelo Constituinte e quais as que ele exclui, quando excepciona a aplicação do princípio da não-cumulatividade nos casos de isenção e não incidência. Se, como dissemos, o princípio da não-cumulatividade caracteriza uma técnica de política fiscal funcionalmente mais adequada e normativamente mais justa, e se as isenções e as não-incidências podem provocar, em não se compensando o crédito. a elas referentes, perversos efeitos cumulativos em cascata, então as exceções contidas nas alíneas "a", e "b" do inc. II do § 2º do art. 155 só cabem para aquelas situações em que o crédito de um imposto que não incidiu em operação anterior conduzisse a um efeito oposto ao da acumulação, pois levaria a uma incidência final inferior à que resultaria da aplicação da alíquota nominal do tributo ao preço do varejo. Isto criaria para o órgão arrecadador uma situação desigual em que, por causa da não-cumulatividade, ele seria prejudicado. Regra geral, estas situações aparecem quando a isenção ou não-incidência ocorrem no começo ou no fim do ciclo de circulação de mercadorias. Nestes casos e apenas neles da aplicação do princípio da não-cumulatividade haveria um prejuízo para o órgão arrecadador, configurando-se destarte uma situação excepcional que exige a aplicação da regra, da especialidade e da qual decorre o estrito entendimento das referidas alíneas "a" e' "b". Este entendimento

219 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. 2011. Não publicado, p.28.

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estrito, que preserva o sentido próprio e genérico da não-cumulatividade, exige, por outro lado, que quando a isenção ou a não-incidência ocorra no meio do ciclo, o crédito só deixará de ser compensado, devendo ser anulado, apenas no que diz respeito às operações imediatamente posteriores e anteriores, não valendo para as subseqüentes, sob pena de se provocarem extensos e perversos efeitos cumulativos. Fora destes casos, vale plenamente o princípio da não-cumulatividade (cf.. Carlos Maximiliano, ob. cit., p. 313: "Interpretam-se estritamente os dispositivos que. instituem exceções às regras gerais firmadas pela Consti-tuição").

Assim, a restrição ao crédito só poderia ocorrer nas situações em que

houvesse prejuízo ao órgão arrecadador, que o autor destaca como sendo os casos

de isenção ou não incidência no início ou no fim da cadeia produtiva. Nas hipóteses

de isenção ou não incidência no meio da cadeia, impõe-se então a anulação dos

créditos apenas nas operações imediatamente posteriores e anteriores, não

podendo ser aplicada às subsequentes.

Concorde-se ou não com a posição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, é certo

que as únicas situações em que é possível haver vedação ao aproveitamento de

créditos são as previstas constitucionalmente, ou seja, nos casos de isenção ou não

incidência.

Logo, o princípio da não cumulatividade garante, como regra geral, o direito

dos contribuintes à manutenção dos créditos tributários, uma vez que só assim ele é

capaz de preservar a neutralidade do tributo. Por consequência é incabível

considerar o direito ao crédito como uma espécie de benefício fiscal, uma vez que

consiste no próprio mecanismo garantidor da não cumulatividade tributária.

Ainda sobre este princípio é importante tecer algumas considerações a

respeito da expressão “montante cobrado” prevista no art. 155, §2º, I da CF,

supracitado, para demonstrar a impropriedade do constituinte ao utilizá-la.

Já destacamos no primeiro capítulo as desvantagens jurídicas e econômicas

que um sistema cumulativo de impostos multifásicos apresentava à época de

vigência do IVC. Assim, observa-se que com a instituição de um sistema não

cumulativo procurou-se eliminar tais problemas. Ocorre que, ao interpretar-se

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“montante cobrado” como montante efetivamente pago, referida intenção do

legislador se anularia. É o que narra Clélio Chiesa220:

Cumpre assinalamos, antes de prosseguir no estudo da não-cumulatividade, que a expressão ‘montante cobrado nas anteriores’ foi impropriamente utilizado pelo constituinte, pois o objetivo não é exigir que o contribuinte perquira em cada operação se houve ou não pagamento para, posteriormente, creditar-se. Se assim fosse, frustrado estaria o objetivo de instituir-se um ICMS não-cumulativo, diante das diversidades das ocorrências fáticas.

Com o mesmo raciocínio, nos ensina Alcides Jorge Costa que o sentido de

“cobrado” deve ser entendido como “incidente”:

... O art. 23, II, da Constituição (Emenda nº1) fala em “montante cobrado nas anteriores”, ao passo que o artigo 3º, §1º, do decreto-lei nº 406/68 menciona o “imposto pago relativamente às mercadorias nele (estabelecimento) entradas”. O vocábulo “cobrado” não pode ser entendido no sentido de concretamente exigido. Seria irreal pretender que o adquirente soubesse se o Estado exigiu ou não, concretamente, o ICM que incidiu sobre a operação. O sentido de cobrar só pode ser o de incidir. E se assim é na Constituição, o “pago” mencionado no art. 3º, §1º do decreto-lei nº 406/68 não pode ter significado diverso.

Assim, buscando sintonia com as normas constitucionais, é necessário

esclarecer que basta a incidência do ICMS para que a compensação prevista seja

devida.

5.2. A impossibilidade de restrição dos créditos decorrentes de redução

da base de cálculo

Não se podendo equiparar redução de base de cálculo à isenção (parcial),

conforme demonstrado no primeiro capítulo, item 1.5, torna-se inconstitucional

qualquer pretensão de vedação ao crédito de contribuintes beneficiados pela

redução de base de cálculo.

220 CHIESA, Clélio. ICMS – Sistema constitucional tributário. Algumas inconstitucionalidades da LC 87/96. São Paulo: LTR, 1997, p. 119.

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Isso ocorre porque a Constituição Federal prevê duas hipóteses que

autorizam a anulação de créditos nas operações que sofram a incidência de ICMS,

sendo elas apenas as decorrentes de isenção ou não incidência.

É certo que a própria Constituição delegou à lei complementar a

competência para “disciplinar o regime de compensação do imposto” (art. 155, §2º,

XII, “c”), no entanto tal disciplina não pode ir além das determinações

constitucionais, devendo limitar-se a operacionalizar a forma de implementação do

princípio da não cumulatividade221.

Cabe ainda destacar que o princípio da não cumulatividade, independe da

edição desta lei complementar, tratando-se de norma constitucional de eficácia

plena e aplicabilidade imediata222, conforme reconhecido no voto do Min. Nelson

Jobim no RE nº 199.147-0/RJ223.

Dessa forma, qualquer previsão normativa - seja de lei complementar, lei

ordinária, decreto, portaria, etc. - que pretenda ampliar este rol, deve ser tida por

inconstitucional, cabendo ao nosso Tribunal Supremo o reconhecimento da sua

nulidade.

É o caso do estorno de créditos decorrentes de redução da base de cálculo.

Não havendo previsão constitucional que impeça o creditamento, qualquer restrição

irá ferir frontalmente o princípio da não cumulatividade.

Nesse sentido concluiu Roque Antônio Carrazza224:

“Na hipótese de o contribuinte optar pela tributação com base de cálculo reduzida, ele não fica isento do pagamento do ICMS, mas, apenas, vê diminuído o montante a pagar. Há, pois incidência, embora esta leve a uma redução do quantum debeatur.

221 “Aprofundando o raciocínio, a lei complementar de que aqui se cogita somente pode cuidar da forma de execução do regime de compensação. A Constituição não lhe atribuiu a possibilidade de vedar a apropriação de créditos. Voltamos a insistir que as vedações são apenas as referidas no art. 155 §2º, II, “a” e “b”, da CF, que, é certo, a legislação pode atenuar, ou mesmo, ilidir, nunca ampliar”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer, 2011. Não publicado, p.35). 222 Baseando-se nos ensinamentos de Jose Afonso da Silva, André Mendes Moreira define uma norma de eficácia plena como aquela que possui aplicabilidade direta, imediata e integral, produzindo efeitos desde a promulgação da Constituição Federal e dispensando qualquer lei para tanto. (A não-cumulatividade dos tributos. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2012. 223 Apesar de vencido no mérito, o Min, Nelson Jobin foi acompanhado pelos demais ministros no que diz respeito à aplicabilidade desta norma constitucional. 224 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. 2011. Não publicado, p.33.

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Daí não se aplicarem, em operações com redução de base de cálculo, as vedações ao direito de crédito, insculpidas no art. 155, §2º, II da Constituição Federal. São inconstitucionais as leis dos Estados ou do Distrito Federal que proíbem o aproveitamento do crédito em operações com redução de base de cálculo”.

No entanto, não é esta a posição que tem sido adota pelo STF, que

chamado a decidir sobre a possível vedação ao aproveitamento de crédito por

contribuinte beneficiado pela redução de base de cálculo (RE nº 174.478/RS – caso

Monsanto) entendeu que o seu conceito equivale ao de isenção parcial, e, portanto

não se estaria diante de nova hipótese de restrição ao crédito, mas sim de hipótese

já prevista pelo art. 155, §2º, II da CF.

5.3. O uso da expressão “redução da base de cálculo” como violação ao

princípio da não cumulatividade

Apesar das várias limitações legais impostas desde a EC nº 18/65 até a

LC nº 24/75 aos Estados continuavam a conceder isenções unilateralmente. Diante

disso os demais, prejudicados com esta situação, passaram a atacá-las mediante a

exigência de estorno compulsório dos créditos tributários oriundos desses

benefícios.

Há duas razões, segundo Eurico Marcos Diniz de Santi225, para os

Estados pretenderem reduzir o valor dos créditos gerados nos casos de benefícios

fiscais:

Primeiro porque, em relação às operações interestaduais, os entes tributantes sentiam-se pouco à vontade para dar alcance econômico pleno aos benefícios concedidos por seus pares, concorrentes na atração de investimentos, na geração de empregos e no fomento da arrecadação. Segundo porque, quanto às operações internas, os entes federados eram favoráveis ao chamado “efeito de recuperação” que, na prática, mantinha ou aumentava a carga tributária global de um ciclo produtivo em que uma ou mais etapas fossem paradoxalmente agraciadas por algum benefício fiscal.

Em precedente (RP nº 973) que demonstra a posição jurisprudencial

anterior à EC nº 23/83 o STF entendeu que não havia autorização constitucional 225 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Parecer, 2015. Não Publicado, p. 36.

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para a restrição ao crédito e, portanto, o princípio da não cumulatividade que

garantia o abatimento do valor do tributo com o montante cobrado nas operações

anteriores não poderia ser mitigado nos casos de saída de mercadorias com

benefício fiscal.

É o que demonstra o relatório do Min. Moreira Alves226, que julgou

inconstitucional legislação que restringia direito ao creditamento dos contribuintes:

Com efeito, o inciso II do artigo 23 da Constituição Federal estabelece o princípio de que o imposto sobre a circulação de mercadorias é não-cumulativo, sendo que do seu valor se abaterá o montante cobrado as operações anteriores. Não estabelece restrições a essa dedução. Já o art. 52 do Decreto 17759, de 13.2.76, do Estado de Minas Gerais, estabelece limitação que não se coaduna com o texto constitucional. (...)

No mesmo sentido227:

Havendo isenção do Imposto De Circulação De Mercadoria Importada, não se pode, na operação subsequente, cobrar o valor do imposto, que seria devido, não fora a isenção tributária. Tem, assim, o revendedor direito ao acto de destaque do valor isento, nas notas fiscais. Recurso Extraordinário a que se da provimento. (RE 94177, Relator(a): Min. FIRMINO PAZ, Primeira Turma, julgado em 07/08/1981, DJ 28-08-1981 PP-08266 EMENT VOL-01223-03 PP-00655)

Assim, a resposta do Supremo Tribunal Federal ao decidir tais conflitos foi

no sentido de garantir e preservar o princípio da não cumulatividade, impedindo a

retaliação dos Estados às concessões unilaterais de benefícios por meio do estorno

de créditos.

226 RP nº 973, rel. min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ de 07/04/1978. 227 Outros acórdãos também defenderam a não cumulatividade: RE nº 77.093, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, Primeira Turma, DJ de 04/11/1974; RE nº 87.610, Rel. Min. Bilac Pinto, DJ de 18/11/1977.

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5.3.1. Reação dos Estados frente às decisões do Supremo Tribunal

Federal

Diante da posição do STF em preservar os valores constitucionais,

impedindo a restrição de créditos, os Estados pressionaram por uma alteração

legislativa.

Surgiu então a Emenda Constitucional nº 23/83, que limitou o

aproveitamento de créditos para as operações seguintes à beneficiada pela isenção

ou não incidência. No entanto, não previu limitação aos créditos decorrentes das

operações anteriores.

Diante disso, o STF continuava julgando pela impossibilidade de restrição

ao crédito nas hipóteses não abrangidas pela EC nº 23, tendo em vista a falta de

previsão legal.

ICM - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - ATOS SUCESSIVOS DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS. O princípio da não- cumulatividade é observado sem especificidade, prescindindo da vinculação a uma certa mercadoria. Considera-se o sistema de conta- corrente em que lançados créditos e débitos. ICM - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - MATÉRIA-PRIMA TRIBUTADA - MERCADORIA ISENTA - CRÉDITO - CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1969. A teor do disposto no inciso II do artigo 23 da Constituição Federal de 1969, com a redação imprimida pela Emenda Constitucional nº 23, de 1º de dezembro de 1983, somente a isenção ou a não- incidência na transação precedente implicava, salvo preceito de lei em contrário, a inviabilidade de lançar-se crédito. Inconstitucionalidade da extensão da regra a situação inversa, isto é, de pagamento do tributo na comercialização e circulação da matéria-prima e isenção na saída da mercadoria produzida. (RE 161257, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 16/12/1997, DJ 17-04-1998 PP-00016 EMENT VOL-01906-03 PP-00623)

Observa-se que foi dado ao preceito constitucional decorrente da EC nº

23 uma interpretação estrita, como deve ocorrer com as normas que preveem

exceções, e assim, a preservação ao princípio da não cumulatividade foi mantida na

mais alta corte do país.

Com efeito, em mais uma vitória dos Estados, novamente alterou-se a

legislação para ampliar a restrição ao princípio da não cumulatividade. Com a

Constituição de 1988, então, impediu-se o aproveitamento de créditos tanto das

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operações seguintes quanto das operações anteriores às operações com isenção e

não incidência:

Observa-se, no entanto, que a restrição ainda se limitou aos casos de

isenção e não incidência, situação que os Estados aproveitaram para continuar

concedendo benefícios na forma de redução da base de cálculo, como uma opção

para fugir destas restrições.

5.3.2. Nova confirmação do princípio da não cumulatividade com o

RE nº 161.031/MG (caso Camargo Soares)

Em março de 1997 o STF, ao julgar a viabilidade de manutenção de

créditos no caso de concessão de redução de base de cálculo (RE 161.031), mais

uma vez privilegiou o princípio da não cumulatividade, anulando a pretensão dos

Estados de igualar os conceitos de isenção e redução da base de cálculo.

Este caso foi julgado com base na Constituição de 1988, o que demonstra

que mesmo depois da jurisprudência do STF estar consolidada a favor do princípio

da não-cumulatividade, os Estados encontraram na redução da base de cálculo uma

possibilidade de contorna-la.

Contudo, foi vã a tentativa, não tendo o Supremo se deixado levar pelas

“terceiras intenções” dos Estados, como se observa da Ementa abaixo:

ICMS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - MERCADORIA USADA - BASE DE INCIDÊNCIA MENOR - PROIBIÇÃO DE CRÉDITO - INCONSTITUCIONALIDADE. Conflita com o princípio da não- cumulatividade norma vedadora da compensação do valor recolhido na operação anterior. O fato de ter-se a diminuição valorativa da base de incidência não autoriza, sob o ângulo constitucional, tal proibição. Os preceitos das alíneas "a" e "b" do inciso II do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal somente têm pertinência em caso de isenção ou não-incidência, no que voltadas à totalidade do tributo, institutos inconfundíveis com o benefício fiscal em questão. (RE 161031, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 24/03/1997, DJ 06-06-1997 PP-24881 EMENT VOL-01872-05 PP-00994)

Neste caso foi discutida a possibilidade de equiparação dos conceitos de

base de cálculo reduzida e isenção, que não foi aceita pelo Tribunal, reconhecendo-

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se a impossibilidade de enquadrar a redução da base de cálculo na alínea “b” do

inciso II do §2º do artigo 155 da CF.

Assim, mais uma vez o STF confirmou o princípio da não cumulatividade,

impedindo a restrição aos créditos.

5.3.3. Reação dos Estados culminando com o RE nº 174.478/RS

(caso Monsanto)

Insatisfeitos com a jurisprudência do STF, já na vigência da Constituição

Federal de 1988, os Estados continuaram tentando alterá-la. A redução da base de

cálculo, então, foi alvo de inúmeros processos, até que, quase oito anos depois, com

o julgamento do RE nº 174.478, o Supremo autorizou a equiparação dos conceitos

de redução de base de cálculo e isenção:

EMENTA: TRIBUTO. Imposto sobre Circulação de Mercadorias. ICMS. Créditos relativos à entrada de insumos usados em industrialização de produtos cujas saídas foram realizadas com redução da base de cálculo. Caso de isenção fiscal parcial. Previsão de estorno proporcional. Art. 41, inc. IV, da Lei estadual nº 6.374/89, e art. 32, inc. II, do Convênio ICMS nº 66/88. Constitucionalidade reconhecida. Segurança denegada. Improvimento ao recurso. Aplicação do art. 155, § 2º, inc. II, letra "b", da CF. Voto vencido. São constitucionais o art. 41, inc. IV, da Lei nº 6.374/89, do Estado de São Paulo, e o art. 32, incs. I e II, do Convênio ICMS nº 66/88 (RE 174478, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2005, DJ 30-09-2005 PP-00005 EMENT VOL-02207-02 PP-00243 RIP v. 7, n. 33, 2005, p. 264)

A alteração da jurisprudência ocorreu com o julgamento de um acórdão

que não aprofundou o exame dos efeitos adversos que a restrição ao princípio da

não cumulatividade poderia causar.

Os ministros, após concluírem que a isenção e a redução da base de

cálculo possuem a mesma estrutura, uma vez que mutilam a regra matriz de

incidência, discutiram argumentos contábeis que restringiu a análise a apenas uma

etapa da circulação da mercadoria, concluindo que sem a anulação proporcional,

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haveria uma cumulação de crédito que acabaria sendo “despachada”228 de outra

forma pelo contribuinte.

Dessa forma, concluíram que os Estados apenas utilizam uma técnica

contábil para que o estorno proporcional do crédito tenha o efeito prático de uma

redução de alíquota proporcional incidente sobre o valor agregado.

Eurico Marcos Diniz de Santi, ao analisar as consequências deste

julgamento concluiu:

De qualquer modo, nesse novo quadro a vantagem foi dupla para os Estados. Por um lado, após quase oito anos, a arrecadação aumentaria nas hipóteses de “redução da base de cálculo”. Por outro, a “redução da base de cálculo” continuaria a ser instrumento capaz de burlar as normas constitucionais e o Código Tributário Nacional.229

Assim, este acórdão marca a alteração de posicionamento da Corte

Suprema acerca da natureza jurídica da redução da base de cálculo do ICMS, sem

uma análise profunda sobre os efeitos da cumulatividade do imposto, que só se

satisfaz quando considerada toda a cadeia de produção.

228 Expressão utilizada pelo Min. Nelson Jobin. 229 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Parecer. 2015. Não Publicado, p. 45.

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CAPÍTULO 6 - REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO

FEDERATIVO

A utilização da expressão “redução de base de cálculo” pelos Estados

afronta o princípio federativo na medida em que busca contornar a proibição de

distinção tributária em razão da origem da mercadoria.

Os Estados ao concedem redução da base de cálculo a um patamar inferior

ao das alíquotas interestaduais 230 e ao mesmo tempo pretenderem o cancelamento

dos créditos das operações anteriores, tornam as mercadorias oriundas de outros

Estados mais onerosas, criando o equivalente a uma barreira fiscal decorrente da

distinção tributária em razão da origem das mercadorias.

Esta é a exata situação do caso Santa Lúcia julgado pelo Supremo Tribunal

Federal, uma vez que o convênio nº 128/94 reduz a base de cálculo a um patamar

inferior à alíquota interestadual e o Estado do Rio Grande do Sul realiza o

cancelamento dos créditos relativos à operação anterior.

6.1. Princípio federativo

O princípio federativo é considerado um dos mais importantes princípios

de nosso ordenamento jurídico231. Ele garante a independência e autonomia

recíproca dos entes federados, sob o amparo da Constituição Federal.

José Afonso da Silva ensina que a Constituição ao se referir ao

Federalismo quer referir-se a uma forma de Estado, que se caracteriza pela “união

230 A relação entre a base de cálculo e a alíquota justifica-se na medida em que ambas compõem o valor do tributo. Este assunto foi tratado no primeiro capítulo, item 1.2.2, ao explicarmos a sua função objetiva da base de cálculo. 231 “No Brasil os princípios mais importantes são os da federação e da república. Por isso, exercem função capitular da mais transcendental importância, determinando inclusive como se deve interpretar os demais (...)”. (ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 37).

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de coletividades públicas dotadas de autonomia político-constitucional, autonomia

federativa232”.

Roque Antônio Carrazza233, destacando a versatilidade deste princípio por

não possuir forma única e universal, o define da seguinte forma:

De qualquer modo, podemos dizer que Federação (de foedus, foedoris, aliança, pacto) é uma associação, uma união institucional de Estados, que dá lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participam (os Estados-membros). Nela, os Estados Federados, sem perderem suas personalidades jurídicas, despem-se de algumas tantas prerrogativas, em benefício da União. A mais relevante delas é a soberania.

A Federação, prevista no art. 1º da CF234, é cláusula pétrea, isto é, trata-

se de matéria insuscetível de reforma constitucional235, a não ser por via

revolucionária. E ampara-se em dois elementos básicos, órgãos governamentais

próprios e competências exclusivas:

(a) na existência de órgãos governamentais próprios, isto é, que não dependam dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura; (b) na posse de competências exclusivas, um mínimo, ao menos, que não seja ridiculamente reduzido.

O Estado Federal é o todo, dotado de personalidade jurídica de Direito

Publico internacional, sendo o único que possui soberania. A União, Estados-

membros e Municípios constituem pessoas jurídicas de Direito Público interno e não

232 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 99. 233 Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 148. 234 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 235 Art. 60, § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado;

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possuem soberania236, mas sim autonomia, compreendida como “governo próprio

dentro do círculo de competência traçadas pela Constituição Federal”237.

Não existe hierarquia entre a União e os Estados-membros, que possuem

igualdade jurídica e competências próprias, não podendo sofrer qualquer

interferência dos demais entes federados.

O princípio federativo proíbe ainda qualquer tratamento jurídico que cause

discriminação entre entes federados, inclusive a tributária, devendo assim,

respeitarem a todas as regras que objetivam a preservação da Federação. Este fato

levou Roque Antonio Carrazza238 a concluir, com base no respeito ao princípio

federativo que:

“é vedado aos Estados-membros promover a “guerra fiscal” em matéria de ICMS, mediante a concessão unilateral de isenções, incentivos e benefícios fiscais em afronta aberta ao disposto no art. 155, §2º, XII, “g”, da CF”.

Cabe acrescentar que não só a guerra fiscal mediante concessão

unilateral de benefícios, mas também a que ocorre com base em

convênios/CONFAZ fere o princípio federativo na medida em que desrespeita regras

constitucionais elaboradas param manter a harmonia da Federação239.

Isto porque, a competência tributária dos entes federados não é ilimitada,

tendo a própria Constituição Federal imposto limites à criação de tributos. Dentre os

limites constitucionais ao poder de tributar interessa-nos destacar aquele previsto no

art. 152 da CF/88, que assim dispõe:

Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.

236 “Soberania é a faculdade que, um dado ordenamento jurídico, aparece como suprema. Tem soberania quem possui o poder supremo, absoluto e incontrastável, que não reconhece, acima de si, nenhum outro poder”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo: Malheiros, 2013, p. 148). 237 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 100. 238 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo: Malheiros, 2013, p. 165. 239 Roque Antonio Carrazza conclui suas considerações sobre a Federação dizendo que “a harmonia deve presidir a convivência dos entes federativos (pessoas políticas). Há, aliás, implícita na Constituição brasileira a ideia de que desta convivência harmoniosa resultará o bem de toda a Nação.” (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo: Malheiros, 2013, p. 166)

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Este dispositivo legal está presente em nossas Constituições desde 1937,

com uma redação muito semelhante a atual:

CF de 1937 Art. 35 - É defeso aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) b) estabelecer discriminação tributária ou de qualquer outro tratamento entre bens ou mercadorias por motivo de sua procedência; CF de 1946 Art. 19 - Compete aos Estados decretar impostos sôbre: § 4º O impôsto sôbre vendas e consignações será uniforme, sem distinção de procedência ou destino. CF de 1967 Art 21 - É vedado: III - aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens de qualquer natureza, em razão da sua procedência ou do seu destino. EC nº1 de 1969 Art. 20. É vedado: III - aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens de qualquer natureza, em razão da sua procedência ou destino.

Sua origem remonta a experiência americana com a Commerce Clause240

(Artigo I, Seção 8, Cláusula 3ª da Constituição Americana), que dispõe sobre a

competência do Congresso Nacional para regular o comércio com nações

estrangeiras, entre seus estados e com as nações indígenas.

Esta cláusula sempre possuiu enorme relevância, pois trazia

centralização e unidade a uma nação de estados politicamente independentes, que

poderiam retaliar-se constantemente241.

No Brasil, a história mostrou-se diferente. Nossa nação, que sempre foi

marcada pela forte centralização de poder, sofria com a desagregação de seus

entes federados que competiam entre si para aumentar sua arrecadação. O artigo

152 da CF/88 ganha destaque ao tentar amenizar esses conflitos.

240 United States Constitution (Article I, Section 8, Clause 3): The Congress shall have power (…) To regulate Commerce with foreign Nations, and among the several States, and with the Indian Tribes;. 241 Eurico Marcos Diniz de Santi. Parecer, 2015. Não publicado, p. 48.

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Trata-se, então, de dispositivo que garante o pacto federativo e a unidade

político-econômica nacional, uma vez que objetiva, como salienta Misabel Derzi242,

“submeter bens e serviços a um tratamento equânime dentro de Estados ou de

Municípios, de modo que possam circular livremente sem barreira fiscais

estabelecidas por uns, em detrimento de outros”.

6.2. O princípio federativo e a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal

Pretende-se demonstrar neste momento alguns acórdãos do STF que

discutem a proibição de distinção tributária em razão da origem e do destino da

mercadoria, apontando como a prática da concessão de redução de base de cálculo

aprimorou-se com o objetivo de afrontar o art. 152 da CF/88.

Nos três primeiros julgados analisados (RMS nº 17949/ES, ADI nº 349-

6/DF e ADI nº 3.389/RJ) a discriminação tributária é mais latente na medida em que

as legislações dos Estados explicitamente restringem sua aplicação de modo a

favorecer as mercadorias destinadas ou produzidas dentro de seu território.

Já nos dois últimos casos (ADI nº 3410/MG e RE nº 635.688/RS) essa

discriminação torna-se mais discreta na medida em que ocorre quando analisada em

conjunto com outras exigências dos Estados, quais sejam, o recolhimento

antecipado do tributo, na ADI nº3410/MG, e o cancelamento dos créditos, no RE nº

635.688/RS)

6.2.1. RMS nº 17949/ES: cobrança de tributo mais oneroso para

operações que destinassem mercadoria para fora do Estado

Alguns casos julgados por este tribunal remontam a vigência do IVC, é

caso do RMS 17949 no qual o Estado do Espírito Santo pretendia impor carga

tributária maior para os comerciantes que destinariam suas mercadorias para fora de

seu território:

242 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 7ª. ed. Atualizada por Misabel Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 430.

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Imposto de Vendas e Consignações. Estimativas do preço da mercadoria para efeito da cobrança do tributo, distinguindo entre produtor, o comercio e a venda para fora do estado. discriminação vedada pela constituição. Recurso de Mandado de Segurança provido. (RMS 17949, Relator(a): Min. EVANDRO LINS, Segunda Turma, julgado em 27/08/1968, DJ 27-09-1968 PP-03828 EMENT VOL-00740-01 PP-00405)

A empresa prejudicada alegou que o Estado impunha um preço fictício,

mais elevado, para a venda de mercadorias para fora do estado, violando assim a

proibição de distinção de mercadorias em razão do destino constante do art. 19, §4º

da CF/46.

A defesa do Estado apontou que não havia distinção tributária, uma vez

que as alíquotas aplicadas eram sempre as mesmas, o que variava era apenas o

valor dos produtos.

O STF entendeu que a estipulação de preços fictícios para as

mercadorias que seriam destinadas para fora do Estado configurava a discriminação

vedada pela Constituição e, por isso, impediu a cobrança do IVC de maneira

desigual.

6.2.2. ADI nº 349-6/DF: aumento da base de incidência dos produtos

destinados para fora do Estado.

Já na vigência da Constituição de 1988, o Ministro Marco Aurélio julgou

caso semelhante (ADI nº 349) no qual uma portaria do Estado de Mato Grosso

estabelecia distinção entre a base de incidência do ICMS conforme a circulação da

mercadoria ocorresse dentro do Estado ou se destinasse aos demais Estados,

aumentando-a significativamente:

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Liminar. Verificados os pressupostos pertinentes a liminar, impõe-se a respectiva concessão. Isto ocorre quando, mediante portaria de secretario da fazenda, o estado acaba por legislar sobre comercio interestadual, olvidando o inciso VIII do artigo 22 da carta da republica, e o faz mediante adoção de diferença tributaria, considerados o destino e a procedencia dos bens - artigo 152 do aludido diploma. A primeira visao, contraria a lei basica o estabelecimento de pautas de valores diferenciados para operações intermunicipais e interestaduais, majorando-se estas em mais de 1.000%. (ADI 349 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em

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24/09/1990, DJ 26-10-1990 PP-11976 EMENT VOL-01600-01 PP-00035)

Neste caso foi proferida medida liminar suspendendo a vigência dos

dispositivos que estabeleciam diferença tributária em razão do destino das

mercadorias, por infringir o art. 152 da CF. Posteriormente a ação perdeu o objeto,

pois a portaria foi revogada.

6.2.3. ADI nº 3.389/RJ: concessão de redução de base de cálculo

pelo Estado do Rio de Janeiro para mercadorias produzidas

exclusivamente em seu território

Já em 2007, no julgamento da ADI 3.389243, o STF foi provocado pelo

Estado de Minas Gerais a decidir sobre a constitucionalidade de um decreto do

Estado do Rio de Janeiro que previa a redução da base de cálculo nas saídas

internas apenas de produtos da cesta básica produzidos em seu território, com base

no convênio 128/1994244.

Argumentou o Estado de Minas Gerais que referido Decreto ofendia o art.

152 da CF por estabelecer tratamento diferenciado às mercadorias do Rio de

243 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. ICMS. BENEFÍCIO FISCAL. REDUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA CONDICIONADA À ORIGEM DA INDUSTRIALIZAÇÃO DA MERCA DORIA. SAÍDAS INTERNAS COM CAFÉ TORRADO OU MOÍDO. DECRETO DE 35.528/2004 DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. VIOLAÇÃO DO ART. 152 DA CONSTITUÇÃO. O Decreto 35.528/2004, do estado do Rio de Janeiro, ao estabelecer um regime diferenciado de tributação para as operações das quais resultem a saída interna de café torrado ou moído, em função da procedência ou do destino de tal operação, viola o art. 152 da Constituição. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente. (ADI 3389, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 06/09/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008) 244 Convênio ICMS 128/94: Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a estabelecer carga tributária mínima de 7% (sete por cento) do ICMS nas saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica. § 1º Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a não exigir a anulação proporcional do crédito prevista no inciso II do artigo 32 do Anexo Único do Convênio ICM 66/88, de 14 de dezembro de 1988, nas operações de que trata o caput desta cláusula. § 2º A fruição do benefício de que trata este Convênio fica condicionada ao cumprimento, pelos contribuintes, das obrigações instituídas pela legislação de cada unidade federada. Cláusula segunda. O disposto neste Convênio não se aplica às unidades federadas que tenham adotado, até a data deste Ato, para as operações internas, carga tributária inferior a 12% (doze por cento) e em relação, somente, ao produto beneficiado com a referida redução. Cláusula terceira. Fica convalidado o procedimento adotado pelas unidades da Federação, no tocante à redução da carga tributária dos produtos que compõem a cesta básica, até a data do início da vigência deste Convênio. Cláusula quarta. Este Convênio entra em vigor na data da publicação de sua ratificação nacional, ficando revogado o Convênio ICMS 139/93, de 9 de dezembro de 1993. Brasília, DF, 20 de outubro de 1994.

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Janeiro em comparação às demais, configurando distinção tributária em razão da

origem da mercadoria.

O Estado do Rio de Janeiro alegou que o Decreto não possuía qualquer

irregularidade, pois se fundamentava no convênio 128/1994, que permite a

concessão de redução de base de cálculo às mercadorias que compõem a cesta

básica, relativamente às operações internas. Alegou ainda que referido convênio

autoriza referida distinção, pois ela objetiva fomentar a economia local.

Diante destes fatos, o STF, mais uma vez protegeu a federação e

garantiu o cumprimento do art. 152 da CF, entendendo que a pretensão de

incrementar a economia local ressaltava ainda mais o grave óbice à livre circulação

de mercadorias, além de extrapolar os limites do convênio 128/1994, uma vez que

este não faz qualquer distinção de procedência de bens, como se pode observar do

trecho do voto do Ministro Joaquim Barbosa:

A circunstância de a legislação impugnada ter por meta "o incremento do consumo de bens produzidos na (Fls. 335 - grifos originais), como sustenta a unidade federada requerida, apenas confirma a ofensa ao princípio da unidade político-econômica nacional e da vedação ao tratamento tributário diferenciado em função da procedência ou destino de bens, na medida em que estabelece um grave óbice econômico à livre circulação de bens e mercadorias entre estados da Federação. Com efeito, a salvaguarda instituída pelo art. 152 da Constituição não se limita à preservação dos interesses dos entes federados. Mais que isso, cuida-se de garantia da própria Federação e das atividades econômicas e produtivas contra eventuais arroubos protecionistas, consistentes na tentativa de preservação de mercados internos para os produtos locais. [...] [...] o benefício em questão sequer harmoniza-se com o Convênio Confaz ICMS 128/1994, invocado pela requerida como fundamento de validade da norma impugnada. Ou seja, ainda que fosse possível superar a inobservância da proibição da outorga de tratamento fiscal diferenciado em razão da origem ou do destino do bem, a validade da norma em exame encontra outra barreira na Constituição. Com efeito, a norma em exame ofende o disposto no art. 155, XII, g, da Constituição. O Convênio Confaz ICMS 128/1994, invocado pelo Estado do Rio de Janeiro para confirmar a validade do benefício em exame, não faz distinção quanto à origem das operações de circulação de mercadorias da cesta básica como critério para concessão do benefício fiscal. Já a norma cuja constitucionalidade se questiona adota a distinção. (ADI 3389, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 06/09/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008)

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Dessa forma, julgou-se inconstitucional o decreto do Estado do Rio de

Janeiro valorizando a aplicação do art. 152 da Constituição Federal, por tratar-se de

dispositivo que garante os interesses da própria Federação.

6.2.4. ADI nº 3410/MG: concessão de redução de base de cálculo

aliada à exigência de antecipação do recolhimento do tributo como

afronta ao art. 152 da CF

Na ADI nº 3410/MG, julgada em 2007 pelo STF, o Estado do Paraná

questionou a constitucionalidade de Decreto de Minas Gerais que determinava (i) a

antecipação do recolhimento do ICMS relativo à operação seguinte e (ii) a redução

da base de cálculo na entrada de mercadorias decorrentes de operação já

beneficiada com redução de base de cálculo nos termos do convênio 128/1994.

A tese utilizada pelo Estado do Paraná foi o tratamento discriminatório do

Decreto aos produtos fabricados em outras unidades da federação. Destacou-se que

a redução da base de cálculo nas operações internas, aliada à antecipação do

recolhimento do ICMS devido pela operação subsequente, deflagrou a situação de

desigualdade entre os produtos adquiridos dentro e fora do Estado de Minas Gerais,

uma vez que apenas as mercadorias adquiridas em Minas Gerais recolheriam o

valor antecipado com redução da base de cálculo, o que resultaria uma carga

tributária de 7%. Ao passo que os produtos adquiridos de outros Estados, deverão

fazer o recolhimento antecipado sem a redução, o que implicaria numa carga

tributária de 18%. Ou seja, os produtos adquiridos fora do território mineiro acabam

sendo taxados em 11 pontos percentuais a mais do que os internos, uma vez que o

benefício se aplica apenas às operações internas.

O Estado de Minas Gerais argumentou que o Decreto que vinculou a

redução da base de cálculo da saída interna das mercadorias (previstas no convênio

128/94) à mesma redução de base de cálculo na entrada, apenas objetivou manter

os efeitos do convênio 128/94, evitando que ele perdesse sua função.

O STF por sua vez, não acolheu a tese do Estado do Paraná, entendendo

ser constitucional a alteração do §3º do art. 422 do RICMS/MG 2002 introduzida pelo

questionado Decreto:

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EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS. FARINHA DE TRIGO E MISTURA PRÉ-PREPARADA DE FARINHA DE TRIGO. DECRETO 43.891/2004 DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 146, III; 150, § 6º, e 155, II, § 2º, e XII, g, todos da Constituição. A concessão de benefício fiscal às operações com farinha de trigo e mistura pré-preparada de farinha de trigo, nos termos do art. 422, § 3º, do Capítulo LIV da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/MG, introduzido pelo Decreto 43.891/2004, não viola a proibição de outorga de tratamento diferenciado a bens e mercadorias, em função da origem ou destino, à medida que for aplicado indistintamente às operações com mercadorias provenientes do estado de Minas Gerais e às mercadorias provenientes dos demais estados. Também não se reconhece a alegada violação da reserva de convênio interestadual para autorização da outorga de benefício fiscal, porquanto a norma em exame tem amparo no Convênio Confaz ICMS 128/1994. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida tão-somente em relação ao artigo 422, § 3º, do RICMS-MG/2002, e, na parte conhecida, julgada improcedente. (ADI 3410, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 22/11/2006, DJe-032 DIVULG 06-06-2007 PUBLIC 08-06-2007 DJ 08-06-2007 PP-00028 EMENT VOL-02279-01 PP-00141 RTJ VOL-00201-03 PP-00914 RDDT n. 143, 2007, p. 225 LEXSTF v. 29, n. 344, 2007, p. 18-32)

O STF decidiu que não houve distinção em razão da origem ou destino da

mercadoria, tendo em vista que o decreto do Estado de Minas Gerais observou os

termos do convênio 128/1994. E chegou a essa conclusão por considerar que o

benefício foi concedido para qualquer mercadoria, seja qual for a sua origem

(situação que se contrapõe ao caso da ADI 3.389, supracitado, que expressamente

diferenciava o tratamento em razão da origem da mercadoria).

No entanto, este Tribunal não observou que apesar da redução da base

de cálculo ser aplicada para qualquer operação interna independentemente da

origem da mercadoria, o fato de haver imposição de recolhimento antecipado do

tributo discrimina as mercadorias oriundas de outros Estados, que terão que

antecipar um valor maior por não fazerem jus à redução, violando, então, o art. 152

da CF.

Caso não houvesse a exigência de recolhimento antecipado pela

operação seguinte, tanto as mercadorias oriundas de outros Estados quanto as de

Minas Gerais teriam direito à redução da base de cálculo, porém a antecipação do

pagamento permite a distinção das mercadorias que são oriundas de operações

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interestaduais, com intuito de tributá-las com maior intensidade, criando barreiras

fiscais.

Com esta análise é possível perceber que a distinção entre as

mercadorias existe, apenas não é tão explícita como a demonstrada nos três casos

analisados acima.

6.2.5. RE nº 635.688/RS (caso Santa Lúcia): concessão de redução

de base de cálculo aliada à exigência de cancelamento dos créditos

como afronta ao art. 152 da CF

A distinção tributária em razão da origem das mercadorias também se

verifica no caso Santa Lúcia, porém neste caso o problema não é a antecipação do

recolhimento do tributo, mas sim o cancelamento dos créditos tributários.

O Caso Santa Lúcia trata de concessão de redução da base de cálculo

firmada em convênio/CONFAZ (nº 128/94) e discute a constitucionalidade do

cancelamento proporcional do crédito de ICMS pelo Estado do Rio Grande do Sul

nos casos em que as operações subsequentes estiverem sujeitas a essa redução.

O convênio nº 128/94 estabelece a redução da carga tributária mínima em

7% do ICMS das saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica.

Imagine-se que em uma operação interestadual foi paga uma alíquota de 12%. Na

operação seguinte, a saída será tributada em apenas 7%, de acordo com o convênio

que estabelece a redução da base de cálculo. Assim, exige o Estado do Rio Grande

do Sul o estorno dos 5% (diferença entre os 12% pagos na operação anterior e os

7% pagos com a redução).

Esta é a pretensão do Estado quando se fala em anulação proporcional

dos créditos oriundos das operações de entrada de mercadorias. Esta anulação

torna o ICMS cumulativo onerando a mercadoria que veio de outros Estados de

maneira desigual em relação as do Estado do Rio Grande do Sul.

Sabe-se que a Constituição no intuito de prevenir desequilíbrios

tributários, estabeleceu que as alíquotas internas dos tributos não poderiam ser

inferiores às interestaduais:

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Art. 155. §2º VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

Marco Aurélio Greco245 justifica a existência dessa regra pelos seguintes

motivos:

Esta regra se justifica, pois se um Estado, unilateralmente, pudesse fixar alíquotas internas inferiores à interestadual haveria direto reflexo no comércio internacional por tornar mais interessante para o adquirente (contribuinte do imposto) comprar um bem originário do próprio Estado (sujeito à alíquota menor), numa forma indireta de onerar as aquisições feitas fora do Estado o que configuraria discriminação das mercadorias em razão de sua origem (em violação ao artigo 152 da CF/88).

No entanto, a proibição da diminuição das alíquotas internas em patamar

inferior à interestadual encontra uma ressalva: se houver a celebração de convênio

pelos Estados é possível reduzi-la. E no caso Santa Lúcia há convênio.

O problema encontrado não se resume, então, apenas à redução da base

de cálculo (que equivale à redução da alíquota246) a um patamar inferior ao da

alíquota interestadual, mas a sua conjugação com o cancelamento dos créditos

pelos Estados.

Cumpre registrar, que o convênio 128/94 revogou o convênio 139/93 que

também estabelecia a concessão de redução de base de cálculo, mas no limite

mínimo de 12%.

Convênio 139/93: Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a reduzir a base de cálculo do ICMS nas operações internas com mercadorias que compõem a cesta básica, a uma carga tributária mínima de 12% (doze por cento).

Convênio 128/94: Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a estabelecer carga tributária mínima de 7% (sete por cento) do ICMS nas saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica.

245 GRECO, Marco Aurélio. Parecer. Não publicado, p. 6. 246 A relação entre a base de cálculo e a alíquota justifica-se na medida em que ambas compõem o valor do tributo. Este assunto foi tratado no primeiro capítulo, item 1.2.2, ao explicarmos a sua função objetiva da base de cálculo.

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Observe-se que com a antiga redação do convênio não ocorria a

instituição da barreira fiscal, ou seja, como não havia diferença entre a alíquota

interna e a interestadual não existia crédito a ser cancelado pelo Estado.

Pode-se dizer então que a redução da base de cálculo a um patamar

inferior a alíquota, conjuntamente com o estorno dos créditos tributário, implica a

imposição de verdadeiras barreiras fiscais, pois acaba por tornar desvantajosa a

aquisição de mercadorias de outros estados, em nítida afronta ao art. 152 da CF.

Caberia assim ao STF fazer a defesa do princípio federativo garantindo o

cumprimento do art. 152 da CF, no entanto, observa-se que este assunto não foi

objeto de consideração dos ministros no caso Santa Lúcia.

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CAPÍTULO 7 – USO DA EXPRESSÃO REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO

NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

As decisões judiciais são normas jurídicas, concretas e individuais

(sentenças condenatórias e controle difuso de constitucionalidade), concretas e

gerais (alguns tipos de decisões sobre direitos difusos), abstratas e individuais

(sentenças de servidão de passagem247) ou abstratas e gerais (controle concentrado

de constitucionalidade e decisões com repercussão geral)248, cuja produção é

regulada por normas de competência judiciária, e que compõem o ordenamento

jurídico com a função de regular condutas e solucionar conflitos.

As decisões dos casos Camargo Soares, Monsanto e Santa Catarina

abaixo analisadas são normas concretas e individuais, uma vez que trazem em seu

antecedente a demarcação de um fato no tempo e no espaço e no consequente uma

relação jurídica com sujeitos determinados.

Já no caso Santa Lúcia, tem-se uma decisão com repercussão geral, que

veicula duas normas jurídicas, uma concreta e individual, que soluciona o caso

específico e outra abstrata e geral, que delimita no seu antecedente um conjunto de

situações que se verificadas no plano da experiência deverão desencadear as

mesmas consequências previstas na norma individual e concreta, para sujeitos

ainda indeterminados, dada a sua aplicação erga omnes.

247 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos da Incidência. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 62. 248 Entende-se por abstrata a norma que no seu antecedente elege aspectos, traços e características que possam abarcar uma série indeterminada de situações, projetando-se para o futuro. Já norma concreta possui no seu antecedente enunciado que especifica, no tempo passado e num espaço determinado a ocorrência de certo evento. A norma geral prevê em seu consequente uma relação jurídica em que pelo menos um de seus sujeitos é indeterminado. E a norma individual, em contraste, traz em seu consequente uma relação jurídica em que os sujeitos são precisamente determinados. (PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 60-61).

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7.1. O uso da expressão redução da base de cálculo culminando em

conflitos a serem decididos pelos STF

Foi possível verificar o surgimento de três problemas jurídicos decorrentes

da utilização da expressão “redução da base de cálculo” pelos Estados como

instrumento legal para realizar políticas tributárias de modo a contornar os limites

constitucionais e legais do pacto federativo:

Primeiro, a expressão é utilizada para driblar os limites da competência

tributária de maneira a fugir da obrigatoriedade de (i) lei estadual para fixação de

alíquotas; (iii) estipulação de alíquotas do ICMS pelo Senado Federal; e (iv) lei para

concessão de isenção;

Segundo, viola o princípio da não-cumulatividade, na medida em que a

pretendida equiparação com o conceito de isenção parcial torna cumulativo o ICMS

sem autorização constitucional, revelando a intenção dos Estados de desrespeitar a

Constituição: ao invés de concederem isenção, reduzem a base de cálculo, atraindo

contribuintes, para depois pretender a equiparação dos conceitos por meio do

judiciário; e

Terceiro, afronta o princípio federativo ao desrespeitar a igualdade dos

entes federados, pois a redução da carga tributária equivale a imposição de uma

barreira alfandegária para as operações que envolvam outros Estados.

Buscando evitar os efeitos negativos desses problemas, Estados e

contribuintes provocam o poder judiciário procurando soluções que muitas vezes

não são suficientes para pôr fim à discussão jurídica que envolve o tema, conforme

se observa dos quatro acórdãos escolhidos para serem analisados.

Caraterística comum destes acórdãos é a existência de convênios

CONFAZ prevendo a redução da base de cálculo e de legislação estadual (lei

específica prevista no art. 150, §6º da CF/88) implementando-a internamente. As

diferenças ficam a cargo da previsão legal a respeito da manutenção dos créditos

nas operações com base de cálculo reduzida, que ora estará presente no convênio e

na legislação estadual, ora presente apenas no convênio, ou ainda apenas na

legislação estadual.

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Tratando-se de redução de base de cálculo, a classificação de sua

natureza jurídica (se configura espécie autônoma de benefício fiscal, ou se se insere

no conceito de isenção) é prejudicial para a solução dos conflitos.

Isto porque, decidindo-se pela autonomia do conceito, as exceções ao

princípio da não cumulatividade previstas no art. 155, § 2º, II da CF, por aplicarem-

se apenas aos casos de isenção e não incidência, não poderão ser utilizadas para

fins de restrição de crédito de operações com redução de base de cálculo.

Porém, caso se entenda que os conceitos são equivalentes, a limitação

ao crédito seria permitida constitucionalmente, no entanto, outras variáveis

precisariam ser analisadas, qual seja, a autorização do próprio art. 155, §2º, II da CF

para manutenção de créditos em caso de previsão em “legislação” nesse sentido.

Como decorrência dessa disposição legal, seria preciso definir o conceito de

“legislação” para saber qual ato normativo (lei, decreto, convênio, ect) poderia dispor

sobre o assunto sem incorrer em inconstitucionalidade.

Da análise das decisões, outra variável sobre o tema surgirá, qual seja, a

natureza jurídica da tão almejada “manutenção de créditos” (configuraria direito

decorrente do princípio da não cumulatividade ou novo benefício fiscal).

Se considerada como direito decorrente do princípio da não

cumulatividade, analisar-se-ia a abrangência do termo “legislação” para estabelecer

se apenas a previsão em convênio é suficiente para autorizar a manutenção. Mas se

considerada como espécie autônoma de benefício fiscal, a sua previsão deveria

constar tanto em convênio quanto em legislação estadual249, uma vez que o art. 150,

§6º da CF assim exige. Mas isso não significa outorgar aos convênios natureza

autorizativa, uma vez que a sua impositividade deriva da Constituição e da

necessidade de centralizar as concessões de benefícios fiscais, o que não interfere

na exigência constitucional de lei específica.

Nenhuma dessas questões foi devidamente debatida e solucionada pelos

ministros do STF, como se demonstrará a seguir.

249 Isto porque o STF possui vasta jurisprudência (e proposta de súmula vinculante) sobre a imprescindibilidade de convênio para a validade dos benefícios fiscais. Sobre a necessidade de lei específica, o tema será tratado no capítulo 04 deste trabalho.

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7.2. Caso Camargo Soares (RE nº 161.031/MG): Decisão paradigmática

do Ministro Marco Aurélio que diferenciava os conceitos de isenção e

redução de base de cálculo em defesa do princípio constitucional da não

cumulatividade

O Recurso Extraordinário nº 161.031/MG teve como objeto a análise da

constitucionalidade de decreto do Estado de Minas Gerais que proibia a utilização de

créditos referente ao tributo pago na entrada da mercadoria quando as operações

seguintes fossem beneficiadas com redução da base de cálculo:

ICMS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - MERCADORIA USADA - BASE DE INCIDÊNCIA MENOR - PROIBIÇÃO DE CRÉDITO - INCONSTITUCIONALIDADE. Conflita com o princípio da não- cumulatividade norma vedadora da compensação do valor recolhido na operação anterior. O fato de ter-se a diminuição valorativa da base de incidência não autoriza, sob o ângulo constitucional, tal proibição. Os preceitos das alíneas "a" e "b" do inciso II do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal somente têm pertinência em caso de isenção ou não-incidência, no que voltadas à totalidade do tributo, institutos inconfundíveis com o benefício fiscal em questão. (RE 161031, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 24/03/1997, DJ 06-06-1997 PP-24881 EMENT VOL-01872-05 PP-00994)

É importante ressaltar que não se discutiu a necessidade de convênio

CONFAZ para concessão da redução da base de cálculo ou de lei específica (no

caso, decreto) estadual para implementa-la, pois restou comprovada a existência de

ambas. Debateu-se, então, a constitucionalidade de decreto que veda o

aproveitamento integral de créditos oriundos da operação anterior à beneficiada com

a redução.

O Min. relator Marco Aurélio entendeu que o caso em questão não tratava

de hipótese de isenção ou não incidência, mas de benefício fiscal diverso e, por isso,

não se enquadrava na hipótese de restrição de crédito prevista no art. 155, § 2º, II,

“b”250 da CF. Sendo assim, concluiu que conflita com o princípio da não

250 Art. 150. § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...)II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

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cumulatividade qualquer restrição ao direito de crédito não autorizada

expressamente pela Constituição. Foi acompanhado pela maioria dos ministros.

Restou vencido o Min. Ilmar Galvão que equiparou a redução da base de

cálculo à isenção parcial e em consequência entendeu aplicar-se o art. 155, §2º, II

da CF ao caso concreto. Acrescentou ainda que este artigo autoriza a exclusão do

crédito, e permite que a legislação estabeleça os limites do favor fiscal concedido.

Assim, concluiu que não afronta a Constituição a previsão do decreto de Minas

Gerais.

É possível observar que a depender do posicionamento adotado sobre a

natureza jurídica deste instituto a conclusão e as ponderações que deverão ser

feitas serão diversas. Se considerar-se a redução da base de cálculo como instituto

diverso de isenção, então seria permitido o aproveitamento dos créditos, por

ausência de previsão constitucional em contrário, respeitando-se o princípio da não

cumulatividade. Porém, se entender-se que ambos os institutos se equiparam, seria

possível a aplicação das restrições do art. 155, § 2º, II da CF ao instituído da

redução da base de cálculo e a discussão giraria em torno da análise da existência

ou não de “disposição em contrário da legislação” exigida por este artigo.

7.3. Caso Monsanto (RE nº 174.478/SP): Decisão que superou a

jurisprudência anterior do Min. Marco Aurélio equiparando redução de

base de cálculo ao conceito de isenção parcial

Após oito anos de vigência do precedente que consolidou a existência de

distinção substancial entre redução de base de cálculo e isenção, o STF alterou seu

entendimento ao julgar o RE nº 174.478/SP, no qual também se discutiu a

legitimidade da exigência do cancelamento/estorno dos créditos proporcionalmente

à parcela que corresponde à redução da base de cálculo:

EMENTA: TRIBUTO. Imposto sobre Circulação de Mercadorias. ICMS. Créditos relativos à entrada de insumos usados em industrialização de produtos cujas saídas foram realizadas com redução da base de cálculo. Caso de isenção fiscal parcial. Previsão de estorno proporcional. Art. 41, inc. IV, da Lei estadual nº 6.374/89, e art. 32, inc. II, do Convênio ICMS nº 66/88. Constitucionalidade reconhecida. Segurança denegada. Improvimento ao recurso. Aplicação do art. 155, § 2º, inc. II, letra "b", da CF. Voto vencido. São constitucionais o art. 41, inc. IV, da

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Lei nº 6.374/89, do Estado de São Paulo, e o art. 32, incs. I e II, do Convênio ICMS nº 66/88 (RE 174478, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2005, DJ 30-09-2005 PP-00005 EMENT VOL-02207-02 PP-00243 RIP v. 7, n. 33, 2005, p. 264)

No caso, a redução da base de cálculo estava prevista em convênio e

havia lei específica implementando-a no Estado, sendo que nenhuma das

legislações previa a possibilidade de manutenção dos créditos. Assim, não houve

discussão a respeito da necessidade de “disposição em contrário da legislação”

(ART. 155, §2º, II da CF) para autorizar-se a manutenção dos créditos.

No acórdão, o Min. relator Marco Aurélio, voto vencido, manteve o

posicionamento manifestado no RE 161.031/MG (caso Camargo Soares)

supracitado, por considerar que as únicas exceções ao princípio da não

cumulatividade previstas pela Constituição são os casos de isenção e não

incidência, que devem ser interpretados de maneira estrita, sendo inadmissível que

a redução da base de cálculo enseje a redução dos créditos decorrentes da

operação anterior.

No entanto, abriu a divergência o Min. Nelson Jobim com argumentos

contábeis251, alegando que a exigência do estorno proporcional se trata de uma

251 “(...) Vamos, então, pegar os números que Vossa Excelência utilizou e, trabalhando com alíquota única de 10%, veremos que a operação anterior gerou R$ 10,00 de tributo. O vendedor é debitado em R$ 10,00 e o coadquirente do insumo é creditado em R$ 10,00. Admitindo-se a industrialização desse insumo, ele vem a vender esse produto por R$ 150,00, significando que ele agregou R$ 50,00 no valor da mercadoria. Sobre esses R$ 50,00, em uma operação normal, incidindo os 10%, no final da sua contabilidade, ele deveria recolher R$ 5,00 – se não houvesse outros créditos; fiquemos apenas nesse exemplo -; então, ele deveria ao Estado R$ 5,00, exatamente 10% sobre os R$ 50,00 acrescidos. Vejamos a hipótese: ele venderá por R$ 150,00. Por razões de política fiscal, reduziu-se a base de cálculo sobre a qual incidem os 10% da venda para 75%. Vamos supor que a redução seja de 50%: de R$150,00 de base de cálculo, passa-se a R$ 75,00. Sobre os R$ 75,00, incidem os 10%. Logo o tributo devido seria R$ 7,50. (...) Então, reduzo R$ 150,00 para R$ 75,00 e sobre ele o Estado de São Paulo incide 10%, que dá 5%. Dá 7,5%, perfeito? Se o Estado de São Paulo der um crédito de R$ 10,00, haverá um negativo de R$2,50; haverá, dito a linguagem fiscal, uma cumulação de crédito de R$ 2,50, que ele vai tentar despachar de outro jeito. O que pretende o Estado de São Paulo? Ele pretende reduzir, também em 10%, o crédito. Reduzo 50% sobre o crédito de R$ 10,00; logo, o Estado de São Paulo quer que ele aproveite, dos R$ 10,00, somente a metade. Nessa hipótese, ele teria de recolher R$ 7,50 – a base de cálculo dele – e vai aproveitar, pela regra paulista ou pela regra do convênio, somente R$ 5,00 do crédito anterior. Teria que recolher R$ 2,50. A minha pergunta é a seguinte: R$2,50 corresponde a quanto sobre R$ 50,00? Corresponde a 5% sobre R$ 50,00, correto? Ou seja, parece-me ser uma fórmula contábil para fazer com que a alíquota final seja reduzida”.

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técnica dos Estados para que sobre o valor adicionado ao produto incida, na nova

operação, uma alíquota proporcionalmente reduzida.

O Min. Cezar Peluso, por sua vez, escolhido para ser o relator para o

acórdão, acrescentou que o caso trata de um favor fiscal que ao mutilar o aspecto

quantitativo da base de cálculo, corresponderia à figura da isenção parcial, pois

impediria a incidência de parte da regra matriz do tributo. Sendo assim, entendeu

que se aplica a restrição do art. 155, §2º, II, “b” da CF/88 e negou provimento ao

recurso, sendo acompanhado pela maioria, considerando constitucional o

cancelamento dos créditos.

Discordamos da equiparação dos conceitos de isenção e redução da

base de cálculo252 e também não podemos concordar com o argumento contábil

utilizado pelo Min. Nelson Jobim, uma vez que a análise faz um recorte do problema,

considerando apenas uma fase da cadeia na qual incidiu o ICMS. A preservação da

neutralidade deste tributo depende do respeito princípio da não-cumulatividade, que

só se concretiza com a compensação entre créditos e débitos ocorrida em todas as

fases do processo (afinal, trata-se de tributo plurifásico).

Na realidade, este argumento só reforça a opinião de que a limitação dos

créditos agride frontalmente o princípio da não cumulatividade, devendo ser

priorizado o argumento jurídico (qual seja, a impossibilidade de equiparação dos

conceitos de isenção e redução da base de cálculo) em prol do argumento contábil.

Cumpre ainda destacar o Min. Joaquim Barbosa: ao pretender

acompanhar o voto do Min. Cezar Peluso, invocou precedente contrário à tese

defendida por ele.

Explica-se: o precedente invocado trata-se de um caso da mesma

empresa Monsanto253 julgado monocraticamente em 2000 nos termos do RE

161.031/MG (caso Camargo Soares) e, portanto, em sentido diverso ao defendido

neste novo acórdão. Esta decisão monocrática foi contestada por Agravo, que foi

252 Conforme primeiro capítulo, item 1.5. 253 EMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Tributário. Estorno proporcional de créditos de ICMS decorrentes de isenção parcial. Princípio da não-cumulatividade. Art. 155, § 2o, II, "a" e "b", da Constituição Federal. 3. Decisão proferida em conformidade com orientação do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (RE 154179 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 03/08/2004, DJ 27-08-2004 PP-00077 EMENT VOL-02161-02 PP-00312)

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improvido em 2004, mantendo-se o entendimento contrário ao estorno dos créditos.

Esta decisão só foi revertida em 2006 em Embargos de Declaração, que o adequou

ao novo entendimento do STF proferido justamente no RE 174.478 em questão

(caso Monsanto). Logo, em 2005, quando o voto do Min. Joaquim Barbosa foi

proferido, o entendimento ainda não tinha sido alterado, havendo nítida contradição

no voto apresentado neste caso.

7.4. Caso Santa Catarina (ADI nº 2.320/SC): Decisão que manteve a

equiparação dos conceitos (“isenção” e “redução de base de cálculo”),

mas não analisou a abrangência do termo “legislação” empregado pelo

art. 155, § 2º, II da CF

Após quase um ano de vigência do novo posicionamento (caso

Monsanto), o STF julgou Ação Direta de Inconstitucionalidade reconhecendo a

constitucionalidade de lei estadual que autorizava a manutenção dos créditos no

caso de operações com redução de base de cálculo:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 11.362, DO ESTADO DE SANTA CATARINA. CONCESSÃO DE REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO OU DE ISENÇÃO. MANUTENÇÃO INTEGRAL DO CRÉDITO FISCAL RELATIVO À ENTRADA DE PRODUTOS VENDIDOS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 155, § 2º, INCISO II, "a" e "b", DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INOCORRÊNCIA. 1. A norma impugnada, ao assegurar o direito à manutenção do crédito fiscal em casos em que há redução da base de cálculo ou isenção, não afronta o princípio da não-cumulatividade. Ao contrário, viabiliza sua observância, em coerência com o disposto no artigo 32, II, do Convênio ICMS n. 36/92. 2. O artigo 155, § 2º, inciso II, "b" da CB prevê que a isenção ou não-incidência acarretará a anulação do credito relativo às operações anteriores, salvo determinação em contrário. A redução de base de cálculo é, segundo o Plenário deste Tribunal, espécie de isenção parcial, o que implica benefício fiscal e aplicação do preceito constitucional mencionado. Precedentes. 3. A disciplina aplicada à isenção estende-se às hipóteses de redução da base de cálculo. 4. Visando à manutenção do equilíbrio econômico e a evitar a guerra fiscal, benefícios fiscais serão concedidos e revogados mediante deliberação dos Estados-membros e do Distrito Federal. O ato normativo estadual sujeita-se à lei complementar ou a convênio [artigo 155, § 2º, inciso XII, "f"]. 5. O Convênio ICMS n. 36/92 autoriza, na hipótese dos autos, a manutenção integral do crédito, ainda quando a saída seja sujeita a redução da base de cálculo ou isenção --- § 7º da Cláusula 1ª do Convênio ICMS n. 36/92. 6. Ação Direta de

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Inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 2320, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 15/02/2006, DJ 16-03-2007 PP-00019 EMENT VOL-02268-01 PP-00129 RDDT n. 140, 2007, p. 218-219)

No caso, a redução de base de cálculo foi concedida por convênio e

implementada pelo Estado por decreto legislativo, tendo sido elaborada ainda uma

lei estadual autorizando a manutenção dos créditos decorrentes da entrada de

mercadorias que, na operação seguinte, seriam beneficiadas pela redução.

Não houve alteração do entendimento no que diz respeito à equiparação

da redução da base de cálculo à isenção, porém foi reconhecida a possibilidade de

manutenção dos créditos, tendo em vista a existência de autorização em lei. No

entanto, as razões do julgamento que deveriam discutir a abrangência do termo

“legislação” empregado pelo art. 155, § 2º, II da CF, deixaram margem de dúvida

sobre alguns pontos.

Após voto do Min. relator Eros Grau que dava parcial provimento ao

recurso reconhecendo a constitucionalidade da manutenção dos créditos no caso da

redução da base de cálculo e a inconstitucionalidade da manutenção no caso de

isenção, o Min. Marco Aurélio fez uma ponderação esclarecendo que a Constituição

autoriza uma exceção à restrição aos créditos decorrentes de isenção, qual seja, a

disposição em contrário da legislação, que acredita ele ser justamente a lei estadual

em litígio.

Levantaram-se, então, questões sobre necessidade dessa lei ser lei

complementar e a abrangência do termo “legislação” empregado pelo art. 155, § 2º,

II da CF e posteriormente, ponderou-se se a manutenção do crédito caracterizaria

um novo benefício, havendo necessidade de também estar prevista em convênio.

O Min. Marco Aurélio e o Min. Carlos Veloso manifestaram-se no sentido

de entender a manutenção dos créditos como uma garantia constitucional,

decorrente do princípio da não cumulatividade. Não concordou o Min. Nelson Jobim.

Optou por adiantar o voto o Min. Marco Aurélio, esclarecendo que a regra

instituída pela Constituição é o cancelamento dos créditos, no entanto, foi aberta

exceção pelo próprio constituinte, que acredita tratar-se da elaboração de leis pelas

unidades federadas. Acrescenta que não há a necessidade de lei complementar,

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uma vez que essa exigência foi feita exclusivamente para casos de manutenção de

crédito em operações interestaduais, conforme art. 155, §2º, XII, “f”254. Assim, por

entender que a lei estadual cumpriu seu papel ao prever a exceção de manutenção

dos créditos, dissentiu do relator, votando pela total improcedência do recurso.

Após pedido de vista, o Min. Cezar Peluso apresentou seu voto

destacando que a manutenção dos créditos caracteriza um benefício fiscal e por

tanto precisa estar prevista em convênio. Constatando a existência de convênio,

observou que a lei estadual em questão abriu exceção à regra geral do estorno de

crédito, em consonância com o disposto no art. 155, § 2º, II da CF. Assim, também

votou pela constitucionalidade da lei.

Em seguida, votou o Min. Joaquim Barbosa no mesmo sentido. Entendeu

que a permissão para manutenção dos créditos tributários está prevista em

convênio, restando observada as exigências do art. 155, § 2º, II, da CF, bem como

da LC nº 87/1996255. Dessa forma, julgou improcedente o recurso.

Diante de toda a discussão, o Min. Eros Grau optou por reformular seu

voto, considerando que a expressão “legislação” mencionada na CF abrangeria

também os convênios:

Senhor Presidente, só agora me atentei para um aspecto. A Constituição fala em legislação e o Código Tributário Nacional, se não me engano, no art. 6º, quando diz o que é legislação, inclui nessa definição também o convênio. De modo que, diante dessa observação e impressionado pelos argumentos do Ministro Cezar Peluso, eu, como Relator, reformulo o voto para dar pela improcedência da ação.

Assim, por unanimidade, foi reconhecida a constitucionalidade da lei que

autorizava a manutenção dos créditos no caso de operações subsequentes com

redução de base de cálculo.

254 Art. 155. §2º. XII - cabe à lei complementar: f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; 255 Art. 20. § 3º É vedado o crédito relativo a mercadoria entrada no estabelecimento ou a prestação de serviços a ele feita: I - para integração ou consumo em processo de industrialização ou produção rural, quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do imposto, exceto se tratar-se de saída para o exterior; II - para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída ou a prestação subseqüente não forem tributadas ou estiverem isentas do imposto, exceto as destinadas ao exterior. § 4º Deliberação dos Estados, na forma do art. 28, poderá dispor que não se aplique, no todo ou em parte, a vedação prevista no parágrafo anterior.

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É interessante observar que apesar de ter sido suscitada a discussão a

respeito da abrangência da expressão “legislação” contida no art. 155, § 2º, II da CF,

não ficou claro nos votos dos ministros se ela se refere exclusivamente a lei, ou

pode ser entendida de maneira mais ampla, de forma a abranger os convênios.

Neste caso existia além do convênio, lei estadual autorizando a

manutenção dos créditos, então a constitucionalidade restou configurada. No

entanto, como se pode observar, apesar da decisão ter sido unânime, os

fundamentos utilizados pelos ministros não foram os mesmos, mas levaram à

mesma conclusão nesse caso, tendo em vista justamente a existência dessa lei

estadual. Mas e se não existisse essa previsão em legislação estadual?

São essas incertezas que acabam por fomentar o contencioso tributário,

dando margem a novas disputas judiciais em torno do tema que apesar de julgado

não foi solucionado definitivamente.

7.5. Caso Santa Lúcia (RE nº 635.688/RS): consolidação em sede de

repercussão geral da equiparação dos conceitos de isenção e redução

da base de cálculo, porém restando abertas as indefinições sobre o tema

Foi visto que o RE 174.478/SP (caso Monsanto) alterou substancialmente

o entendimento do STF sobre o tema, tendo passado a aproximar as figuras da

redução da base de cálculo e da isenção, a ponto de equipará-las. Assim, o

julgamento do RE 635.688/RS, com repercussão geral reconhecida, mostrará que

esta posição da corte se consolidou:

Recurso Extraordinário. 2. Direito Tributário. ICMS. 3. Não cumulatividade. Interpretação do disposto art. 155, §2º, II, da Constituição Federal. Redução de base de cálculo. Isenção parcial. Anulação proporcional dos créditos relativos às operações anteriores, salvo determinação legal em contrário na legislação estadual. 4. Previsão em convênio (CONFAZ). Natureza autorizativa. Ausência de determinação legal estadual para manutenção integral dos créditos. Anulação proporcional do crédito relativo às operações anteriores. 5. Repercussão geral. 6.Recurso extraordinário não provido. (RE 635688, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2014, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-030 DIVULG 12-02-2015 PUBLIC 13-02-2015)

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No entanto, outras variáveis importam na solução de lides deste tipo,

podendo-se perceber por este caso, que o vácuo de incerteza deixado pelo

julgamento do caso Santa Catarina (ADI nº 2.320/SC), acarretou em nova discussão

judicial sobre o tema.

No caso Santa Lúcia a redução da base de cálculo foi prevista em

convênio/CONFAZ (convênio 128/1994) e o Estado fez a implementação por meio

de lei específica, no entanto permanece a controvérsia no que diz respeito à

possibilidade de aproveitamento integral dos créditos de ICMS quando a operação

subsequente for beneficiada pela redução, uma vez que a legislação estadual não

disciplinou o assunto.

O Min. relator Gilmar Mendes, iniciou seu voto apresentando o histórico

da jurisprudência do STF sobre a natureza jurídica da redução da base de cálculo e

concluiu pela manutenção do entendimento que equipara a redução da base de

cálculo à isenção parcial, por possuírem semelhante efeito prático.

Sendo assim, entendeu que as exceções previstas pelo art. 155, §2º, II,

“a” e “b”, da CF aplicam-se aos casos de redução de base de cálculo. No entanto,

ponderou que a anulação dos créditos não é obrigatória em todos os casos, tendo

sido facultado à legislação dispor de modo diverso.

Não houve discussão acerca da interpretação do termo “legislação”

empregado no artigo, mas apenas a afirmação de que a falta de previsão em

legislação estadual impedindo o cancelamento parcial dos créditos impossibilitaria a

pretendida manutenção deles na integralidade.

Não está explícito no acórdão, no entanto parece que o Min. Gilmar

Mendes parte da premissa que a manutenção dos créditos configura novo benefício

fiscal, uma vez que justifica a necessidade de previsão em legislação estadual pela

constatação de que a natureza jurídica dos convênios é autorizativa, ou seja, apesar

de haver previsão em convênio é necessária ainda a previsão em legislação

estadual.

Dessa forma, por entender que faltou, no caso concreto, a lei referida no

art. 155, §2º, II, negou provimento ao recurso, autorizando o Estado a proceder a

anulação proporcional dos créditos.

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Apenas o Min. Marco Aurélio divergiu. Em voto vencido, manteve firme a

sua convicção sobre a impossibilidade de confusão dos conceitos de redução de

base de cálculo e isenção, ante a organicidade do próprio direito. Diferenciou-os

fundamentando seu entendimento com base em renomada doutrina, demonstrando

que o fundamento jurídico não pode ser preterido pelo seu efeito prático:

Sob o ângulo da estrutura normativa, pode-se dizer que a redução de base de cálculo influencia o “consequente normativo”, modificando o aspecto quantitativo da obrigação tributária. Essa última, porém, deverá ser cumprida em patamar inferior à generalidade dos casos ante o benefício implementado. Ao reverso, a norma de isenção diz respeito ao “antecedente normativo”, excluindo, de antemão, da regra geral de tributação, os fatos eleitos como isentos, tornando-os incapazes de fazer surgir, quando materializados, no mundo concreto, o dever tributário principal. As diferenças mostram-se evidentes, sendo a redução de base de cálculo espécie de exoneração bem diversa da isenção. É a lição do professor Sacha Calmon:

“Ocorre, no entanto, que, à luz da teoria da norma jurídica tributária, a denominação de isenção parcial para o fenômeno da redução parcial do imposto a pagar, através das minorações diretas de bases de cálculo e de alíquotas, afigura-se absolutamente incorreta e inaceitável. A isenção ou é total ou não é, porque a sua essentialia consiste em ser modo obstativo ao nascimento da obrigação. Isenção é o contrário de incidência. As reduções, ao invés, pressupõem a incidência e a existência do dever tributário instaurado com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese de incidência da norma de tributação. As reduções são diminuições monetárias do quantum da obrigação, via base de cálculo ou alíquota reduzida” (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário nº 149, São Paulo: Dialética, fevereiro de 2008, p. 107)

No entanto, o argumento não foi suficiente para convencer os demais

ministros, que optaram por manter a jurisprudência da Corte, seguindo o voto do

Min. relator Gilmar Mendes.

Verifica-se que nesse julgamento foi afirmada a natureza autorizativa dos

convênios, sob a justificativa de que a jurisprudência da corte assim entendia,

argumento que a maioria dos ministros manifestou concordância, em um debate

onde a preocupação era apenas justificar a necessidade de lei específica para

manutenção dos créditos.

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Porém, conforme exposto no segundo capítulo deste trabalho, por mais

de dez anos a jurisprudência do STF manteve-se no sentido de entender que os

convênios possuem natureza impositiva, tendo surgido decisões que afirmam o

contrário após a inserção do §6º do art. 150 da CF.

A justificativa para alterar o entendimento sobre a natureza jurídica dos

convênios limitava-se a afirmar que eles por si só não eram suficientes para

conceder o benefício fiscal, uma vez que tanto a criação quanto a desoneração de

um tributo dependem de previsão legal. No entanto, tal argumento não se aplica à

discussão sobre a possibilidade de cancelamento de créditos, uma vez que o direito

ao crédito é decorrência do princípio da não-cumulatividade (não configurando

benefício fiscal) e por isso não depende de “lei”, mas sim de previsão em

“legislação”, conforme redação do art. 155, §2º, II da CF.

Assim, tendo o Código Tributário Nacional256 estabelecido que o termo

“legislação” abrange os convênios firmados pelos entes federados, é constitucional a

previsão meramente em convênio de manutenção dos créditos no caso concessão

de benefícios fiscais, independentemente de lei estadual.

Ocorre que, nas decisões analisadas, não ficou clara a posição do STF

sobre a natureza jurídica dessa “manutenção dos créditos” e muito menos qual a

abrangência da expressão “legislação” do art. 155, §2º, II da CF. Mais

especificamente, no caso Santa Lúcia apenas é possível presumir que a

manutenção de créditos configura benefício fiscal pela afirmação de que é

necessária a sua previsão em lei estadual, pois os convênios são meramente

autorizativos. Conclusão esta que o Min. Gilmar Mendes chegou com base em

outras decisões que trataram o tema de forma superficial257.

256 Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa; III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. 257 Para justificar a natureza autorizativa dos convênios, O Min. Gilmar Mendes citou como precedente

o RE nº 630.705 / MT, que já foi comentado por nós no Capítulo 3, item 3.1.2.1, deste trabalho.

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Assim, com a publicação desse acórdão, tem-se decisão, com

repercussão geral reconhecida, que ao mesmo tempo em que põe fim o caso Santa

Lúcia, consolida incertezas ao torná-lo aplicável a todos os casos semelhantes, sem

debates e conclusões satisfatórios sobre diversos temas polêmicos, quais sejam, a

natureza autorizativa dos convênios, a interpretação da expressão “legislação” do

inciso II, §2º do art. 155 e o fundamento jurídicos para a manutenção dos créditos.

7.6. Desafios do STF no tema da “Redução da Base de Cálculo”

É possível perceber que as incertezas sobre o tema guerra fiscal,

especificamente sobre os desdobramentos decorrentes da concessão de redução de

base de cálculo pelos Estados, permanecem vivas, uma vez que as decisões que

colocariam fim aos casos estudados não estabeleceram parâmetros capazes de

orientar as condutas de contribuintes e Estados.

Essa falta de parâmetros fomenta ainda mais a guerra fiscal em torno do

ICMS, possibilitando aos Estados, através da manipulação do conceito de redução

de base de cálculo, contornar os limites impostos à sua autonomia legislativa.

Isto porque uma das vantagens da utilização de redução da base de

cálculo pelos Estados é fugir da restrição de créditos prevista na Constituição para

os casos de isenção e não incidência.

Os Estados, que concedem benefício fiscal, não por meio de isenção,

mas por redução da base de cálculo, para atrair empresas sob o fundamento de não

se sujeitar à exigência constitucional de anulação de créditos, buscam,

posteriormente, através do judiciário, a equiparação desses conceitos, pretendendo

aumentar usa arrecadação.

Este é exatamente o caso objeto de julgamento da ADI nº 2.320, no qual

o Estado de Santa Cataria ingressou com ação direta de inconstitucionalidade contra

a própria legislação estadual que permitia a manutenção integral dos créditos nas

operações com base de cálculo reduzida.

Já nos demais casos – RE nº 161.031/MG, RE nº 174.478/SP e RE nº

635.688/RS -, os Estados não questionaram suas legislações, mas aproveitando-se

falta de definição de critérios para concessão de redução da base de cálculo,

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passaram a não aceitar os créditos decorrentes de operações anteriores, quando as

seguintes ocorriam com redução de base de cálculo, eliminando os efeitos do

benefício por eles próprios concedidos.

De fato, ao imporem o estorno dos créditos, sob o fundamento de

equiparação dos conceitos de redução de base de cálculo e isenção, os entes

federados buscam, por via indireta ou colateral, efeito análogo à supressão do

próprio benefício fiscal, instaurando um ambiente de insegurança jurídica.

Observe-se que a relação é cíclica: por permitir várias formas de

utilização, a expressão “redução da base de cálculo” é utilizada pelos Estados para

despistar a legalidade, aumentado o conflito entre os entes federados; conflitos que

terão que ser resolvidos pelo Judiciário. Assim, como o judiciário não consegue

solucionar definitivamente o tema, os Estados aproveitam-se dessas incertezas para

continuar utilizando-se das vantagens da redução da base de cálculo,

retroalimentando o conflito federativo.

7.7. A Proposta de Súmula Vinculante nº 69 do STF não sinaliza solução

para o problema da guerra fiscal

As súmulas vinculantes são produtos de um procedimento normativo (art.

103-A da CF) cujo resultado é a produção de uma norma pelo STF com efeitos

vinculantes. Trata-se de norma abstrata e geral, pois traz no antecedente enunciado

conotativo que destaca determinadas características capazes de abranger inúmeras

situações e no consequente uma relação jurídica com sujeitos indeterminados258.

Atualmente é pacífico na jurisprudência do STF259 que a concessão de

benefícios fiscais sem a celebração de convênios pelos Estados é inconstitucional.

258 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.60-61. 259 EMENTA: ICMS – “GUERRA FISCAL” – CONCESSÃO UNILATERAL DE ISENÇÕES, INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS – NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA RESERVA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DA OUTORGA, PELO ESTADO-MEMBRO OU PELO DISTRITO FEDERAL, DE TAIS EXONERAÇÕES TRIBUTÁRIAS – PERFIL NACIONAL QUE QUALIFICA A ESTRUTURA JURÍDICO-NORMATIVA DO ICMS – A EXIGÊNCIA DE CONVÊNIO INTERGOVERNAMENTAL COMO LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DE EXONERAÇÃO FISCAL DO ESTADO-MEMBRO/DISTRITO FEDERAL EM TEMA DE ICMS – RECEPÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 24/75 PELA VIGENTE ORDEM CONSTITUCIONAL – (...) – A existência de convênios interestaduais celebrados em atenção e em

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154

Assim, diante de decisões reiteradas do STF nesse sentido foi proposta a edição de

súmula vinculante nº 69, com a seguinte redação:

Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional.

Esta proposta tem gerado muitos debates doutrinários pelas

consequências jurídicas e econômicas que sua aprovação pode acarretar. A

Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal (CAE) manifestou-se no

sentido de alertar que contribuintes poderiam ser obrigados a recolher os valores

dispensados no passado, o que geraria prejuízo em suas atividades e risco de

desemprego em massa. Diante disso, encaminhou ao STF pedido para suspender a

análise de aprovação da Súmula, sob o argumento de que uma alteração legislativa

para o problema da guerra fiscal seria a melhor solução.

Enquanto este debate não se resolve, pode-se acrescentar que esta

Súmula Vinculante propõe resposta para apenas 50% dos casos de guerra fiscal,

deixando uma lacuna normativa sobre a natureza jurídica dos convênios e a

exigência de lei específica para a concessão dos benefícios.

respeito à cláusula da reserva constitucional de convênio, fundada no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição da República, traduz pressuposto essencial legitimador da válida concessão, por Estado-membro ou pelo Distrito Federal, de benefícios, incentivos ou exonerações fiscais em tema de ICMS. – Revela-se inconstitucional a concessão unilateral, por parte de Estado-membro ou do Distrito Federal, sem anterior convênio interestadual que a autorize, de quaisquer benefícios tributários referentes ao ICMS, tais como, exemplificativamente, (a) a outorga de isenções, (b) a redução de base de cálculo e/ou de alíquota, (c) a concessão de créditos presumidos, (d) a dispensa de obrigações acessórias, (e) o diferimento do prazo para pagamento e (f) o cancelamento de notificações fiscais. Precedentes. INCONSTITUCIONALIDADES NÃO SE COMPENSAM – A outorga unilateral, por determinado Estado-membro, de benefícios de ordem tributária em tema de ICMS não se qualifica, porque inconstitucional, como resposta legítima e juridicamente idônea à legislação de outro Estado-membro que também se revele impregnada do mesmo vício de inconstitucionalidade e que, por resultar de igual transgressão à cláusula constitucional da reserva de convênio, venha a provocar desequilíbrios concorrenciais entre referidas unidades federadas, assim causando gravame aos interesses do Estado-membro alegadamente prejudicado. É que situações de inconstitucionalidade, porque reveladoras de gravíssima transgressão à autoridade hierárquico-normativa da Constituição da República, não se compensam entre si. Precedente. (ADI 4635 MC-AgR-Ref, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 11/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)

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155

Procurando esclarecer as inúmeras facetas da guerra fiscal, Eurico

Marcos Diniz de Santi260 elabora uma tabela para demonstrar a complexidade do

tema:

Casos Criação

Há convênio nos termos da parte final do art. 150 § 6º?

A CF88 permite convênio autorizativo ou o convênio é obrigatório?

Há a necessidade de “lei específica” estadual para instituir o benefício?

Solução Normativa ou verificação de dúvida sobre o julgado RE 635688 do STF:

CR1 SIM, há convênio

SIM, a CF permite convênio autorizativo

SIM, há lei específica

CONSTITUCIONAL? pode convênio meramente autorizativo?

CR2 SIM, há convênio

SIM, a CF permite convênio autorizativo

NÃO há lei específica

CONSTITUCIONAL? pode convênio meramente autorizativo, mas SEM LEI?

CR3 SIM, há convênio

NÃO. Há delegação: os convênios são obrigatórios

SIM, há lei específica

CONSTITUCIONAL convênio é obrigatório e HÁ LEI

CR4 SIM, há convênio

NÃO. Há delegação: os convênios são obrigatórios

NÃO há lei específica

CONSTITUCIONAL? pode convênio obrigatório, mas SEM LEI?

CR5 NÃO há Convênio

SIM, a CF permite convênio autorizativo

SIM, há lei específica

INCONSTITUCIONAL (SEM CONVÊNIO)

CR6 NÃO há Convênio

SIM, a CF permite convênio autorizativo

NÃO há lei específica

INCONSTITUCIONAL (SEM CONVÊNIO)

CR7 NÃO há Convênio

NÃO há delegação: os convênios são obrigatórios

SIM, há lei específica

INCONSTITUCIONAL (SEM CONVÊNIO)

CR8 Não há Convênio

NÃO há delegação: os convênios são obrigatórios

NÃO há lei específica

INCONSTITUCIONAL (SEM CONVÊNIO)

260 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Parecer. 2015. Não Publicado, p. 22-23.

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156

Observa-se que os quatro últimos casos seriam inconstitucionais, tendo

em vista a ausência de convênio, porém e os demais? Neles há convênios, mas

estes podem ser autorizativos? E a ausência de lei específica?

Seria possível ainda incluir nesta tabela as demais variáveis estudadas

neste trabalho, quais sejam, a existência de legislação em contrário (art. 155, §2º, II

da CF) e o fundamento jurídico para a manutenção dos créditos, o que aumentaria

ainda mais as incertezas sobre o tema.

Todas estas situações demonstram que esta proposta de súmula

vinculante não será capaz de resolver a complexidade da guerra fiscal, uma vez que

este problema é mais extenso do que a mera existência de convênio/CONFAZ.

O estudo deste tema apontou que os conflitos federativos estão longe de

terminar, pois a capacidade institucional do STF em resolver os problemas da guerra

fiscal do ICMS é menor que o interesse e a criatividade jurídica dos Estados.

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CONCLUSÕES

1. O problema das dimensões do uso da expressão “redução de base

de cálculo”, no contexto da Guerra Fiscal do ICMS, está demarcado pelos casos

Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia julgados pelo STF.

Todos tratam de operações com redução de base de cálculo e discutem a

possibilidade de manutenção integral dos créditos nestas operações. No caso

Camargo Soares, entendeu-se que os conceitos de isenção e redução da base de

cálculo não se equiparam e, por isso, a exceção ao princípio da não cumulatividade

que prevê a restrição ao crédito (art. 155, § 2º, II, “b” da CF) nos casos de isenção e

não incidência não pode ser aplicada para situações de base de cálculo reduzida.

No caso Monsanto, este entendimento foi alterado: os conceitos de isenção e

redução da base de cálculo foram equiparados e por isso aplicou-se a aludida

restrição do art. 155, §2º, II, “b” da CF/88, considerando constitucional o

cancelamento dos créditos. Já no caso Santa Catarina, que discutiu a

constitucionalidade de lei estadual que autorizava a manutenção dos créditos, não

houve alteração do entendimento no que diz respeito à equiparação da redução da

base de cálculo à isenção, porém ainda assim foi reconhecida a possibilidade de

manutenção dos créditos, tendo em vista a existência de autorização em lei,

conforme exige o art. 155, §2º, II da CF. No entanto, apesar deste entendimento

algumas questões não ficaram claras neste julgamento, tais como: qual abrangência

do termo “legislação” empregado pelo art. 155, §2º, II da CF e se a manutenção do

crédito caracterizaria um novo benefício fiscal, havendo necessidade de também

estar prevista em convênio e em lei específica (art. 150, §6º da CF). Em decorrência

dessas indefinições, o STF voltou a julgar, no caso Santa Lúcia, o tema da

manutenção de créditos no caso de operações com redução de base de cálculo.

Havia neste caso a autorização no Convênio 128/94 para a redução da base de

cálculo e para a manutenção dos créditos. O Estado do Rio Grande do Sul editou lei

específica prevendo a redução da base de cálculo, no entanto não editou lei tratando

especificamente sobre a possibilidade do aproveitamento integral dos créditos de

ICMS. O STF entendeu que os convênios são meramente autorizativos e concluiu

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que a falta de lei impede a manutenção dos créditos. O acordão, no entanto, não é

claro, restando até hoje pendente recurso de embargos de declaração, em razão da

ausência de deliberação sobre o fundamento jurídico para a manutenção dos

créditos e sobre a abrangência do termo “legislação em contrário” prevista no ar.

155, §2º, II da CF; situações que poderiam alterar o resultado do julgado e ajudar na

consolidação da jurisprudência, definindo parâmetros para os Estados e os

contribuintes.

2. Os pontos conflituosos dos casos Camargo Soares, Monsanto,

Santa Catarina e Santa Lúcia revelam divergências sobre: (i) a equiparação dos

institutos redução da base de cálculo e isenção (parcial); (ii) a abrangência do termo

“legislação” previsto no art. 155, §2º, II da CF; (iii) o fundamento jurídico para a

manutenção dos créditos (direito inerente ao princípio da não cumulatividade ou

nova hipótese de benefício fiscal) e (iv) a natureza jurídica dos convênios

(impositivos ou autorizativos). O tema da equiparação redução da base de

cálculo/isenção parcial é condição necessária para adentrar aos temas (ii), (iii) e (iv).

A não equiparação autoriza o aproveitamento dos créditos. A equiparação não

autoriza, salvo legislação expressa em contrário, permitindo a manutenção dos

créditos. Decidindo-se por essa segunda opção seria necessário então identificar a

existência dessa autorização para manutenção dos créditos, o que implicaria definir

o tópico (ii): a abrangência do termo “legislação” em contrário (lei, decreto,

convênio?). Sobre o item (iii), se o fundamento para manutenção dos créditos

consistir num direito decorrente do princípio da não cumulatividade, então a

demanda é pela aplicação da ressalva do art. 155, §2º, II da CF, devendo-se decidir

se a previsão em convênio é capaz de suprir a exigência de “legislação em

contrário”. No entanto, se o fundamento jurídico for a configuração de nova forma de

benefício fiscal, então, a demanda passa a ser pela aplicação do art. 150, §6º da CF,

sendo obrigatória a edição de “lei específica” estadual para que a manutenção dos

créditos seja constitucional. A tese (iv) da impositividade da natureza jurídica dos

convênios, na linha do precedente do Min. Moreira Alves (RE nº 96.545), reforça o

valor homogeneidade da federação, obrigando todos os Estados. A tese segundo a

qual os convênios são autorizativos reforça o valor autonomia dos Estados,

oferecendo a facultatividade para a lei estadual conceder ou não o benefício previsto

em convênio. Em ambas as teses (impositividade ou facultatividade dos convênios)

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há necessidade de lei estadual, a diferença específica é que: na primeira, a edição

da lei é obrigatória; na segunda, é facultativa.

3. A análise da argumentação jurídica dos casos Camargo Soares,

Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia revela o entrelaçamento de vários

conceitos fundamentais do direito, tais como: (i) a visão estática da competência

legislativa tributária; (ii) a respectiva concretização da competência legislativa,

mediante a estrutura da regra-matriz de incidência, em especial, o produto base de

cálculo e alíquota do critério quantitativo e (iii) a realização da competência

administrativa pela via da incidência tributária, relacionada ao fenômeno da isenção

e à lógica da aplicação prática da expressão “redução de base de cálculo”. A visão

estática da competência colabora na compreensão do contexto histórico-jurídico do

sistema de distribuição de competências aos Estados da federação, ajuda a

entender a relação entre não cumulatividade e exercício do direito ao crédito em

operações interestaduais, ilumina as razões para o surgimento da expressão

“redução de base de cálculo” e coloca em perspectiva o tema da delegação da

competência aos convênios CONFAZ. A concretização da competência legislativa,

relevada através do instrumental da regra-matriz de incidência, permite destacar a

relação direta entre a alíquota e da base de cálculo, desvelando que o mesmo

resultado prático pode ser obtido, no interior do critério quantitativo, seja pela

redução da alíquota, seja pela redução da base de cálculo. A realização da

competência administrativa, por meio da incidência jurídica, mostra a lógica prática

dos Estados que entre três hipóteses que levam a resultado econômico semelhante

- a redução da alíquota, a redução da base de cálculo ou a isenção - optam, pela

oportuna manipulação jurídica do conceito de redução de base de cálculo, que

possibilitava inicialmente fugir das restrições impostas à alteração das alíquotas

(medida mais usual para alteração do tributo devido) e, atualmente, cancelar o

direito ao crédito do tributo pago na operação anterior, mediante a equiparação ao

conceito de isenção.

4. Os convênios foram criados com o objetivo de centralizar/unificar a

concessão de benefícios fiscais que antes era praticada pelos Estados. A delegação

desta competência aos convênios/CONFAZ induziu o surgimento da dualidade: (i)

convênios autorizativos, que devolvem aos Estados a deliberação para concederem

ou não os benefícios por meio de suas legislações estaduais e (ii) convênios

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impositivos, que mantém a competência do CONFAZ, determinando a

obrigatoriedade de todos os Estados instituírem benefícios por meio de suas

legislações. O Convênio 128/94, discutido no caso Santa Lúcia, revela exemplo da

superação da tese dos convênios impositivos, mediante o uso textual do termo

“autorizado” ao invés dos modais obrigatório ou proibido, como forma de justificar a

necessidade de edição de lei específica, seja para a concessão de redução de base

de cálculo, seja para a manutenção dos créditos. Sugere-se, aqui, que houve afronta

ao princípio da indelegabilidade da competência tributária: o poder constituinte

outorgou ao CONFAZ competência exclusiva para deliberar sobre a concessão, mas

não competência para delega-la aos Estados. Especificamente, no caso Santa Lúcia

há lei específica que acoberta a “autorização” para reduzir base de cálculo, mas há

lacuna normativa em relação a lei especifica para “autorização” da manutenção do

crédito. É neste contexto que a afirmação sobre a natureza autorizativa dos

convênios aparece neste julgamento do STF, para justificar o entendimento pela

necessidade de lei específica também para a manutenção do crédito. O que implica

considerar essa manutenção como uma nova forma de benefício fiscal e não como

uma decorrência do princípio da não cumulatividade.

5. A história de 50 anos do sistema tributário nacional revela mais de

meio século da prática jurídica que municia a guerra fiscal entre os Estados. Várias

alterações legislativas foram feitas no desenho do ICMS com o objetivo de tentar

fortalecer a Federação e solucionar o problema da guerra fiscal por meio da

imposição de limites à atuação dos Estados. Com a substituição do IVC pelo ICM

através da EC nº 18/65 procurou-se, além de anular os efeitos ruins decorrentes da

cumulatividade dos tributos, acabar com o conflito entre os Estados nas operações

interestaduais, uma vez que nestas operações o imposto era devido somente ao

Estado produtor, o que fazia com que os Estados consumidores tributassem essas

operações por meio de subterfúgios legais dando origem a inúmeros conflitos. Já

com a EC nº 1/69 o objetivo foi evitar a concessão de isenções de forma

descentralizada e por isso introduziu-se a necessidade de celebração de convênios

para concessão de isenção. Ainda, por pressão dos Estados uma nova Emenda

Constitucional (nº 23/83) instituiu uma exceção ao princípio da não cumulatividade,

impedindo o aproveitamento de créditos nos casos de isenções e não incidência. A

introdução pela EC nº 3/93 incluiu mais um limite à atuação dos Estados: a

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161

concessão de qualquer incentivo fiscal, inclusive a redução da base de cálculo,

dependerá de lei específica dos Estados. A despeito de todas essas alterações, o

uso da redução da base de cálculo surgiu e ganhou força como nova fórmula jurídica

para os Estados contornarem a centralização, buscando reaver a autonomia

perdida. É o que ocorre com a restrição ao aproveitamento de crédito nos casos de

concessão de isenção ou não incidência previstas no art. 155, §2º, II da CF, que

vem sendo contornada por meio da utilização da redução da base de cálculo desde

que foi instituída pela EC nº 23/83, culminando com o julgamento pelo STF dos

quatro casos selecionados neste trabalho.

6. O uso do termo “redução de base de cálculo” viola o princípio da

legalidade. Verificou-se a manipulação do conceito “redução da base de cálculo”

para evitar a incidência das normas que estabeleciam: a exigência de lei para

alteração de alíquotas e a competência do Senado para defini-las, a obrigatoriedade

de lei para concessão de isenção e a restrição ao aproveitamento de créditos que

evolvam operações com isenção ou não incidência. O motivo de evitar a aplicação

dessas normas é fugir das limitações que elas impõem aos Estados. Limitações

estas que as sucessivas alterações legislativas impuseram justamente para impedir

o conflito federativo. A utilização da redução da base de cálculo permaneceu

vantajosa para os Estados, sobretudo a partir da introdução da restrição ao

aproveitamento de créditos em operações com isenção ou não incidência. O estudo

dos casos Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia revelam a

estratégia de driblar tais restrições (art. 155, §2ª, II da CF) através da estratégica

concessão da redução da base de cálculo no lugar da isenção (parcial).

7. O uso do termo “redução de base de cálculo” revela estratégia

silenciosa de violação do princípio da não cumulatividade, na medida em que a

pretensão dos Estados em equiparar o conceito de redução de base de cálculo ao

de isenção parcial busca evitar a aplicação deste princípio, ou seja, impedir o

aproveitamento dos créditos nessas operações, aumentado assim, por via oblíqua a

arrecadação. O princípio da não cumulatividade garante, como regra geral, o direito

dos contribuintes à manutenção dos créditos tributários pagos nas operações

anteriores, sendo descabido considerar o direito ao crédito como uma espécie de

benefício fiscal, uma vez que consiste no próprio mecanismo garantidor da não

cumulatividade tributária. O STF reiteradamente prestigiou a aplicação do princípio

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162

da não cumulatividade: mesmo quando não havia qualquer exceção a esse princípio

na CF e a pretensão dos Estados de estornar os créditos decorrentes de operações

isentas eram consideradas inconstitucionais, até a introdução da exceção ao

princípio da não cumulatividade pela EC nº 23/83 e sua ampliação pela CF de 1988

que apesar de permitir o cancelamento dos créditos nos casos de isenção,

continuou considerando-o inconstitucional nos casos de operações beneficiadas

com redução de base de cálculo, como se observa no caso Camargo Soares. No

entanto, no caso Monsanto o STF passou a aceitar a equiparação dos conceitos de

redução de base de cálculo e isenção (parcial) autorizando o estorno dos créditos

em um acórdão que aguarda esclarecimento e exame dos efeitos adversos que a

restrição ao princípio da não cumulatividade poderia causar na cadeia de produção.

8. A guerra fiscal decorrente do uso da expressão “redução da base

de cálculo” fere o princípio federativo na medida em que desrespeita regras

constitucionais elaboradas param manter a harmonia da Federação, em especial o

art. 152 da CF. O STF possui farta jurisprudência que defende o princípio federativo

e impede os Estados de estabelecer diferenças tributárias em razão da origem da

mercadoria (art. 152 da CF). Como exemplo destaca-se o julgamento da ADI 3.389

em que se considerou inconstitucional decreto do Rio de Janeiro, que previa a

redução da base de cálculo nas saídas internas de produtos da cesta básica

produzidos apenas em seu território, por se considerar que ele estabelecia diferença

tributária em razão da origem da mercadoria. No entanto, a existência de barreiras

fiscais ocorre em outras situações de maneira menos explícita. No caso Santa Lúcia

este problema se verifica pela conjugação de duas situações: (i) a redução de base

de cálculo a um patamar inferior ao da alíquota interestadual e (ii) o cancelamento

dos créditos da operação anterior a beneficiada pela redução, o que torna o ICMS

cumulativo. O convênio 128/94 reduz a carga tributária a 7%. Uma mercadoria

oriunda de outro Estado sofre a incidência de alíquota interestadual de 12%, mas na

operação interna seguinte, será tributada em apenas 7%, de acordo com o convênio

que estabelece a redução da base de cálculo. A diferença de 5% pertenceria ao

contribuinte por ter pago 12% na operação anterior, mas apenas 7% na seguinte. No

entanto, o Estado do Rio Grande do Sul exige o estorno desses créditos, o que

equivale a estabelecer uma barreira fiscal de 5% (diferença entre os 12% pagos na

operação anterior e os 7% pagos com a redução), tornando o imposto cumulativo.

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163

Tal atitude torna desvantajosa a aquisição de mercadoria de outros estados,

violando o art. 152 da CF, que proíbe a distinção tributária em razão da origem da

mercadoria.

9. As decisões judiciais são normas jurídicas que regulam condutas e

geram segurança jurídica. Dessa forma, o STF quando instado a se manifestar

sobre os problemas decorrentes da redução da base de cálculo, por meio de suas

decisões, deveria apresentar parâmetros capazes de efetivamente orientar

condutas, sem deixar questões indefinidas sobre o tema. Essa falta de parâmetros

incentiva a manutenção da guerra fiscal. A proposta de súmula vinculante nº 69

(“Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito

presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS,

concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é

inconstitucional”) sinaliza apenas solução parcial para o problema da guerra fiscal.

Restringe-se à concessão de benefícios sem convênios, mantendo indefinidas as

demais variáveis que coexistem mesmo quando há a celebração de convênio e que

foram reveladas nos quatro casos julgados pelo STF, quais sejam: a abrangência do

termo “legislação” previsto no art. 155, §2º, II da CF; o fundamento jurídico para a

manutenção dos créditos (direito inerente ao princípio da não cumulatividade ou

nova hipótese de benefício fiscal) e a natureza jurídica dos convênios (impositivos

ou autorizativos).

10. A utilização da expressão “redução da base de cálculo” pelos

Estados é exemplo de prática de guerra fiscal que se aproveita da imprecisão de

conceitos jurídicos para contornar as regras de coordenação federativa. Tal

subterfúgio visa manter a aparência de legalidade, mas acaba por afrontar a própria

legalidade, a não cumulatividade e o primado federativo. Tentar contornar norma

constitucional, ainda que através de expedientes jurídicos, é frustrar sua

imperatividade, é negar os fins da própria Constituição por meio do disfarce. O

caminho do contencioso tributário para reinterpretar termos constitucionais pela via

do STF não tem se mostrado eficaz para oferecer segurança jurídica aos Estados e

aos contribuintes. O que esta pesquisa sugere é que os conflitos entre os entes

federados estão longe de terminar, pois a capacidade institucional do STF resolver

os problemas da guerra fiscal do ICMS é menor que o interesse e a criatividade

jurídica dos Estados.

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164

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