AS DIMENSÕES DO USO DA EXPRESSÃO “REDUÇÃO DA BASE DE … · 2017. 2. 22. · PUC-SP TAÍSA...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
TAÍSA SILVA REQUE
AS DIMENSÕES DO USO DA EXPRESSÃO “REDUÇÃO DA BASE DE
CÁLCULO” NO CONTEXTO DA GUERRA-FISCAL DO ICMS
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
TAÍSA SILVA REQUE
AS DIMENSÕES DO USO DA EXPRESSÃO “REDUÇÃO DA BASE DE
CÁLCULO” NO CONTEXTO DA GUERRA-FISCAL DO ICMS
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Tributário, sob a orientação do Prof. Dr. ROQUE ANTONIO CARRAZZA.
SÃO PAULO
2016
Banca Examinadora
________________________________
________________________________
________________________________
Na condição de bolsista da CAPES,
agradeço a esta instituição pelo
financiamento desta pesquisa.
Aos meus pais, João e Sandra, e a minha
irmã Natália, pelo amor incondicional.
E ao meu amor Eurico.
AGRADECIMENTOS
A conclusão desta dissertação de mestrado não seria possível sem a
compreensão daqueles que fazem parte do meu dia a dia. A todos vocês, os meus
agradecimentos:
A minha amada família, a quem devo tudo o que sou e conquistei.
Ao meu tio Paulinho pela colaboração na revisão deste trabalho.
Ao meu amor Eurico de Santi pelo incentivo e ajuda fundamental para a
conclusão desta pesquisa.
Ao meu querido chefe Robson Maia, pela compreensão e disponibilidade
para discussão sobre os temas deste trabalho.
As amigas e colegas de sala Marcela Maia e Marília Bezzan e ao Marcelo
Rocha, contemporâneo no mestrado e companheiro no desespero desta reta final.
Aos colegas da Barros Carvalho Advogados Associados e do Instituto
Brasileiro de Direito Tributário - IBET pelo convívio diário.
As minhas amigas de longa data, companheiras do ballet e da PUC, que
agradeço na pessoa da Lícia Porfírio, pela ajuda com o inglês jurídico.
E, finalmente, ao meu orientador Roque Antonio Carrazza, pela
disponibilidade e precisão na orientação deste trabalho.
RESUMO
A concessão de incentivos fiscais pelos Estados no âmbito do ICMS com
o objetivo de atrair investimentos é prática recorrente e antiga: durante a vigência do
extinto Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC) já se praticava o que
denominamos de "guerra fiscal".
Nosso intuito com este trabalho é ressaltar o abuso dessa prática com
foco no conceito "redução da base de cálculo", demonstrando que conceitualmente
ela não pode ser equiparada a isenção (parcial), mas que ainda assim o seu uso é
feito de forma abusiva com intuito de fomentar ainda mais o conflito entre os
Estados.
Com uma legislação tributária excessivamente complexa e onerosa, que
acaba por estimular esse tipo de prática, o problema da guerra fiscal se torna cada
vez difícil de resolver, prejudicando contribuintes que ficam submetidos ao poder dos
Estados, que por sua vez manipulam os conceitos jurídicos procurando contornar
legislações, princípios e jurisprudências.
Palavras Chaves: Redução da base de cálculo. Isenção, Convênios, Lei específica,
Guerra Fiscal, ICMS.
ABSTRACT
The granting of ICMS tax incentives by States in order to attract
investments is a recurrent and old practice: it was already practiced during the term
of the former Tax on Sales and Consignment (IVC), collaborating to what we call "tax
competition".
Our goal with this study is to demonstrate the abuse of this practice,
focusing on "reduction of the tax basis", demonstrating that, conceptually, it cannot
be equated with exemption (partial), but still its use is done improperly encouraging
yet plus the dispute between federal entities.
With an overly complex and burdensome tax law, which ultimately
stimulates this type of practice, the problem of the tax competition becomes
increasingly more difficult to solve, affecting taxpayers who are subject to the power
of States, who handle the legal concepts violating the law, the principles and the
jurisprudence.
Keywords: Reduction of the tax basis, Exemption, Covenants, Specific law, Tax
Competition, ICMS.
LISTA DE ABREVIATURAS
ADCT Atos das Disposições Constitucionais Transitórias
ADPF Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
CONFAZ Conselho Nacional de Política Fazendária
CF Constituição Federal
CTN Código Tributário Nacional
EC Emenda Constitucional
IVA Imposto sobre o valor Agregado
IVC Imposto sobre Vendas e Consignações
IVM Imposto sobre Vendas Mercantis
ICM Imposto sobre Circulação de Mercadorias
ICMS Imposto Sobre Operações de Circulação de Mercadorias e de
Prestação de Serviços de Comunicação e de Transporte
interestadual e intermunicipal
LC Lei Complementar
Min. Ministro
RE Recurso Extraordinário
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TVA Taxe sur la Valeur Ajoutée
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
CAPÍTULO 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS ...................................................... 19
1.1. Competência Legislativa Tributária ................................................................ 23
1.1.1. Atributos da Competência Tributária ....................................................... 26
1.1.1.1 O ICMS como exceção ao atributo da facultatividade das
competências tributárias ................................................................................. 27
1.1.2. Conflitos de Competência no ICMS e a Delegação para o CONFAZ editar
Convênios ......................................................................................................... 28
1.2. Concretização da Competência Legislativa Tributária e a Estrutura da Regra
Matriz de Incidência .............................................................................................. 29
1.2.1. Critérios que compõem a regra matriz de incidência tributária ............... 30
1.2.2. Base de Cálculo ...................................................................................... 33
1.2.3. Regra Matriz de Incidência do ICMS ...................................................... 37
1.3. Competência Administrativa Tributária e Incidência ...................................... 40
1.3.1. Teorias sobre a Incidência ...................................................................... 41
1.3.2. As formas de constituição da obrigação tributária .................................. 45
1.4. Isenção Tributária .......................................................................................... 51
1.4.1. Isenção Tributária como espécie do gênero Benefício Fiscal ................. 51
1.4.2. Teorias sobre a isenção .......................................................................... 52
1.4.3. Da interpretação da expressão “parcial” no conceito de isenção de Paulo
de Barros Carvalho ........................................................................................... 56
1.5. Redução da Base de Cálculo ......................................................................... 59
1.6. Considerações sobre os conceitos Redução da Base de Cálculo e sua
Equiparação a Isenção (parcial) ............................................................................ 62
CAPÍTULO 2 – CONVÊNIOS CONFAZ E A DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA
PREVISTA NO ART. 155, §2º, XII, "g" DA CF ......................................................... 64
2.1. Instituição dos Convênios CONFAZ ............................................................... 65
2.2. A exigência de unanimidade dos Estados ..................................................... 69
2.3. Convênios Impositivos, Autorizativos e a Delegação de Competência
Constitucional ........................................................................................................ 72
2.3.1. A dissociação entre a natureza autorizativa dos convênios e a
necessidade de sua implementação pelos Estados ......................................... 75
CAPÍTULO 3 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO USO DA EXPRESSÃO “REDUÇÃO
DA BASE DE CÁLCULO” NA CONSTITUIÇÃO E NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
.................................................................................................................................. 82
3.1. Origens da Guerra Fiscal do ICMS na Transição do IVC para o ICM com a
Emenda Constitucional nº 18 de 1965 e a Instituição do Princípio da Não
Cumulatividade ..................................................................................................... 82
3.2. Constituição Federal de 1967: confirmação do princípio da não
cumulatividade e manutenção do regramento geral do ICM ................................. 86
3.3. Emenda Constitucional nº 1 de 1969: a reação institucional para barrar a
concessão unilateral de isenções pelos Estados .................................................. 86
3.4. A Regulamentação dos Convênios pela Lei Complementar nº. 24 de 1975 .. 87
3.5. Reação do STF para impedir a ação dos Estados de exigir o cancelamento
dos créditos de operações beneficiadas com isenção, em defesa do princípio da
não cumulatividade ............................................................................................... 88
3.6. Pressão dos Estados para diminuir os prejuízos decorrentes das concessões
unilaterais de isenção que culminou com a Emenda Constitucional nº 23 de 1983
.............................................................................................................................. 88
3.7. Nova vitória dos Estados com a Constituição Federal de 1988 que estendeu a
restrição ao crédito também às operações anteriores à isenção ou não incidência
e a Inserção da Necessidade de Lei Específica para Concessão de Benefícios
Fiscais pela EC nº 3 de 1993 ................................................................................ 89
3.8. A origem dos conflitos dos casos Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina
e Santa Lúcia ........................................................................................................ 91
CAPÍTULO 4 – REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE ........................................................................................................... 92
4.1. Princípio da legalidade ................................................................................... 92
4.2. O uso da expressão “redução da base de cálculo” como violação ao princípio
da legalidade ......................................................................................................... 95
4.2.1. O uso da redução da base de cálculo como afronta à exigência de
estipulação de alíquotas do ICMS pelo Senado Federal .................................. 96
4.2.2. O uso da redução da base de cálculo como afronta à necessidade de lei
estadual para fixação de alíquotas ................................................................... 99
4.2.3. O uso da redução da base de cálculo como afronta à obrigatoriedade de
lei para concessão de isenção ........................................................................ 101
4.2.4. A redução de base de cálculo manteve-se ativa na função de afrontar a
legalidade, apesar da obrigatoriedade de celebração de convênios (LC 24/75)
........................................................................................................................ 102
4.2.5. Restrição ao aproveitamento de crédito introduzida pela EC nº 23/83
aumentou a importância da redução da base de cálculo para os Estados ..... 103
4.2.6. O uso da redução da base de cálculo manteve-se vantajoso, apesar da
exigência de lei específica introduzida pela EC nº 3 de 1993 ......................... 105
4.2.6.1. O termo “lei específica” na interpretação do STF ............................ 106
CAPÍTULO 5 - REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO DA NÃO
CUMULATIVIDADE ................................................................................................ 112
5.1. Princípio da não cumulatividade .................................................................. 112
5.2. A impossibilidade de restrição dos créditos decorrentes de redução da base
de cálculo ............................................................................................................ 117
5.3. O uso da expressão “redução da base de cálculo” como violação ao princípio
da não cumulatividade ........................................................................................ 119
5.3.1. Reação dos Estados frente às decisões do Supremo Tribunal Federal 121
5.3.2. Nova confirmação do princípio da não cumulatividade com o RE nº
161.031/MG (caso Camargo Soares) ............................................................. 122
5.3.3. Reação dos Estados culminando com o RE nº 174.478/RS (caso
Monsanto) ....................................................................................................... 123
CAPÍTULO 6 - REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO FEDERATIVO
................................................................................................................................ 125
6.1. Princípio federativo ...................................................................................... 125
6.2. O princípio federativo e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ...... 129
6.2.1. RMS nº 17949/ES: cobrança de tributo mais oneroso para operações
que destinassem mercadoria para fora do Estado .......................................... 129
6.2.2. ADI nº 349-6/DF: aumento da base de incidência dos produtos
destinados para fora do Estado. ..................................................................... 130
6.2.3. ADI nº 3.389/RJ: concessão de redução de base de cálculo pelo Estado
do Rio de Janeiro para mercadorias produzidas exclusivamente em seu
território ........................................................................................................... 131
6.2.4. ADI nº 3410/MG: concessão de redução de base de cálculo aliada à
exigência de antecipação do recolhimento do tributo como afronta ao art. 152
da CF .............................................................................................................. 133
6.2.5. RE nº 635.688/RS (caso Santa Lúcia): concessão de redução de base de
cálculo aliada à exigência de cancelamento dos créditos como afronta ao art.
152 da CF ....................................................................................................... 135
CAPÍTULO 7 – USO DA EXPRESSÃO REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO NA
JURISPRUDÊNCIA DO STF .................................................................................. 138
7.1. O uso da expressão redução da base de cálculo culminando em conflitos a
serem decididos pelos STF ................................................................................. 139
7.2. Caso Camargo Soares (RE nº 161.031/MG): Decisão paradigmática do
Ministro Marco Aurélio que diferenciava os conceitos de isenção e redução de
base de cálculo em defesa do princípio constitucional da não cumulatividade ... 141
7.3. Caso Monsanto (RE nº 174.478/SP): Decisão que superou a jurisprudência
anterior do Min. Marco Aurélio equiparando redução de base de cálculo ao
conceito de isenção parcial ................................................................................. 142
7.4. Caso Santa Catarina (ADI nº 2.320/SC): Decisão que manteve a equiparação
dos conceitos (“isenção” e “redução de base de cálculo”), mas não analisou a
abrangência do termo “legislação” empregado pelo art. 155, § 2º, II da CF ....... 145
7.5. Caso Santa Lúcia (RE nº 635.688/RS): consolidação em sede de repercussão
geral da equiparação dos conceitos de isenção e redução da base de cálculo,
porém restando abertas as indefinições sobre o tema ........................................ 148
7.6. Desafios do STF no tema da “Redução da Base de Cálculo” ...................... 152
7.7. A Proposta de Súmula Vinculante nº 69 do STF não sinaliza solução para o
problema da guerra fiscal .................................................................................... 153
CONCLUSÕES ....................................................................................................... 157
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 164
14
INTRODUÇÃO
A guerra fiscal do ICMS, desde sua origem, caracteriza-se pela existência
de conflitos que envolvem distorções de conceitos jurídicos pelos entes estatais que
mediante subterfúgios, buscam contornar os limites legais do ordenamento jurídico.
O foco deste trabalho é a análise das dimensões do uso da expressão
“redução da base de cálculo” como forma jurídica para os Estados oportunamente
exercitarem a guerra fiscal do ICMS, sem se submeter aos limites e efeitos
decorrentes das restrições legais impostas aos conceitos jurídicos de alíquota e
isenção. No processo de pesquisa, foram identificados quatros acórdãos do
Supremo Tribunal Federal que representam a evolução da jurisprudência sobre o
tema.
No RE nº 161.031/MG (caso Camargo Soares), o STF entendeu que os
conceitos de redução de base de cálculo e isenção (parcial) não se equiparam. Em
decorrência disso, a exceção ao princípio da não cumulatividade que proíbe o
aproveitamento de créditos nos casos de isenção (art. 155, §2º, II da CF), não
poderia ser aplicada aos casos de redução de base de cálculo, restando garantido,
então, o direito ao crédito do contribuinte.
O RE nº 174.478/SP (caso Monsanto) marcou a mudança de
entendimento do STF que passou a equiparar os conceitos de redução da base de
cálculo e isenção parcial. Assim, a aplicação do art. 155, §2º, II da CF passou a ser
possível, permitindo o cancelamento/estorno dos créditos nos casos de base de
cálculo reduzida.
Na ADI nº 2.320/SC (caso Santa Catarina), manteve-se a equiparação
dos conceitos, porém foi autorizada a manutenção dos créditos decorrentes das
operações com redução de base de cálculo, isto porque os ministros entenderam
que havia lei estadual permitindo esta manutenção, e apesar do art. 155, §2º, II da
CF determinar o estorno dos créditos, ressalva a hipótese de previsão em
“legislação” em contrário. Ocorre que neste acórdão não ficou claro se apenas lei
estadual poderia autorizar a manutenção dos créditos, ou se também convênio
entraria no conceito de “legislação”.
15
Finalmente, no RE nº 635.688/RS (caso Santa Lúcia), o STF, em sede de
repercussão geral, pacificou-se a equiparação dos conceitos de redução de base de
cálculo e isenção parcial. Entendeu que os convênios são meramente autorizativos e
concluiu que a falta de lei prevendo a manutenção dos créditos permite o seu
cancelamento.
Assim, verifica-se que os quatro casos revelam a intensão dos Estados
em contornar a restrição ao direito ao crédito prevista para os casos de isenção (art.
155, §2º, II da CF), por meio da utilização da redução da base de cálculo. E
posteriormente pretendem a equiparação desses conceitos judicialmente para
garantir o cancelamento dos créditos aumentando a arrecadação.
O uso da expressão “redução da base de cálculo” envolve problema de
competência tributária na medida em que se procura definir se os Estados possuem
autorização restringir o direito ao crédito nas hipóteses de base de cálculo reduzida.
No primeiro capítulo serão tratados, então, os conceitos fundamentais
ligados à competência: (i) a visão estática da competência legislativa tributária,
permitirá a compreensão sobre as limitações dos Estados no que diz respeito a
instituição e regulamentação do ICMS; (ii) a concretização da competência
legislativa, mediante a estrutura da regra-matriz de incidência, tratará da relação
entre a base de cálculo e alíquota e (iii) a realização da competência administrativa
pela via da incidência, possibilitará a demonstração da distinção entre os conceitos
de isenção e redução de base de cálculo.
No segundo capítulo serão tratados os problemas decorrentes da
delegação de competência aos convênios/CONFAZ que induziu o surgimento da
dualidade: (i) convênios autorizativos, que devolvem aos Estados a liberdade para
concederem ou não os benefícios por meio de suas legislações estaduais e (ii)
convênios impositivos, que mantém a competência do CONFAZ, determinando a
obrigatoriedade de todos os Estados instituírem benefícios fiscais.
No terceiro capítulo será traçada a evolução histórica da guerra fiscal
ressaltando as alterações legislativas realizadas ao longo dos anos com o objetivo
de fortalecer a Federação e solucionar o problema da guerra fiscal. Será visto, no
entanto, que estas alterações não foram bem-sucedidas, uma vez que os Estados
frequentemente desrespeitam os limites impostos a eles institucionalmente. Este
16
capítulo irá evidenciar o jogo de ação dos Estados para despistar as limitações
legais que lhe são impostas e reação institucional para conter estas ações.
Nos capítulos quatro, cinco e seis, será destacada a manipulação do
conceito de redução de base de cálculo pelos Estados como forma de evitar a
incidência dos limites impostos pelos princípios da legalidade, da não cumulatividade
e federativo.
Dessa forma, no quarto capítulo será demonstrado como o conceito
“redução da base de cálculo” surgiu para evitar a exigência de: (i) estipulação de
alíquotas do ICMS pelo Senado Federal; (ii) lei estadual para fixação de alíquotas; e
(iii) lei para concessão de isenção; em nítida afronta ao princípio da legalidade.
No quinto capítulo será demonstrada a violação ao princípio da não
cumulatividade, na medida em que a pretensão de equiparar o conceito de redução
de base de cálculo com o conceito de isenção (parcial) torna cumulativo o ICMS sem
autorização constitucional.
E no sexto capítulo se demonstrará a violação ao princípio federativo na
medida em que a utilização da redução de base de cálculo pelos Estados busca
contornar a proibição de distinção tributária em razão da origem do bem.
Já no último capítulo serão relatados os quatro acórdãos do STF (caso
Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia) envolvendo a concessão
de redução de base de cálculo, com o objetivo de destacar que a forma como a
redução da base de cálculo passou a ser utilizada pelos Estados fomenta a guerra
fiscal e transmite ao poder judiciário o dever de solucioná-la. No entanto, o que esta
pesquisa sinaliza é que os conflitos estão longe de terminar, pois a capacidade
institucional do STF resolver os problemas da guerra fiscal do ICMS é menor que o
interesse e a criatividade jurídica dos Estados.
Método
A pesquisa será desenvolvida por meio de uma análise sistemática do
ordenamento jurídico. Far-se-á uma análise da legislação pátria, bem como da
doutrina especializada (pesquisas bibliográficas e artigos publicados), além de
extensa pesquisa jurisprudencial realizada perante o Supremo Tribunal Federal.
17
Partiremos da premissa de que o conhecimento é redutor de
complexidades1 na medida em que visa tornar o objeto cognoscente menos
complexo. De acordo com a filosofia da linguagem, inaugurada por Ludwig
Wittgenstein, a linguagem é condição para que haja conhecimento, porquanto
somente ela revela o significado do objeto a ser conhecido que, por sua vez, verifica-
se no mundo da experiência2.
Ou seja, a mera apreensão das coisas pela experiência concreta não é
suficiente para que o conhecimento se solidifique, sendo imprescindível que os
dados, empiricamente recolhidos pelos sentidos do ser cognoscente, sejam
revestidos em linguagem.
O conhecimento científico pressupõe linguagem rigorosa, o que torna
necessário que o cientista opte por um método3 e delimite o objeto que pretende
conhecer (corte metodológico4). A depender do método adotado, diferentes serão as
regras aplicáveis às proposições resultantes da aproximação com o objeto.5
Dessa forma, o método aqui empregado será a análise linguística6 do
direito positivo. E sendo este (o direito positivo7) o objeto do presente estudo, tratar-
1 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método, São Paulo: Noeses, 2013, p. 7. 2 Não há, portanto, compreensão fora da linguagem. “Mediante a superação da dualidade sujeito-objeto, intermediado pela linguagem, esta deixa de ser terceiro elemento que serviria de instrumento ao conhecimento do mundo. Ao contrário. A linguagem, sob esta concepção, passa a ser responsável pela própria construção (conhecimento) do objeto que se pretende conhecer. O sujeito cognoscente do objeto é representado na linguagem e, a partir desta perspectiva, compreende o objeto a ser conhecido. Abandona-se a máxima metafísica da existência do objeto em si, ‘entificado’. Não há compreensão desvinculada da linguagem. Há, portanto, mudança de concepção em relação à possibilidade de se conhecer o ‘objeto em si’, enquanto ente.” PISCITELLI, Thatiane dos Santos. Os limites à interpretação das normas tributárias. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 23. 3 “(…) empregaremos o signo ‘método’ no sentido de caminho a ser percorrido pelo cientista para a justificação de suas asserções, ou seja, são os instrumentos utilizados pelo cientista para se aproximar (approach) do objeto (entendido o ‘objeto’ sempre em um sentido lingüístico).” MOUSSALLÉM, Tárek Moysés. Fontes do direito tribuário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 9. 4 “Corte metodológico é o ato lingüístico delineador da linguagem do objeto de estudo. Vale ressaltar que a aludida incisão ocorre mediante o processo de abstração, operação lingüística consistente em prescindir partes de um todo. Ademais, esta separação é medida arbitrária do sujeito cognoscente. Não se encontra sujeita a contestações. É pressuposto epistemológico.” MOUSSALLÉM, Tárek Moysés, Fontes do direito tribuário, p. 11. 5 Enunciados produzidos de acordo com um método não se relacionam com enunciados resultantes de outro. “Por ejemplo: ‘la concepción del mundo del señor Copérnico atenta contra las convicciones religiosas de nuestra comunidad’. Este enunciado no discute la veracidad o la falsidad de la teoría copernicana sino su valor moral de acuerdo com los presupuestos religiosos de una sociedad.” SCAVINO, Dardo. La filosofia actual: pensar sin certezas. Buenos Aires: Paidós, 2007, p. 67. 6 “A reviravolta lingüística do pensamento filosófico do século XX se centraliza, então, na tese
fundamental de que é impossível filosofar sobre algo sem filosofar sobre a linguagem, uma vez que
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se-á com especial atenção as normas jurídicas constitucionais e infraconstitucionais
que disciplinam a forma de concessão de benefícios fiscais. O objetivo é demonstrar
os problemas decorrentes do uso da expressão “redução da base de cálculo” (corte
metodológico) pelos Estados e os prejuízos causados a Federação com o aumento
dos casos de guerra fiscal.
Espera-se, então, que ao final da pesquisa, consiga-se demonstrar que a
utilização da expressão redução da base de cálculo não é proibida pelo
ordenamento jurídico pátrio, porém o seu emprego para conceder benefícios fiscais
no âmbito do ICMS, visa contornar as disposições constitucionais, legais e a
jurisprudência, trazendo insegurança jurídica aos contribuintes e aos Estados.
esta é o momento necessário constitutivo de todo e qualquer saber humano, de tal modo que a formulação de conhecimentos intersubjetivamente válidos exige reflexão sobre sua infra-estrutura lingüística.” OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 2006, p. 13. Neste contexto, Fabiana Del Padre Tomé assevera que: “(…) o fenômeno do conhecimento não se opera entre um sujeito cognoscente e um objeto da experiência, pois qualquer coisa do mundo lá fora só passa a ser suscetível de se conhecer quando apreendida pelo ser humano, que a constitui lingüisticamente. Conhecer não significa a apreensão mental de um objeto da existência concreta. Ao contrário, é o intelecto que produz os objetos que conhecemos.” A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2005, p. 2. 7 O direito positivo, para nós, é o conjunto de normas voltadas para a regulação das condutas humanas. Na lição de KELSEN: “o Direito (…) é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. (…) Dizemos que se dirigem intencionalmente à conduta de outrem não só quando, em conformidade com seu sentido, prescrevem (comandam) essa conduta, mas também quando a permitem e, especialmente, quando conferem o poder de realizar, isto é, quando a outrem é atribuído um determinado poder, especialmente o poder de ele próprio estabelecer normas”. Abrange, portanto, tanto as normas expedidas pelo Legislativo (leis), quanto aquelas expedidas pela Administração e pelo Judiciário. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 51.
19
CAPÍTULO 1 – CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Ser competente é estar habilitado a fazer algo. É poder jurídico de exercer
deliberação sobre dado campo material: atributo de agente prescrever conduta,
mediante exercício da atividade de produção normativa8. O uso da expressão
“redução da base de cálculo” aparece em vários planos do processo de
concretização da competência tributária: demarcação constitucional, definições de
lei complementar, edição de convênios, elaboração de lei estadual, respectiva
regulamentação, aplicação administrativa e solução dos conflitos decorrentes desse
processo através do Poder Judiciário.
O problema do abuso da expressão “redução de base de cálculo” teve
seu ápice com o recente julgamento do caso Santa Lúcia, em sede de repercussão
geral. Este e outros três casos (Camargo Soares, Monsanto e Santa Catarina)
apresentam problema comum ligado ao exercício da competência tributária: todos
discutem a possibilidade de equiparação dos conceitos de isenção e redução da
base de cálculo para fins de determinar se os Estados tem competência para
restringir o direito ao crédito nos casos de concessão de redução de base de
cálculo, com base na regra prevista no art. 155, §2º, II da Constituição Federal que
apenas permite a restrição nos casos de isenção ou não incidência.
O ordenamento jurídico brasileiro é composto por normas jurídicas9 que
organizadas sistematicamente orientam todo o seu funcionamento. Adota-se neste
trabalho o conceito de ordenamento como sinônimo ao de sistema10, consistindo,
8 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 76-112. 9 Paulo de Barros Carvalho distingue as normas jurídicas da seguinte forma: “(...) ‘normas jurídicas em sentido amplo’ para aludir aos conteúdos significativos das frases do direito posto, vale dizer, aos enunciados prescritivos, não enquanto manifestações empíricas do ordenamento, mas como significações que seriam construídas pelo intérprete. Ao mesmo tempo, a composição articulada dessas significações, de tal sorte que produza mensagens com sentido deôntico-jurídico completo, receberia o nome de ‘normas jurídicas em sentido estrito’” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 135- grifamos) 10 Há quem diferencie ordenamento e sistema, sendo este a forma elaborada, interpretada e organizada dos enunciados prescritivos e aquele, o texto bruto tal qual foi posto pelo legislador. Dessa forma, a ciência do direito alcançaria o status de sistema, mas o direito positivo não. No entanto, não se pode concordar com esta posição. Entende-se neste trabalho que direito positivo
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pois, em um conjunto de regras e princípios organizados de acordo com um
fundamento comum11.
As normas jurídicas que compõem esse sistema, segundo a
nomenclatura adotada por Paulo de Barros Carvalho12, dividem-se em normas de
conduta, que são aquelas que regulam as relações intersubjetivas, e normas de
estrutura, que regulam o modo de produção de outras normas13.
Interessa-nos, neste momento, a análise das normas de estrutura, nas
quais se destacam as normas de competência. São estas normas que garantem a
autonomia dos entes políticos, uma vez que cada um deles possui competências
delimitadas cuidadosa e exaustivamente pela Constituição Federal. Esta distribuição
minuciosa de competências configura reclamo impostergável do princípio
federativo14.
Geraldo Ataliba15 adverte que a república e a federação são os princípios
mais importantes do ordenamento, capazes de orientar a interpretação dos demais.
Sobre a relação existente entre eles, destaca:
também alcança o status de sistema, uma vez que, conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, “onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema”. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010, p. 171. 11 Geraldo Ataliba define sistema normativo da seguinte forma: “conjunto unitário e ordenado de normas, em função de uns tantos princípios fundamentais, reciprocamente harmônicos, coordenados em torno de um fundamento comum”. (Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 19) 12 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2010. 13 Esta classificação das normas jurídicas em normas de conduta e de estrutura não é precisa. Paulo de Barros Carvalho explica: “(...) a adoção desse sistema classificatório atende a certo padrão de operacionalidade com a experiência do sistema de normas, mas, como toda classificação, vai cedendo seu rigor, à proporção em que a investigação se aprofunda. O próprio Norberto Bobbio, que a utiliza fartamente, ao formalizar as chamadas ‘regras de estrutura’ não pôde evitar o reconhecimento ostensivo da tônica ‘conduta’, como destino finalístico de toda regulação normativa”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos da Incidência. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 43) Dessa forma, pode-se dizer que as regras de estrutura também acabam por regular comportamentos: tanto do sujeito que produzirá as novas normas, quanto daqueles que devem obediência às normas produzidas. A mesma relativização ocorre com as regras de conduta, que, assim como as de estrutura, também regulam a produção normativa, uma vez que a aplicação dessas normas de conduta (gerais e abstratas) ocorre por meio da produção de normas individuais e concretas, sendo apenas estas últimas, verdadeiras normas de conduta. (PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.77-78). 14 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 571/572. 15 “No Brasil os princípios mais importantes são os da Federação e da república”. (ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 37).
21
Tal como fixado o regime republicano, entre nós, a federação é uma forma necessária de sua realização: a autonomia dos Estados surge, já em 1891, como forma de expressão das exigências republicanas, entre nós. Como postulado pela mais lúcida doutrina, tudo o que puder ser feito pelos escalões intermediários haverá de ser de sua competência; tudo o que o povo puder fazer por si mesmo, a ele próprio incumbe. Aí está a demonstração da íntima relação entre república e federação16.
É importante observar que a guerra fiscal afeta diretamente o conceito de
Federação, por abalar a relação de cooperação entre os Estados, conforme
demonstra Ricardo Varsano17:
A guerra fiscal é, como o próprio nome indica, uma situação de conflito na Federação. O ente federado que ganha – quando, de fato, existe algum ganho – impõe, na maioria dos casos, uma perda a algum ou a alguns dos demais, posto que a guerra raramente é um jogo de soma positiva. O federalismo, que é uma relação de cooperação entre as unidades de governo, é abalado. Também a Federação – cara aos brasileiros a ponto de a Constituição conter cláusula pétrea que impede sua abolição - perde.
Dentre as principais características que distinguem o ordenamento
jurídico dos demais tipos de ordenamentos normativos encontram-se as normas de
competência (por exemplo, não parecem existir normas de competência nos
ordenamentos morais)18. Entende-se por competência a habilidade para praticar
atos cujo resultado seja a criação de normas válidas, ou seja, aptidão para provocar
alterações no ordenamento jurídico19.
Daniel Monteiro Peixoto, ao mencionar as três funções do Estado
brasileiro, a legislativa, a administrativa e a judiciária, ensina que a produção de
16 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 45. 17 VARSANO, Ricardo. Guerra fiscal do ICMS: quem ganha e quem perde. IPEA. Planejamento e Políticas Públicas, n. 15, junho de 1967, p.6 apud PEIXOTO, Daniel Monteiro. Federação, competência tributária e guerra fiscal entre Estados via ICMS. In SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1082-1083. 18 GUASTINI, Riccardo. Prólogo à obra de Beltran, Jordi Ferrer. Las normas de competência: um aspecto de la diámica jurídica. Madrid: Boletín Oficial del Estado, 2000 apud PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 76. 19 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Federação, competência tributária e guerra fiscal entre Estados via ICMS. In SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1084.
22
normas nestas esferas é regulada por normas de competência com características
peculiares:
As ‘normas de competência legislativa’ regulam a função legislativa na produção de normas, notadamente, abstratas e gerais; as ‘normas de competência administrativa’, a função administrativa na produção de normas, em sua maior parte, concretas e individuais; e as ‘normas de competência judiciária’, a função jurisdicional em que o Estado juiz produz normas com o propósito de resolver determinada situação litigiosa (podem ser concretas e individuais, no caso das sentenças condenatórias; ou mesmo abstratas e gerais, como no caso do controle concentrado de constitucionalidade pelo STF)20.
Assim, verifica-se que as normas produzidas legislativamente são
majoritariamente normas gerais e abstratas, as produzidas administrativamente,
individuais e concretas e as produzidas pela função jurisdicional, individuais e
concretas ou gerais e abstratas21.
Sobre a classificação das normas pela generalidade e abstração Paulo de
Barros Carvalho22 escreve:
Costuma-se referir a generalidade e a individualidade da norma ao quadro de seus destinatários: geral, aquela que se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número; individual, a que se volta a certo indivíduo ou a grupo identificado de pessoas. Já a abstração e a concretude dizem respeito ao modo como se toma o fato descrito no antecedente. A tipificação de um conjunto de fatos realiza uma previsão abstrata, ao passo que a conduta especificada no espaço e no tempo dá caráter concreto ao comando normativo.
Com base nos problemas de competência apresentados nos casos
Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia, interessa-nos estudar: (i)
a visão estática da competência legislativa tributária, que permitirá entender as
limitações dos Estados no que diz respeito a instituição e regulamentação do ICMS;
(ii) a concretização da competência legislativa, mediante a estrutura da regra-matriz
de incidência, em especial, o produto base de cálculo e alíquota do critério
20 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 76. 21 Trataremos com maiores detalhes sobre as normas produzidas pela função jurisdicional no capítulo 7 deste trabalho. 22 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 57-58.
23
quantitativo e (iii) a realização da competência administrativa pela via da incidência,
possibilitando a distinção dos conceitos de isenção e redução de base de cálculo.
1.1. Competência Legislativa Tributária
Dentre as competências atribuídas aos entes políticos, destaca-se a
competência legislativa tributária, que permitirá a arrecadação de recursos para o
desempenho das funções constitucionalmente outorgadas. Isto porque, sem
autonomia financeira, a independência e a isonomia entre os entes políticos
desaparecem.
Pode-se conceituar competência tributária como a aptidão das pessoas
políticas de direito público interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)
para criar tributos, descrevendo, legislativamente, as suas regras matrizes de
incidência.
Destaca Roque Antonio Carrazza23 que a Constituição Federal ao
discriminar as competências tributárias descreveu todos os critérios da regra matriz
de incidência dos tributos, cabendo ao legislador, ao exercer a sua competência, ser
fiel aos limites da norma traçada constitucionalmente.
Consequentemente, o ente competente para criar o tributo, também tem
poderes para aumentar ou diminuir a carga tributária, isentar24 e até simplesmente
não tributar.
Ocorre que esta competência legislativa outorgada aos entes políticos
não é ilimitada. Por afrontar diretamente o direito à propriedade e à liberdade dos
contribuintes, deve ser exercido com cautela, observando as limitações impostas
pela própria Constituição Federal.
Leciona Roque Antonio Carrazza que:
23 “Noutros termos, ela [Constituição Federal] apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 587). 24 “Em rigor, a competência para tributar e a competência para isentar são como o verso e o anverso de uma mesma moeda. Ou, dito de outro modo (menos metafórico), se só a lei pode validamente tributar, só a lei pode validamente isentar (esta, pelo menos, é a regra geral)”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 433).
24
(...) o tributo, de algum modo, esgarça o direito de propriedade. Ora, na medida em que o direito de propriedade é constitucionalmente protegido, o tributo só será válido se, também ele, deitar raízes na Constituição25
Os limites impostos pela Constituição ao exercício da competência
tributária estão presentes nas normas e princípios constitucionais, que implicam o
respeito aos amplos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes, com
destaque à norma que impede o uso do tributo com efeito de confisco (art. 150, IV),
bem como a que impede o estabelecimento de diferença tributária em razão da
procedência ou destino dos bens e serviços (art. 152). Assim, verifica-se a
submissão do Estado ao direito (Estado de Direito).
A nossa Carta Magna é exaustiva ao tratar de matéria tributária,
despendendo ao tema inúmeros artigos, na contramão do que ocorre com
Constituições estrangeiras que se limitam a descrever princípios gerais, em um ou
dois artigos, dando ao legislador ordinário ampla liberdade.
No Brasil, então, a Constituição deixou pouco espaço para o legislador
infraconstitucional no que diz respeito à matéria tributária, podendo ser classificada,
sob a perspectiva de sua intensidade e amplitude, como rígida. Sobre o assunto,
ensina Geraldo Ataliba:
O que ao nosso estudo interessa, das considerações formuladas, é estabelecer a validade científica da classificação dos diversos sistemas constitucionais tributários, em função da liberdade por eles concedidas ao legislador ordinário; é anotar que sua feição geral será – sob a perspectiva de sua intensidade e amplitude – rígida ou flexível, conforme se restrinja ao ditame de princípios genéricos, admitindo à lei participar da tarefa de moldar o sistema tributário, ou se estenda, direta e imediatamente, à modelagem do sistema, conferindo à lei simples função regulamentar.26
Dessa forma, ao criar, in concreto, os tributos os entes políticos devem
total obediência aos ditames constitucionais, sob pena de flagrante
inconstitucionalidade.
25 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 433. 26 ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 16.
25
No que diz respeito à distribuição de competência legislativa tributária às
pessoas políticas de direito público interno, é relevante para este trabalho a opção
da Constituição Federal em deixar a incumbência para a instituição do ICMS aos
Estados-membros.
Acredita-se que o principal motivo para a existência de conflito entre os
entes estatais, no que diz respeito ao ICMS, seja justamente a atribuição deste
tributo a competência dos Estados. Por trata-se de tributo sobre o consumo, a sua
abrangência extrapola os limites territoriais dos Estados, o que o fornece um caráter
nacional:
Desde o início, todavia, ficou claro que a regionalização do modelo brasileiro do imposto sobre o valor agregado, cuja vocação, na esmagadora maioria dos países, é nacional, continuaria a ser o grande obstáculo para um sistema tributário que objetivasse a justiça fiscal e o desenvolvimento nacional, em função das distorções
que provoca 27.
Ao redor do mundo, o imposto que faz às vezes do nosso ICMS é o IVA
(Imposto sobre o Valor Agregado), atualmente adotado em mais de 150 países28.
Dentre as suas principais características está a homogeneidade, amparada pela
existência de alíquotas uniformes e com poucas isenções29.
Dessa forma, o Brasil, ao contrariar a experiência mundial, e não instituir
um único tributo sobre o consumo, mas quatro (ICMS, ISS, IPI e PIS-COFINS) e em
diferentes esferas, possibilitou a ocorrência de conflitos de competência entre os
entes federados e também disputas horizontais (v.g. entre os Estados) pelo aumento
de arrecadação tributária que se denominou “guerra fiscal”.
27 CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra Fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2ª Ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. XIV. 28 COELHO, Isaías. Reforma do PIS-COFINS, sem chororô. JOTA, São Paulo, jun/2015. Disponível em http://jota.info/reforma-do-pis-cofins-sem-chororo. Acesso em 27 de setembro de 2015. 29 “Há duas gerações do IVA no mundo. Os IVAs antigos (VERSÃO 1.0 entre 1967 e 1980s), que eram repletos de isenção e muitas alíquotas; e os IVAs modernos (VERSÃO 2.0 após 1990) apresentam alíquotas uniformes e poucas isenções” SANTI, Eurico M. D. de. Em defesa de um IVA nacional versão 3.0 e o modelo mundial. JOTA, São Paulo, mai/2015. Disponível em: http://jota.info/em-defesa-de-um-iva-nacional-versao-3-0-e-modelo-mundial. Acesso em 27 de setembro de 2015.
26
1.1.1. Atributos da Competência Tributária
Roque Antonio Carrazza30 destaca seis características próprias da
competência, quais sejam: privatividade; indelegabilidade; incaducabilidade;
inalterabilidade; irrenunciabilidade e facultatividade de exercício.
A privatividade consiste na exclusão da competência das demais pessoas
políticas no que se refere a competência outorgada especificamente a um ente
federado. Paulo de Barros Carvalho31 entende que apenas a União possui
competência privativa, pois em situações excepcionais pode legislar sobre
materialidades originalmente previstas no campo de competência de outros entes
federados.
A indelegabilidade impede a transferência da competência outorgada a
determinado ente político a quem quer que seja, ainda que por meio de lei.
A incaducabilidade garante ao titular da competência tributária o direito de
instituir os tributos a qualquer tempo, impedindo a sua caducidade.
A inalterabilidade impede que a própria pessoa política titular da
competência amplie as suas dimensões. Apesar disto, Paulo de Barros Carvalho32
entende que é possível alterar a competência tributária por meio do poder
constituinte derivado.
A irrenunciabilidade proíbe que o ente político abdique unilateral e
definitivamente da competência que lhe foi atribuída.
E por fim, a facultatividade permite liberdade às pessoas políticas para
exercitar a competência tributária quando e da forma como pretenderem. No
entanto, no que diz respeito ao ICMS, a facultatividade não se aplica. Isto porque,
por força do art. 155, §2º, XII, “g” da CF o tributo deve ser obrigatoriamente
instituído.
30 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 590 e seguintes. 31 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 272. 32 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 272.
27
1.1.1.1 O ICMS como exceção ao atributo da facultatividade das
competências tributárias
Sabe-se que o ente competente para criar o tributo, também tem poderes
para conceder isenção, são duas faces da mesma moeda. Assim, a competência
constitucional para tributar, de que são dotados os entes federativos, os permite
certa liberdade de decisão política sobre a instituição ou não dos tributos a eles
discriminados (facultatividade), e uma vez instituídos é possível ainda que os
Estados concedam benefícios fiscais. Esta é a regra.
Com o ICMS, no entanto, a Constituição Federal/88 (desde a Emenda
Constitucional nº 1 de 1969) retirou-lhes tanto a liberdade de instituição, quanto a de
concessão de benefícios, tendo em vista o já mencionado caráter nacional do
imposto.
Sobre o assunto, ensina Roque Antonio Carrazza:
Pensamos que a única exceção a esta facultatividade – e ainda assim, em termos- é a que toca ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS), que os Estados e o Distrito Federal estão obrigados a instituir e arrecadar, em decorrência do que dispõe o art. 155, § 2º, XII, “g”, da CF: “Cabe à lei complementar: (...) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos ou revogados”33.34
Assim, ao delegar à lei complementar (e indiretamente aos convênios) a
competência para concessão de benefícios fiscais a Constituição Federal de 1988,
ao mesmo tempo em que limitou a possibilidade de concessão de isenção unilateral
pelos Estados, também os obrigou a instituí-lo e cobrá-lo.
33 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 771. 34 O autor ainda acrescenta: “Ainda assim, não vemos como compelir o Poder Legislativo de um Estado (ou do Distrito Federal) a criar o ICMS. O máximo que podemos aceitar é que as demais pessoas políticas competentes para criar este imposto podem bater às portas do Poder Judiciário (STF, ex vi do art. 102, I, “f”, da CF) e, lá, postular o ressarcimento dos prejuízos (sofridos ou iminentes) causados por tal omissão. (...)”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 772).
28
1.1.2. Conflitos de Competência no ICMS e a Delegação para o
CONFAZ editar Convênios
Não obstante a rígida repartição constitucional de competências há
situações em que a ocorrência do fato jurídico tributário permite uma margem de
dúvida sobre qual tributo deverá incidir no caso concreto, acarretando conflitos de
competência que envolvem todos os entes federativos. E muitas são as
possibilidades: temos conflitos entre IPTU (Municípios) e ITR (União); entre ICMS
(Estados e Distrito Federal) e ISS (Municípios) e também IPI (União); entre outros.
Assim, existem conflitos de competência entre Municípios, Estados,
Distrito Federal e União (conflitos verticais), mas não só, existem também conflitos
horizontais, como por exemplo, o conflito entre os próprios entes estaduais, que
brigam entre si na tentativa de aumentar a sua arrecadação, seja por concessão
unilateral de benefícios fiscais, seja pela glosa de créditos oriundos de operações
beneficiadas em outros Estados, entre outras situações. Passou-se a denominar tais
conflitos de “guerra fiscal”.
Daniel Monteiro Peixoto35 a define da seguinte forma:
‘Guerra fiscal’, na acepção construída pelos tribunais, imprensa e literatura especializada, é expressão que representa metaforicamente o esforço competitivo entre pessoas políticas para que a alocação de investimentos privados seja direcionada aos seus respectivos territórios.
Com o objetivo de evitar estes conflitos, a competência para a concessão
de isenções e não incidência em matéria de ICMS foi transferida dos Estados para
os convênios/CONFAZ, pela EC nº 1 de 1969, de modo que a concessão ficou
adstrita a deliberação conjunta de todos os entes estaduais, limitando a autonomia
destes entes.
No entanto, após esta delegação de competência aos
convênios/CONFAZ revelou-se uma pretensão dos Estados em reaver a autonomia
perdida, por meio da estratégia de tornar os convênios mecanismos meramente
35 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Federação, competência tributária e guerra fiscal entre Estados via ICMS. In SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1082-1083.
29
autorizativos, retirando a sua obrigatoriedade, de modo que apenas por meio da
edição de lei específica (estadual) seja possível a concessão de benefícios fiscais36.
Tal atitude fere frontalmente o atributo da indelegabilidade das
competências, uma vez que pretende indiretamente devolver a competência que foi
delegada ao CONFAZ de volta aos Estados.
Observe-se que essas situações apenas acontecem quando a concessão
de benefícios fiscais foi feita por convênio, demonstrando assim, que o problema da
guerra fiscal do ICMS não se limita às situações de concessão unilateral de
benefícios.
Assim, optou-se por estudar neste trabalho as situações de guerra fiscal
em que há celebração de convênios, objetivando demonstrar que o uso da
expressão redução da base de cálculo pelos Estados tem sido feito com o objetivo
de desrespeitar as legislações e jurisprudência, colocando os contribuintes em
situação de insegurança jurídica.
Estes casos possuem uma complexidade extra, uma vez que não se
tratam de casos típicos de guerra fiscal, nas quais há concessão de benefícios
unilateralmente pelos Estados, mas de benefícios concedidos com base em
convênios, demonstrando que mesmo se observando o disposto na LC 24/75 e na
CF/88 (art. 155, §2º, XII, “g”) ainda assim a situação conflituosa existente entre os
Estados e a insegurança jurídica do contribuinte não se resolvem.
1.2. Concretização da Competência Legislativa Tributária e a Estrutura
da Regra Matriz de Incidência
As decisões do STF nos casos Camargo Soares, Monsanto, Santa
Catarina e Santa Lúcia apresentam, em comum, também, problemas históricos
conectados com a regra-matriz de incidência tributária. O cerne do problema
encontra-se no critério quantitativo da norma tributária, uma vez que a relação direta
entre a alíquota e a base de cálculo permite que a alteração de uma equivalha à
36 Este assunto será tratado no segundo capítulo deste trabalho.
30
alteração da outra, isto é, ambas compõem o valor do tributo, logo, a alteração de
qualquer delas alterará o valor final a ser pago.
Esta relação entre os elementos do critério quantitativo possibilitou
inicialmente aos Estados manipular o conceito de redução da base de cálculo para
fugir das restrições impostas à alteração das alíquotas37, maneira mais usual de
alteração do valor do tributo. Posteriormente a redução da base de cálculo passou a
ser utilizada para fugir das restrições impostas à isenção (no art. 155, §2º, II da CF),
problema central nos casos julgados pelo STF.
1.2.1. Critérios que compõem a regra matriz de incidência tributária
As normas jurídicas38 possuem estrutura lógica de juízo hipotético, dessa
forma tem-se que a regra matriz de incidência de um tributo, assim como as demais
normas jurídicas, estrutura-se da seguinte forma: dada uma hipótese, deve ser uma
consequência.
A peculiaridade da norma jurídica tributária é que o fato abstratamente
previsto na sua hipótese dará ensejo a uma relação jurídica entre o Fisco e o
contribuinte, em que o primeiro tem o direito subjetivo de cobrar do segundo
determinada quantia (crédito), cuja contrapartida é o dever jurídico deste último de
cumpri-la (débito).39
A regra matriz de incidência consubstancia uma regra de comportamento
na medida em que regula a conduta que deverá assumir o sujeito passivo - devedor
da prestação fiscal - perante o sujeito ativo - titular do crédito tributário. Ela define a
incidência dos tributos. O seu estudo permite o melhor conhecimento do fenômeno
jurídico tributário, ao passo que possibilita uma análise minuciosa de seus critérios,
aprofundando a investigação sobre a legislação tributária.
37 Este assunto que será tratado no capítulo 4, item 4.2. 38 “’Norma Jurídica’ é a expressão mínima e irredutível (com o perdão do pleonasmo) de manifestação do deôntico, com o sentido completo”. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 627. 39 Como assevera Lourival Vilanova: “a norma jurídica, geral e abstrata (generalidade e abstrateza, que não é de todas as normas), não se realiza, i.e., não passa do nível conceptual para o domínio do real-social, sem o fato que lhe corresponde, como suporte fáctico de sua hipótese fáctica. Sem a fattispecie concreta correspectiva à fattispecie abstrata.” Causalidade e relação no direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 144.
31
Sua estrutura é dividida em antecedente e consequente, também
chamados de descritor e prescritor, respectivamente. O antecedente descreve todos
os critérios necessários para que se repute ocorrido o fato jurídico tributário40. Trata-
se de uma escolha do legislador, que dentre os inúmeros fatos do mundo social
elege aqueles que ostentem signos presuntivos de riqueza, passíveis de serem
tributados.
Para designar este antecedente, muitas denominações surgiram, dentre
elas a expressão fato gerador. Ocorre que esta expressão pode ser ambígua,
significando não só a descrição constante da norma geral e abstrata, como também
o fato verificado no mundo empírico que satisfaz os requisitos da norma abstrata.
Com efeito, Paulo de Barros Carvalho prefere denominar de forma distinta
estas situações, diferenciando o fato verificado no mundo empírico e a descrição
deste constante da norma geral e abstrata, evitando assim a ambiguidade do termo
fato gerador.
Para nominar-lhes, Geraldo Ataliba sugeriu “hipótese de incidência” e “fato imponível”, mas preferimos operar com “hipótese tributária” e “fato jurídico tributário”, assinalando que o importante é discernir as duas situações, evitando, com isso, a possível ambiguidade da expressão fato gerador.41
Assim, temos a hipótese tributária como a descrição normativa do evento
(situações ocorridas no mundo social que podem ser captadas pelos órgãos
sensoriais, mas que ainda não foram relatadas em linguagem) e fato jurídico
tributário como o relato linguístico da ocorrência deste evento, ou seja, o fato
concretamente realizado.
Já o consequente prescreve um vínculo abstrato entre sujeitos de direito,
resultando na formação da relação jurídica tributária, que já explicitamos tratar-se do
direito subjetivo do sujeito ativo de cobrar a quantia devida pelo sujeito passivo, que,
por sua vez, possui o dever jurídico de cumpri-la.
40 “Pontes de Miranda utilizou suporte fáctico para designar o fato bruto e o fato jurídico para referir-se àquela porção demarcada pelas notas da descrição hipotética. Acrescentemos que o fato bruto, o suporte físico, é plurilateral; o fato jurídico é que é, todo ele e exclusivamente, jurídico.” CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 155. 41 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 155.
32
Compõem o antecedente da regra matriz os critérios material, temporal e
espacial. E o consequente, os critérios pessoal e quantitativo.
Paulo de Barros Carvalho define os três primeiros critérios da seguinte
forma:
O critério material é o núcleo do conceito mencionado na hipótese normativa. Nele há referência a um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço e de tempo, de tal sorte que o isolamento desse critério, para fins cognoscitivos, é claro, antessupõe a abstração das condições de lugar e de momento estipuladas para a realização do evento. Já o critério espacial é o plexo de indicações, mesmo tácitas e latentes, que cumprem o objetivo de assinalar o lugar preciso em que a ação há de acontecer. O critério temporal, por fim, oferece elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante ocorre o fato descrito. (grifo nosso)42
No que se refere ao critério pessoal temos os sujeitos ativos e passivos,
sendo os primeiros, pessoas jurídicas de direito público ou privado que titularizem a
capacidade tributária ativa43. Já os sujeitos passivos são pessoas físicas ou
jurídicas, privadas ou públicas, sujeitas ao cumprimento da obrigação tributária.
Os sujeitos ativos estão definidos na Constituição Federal por meio da
repartição de competências tributárias, mas permite-se alteração através da
transferência da capacidade tributária ativa. Quanto ao sujeito passivo, cabe ao
legislador ordinário escolher aquele que arcará com o ônus fiscal, mas sempre
observando os limites constitucionais, uma vez que a Constituição determina os
sujeitos passivos possíveis, quais sejam os realizadores do fato jurídico tributário.
No critério quantitativo temos a base de cálculo como o seu aspecto
dimensível, mensurando a intensidade do comportamento descrito pelo legislador. E
a alíquota, complementando-a, na medida em que realiza com ela a determinação
42 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 156. 43 “No mais das vezes, a competência tributária e a capacidade tributária ativa acumulam-se numa mesma pessoa política. Logo, habitualmente, ocupa o pólo ativo da obrigação tributária a mesma pessoa política que, por haver exercitado a competência tributária, criou in abstracto o tributo. De fato, se dermos revista em nosso direito positivo, veremos que essa é a regra geral. (...).” (CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 156)
33
do valor do débito, possibilitando o controle do confisco, bem como da
extrafiscalidade.
Interessa para o presente trabalho estudar com maiores detalhes um dos
elementos do critério quantitativo da regra matriz de incidência, qual seja, a base de
cálculo.
1.2.2. Base de Cálculo
Ao discorrer sobre a base de cálculo, cumpre ressaltar a posição de
destaque que ela ocupa na teoria da glorificação do fato gerador que a considera
como o núcleo da hipótese de incidência, cabendo aos demais critérios a função de
complementa-la, conforme destaca Alfredo Augusto Becker44:
Resumindo, o aspecto atômico da hipótese de incidência da regra de tributação revela que em sua composição existe um núcleo e um, ou mais, elementos adjetivos. O núcleo é a base de cálculo e confere o gênero jurídico ao tributo.
Os elementos adjetivos são todos os demais elementos que integram a composição da hipótese de incidência. Os elementos adjetivos conferem a espécie àquele gênero jurídico de tributo. (grifo nosso)
Reconhece-se nesse trabalho que a base de cálculo possui papel
fundamental na norma jurídica tributária, porém colocá-la como elemento central é
subestimar a importância dos critérios constantes do descritor da regra matriz.
Assim, Paulo de Barros Carvalho reconhece sua importância, mas em
conjunto com os demais critérios, apontando a relevante ligação existente entre o
binômio hipótese normativa e a base de cálculo, que é o responsável por permitir a
identificação da natureza jurídica de cada tributo45.
A base de cálculo do tributo deve guardar correlação lógica com a
hipótese, dimensionando-a adequadamente. Assim, a natureza jurídica do tributo
44 Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Noeses, 2007, p. 347. 45 “(...) no direito tributário, o tipo tributário se acha integrado pela associação lógica e harmônica da hipótese de incidência e da base de cálculo. O binômio, adequadamente identificado, com revalar a natureza própria do tributo que investigamos, tem a excelsa virtude de nos proteger da linguagem imprecisa do legislador.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 61)
34
independerá do nome a ele atribuído, pois o que o distinguirá dos demais será a
relação hipótese de incidência/base de cálculo.
Com efeito, a base de cálculo apresenta uma enorme versatilidade, sendo
a análise do binômio supracitado apenas uma das suas três funções, a comparativa.
Somada a função comparativa, temos ainda a (i) mensuradora e (ii) a objetiva.
Passemos a sua análise.
A função mensuradora decorre da escolha do legislador ordinário, que ao
cumprir com a competência outorgada pela Constituição, deve dimensionar a
conduta prevista no verbo núcleo do tipo, delimitando a “fórmula numérica de
estipulação do conceito econômico do dever jurídico”46 que será cumprido pelo
sujeito passivo.
É neste momento que se determina qual será o atributo valorativo do fato
tributário (dentre os muitos existentes: valor da operação; valor venal; altura, volume,
ect) sobre o qual recairá a alíquota. Em outras palavras, é a base de cálculo que
possui a capacidade de medir a intensidade do fato.
A sua segunda função é a objetiva, ou seja, a função de demarcar o
conteúdo do objeto da obrigação tributária. Nesta função, observa-se que a base de
cálculo se equipara a alíquota, que juntas não representam “mais que números
justapostos que se preparam para um processo de cálculo matemático”47. Assim, ela
também compõe a específica determinação do valor do tributo.
A terceira função, comparativa, não mais se relaciona com o aspecto
unicamente numérico, mas sim com o caráter material do tributo. Ao permitir a
identificação da natureza jurídica de cada tributo tem-se na base de cálculo a
segurança procurada pelos intérpretes das normas, que podem com ela confirmar,
infirmar ou afirmar o critério material da hipótese tributária48.
46 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 401. 47 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 402. 48 A função comparativa da base de cálculo ajuda a eliminar a imprecisão existente nas redações legais, que por atecnia do legislador pode transformar um tributo em entidade difusa (v.g. um imposto revestido de taxa), o que é inadmissível. Tal situação é explicada por Paulo de Barros Carvalho da seguinte forma: “São bem comuns e muito conhecidas, entre nós, figuras de tributos cujos nomes sugerem realidades completamente distintas, mas que o legislador utiliza para burlar a rígida
35
Assim, a base de cálculo (i) confirma o critério material da regra matriz de
incidência tributária quando a grandeza eleita e a hipótese prevista pelo legislador
estiverem em sintonia; (ii) infirma, quando forem incompatíveis e (iii) afirma, quando
a formulação do dispositivo legal suscitar dúvidas.
Cumpre ainda destacar que diante de incompatibilidade entre a base de
cálculo e o critério material eleito pelo legislador deve prevalecer a base de cálculo,
para fins de se detectar a natureza da exação tributária, conforme demonstra a sua
característica “infirmadora”. No entanto, constatado que o desencontro entre a
hipótese e a base de cálculo desconfigura a natureza jurídica do tributo criado, e a
nova configuração acarreta inconstitucionalidades, ele não poderá subsistir, uma vez
que estará burlando a rígida repartição de competência tributária prevista
constitucionalmente49.
Ainda sobre as funções da base de cálculo Aires Barreto50 confirma o
acima descrito e acrescenta uma quarta função, a de determinar a capacidade
contributiva:
Presta-se a base de cálculo a: a) servir como elemento de mensuração do critério material do suposto normativo; b) permitir a determinação da base calculada, pela conjugação do critério dimensional (base de cálculo) com a alíquota; c) afirmar, confirmar ou infirmar – como destaca proficientemente Paulo de Barros Carvalho – o critério material. Em outras palavras, a possibilitar a precisa investigação da natureza jurídica do tributo criado; d) determinar a presença de capacidade contributiva.
Com efeito, a mesma relação existente entre a base de cálculo e a
hipótese tributária, que nos permite identificar a natureza jurídica do tributo, deve ser
observada para efeito de obediência ao princípio da capacidade contributiva. Assim,
discriminação das competências impositivas” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 60). 49 “Vem ao encontro desta ideia de unicidade, o art. 154, I, da Constituição Federal, que ao autorizar a União a criar novos impostos, proibiu tivessem ‘fato gerador e base de cálculo próprios’ dos discriminados nos arts. 153, 155 e 156, deste mesmo Diploma. Com isso, sinalizou nitidamente que a hipótese de incidência e a base de cálculo são realidades jurídicas distintas, que sob pena de inconstitucionalidade, devem estar em perfeita sintonia”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p.170) 50 Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª ed. revisada. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 115-116.
36
caso a base de cálculo não reflita a grandeza prevista na hipótese, a capacidade
contributiva do sujeito passivo restará violada.
A versatilidade da base de cálculo fica ainda mais latente quando a
observámos sobre duas perspectivas diversas, distinguindo-a em (i) base de cálculo
normativa e (ii) base de cálculo fática. Esta consiste na versão concreta daquela51.
Ou seja, a sua previsão em abstrato pela lei configura a base de cálculo normativa,
já o seu resultado, apurado por ocasião do lançamento, expresso em moeda,
corresponde à base de cálculo fática.
A esta mesma dualidade, Aires Barreto denomina de base de cálculo e
base calculada, explicando o fenômeno da seguinte forma:
A subsunção dos fatos tributários à norma é objeto de formalização através do ato do lançamento, e com observância ao tipo fechado, que já elegeu a base de cálculo. A administração, a partir daí, procede à investigação e avaliação dos fatos, transformando a base de cálculo (conceito ou critério legal) em base calculada. Sobre ela aplica a alíquota devida, na forma da lei, obtendo o tributo a ser carreado aos cofres públicos52.
Este autor defende ainda que apenas há necessidade de lei para a
alteração da base de cálculo (normativa), estando dispensada deste requisito a
alteração da base calculada (base de cálculo fática) 53. Explica: “o critério de
51 A base de cálculo nunca vem determinada no plano normativo. Lá teremos só uma referência abstrata – o valor da operação, o valor venal do imóvel ect. É com a norma individual do ato administrativo do lançamento que o agente público, aplicando a lei ao caso concreto, individualiza o valor, chegando a uma quantia líquida e certa – a base de cálculo fáctica. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 406) 52 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª ed. revisada. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.126. 53 A discussão a respeito da possibilidade de alteração da planta de valores do IPTU por meio de decreto é outro exemplo que envolve a discussão sobre a dualidade base de cálculo/base calculada. Sem diferenciá-las, o STF (RE 648245) pacificou entendimento no sentido de que a alteração da planta de valores do IPTU equivale à majoração da base de cálculo do IPTU, por implicar aumento de tributo, e por isso, está adstrita à existência de lei em sentido formal, conforme determina o princípio da legalidade, preconizado no art. 150, I, da Constituição e no art. 97 do Código Tributário Nacional. Aires Barreto critica tal posicionamento, justamente por ignorar a dualidade inerente à base de cálculo. Afirma que a criação de tributo e sua majoração só podem ser feitas por meio de lei, entendendo-se por criação, a definição dos aspectos da regra matriz, inclusive a base de cálculo e alíquota e por majoração, a alteração do critério legal da base de cálculo (normativa). Assim, não se inclui nestas definições a base de cálculo fática, chamada por ele de base calculada. (BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª ed. revisada. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.147)
37
decisão, ínsito aos casos de reserva de lei formal, se esgota no definir a base de
cálculo e jamais pode estender-se a base calculada”54.
São todas essas características peculiares (capacidade para detectar a
natureza jurídica da exação tributária - função comparativa - e para compor o valor
do tributo em conjunto com a alíquota – função objetiva) que dão à base de cálculo
um papel de destaque, não só na regra matriz de incidência, mas também na
disputa existente entre os Estados na busca por maior arrecadação em seus
territórios, situação que delimita os contornos da guerra fiscal do ICMS.
1.2.3. Regra Matriz de Incidência do ICMS
A partir do conhecimento das características básicas da regra matriz do
ICMS é possível entender com maior facilidade a lógica da guerra fiscal através da
concessão de redução de base de cálculo deste tributo.
A sigla ICMS esconde pelo menos cinco diferentes impostos, isto porque
é possível identificar cinco diferentes hipóteses de incidência e bases de cálculo.
Roque Antonio Carrazza55 as descreve da seguinte forma:
a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que compreende o que nasce da entrada, na Unidade Federada, de mercadorias ou bens importados do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre a extração, circulação e distribuição ou consumo de minerais.
Interessa para este estudo a descrição dos critérios da hipótese de
incidência do primeiro imposto, que denominaremos de ICMS - operações mercantis.
O critério material corresponde à realização de operações relativas à
circulação de mercadorias. Da análise desse critério é possível chegar a duas
conclusões: (i) a operação deve ser sobre uma circulação de mercadoria e ainda,
54 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª ed. revisada. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.148. 55 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17ª ed revista e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 42-43.
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deve ser onerosa, ou seja, é necessária a existência de negócio jurídico mercantil
entre alienante e adquirente; e (ii) a circulação deve ser jurídica (e não meramente
física), o que significa dizer que é necessária a alteração de titularidade da
mercadoria.
O critério espacial é o território do Estado ou Distrito Federal, nos limites
do território nacional. Já o critério temporal é o momento da saída da mercadoria do
estabelecimento comercial.
No que diz respeito ao critério pessoal, temos como sujeito ativo os
Estados-membros e o Distrito Federal e como sujeito passivo, o comerciante que
praticou a operação de circulação de mercadoria.
E por fim, no critério quantitativo, tem-se a base de cálculo como o valor
da operação de circulação da mercadoria, e a alíquota como uma variável a ser
estabelecida em legislação competente. Cabe, neste momento, especificá-la (a
alíquota) com maior concretude, demonstrando as legislações que a regulam.
O art. 155, §2º, IV da CF/88 prevê a competência do Senado Federal, por
meio de resolução, para estabelecer as alíquotas aplicáveis às operações
interestaduais. Assim, atualmente é a Resolução nº 22 de 198956 que determina as
alíquotas de ICMS a serem aplicadas nessas operações: (i) regra geral, alíquota de
12% e (ii) nas operações realizadas nas regiões Sul e Sudeste, destinadas às
Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, alíquota de
7%.
56 RESOLUÇÃO N° 22, DE 1989 . Estabelece alíquotas do Imposto sobre Operações Relativas a circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais. Art. 1° A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento. Parágrafo único. Nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão: I - em 1989, oito por cento; II - a partir de 1990, sete por cento. Art. 2° A alíquota do imposto de que trata o art. 1°, nas operações de exportação para o exterior, será de treze por cento. Art. 3° Esta Resolução entra em vigor em 1° de junho de 1989. Senado Federal, 19 de maio de 1989. SENADOR IRAM SARAIVA 1° Vice-Presidente, no exercício da Presidência.
39
E no que diz respeito às alíquotas internas, a Constituição57 apenas
faculta ao Senado a previsão de alíquotas máximas e mínimas, competência que
nunca foi exercida. Assim, cabe a cada Estado estabelecer a alíquota que será
aplicada em seu território. Estas alíquotas não podem ser inferiores às previstas
para as operações interestaduais58 e em regra variam entre 17% e 18%, a depender
do Estado e do tipo de mercadoria.
Será demonstrado no capítulo 4, item 4.2, como a competência do
senado e as demais regras para alteração de alíquotas influenciaram a concessão
de redução da base de cálculo.
A Constituição Federal de 1988 determina ainda a obediência a dois
princípios específicos do ICMS: da seletividade e da não cumulatividade. O primeiro
indica que este tributo deverá ser seletivo, em função da essencialidade das
mercadorias. Tal princípio existe para possibilitar a determinação da capacidade
econômica do sujeito que irá efetivamente arcar com o ônus do tributo.
Deverá também ser não cumulativo, compensando-se o que for devido
em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. Este princípio se realiza
por meio do mecanismo de compensação de créditos e débitos. Discorremos sobre
o princípio da não cumulatividade no capítulo 5, demonstrando o seu papel
fundamental para manter a neutralidade do tributo.
Existe ainda, a delegação de competência à lei complementar para dispor
sobre determinados assuntos em matéria de ICMS, dentre eles encontra-se o
regime de compensação do imposto e a forma de deliberação dos Estados e Distrito
Federal para concederem e revogarem benefícios fiscais.
Coube à Lei Complementar nº 24/1975 disciplinar sobre a concessão dos
benefícios fiscais e à Lei Complementar nº 86/1996 dispor sobre o seu regime de
compensação. Antes da edição desta última lei, vigorava o Convênio 66/88, que
57Art. 155, §2º, V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; 58Art. 155, §2º VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;
40
dispunha, em caráter excepcional59, sobre as normas gerais do imposto, até que a
lei complementar competente fosse elaborada.
1.3. Competência Administrativa Tributária e Incidência
A Constituição Federal ao outorgar aos entes políticos a competência
para instituir tributos, discriminou todos os critérios da regra matriz, ainda que
implicitamente60. Assim, a criação do tributo in abstracto deve obrigatoriamente
observar todos os parâmetros traçados constitucionalmente, sem os quais a sua
incidência não se fará possível.
Observou-se ainda que uma das características das competências
tributárias é a facultatividade do seu exercício, que permite ao ente federado a
opção para usufruir da competência que lhe foi atribuída ou não. Caso se opte por
não a utilizar, total ou parcialmente, estar-se-á diante de um caso de não incidência.
José Souto Maior Borges61 identifica dois tipos de não incidência, a
chamada pura e simples e a qualificada:
I) pura e simples, a que se refere a fatos inteiramente estranhos à regra jurídica de tributação, a circunstâncias que se colocam fora da competência do ente tributante;
II) qualificada, dividida em duas subespécies: a) não-incidência por determinação constitucional ou imunidade tributária; b) não-incidência decorrente de lei ordinária – a regra jurídica da isenção (total)
Com efeito, uma vez feito uso da competência, institui-se o tributo,
cabendo-nos, então, verificar de que forma e em que momento a sua incidência
ocorrerá.
59 ADCT. Art. 34, § 8º Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, "b", os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria. 60 “Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 587.) 61Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 155.
41
Pressupõe-se aqui62 que a incidência constitui um ato de juridicização de
fatos, acarretando no estabelecimento de relações jurídicas, em outras palavras, é
apenas por meio dela que um fato ingressa no ordenamento jurídico, submetendo-se
aos efeitos previstos nas normas jurídicas.
Com base nesse conceito a doutrina diverge sobre o momento de sua
ocorrência, sendo duas as principiais correntes sobre o assunto: a que entende
tratar-se de uma operação que acontece de forma automática e infalível e a que
atribui ao fenômeno a necessidade de intervenção humana. Ambas contam com o
apoio de juristas renomados e por isso merecem ser destacadas.
1.3.1. Teorias sobre a Incidência
Para Pontes de Miranda, expoente da primeira corrente, um fato se torna
jurídico após incidir sobre ele uma regra jurídica63. A divergência com a segunda
corrente irá ocorrer quanto ao tempo da incidência, entendendo referido autor que
ela se concretizará com o simples acontecimento dos fatos, de forma automática e
infalível, sendo possível distinguir dois momentos: o da incidência e o da aplicação.
Incidência é eficácia; porém eficácia não é só incidência. A incidência distingue-se da aplicabilidade; egos negócios jurídicos a serão regidos, desde 12, pela lei A, mas a justiça só aplicará a lei A, no ano próximo. A aplicação, aí, está suspensa sem que o esteja a incidência.64
62 “Com base nas distinções feitas por esses autores [Paulo de Barros Carvalho e Marcelo Neves], é possível afirmar, em princípio, que ao dizer que a norma produziu efeitos (incidiu), queremos significar que: (i) juridicizou um fato, o qual, por sua vez, desencadeou os efeitos previstos no seu consequente; ou (ii) foi cumprida voluntariamente (observância) ou imposta (executada). Como se verá a seguir, as duas principais teorias a respeito da incidência normativa defendem que este fenômeno equivale à situação descrita no item (i), ou seja, juridicização de fatos e consequente instalação da relação jurídica correspondente. (...)” (FIGUEIREDO, Marina Vieira de. Lançamento Tributário: revisão e seus efeitos. São Paulo: Noeses, 2014, p. 41) 63 “Para que os fatos sejam jurídicos, é preciso que regras jurídicas — isto é, normas abstratas — incidam sobre eles, desçam e encontrem os fatos, colorindo-os, fazendo-os ‘jurídicos’”. (Tratado de direito privado. Tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970) 64 Tratado de direito privado. Tomo I. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970.
42
Inúmeros juristas também adotam este posicionamento, dentre eles,
Alfredo Augusto Becker65 que descreve o fenômeno da incidência, da seguinte
forma:
(...) com o acontecer dos fatos, vão se realizando (existindo no presente e no pretérito), um a um, os elementos previstos na composição da hipótese de incidência, quando ‘todos’ os elementos se realizaram (existem no presente e no pretérito), a hipótese de incidência realizou-se e, então, automaticamente (imediata, instantânea e infalivelmente) aquele instrumento entra em ‘dinâmica’ e projeta uma descarga (incidência) de energia eletromagnética (juridicidade) sobre a hipótese de incidência realizada.
De outro lado, encontram-se aqueles que defendem a incidência como
um fenômeno que depende de ação humana (por meio do relato em linguagem),
jamais ocorrendo de forma automática.
Ferrenho defensor dessa tese, Paulo de Barros Carvalho, é adepto da
filosofia da linguagem, adotando os ensinamentos de Vilém Flusser no sentido de
que a “língua é, forma, cria e propaga a realidade”66. Transportando para o campo
do direito pode-se dizer que a linguagem do direito positivo67 cria a realidade
jurídica68.
Pode-se concluir, então, que todo o processo de criação do direito é feito
por meio da linguagem, aí incluído o processo de produção das normas jurídicas
gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas e individuais e
concretas69.
65 Teoria Geral do Direito Tributário. São Paulo: Saraiva. 1972, p. 279. 66 FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 2ª edição. São Paulo: Annablume, 2004 apud CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 177. 67 Expressão utilizada na forma mais ampla, abrangendo, portanto, tanto as normas expedidas pelo Legislativo (leis), quando aquelas expedidas pela Administração e pelo Judiciário, conforme mencionado na introdução deste trabalho. 68 Digamos, então, que sobre essa linguagem (a social) incide a linguagem prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e condutas, valoradas com o sinal positivo da licitude e negativo da ilicitude. A partir daí, aparece o direito como sobrelinguagem, ou linguagem de sobrenível, cortando a realidade social com a incisão profunda da juridicidade. Ora, como toda a linguagem é redutora do mundo sobre o qual incide, a sobrelinguagem do direito positivo vem separar, no domínio do real-social, o setor juridicizado do setor não juridicizado, vem desenhar, enfim, o território da facticidade jurídica. (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos da Incidência. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 35) 69 “Costuma-se referir a generalidade e a individualidade da norma ao quadro de seus destinatários: geral, aquela que se dirige a um conjunto de sujeitos indeterminados quanto ao número; individual, a que se volta a certo indivíduo ou a grupo identificado de pessoas. Já a abstração e a concretude
43
Ocorre que, mesmo após a criação da norma geral e abstrata os
comportamentos intersubjetivos70 não se encontram diretamente regulados, faltando
ainda uma maior concretude e individualidade. Assim ocorre o chamado “processo
de positivação”71, em que as normas gerais e abstratas fundamentam a produção de
normas individuais e concretas, regulando as condutas intersubjetivas, por meio da
prescrição de direitos e deveres.
E como também a criação dessa norma individual e concreta depende de
linguagem, ela deve ser feita obrigatoriamente por um agente competente para
realizar esta subsunção, que constituirá o fato jurídico tributário e a correspondente
obrigação, como explica Roque Carrazza72:
Note-se que, no preciso instante em que um fato se ajusta a uma hipótese de incidência tributária, o tributo nasce no mundo real, mas ainda não ingressa no mundo jurídico. Para que isso aconteça, é imprescindível a intervenção do agente fiscal competente, que fará a subsunção e, com ela, desencadeará a incidência da norma jurídica tributária. Aí, sim, o tributo nasce também perante o Direito.
Observe-se que é apenas com a edição dessa norma (individual e
concreta) que o comando geral e abstrato atinge o seu inteiro teor de juridicidade73.
Mas para que isso ocorra é necessário o exato enquadramento do fato à norma, em
respeito ao princípio da tipicidade.
Neste trabalho, optou-se por adotar o posicionamento sobre a
imprescindibilidade do relato em linguagem competente74 dos fatos para que estes
dizem respeito ao modo como se toma o fato descrito no antecedente.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 57-58). 70 “O direito positivo se exprime com locuções como “estar facultado a fazer ou omitir”, “estar obrigado a fazer ou omitir”, “estar impedido de fazer ou omitir”. E tais locuções não descrevem como factualmente o sujeito agente se comporta, mas como deve comportar-se.” (VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005, p. 68). 71 “Esse caminho, em que o direito parte de concepções abrangentes, mais distantes, para se aproximar da região material das condutas intersubjetivas, ou, na terminologia própria, iniciando-se por normas jurídicas gerais e abstratas, para chegar às individuais e concretas, e que é conhecido por ‘processo de positivação’, deve ser necessariamente percorrido, a fim de que o sistema alimente suas expectativas de regulação efetiva dos comportamentos sociais. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 436. 72 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Noeses, 2010, p. 32. 73 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 436. 74 “É que muitas vezes, o direito posto não se satisfaz com a linguagem ordinária que utilizamos em nossas comunicações corriqueiras: exige uma forma especial, fazendo adicionar declarações perante autoridades determinadas, requerendo a presença de testemunhas e outros requisitos mais.
44
se constituam juridicamente, ou seja, é imprescindível que o relato linguístico seja
feito de acordo com a forma prevista em lei.
Assim, a ocorrência de um fato previsto no antecedente da regra matriz
de incidência, com o respectivo relato em linguagem competente, instaura uma
relação jurídica de cunho patrimonial que denominamos obrigação tributária.
É neste exato instante, da instauração dessa relação jurídico-tributária,
que nasce para o Fisco o direito de cobrar determinada quantia do particular –
crédito tributário75. Defendendo este posicionamento Paulo de Barros Carvalho
ensina:
Nasce o crédito tributário no exato instante em que irrompe o laço obrigacional, isto é, ao acontecer, no espaço físico exterior em que se dão as condutas inter-humanas, aquele evento hipoteticamente descrito no suposto da regra-matriz de incidência tributária, mas desde que relatado em linguagem competente para identificá-lo.76
Assim, pode-se observar que a fenomenologia da incidência tributária,
pressupõe dois mecanismos: o da subsunção e da implicação. A subsunção
relaciona-se com o fenômeno da inclusão de classes, no qual “uma ocorrência
concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica
unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral
e abstrata”. A implicação, por sua vez, pressupõe que “o antecedente implica a tese,
vale dizer, o fato concreto, ocorrido hic et nunc, faz surgir uma relação jurídica
também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito” 77.
Justamente o que sucede no caso do nascimento. A linguagem do direito não aceita as comunicações que os pais fazem aos vizinhos, amigos e parentes. Impõe, para que o fato se dê por ocorrido juridicamente, um procedimento específico. Eis a linguagem do direito positivo (Ldp) incidindo sobre a linguagem da realidade social (Lrs) para produzir uma unidade na linguagem da facticidade jurídica (Lfj)”. CARVALHO, Paulo de Barros Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 426. 75 “Definimos crédito tributário como o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em dinheiro.” CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 430. 76 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 431. 77 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 483.
45
Em outras palavras, não é possível diferenciar incidência de aplicação
que ocorrem sempre no mesmo momento, após um ato humano realizar a
subsunção do fato a norma, implicando no nascimento da obrigação tributária.
1.3.2. As formas de constituição da obrigação tributária
A incidência tributária ocorre por meio da edição de uma norma individual
e concreta, que faz nascer a obrigação tributária. Mas que norma é essa? Quem é o
sujeito competente para instituí-la?
Alguns autores defendem que apenas a Administração Tributária tem
competência para constituir o crédito tributário, e este ato seria feito,
exclusivamente, por meio do lançamento, conforme determina o art. 142 do Código
Tributário Nacional. Diante disso, surge divergência no que diz respeito a
modalidade do lançamento por homologação, uma vez que nele todos os atos são
praticados pelo contribuinte, cabendo à Administração apenas a posterior
homologação desses atos.
O Código Tributário Nacional, no capítulo referente à “Constituição do
Crédito Tributário”, define Lançamento Tributário, nos termos do art. 142:
Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. (grifo nosso)
Paulo de Barros Carvalho afirma que “’lançamento’ é palavra que padece
do problema semântico da ambiguidade, do tipo, ‘processo/produto’, como tantas
outras nos discursos prescritivo e descritivo do direito”78.
As definições79 encontram fundamento justamente na necessidade de
afastar a ambiguidade e vagueza dos termos que se pretende estudar, a fim de
78 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 445.
46
produzir um texto preciso e coerente, livre de possíveis contradições. Este é o
propósito da definição: explicar e aclarar o significado das palavras.
Entende-se que um termo é vago “quando seu possível campo de
referência é indefinido”80. É preciso considerar o contexto em que o termo está
inserido para eliminar com propriedade sua vagueza e eventual ambiguidade,
escolhendo o conceito adequado para a situação contextual em questão.
Seguindo esta linha de raciocínio, ensina Eurico Marcos Diniz de Santi:
“definir o vocábulo ‘lançamento’ como utilizado no Código Tributário Nacional implica
considerar sua significação, ante o contexto frásico e textual, em cada uma de suas
aparições”81.
O Código Tributário Nacional ora define lançamento como um
procedimento administrativo (art. 142), ora se reporta ao lançamento como um ato
(art. 150, caput82).
Trata-se de um problema que cabe aos cientistas do direito solucionar83,
uma vez que a plurivocidade que atinge a linguagem do direito positivo, não deve
ser transferida à linguagem técnica da Ciência do Direito84.
Paulo de Barros Carvalho diferencia procedimento de ato da seguinte
forma:
Como providência epistemológica de bom alcance, podemos tomar ‘procedimento’ como atividade, como processo de preparação, e ‘ato’ como o produto final, composto por enunciados de teor prescritivo, consubstanciados num documento que passa a integrar o sistema do direito positivo85
79 “As definições jurídicas explícitas não perseguem uma finalidade primordialmente teórica, mas fundamentalmente prática: seu fim essencial consiste em facilitar a interpretação e aplicação das normas que integram cada sistema do direito”. MAYNES, Eduardo Garcia. Lógica del concepto jurídico. México: Fondo de Cultura Econômica, 1995, p. 77. 80 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 2007, p. 234. 81 Lançamento Tributário. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.107. 82 Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. (grifo nosso) 83 Fazer ciência para Luiz Alberto Warat “é transformar um sistema de conceitos lexicográficos em um sistema de conceitos emergentes de um conjunto de estipulações precisas”. WARAT, Luiz Alberto. O direito e sua linguagem. Porto Alegre: Fabris, 1984, p. 57. 84 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.108. 85 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 450.
47
A divergência doutrinária acerca deste tema é grande.
Rubens Gomes de Souza86 afirma que lançamento pode ser tanto ato
como procedimento. Já Alfredo Augusto Becker87 entende que lançamento se trata
de um procedimento administrativo. E Amilcar Araújo Falcão88 acolhe a tese do
lançamento como ato administrativo.
Paulo de Barros Carvalho também entende lançamento tributário como
ato administrativo, mas ressalta que “se nos detivermos na concepção de que ato é,
sempre, o resultado de um procedimento e que tanto ato quanto procedimento hão
de estar, invariavelmente, previstos em normas do direito posto, torna-se intuitivo
concluir que norma, procedimento e ato são momentos significativos de uma e
somente uma realidade”89.
Dessa forma, conclui-se que para solucionar o problema semântico do
termo “lançamento”, é fundamental analisar cada contexto para determinar, em
função dele, qual conceito se objetivou empregar.
Ou seja, são válidas quaisquer das acepções em que o termo lançamento
é empregado: norma, ato ou procedimento. “a prevalência de qualquer das três
acepções dependerá do interesse protocolar de quem se ocupe do assunto”90.
Assim, para designar lançamento tributário91 como resultado da atividade
desenvolvida no curso do procedimento, utilizaremos o conceito dado por Paulo de
Barros Carvalho, que o define como:
Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na
86 “O lançamento pode portanto ser definido como ato ou serie de atos de administração vinculada e obrigatória que tem como fim a constatação e a valoração qualitativa e quantitativa das situações que a lei define como pressupostos da incidência; e como consequência, a criação da obrigação tributária em sentido formal.” Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 102. 87 “O lançamento (‘acertamento’) tributário consiste na série de atos psicológicos e materiais ou jurídicos praticados pelo sujeito passivo (contribuinte), ou pelo sujeito ativo (Estado) da relação jurídica tributária, ou por ambos, ou por um terceiro [...]”. Teoria geral do direito tributário, São Paulo: Lejus, 2002, p. 359. 88 “Ato declaratório, o lançamento não cria a obrigação tributária”. Fato Gerador da Obrigação Tributária. São Paulo: Noeses, 2013. 89 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 453. 90 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 453. 91 Como assevera Décio Porchat, lançamento é o “ato, composto por uma série finita de enunciados prescritivos, expedidos por agente público, a partir do qual o intérprete irá compor a norma individual e concreta que constitui o crédito tributário”. Suspensão do crédito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 77.
48
ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.92
Dessa forma, o lançamento tributário é um ato administrativo, privativo da
Administração Pública, que institui uma norma individual e concreta, constituindo a
obrigação tributária.
Observa-se que o Código Tributário Nacional institui três espécies de
lançamento: (i) lançamento de oficio ou direto; (ii) lançamento misto ou por
declaração; e (iii) lançamento por homologação. Essa classificação leva em
consideração o índice de colaboração do sujeito passivo na constituição do ato
administrativo25.
O lançamento de ofício está previsto no art. 149 do CTN e não depende
da participação do particular na sua elaboração. Apenas a Administração praticará
os atos tendentes a cobrança do tributo. Um exemplo dessa modalidade de
lançamento é o IPTU.
No lançamento por declaração tanto o particular quanto a Administração
participam na elaboração do lançamento. O primeiro fornece dados para que o
segundo o realize. Sua previsão legal encontra-se no art. 147 do CTN. Atualmente,
não há nenhum caso de tributo constituído dessa forma no ordenamento jurídico
brasileiro.
Já o lançamento por homologação é aquele em que o particular pratica
todas as atividades necessárias para a apuração do crédito tributário, não havendo
qualquer participação da Administração, a quem competirá apenas homologar o ato
praticado pelo sujeito passivo, no prazo de cinco anos.
Por determinar o supracitado art. 142 do CTN que o ato de lançamento é
privativo da autoridade administrativa e no lançamento por homologação não haver
a participação da Administração, que se limita a homologar os atos praticados pelo
contribuinte, surgiram duas questões: ou a constituição do crédito ocorreria apenas
92 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 458.
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com a homologação da Administração, ou a sua constituição não seria ato privativo
da Administração e também o contribuinte poderia fazê-la por meio de sua
declaração.
Afirmar que também nas hipóteses do chamado lançamento por
homologação a constituição do crédito apenas ocorrerá com o ato da Administração,
ou seja, com a homologação, revela algumas inconsistências, tais como a distinção
entre o momento de surgimento do crédito e da obrigação tributária, o que não é
admissível, conforme ensina Paulo de Barros Carvalho93:
Retomemos a mensagem do art. 142, do CTN, para lembrar que esse Estatuto faz uma distinção, no meu entender, improcedente, entre crédito e obrigação, como se fora possível, à luz da Teoria Geral do Direito, separar essas duas entidades. A obrigação nasceria com o acontecimento do “fato gerador”, mas surgiria sem crédito que somente com o “procedimento de lançamento” viria a ser “constituído”. Que obrigação seria essa, em que o sujeito ativo nada tem por exigir (crédito) e o sujeito passivo não está compelido a qualquer conduta? O isolamento do crédito em face da obrigação é algo que atenta contra a integridade lógica da relação, condição mesma de sua existência jurídica.
Assim, para evitar a incongruência mencionada, este autor entende que a
obrigação tributária pode ser constituída tanto pela Administração Pública, quanto
pelo particular. No entanto, por ser explícito no CTN que o lançamento é ato
privativo da Administração, a constituição da obrigação por ato do particular ocorrerá
por meio da apresentação de Declaração, sendo, portanto, impróprio falar-se em
“lançamento” por homologação.
Assim, são atos de aplicação da lei ao caso concreto tanto o lançamento
tributário quanto a atividade do particular de verificar a ocorrência do fato gerador da
obrigação, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido e
adiantar o pagamento.
Quando o agente administrativo ou o particular certificam em linguagem
competente94 (lançamento tributário/declaração, respectivamente) a ocorrência de
93 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 446. 94 “Algo, portanto, só será relevante para o direito quando descrito em linguagem e, por se tratar de um sistema com regras próprias, é necessário não só linguagem, mas sim uma linguagem competente, significa dizer, que atenda aos requisitos prescritos pelo próprio ordenamento”.
50
um evento que possui todas as características previstas no antecedente da norma
geral e abstrata, constitui-se o crédito tributário, formalizando-se a obrigação
tributária.
É possível perceber que o legislador quis atribuir caráter constitutivo à
atividade do particular, assim como atribuiu ao lançamento tributário95, observando-
se o disposto no art. 150, § 1º do CTN96 (lançamento por homologação) que
estabelece a extinção do crédito tributário com o pagamento antecipado.
Esse dispositivo legal, ao assim estabelecer, permite-nos concluir que o
crédito já existe com a simples atividade do particular, uma vez que não se pode
extinguir o que ainda não existe.
Cabe aqui mencionar, que o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o
entendimento sobre a possibilidade do sujeito passivo constituir o crédito tributário,
sumulando-o:
Súmula 436. A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.
Dito isto, verifica-se que os veículos introdutores de norma individual e
concreta capazes de constituir o crédito tributário são tanto o lançamento tributário,
quanto a atividade de quantificação realizada pelo sujeito passivo. Porém, apenas o
ato de formalização do crédito feito pela Administração é que podemos denominar
de Lançamento Tributário.
Em conformidade com o disposto no art. 142 do CTN, lançamento é
apenas o ato praticado exclusivamente pela autoridade administrativa, não sendo
FIGUEIREDO, Marina Vieira de. Lançamento Tributário: revisão e seus efeitos. São Paulo: Noeses, 2014. 95 Inúmeros doutrinadores defendem a tese do lançamento como ato declaratório, como é o caso do Prof. Estevão Horvath: “Adotamos a tese declarativa, porquanto entendemos que a obrigação nasce com a ocorrência do fato gerador, sendo somente declarada mediante o ato de lançamento”. (Lançamento tributário e “autolançamento”, p. 77). Porém, não é este o entendimento adotado neste trabalho. Seguimos o entendimento de Paulo de Barros Carvalho que entende Lançamento como ato constitutivo: “E quando cabe ao Fisco, em caráter inaugural, montar a linguagem competente, será ele constitutivo, tanto do fato jurídico tributário como da obrigação que se irradia pelo liame lógico da imputação normativa (“causalidade jurídica, na terminologia de Lourival Vilanova). Curso de direito tributário, p. 462. 96 Art. 150. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
51
possível então, considerar o chamado “lançamento” por homologação como uma
espécie de lançamento tributário, apesar de também ser capaz de constituir o crédito
tributário, formalizando a obrigação tributária.
Assim, pode-se concluir que, independentemente do sujeito que constitua
a obrigação tributária, o procedimento é o mesmo: aplica-se a norma que institui o
tributo e, como resultado, tem-se a produção de uma norma individual e concreta,
seja ela o lançamento ou a declaração do particular.
1.4. Isenção Tributária
1.4.1. Isenção Tributária como espécie do gênero Benefício Fiscal
Para afastar a ambiguidade e vagueza inerente aos termos que se
pretende estudar a definição97 é o meio mais adequado. Esta é justamente a sua
função: explicar e aclarar o significado das palavras.
Sendo assim, cumpre neste momento definir “benefício fiscal”, a fim de
diferenciá-lo de isenção e também de redução da base de cálculo. Neste trabalho
benefício fiscal será utilizado como sinônimo de incentivo fiscal98.
Jose Souto Maior Borges99 diferencia incentivos tributários de incentivos
financeiros, colocando-os como espécies do gênero incentivo fiscal:
Os incentivos fiscais lato sensu podem ser desdobrados em a) incentivos tributários propriamente ditos, ou mais amplamente b) incentivos financeiros (tributários e extratributários).
(...)
Os incentivos fiscais em sentido lato podem relacionar-se quer ao âmbito tributário (incentivos tributários propriamente ditos, como as isenções e reduções de tributo), quer por exclusão ao âmbito financeiro (p. ex., financiamento empresarial)
97 “As definições jurídicas explícitas não perseguem uma finalidade primordialmente teórica, mas fundamentalmente prática: seu fim essencial consiste em facilitar a interpretação e aplicação das normas que integram cada sistema do direito”. MAYNES, Eduardo Garcia. Lógica del concepto jurídico. México: Fondo de Cultura Econômica, 1995, p. 77 98 “Nesse sentido, a CF de 1988, no afã de nada deixar fora da lei complementar, foi até pleonástica. Porque todo ‘benefício fiscal’ acaba por confundir-se com um ‘incentivo’”. (BORGES, José Souto Maior. Sobre as isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 06, p. 69) 99 A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua Inaplicabilidade a Incentivos Financeiros Estaduais. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 63, p. 83.
52
Cientes da distinção entre incentivos tributários e financeiros cumpre
destacar que não se tratará neste trabalho sobre os financeiros, sendo assim ao
falar-se em benefício/incentivo fiscal se estará referindo exclusivamente aos
incentivos tributários.
Geraldo Ataliba e José Arthur Lima Gonçalves100 incluem no conceito de
benefício fiscal variadas formas jurídicas, quais sejam, a imunidade, isenção,
alíquotas reduzidas, manutenção de créditos, ect...:
Os incentivos fiscais manifestam-se, assim, sob várias formas jurídicas, desde a forma imunitória até a de investimentos privilegiados, passando pelas isenções, alíquotas reduzidas, suspensão de impostos, manutenção de créditos, bonificações, créditos especiais – dentre eles os chamados créditos-prêmio – e outros tantos mecanismos, cujo fim último é, sempre, o de impulsionar ou atrair, os particulares para a prática das atividades que o Estado elege prioritárias, tomando, por assim dizer, os particulares em participantes e colaboradores da concretização das metas postas como desejáveis ao desenvolvimento econômico e social, por meio da adoção do comportamento ao qual são condicionados.
O Min. Cezar Peluso, ao proferir voto na ADI nº 2.777, acrescentou que “o
benefício fiscal, ou incentivo fiscal, tem por finalidade estimular ou desestimular
comportamentos, mediante desoneração ou redução de carga tributária, ou ainda,
concessão de condições mais favoráveis para o pagamento de tributo devido”.
Pode-se dizer então que a isenção configura uma das várias espécies do
gênero benefício fiscal.
1.4.2. Teorias sobre a isenção
O conceito de isenção tributária é assunto polêmico que foi amplamente
estudado e debatido pela doutrina e jurisprudência e, em decorrência disso, alvo de
divergências, que deram origem a inúmeras teorias doutrinárias sobre o assunto.
100 Crédito Prêmio de IPI – Direito adquirido – Recebimento em dinheiro. Revista de Direito Tributário. São Paulo, nº 55, p. 166-167.
53
Destacaremos três teorias sobre o tema: (i): Isenção como dispensa legal
do pagamento do tributo devido; (ii) a isenção como hipótese de não incidência
legalmente qualificada; e (iii) a isenção como mutilação parcial dos critérios da regra
matriz de incidência tributária.
A doutrina tradicional encabeçada por Rubens Gomes de Souza101
defende a primeira teoria, alegando que a isenção é um “favor fiscal, que consiste
em dispensar o pagamento de um tributo devido102”.
O Código Tributário Nacional ao prever a isenção como forma de
exclusão do crédito tributário adota esta teoria, entendo que a obrigação tributária
nasceria para, posteriormente, ser excluída.
Assim, fica claro que para Rubens Gomes de Souza a isenção pressupõe
a incidência, tendo referido autor se preocupado em diferenciar ‘não incidência’ de
‘isenção’:
É importante fixar bem as diferenças entre não-incidência e isenção: tratando-se de não incidência, não é devido o tributo porque não chega a surgir a própria obrigação tributária; ao contrário, na isenção o tributo é devido, porque existe a obrigação, mas a lei dispensa o seu pagamento; por conseguinte, a isenção pressupõe a incidência, porque é claro que só se pode dispensar o pagamento de um tributo que seja efetivamente devido103.
Pressupondo-se que a obrigação tributária nasça para que depois haja a
dispensa do pagamento, haveria nesta situação uma cronologia de incidências, em
que uma norma (a tributária) incide primeiro que a outra (a isentante), dispensando o
recolhimento do tributo. Esta é uma das críticas feita a primeira teoria. Não é
possível estipular cronologia entre a incidência das normas.
A segunda dificuldade em se aceitar a conceituação de Rubens Gomes
de Souza está na impossibilidade de se diferenciar a isenção da remissão, que nada
101 No mesmo sentido Amílcar de Araújo Falcão pronunciou-se sobre o assunto: “Na isenção, diversa é a hipótese. Nela, há incidência, ocorre o fato gerador. O legislador, todavia, seja por motivos relacionados com a apreciação da capacidade econômica do contribuinte, seja por considerações extrafiscais, determina a inexigibilidade do débito tributário ou, como diz Rubens Gomes de Souza, delibera ‘dispensar o pagamento de um tributo devido’.” (FALCÃO, Amilcar de Araújo. Fato gerador da obrigação tributária. 7ª edição. São Paulo: Noeses, 2013, p. 88). 102 Compêndio de legislação tributária. Obra póstuma. São Paulo: ed. Resenha Tributária, 1975, p. 97. 103 SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Obra póstuma. São Paulo: ed.
Resenha Tributária, 1975, p. 97.
54
mais é do que o perdão legal do débito tributário. Assim, ambas se confundiriam em
um só conceito.
Pretendendo solucionar estes problemas, a segunda teoria pensada por
José Souto Maior Borges, com base nos ensinamentos de Alfredo Augusto
Becker104, defende ser a isenção uma hipótese de não incidência, legalmente
qualificada, da norma que prescreve a obrigação tributária e, simultaneamente, uma
hipótese de incidência da norma isentante105.
Dessa forma não ocorreria o nascimento da obrigação tributária, uma vez
que apenas norma que institui a isenção iria incidir:
Nas hipóteses de isenção, a lei pré-exclui do âmbito das normas obrigacionais tributárias os fatos isentos. As técnicas de exoneração são diversas, ora é o pressuposto objetivo, ora subjetivo, ora o temporal, ora o espacial. Enquanto norma excepcional diante da normatividade geral da tributação, a isenção se funda em pressupostos de incidência diferentes dos contemplados em norma jurídica obrigacional tributária. Daí a impossibilidade lógica (é devido, não é devido) e fenomenológica da incidência simultânea das duas normas, a obrigacional e a isentante. Não por outro motivo ocorreu-me caracterizar a isenção como hipótese de não-incidência legalmente qualificada, autonomizada, enquanto tal, das hipóteses constitucionais de não-incidência (imunidade tributária)106.
104 Criticando a teoria de Rubens Gomes de Souza, Alfredo Augusto Becker escreve: “Na verdade, não existe aquela anterior relação jurídica e respectiva obrigação tributária que seriam desfeitas pela regra jurídica da isenção. Para que pudesse existir aquela anterior relação jurídica tributária, seria indispensável que, antes da incidência da regra jurídica de isenção, houvesse ocorrido a incidência da regra jurídica de tributação. Porém, esta nunca chegou a incidir porque faltou, ou excedeu, um dos elementos da composição de sua hipótese de incidência, sem o qual ou com o qual, ela não se realiza. Ora, aquele elemento faltante, ou excedente, é justamente o elemento que, entrando na composição da hipótese de incidência da regra jurídica de isenção, permitiu diferençá-la da regra jurídica de tributação, de modo que aquele elemento sempre realizará uma única hipótese de incidência: a da isenção, e desencadeará uma única incidência: a da regra jurídica da isenção, cujo efeito jurídico é negar a existência de relação jurídica tributária. A regra jurídica de isenção incide para que a de tributação não possa incidir”. (Teoria Geral do Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Noeses, 2007, p. 324-325). 105 “A isenção configura simultaneamente: 1º) hipótese de não incidência, legalmente qualificada, da norma que prescreve a obrigação tributária. (...) 2º) hipótese de incidência da norma que a institui. A norma isentante incide precisamente porque, na regra tributária, falta um pressuposto de incidência (objetivo ou subjetivo) preenchido no preceito isentante.(...)”. (BORGES, José Souto Maior. Sobre as isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 06, p. 70). 106 BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.199-200.
55
Ocorre que, também nesta hipótese pressupõe-se uma cronologia de
incidências das normas, uma vez que a norma isentante incidiria primeiro, para que
a norma tributária não incida.
Este fato, somado ao problema lógico da definição pela negativa, fez que
com Paulo de Barros Carvalho propusesse um novo conceito, descrevendo o
fenômeno apenas no plano normativo: isenção como mutilação parcial da regra
matriz de incidência tributária:
Em resumo, a terceira teoria considera a isenção como norma (em
sentido amplo) de estrutura que subtrai parcialmente o campo de abrangência da
regra matriz de incidência tributária, esta sim, uma regra de conduta107.
Referido professor destaca oito maneiras possíveis para a regra de
isenção inibir a funcionalidade da regra matriz de incidência tributária:
I – pela hipótese a) atingindo-lhe o critério material, pela desqualificação do verbo; b) atingindo-lhe o critério material, pela subtração do complemento; c) atingindo-lhe o critério espacial; d) atingindo-lhe o critério temporal II – pelo consequente e) atingindo-lhe o critério pessoal, pelo sujeito ativo; f) atingindo-lhe o critério pessoal, pelo sujeito passivo; g) atingindo-lhe o critério quantitativo, pela base de cálculo; h) atingindo-lhe o critério quantitativo, pela alíquota.108
É importante destacar que o autor entende não ser possível que se mutile
a totalidade da regra matriz, e por isso destaca que a mutilação deve ser parcial,
uma vez que, se assim fosse, anular-se-ia a própria regra matriz de incidência
tributária:
O timbre da parcialidade há de estar presente. Se por ventura o legislador vier a desqualificar, semanticamente, todos os verbos; se subtrair a integralidade dos complementos; se anular por inteiro, toda
107 Sobre a diferenciação entre normas de estrutura e de conduta, Paulo de Barros Carvalho escreve: “A distinção é relevantíssima. Ambas têm a mesma constituição interna: uma hipótese, descritora de um fato, e uma consequência, que é o mandamento normativo. Só que, nas regras de conduta, o consequente ou prescritor expede um comando voltado ao comportamento das pessoas, nas suas relações de intersubjetividade, enquanto nas regras de estrutura o mandamento atinge outras normas, e não a conduta diretamente considerada” (Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 567) 108 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 570-571.
56
a amplitude do critério espacial; ou se retirar todas as unidades da escala do critério temporal, evidentemente que o evento tributário jamais acontecerá no mundo físico exterior, o que equivale à revogação da regra-matriz, por ausência do descritor normativo. Também no consequente, se ficar totalmente comprometido o sujeito ativo; se extratarmos o conjunto global dos sujeitos passivos; se reduzirmos todas as bases de cálculo ou todas as alíquotas ao valor zero, é óbvio que nunca surdirá à luz uma relação jurídica daquele tributo, o que significa a inutilização cabal da norma-padrão de incidência.109
Assim, ao conceituar isenção como mutilação parcial, Paulo de Barros
Carvalho refere-se à regra matriz de incidência do tributo como um todo,
pretendendo salientar que se a mutilação excluir todas as possibilidades de
incidência do tributo resultará na sua completa inutilização.
Opta-se neste trabalho pelo conceito de isenção defendido por esta
terceira teoria pelo maior rigor ao limitar a sua análise ao âmbito normativo, além de
entender-se fundamental a diferenciação entre isenção e não incidência - apesar de
não haver conflito evidente entre ela e a segunda teoria110.
1.4.3. Da interpretação da expressão “parcial” no conceito de
isenção de Paulo de Barros Carvalho
Cumpre esclarecer eventual ambiguidade que o uso da expressão
“parcial” possa acarretar àquele que interpreta o conceito de isenção de Paulo de
Barros Carvalho. Conforme destacamos acima, a parcialidade se refere à regra
matriz de incidência, visando excluir do conceito de isenção as situações em que se
anulem todas as possibilidades de incidência do tributo, não se confundindo com a
mera redução de um dos seus critérios, que se condicionou chamar impropriamente
de isenção parcial.
109 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 574. 110 Roque Antônio Carrazza ao consultar o prefácio da 2ªª edição do livro de Souto Maior Borges verifica que este autor acolheu bem as ideias de Paulo de Barros Carvalho, concluindo que “os dois conceitos (o de Souto Maior e o de Barros Carvalho) não se excluem; antes, se completam. Apenas captam o fenômeno da isenção tributária por ângulos diversos. Conjugados permitem uma melhor visualização deste interessante e ainda tão pouco explorado assunto”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 998)
57
No que diz respeito aos critérios componentes dessa regra, a parcialidade
não se aplica. Para que a isenção ocorra é necessário que a situação que se
objetiva isentar seja totalmente desonerada. É o que ocorre quando a isenção se dá
pela mutilação do critério quantitativo. Nessas situações, a base de cálculo ou a
alíquota devem ser reduzidas totalmente para que a isenção seja possível. Uma vez
que, se a redução for parcial, ainda ocorrerá a incidência, descaracterizando a
isenção.
Este é o caso da alíquota zero. Ela é sinônimo de isenção, uma vez que
qualquer situação que tenha a alíquota reduzida a zero, não ensejará o pagamento
de tributo, por ausência de incidência da norma.
Assim, com base nos estudos de Paulo de Barros Carvalho111 entende-se
tratar a alíquota zero de pura isenção tributária:
É o caso da alíquota zero. Que experiência legislativa será essa que, reduzindo a alíquota a zero, aniquila o critério quantitativo do antecedente da regra-matriz do IPI? A conjuntura se repete: um preceito é dirigido à norma-padrão, investindo contra o critério quantitativo do consequente. Qualquer que seja a base a base de cálculo, o resultado será o desaparecimento do objeto da prestação. Que diferença há em inutilizar a regra de incidência, atacando-a num critério ou noutro, se todos são imprescindíveis à dinâmica da percussão tributária? Nenhuma. No entanto, o legislador designa de isenção alguns casos, porém, em outros, utiliza fórmulas estranhas, como se não se tratasse do mesmo fenômeno jurídico. Assim ocorre com supressões do critério temporal (suspensão ou diferimento do imposto) e do critério material, quando se compromete o verbo (chamada de definição negativa de incidência).
A situação pode parecer confusa, quando se pensa nos demais critérios.
Isto porque se forem esvaziados completamente, o tributo não subsistirá.
Exemplificando, uma isenção de imposto sobre a renda (IR) para servidores
diplomáticos de governos estrangeiros, atinge a regra-matriz de incidência no critério
pessoal, mas não o exclui totalmente, continuando a incidir IR sobre os demais
sujeitos passivos112.
111 Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 570. 112 De qualquer maneira, guardando sua autonomia normativa, a regra de isenção ataca a própria esquematização formal da norma-padrão de incidência, para destruí-la em casos particulares, sem aniquilar a regra-matriz, que continua atuando regularmente para outras situações. Se a operação é isenta, a regra-matriz de incidência fica neutralizada, não havendo falar-se em acontecimento do “fato
58
Apesar destes critérios não poderem ser mutilados totalmente, precisam
destruir, e aí sim totalmente, o caso particular que se pretende isentar: todos os
servidores diplomáticos, utilizando o exemplo acima. Afinal, só existe isenção se não
ocorrer o nascimento da obrigação tributária que se pretender isentar.
E por este motivo não se pode afirmar que este autor aceite a existência
de “isenção parcial”. A parcialidade não é utilizada para referir-se especificamente
aos critérios da regra matriz, mas a ela como um todo:
Quando me refiro à mutilação parcial da regra-matriz de incidência, entretanto, não estou me referindo à mera diminuição de um de seus elementos. Quero com isso deixar claro apenas que a supressão do critério não pode ser total, de modo que represente aniquilação da norma-padrão como um todo. Não é possível, por exemplo, instituir isenção que subtraia da regra-matriz do ICMS o elemento “operação de circulação de mercadorias”, pois isso significaria extinguir aquele
imposto em sua totalidade113.
Dessa forma, a “isenção parcial” não se encaixa no conceito de isenção,
caracterizando-se como mera redução do quantum de tributo que deve ser pago.
Também José Souto Maior Borges114 reconhece a impropriedade do
termo isenção parcial, e admite que ele não possui rigor terminológico por tratar-se,
na realidade, de mera redução tributária, uma vez que há o nascimento do tributo:
Ao lado das isenções ditas totais, a doutrina equivocadamente coloca as “isenções” parciais, como espécies de um só e mesmo gênero. A isenção (total) é, como visto, uma hipótese de não-incidência da norma que prescreve a obrigação tributária. Já a impropriamente denominada “isenção parcial” não corresponde a hipótese em que a norma tributária não incida. Nela a norma tributária incide: surge para o “parcialmente isento” a obrigação tributária. Só que aí a lei determina uma diminuição do montante do tributo decorrente de redução (a) da base de cálculo e/ou (b) da alíquota do tributo. Não por outro motivo as isenções parciais melhor seriam nomeadas: reduções de tributo115.
gerador” e, por via de consequência, em nascimento da obrigação tributária. (Paulo de Barros Carvalho. Parecer, 2006. Não publicado) 113 CARVALHO, Paulo de Barros. Parecer. 2006, Não publicado, p. 30. 114 Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 279-280. 115 BORGES, José Souto Maior. Sobre as isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 06, p. 70.
59
Reforça esse entendimento Sacha Calmon Navarro Coelho116:
Ocorre, no entanto, que, à luz da teoria da norma jurídica tributária, a denominação de isenção parcial para o fenômeno da redução parcial do imposto a pagar, através das minorações diretas de bases de cálculo e de alíquotas, afigura-se absolutamente incorreta e inaceitável. A isenção ou é total ou não é, porque a sua essentialia consiste em ser modo obstativo ao nascimento da obrigação. Isenção é o contrário de incidência. As reduções, ao invés, pressupõem a incidência e a existência do dever tributário instaurado com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese de incidência da norma de tributação. As reduções são diminuições monetárias do quantum da obrigação, via base de cálculo ou alíquota reduzida”
Destas colocações é possível concluir que o conceito “isenção parcial”117
é uma contradição em termos, afinal, ou (i) não haverá incidência e se estará diante
de isenção ou (ii) haverá a incidência, mas com redução do valor a ser pago, e se
estará diante de redução de alíquota ou base de cálculo.
Portanto, esclarece-se eventual ambiguidade que o uso do termo “parcial”
no conceito de isenção de Paulo de Barros Carvalho possa acarretar, destacando
que ele se refere apenas à regra matriz de incidência e não aos seus critérios, já que
a redução destes deve ser total para que não haja o nascimento da obrigação
tributária.
1.5. Redução da Base de Cálculo
Diversamente da isenção, a redução da base de cálculo não foi alvo de
estudos minuciosos a ponto de discutirem teorias a respeito de seu conceito ou de
sua natureza jurídica. O que se observa dos textos escritos sobre este assunto é
apenas uma preocupação em distinguir a redução da base de cálculo do conceito de
isenção. Vejamos.
116 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, nº 149, fev./2008, p. 107.
117
60
Paulo de Barros Carvalho entende ser a redução da base de cálculo, uma
mera redução do quantum de tributo devido, alertando que ela não pode ser
confundida com a isenção:
Não confundamos subtração do campo de abrangência do critério da hipótese ou da consequência com mera redução da base de cálculo ou da alíquota, sem anulá-las. A diminuição que se processa no critério quantitativo, mas que não conduz ao desaparecimento do objeto, não é isenção, traduzindo singela providência modificativa que reduz o quantum de tributo que deve ser pago.118
Também Sacha Calmon refere-se à redução da base de cálculo como
redução do quantum tributário:
As reduções de base de cálculo e de alíquotas decorrem do modo de calcular o conteúdo pecuniário do dever tributário, determinando uma forma de pagamento – elemento liberatório do dever – que implica, necessariamente, uma redução do quantum tributário em relação à generalidade dos contribuintes (ou em relação à situação impositiva imediatamente anterior)119
Este autor classifica-a ainda como uma exoneração interna contida no
consequente da regra matriz de incidência e apresenta a seguinte tabela para
explicar os diversos tipos de fenômenos exonerativos120:
118 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p.575. 119 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 149, p. 103. 120 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 149, p. 91.
61
Exoneração nas hipóteses
(qualitativas)
Imunidades
Exonerações Internas
Exonerações nas
consequências
(quantitativas)
Isenções
Reduções diretas de base
de cálculo e de alíquotas
Deduções tributárias de
despesas presumidas e
concessão de créditos
presumidos
Remissões
Exonerações Externas
Devolução de tributos
Outros autores, apesar de não explicitarem o conceito, também
demonstram que a redução da base de cálculo não pode ser equiparada à isenção
(parcial), como é o caso de Roque Antonio Carrazza121:
Na hipótese de o contribuinte optar pela tributação com base de cálculo reduzida, ele não fica isento do pagamento do ICMS, mas, apenas, vê diminuído o montante a pagar. Há, pois, incidência, embora esta leve a uma redução do quantum debeatur.
A incidência tributária é o ponto fundamental para diferenciar a isenção da
redução da base de cálculo: nos casos de isenção a incidência da norma tributária
não ocorre, ao passo que nas hipóteses de redução da base de cálculo há a
incidência, o que fará com que o tributo nasça com um valor reduzido.
121 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. Não publicado, 2011, p. 33.
62
Sacha Calmon122, além de frisar a impossibilidade de equiparação da
redução da base de cálculo à isenção parcial, tendo em vista a impropriedade deste
conceito123, destaca ainda que o próprio art. 150, § 6º da CF estabelece a diferença
entre os conceitos e critica a alteração de entendimento do STF sobre o tema:
Entretanto, de inopino, a Corte máxima, rompendo com a coerência e previsibilidade requeridas pelo princípio da confiança nas decisões das Cortes Constitucionais – tão respeitado a Europa - mudou posteriormente de opinião ao único argumento de que redução de base de cálculo significa isenção parcial, como se não existisse o art. 150, parágrafo 6º da Constituição Federal que diferencia isenção e redução da base de cálculo.
Assim, estes doutrinadores concordam que a redução da base de cálculo
não possui natureza jurídica de isenção, tratando-se de um conceito independente,
que mais se aproxima do que se denominou erroneamente de “isenção parcial”124,
visto que em ambas as situações há o nascimento do tributo, o que não ocorre nas
hipóteses de isenção total.
1.6. Considerações sobre os conceitos Redução da Base de Cálculo e
sua Equiparação a Isenção (parcial)
É possível observar que o conceito de isenção foi objeto de estudo
aprofundado por doutrinadores que criaram sobre ele teorias a fim de lapidar o
conhecimento a seu respeito. No entanto, o mesmo não ocorreu com a redução da
base de cálculo, sobre a qual apenas se concluiu que o seu conceito não se encaixa
122 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 149, p.87. 123 ”Ocorre, no entanto, que, à luz da teoria da norma jurídica tributária, a denominação de isenção parcial para o fenômeno da redução parcial do imposto a pagar, através das minorações diretas de bases de cálculo e de alíquotas, afigura-se absolutamente incorreta e inaceitável. A isenção ou é total ou não é, porque a sua essentialia consiste em ser modo obstativo ao nascimento da obrigação. Isenção é o contrário de incidência. As reduções, ao invés, pressupõem a incidência e a existência do dever tributário instaurado com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese de incidência da norma de tributação. As reduções são diminuições monetárias do quantum da obrigação, via base de cálculo ou alíquota reduzida” (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 149) 124 “Assim, s.m.j., é impróprio falar em isenção parcial, até porque não há meia-isenção (ou há isenção, ou não há isenção: tertium non datur)”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. 2011. Não publicado, p. 33).
63
no de isenção (parcial), uma vez que no caso da redução da base de cálculo a
incidência do tributo pode ser verificada.
Aliás, a expressão “redução de base de cálculo” foi criada, justamente,
para contornar os regimes jurídicos impostos aos bem demarcados conceitos de
isenção e alíquota.
O Min. Marco Aurélio foi dos primeiros que se apercebeu dessa confusão
conceitual e procurou construir paradigmas de gênero próximo e diferença
específica, conforme afirmação feita no julgamento do caso Monsanto:
O direito é ciência e, como tal, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio. A sinonímia não se faz presente. Uma coisa é isenção, outra a não incidência e um terceiro gênero surge quando se cogita da incidência com simples redução de base de cálculo. (Trecho de seu voto no RE nº 174.478/SP, Pg. 12)
No entanto, como se demostrará no Capítulo 7, os demais ministros não
se convenceram desta tese e considerando que os efeitos práticos de ambos os
conceitos se equivalem, equipararam isenção e redução da base de cálculo.
Apesar de certo consenso doutrinário sobre a impossibilidade de
equiparação desses conceitos, a jurisprudência da mais alta corte deste país não a
acatou. É possível que esta lacuna doutrinária e a consequente falta de definição de
um conceito de redução da base de cálculo, tenha refletido nas decisões
inconclusivas do Supremo Tribunal Federal.
64
CAPÍTULO 2 – CONVÊNIOS CONFAZ E A DELEGAÇÃO DE
COMPETÊNCIA PREVISTA NO ART. 155, §2º, XII, "g" DA CF
Os convênios CONFAZ revelam um jogo dos Estados para reaver a
autonomia perdida sobre a concessão de benefícios fiscais no âmbito do ICMS.
Assim, pretendem tornar os convênios mecanismos meramente autorizativos,
retirando a sua obrigatoriedade e reconquistando a liberdade para optar pela
concessão ou não dos benefícios por meio de suas legislações estaduais.
Exemplo dessa prática aparece objetivamente no caso Santa Lúcia sobre
a interpretação do alcance e sentido do Convênio 128/94:
Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a estabelecer carga tributária mínima de 7% (sete por cento) do ICMS nas saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica. § 1º Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a não exigir a anulação proporcional do crédito prevista no inciso II do artigo 32 do Anexo Único do Convênio ICM 66/88, de 14 de dezembro de 1988, nas operações de que trata o caput desta cláusula.
Os termos “autorizados” acima sublinhados demonstram o início dessa
prática que no lugar da elaboração do convênio com os modais obrigatório ou
proibido, tem-se o expediente do modal facultativo que delega a deliberação sobre a
concessão do benefício ao arbítrio de cada ente estatal.
Afronta-se, aqui, conforme ensina Roque Antonio Carrazza125, o atributo
da indelegabilidade126 da competência tributária colocando em perspectiva a
impossibilidade de delegação da competência que foi outorgada ao CONFAZ para
os Estados.
A exigência de lei específica (art. 150, §6º da CF) é utilizada para justificar
a natureza autorizativa dos convênios, com o argumento de que a concessão de
benefício fiscal depende sempre de lei.
125 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 590 e seguintes. 126 Conforme item 1.1.1 deste trabalho.
65
No caso Santa Lúcia a natureza autorizativa dos convênios aparece para
justificar o entendimento pela necessidade de lei específica para a manutenção do
crédito. O que implica considerar essa manutenção como uma nova forma de
benefício fiscal e não como uma decorrência do princípio da não cumulatividade.
No entanto, nem a necessidade de lei específica justifica tornar os
convênios mecanismos meramente autorizativos, nem a manutenção dos créditos
configura nova forma de benefício fiscal127.
2.1. Instituição dos Convênios CONFAZ
Afirma Alcides Jorge Costa que tributos plurifásicos, não cumulativos, não
deveriam ser objeto de isenções, uma vez que elas perturbam a aplicação do tributo,
podendo causar a quebra da sua neutralidade128.
No entanto, o que se observa na prática é a concessão de inúmeras
isenções e demais benefícios fiscais que tumultuam a incidência do ICMS,
desencadeado a guerra entre os entes estaduais. Para contornar estes problemas
foi necessária a instituição de regulamentação sobre sua concessão. A forma
encontrada foi a criação dos convênios.
A instituição deles ocorreu por sugestão dos próprios Estados, que
reunidos no Rio de Janeiro, os criaram por meio do Ato Complementar nº 34 de
1967129. A introdução na Constituição ocorreu com a EC nº1/69 (art. 23, §6º)130, que
conferiu aos convênios, mediante regulamentação de lei complementar, a
competência para concessão de isenções.
127 A manutenção dos créditos configura um direito decorrente do princípio da não cumulatividade, conforme será visto no capítulo 5, item 5.1. 128 “Num imposto plurifásico, não cumulativo, sobre o valor acrescido, o ideal é não haver isenções, que quase sempre perturbam a aplicação do tributo e podem causar quebra do princípio da neutralidade do imposto”. (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 133) 129 SOUZA, Rubens Gomes de. A reforma tributária e as isenções condicionadas. Revista de Direito Administrativo, vol. 92, p. 390 apud COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 124. 130 Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sôbre: (...) § 6º As isenções do impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos têrmos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar.
66
A justificativa para tal ato é revelada por Alcides Jorge Costa131 da
seguinte forma:
Tão logo implantado o novo sistema tributário nacional, foi sentida a necessidade de um disciplinamento do poder de outorgar isenções e reduções, através das quais se pode tanto provocar a cumulatividade do imposto, como eliminar-lhe a neutralidade que deve ter em relação ao preço final dos produtos e, por meio disto, favorecer produtores de determinados Estados ou propiciar a integração vertical das empresas, o que é um sub-produto da eliminação daquela neutralidade.
A lei complementar mencionada pelo art. 23, §6º da EC nº1/69 só foi
promulgada em 1975 (LC 24/75), regulamentando a forma de elaboração dos
convênios, vigente até hoje. E com ela foi criado o Conselho Nacional de Política
Fazendária – CONFAZ, órgão que faz parte da estrutura do Ministério da Fazenda,
onde são realizadas as reuniões trimestrais dos entes federados para celebração
dos referidos convênios.
Da exposição de motivos da LC 24/75 e razões legais para criação do
CONFAZ é possível observar que a preocupação em relação a possível anulação da
neutralidade do tributo pelos Estados continuou existindo, verificando-se a
necessidade de implementação de mecanismos para impedir sua ocorrência:
A implementação de um tributo com estas características, como competência dos Estados num País de regime federativo, traz no seu bojo problemas peculiares. Existe um processo de distribuição de receita entre as várias Unidades componentes da Federação, uma vez que o tributo incide em todas as etapas de produção, industrialização e comercialização. Cria-se, consequentemente, a possibilidade de uma Unidade conceder benefícios, isoladamente, anulando a neutralidade do tributo, especialmente no que se refere à localização da atividade econômica. A necessidade de coordenação entre as várias Unidades da Federação surgiu imediatamente após a implantação do novo tributo, quando estas mesmas Unidades iniciaram um processo de alteração nas normas básicas do imposto, fixadas na Legislação Federal, mediante atos que definem uma política fiscal paralela ou contrária à do Governo Federal.132
131 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha
Tributária, 1979, p. 125. 132 Projeto de Lei Complementar 471/1974, p.18 apud SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Parecer, 2015,
não publicado.
67
Assim, por tratar-se de tributo de projeção nacional que extrapola os
limites territoriais do Estado, a LC 24/1975 objetivou harmonizar a forma de
concessão de benefícios fiscais pelos Estados, retirando-lhes esta competência e
outorgando-a aos convênios/CONFAZ, na tentativa de impedir a tão temida
anulação da neutralidade fiscal e dos demais benefícios trazidos pela
implementação do sistema não cumulativo.
Esta Lei Complementar foi expressamente133 recepcionada pela
Constituição Federal de 1988, que em seu art. 155, §2º, XII, “g”, manteve a
delegação de competência à lei complementar para regulamentação de concessão
de benefícios fiscais:
Art. 155. §2º. XII - cabe à lei complementar: (...)
g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
Nestes termos, Daniel Monteiro Peixoto134 destaca a necessidade de
uniformização das regras do ICMS:
A partir deste postulado – o caráter nacional do ICMS – podemos compreender importante característica da competência tributária relativa a este imposto, consistente no afastamento da característica geral da “facultatividade das competências tributárias”, sendo um tributo de instituição obrigatória pelos Estados-membros, devendo, como já visto, ser obedecidos os comandos uniformizadores previstos em leis nacionais. Como decorrência desta obrigatoriedade, falta também autonomia no que se refere às desonerações fiscais (isenções, incentivos ect.) de modo que só podem ser instituídas pelos Estados em conjunto, mediante deliberação prévia em convênios interestaduais (art. 15, §2º, XII, g da CF/88)
Dessa forma, respeitando a vontade expressa na Constituição, a LC
24/75 buscou centralizar a competência para concessão de benefícios fiscais,
somente autorizando-a mediante a celebração de convênios pelos Estados.
133 ADCT Art. 34 § 8º Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, "b", os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria. 134 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Federação, competência tributária e guerra fiscal entre Estados via ICMS. In SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1090.
68
Alcides Jorge Costa135 resume a sistemática dessa lei, destacando seus
principais pontos:
a) Além das isenções, também só através de convênios podem os Estados reduzir a base de cálculo, devolver o tributo total ou parcialmente, direta ou indiretamente, condicionalmente ou não, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; conceder créditos presumidos; instituir quaisquer outros incentivos ou favores fiscais baseados no ICMS, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus; b) os convênios são celebrados em reuniões dos Estados; c) as reuniões realizam-se com a presença de representante da maioria dos Estados; d) a concessão dos benefícios depende sempre de decisão unânime dos Estados representados; sua revogação total ou parcial depende da aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos Estados presentes; e) publicados os convênios, o Poder Executivo, de cada Estado, por decreto, retificá-lo-á ou não. A rejeição deve ser expressa. Os Estados que não tiverem comparecido à reunião também deverão manifestar-se. O prazo para ratificação ou rejeição é de quinze dias; f) a ratificação (ou rejeição) é publicada no Diário Oficial da União e os convênios entram em vigor trinta dias após essa publicação; g) os convênios ratificados obrigam todos os Estados, mesmo os que, regularmente convocados, não se tenham feito representar na reunião.
Como mencionado acima, a necessidade de regulamentação da forma de
concessão de benefícios fiscais pelos Estados, acabou por limitar a autonomia
destes. Obviamente, tal novidade não foi bem recebida por estes entes federados,
que passaram a insurgir-se contra elas.
Trataremos neste capítulo de duas tentativas dos Estados de reaver a
autonomia mitigada. A primeira é a contestação da validade da regra de
unanimidade prevista na LC 24/75. E a segunda, a contestação da natureza
impositiva dos convênios.
A regra da unanimidade complementa a função impositiva dos convênios,
uma vez que só é possível impor consequências a quem tenha se obrigado a fazer
algo. No caso dos convênios, dada a necessidade de centralização, todos precisam
estar obrigados a conceder o benefício.
135 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha
Tributária, 1979, p. 128.
69
2.2. A exigência de unanimidade dos Estados
O debate sobre a constitucionalidade da exigência de aprovação unânime
dos Estados para a concessão de benefícios fiscais divide opiniões dos juristas
brasileiros.
Referido debate é atual e ainda não teve pronunciamento do Supremo
Tribunal Federal, que foi instado a se manifestar sobre o tema na ADPF nº 198,
questionando a constitucionalidade da regra da unanimidade (artigos 2º, § 2º, e 4º,
da Lei Complementar nº 24/75), por suposta afronta ao preceito fundamental do
princípio democrático.
O conteúdo dos artigos objeto do litígio é:
Art. 2º. § 2º - A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. Art. 4º - Dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados da publicação dos convênios no Diário Oficial da União, e independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de cada Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados, considerando-se ratificação tácita dos convênios a falta de manifestação no prazo assinalado neste artigo.
Os argumentos utilizados por aqueles que são contrários à unanimidade
para a concessão de benefícios fiscais podem ser resumidos da seguinte forma: (i)
viola o princípio federativo, por restringir a autonomia dos Estados; (ii) bem como
ofende o princípio democrático, por tratar-se de regra ditatorial, que privilegia a
vontade das minorias, possibilitando o voto com poder de veto de um único Estado.
Ives Gandra da Silva Martins136, ferrenho defensor da regra de
unanimidade, contrapõe esses argumentos alegando que referida regra decorre da
própria Constituição Federal, não se tratando de disposição isolada da LC 24/75.
Para chegar a essa conclusão, o autor analisa os incisos, IV, V e VI do
§2º do artigo 155 da CF:
136 CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra Fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2ª Ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 09.
70
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
(...) IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;
Verifica que a estipulação de quóruns mínimos de aprovação vem
estabelecida nos incisos IV e V, que tratam da competência do Senado para regular
as alíquotas do ICMS. Já no inciso VI não há qualquer previsão de quórum mínimo
como acontece nos incisos anteriores, sendo atribuído a todos os Estado e ao
Distrito Federal, em conjunto, a deliberação sobre a diminuição das alíquotas
internas em patamar inferior às externas.
A justificativa para a unanimidade, prevista no inciso VI, foi o risco de
descompetitividade caso não houvesse aprovação de todos os Estados na redução
da alíquota interna, procurando evitar assim eventual favorecimento de um
determinado Estado em virtude de maior competitividade no seu mercado interno.
No caso dos incisos IV, não há esse risco, uma vez que as alíquotas
interestaduais e de exportação são uniformes para todos os Estados, bastando a
maioria absoluta do Senado, que age em nome da Federação, para tal
regulamentação.
E também no caso do inciso V, não existe nenhum risco, pois se trata de
faculdade do Senado, que poderá manifestar-se quando houver conflito entre os
Estados na regulamentação de suas alíquotas internas, atuando mais uma vez no
interesse da Federação, através da uniformização das alíquotas.
71
Repare-se ainda que o inciso VI faz menção expressa ao inciso XII, “g”,
que trata da concessão de benefícios fiscais pelos Estados, e por esse motivo,
referido autor interpreta que “a unanimidade, que para incentivos fiscais é exigida do
CONFAZ, não é senão um reflexo infraconstitucional do regime de fixação de
alíquotas, imposto pela Constituição ao Senado Federal”137.
Cabe ainda reforçar a tese de Ives Gandra da Silva Martins, favorável à
unanimidade, com a regra de obrigatoriedade de instituição do ICMS138 pelos
Estados e proibição de concessão de isenção de forma unilateral, extraídas
justamente do art. 155, §2º, XII, “g” da CF, que dão a este imposto um tratamento
totalmente diverso dos demais, justamente por possuir caráter nacional e demandar
esse tipo de regulamentação.
Diante destas peculiaridades do ICMS, o argumento de que a
unanimidade fere a autonomia dos Estados e por consequência viola o princípio
Federativo, não possui nenhum fundamento constitucional, pois foi a própria
Constituição que limitou a autonomia destes entes federativos ao delegar à lei
complementar a competência para regular a concessão de benefícios fiscais,
impossibilitando a sua concessão unilateral.
É, também, absurdo o argumento de que a unanimidade fere o princípio
democrático por privilegiar a vontade da minoria, possibilitando poder de veto aos
Estados. Isto porque, a concessão de benefício fiscal em sede de ICMS não deveria
existir, pois, por tratar-se de tributo estadual não cumulativo, ela, por si só, causaria
desequilíbrio entre os entes federativos. Assim, ensina Alcides Jorge Costa139:
Num imposto plurifásico, não cumulativo, sobre o valor acrescido, o ideal é não haver isenções, que quase sempre perturbam a aplicação do tributo e podem causar quebra do princípio da neutralidade do imposto.
Dessa forma, os benefícios fiscais de ICMS deveriam ser exceção em
nosso ordenamento jurídico e a exigência de unanimidade visa justamente
137 CARVALHO, Paulo de Barros; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerra Fiscal: reflexões sobre a concessão de benefícios no âmbito do ICMS. 2ª Ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 08. 138 Este assunto foi tratado no primeiro capítulo, item 1.1.1, ao falarmos da exceção ao atributo da facultatividade das competências tributárias. 139 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 133.
72
desestimular a utilização dessas desonerações que, ou devem ser estendidas a
todos os Estados, ou a nenhum.
Portanto, não há que se falar que os artigos. 2º e 4º da LC 24/75 não
foram recepcionados pela Constituição Federal, uma vez que a exigência de
unanimidade não contraria nossa lei suprema; ao contrário, encontra respaldo nela:
seja pela visão de Ives Gandra da Silva Martins, que defende sua autorização pelo
art. 155, §2º, VI da CF, seja pela restrição da autonomia dos Estados pela própria
Constituição ao proibir a concessão unilateral de benefícios fiscais, delegando tal
função aos convênios (art. 155, §2º, XII, “g”).
2.3. Convênios Impositivos, Autorizativos e a Delegação de Competência
Constitucional
Também como forma de libertarem-se dos limites impostos pela
Constituição, os Estados passaram a questionar a natureza impositiva dos
convênios, pretendendo restringi-los a mero fundamento de validade dos benefícios
locais, devolvendo para si a competência que lhes foi retirada pela própria
Constituição.
A título de esclarecimento, Roque Antônio Carrazza140 explica o que se
entende por convênios impositivos e convênios autorizativos:
...convênios impositivos são aqueles pelos quais os Estados e o Distrito Federal são obrigados a adotar, em seus territórios, o benefício fiscal neles previsto. Distinguem-se dos autorizativos, que, como o próprio nome revela, limitam-se a facultar a unidade federativa a instituir o benefício fiscal neles previsto.
Assim, os Estados inconformados com a perda de autonomia imposta
pela Constituição iniciaram uma tentativa para reavê-la, enfraquecendo o
mecanismo que os prejudicou: os convênios. Sabendo que invalidá-los não seria
possível, passaram a defender que a sua natureza seria apenas autorizativa, pois
assim poderiam instituir o benefício previsto nos convênios apenas quando
140 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. 2011. Não publicado.
73
desejassem, alcançando a liberdade que almejavam. É possível observar esta
movimentação dos Estados nas decisões proferidas pelo STF.
O Recurso Extraordinário nº 96.545 de 1982141 discute a possibilidade de
revogação de isenção por meio de Decreto estadual, pretendendo a empresa
recorrente a declaração de inconstitucionalidade deste decreto, por entender que
houve desrespeito a preceito constitucional, bem como à lei complementar, que
determina a necessidade de convênio para revogar benefício fiscal.
Sustenta, o Estado recorrido, que a redação do art. 1º da LC 24/75
permite que os convênios se auto intitulem autorizativos, uma vez que dispõe que as
isenções serão “concedidas ou revogadas nos termos de convênios”.
O Min. Moreira Alves, ao proferir seu voto, considerou não ser admitida a
distinção entre convênios autorizativos e impositivos, entendendo que o art. 1º da LC
24/75 não autoriza os Estados a disporem como quiserem ou o que quiserem sobre
benefícios fiscais. Ademais, verificou que a impossibilidade de existência de
convênios autorizativos decorre da constituição, que, ao prever a necessidade de
convênios, pretendeu reduzir a competência dos Estados. Assim, julgou
inconstitucional o decreto que revogou unilateralmente a isenção, por considerar
obrigatória a elaboração de convênios, tanto para conceder quanto para revogar
benefícios fiscais.
Dois trechos da excelente fundamentação do voto resumem-no de forma
satisfatória:
Observo, finalmente, que a inadmissibilidade da distinção entre convênio autorizativo e convênio impositivo, em matéria de concessão ou de revogação de isenção, decorre do próprio texto constitucional (o § 6º do artigo 23 da Constituição Federal), uma vez que a inovação que ele introduziu em nosso direito
141 -ICM. ISENÇÃO CONCEDIDA POR CONVENIO. REVOGAÇÃO PELO DECRETO ESTADUAL N. 1473/80. 1. A LEI COMPLEMENTAR N. 24/75 NÃO ADMITE A DISTINÇÃO ENTRE CONVENIOS AUTORIZATIVOS E CONVENIOS IMPOSITIVOS. ASSIM, A REVOGAÇÃO DE ISENÇÃO DECORRENTE DE CONVENIO NÃO PODE FAZER-SE POR MEIO DE DECRETO ESTADUAL, MAS TEM DE OBSERVAR O DISPOSTO NO PARAGRAFO 2. DO ARTIGO 2. DA REFERIDA LEI COMPLEMENTAR. 2. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO, DECLARADA A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSAO "BACALHAU" CONSTANTE DO PARAGRAFO 21 QUE O DECRETO 14737, DE 15 DE FEVEREIRO DE 1980, DO ESTADO DE SÃO PAULO ACRESCENTOU AO ARTIGO 5. DO REGULAMENTO DO IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS, APROVADO PELO DECRETO 5.410, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1974, DO MESMO ESTADO. (RE 96545, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/1982, DJ 04-03-1983)
74
constitucional, e que reduz a competência tributária dos Estados individualizadamente, visa - como acentua FERNANDO BROCKSTEDT [...] - a “que os Estados adotem uma política uniforme e harmônica de isenções, evitando as chamadas ‘guerras fiscais’ [...]”.
A esse fim perseguido pelo texto constitucional não se chegaria com a admissão, em matéria de concessão ou de revogação de isenção, de convênios autorizativos, e, portanto, de convênios que deixariam a critério dos Estados conceder, ou não, a isenção, podendo, também, na hipótese de haverem concedido, a revogarem unilateralmente. (RE 96545, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/1982, DJ 04-03-1983)
Observa-se que, com muita precisão, o STF garantiu e preservou a
vontade da Constituição de dar tratamento uniforme e harmônico aos benefícios
fiscais de ICMS, restringindo a competência dos Estados para agir individualmente
nesse tema. Outros julgados também foram proferidos nesse sentido142.
Com a vigência da Constituição de 1988 este posicionamento
permaneceu perfeitamente aplicável, isto porque houve a manutenção da restrição à
autonomia dos Estados, tendo apenas sido alterada esta competência para a Lei
Complementar, e não mais a outorgada diretamente aos convênios.
Isto é, independentemente de qual Constituição Federal se esteja
referindo, seja de 1967 (EC nº1/69) seja de 1988, o poder para conceder benefícios
fiscais de ICMS não pertence aos Estados. A delegação de competência foi feita de
forma expressa pela EC nº 1/69 aos convênios (art. 23), e pela CF de 1988, à lei
complementar (art. 155, §2º, XII, “g”).
Assim, não merece nenhum reparo o acórdão relatado pelo Min. Moreira
Alves (RE nº 96.545) que pode perfeitamente servir de base para a solução de
casos sob a égide da CF de 1988, preservando o regramento uniforme da
concessão de benefícios fiscais por meio da garantia da delegação de competência
prevista no art. 155, §2º, XII, “g”.
Frise-se, por fim, que a fundamentação do referido acórdão se baseou em
disposições constitucionais, restando constatado que a impositividade dos convênios
deriva da própria Constituição. Observe-se, então, que esta natureza impositiva foi
142 RE nº 100.386; RE nº 97.686; RE nº 98.952; RE nº 99.064; RE nº 99.735, RE nº 99.176.
75
reconhecida independentemente de qualquer relação com a necessidade de
implementação por meio de lei dos benefícios concedidos em convênio, o que
implica dizer que esta implementação pelos Estados membros em nada alteraria o
resultado do julgamento.
No entanto, apesar da histórica defesa da natureza impositiva dos
convênios pelo Supremo Tribunal Federal, evitando que os Estados contornassem
de maneiras escusas as prescrições constitucionais, essa garantia tem sofrido
perdas consideráveis. Após a introdução do §6º do art. 150 pela EC nº 3 de 1993,
ganhou força a necessidade de lei específica para implementação dos convênios na
esfera de cada Estado e decisões do STF passaram a dar aos convênios natureza
autorizativa.
A relação entre a necessidade de lei específica e a natureza autorizativa
dos convênios foi argumento estratégico utilizado pelos Estados na tentativa de
reaver a competência que lhes foi retirada.
Importa neste momento desvincular essas duas situações, demonstrando
que a necessidade de lei específica não implica o reconhecimento da natureza
autorizativa dos convênios, e para isso, analisaremos decisões do STF posteriores a
esta alteração legislativa, demonstrando que não há nelas nenhum fundamento
lógico que justifique essa relação de implicação.
2.3.1. A dissociação entre a natureza autorizativa dos convênios e a
necessidade de sua implementação pelos Estados
No julgamento do RE nº 96.545 constatou-se que o caráter impositivo dos
convênios decorre da Constituição Federal, sendo irrelevante a análise da
necessidade de implementação dos convênios pelos Estados para chegar a esta
conclusão.
No entanto, ao ser chamado a decidir sobre os meios aptos para se
realizar essa implementação, o Supremo Tribunal Federal alterou seu
posicionamento sobre a natureza dos convênios. E o fez, porém, sem aprofundar-se
neste debate, gerando insegurança jurídica em torno do assunto.
76
Em 2009, no julgamento do RE nº 539.130/RS143 analisou-se a viabilidade
de manutenção de autuação fiscal realizada em virtude da desconsideração de
isenção. Isenção que, por sua vez, fora aprovada em Convênio, mas não instituída
pelo Estado.
No acórdão restou comprovada a existência de Decreto legislativo
implementando o convênio, e em decorrência disso o Min. Joaquim Barbosa
reconheceu a validade da isenção, autorizando que ratificações de convênios sejam
feitas pelo poder legislativo, seja por lei, seja por decreto, e impedindo as realizadas
pelo poder executivo. O posicionamento do STF sobre a forma de implementação
dos convênios será tratado no capítulo 4, item 4.2.7.1.
No entanto, no que diz respeito à natureza dos convênios, a única
menção feita neste acórdão, ocorreu no penúltimo parágrafo do voto:
Ratificado o convênio, cabe à legislação tributária de cada ente efetivamente conceder o benefício que foi autorizado nos termos de convênio. Preservada a palavra do Legislativo é dado o longo caminho necessário à aprovação do incentivo, descabe impor forma mais rigorosa.
Assim, apesar de a fundamentação do acórdão limitar-se à discussão
sobre a forma de implementação dos convênios, existe uma passagem isolada
outorgando a eles natureza autorizativa.
É nítido que não houve discussões a respeito deste tema, não sendo
possível considerar este julgado como uma alteração do posicionamento do STF
sobre a natureza impositiva dos convênios, tão bem fundamentada pelo Min. Moreira
Alves no RE nº 96.545.
Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº
101/2000) alguns autores passaram a defender com maior entusiasmo a natureza
143 DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVÊNIO ICMS 91/91. ISENÇÃO DE ICMS. REGIME ADUANEIRO ESPECIAL DE LOJA FRANCA. "FREE SHOPS" NOS AEROPORTOS. PROMULGAÇÃO DE DECRETO LEGISLATIVO. ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. 1. Legitimidade, na hipótese, da concessão de isenção de ICMS, cuja autorização foi prevista em convênio, uma vez presentes os elementos legais determinantes para vigência e eficácia do benefício fiscal. 2. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido. (RE 539130, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-022 DIVULG 04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010 EMENT VOL-02388-05 PP-00900 RTJ VOL-00213- PP-00682 RDDT n. 175, 2010, p. 179-185 RT v. 99, n. 895, 2010, p. 177-185 LEXSTF v. 32, n. 374, 2010, p. 227-241)
77
autorizativa dos convênios, sob o argumento de que necessidade de previsão
orçamentária de qualquer renúncia fiscal impossibilita a obrigatoriedade de
implementação de convênios pelos Estados. Assim entende Tiago Severini144:
(...) o STF posicionou-se, ainda na década de 80, no sentido da incompatibilidade entre a distinção dos convênios em autorizativos e impositivos e o teor da LC 24/75. Não obstante, o advento da LC 101/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, ensejou uma necessária relativização desse posicionamento. Isso porque, de acordo com o art. 14 da LC 101/2000, a concessão de qualquer incentivo fiscal de que decorra renúncia de receita pelos Estados torna necessária a previsão orçamentária do impacto financeiro correspondente, a ser acompanhado de demonstração de que as metas de resultados fiscais não serão afetadas ou de medidas de compensação que proporcionem aumento de receita. (...) Desse modo, a fim de evitar que as restrições orçamentárias eventualmente aplicáveis a certo Estado inviabilizem a celebração de certo convênio, com o qual este concorda, torna-se salutar a atribuição de natureza autorizativa aos convênios.
O STF, em decisão monocrática (RE nº 630.705/MT), negou seguimento
à Recurso Extraordinário que pretendia ver reconhecido benefício fiscal previsto em
convênio, mas não implementado pelo Estado, citando Tiago Severini para justificar
a natureza autorizativa dos convênios. Utilizou ainda como precedente, para
justificar o indeferimento do RE, decisões do Superior Tribunal de Justiça145 (STJ),
que também não discutem o tema com profundidade.
No entanto, não é possível concordar com esse posicionamento, uma vez
que o referido art. 14 da LC 101/2000 não pode ser aplicado aos convênios de
ICMS. Isto porque, em decorrência do princípio Federativo, a União não pode
estipular a forma pela qual os Estados exercitarão suas competências tributárias,
uma vez que eles são livres para deliberarem sobre elas, sujeitando-se apenas aos
limites impostos pela Constituição.
Roque Antonio Carrazza146 vai além ao afirmar que:
Acima da Lei de Responsabilidade Fiscal está o art. 155, §2º, XII, “g” da Carta Magna, que, no intuito de evitar atritos entre as unidades
144 SEVERINI, Tiago. O convênio ICMS 130/2007 e a transferência interestadual de bens importados sob o Repetro. Revista Tributária de Finanças Públicas, São Paulo, vol. 97, p. 185, mar/2011. 145 RMS 13.543/RJ e RMS 26.328/RO. 146 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 9ª ed revista e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 387.
78
federativas (com prejuízo da harmonia da Federação), estabelece que os Estados e o Distrito Federal deliberarão entre si para conceder “isenções, incentivos e benefícios fiscais” em matéria de ICMS. Os eventuais impactos orçamentários financeiros destas medidas nas unidades federativas individualmente consideradas não têm o condão de sobrepujar o interesse nacional que leva à celebração dos convênios-ICMS.
Assim, considerando a incompetência da União para intervir nas matérias
de competência dos Estados, bem como a preponderância do interesse nacional
sobre o individual, é inaceitável a utilização desta Lei para justificar a natureza
autorizativa dos convênios.
A questão sobre a natureza dos convênios voltou a ser tratada pelo STF
no recente julgamento do caso Santa Lucia147, novamente sem ter sido dada a
importância devida ao tema. Ele foi abordado não para justificar a necessidade de lei
específica para a concessão de redução de base de cálculo, pois no caso havia,
mas para justificar a necessidade de lei que preveja a manutenção integral dos
créditos nos casos de operações com base de cálculo reduzida.
E a justificativa pela opção da natureza autorizativa dos convênios neste
caso foi feita pelo Min. Gilmar Mendes com base na jurisprudência da corte, citando
a decisão monocrática proferida no RE nº 630.705/MT, supracitado. No entanto,
tanto esta como as demais decisões do STF apenas tratam o tema de forma
superficial.
Dessa forma, certos de que a impositividade é necessária para assegurar
valores constitucionais, tais como o princípio da indelegabilidade das competências,
resta-nos ressaltar que a impositividade dos convênios independe de considerações
a respeito da efetiva instituição dos benefícios por lei, uma vez que ela deriva da
própria constituição, que limitou autonomia dos Estados no que diz respeito à
concessão de benefícios fiscais.
Qualquer decisão que entenda de maneira diversa estará descumprindo a
cláusula de delegação de competência prevista no art. 155, §2º, XII, “g” da CF, uma
vez que, ao tornarem os convênios autorizativos, os Estados pretendem devolver
para si próprios a competência que a Constituição delegou à lei complementar.
147 RE nº 635.688/RS.
79
Já ressaltava Rui Barbosa Nogueira148 que:
“Reservando à lei complementar, que é de caráter nacional, dispor sobre todos esses itens do ICMS, vê-se que a Constituição Federal previu a maior concentração e unificação da disciplina deste imposto que, embora pertença aos Estados e ao Distrito Federal, é prioritariamente regido por legislação nacional, por deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Federal, pouco restando à criatividade legislativa dos Estados, de per si”.
Soma-se a isso a interpretação do art. 150, §6º da CF feita por Tércio
Sampaio Ferraz Junior149, na qual observou que o dispositivo elenca algumas
garantias do contribuinte – vide item 4.2.7.1. Configurando uma garantia, não é
possível que venha a prejudica-lo, retirando-se a força da unificação da disciplina de
benefícios fiscais dada pela Constituição.
Sendo assim, é preciso conciliar ambas as interpretações: a delegação de
competência aos convênios e a necessidade de lei específica. É sobre isso que o
Supremo precisa se pronunciar para acabar com a insegurança que paira sobre os
contribuintes que sofrem com a briga dos gigantes da federação.
Não se pretende, ao defender a impositividade dos convênios, preterir a
necessidade lei para a efetiva instituição do benefício fiscal pelos Estados, mas
apenas desvincular a ideia da imprescindibilidade de lei específica e da natureza
autorizativa dos convênios, uma vez que a sua vinculação implica em dar ampla
liberdade aos Estados para conceder tais benefícios, anulando-se assim os
preceitos constitucionais que existem justamente para impor limites a tais atos.
Acredita-se que a melhor interpretação (que valoriza as normas
constitucionais) seria a que mantém a função dos convênios como verdadeiros
limitadores da competência dos Estados, na medida em que os obriga a instituir os
benefícios acordados por eles próprios, e não como mero fundamento de validade
dos benefícios concedidos individualmente pelos Estados, sem os acarretar
nenhuma obrigação.
148 Curso de Direito Tributário. 9ª edição. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 140. 149 Remissão e Anistia fiscais: Sentido dos Conceitos e Forma Constitucional de Concessão. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 92.
80
Sendo assim, é possível que os convênios sejam impositivos e que os
Estados sejam obrigados a elaborarem leis específicas para concessão dos
benefícios, sujeitando-se aqueles que não a fizerem às consequências decorrentes
de sua omissão, tais como, perda de competitividade, impossibilidade de restrição
de créditos concedidos em outros Estados com apoio em convênios, entre outras.
A obrigação dos Estados em sujeitarem-se ao ônus decorrente da não
elaboração da lei para implementar o convênio foi defendida no STJ pela Min.
Denise Arruda, que citou trecho da obra de Sérgio Pyrrho150:
Revista a razão de ser da exigência constitucional de prévia deliberação dos Estados e do DF para a concessão de benefícios fiscais relacionados com o ICMS, percebe-se que a obrigação que os convênios devidamente aprovados trazem para cada um dos Estados-Membros ('obrigação' essa que deflui da literalidade do já citado art. 7º da LC nº 24/75) é uma só: cada Estado, porque previamente anuiu à possibilidade de que os demais viessem a instituir benefícios fiscais, fica obrigado a tolerar o emprego que outros Estados façam da prerrogativa que foi a todos conferida. Deste modo, a concessão de uma isenção por um dos Estados-Membros, que sem a prévia aprovação de convênio poderia ensejar a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pelos Estados que se considerassem prejudicados pela fuga de empresas, passa, graças ao convênio existente (e implementado pelo Estado que venha a instituir o benefício tributário), a ser de obrigatória tolerância pelas demais unidades federativas, ainda que estas venham a experimentar efeitos não previstos quando da celebração do convênio.
... a despeito da literalidade do art. 7º da Lei Complementar nº 24/75, os convênios firmados pelos Estados não os obrigam a implementar, em suas respectivas porções territoriais, os benefícios previstos nos convênios celebrados, impondo-lhes apenas a tolerância ao emprego que outras Unidades da Federação façam do instrumento, com base neles (convênios) outorgando o favor fiscal que todos os Estados se dispuseram a aceitar - o que afasta a nocividade da 'guerra fiscal’.
Observa-se, que a posição adotada pelo autor e acolhida pelo STJ é no
sentido de afirmar que os convênios obrigam os Estados a “tolerar o emprego que
outros Estados façam da prerrogativa que foi a todos conferida”.
150.PYRRHO, Sérgio. Soberania, ICMS e Isenções. Os convênios e os Tratados internacionais. Rio de janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, pp. 39/24 apud RMS 26.328/RO, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 01/10/2008.
81
Porém, é necessário fazer uma ressalva, uma vez que tanto o autor
quanto o acórdão do STJ consideram os convênios mecanismos meramente
autorizativos151. A nosso ver, tais afirmações são contraditórias, pois os Estados
apenas poderiam sujeitar-se a essa obrigação se os convênios os obrigassem a
instituir os benefícios. Se restasse caracterizada a liberdade dos Estados em instituí-
los, não haveria justificativa para sujeitarem-se ao referido ônus.
É por este motivo que mantemos nossa posição na defesa da
impositividade dos convênios, independentemente da obrigação de lei específica
para concessão dos benefícios, sujeitando-se os Estados que não elaborarem a lei
às consequências decorrentes de sua omissão.
151 RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE ICMS PREVISTA EM CONVÊNIO DO CONFAZ. NÃO-CONCESSÃO POR ESTADO-MEMBRO. POSSIBILIDADE. NATUREZA AUTORIZATIVA DO CONVÊNIO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À FRUIÇÃO DO BENEFÍCIO. EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. RECURSO DESPROVIDO. (...)3. O convênio celebrado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ é um pressuposto para a concessão da isenção do ICMS. Por si só, não cria direito ao contribuinte. Trata-se de uma autorização para a implementação do benefício fiscal pelos Estados e o Distrito Federal, e não de uma imposição. 4. "É só este o alcance da 'obrigação' que o convênio regularmente aprovado impõe a todos os Estados-Membros: o respeito à implementação do benefício fiscal que, no limite do convênio, cada um deles venha a promover em seu território. Não poderia mesmo ser de outra forma, porque o objetivo de atribuir a cada um dos Estados a mera faculdade (e não a obrigação) de conceder benefício fiscal é, acima de tudo, um corolário da autonomia político-administrativa dos Estados em relação à União, autonomia essa consagrada pelo art. 18, caput, da Constituição da República, e que restaria malferida se o art. 7º da LC nº 24/75 fosse interpretado em sentido diverso ao ora sustentado" (PYRRHO Sérgio. "Soberania, ICMS e Isenções. Os Convênios e os Tratados Internacionais", Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 40). 5. Esta Corte Superior já se manifestou acerca da natureza meramente autorizativa dos convênios celebrados pelo CONFAZ, quando do julgamento do REsp 709.216/MG (2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 9.5.2005).(...) 7. Recurso ordinário desprovido. (RMS 26.328/RO, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 01/10/2008)
82
CAPÍTULO 3 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO USO DA EXPRESSÃO
“REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO” NA CONSTITUIÇÃO E NA
LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
Por mais de meio século, foram feitas várias alterações legislativas do
desenho do ICMS com o objetivo de fortalecer a Federação e solucionar o problema
da guerra fiscal por meio da imposição de limites à atuação dos Estados. No
entanto, não houve sucesso, uma vez que estes entes federados frequentemente
desrespeitam os limites impostos a eles institucionalmente.
Este capítulo irá evidenciar o jogo de ação dos Estados para despistar as
limitações legais que lhe são impostas e reação institucional para conter estas
ações.
Dentre as ações dos Estados destaca-se a concessão da redução da
base de cálculo, ao invés da isenção ou não incidência, com o objetivo de evitar a
incidência da restrição ao princípio da não cumulatividade previsto no art. 155, §2º, II
da CF, possibilitando a manutenção dos créditos decorrentes dessa operação.
Tal fato representa o início dos conflitos que envolvem a equiparação dos
conceitos isenção e redução da base de cálculo, na medida em que esta
equiparação possibilitaria o cancelamento dos créditos por atrair a aplicação do art.
155, § 2º, II da CF. É, justamente, esse o problema apresentado nos casos Camargo
Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia.
3.1. Origens da Guerra Fiscal do ICMS na Transição do IVC para o ICM
com a Emenda Constitucional nº 18 de 1965 e a Instituição do Princípio
da Não Cumulatividade
A atual atribuição do ICMS à competência dos Estados pela Constituição
Federal de 1988, a despeito do nítido caráter nacional deste tributo, teve origem com
o Imposto sobre Venda e Consignações (IVC), que instituído pela Constituição
83
Federal de 1934152, em substituição ao Imposto sobre Vendas Mercantis (IVM) que
era federal, foi transferido para a esfera de competência dos Estados, com a
característica de ser multifásico e cumulativo (situação mantida pelas Constituições
de 1937 e 1946), ou seja:
(...) incidia sobre todas as vendas e consignações efetuadas por comerciantes, industriais e produtores, em todas as fases do ciclo econômico, sem que o imposto pago em qualquer das operações fosse levado em consideração no cálculo do tributo devido nas posteriores.153
Com a aprovação da Emenda à Constituição de 1946, nº 18/65, que teve
por objetivo integrar o sistema tributário nacional, instituiu-se o ICM, reduzindo para
doze o número de impostos da CF/46 (dentre eles o ICM), contra os dezessete
anteriormente existentes, baseando-se primordialmente em considerações
econômicas, deixando para um segundo momento a análise de critérios jurídicos,
políticos ou administrativos.
O tributo recém-criado continuou a ser um imposto plurifásico, mas
perdeu a característica da cumulatividade, não mais incidindo “em cascata”154, a
exemplo da francesa taxe sur la valeur ajoutée (TVA). As razões que levaram a
substituição do sistema cumulativo pelo não cumulativo foram destacadas no
Relatório155 da Comissão do anteprojeto da EC nº18/65:
É característica moderna dos impostos sobre a circulação, primeiro elaborada na França e imitada pela maioria dos países, a de só tributarem, em cada sucessiva operação, o valor acrescido, eliminando-se assim os notórios malefícios econômicos da superposição em cascata, de incidências repetidas sobre bases
152 “No campo específico do imposto de vendas e consignações, o problema das relações entre os Estados chamados produtores e os ditos consumidores surgiu com a transferência do tributo para a competência impositiva estadual, pela Constituição de 1934 e não encontrou solução adequada durante toda a existência do imposto de vendas e consignações” (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p.10). 153 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 6. 154 “Essa expressão (‘incidência em cascata’), de conteúdo nitidamente não jurídico, significaria, à sua vez, o fenômeno da pluralidade de incidências tributárias sucessivas sobre algo que, economicamente, se considera o mesmo valor de base, trazendo, coo consequência – em matéria de tributos ditos ‘indiretos’ – o alardeado efeito econômico da sobreoneração dos preços dos produtos” (ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. ICM – Abatimento Constitucional – Princípio da não-cumulatividade. Revista de Direito Tributário. São Paulo, nº. 29/30, p. 113). 155 Reforma Tributária Nacional, publicação nº17, da Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda, 1996, p. 49 apud COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 6.
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de cálculo cada vez mais elevadas pela adição de novas margens de lucro, de novas despesas acessórias, e do próprio imposto que recaiu sobre as operações anteriores.
As desvantagens de um sistema cumulativo eram muitas: (i) incentivava a
verticalização das empresas, pois assim diminuíam-se os números de operações
realizadas, reduzindo-se o custo final do produto em relação aos empresários
pequenos; (ii) não constituía uma carga uniforme para todos os consumidores, na
medida em que determinados produtos tem ciclo de produção menor (v.g. joias) do
que outros (v.g. carne); e (iii) tornava impossível uma desoneração completa de
produtos destinados à exportação, assim como acarretava vantagens concorrenciais
ao produto importado sobre o nacional.
Além desses casos, também preocupava a Comissão do anteprojeto a
situação das operações interestaduais, que conforme já destacava Rubens Gomes
de Souza, ao comentar a reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional
nº18/65, na vigência do IVC o problema mais sério era o originado pelas operações
mercantis interestaduais, tendo em vista as discrepâncias de capacidade produtiva
existente entre os Estados.
Referido autor ainda alimentava a esperança de que com a instituição do
ICM, tal problema seria resolvido:
(...) Uma das consequências dessa situação era que, na transferência de mercadorias para venda em outro Estado por filial ou representante do fabricante ou produtor, tanto o Estado de origem como o de destino pretendiam tributar a venda. Em 1938, uma lei federal dispôs que o imposto seria devido somente ao Estado produtor: essa solução, embora julgada constitucional pelo Supremo Tribunal, revelou-se, entretanto, infeliz tanto econômica como juridicamente, e até mesmo do ponto de vista político. De vez que o fato gerador do imposto era a venda mercantil, o Estado consumidor, onde essa venda efetivamente ocorria, tinha razões para considerar-se fraudado de um direito legítimo e, portanto, procurar contornar a lei federal tributando a operação mediante subterfúgios legais, que por sua vez, naturalmente davam lugar a litígios demorados e custosos, sem falar no seu efeito desmoralizador do sistema tributário. Espera-se que a substituição do imposto de vendas por um imposto sobre a circulação, independente do conceito jurídico de venda, venha a eliminar o problema, já que sua cobrança será possível a ambos os Estados. Todavia, a fim de equilibrar o montante do imposto do Estado produtor (arrecadado sobre o valor integral da transferência) e do Estado consumidor (sobre a fração do preço de venda correspondente ao valor agregado), e de evitar uma excessiva
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oneração do consumidor final, a Emenda nº 18 submete o imposto sobre as transferências interestaduais a uma alíquota limite, fixada pelo Senado Federal nos termos do que disponha a lei complementar.156 (grifo nosso)
Observe-se que desde essa época já se destacava a intenção dos
Estados em contornar a lei procurando tributar as operações mediante subterfúgios
legais que, consequentemente davam lugar a litígios demorados e custosos.
Qualquer semelhança com nosso panorama atual não é mera coincidência: tal
prática dos Estados, como se pode observar, não remonta de hoje.
Assim, para solucionar este problema foi proposta a fixação de uma
alíquota-teto para esse tipo de operação visando eliminar as desigualdades
tributárias entre os Estados produtores e consumidores e restaurar as autonomias
política, financeira e jurídica de ambos.
Com a publicação da EC nº 18/65157, passou-se a ter, então, um tributo
estadual sobre o valor acrescido - não cumulativo - com competência do Senado158
para fixar alíquotas máximas em operações interestaduais.
No entanto as expectativas que envolviam a criação do ICM e da alíquota-
teto não se concretizaram, pois, os Estados consumidores, que são menos
industrializados, criticaram o sistema de arrecadação do ICM sob a alegação de que
ele transferia renda para os Estados produtores159.
156 SOUZA, Rubens Gomes de. A reforma tributária do Brasil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v.87, 1967, p. 10. 157 Art. 12 (...) § 1º A alíquota do impôsto é uniforme para tôdas as mercadorias, não excedendo, nas operações que as destinem a outro Estado, o limite fixado em resolução do Senado Federal, nos têrmos do disposto em lei complementar. § 2º O impôsto é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos têrmos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado, e não incidirá sôbre a venda a varejo, diretamente ao consumidor, de gêneros de primeira necessidade, definidos como tais por ato do Poder Executivo Estadual. 158 “Tendo-se em vista que cada Estado elege igual número de senadores, o Senado Federal, estando livre das injunções políticas inerentes à representação proporcional, pode ser considerado como o órgão adequado para dispor sôbre as matérias de interêsse nacional que afetem a mais de um Estado” (SOUZA, Rubens Gomes. A reforma tributária do Brasil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v.87p. 11) 159 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 09-10.
86
3.2. Constituição Federal de 1967: confirmação do princípio da não
cumulatividade e manutenção do regramento geral do ICM
Com a instituição de uma nova ordem jurídica o princípio da não
cumulatividade, que havia sido implementado com a EC nº 18/65, foi confirmado
pelo art. 24, §5º da Constituição de 1967:
Art. 24. (...) § 5º - O imposto sobre circulação de mercadorias é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos termos do disposto em lei, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado, e não incidirá sobre produtos industrializados e outros que a lei determinar, destinados ao exterior.
Esta constituição manteve ainda o ICM sem alterações substanciais,
reafirmando também a competência do Senado para fixação de alíquotas
interestaduais com uma ampliação para as internas e de exportação, nos seguintes
termos:
Art. 24. (...) § 4º - A alíquota do imposto a que se refere o nº II será uniforme para todas as mercadorias; o Senado Federal, através de resolução tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para as operações internas, para as operações interestaduais e para as operações de exportação para o estrangeiro.
No entanto, a preocupação com a disputa entre os Estados ia além da
questão da alíquota, sendo um grave problema a concessão de isenções unilaterais
pelos Estados. Para tentar inibir este tipo de ação, uma nova reforma legislativa foi
proposta.
3.3. Emenda Constitucional nº 1 de 1969: a reação institucional para
barrar a concessão unilateral de isenções pelos Estados
No que se refere à alíquota do ICM, a Emenda Constitucional nº 1/69160
seguiu a mesma linha, mantendo-as uniformes e com alíquotas máximas a serem
estipuladas por resolução do Senado Federal.
160 Art. 23 (...) § 5º A alíquota do impôsto à que se refere o item II será uniforme para tôdas as mercadorias nas operações internas e interestaduais; o Senado Federal, mediante resolução
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A novidade trazida por esta reforma foi a tentativa de barrar a atividade
dos Estados consistente na concessão de isenções de forma descentralizada e para
isso foi inserida a seguinte norma ao texto constitucional:
Art. 23 (...) § 6º As isenções do impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos têrmos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar.
Assim, procurou-se uniformizar a forma de concessão de isenções por
meio de convênios a serem celebrados e ratificados pelos Estados, resultando que
nenhum Estado poderia sozinho estabelecer isenções no âmbito do ICM.
3.4. A Regulamentação dos Convênios pela Lei Complementar nº. 24 de
1975
A Lei Complementar mencionada pelo §6º do art. 23 da EC nº1/69 foi
editada em 1975, tendo imposto a exigência de elaboração de convênios, além da
isenção, também para a redução da base de cálculo, concessão de créditos
presumidos e quaisquer outros benefícios fiscais:
Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. Parágrafo único - O disposto neste artigo também se aplica: I - à redução da base de cálculo; II - à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; III - à concessão de créditos presumidos; IV - à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus; V - às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data.
Foi também com base na LC º 24/75 que foi instituído o Conselho
Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), órgão deliberativo colegiado formado
tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para as operações internas, as interestaduais e as de exportação.
88
por um representante de cada Estado e do Distrito Federal (nas pessoas dos
respectivos Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação) e por um
representante da União (Ministro da Fazenda), com a função de deliberar sobre a
concessão desses benefícios e elaborar os convênios.
3.5. Reação do STF para impedir a ação dos Estados de exigir o
cancelamento dos créditos de operações beneficiadas com isenção, em
defesa do princípio da não cumulatividade
A instituição dos convênios e sua regulamentação não foi suficiente para
impedir a ação dos Estados de conceder isenção unilateralmente.
Nesse contexto, os demais Estados, que se sentiam prejudicados,
passaram a exigir o estorno compulsório dos créditos tributários oriundos desse
benefício, como forma de defesa de seus interesses.
Tal situação foi levada ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu tais
conflitos em conformidade com o princípio da não-cumulatividade, impedindo a
retaliação dos Estados que pretendiam estornar os créditos autoritariamente (RE nº
77.093, rel. min. Aliomar Baleeiro, Primeira Turma, DJ de 04/11/1974; RP nº 973, rel.
min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ de 07/04/1978).
3.6. Pressão dos Estados para diminuir os prejuízos decorrentes das
concessões unilaterais de isenção que culminou com a Emenda
Constitucional nº 23 de 1983
Diante do posicionamento do STF, a pressão dos Estados por uma
solução para o prejuízo que sofriam em decorrência da concessão de isenções
unilaterais veio com a EC nº 23 de 1983 (emenda “Passos Porto”), que introduziu a
restrição à concessão de créditos nas operações seguintes às que houvesse
isenção ou não incidência:
Art. 23 (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias
realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-incidência, salvo
89
determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes.
Observe-se que o limite ao aproveitamento dos créditos acrescentado
pela Emenda se aplicava apenas para as operações seguintes, nada tendo sido dito
sobre os créditos decorrentes das operações anteriores.
Diante disso, o STF continuava julgando pela impossibilidade de restrição
ao crédito nas hipóteses não abrangidas pela EC nº 23, tendo em vista a falta de
previsão legal161. Esta situação mudou com a CF88.
3.7. Nova vitória dos Estados com a Constituição Federal de 1988 que
estendeu a restrição ao crédito também às operações anteriores à
isenção ou não incidência e a Inserção da Necessidade de Lei Específica
para Concessão de Benefícios Fiscais pela EC nº 3 de 1993
Com a Constituição Federal de 1988 limitou-se ainda mais a liberdade
dos Estados no que se refere à estipulação das alíquotas do ICMS (referido tributo
deixou de ser chamado de ICM, uma vez que passou a incidir também sobre
prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação).
As alíquotas interestaduais e de exportação devem agora ser fixadas pelo
Senado e as internas, podem ser fixadas pelos Estados, desde que não sejam
inferiores às interestaduais, sendo ainda facultado ao Senado estabelecer os seus
limites máximos e mínimos:
161 ICM - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - ATOS SUCESSIVOS DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS. O princípio da não- cumulatividade é observado sem especificidade, prescindindo da vinculação a uma certa mercadoria. Considera-se o sistema de conta- corrente em que lançados créditos e débitos. ICM - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - MATÉRIA-PRIMA TRIBUTADA - MERCADORIA ISENTA - CRÉDITO - CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1969. A teor do disposto no inciso II do artigo 23 da Constituição Federal de 1969, com a redação imprimida pela Emenda Constitucional nº 23, de 1º de dezembro de 1983, somente a isenção ou a não- incidência na transação precedente implicava, salvo preceito de lei em contrário, a inviabilidade de lançar-se crédito. Inconstitucionalidade da extensão da regra a situação inversa, isto é, de pagamento do tributo na comercialização e circulação da matéria-prima e isenção na saída da mercadoria produzida. (RE 161257, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 16/12/1997, DJ 17-04-1998 PP-00016 EMENT VOL-01906-03 PP-00623)
90
Art. 155 (...) §2º. IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;
E, no que se refere à restrição aos créditos, a CF/88 acrescentou o limite
também aos créditos decorrentes de operações anteriores à isenção ou não
incidência, nos seguintes termos:
Art. 155 (...) §2º. II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
Outra novidade trazida pela nova ordem jurídica foi o conceito redução de
base de cálculo ter chegado a nível constitucional, implicando que a concessão de
qualquer incentivo fiscal, inclusive a redução da base de cálculo, dependerá de lei
específica dos Estados162.
162 Art. 150 (...) § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
91
3.8. A origem dos conflitos dos casos Camargo Soares, Monsanto, Santa
Catarina e Santa Lúcia
Mesmo diante de todas as alterações legislativas, os problemas causados
pela redução da base de cálculo têm aumentado desde a introdução da limitação de
créditos nos casos de isenção ou não incidência pela EC nº 23/83 até a previsão do
art. 155, §2º, II pela CF/88. Isto porque a redução da base de cálculo ao mesmo
tempo em que permitiria o aproveitamento dos créditos, atraindo investimentos aos
Estados, possibilitaria a estes mesmos Estados o questionamento judicial sobre sua
equiparação ao instituto da isenção e consequentemente a anulação dos
conflituosos créditos. Configura então dupla vantagem aos Estados.
Esta perspectiva da EC nº 23/83 como origem dos conflitos estudados
nos casos Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia, será tratada
também no próximo capítulo, à medida que se for demonstrando como a expressão
“redução de base de cálculo” surgiu para contornar disposições constitucionais e
legais.
Assim, em que pese as tentativas de reformas no âmbito do ICMS
objetivando acabar com os conflitos entre os entes estaduais, elas não foram bem-
sucedidas, tendo inclusive acirrado o problema da guerra fiscal desde que foi
instituído o ICM:
Já assinalamos que foi vã a esperança dos autores do projeto de reforma de acabarem com as disputas fiscais entre os Estados, através da substituição do IVC pelo ICM. Pelo contrário, a “guerra fiscal” acirrou-se.163
Mesmo sabendo que essas alterações tiveram o único objetivo de frear as
ações dos Estados de concederem benefícios fiscais (especialmente a redução da
base de cálculo) valendo-se das brechas legais para contornar a própria lei, a guerra
fiscal continua atormentando estes entes federados, os contribuintes e o judiciário,
que é constantemente instado a decidir conflitos cada vez mais complexos.
163 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p.131.
92
CAPÍTULO 4 – REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE
Os Estados pretendem manter a aparência de legalidade de seus atos,
por meio da utilização da expressão “redução da base de cálculo”, que os permite
contornar a incidência de normas que limitam sua autonomia, tais como, as que
restringem as alterações de alíquotas e concessões de isenção. Porém, ao proceder
desta forma, acabam por afrontar efetivamente o princípio da legalidade.
Neste contexto, Marco Aurélio Greco defende que “tentar contornar a
norma constitucional, é frustrar sua imperatividade, é negar seu preceito. Em outras
palavras, é agredi-la pelo mais insidioso dos meios: o disfarce”164.
Este é o motivo pelo qual o STF qualifica como hipótese de fraude à
Constituição165, a utilização de uma competência constitucional para obter um
resultado por ela não admitido166.
4.1. Princípio da legalidade
Paulo de Barros Carvalho167 destaca que todas as normas jurídicas, por
estarem inseridas no mundo da cultura (uma vez que o direito é um objeto cultural)
possuem uma carga valorativa, que irá variar de norma para norma. Aquelas que
possuem alto nível valorativo, irão influenciar a compreensão de inúmeros
segmentos no ordenamento jurídico. Estas normas são denominadas princípios168.
164 GRECO, Marco Aurélio. Parecer, 2005. Não publicado, p. 14. 165 ADI 2348 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 07/12/2000, DJ 07-11-2003; ADI 2984 MC, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/2003, DJ 14-05-2004. 166 GRECO, Marco Aurélio. Parecer, 2005. Não publicado, p. 14. 167 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p.192. 168 “Os princípios são apenas, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas dos sistemas, as normas mais gerais. A palavra ‘princípio’ leva a engano, tanto que é velha a questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. Para mim, não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras. E esta é também a tese sustentada por Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos são dois, e ambos válidos: antes de mais nada, se são normas aquelas das quais os argumentos são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio da espécie animal
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Este mesmo autor destaca ainda quatro usos distintos para a expressão
“princípio”:
“a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma.”169
Podemos dizer que existem princípios que encerram valores e outros que
estabelecem limites objetivos. Segundo Aurora Tomazini de Carvalho valores são
“centros significativos que expressam uma referibilidade por certos conteúdos de
expectativas, são preferências por núcleos de significações”170. Já os limites
objetivos são meios pelos quais o legislador busca atingir determinados fins, não se
caracterizam como valores em si mesmos, mas voltam-se para a sua
implementação.
O princípio da legalidade configura um limite objetivo, que se encontra
expresso no art. 5º, II da CF171 e reforçado, no campo tributário, pela especificidade
do art. 150, I da CF172, impossibilitando o surgimento de qualquer direito subjetivo ou
deveres correlatos sem estipulação legal, implementando assim o princípio da
segurança jurídica.
Alexandre de Moraes173 utiliza-se dos ensinamentos de José Afonso da
Silva para diferenciar o princípio da legalidade do princípio da reserva legal, sob a
alegação de ser aquele mais amplo do que este:
obtenho sempre animas, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são extraídos e empregados é a mesma cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. E com que finalidade são extraídos em caso de lacuna? Para regular um comportamento não regulamentado: mas, então, servem ao mesmo escopo a que servem as normas expressas. E por que não deveriam ser normas?” (BOBBIO, Norberto.Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Polis/UnB, 1989, p.158-159 apud CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 47-49). 169 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p.192. 170 Curso de Teoria Geral do Direito: o construtivismo lógico-semântico. São Paulo, Noeses, 2009, p.
482. 171 Art. 5º. II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; 172 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; 173 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 43.
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José Afonso da Silva ensina que a doutrina não raro confunde ou não distingue suficientemente o princípio da legalidade e o da reserva legal. O primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal. Encontramos o princípio da reserva legal quando a Constituição reserva conteúdo específico, caso a caso, à lei. Por outro lado, encontramos o princípio da legalidade quando a constituição outorga poder amplo e geral sobre qualquer espécie de relação.
A reserva de lei pode ser determinada pela Constituição Federal de forma
absoluta ou relativa. É absoluta quando se exige lei formal174 para a regulamentação
integral do assunto em questão (v.g. quando a CF emprega fórmulas como: “a lei
regulará”, a “lei criará”, a “lei complementar organizará”...) e relativa quando a
necessidade de lei formal se limita à fixação de parâmetros de atuação, podendo ser
complementada por atos infra legais (v.g. “os termos da lei”, “no prazo da lei”, “nos
limites da lei”).
Sobre a reserva de lei relativa expõe Gomes J. J. Canotilho:
Quanto a certas matérias, a Constituição preferiu a lei como meio de actuação das disposições constitucionais, mas não proibiu a intervenção de outros actos legislativos, desde que a lei formal isso mesmo autorize e estabeleça, previamente, os princípios e objeto de regulamentação das matérias (reserva relativa).175
Especificamente no âmbito tributário, Roque Antônio Carrazza destaca
ainda que a lei que instituir o tributo deve obrigatoriamente conter todos os
elementos essenciais da norma jurídica tributária:
No Brasil, por injunção do princípio da legalidade, os tributos são criados, in abstrato, por meio de lei (art. 150, I, da CF), que deve descrever todos os elementos essenciais da norma jurídica tributária. Consideram-se elementos essenciais da norma jurídica tributária os que, de algum modo, influem no an e no quantum do tributo; a saber: a hipótese de incidência do tributo, seu sujeito ativo, seu sujeito
174 Entendida como o “ato normativo emanado do Congresso Nacional elaborado de acordo com o devido processo legislativo constitucional” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 43.). 175 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 635 apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 31ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 43.
95
passivo, sua base de cálculo e sua alíquota. Estes elementos essenciais só podem ser veiculados por meio de lei176.
Conclui-se que a lei deve ser rigorosa em sua redação, não sendo
permitido realizar apontamentos genéricos, indeterminados ou abertos de modo a
possibilitar subjetivismos ou múltiplas situações tributáveis.
4.2. O uso da expressão “redução da base de cálculo” como violação ao
princípio da legalidade
Eurico Marcos Diniz de Santi destaca 05 (cinco) situações que explicam o
surgimento da expressão “redução da base de cálculo” como conceito-solução para
os Estados iludirem a Constituição Federal de 1967 e o Código Tributário
Nacional177:
Importa destacar 5 (cinco) funções que explicam o surgimento da expressão “redução de base de cálculo”, no alvorecer da guerra fiscal, como conceito-solução para que os Estados iludissem a Constituição Federal (1967) e o Código Tributário Nacional (CTN – Lei 5172/66): (i) driblar a alíquota uniforme a ser fixada pelo Senado Federal, ex vi do art. 24, § 4º da CF67; (ii) contornar a exigência de lei estadual para alteração de alíquotas exigida pelo art. 97, IV, do CTN; (iii) desviar da exigência de lei estadual para “exclusão do crédito tributário”, ex vi do art. 97, VI, do CTN; (iv) iludir a regra que determina que a “isenção” decorre sempre de lei, ex vi do art. 176 do CTN e; enfim, (v) dificultar o controle de constitucionalidade do STF, dado que havia à época dúvida acerca do cabimento de controle direto sobre os meros “decretos” que veiculavam as oportunas “reduções de base de cálculo”
176 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 575. 177 Importa destacar 5 (cinco) funções que explicam o surgimento da expressão “redução de base de cálculo”, no alvorecer da guerra fiscal, como conceito-solução para que os Estados iludissem a Constituição Federal (1967) e o Código Tributário Nacional (CTN – Lei 5172/66): (i) driblar a alíquota uniforme a ser fixada pelo Senado Federal, ex vi do art. 24, § 4º da CF67; (ii) contornar a exigência de lei estadual para alteração de alíquotas exigida pelo art. 97, IV, do CTN; (iii) desviar da exigência de lei estadual para “exclusão do crédito tributário”, ex vi do art. 97, VI, do CTN; (iv) iludir a regra que determina que a “isenção” decorre sempre de lei, ex vi do art. 176 do CTN e; enfim, (v) dificultar o controle de constitucionalidade do STF, dado que havia à época dúvida acerca do cabimento de controle direto sobre os meros “decretos” que veiculavam as oportunas “reduções de base de cálculo”. SANTI, Eurico Marcos Diniz de. 5 usos abusivos do termo redução da base de cálculo e o horror da guerra fiscal. Disponível em: http://jota.info/5-usos-abusivos-do-termo-reducao-de-base-de-calculo-e-o-horror-da-guerra-fiscal. Acesso em 05 de outubro de 2015.
96
Optou-se neste trabalho representar o surgimento da expressão “redução
da base de cálculo” como forma de evitar a exigência de (i) estipulação de alíquotas
do ICMS pelo Senado Federal; (ii) lei estadual para fixação de alíquotas; e (iii) lei
para concessão de isenção.
Após o seu surgimento, o uso da redução da base de cálculo se
consolidou, superando as posteriores exigências impostas à forma de concessão da
redução de base de cálculo, tais como a celebração de convênio e a edição de lei
específica.
4.2.1. O uso da redução da base de cálculo como afronta à exigência
de estipulação de alíquotas do ICMS pelo Senado Federal
Com a Emenda Constitucional nº 18/65 a liberdade dos Estados para
estipular as alíquotas do ICMS foi limitada pela introdução da competência do
Senado Federal para fixar as alíquotas máximas do ICMS, nos seguintes termos:
Art. 12. Compete aos Estados o impôsto sôbre operações relativas à
circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores. § 1º A alíquota do impôsto é uniforme para tôdas as mercadorias, não excedendo, nas operações que as destinem a outro Estado, o limite fixado em resolução do Senado Federal, nos têrmos do disposto em lei complementar.
A CF/67 e a EC nº1/69 mantiveram a competência do Senado, tendo
apenas aumentado a sua competência, pois além da fixação das alíquotas máximas
interestaduais mencionaram as internas e de exportação.
O Senado foi o órgão escolhido para realizar esta função, por melhor
representar os Estados-membros, sendo capaz de zelar pelos interesses da
Federação. Sobre esta atribuição de competência ao Senado, Rubens Gomes de
Souza destacou:
Tendo-se em vista que cada Estado elege igual número de senadores, o Senado Federal, estando livre das injunções políticas inerentes à representação proporcional, pode ser considerado como
97
o órgão adequado para dispor sôbre as matérias de interêsse nacional que afetem a mais de um Estado.178
Esta foi a inovação (alíquotas máximas) que se esperava que resolvesse
as desigualdades existentes entres os Estados na vigência do extinto IVC, em caso
de operações interestaduais, no entanto a esperança não se concretizou.
A Resolução do Senado nº 65 de 1970179 fixou as alíquotas máximas para
operações interestaduais em 15%, e para as operações internas, manteve as
alíquotas vigentes à época em cada Estado (v.g. estados da região norte-nordeste,
18% e região centro sul, 17%).
Sobre as consequências dessa estipulação Alcides Jorge Costa180
ressaltou:
Disto resultou que, nas operações interestaduais entre um Estado do cento-sul e outro do norte-nordeste, este último recebia, na operação posterior realizada em seu território, além do ICM resultante do acréscimo de valor da mercadoria, o derivado da diferença de alíquotas.
Os Estados não concordavam com essa diferenciação, pleiteando
alíquotas máximas iguais para todo o país. No entanto, nenhuma
inconstitucionalidade foi reconhecida181.
Com a Resolução nº 98 de 1976182 uniformizaram-se as alíquotas
máximas internas e interestaduais (sudeste e sul, 14%; norte, nordeste e centro-
oeste, 15%), mas as diferenças regionais foram mantidas.
178 SOUZA, Rubens Gomes, A reforma tributária do Brasil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v.87p. 11 179 Art. 1º - As alíquotas máximas do Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias são: I - nas operações internas, as alíquotas vigentes em cada Estado na data desta Resolução; II - nas operações interestaduais e nas de exportação, 15% (quinze por cento). Art. 2º - Consideram-se operações internas: I - aquelas em que remetente e destinatário da mercadoria estejam situados no mesmo Estado; II - aquelas em que o destinatário, embora situado noutro Estado, não seja contribuinte do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, ou, sendo contribuinte, tenha adquirido a mercadoria para uso ou consumo próprio; III - as de entrada, em estabelecimento de contribuinte, de mercadoria importada do exterior pelo titular do estabelecimento. 180 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p.163. 181 “Imagina-se que as alíquotas máximas devam ser as mesmas para todo o país. A força da necessidade produziu um efeito diferente, desconhecendo possíveis vícios de inconstitucionalidade. (...)” (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p.163).
98
Para contornar essa equiparação das alíquotas internas e interestaduais
os Estados encontraram uma saída alternativa: a redução da base de cálculo. Por
meio do Convênio ICM 44/76, que previa uma base de cálculo reduzida, foi possível
alcançar os mesmos efeitos que a diferenciação das alíquotas permitia.
Observe-se ainda que a fixação das alíquotas pelo Senado se limitava a
estabelecer um patamar máximo, o que significava que os Estados podiam
estabelecer alíquotas menores se quisessem. Porém essa redução dependia de lei
estadual (art. 97, IV do CTN) o que dificultava o processo. No entanto, o mesmo
resultado podia ser alcançado com a redução da base de cálculo183. Buscando fugir
da limitação legal, esta foi a opção adotada.
Esta situação se manteve com a Resolução nº 129 de 1979184, sendo
apenas alterada pela CF/88, que aumentou a limitação à liberdade dos Estados, não
mais dispondo sobre a competência para definir as alíquotas máximas para as
operações interestaduais e de exportação, mas sim determinando a estipulação de
uma alíquota fixa pelo Senado (Resolução nº 22 de 1989185):
CF/88. Art. 155. (...) § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação
182 Art. 1º - As alíquotas máximas do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão as seguintes, a partir de 1º de janeiro de 1977: I - Nas operações internas e interestaduais: a) nas regiões Sudeste e Sul: 14%¨(quatorze por cento); b) nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste: 15% (quinze por cento). II - Nas operações de exportação: 13% (treze por cento). 183 “O Senado fixa as alíquotas máximas, mas os Estados podem cobrar o ICM com alíquotas menores. A redução depende, porém, de lei estadual inexistente até agora. O convênio chegou ao mesmo resultado via redução de base de cálculo”. (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p.164.) 184 Art. 1º - As alíquotas máximas do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias
serão as seguintes: I - para as operações internas e interestaduais: a) nas Regiões Sudeste e Sul: 1 -
15% (quinze por cento) em 1980; 2 - 15,5% (quinze inteiros e cinco décimos por cento) em 1981; 3 -
16% (dezesseis por cento) em 1982 e exercícios subseqüentes b) nas Regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste: 16% (dezesseis por cento) em 1980 e exercícios subseqüentes: (...) 185 Art. 1° A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento. Parágrafo único. Nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão: I - em 1989, oito por cento; II - a partir de 1990, sete por cento.
99
É possível observar que a redução da base de cálculo era tida como um
caminho mais simples para se alcançar os mesmos objetivos proporcionados pela
redução da alíquota, mas com menor dificuldade.
4.2.2. O uso da redução da base de cálculo como afronta à
necessidade de lei estadual para fixação de alíquotas
Além da estipulação pelo Senado Federal, as alíquotas encontravam
outra limitação em nível infraconstitucional: o Código Tributário Nacional
determinava (e ainda hoje determina) a necessidade de lei para sua fixação:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; (grifo nosso)
Como decorrência desta previsão legal que dificultava a sua livre
estipulação, a redução da base de cálculo apareceu como solução para os Estados
alcançarem seus objetivos de aumentar arrecadação.
Sobre esta situação Eurico Marcos Diniz de Santi destaca:
Nessa lógica, como “redução de base de cálculo” não é o mesmo que “fixação da alíquota”, os Estados estariam livres das amarras da uniformidade e do legítimo debate político no âmbito do Senado para estabelecerem as distinções que lhes fossem convenientes. (grifo nosso)
É certo que este artigo 97 do CTN também impõe que a fixação da base
de cálculo seja por lei, mas a base de cálculo possui características diversas da
alíquota. Estabelecer a alíquota por lei é estipular o percentual a ser aplicado e
reduzi-la é reduzir este percentual. Com a base de cálculo a raciocínio não funciona
assim.
A base de cálculo apresenta duas feições: base de cálculo normativa e
base de cálculo fática186. Estipular a base de cálculo normativa é indicar a sua
previsão em abstrato na lei (v.g. valor da mercadoria). E estabelecer a base de
cálculo fática é indicar o valor desta mercadoria (v.g. valor da bicicleta = R$ 300,00).
186 Ver capítulo 01, item 1.2.2.
100
Para Aires Barreto apenas a estipulação da base de cálculo normativa depende de
lei187.
No entanto, reduzir a base de cálculo não implica alterar nenhuma destas
duas modalidades. A base de cálculo normativa continuará sendo o valor da
mercadoria e a venda da bicicleta continuará ocorrendo por R$ 300,00. A redução
ocorrerá apenas no momento da apuração do valor do tributo devido.
Diante deste fato, não há como dizer que existia necessidade de lei para
redução da base de cálculo. E por este motivo, aproveitando-se desta peculiaridade,
os Estados a concediam por meio de decreto.
O fato de utilizarem decreto para a concessão de redução de base de
cálculo trazia mais uma vantagem, evitar o controle de constitucionalidade do
Supremo Tribunal Federal.
Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal não admite controle de
constitucionalidade de decretos, pois estes possuem função meramente
regulamentar e uma vez excedendo os limites das leis que regulamentam incidem
em ilegalidade, fugindo do âmbito de competência do STF.
Nesse sentido entende Robson Maia Lins188:
É com fundamento na falta de autonomia normativa que o STF não aceita que Adin e ADC sejam propostas contra leis e atos normativos que ofendam ainda que indiretamente à Constituição. Na seara tributária, seria o caso do regulamento de execução de RMIT. O regulamento, na hipótese de desbordar dos limites da RMIT, estaria violando diretamente a própria RMIT e somente indiretamente a Constituição.
A concessão de redução de base de cálculo por decreto tinha, então, a
vantagem de não se submeter ao controle da corte suprema.
É certo que atualmente o STF admite o controle de constitucionalidade de
decretos que concedem benefícios fiscais189, pois entendem tratar-se de decretos
187 Ver capítulo 01, item 1.2.2 e nota de rodapé nº 54. 188 O Supremo Tribunal Federal e norma jurídica: aproximações com o constructivismo lógico-semântico. In: HARET, Florence e CARNEIROS, Jerson. Vilém Flusser e Juristas – comemoração dos 25 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Noeses, 2009, p. 367-395.
101
autônomos, porém inicialmente este entendimento não era pacífico190, influenciando
ainda mais o uso da expressão redução da base de cálculo.
4.2.3. O uso da redução da base de cálculo como afronta à
obrigatoriedade de lei para concessão de isenção
Outro empecilho para os Estados era a necessidade de lei para a
concessão de isenção. Esta limitação está prevista no Código Tributário Nacional,
conforme demonstra a redação dos seguintes dispositivos:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. (grifo nosso)
É fato que apesar destas disposições legais, os Estados afrontavam a
legalidade de duas formas: ou alteravam as alíquotas e concediam isenções sem lei,
ou procuravam dar “ar de legalidade” a seus atos, buscando os meios obscuros da
redução da base de cálculo.
189 O STF passou a entender que os decretos que concedem benefícios fiscais não se tratam de meros decretos regulamentares, mas sim decretos autônomos, na medida em que inovam o ordenamento ao introduzir um novo benefício fiscal: EMENTAS: 1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de constitucionalidade. 2 (...) (ADI 4152, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-181 DIVULG 20-09-2011 PUBLIC 21-09-2011 EMENT VOL-02591-01 PP-00050) 190 TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CLÁUSULA SEGUNDA DO CONVÊNIO 13/97 E §§ 6.º E 7.º DO ART. 498 DO DEC. nº 35.245/91 (REDAÇÃO DO ART. 1.º DO DEC. nº 37.406/98), DO ESTADO DE ALAGOAS. ALEGADA OFENSA AO § 7.º DO ART. 150 DA CF (REDAÇÃO DA EC 3/93) E AO DIREITO DE PETIÇÃO E DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. Convênio que objetivou prevenir guerra fiscal resultante de eventual concessão do benefício tributário representado pela restituição do ICMS cobrado a maior quando a operação final for de valor inferior ao do fato gerador presumido. Irrelevante que não tenha sido subscrito por todos os Estados, se não se cuida de concessão de benefício (LC 24/75, art. 2.º, INC. 2.º). Impossibilidade de exame, nesta ação, do decreto, que tem natureza regulamentar. (...) (ADI 1851, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2002, DJ 22-11-2002 PP-00055 EMENT VOL-02092-01 PP-00139 REPUBLICAÇÃO: DJ 13-12-2002 PP-00060)
102
4.2.4. A redução de base de cálculo manteve-se ativa na função de
afrontar a legalidade, apesar da obrigatoriedade de celebração de
convênios (LC 24/75)
Para evitar as afrontas a legalidade e regular a forma de concessão de
isenção pelos Estados, instituiu-se com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 a
necessidade de celebração de convênios, que seriam regulados por lei
complementar191. Com esta medida pretendia-se centralizar e harmonizar a
concessão de isenções pelos Estados, e, por consequência, limitar a competência
deles para tais atos.
Foi a Lei Complementar 24/75 que cumpriu o papel de regular esta
disposição constitucional:
Art. 1º - As isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. Parágrafo único - O disposto neste artigo também se aplica: I - à redução da base de cálculo; II - à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a responsável ou a terceiros; III - à concessão de créditos presumidos; IV - à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto de Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus; V - às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta data. (grifo nosso)
Como se pode perceber a lei complementar procurou abranger todas as
formas de benefícios fiscais, inclusive a redução de base de cálculo, trazendo uma
forma de controle centralizado para essas ações.
No entanto, o uso da redução da base de cálculo continuou sendo viável
para os Estados, afinal a única restrição colocada ao seu uso foi a elaboração de
convênio, mantendo-se a possibilidade de despistar a obrigatoriedade de
191 Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sôbre: (...) § 6º As isenções do impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias serão concedidas ou revogadas nos têrmos fixados em convênios, celebrados e ratificados pelos Estados, segundo o disposto em lei complementar.
103
estipulação das alíquotas pelo Senado, a necessidade de lei para alteração das
alíquotas e a exigência de lei para a concessão de isenção192.
Em reação contra essa alteração legislativa, os Estados tentaram ainda
desqualificar a importância dos convênios, alegando tratarem-se de mecanismos
meramente autorizativos, apenas servindo de fundamento de validade para a
concessão de redução da base de cálculo. Por muitos anos o STF manteve firme
seu posicionamento sobre a impositividade dos convênios, porém recentemente
cedeu às pretensões dos Estados, passando a considerá-los meramente
autorizativos193.
4.2.5. Restrição ao aproveitamento de crédito introduzida pela EC nº
23/83 aumentou a importância da redução da base de cálculo para
os Estados
A Emenda Constitucional nº 23/83, fruto da pressão dos Estados que
sofriam com a concessão unilateral de benefícios fiscais, introduziu uma exceção ao
princípio da não-cumulatividade, proibindo a concessão de créditos nas operações
seguintes às que houvesse isenção ou não incidência. Posteriormente, com a
Constituição de 1988, esta restrição passou a abranger também os créditos
decorrentes de operações anteriores:
Art. 155. §2º (...) II - a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
Cumpre destacar a ressalva contida no inciso II deste artigo: a isenção ou
não incidência não implicará crédito ou o anulará, apenas se não houver
determinação em contrário da legislação.
Mas o que se entende por “legislação” em contrário?
192 Eurico Marcos Diniz de Santi. Parecer, 2015, não publicado. 193 Ver capítulo 02.
104
O Código Tributário Nacional estabelece a abrangência do termo
legislação tributária em seu art. 96, prescrevendo que elas abrangem as normas
complementares que versem sobre tributos:
Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes.
E no conceito de normas complementares este mesmo Código inclui os
convênios celebrados entre os entes federativos:
Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa; III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Assim, pode-se concluir que o termo “legislação” na forma como adotado
pelo CTN abrange os convênios firmados pelos Estados em matéria de ICMS.
Neste sentido, Roque Antonio Carrazza194 ensina:
Em matéria de ICMS, convênio é o acordo, o ajuste, o programa a ser desenvolvido pelos Estados-membros e pelo Distrito Federal. Pode e deve ser considerado legislação tributária. (...) Assim, quando o art. 155, §2º, II, alude à “determinação em contrário da legislação”, compreende também os Convênios-ICMS.
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, não foi claro ao debater este
tema em seus julgamentos, conforme se pode observar nos acórdãos dos casos
Santa Catarina e Santa Lúcia195, não havendo como concluir por uma posição que
represente o entendimento desta corte suprema.
Para concluir, importa ressaltar que a introdução da EC nº 23/83 tornou o
uso da redução da base de cálculo ainda mais vantajosa para os Estados por não a
incluir nas hipóteses de restrição ao crédito, o que foi mantido pelo art. 155, §2º, II
194 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer, 2011. Não publicado, p. 54-55. 195 A indecisão do STF sobre a abrangência do termo “legislação” será demostrada no último capítulo, item 7.4 e 7.5.
105
da CF/88. Em razão da ausência de restrição constitucional a redução da base de
cálculo poderia, então, ser usada com aplicação irrestrita do princípio da não
cumulatividade.
4.2.6. O uso da redução da base de cálculo manteve-se vantajoso,
apesar da exigência de lei específica introduzida pela EC nº 3 de
1993
Objetivando aumentar a regulamentação sobre a concessão de benefícios
fiscais, foi introduzida pela EC nº 3 de 1993 a necessidade de lei específica196 para a
concessão de redução da base de cálculo, sendo a atual redação da Constituição
Federal de 1988 a seguinte:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de
1993)
É claro que a exigência de lei para a concessão de isenção decorre do
princípio da estrita legalidade tributária e já constava expressamente no CTN. No
entanto, diante do frequente desrespeito a essas normas, e da falta de previsão
legal para as demais espécies de benefícios fiscais, inseriu-se esse novo dispositivo
constitucional.
Apesar de configurar mais uma limitação ao uso da redução da base de
cálculo, a exigência de lei específica serviu de reforço para os Estados clamarem
por sua autonomia, alegando que apesar da necessidade de convênios para
concessão de redução de base de cálculo, ela só poderia ser efetivamente
196 Foi esta alteração legislativa que deu força ao argumento dos Estados sobre a natureza autorizativa dos convênios, como visto no capítulo 04.
106
concedida mediante lei específica estadual (tornando os convênios mecanismos
meramente autorizativos)197.
Este fato, somado à não inclusão nas hipóteses de restrição ao crédito,
forneceu à redução da base de cálculo as características que os Estados
procuravam para reaver a autonomia perdida com as sucessivas alterações
legislativas.
4.2.6.1. O termo “lei específica” na interpretação do STF
O referido §6º do art. 150 da CF/88, ao referir-se à “lei específica” trouxe à
tona dúvidas sobre sua interpretação desencadeando discussão sobre a forma pela
qual a implementação dos convênios deveria se dar; isto porque a LC nº 24/75
estabelecia que a ratificação se daria por decreto executivo. Assim, a dúvida que se
coloca é se ela deveria ocorrer por decreto executivo, legislativo ou por lei em
sentido estrito. Analisaremos nesse momento a evolução da jurisprudência do STF
sobre o assunto.
Antes de iniciar a análise dos julgados, é preciso esclarecer, para a
correta compreensão da redação do parágrafo 6º, incluído no art. 150 da CF8/88, o
sentido e alcance de dois termos utilizados: a exigência de lei “específica” e
regulação “exclusiva”.
Tércio Sampaio Ferraz Junior ao estudar este dispositivo legal destacou a
importância de interpretá-lo conjuntamente com seu caput, concluindo que as
exigências contidas no §6º devem ser consideradas de acordo com as garantias
asseguradas aos contribuintes. Isto porque a expressão “sem prejuízo de outras
garantias” utilizada no caput leva a crer que o conteúdo do artigo em questão é um
elenco delas que se acresce às demais garantias existentes na Constituição198.
Posteriormente, ao analisar a exigência de lei específica, referido autor
verifica que o conceito de ‘específico’ opõe-se ao de ‘genérico’, e que este, por sua
197 Ver capítulo 2. 198 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Remissão e Anistia fiscais: Sentido dos Conceitos e Forma Constitucional de Concessão. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 92, p. 67.
107
vez, possui dois sentidos, conforme observado por Norberto Bobbio199: (i) dirige-se a
todos os destinatários ou (ii) a sua matéria consiste num tipo abstrato. Assim, tem-se
no primeiro caso a generalidade do sujeito e no segundo, do objeto.
Assim, conclui que:
A exigência de lei específica significa, nesse sentido, que seus preceitos devem estar dirigidos a um subconjunto dentro de um conjunto de sujeitos ou que seu conteúdo deve estar singularizado na descrição da facti species normativa, isto é, pela delimitação de um subconjunto material dentro de um conjunto200.
Ou seja, ambas as possibilidades de interpretação da expressão “lei
específica” observam os preceitos constitucionais, devendo então a lei dirigir-se a
um determinado grupo de pessoas e tratar de uma matéria específica.
O mencionado parágrafo 6º refere-se ainda à regulamentação exclusiva
das matérias nele enumeradas ou do tributo a elas correspondente. Diante disso,
Tercio S. Ferraz Junior, delimitou qual o objetivo dessa exigência, tendo em vista
que o dispositivo trata de uma proteção ao contribuinte201:
(...) a exclusividade deve ser tomada como um instrumento a serviço da sistematicidade orgânica da disciplina normativa. Por isso, no exame de caso o que se deve observar é essa sistematicidade orgânica do diploma legal e verificar, dentro dela, a matéria, revelando-se deste modo o tratamento exclusivo.
Chegou a essa conclusão por entender que, gramaticalmente, a
exclusividade possui sentido de concentração temática e, portanto, o que importa é
o contexto em que a matéria está inserida, visando-se impedir apenas que o
benefício fiscal seja tratado em uma lei que não possua qualquer relação com ele ou
com o tributo a que se refere.
199 BOBBIO, Norberto. Studi per uma Teoria Generale del Diritto. Torino, 1979, p 11 e ss. apud FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Remissão e Anistia fiscais: Sentido dos Conceitos e Forma Constitucional de Concessão. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 92, p. 68. 200 Tércio Sampaio. Remissão e Anistia fiscais: Sentido dos Conceitos e Forma Constitucional de Concessão. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 92, p. 68. 201 “Como vimos, seu sentido é de proteção do contribuinte contra a discricionariedade na concessão de uma exceção, evitando-se, destarte que se privilegie ilegitimamente um em detrimento dos demais, mas também de proteção contra o tratamento igual de contribuintes em situação desigual, evitando-se, em contrapartida, uma iniquidade”. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Remissão e Anistia fiscais: Sentido dos Conceitos e Forma Constitucional de Concessão. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, nº 92, p. 69.
108
Enfim, delimitado o alcance das expressões do art. 150, §6º da CF,
passa-se a discorrer sobre as formas de implementação dos convênios celebrados
pelo CONFAZ, no âmbito do ICMS: se por meio de lei, decreto legislativo ou decreto
executivo.
A LC nº 24/1975 dispõe em seu art. 4º que a ratificação dos convênios
será feita por decreto publicado pelo Poder Executivo de cada Estado:
Art. 4º - Dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados da publicação dos convênios no Diário Oficial da União, e independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de cada Unidade da Federação publicará decreto ratificando ou não os convênios celebrados, considerando-se ratificação tácita dos convênios a falta de manifestação no prazo assinalado neste artigo.
O Supremo Tribunal Federal já entendeu ser válida essa disposição da
Lei Complementar nº 24/75, ao julgar o RE 106.796 interposto por empresa que
objetivava invalidar a revogação de benefício fiscal concedido por convênio e
implementado por decreto estadual.
A fundamentação do julgado não se baseou na análise da necessidade
de convênio para revogação de benefícios fiscais, pois este efetivamente existia,
mas sim na possibilidade de sua implementação ser feita por decreto.
Assim, nosso tribunal supremo entendeu que a Lei Complementar, com
competência concedida pela Constituição, possibilitou que a ratificação fosse feita
por decreto do Poder Executivo, o que foi cumprido pelo decreto ora questionado,
validando a revogação:
As isenções de ICM são feitas por convênios e por eles revogadas — Art. 23, § 6º, da Constituição sem ofensa ao princípio da legalidade. Válida é a ratificação do Convênio por decreto do Poder Executivo - Art. 4º da Lei complementar nº 24, de 7.1.75. O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da CF) não se aplica à revogação de isenção do ICM. RE conhecido e provido. (RE 106796, Relator(a): Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 12/11/1985, DJ 06-12-1985 PP-22588 EMENT VOL-01403-03 PP-00598)
A despeito dessa decisão do STF, muitos doutrinadores defendem que o
decreto executivo não é o instrumento adequado para a implementação de convênio
109
pelo Estado, dentre eles destacam-se Geraldo Ataliba202 e José Souto Maior Borges,
que já em 1975 nos ensinava que:
“... numa decorrência do princípio da legalidade tributária e sem a qual não estarão obedecidas as suas exigências solenes, o sistema da Constituição exige sejam os convênios ratificados pelas Assembleias Legislativas Estaduais. É portanto manifestamente inconstitucional a prática de ratificação dos convênios mediante Decreto do Poder Executivo”203
Essa corrente ganhou força com a Emenda Constitucional nº 3 de 1993,
que incluiu o §6º no art. 150 da CF, sendo possível perceber a mudança de
posicionamento do STF sobre o assunto.
Em 1995 (ADI 1296 MC)204, ao ser instado a se manifestar sobre a
constitucionalidade de lei estadual que autorizava um decreto executivo a conceder
benefícios fiscais, entendeu que referida norma operava “indisfarçável delegação
202 “Exige o texto constitucional que os convênios sejam ‘celebrados’ pelos Estados e depois ‘ratificados’. A celebração cabe ao Executivo. A ratificação ao Poder Legislativo. ‘Estado’ não é Executivo. O Estado se representa pelo Executivo, mas delibera mediante harmônica atuação deste com o Legislativo. Nem tem propósito que um Auxiliar do governador o ratifique. Não foi isso o que quis dizer a Carta Magna” (ATALIBA, Geraldo. Convênios interestaduais e ICM. Artigo in O Estado de São Paulo, de 25.06.1972 apud BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 173). 203 BORGES, José Souto Maior. Lei Complementar Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 173. 204 E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ESTADUAL QUE OUTORGA AO PODER EXECUTIVO A PRERROGATIVA DE DISPOR, NORMATIVAMENTE, SOBRE MATÉRIA TRIBUTARIA - DELEGAÇÃO LEGISLATIVA EXTERNA - MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO - POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PRINCÍPIO DA RESERVA ABSOLUTA DE LEI EM SENTIDO FORMAL - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - CONVENIENCIA DA SUSPENSÃO DE EFICACIA DAS NORMAS LEGAIS IMPUGNADAS - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. - A essência do direito tributário - respeitados os postulados fixados pela própria Constituição - reside na integral submissão do poder estatal a rule of law. (...) O Executivo não pode, fundando-se em mera permissão legislativa constante de lei comum, valer-se do regulamento delegado ou autorizado como sucedâneo da lei delegada para o efeito de disciplinar, normativamente, temas sujeitos a reserva constitucional de lei. – (...). Isso significa dizer que o legislador não pode abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado - como o Poder Executivo - produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de fonte parlamentar. O legislador, em consequência, não pode deslocar para a esfera institucional de atuação do Poder Executivo - que constitui instância juridicamente inadequada - o exercício do poder de regulação estatal incidente sobre determinadas categorias temáticas - (a) a outorga de isenção fiscal, (b) a redução da base de cálculo tributaria, (c) a concessão de crédito presumido e (d) a prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente submetidas, em razão de sua própria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal. - Traduz situação configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae - tendo em vista o sistema constitucional de poderes limitados vigente no Brasil - só pode residir em atos estatais primários editados pelo Poder Legislativo. (ADI 1296 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 14/06/1995, DJ 10-08-1995 PP-23554 EMENT VOL-01795-01 PP-00027)
110
legislativa externa, outorgando ao Executivo o exercício de um encargo jurídico
absolutamente intransferível pelo Parlamento a qualquer outra instância de poder”.
Com base nesse precedente, já em 2009, com o RE 539.130205,o STF
firmou sua jurisprudência no sentido de não ser autorizado ao Poder Legislativo
delegar atividade que lhe é inerente, além de o Poder Executivo não possuir reserva
de lei de sua iniciativa para dispor sobre matéria tributária, principalmente sobre
concessão de benefícios fiscais206.
Neste acórdão, o Min. Joaquim Barbosa destaca ainda que o sentido de
“lei” do art. 150, §6º da CF precisa ser interpretado de forma ampla, conforme trecho
extraído de seu voto:
Ainda assim, especificamente para a concessão de benefícios relativos ao ICMS, dou à palavra “lei” interpretação mais ampla, de modo a significar “legislação tributária”.
Verifica-se que neste acórdão, utilizado como precedente para muitos
outros207, o Supremo não só se posiciona pela inconstitucionalidade de ratificação
por decreto executivo, como também flexibiliza o termo “lei” utilizado pelo §6º,
entendendo como sinônimo de legislação, abrangendo, portanto, o decreto
legislativo. Assim, tanto o decreto legislativo quanto a lei estadual, são considerados
aptos pelo STF para implementarem os convênios.
205 DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVÊNIO ICMS 91/91. ISENÇÃO DE ICMS. REGIME ADUANEIRO ESPECIAL DE LOJA FRANCA. "FREE SHOPS" NOS AEROPORTOS. PROMULGAÇÃO DE DECRETO LEGISLATIVO. ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. 1. Legitimidade, na hipótese, da concessão de isenção de ICMS, cuja autorização foi prevista em convênio, uma vez presentes os elementos legais determinantes para vigência e eficácia do benefício fiscal. 2. Recurso extraordinário conhecido, mas desprovido. (RE 539130, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-022 DIVULG 04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010 EMENT VOL-02388-05 PP-00900 RTJ VOL-00213- PP-00682 RDDT n. 175, 2010, p. 179-185 RT v. 99, n. 895, 2010, p. 177-185 LEXSTF v. 32, n. 374, 2010, p. 227-241) 206 “Ademais, esta Corte já firmou não haver reserva de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre matéria tributária, inclusive benefícios fiscal, se a hipótese não versar sobre os territórios (cf., por todos, a ADI 2.464, rel. min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe- 023 Divulg 24-05-07 Public 25-05-2007)” (RE 539130, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 04/12/2009, DJe-022 DIVULG 04-02-2010 PUBLIC 05-02-2010). 207 RE nº 576.357/RS, Min. Rel. Celso de Mello; RE nº 588.765/RN, Min. Rel. Joaquim Barbosa; RE nº 610.480/RS, Min. Rel. Celso de Mello; e RE nº 611.433/RS, Min. Rel. Ricardo Lewandowski; entre outros.
111
Este também é o entendimento de Roque Antonio Carrazza208, ao afirmar
que apenas o poder legislativo, e não o executivo, tem legitimidade para ratificar um
convênio:
...os Estados e o Distrito Federal, querendo conceder isenções de ICMS, devem firmar entre si, por seus Executivos, convênios (pactos, acordos, contratos). Tais convênios, para se tornarem direito interno das unidades federativas interessadas, precisam ser ratificados, não por decreto do Governador – como infelizmente vem acontecendo com base o art. 4º da Lei Complementar 24/75 – mas, sim, por meio de decreto legislativo baixado pela respectiva Assembleia Legislativa ou, no caso do Distrito Federal, por sua Câmara Legislativa. Repisamos que, por força do princípio da legalidade, o decreto legislativo (estadual e distrital) – lei em sentido material, como ensinava Pontes de Miranda – é que deve conceder isenções de ICMS.
Assim, atualmente o STF entende que a ratificação dos convênios é
imprescindível para sua eficácia209. Ou seja, o convênio é válido, porém não gera
efeitos para os Estados que não o implementarem. E o meio pelo qual essa
ratificação deve ser feita, depende da interpretação dada a expressão “lei
específica”, que este tribunal entendeu abranger tanto a lei em sentido estrito,
quanto decretos legislativos.
208 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 9ª ed revista e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 374. 209 Cumpre fazer alguns esclarecimentos sobre os conceitos de validade, vigência e eficácia utilizados neste trabalho. Adotou-se os conceitos de Paulo de Barros Carvalho, sendo válida a norma que “mantém relação de pertinencialidade com o sistema ‘S’, ou que nele foi posta por órgão legitimado a produzi-la, mediante procedimento estabelecido para esse fim”. Diante dessas ponderações, pode-se concluir que a “vigência se confunde com a existência da norma, de sorte que afirmar que u’a norma existe implica reconhecer sua validade, em face de determinado sistema jurídico”. Já a vigência, caracteriza-se pela “aptidão para qualificar fatos e determinar o surgimento de efeitos de direito, dentro dos limites que a ordem positiva estabelece, no que concerne ao espaço e no que consulta ao tempo”. Por fim, a eficácia pode ser estudada em três fases: (i) eficácia jurídica configura o “próprio mecanismo lógico da incidência, o processo pelo qual, efetivando-se o fato previsto no antecedente, projetem-se os efeitos prescritos no consequente”; (ii) eficácia técnica é a “condição que a regra do direito ostenta, no sentido de descrever acontecimentos que, uma vez ocorridos no plano do real-social, tenham o condão de irradiar efeitos jurídicos, já removidos os obstáculos de ordem material que impediam tal propagação”; e (iii) eficácia social ou efetividade diz respeito aos “padrões de acatamento com que a comunidade responde aos mandamentos de uma ordem jurídica historicamente dada”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 114-117)
112
CAPÍTULO 5 - REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO DA
NÃO CUMULATIVIDADE
O uso da expressão redução da base de cálculo viola o princípio da não
cumulatividade, na medida em que a pretensão de equipará-lo com o conceito de
isenção parcial210 torna cumulativo o ICMS sem autorização constitucional.
A cumulatividade do imposto decorre da anulação dos créditos feita pelos
Estados nos casos de operações com redução da base de cálculo e ela não possui
autorização constitucional, pois as duas únicas hipóteses de restrição ao crédito são
a isenção e a não incidência.
A equiparação destes conceitos revela a intenção dos Estados em
desrespeitar a Constituição: ao invés de concederem isenção, reduzem a base de
cálculo, atraindo contribuintes, para depois pretender a equiparação dos conceitos
por meio do judiciário, anulando a diferença do crédito pago na operação
interestadual anterior.
É justamente a cumulatividade do tributo, que torna a mercadoria vinda de
outro estado mais onerosa que a do Estado que concedeu a redução da base de
cálculo, produzindo o efeito de barreira fiscal, o que viola o art. 152 da CF211.
5.1. Princípio da não cumulatividade
Assim como o princípio da legalidade descrito no capítulo anterior, também o
princípio da não cumulatividade se configura como um limite objetivo, realizando de
forma indireta outros princípios-valores, tais como “o da justiça da tributação, o do
210 No primeiro capítulo, item 1.4.3, foi defendida a imprecisão da expressão “isenção parcial”, uma vez que ela não se inclui no conceito de isenção, tratando-se de mera redução do valor do tributo. Defendemos ainda que o conceito de redução de base de cálculo não se equipara ao de isenção, pois no primeiro há incidência do tributo e no segundo, não. Logo a pretensão dos Estados em equiparar a redução da base de cálculo à isenção parcial, não é possível, por dois motivos: (i) na redução da base de cálculo há incidência e por isso não pode ser confundida com a isenção e (ii) na isenção parcial, por também ocorrer a incidência, não pode ser considera como isenção. 211 Conforme será demonstrado no capítulo 6.
113
respeito a capacidade contributiva do administrado e o da uniformidade na
distribuição da carga tributária”212.
A substituição do IVC pelo ICM objetivou retirar a característica da
cumulatividade que vigorava anteriormente, para torná-lo um imposto não
cumulativo, a exemplo da francesa taxe sur la valeur ajoutée (TVA), evitando assim
o que se convencionou chamar de incidência “em cascata” e seus inúmeros
problemas, tal como a verticalização das estruturas empresarias e a falta de
neutralidade do tributo.
Assim, a partir da EC nº 18/65 concretizou-se em nossas constituições
(1967/1969 e 1988) uma regra matemática de compensação ou abatimento dos
valores cobrados nas operações anteriores com o que seria devido nas seguintes,
nos seguintes termos:
EC nº 18/65. Art. 12. Compete aos Estados o impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores.§ 2º O impôsto é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos têrmos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou por outro Estado, e não incidirá sôbre a venda a varejo, diretamente ao consumidor, de gêneros de primeira necessidade, definidos como tais por ato do Poder Executivo Estadual.
CF/88. Art. 155. §2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
O objetivo dessa regra é tributar apenas a diferença entre o valor da
operação seguinte e da operação anterior, em outras palavras, gravar apenas o
valor acrescido213, permitindo o controle do gravame que incidiu no processo
produtivo e viabilizando a liberdade de circulação de mercadorias e serviços.
212 CARVALHO, Paulo de Barros. Isenções tributárias do IPI, em face do princípio da não cumulatividade. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo, n. 33, p. 156. 213 “... se o imposto é multifásico, se é não cumulativo e se a Constituição manda que em cada operação seja abatido o imposto cobrado nas anteriores, segue-se que se trata de um imposto sobre o valor acrescido, nota característica essencial do tributo.” (COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 152)
114
Destacam-se dois métodos de apuração do valor acrescido, o método base
sobre base e o método imposto sobre imposto214. O primeiro, menos utilizado em
razão da maior dificuldade prática, consiste na dedução do valor das mercadorias e
serviços adquiridos pelo contribuinte da base de cálculo do tributo, sendo aplicada
sobre este valor a alíquota.
Já o segundo método, que foi o adotado no Brasil desde a implantação da
não-cumulatividade, consiste na compensação do imposto a ser pago na operação
seguinte com o imposto que incidiu na operação anterior. Assim, na fatura (nota
fiscal) o imposto que incidiu na operação vem destacado para posteriormente ser
abatido do imposto a ser pago pelo contribuinte adquirente215.
Geraldo Ataliba e Cléber Giardino216 explicam o fenômeno da
compensação217 seguinte forma:
O esquema constitucional, portanto - ao mencionar 'abatimento' - pode ser visto como um processo matemático de dedução no qual, por imposição constitucional, o montante do ICM devido é o 'minuendo' e o montante de ICM anteriormente cobrado é o 'subtraendo'. (Não é de surpreender, assim, que tenham prosperado as expressões 'débito', 'crédito', 'conta-corrente', etc., para indicar este fenômeno, todas elas tradutoras, numa linguagem leiga, do procedimento jurídico da compensação).
E no mesmo sentido acrescenta Roque Antonio Carrazza218:
De fato, a compensação a que estamos aludindo efetiva-se por intermédio da chamada “conta-corrente fiscal”, em que o saldo, se devedor, é suportado pelo contribuinte e, se credor, é transferido para aproveitamento em períodos subsequentes.
Pode-se concluir que o princípio da não-cumulatividade se realiza por meio
do mecanismo de compensação de créditos e débitos. E consequentemente
havendo créditos decorrentes de operações anteriores é direito do contribuinte a
214 COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1979, p. 155. 215 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2012, p. 71-72. 216 Abatimento Constitucional – Princípio da não-cumulatividade. Revista de Direito Tributário. São Paulo, nº. 29/30, p. 117. 217 Observa-se que nas Constituições anteriores a redação utilizada pelo constituinte era “abatimento”, expressão que foi alterada pela Constituição de 1988, passando a constar “compensação”. 218 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. 2011. Não publicado, p. 21.
115
compensação, não sendo admitidas restrições, além das previstas pela própria
Constituição.
Estas restrições constitucionalmente previstas não podem sofrer alterações
de legislações infraconstitucionais, uma vez que só é admitida diminuição da
abrangência do princípio da não-cumulatividade diante de autorização da própria
Constituição Federal, o que ocorre em apenas duas hipóteses: isenção e não
incidência.
Trata-se de rol taxativo, que não pode ser ampliado nem pelo legislador
ordinário, nem pelo julgador e muito menos pelo agente fiscal, uma vez que as
exceções devem sempre ser interpretadas restritivamente, como sugere a máxima
exceptio este strictissimae interpretations219.
Há ainda juristas que entendem que mesmo as restrições constitucionais
não podem ser absolutas. É o caso de Tércio Sampaio Ferraz Junior, que procura
solucionar o aparente conflito entre o princípio da não-cumulatividade e as exceções
previstas constitucionalmente, destacando quais situações estariam abrangidas
pelas normas restritivas do crédito:
Desta principiologia segue inelutável e claramente quais as situações objetivadas pelo Constituinte e quais as que ele exclui, quando excepciona a aplicação do princípio da não-cumulatividade nos casos de isenção e não incidência. Se, como dissemos, o princípio da não-cumulatividade caracteriza uma técnica de política fiscal funcionalmente mais adequada e normativamente mais justa, e se as isenções e as não-incidências podem provocar, em não se compensando o crédito. a elas referentes, perversos efeitos cumulativos em cascata, então as exceções contidas nas alíneas "a", e "b" do inc. II do § 2º do art. 155 só cabem para aquelas situações em que o crédito de um imposto que não incidiu em operação anterior conduzisse a um efeito oposto ao da acumulação, pois levaria a uma incidência final inferior à que resultaria da aplicação da alíquota nominal do tributo ao preço do varejo. Isto criaria para o órgão arrecadador uma situação desigual em que, por causa da não-cumulatividade, ele seria prejudicado. Regra geral, estas situações aparecem quando a isenção ou não-incidência ocorrem no começo ou no fim do ciclo de circulação de mercadorias. Nestes casos e apenas neles da aplicação do princípio da não-cumulatividade haveria um prejuízo para o órgão arrecadador, configurando-se destarte uma situação excepcional que exige a aplicação da regra, da especialidade e da qual decorre o estrito entendimento das referidas alíneas "a" e' "b". Este entendimento
219 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. 2011. Não publicado, p.28.
116
estrito, que preserva o sentido próprio e genérico da não-cumulatividade, exige, por outro lado, que quando a isenção ou a não-incidência ocorra no meio do ciclo, o crédito só deixará de ser compensado, devendo ser anulado, apenas no que diz respeito às operações imediatamente posteriores e anteriores, não valendo para as subseqüentes, sob pena de se provocarem extensos e perversos efeitos cumulativos. Fora destes casos, vale plenamente o princípio da não-cumulatividade (cf.. Carlos Maximiliano, ob. cit., p. 313: "Interpretam-se estritamente os dispositivos que. instituem exceções às regras gerais firmadas pela Consti-tuição").
Assim, a restrição ao crédito só poderia ocorrer nas situações em que
houvesse prejuízo ao órgão arrecadador, que o autor destaca como sendo os casos
de isenção ou não incidência no início ou no fim da cadeia produtiva. Nas hipóteses
de isenção ou não incidência no meio da cadeia, impõe-se então a anulação dos
créditos apenas nas operações imediatamente posteriores e anteriores, não
podendo ser aplicada às subsequentes.
Concorde-se ou não com a posição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, é certo
que as únicas situações em que é possível haver vedação ao aproveitamento de
créditos são as previstas constitucionalmente, ou seja, nos casos de isenção ou não
incidência.
Logo, o princípio da não cumulatividade garante, como regra geral, o direito
dos contribuintes à manutenção dos créditos tributários, uma vez que só assim ele é
capaz de preservar a neutralidade do tributo. Por consequência é incabível
considerar o direito ao crédito como uma espécie de benefício fiscal, uma vez que
consiste no próprio mecanismo garantidor da não cumulatividade tributária.
Ainda sobre este princípio é importante tecer algumas considerações a
respeito da expressão “montante cobrado” prevista no art. 155, §2º, I da CF,
supracitado, para demonstrar a impropriedade do constituinte ao utilizá-la.
Já destacamos no primeiro capítulo as desvantagens jurídicas e econômicas
que um sistema cumulativo de impostos multifásicos apresentava à época de
vigência do IVC. Assim, observa-se que com a instituição de um sistema não
cumulativo procurou-se eliminar tais problemas. Ocorre que, ao interpretar-se
117
“montante cobrado” como montante efetivamente pago, referida intenção do
legislador se anularia. É o que narra Clélio Chiesa220:
Cumpre assinalamos, antes de prosseguir no estudo da não-cumulatividade, que a expressão ‘montante cobrado nas anteriores’ foi impropriamente utilizado pelo constituinte, pois o objetivo não é exigir que o contribuinte perquira em cada operação se houve ou não pagamento para, posteriormente, creditar-se. Se assim fosse, frustrado estaria o objetivo de instituir-se um ICMS não-cumulativo, diante das diversidades das ocorrências fáticas.
Com o mesmo raciocínio, nos ensina Alcides Jorge Costa que o sentido de
“cobrado” deve ser entendido como “incidente”:
... O art. 23, II, da Constituição (Emenda nº1) fala em “montante cobrado nas anteriores”, ao passo que o artigo 3º, §1º, do decreto-lei nº 406/68 menciona o “imposto pago relativamente às mercadorias nele (estabelecimento) entradas”. O vocábulo “cobrado” não pode ser entendido no sentido de concretamente exigido. Seria irreal pretender que o adquirente soubesse se o Estado exigiu ou não, concretamente, o ICM que incidiu sobre a operação. O sentido de cobrar só pode ser o de incidir. E se assim é na Constituição, o “pago” mencionado no art. 3º, §1º do decreto-lei nº 406/68 não pode ter significado diverso.
Assim, buscando sintonia com as normas constitucionais, é necessário
esclarecer que basta a incidência do ICMS para que a compensação prevista seja
devida.
5.2. A impossibilidade de restrição dos créditos decorrentes de redução
da base de cálculo
Não se podendo equiparar redução de base de cálculo à isenção (parcial),
conforme demonstrado no primeiro capítulo, item 1.5, torna-se inconstitucional
qualquer pretensão de vedação ao crédito de contribuintes beneficiados pela
redução de base de cálculo.
220 CHIESA, Clélio. ICMS – Sistema constitucional tributário. Algumas inconstitucionalidades da LC 87/96. São Paulo: LTR, 1997, p. 119.
118
Isso ocorre porque a Constituição Federal prevê duas hipóteses que
autorizam a anulação de créditos nas operações que sofram a incidência de ICMS,
sendo elas apenas as decorrentes de isenção ou não incidência.
É certo que a própria Constituição delegou à lei complementar a
competência para “disciplinar o regime de compensação do imposto” (art. 155, §2º,
XII, “c”), no entanto tal disciplina não pode ir além das determinações
constitucionais, devendo limitar-se a operacionalizar a forma de implementação do
princípio da não cumulatividade221.
Cabe ainda destacar que o princípio da não cumulatividade, independe da
edição desta lei complementar, tratando-se de norma constitucional de eficácia
plena e aplicabilidade imediata222, conforme reconhecido no voto do Min. Nelson
Jobim no RE nº 199.147-0/RJ223.
Dessa forma, qualquer previsão normativa - seja de lei complementar, lei
ordinária, decreto, portaria, etc. - que pretenda ampliar este rol, deve ser tida por
inconstitucional, cabendo ao nosso Tribunal Supremo o reconhecimento da sua
nulidade.
É o caso do estorno de créditos decorrentes de redução da base de cálculo.
Não havendo previsão constitucional que impeça o creditamento, qualquer restrição
irá ferir frontalmente o princípio da não cumulatividade.
Nesse sentido concluiu Roque Antônio Carrazza224:
“Na hipótese de o contribuinte optar pela tributação com base de cálculo reduzida, ele não fica isento do pagamento do ICMS, mas, apenas, vê diminuído o montante a pagar. Há, pois incidência, embora esta leve a uma redução do quantum debeatur.
221 “Aprofundando o raciocínio, a lei complementar de que aqui se cogita somente pode cuidar da forma de execução do regime de compensação. A Constituição não lhe atribuiu a possibilidade de vedar a apropriação de créditos. Voltamos a insistir que as vedações são apenas as referidas no art. 155 §2º, II, “a” e “b”, da CF, que, é certo, a legislação pode atenuar, ou mesmo, ilidir, nunca ampliar”. (CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer, 2011. Não publicado, p.35). 222 Baseando-se nos ensinamentos de Jose Afonso da Silva, André Mendes Moreira define uma norma de eficácia plena como aquela que possui aplicabilidade direta, imediata e integral, produzindo efeitos desde a promulgação da Constituição Federal e dispensando qualquer lei para tanto. (A não-cumulatividade dos tributos. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2012. 223 Apesar de vencido no mérito, o Min, Nelson Jobin foi acompanhado pelos demais ministros no que diz respeito à aplicabilidade desta norma constitucional. 224 CARRAZZA, Roque Antonio. Parecer. 2011. Não publicado, p.33.
119
Daí não se aplicarem, em operações com redução de base de cálculo, as vedações ao direito de crédito, insculpidas no art. 155, §2º, II da Constituição Federal. São inconstitucionais as leis dos Estados ou do Distrito Federal que proíbem o aproveitamento do crédito em operações com redução de base de cálculo”.
No entanto, não é esta a posição que tem sido adota pelo STF, que
chamado a decidir sobre a possível vedação ao aproveitamento de crédito por
contribuinte beneficiado pela redução de base de cálculo (RE nº 174.478/RS – caso
Monsanto) entendeu que o seu conceito equivale ao de isenção parcial, e, portanto
não se estaria diante de nova hipótese de restrição ao crédito, mas sim de hipótese
já prevista pelo art. 155, §2º, II da CF.
5.3. O uso da expressão “redução da base de cálculo” como violação ao
princípio da não cumulatividade
Apesar das várias limitações legais impostas desde a EC nº 18/65 até a
LC nº 24/75 aos Estados continuavam a conceder isenções unilateralmente. Diante
disso os demais, prejudicados com esta situação, passaram a atacá-las mediante a
exigência de estorno compulsório dos créditos tributários oriundos desses
benefícios.
Há duas razões, segundo Eurico Marcos Diniz de Santi225, para os
Estados pretenderem reduzir o valor dos créditos gerados nos casos de benefícios
fiscais:
Primeiro porque, em relação às operações interestaduais, os entes tributantes sentiam-se pouco à vontade para dar alcance econômico pleno aos benefícios concedidos por seus pares, concorrentes na atração de investimentos, na geração de empregos e no fomento da arrecadação. Segundo porque, quanto às operações internas, os entes federados eram favoráveis ao chamado “efeito de recuperação” que, na prática, mantinha ou aumentava a carga tributária global de um ciclo produtivo em que uma ou mais etapas fossem paradoxalmente agraciadas por algum benefício fiscal.
Em precedente (RP nº 973) que demonstra a posição jurisprudencial
anterior à EC nº 23/83 o STF entendeu que não havia autorização constitucional 225 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Parecer, 2015. Não Publicado, p. 36.
120
para a restrição ao crédito e, portanto, o princípio da não cumulatividade que
garantia o abatimento do valor do tributo com o montante cobrado nas operações
anteriores não poderia ser mitigado nos casos de saída de mercadorias com
benefício fiscal.
É o que demonstra o relatório do Min. Moreira Alves226, que julgou
inconstitucional legislação que restringia direito ao creditamento dos contribuintes:
Com efeito, o inciso II do artigo 23 da Constituição Federal estabelece o princípio de que o imposto sobre a circulação de mercadorias é não-cumulativo, sendo que do seu valor se abaterá o montante cobrado as operações anteriores. Não estabelece restrições a essa dedução. Já o art. 52 do Decreto 17759, de 13.2.76, do Estado de Minas Gerais, estabelece limitação que não se coaduna com o texto constitucional. (...)
No mesmo sentido227:
Havendo isenção do Imposto De Circulação De Mercadoria Importada, não se pode, na operação subsequente, cobrar o valor do imposto, que seria devido, não fora a isenção tributária. Tem, assim, o revendedor direito ao acto de destaque do valor isento, nas notas fiscais. Recurso Extraordinário a que se da provimento. (RE 94177, Relator(a): Min. FIRMINO PAZ, Primeira Turma, julgado em 07/08/1981, DJ 28-08-1981 PP-08266 EMENT VOL-01223-03 PP-00655)
Assim, a resposta do Supremo Tribunal Federal ao decidir tais conflitos foi
no sentido de garantir e preservar o princípio da não cumulatividade, impedindo a
retaliação dos Estados às concessões unilaterais de benefícios por meio do estorno
de créditos.
226 RP nº 973, rel. min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ de 07/04/1978. 227 Outros acórdãos também defenderam a não cumulatividade: RE nº 77.093, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, Primeira Turma, DJ de 04/11/1974; RE nº 87.610, Rel. Min. Bilac Pinto, DJ de 18/11/1977.
121
5.3.1. Reação dos Estados frente às decisões do Supremo Tribunal
Federal
Diante da posição do STF em preservar os valores constitucionais,
impedindo a restrição de créditos, os Estados pressionaram por uma alteração
legislativa.
Surgiu então a Emenda Constitucional nº 23/83, que limitou o
aproveitamento de créditos para as operações seguintes à beneficiada pela isenção
ou não incidência. No entanto, não previu limitação aos créditos decorrentes das
operações anteriores.
Diante disso, o STF continuava julgando pela impossibilidade de restrição
ao crédito nas hipóteses não abrangidas pela EC nº 23, tendo em vista a falta de
previsão legal.
ICM - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - ATOS SUCESSIVOS DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS. O princípio da não- cumulatividade é observado sem especificidade, prescindindo da vinculação a uma certa mercadoria. Considera-se o sistema de conta- corrente em que lançados créditos e débitos. ICM - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - MATÉRIA-PRIMA TRIBUTADA - MERCADORIA ISENTA - CRÉDITO - CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1969. A teor do disposto no inciso II do artigo 23 da Constituição Federal de 1969, com a redação imprimida pela Emenda Constitucional nº 23, de 1º de dezembro de 1983, somente a isenção ou a não- incidência na transação precedente implicava, salvo preceito de lei em contrário, a inviabilidade de lançar-se crédito. Inconstitucionalidade da extensão da regra a situação inversa, isto é, de pagamento do tributo na comercialização e circulação da matéria-prima e isenção na saída da mercadoria produzida. (RE 161257, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 16/12/1997, DJ 17-04-1998 PP-00016 EMENT VOL-01906-03 PP-00623)
Observa-se que foi dado ao preceito constitucional decorrente da EC nº
23 uma interpretação estrita, como deve ocorrer com as normas que preveem
exceções, e assim, a preservação ao princípio da não cumulatividade foi mantida na
mais alta corte do país.
Com efeito, em mais uma vitória dos Estados, novamente alterou-se a
legislação para ampliar a restrição ao princípio da não cumulatividade. Com a
Constituição de 1988, então, impediu-se o aproveitamento de créditos tanto das
122
operações seguintes quanto das operações anteriores às operações com isenção e
não incidência:
Observa-se, no entanto, que a restrição ainda se limitou aos casos de
isenção e não incidência, situação que os Estados aproveitaram para continuar
concedendo benefícios na forma de redução da base de cálculo, como uma opção
para fugir destas restrições.
5.3.2. Nova confirmação do princípio da não cumulatividade com o
RE nº 161.031/MG (caso Camargo Soares)
Em março de 1997 o STF, ao julgar a viabilidade de manutenção de
créditos no caso de concessão de redução de base de cálculo (RE 161.031), mais
uma vez privilegiou o princípio da não cumulatividade, anulando a pretensão dos
Estados de igualar os conceitos de isenção e redução da base de cálculo.
Este caso foi julgado com base na Constituição de 1988, o que demonstra
que mesmo depois da jurisprudência do STF estar consolidada a favor do princípio
da não-cumulatividade, os Estados encontraram na redução da base de cálculo uma
possibilidade de contorna-la.
Contudo, foi vã a tentativa, não tendo o Supremo se deixado levar pelas
“terceiras intenções” dos Estados, como se observa da Ementa abaixo:
ICMS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - MERCADORIA USADA - BASE DE INCIDÊNCIA MENOR - PROIBIÇÃO DE CRÉDITO - INCONSTITUCIONALIDADE. Conflita com o princípio da não- cumulatividade norma vedadora da compensação do valor recolhido na operação anterior. O fato de ter-se a diminuição valorativa da base de incidência não autoriza, sob o ângulo constitucional, tal proibição. Os preceitos das alíneas "a" e "b" do inciso II do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal somente têm pertinência em caso de isenção ou não-incidência, no que voltadas à totalidade do tributo, institutos inconfundíveis com o benefício fiscal em questão. (RE 161031, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 24/03/1997, DJ 06-06-1997 PP-24881 EMENT VOL-01872-05 PP-00994)
Neste caso foi discutida a possibilidade de equiparação dos conceitos de
base de cálculo reduzida e isenção, que não foi aceita pelo Tribunal, reconhecendo-
123
se a impossibilidade de enquadrar a redução da base de cálculo na alínea “b” do
inciso II do §2º do artigo 155 da CF.
Assim, mais uma vez o STF confirmou o princípio da não cumulatividade,
impedindo a restrição aos créditos.
5.3.3. Reação dos Estados culminando com o RE nº 174.478/RS
(caso Monsanto)
Insatisfeitos com a jurisprudência do STF, já na vigência da Constituição
Federal de 1988, os Estados continuaram tentando alterá-la. A redução da base de
cálculo, então, foi alvo de inúmeros processos, até que, quase oito anos depois, com
o julgamento do RE nº 174.478, o Supremo autorizou a equiparação dos conceitos
de redução de base de cálculo e isenção:
EMENTA: TRIBUTO. Imposto sobre Circulação de Mercadorias. ICMS. Créditos relativos à entrada de insumos usados em industrialização de produtos cujas saídas foram realizadas com redução da base de cálculo. Caso de isenção fiscal parcial. Previsão de estorno proporcional. Art. 41, inc. IV, da Lei estadual nº 6.374/89, e art. 32, inc. II, do Convênio ICMS nº 66/88. Constitucionalidade reconhecida. Segurança denegada. Improvimento ao recurso. Aplicação do art. 155, § 2º, inc. II, letra "b", da CF. Voto vencido. São constitucionais o art. 41, inc. IV, da Lei nº 6.374/89, do Estado de São Paulo, e o art. 32, incs. I e II, do Convênio ICMS nº 66/88 (RE 174478, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2005, DJ 30-09-2005 PP-00005 EMENT VOL-02207-02 PP-00243 RIP v. 7, n. 33, 2005, p. 264)
A alteração da jurisprudência ocorreu com o julgamento de um acórdão
que não aprofundou o exame dos efeitos adversos que a restrição ao princípio da
não cumulatividade poderia causar.
Os ministros, após concluírem que a isenção e a redução da base de
cálculo possuem a mesma estrutura, uma vez que mutilam a regra matriz de
incidência, discutiram argumentos contábeis que restringiu a análise a apenas uma
etapa da circulação da mercadoria, concluindo que sem a anulação proporcional,
124
haveria uma cumulação de crédito que acabaria sendo “despachada”228 de outra
forma pelo contribuinte.
Dessa forma, concluíram que os Estados apenas utilizam uma técnica
contábil para que o estorno proporcional do crédito tenha o efeito prático de uma
redução de alíquota proporcional incidente sobre o valor agregado.
Eurico Marcos Diniz de Santi, ao analisar as consequências deste
julgamento concluiu:
De qualquer modo, nesse novo quadro a vantagem foi dupla para os Estados. Por um lado, após quase oito anos, a arrecadação aumentaria nas hipóteses de “redução da base de cálculo”. Por outro, a “redução da base de cálculo” continuaria a ser instrumento capaz de burlar as normas constitucionais e o Código Tributário Nacional.229
Assim, este acórdão marca a alteração de posicionamento da Corte
Suprema acerca da natureza jurídica da redução da base de cálculo do ICMS, sem
uma análise profunda sobre os efeitos da cumulatividade do imposto, que só se
satisfaz quando considerada toda a cadeia de produção.
228 Expressão utilizada pelo Min. Nelson Jobin. 229 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Parecer. 2015. Não Publicado, p. 45.
125
CAPÍTULO 6 - REDUÇÃO DE BASE DE CÁLCULO E O PRINCÍPIO
FEDERATIVO
A utilização da expressão “redução de base de cálculo” pelos Estados
afronta o princípio federativo na medida em que busca contornar a proibição de
distinção tributária em razão da origem da mercadoria.
Os Estados ao concedem redução da base de cálculo a um patamar inferior
ao das alíquotas interestaduais 230 e ao mesmo tempo pretenderem o cancelamento
dos créditos das operações anteriores, tornam as mercadorias oriundas de outros
Estados mais onerosas, criando o equivalente a uma barreira fiscal decorrente da
distinção tributária em razão da origem das mercadorias.
Esta é a exata situação do caso Santa Lúcia julgado pelo Supremo Tribunal
Federal, uma vez que o convênio nº 128/94 reduz a base de cálculo a um patamar
inferior à alíquota interestadual e o Estado do Rio Grande do Sul realiza o
cancelamento dos créditos relativos à operação anterior.
6.1. Princípio federativo
O princípio federativo é considerado um dos mais importantes princípios
de nosso ordenamento jurídico231. Ele garante a independência e autonomia
recíproca dos entes federados, sob o amparo da Constituição Federal.
José Afonso da Silva ensina que a Constituição ao se referir ao
Federalismo quer referir-se a uma forma de Estado, que se caracteriza pela “união
230 A relação entre a base de cálculo e a alíquota justifica-se na medida em que ambas compõem o valor do tributo. Este assunto foi tratado no primeiro capítulo, item 1.2.2, ao explicarmos a sua função objetiva da base de cálculo. 231 “No Brasil os princípios mais importantes são os da federação e da república. Por isso, exercem função capitular da mais transcendental importância, determinando inclusive como se deve interpretar os demais (...)”. (ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 37).
126
de coletividades públicas dotadas de autonomia político-constitucional, autonomia
federativa232”.
Roque Antônio Carrazza233, destacando a versatilidade deste princípio por
não possuir forma única e universal, o define da seguinte forma:
De qualquer modo, podemos dizer que Federação (de foedus, foedoris, aliança, pacto) é uma associação, uma união institucional de Estados, que dá lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participam (os Estados-membros). Nela, os Estados Federados, sem perderem suas personalidades jurídicas, despem-se de algumas tantas prerrogativas, em benefício da União. A mais relevante delas é a soberania.
A Federação, prevista no art. 1º da CF234, é cláusula pétrea, isto é, trata-
se de matéria insuscetível de reforma constitucional235, a não ser por via
revolucionária. E ampara-se em dois elementos básicos, órgãos governamentais
próprios e competências exclusivas:
(a) na existência de órgãos governamentais próprios, isto é, que não dependam dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura; (b) na posse de competências exclusivas, um mínimo, ao menos, que não seja ridiculamente reduzido.
O Estado Federal é o todo, dotado de personalidade jurídica de Direito
Publico internacional, sendo o único que possui soberania. A União, Estados-
membros e Municípios constituem pessoas jurídicas de Direito Público interno e não
232 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 99. 233 Curso de Direito Constitucional Tributário. 29ª ed. São Paulo: Malheiro, 2013, p. 148. 234 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. 235 Art. 60, § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado;
127
possuem soberania236, mas sim autonomia, compreendida como “governo próprio
dentro do círculo de competência traçadas pela Constituição Federal”237.
Não existe hierarquia entre a União e os Estados-membros, que possuem
igualdade jurídica e competências próprias, não podendo sofrer qualquer
interferência dos demais entes federados.
O princípio federativo proíbe ainda qualquer tratamento jurídico que cause
discriminação entre entes federados, inclusive a tributária, devendo assim,
respeitarem a todas as regras que objetivam a preservação da Federação. Este fato
levou Roque Antonio Carrazza238 a concluir, com base no respeito ao princípio
federativo que:
“é vedado aos Estados-membros promover a “guerra fiscal” em matéria de ICMS, mediante a concessão unilateral de isenções, incentivos e benefícios fiscais em afronta aberta ao disposto no art. 155, §2º, XII, “g”, da CF”.
Cabe acrescentar que não só a guerra fiscal mediante concessão
unilateral de benefícios, mas também a que ocorre com base em
convênios/CONFAZ fere o princípio federativo na medida em que desrespeita regras
constitucionais elaboradas param manter a harmonia da Federação239.
Isto porque, a competência tributária dos entes federados não é ilimitada,
tendo a própria Constituição Federal imposto limites à criação de tributos. Dentre os
limites constitucionais ao poder de tributar interessa-nos destacar aquele previsto no
art. 152 da CF/88, que assim dispõe:
Art. 152. É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.
236 “Soberania é a faculdade que, um dado ordenamento jurídico, aparece como suprema. Tem soberania quem possui o poder supremo, absoluto e incontrastável, que não reconhece, acima de si, nenhum outro poder”. (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo: Malheiros, 2013, p. 148). 237 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 100. 238 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo: Malheiros, 2013, p. 165. 239 Roque Antonio Carrazza conclui suas considerações sobre a Federação dizendo que “a harmonia deve presidir a convivência dos entes federativos (pessoas políticas). Há, aliás, implícita na Constituição brasileira a ideia de que desta convivência harmoniosa resultará o bem de toda a Nação.” (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo: Malheiros, 2013, p. 166)
128
Este dispositivo legal está presente em nossas Constituições desde 1937,
com uma redação muito semelhante a atual:
CF de 1937 Art. 35 - É defeso aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) b) estabelecer discriminação tributária ou de qualquer outro tratamento entre bens ou mercadorias por motivo de sua procedência; CF de 1946 Art. 19 - Compete aos Estados decretar impostos sôbre: § 4º O impôsto sôbre vendas e consignações será uniforme, sem distinção de procedência ou destino. CF de 1967 Art 21 - É vedado: III - aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens de qualquer natureza, em razão da sua procedência ou do seu destino. EC nº1 de 1969 Art. 20. É vedado: III - aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens de qualquer natureza, em razão da sua procedência ou destino.
Sua origem remonta a experiência americana com a Commerce Clause240
(Artigo I, Seção 8, Cláusula 3ª da Constituição Americana), que dispõe sobre a
competência do Congresso Nacional para regular o comércio com nações
estrangeiras, entre seus estados e com as nações indígenas.
Esta cláusula sempre possuiu enorme relevância, pois trazia
centralização e unidade a uma nação de estados politicamente independentes, que
poderiam retaliar-se constantemente241.
No Brasil, a história mostrou-se diferente. Nossa nação, que sempre foi
marcada pela forte centralização de poder, sofria com a desagregação de seus
entes federados que competiam entre si para aumentar sua arrecadação. O artigo
152 da CF/88 ganha destaque ao tentar amenizar esses conflitos.
240 United States Constitution (Article I, Section 8, Clause 3): The Congress shall have power (…) To regulate Commerce with foreign Nations, and among the several States, and with the Indian Tribes;. 241 Eurico Marcos Diniz de Santi. Parecer, 2015. Não publicado, p. 48.
129
Trata-se, então, de dispositivo que garante o pacto federativo e a unidade
político-econômica nacional, uma vez que objetiva, como salienta Misabel Derzi242,
“submeter bens e serviços a um tratamento equânime dentro de Estados ou de
Municípios, de modo que possam circular livremente sem barreira fiscais
estabelecidas por uns, em detrimento de outros”.
6.2. O princípio federativo e a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal
Pretende-se demonstrar neste momento alguns acórdãos do STF que
discutem a proibição de distinção tributária em razão da origem e do destino da
mercadoria, apontando como a prática da concessão de redução de base de cálculo
aprimorou-se com o objetivo de afrontar o art. 152 da CF/88.
Nos três primeiros julgados analisados (RMS nº 17949/ES, ADI nº 349-
6/DF e ADI nº 3.389/RJ) a discriminação tributária é mais latente na medida em que
as legislações dos Estados explicitamente restringem sua aplicação de modo a
favorecer as mercadorias destinadas ou produzidas dentro de seu território.
Já nos dois últimos casos (ADI nº 3410/MG e RE nº 635.688/RS) essa
discriminação torna-se mais discreta na medida em que ocorre quando analisada em
conjunto com outras exigências dos Estados, quais sejam, o recolhimento
antecipado do tributo, na ADI nº3410/MG, e o cancelamento dos créditos, no RE nº
635.688/RS)
6.2.1. RMS nº 17949/ES: cobrança de tributo mais oneroso para
operações que destinassem mercadoria para fora do Estado
Alguns casos julgados por este tribunal remontam a vigência do IVC, é
caso do RMS 17949 no qual o Estado do Espírito Santo pretendia impor carga
tributária maior para os comerciantes que destinariam suas mercadorias para fora de
seu território:
242 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 7ª. ed. Atualizada por Misabel Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 430.
130
Imposto de Vendas e Consignações. Estimativas do preço da mercadoria para efeito da cobrança do tributo, distinguindo entre produtor, o comercio e a venda para fora do estado. discriminação vedada pela constituição. Recurso de Mandado de Segurança provido. (RMS 17949, Relator(a): Min. EVANDRO LINS, Segunda Turma, julgado em 27/08/1968, DJ 27-09-1968 PP-03828 EMENT VOL-00740-01 PP-00405)
A empresa prejudicada alegou que o Estado impunha um preço fictício,
mais elevado, para a venda de mercadorias para fora do estado, violando assim a
proibição de distinção de mercadorias em razão do destino constante do art. 19, §4º
da CF/46.
A defesa do Estado apontou que não havia distinção tributária, uma vez
que as alíquotas aplicadas eram sempre as mesmas, o que variava era apenas o
valor dos produtos.
O STF entendeu que a estipulação de preços fictícios para as
mercadorias que seriam destinadas para fora do Estado configurava a discriminação
vedada pela Constituição e, por isso, impediu a cobrança do IVC de maneira
desigual.
6.2.2. ADI nº 349-6/DF: aumento da base de incidência dos produtos
destinados para fora do Estado.
Já na vigência da Constituição de 1988, o Ministro Marco Aurélio julgou
caso semelhante (ADI nº 349) no qual uma portaria do Estado de Mato Grosso
estabelecia distinção entre a base de incidência do ICMS conforme a circulação da
mercadoria ocorresse dentro do Estado ou se destinasse aos demais Estados,
aumentando-a significativamente:
Ação Direta de Inconstitucionalidade - Liminar. Verificados os pressupostos pertinentes a liminar, impõe-se a respectiva concessão. Isto ocorre quando, mediante portaria de secretario da fazenda, o estado acaba por legislar sobre comercio interestadual, olvidando o inciso VIII do artigo 22 da carta da republica, e o faz mediante adoção de diferença tributaria, considerados o destino e a procedencia dos bens - artigo 152 do aludido diploma. A primeira visao, contraria a lei basica o estabelecimento de pautas de valores diferenciados para operações intermunicipais e interestaduais, majorando-se estas em mais de 1.000%. (ADI 349 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em
131
24/09/1990, DJ 26-10-1990 PP-11976 EMENT VOL-01600-01 PP-00035)
Neste caso foi proferida medida liminar suspendendo a vigência dos
dispositivos que estabeleciam diferença tributária em razão do destino das
mercadorias, por infringir o art. 152 da CF. Posteriormente a ação perdeu o objeto,
pois a portaria foi revogada.
6.2.3. ADI nº 3.389/RJ: concessão de redução de base de cálculo
pelo Estado do Rio de Janeiro para mercadorias produzidas
exclusivamente em seu território
Já em 2007, no julgamento da ADI 3.389243, o STF foi provocado pelo
Estado de Minas Gerais a decidir sobre a constitucionalidade de um decreto do
Estado do Rio de Janeiro que previa a redução da base de cálculo nas saídas
internas apenas de produtos da cesta básica produzidos em seu território, com base
no convênio 128/1994244.
Argumentou o Estado de Minas Gerais que referido Decreto ofendia o art.
152 da CF por estabelecer tratamento diferenciado às mercadorias do Rio de
243 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. ICMS. BENEFÍCIO FISCAL. REDUÇÃO DA CARGA TRIBUTÁRIA CONDICIONADA À ORIGEM DA INDUSTRIALIZAÇÃO DA MERCA DORIA. SAÍDAS INTERNAS COM CAFÉ TORRADO OU MOÍDO. DECRETO DE 35.528/2004 DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. VIOLAÇÃO DO ART. 152 DA CONSTITUÇÃO. O Decreto 35.528/2004, do estado do Rio de Janeiro, ao estabelecer um regime diferenciado de tributação para as operações das quais resultem a saída interna de café torrado ou moído, em função da procedência ou do destino de tal operação, viola o art. 152 da Constituição. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente. (ADI 3389, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 06/09/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008) 244 Convênio ICMS 128/94: Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a estabelecer carga tributária mínima de 7% (sete por cento) do ICMS nas saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica. § 1º Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a não exigir a anulação proporcional do crédito prevista no inciso II do artigo 32 do Anexo Único do Convênio ICM 66/88, de 14 de dezembro de 1988, nas operações de que trata o caput desta cláusula. § 2º A fruição do benefício de que trata este Convênio fica condicionada ao cumprimento, pelos contribuintes, das obrigações instituídas pela legislação de cada unidade federada. Cláusula segunda. O disposto neste Convênio não se aplica às unidades federadas que tenham adotado, até a data deste Ato, para as operações internas, carga tributária inferior a 12% (doze por cento) e em relação, somente, ao produto beneficiado com a referida redução. Cláusula terceira. Fica convalidado o procedimento adotado pelas unidades da Federação, no tocante à redução da carga tributária dos produtos que compõem a cesta básica, até a data do início da vigência deste Convênio. Cláusula quarta. Este Convênio entra em vigor na data da publicação de sua ratificação nacional, ficando revogado o Convênio ICMS 139/93, de 9 de dezembro de 1993. Brasília, DF, 20 de outubro de 1994.
132
Janeiro em comparação às demais, configurando distinção tributária em razão da
origem da mercadoria.
O Estado do Rio de Janeiro alegou que o Decreto não possuía qualquer
irregularidade, pois se fundamentava no convênio 128/1994, que permite a
concessão de redução de base de cálculo às mercadorias que compõem a cesta
básica, relativamente às operações internas. Alegou ainda que referido convênio
autoriza referida distinção, pois ela objetiva fomentar a economia local.
Diante destes fatos, o STF, mais uma vez protegeu a federação e
garantiu o cumprimento do art. 152 da CF, entendendo que a pretensão de
incrementar a economia local ressaltava ainda mais o grave óbice à livre circulação
de mercadorias, além de extrapolar os limites do convênio 128/1994, uma vez que
este não faz qualquer distinção de procedência de bens, como se pode observar do
trecho do voto do Ministro Joaquim Barbosa:
A circunstância de a legislação impugnada ter por meta "o incremento do consumo de bens produzidos na (Fls. 335 - grifos originais), como sustenta a unidade federada requerida, apenas confirma a ofensa ao princípio da unidade político-econômica nacional e da vedação ao tratamento tributário diferenciado em função da procedência ou destino de bens, na medida em que estabelece um grave óbice econômico à livre circulação de bens e mercadorias entre estados da Federação. Com efeito, a salvaguarda instituída pelo art. 152 da Constituição não se limita à preservação dos interesses dos entes federados. Mais que isso, cuida-se de garantia da própria Federação e das atividades econômicas e produtivas contra eventuais arroubos protecionistas, consistentes na tentativa de preservação de mercados internos para os produtos locais. [...] [...] o benefício em questão sequer harmoniza-se com o Convênio Confaz ICMS 128/1994, invocado pela requerida como fundamento de validade da norma impugnada. Ou seja, ainda que fosse possível superar a inobservância da proibição da outorga de tratamento fiscal diferenciado em razão da origem ou do destino do bem, a validade da norma em exame encontra outra barreira na Constituição. Com efeito, a norma em exame ofende o disposto no art. 155, XII, g, da Constituição. O Convênio Confaz ICMS 128/1994, invocado pelo Estado do Rio de Janeiro para confirmar a validade do benefício em exame, não faz distinção quanto à origem das operações de circulação de mercadorias da cesta básica como critério para concessão do benefício fiscal. Já a norma cuja constitucionalidade se questiona adota a distinção. (ADI 3389, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 06/09/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008)
133
Dessa forma, julgou-se inconstitucional o decreto do Estado do Rio de
Janeiro valorizando a aplicação do art. 152 da Constituição Federal, por tratar-se de
dispositivo que garante os interesses da própria Federação.
6.2.4. ADI nº 3410/MG: concessão de redução de base de cálculo
aliada à exigência de antecipação do recolhimento do tributo como
afronta ao art. 152 da CF
Na ADI nº 3410/MG, julgada em 2007 pelo STF, o Estado do Paraná
questionou a constitucionalidade de Decreto de Minas Gerais que determinava (i) a
antecipação do recolhimento do ICMS relativo à operação seguinte e (ii) a redução
da base de cálculo na entrada de mercadorias decorrentes de operação já
beneficiada com redução de base de cálculo nos termos do convênio 128/1994.
A tese utilizada pelo Estado do Paraná foi o tratamento discriminatório do
Decreto aos produtos fabricados em outras unidades da federação. Destacou-se que
a redução da base de cálculo nas operações internas, aliada à antecipação do
recolhimento do ICMS devido pela operação subsequente, deflagrou a situação de
desigualdade entre os produtos adquiridos dentro e fora do Estado de Minas Gerais,
uma vez que apenas as mercadorias adquiridas em Minas Gerais recolheriam o
valor antecipado com redução da base de cálculo, o que resultaria uma carga
tributária de 7%. Ao passo que os produtos adquiridos de outros Estados, deverão
fazer o recolhimento antecipado sem a redução, o que implicaria numa carga
tributária de 18%. Ou seja, os produtos adquiridos fora do território mineiro acabam
sendo taxados em 11 pontos percentuais a mais do que os internos, uma vez que o
benefício se aplica apenas às operações internas.
O Estado de Minas Gerais argumentou que o Decreto que vinculou a
redução da base de cálculo da saída interna das mercadorias (previstas no convênio
128/94) à mesma redução de base de cálculo na entrada, apenas objetivou manter
os efeitos do convênio 128/94, evitando que ele perdesse sua função.
O STF por sua vez, não acolheu a tese do Estado do Paraná, entendendo
ser constitucional a alteração do §3º do art. 422 do RICMS/MG 2002 introduzida pelo
questionado Decreto:
134
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS. FARINHA DE TRIGO E MISTURA PRÉ-PREPARADA DE FARINHA DE TRIGO. DECRETO 43.891/2004 DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 146, III; 150, § 6º, e 155, II, § 2º, e XII, g, todos da Constituição. A concessão de benefício fiscal às operações com farinha de trigo e mistura pré-preparada de farinha de trigo, nos termos do art. 422, § 3º, do Capítulo LIV da Parte 1 do Anexo IX do RICMS/MG, introduzido pelo Decreto 43.891/2004, não viola a proibição de outorga de tratamento diferenciado a bens e mercadorias, em função da origem ou destino, à medida que for aplicado indistintamente às operações com mercadorias provenientes do estado de Minas Gerais e às mercadorias provenientes dos demais estados. Também não se reconhece a alegada violação da reserva de convênio interestadual para autorização da outorga de benefício fiscal, porquanto a norma em exame tem amparo no Convênio Confaz ICMS 128/1994. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida tão-somente em relação ao artigo 422, § 3º, do RICMS-MG/2002, e, na parte conhecida, julgada improcedente. (ADI 3410, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 22/11/2006, DJe-032 DIVULG 06-06-2007 PUBLIC 08-06-2007 DJ 08-06-2007 PP-00028 EMENT VOL-02279-01 PP-00141 RTJ VOL-00201-03 PP-00914 RDDT n. 143, 2007, p. 225 LEXSTF v. 29, n. 344, 2007, p. 18-32)
O STF decidiu que não houve distinção em razão da origem ou destino da
mercadoria, tendo em vista que o decreto do Estado de Minas Gerais observou os
termos do convênio 128/1994. E chegou a essa conclusão por considerar que o
benefício foi concedido para qualquer mercadoria, seja qual for a sua origem
(situação que se contrapõe ao caso da ADI 3.389, supracitado, que expressamente
diferenciava o tratamento em razão da origem da mercadoria).
No entanto, este Tribunal não observou que apesar da redução da base
de cálculo ser aplicada para qualquer operação interna independentemente da
origem da mercadoria, o fato de haver imposição de recolhimento antecipado do
tributo discrimina as mercadorias oriundas de outros Estados, que terão que
antecipar um valor maior por não fazerem jus à redução, violando, então, o art. 152
da CF.
Caso não houvesse a exigência de recolhimento antecipado pela
operação seguinte, tanto as mercadorias oriundas de outros Estados quanto as de
Minas Gerais teriam direito à redução da base de cálculo, porém a antecipação do
pagamento permite a distinção das mercadorias que são oriundas de operações
135
interestaduais, com intuito de tributá-las com maior intensidade, criando barreiras
fiscais.
Com esta análise é possível perceber que a distinção entre as
mercadorias existe, apenas não é tão explícita como a demonstrada nos três casos
analisados acima.
6.2.5. RE nº 635.688/RS (caso Santa Lúcia): concessão de redução
de base de cálculo aliada à exigência de cancelamento dos créditos
como afronta ao art. 152 da CF
A distinção tributária em razão da origem das mercadorias também se
verifica no caso Santa Lúcia, porém neste caso o problema não é a antecipação do
recolhimento do tributo, mas sim o cancelamento dos créditos tributários.
O Caso Santa Lúcia trata de concessão de redução da base de cálculo
firmada em convênio/CONFAZ (nº 128/94) e discute a constitucionalidade do
cancelamento proporcional do crédito de ICMS pelo Estado do Rio Grande do Sul
nos casos em que as operações subsequentes estiverem sujeitas a essa redução.
O convênio nº 128/94 estabelece a redução da carga tributária mínima em
7% do ICMS das saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica.
Imagine-se que em uma operação interestadual foi paga uma alíquota de 12%. Na
operação seguinte, a saída será tributada em apenas 7%, de acordo com o convênio
que estabelece a redução da base de cálculo. Assim, exige o Estado do Rio Grande
do Sul o estorno dos 5% (diferença entre os 12% pagos na operação anterior e os
7% pagos com a redução).
Esta é a pretensão do Estado quando se fala em anulação proporcional
dos créditos oriundos das operações de entrada de mercadorias. Esta anulação
torna o ICMS cumulativo onerando a mercadoria que veio de outros Estados de
maneira desigual em relação as do Estado do Rio Grande do Sul.
Sabe-se que a Constituição no intuito de prevenir desequilíbrios
tributários, estabeleceu que as alíquotas internas dos tributos não poderiam ser
inferiores às interestaduais:
136
Art. 155. §2º VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;
Marco Aurélio Greco245 justifica a existência dessa regra pelos seguintes
motivos:
Esta regra se justifica, pois se um Estado, unilateralmente, pudesse fixar alíquotas internas inferiores à interestadual haveria direto reflexo no comércio internacional por tornar mais interessante para o adquirente (contribuinte do imposto) comprar um bem originário do próprio Estado (sujeito à alíquota menor), numa forma indireta de onerar as aquisições feitas fora do Estado o que configuraria discriminação das mercadorias em razão de sua origem (em violação ao artigo 152 da CF/88).
No entanto, a proibição da diminuição das alíquotas internas em patamar
inferior à interestadual encontra uma ressalva: se houver a celebração de convênio
pelos Estados é possível reduzi-la. E no caso Santa Lúcia há convênio.
O problema encontrado não se resume, então, apenas à redução da base
de cálculo (que equivale à redução da alíquota246) a um patamar inferior ao da
alíquota interestadual, mas a sua conjugação com o cancelamento dos créditos
pelos Estados.
Cumpre registrar, que o convênio 128/94 revogou o convênio 139/93 que
também estabelecia a concessão de redução de base de cálculo, mas no limite
mínimo de 12%.
Convênio 139/93: Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a reduzir a base de cálculo do ICMS nas operações internas com mercadorias que compõem a cesta básica, a uma carga tributária mínima de 12% (doze por cento).
Convênio 128/94: Cláusula primeira. Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a estabelecer carga tributária mínima de 7% (sete por cento) do ICMS nas saídas internas de mercadorias que compõem a cesta básica.
245 GRECO, Marco Aurélio. Parecer. Não publicado, p. 6. 246 A relação entre a base de cálculo e a alíquota justifica-se na medida em que ambas compõem o valor do tributo. Este assunto foi tratado no primeiro capítulo, item 1.2.2, ao explicarmos a sua função objetiva da base de cálculo.
137
Observe-se que com a antiga redação do convênio não ocorria a
instituição da barreira fiscal, ou seja, como não havia diferença entre a alíquota
interna e a interestadual não existia crédito a ser cancelado pelo Estado.
Pode-se dizer então que a redução da base de cálculo a um patamar
inferior a alíquota, conjuntamente com o estorno dos créditos tributário, implica a
imposição de verdadeiras barreiras fiscais, pois acaba por tornar desvantajosa a
aquisição de mercadorias de outros estados, em nítida afronta ao art. 152 da CF.
Caberia assim ao STF fazer a defesa do princípio federativo garantindo o
cumprimento do art. 152 da CF, no entanto, observa-se que este assunto não foi
objeto de consideração dos ministros no caso Santa Lúcia.
138
CAPÍTULO 7 – USO DA EXPRESSÃO REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO
NA JURISPRUDÊNCIA DO STF
As decisões judiciais são normas jurídicas, concretas e individuais
(sentenças condenatórias e controle difuso de constitucionalidade), concretas e
gerais (alguns tipos de decisões sobre direitos difusos), abstratas e individuais
(sentenças de servidão de passagem247) ou abstratas e gerais (controle concentrado
de constitucionalidade e decisões com repercussão geral)248, cuja produção é
regulada por normas de competência judiciária, e que compõem o ordenamento
jurídico com a função de regular condutas e solucionar conflitos.
As decisões dos casos Camargo Soares, Monsanto e Santa Catarina
abaixo analisadas são normas concretas e individuais, uma vez que trazem em seu
antecedente a demarcação de um fato no tempo e no espaço e no consequente uma
relação jurídica com sujeitos determinados.
Já no caso Santa Lúcia, tem-se uma decisão com repercussão geral, que
veicula duas normas jurídicas, uma concreta e individual, que soluciona o caso
específico e outra abstrata e geral, que delimita no seu antecedente um conjunto de
situações que se verificadas no plano da experiência deverão desencadear as
mesmas consequências previstas na norma individual e concreta, para sujeitos
ainda indeterminados, dada a sua aplicação erga omnes.
247 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Fundamentos da Incidência. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 62. 248 Entende-se por abstrata a norma que no seu antecedente elege aspectos, traços e características que possam abarcar uma série indeterminada de situações, projetando-se para o futuro. Já norma concreta possui no seu antecedente enunciado que especifica, no tempo passado e num espaço determinado a ocorrência de certo evento. A norma geral prevê em seu consequente uma relação jurídica em que pelo menos um de seus sujeitos é indeterminado. E a norma individual, em contraste, traz em seu consequente uma relação jurídica em que os sujeitos são precisamente determinados. (PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 60-61).
139
7.1. O uso da expressão redução da base de cálculo culminando em
conflitos a serem decididos pelos STF
Foi possível verificar o surgimento de três problemas jurídicos decorrentes
da utilização da expressão “redução da base de cálculo” pelos Estados como
instrumento legal para realizar políticas tributárias de modo a contornar os limites
constitucionais e legais do pacto federativo:
Primeiro, a expressão é utilizada para driblar os limites da competência
tributária de maneira a fugir da obrigatoriedade de (i) lei estadual para fixação de
alíquotas; (iii) estipulação de alíquotas do ICMS pelo Senado Federal; e (iv) lei para
concessão de isenção;
Segundo, viola o princípio da não-cumulatividade, na medida em que a
pretendida equiparação com o conceito de isenção parcial torna cumulativo o ICMS
sem autorização constitucional, revelando a intenção dos Estados de desrespeitar a
Constituição: ao invés de concederem isenção, reduzem a base de cálculo, atraindo
contribuintes, para depois pretender a equiparação dos conceitos por meio do
judiciário; e
Terceiro, afronta o princípio federativo ao desrespeitar a igualdade dos
entes federados, pois a redução da carga tributária equivale a imposição de uma
barreira alfandegária para as operações que envolvam outros Estados.
Buscando evitar os efeitos negativos desses problemas, Estados e
contribuintes provocam o poder judiciário procurando soluções que muitas vezes
não são suficientes para pôr fim à discussão jurídica que envolve o tema, conforme
se observa dos quatro acórdãos escolhidos para serem analisados.
Caraterística comum destes acórdãos é a existência de convênios
CONFAZ prevendo a redução da base de cálculo e de legislação estadual (lei
específica prevista no art. 150, §6º da CF/88) implementando-a internamente. As
diferenças ficam a cargo da previsão legal a respeito da manutenção dos créditos
nas operações com base de cálculo reduzida, que ora estará presente no convênio e
na legislação estadual, ora presente apenas no convênio, ou ainda apenas na
legislação estadual.
140
Tratando-se de redução de base de cálculo, a classificação de sua
natureza jurídica (se configura espécie autônoma de benefício fiscal, ou se se insere
no conceito de isenção) é prejudicial para a solução dos conflitos.
Isto porque, decidindo-se pela autonomia do conceito, as exceções ao
princípio da não cumulatividade previstas no art. 155, § 2º, II da CF, por aplicarem-
se apenas aos casos de isenção e não incidência, não poderão ser utilizadas para
fins de restrição de crédito de operações com redução de base de cálculo.
Porém, caso se entenda que os conceitos são equivalentes, a limitação
ao crédito seria permitida constitucionalmente, no entanto, outras variáveis
precisariam ser analisadas, qual seja, a autorização do próprio art. 155, §2º, II da CF
para manutenção de créditos em caso de previsão em “legislação” nesse sentido.
Como decorrência dessa disposição legal, seria preciso definir o conceito de
“legislação” para saber qual ato normativo (lei, decreto, convênio, ect) poderia dispor
sobre o assunto sem incorrer em inconstitucionalidade.
Da análise das decisões, outra variável sobre o tema surgirá, qual seja, a
natureza jurídica da tão almejada “manutenção de créditos” (configuraria direito
decorrente do princípio da não cumulatividade ou novo benefício fiscal).
Se considerada como direito decorrente do princípio da não
cumulatividade, analisar-se-ia a abrangência do termo “legislação” para estabelecer
se apenas a previsão em convênio é suficiente para autorizar a manutenção. Mas se
considerada como espécie autônoma de benefício fiscal, a sua previsão deveria
constar tanto em convênio quanto em legislação estadual249, uma vez que o art. 150,
§6º da CF assim exige. Mas isso não significa outorgar aos convênios natureza
autorizativa, uma vez que a sua impositividade deriva da Constituição e da
necessidade de centralizar as concessões de benefícios fiscais, o que não interfere
na exigência constitucional de lei específica.
Nenhuma dessas questões foi devidamente debatida e solucionada pelos
ministros do STF, como se demonstrará a seguir.
249 Isto porque o STF possui vasta jurisprudência (e proposta de súmula vinculante) sobre a imprescindibilidade de convênio para a validade dos benefícios fiscais. Sobre a necessidade de lei específica, o tema será tratado no capítulo 04 deste trabalho.
141
7.2. Caso Camargo Soares (RE nº 161.031/MG): Decisão paradigmática
do Ministro Marco Aurélio que diferenciava os conceitos de isenção e
redução de base de cálculo em defesa do princípio constitucional da não
cumulatividade
O Recurso Extraordinário nº 161.031/MG teve como objeto a análise da
constitucionalidade de decreto do Estado de Minas Gerais que proibia a utilização de
créditos referente ao tributo pago na entrada da mercadoria quando as operações
seguintes fossem beneficiadas com redução da base de cálculo:
ICMS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - MERCADORIA USADA - BASE DE INCIDÊNCIA MENOR - PROIBIÇÃO DE CRÉDITO - INCONSTITUCIONALIDADE. Conflita com o princípio da não- cumulatividade norma vedadora da compensação do valor recolhido na operação anterior. O fato de ter-se a diminuição valorativa da base de incidência não autoriza, sob o ângulo constitucional, tal proibição. Os preceitos das alíneas "a" e "b" do inciso II do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal somente têm pertinência em caso de isenção ou não-incidência, no que voltadas à totalidade do tributo, institutos inconfundíveis com o benefício fiscal em questão. (RE 161031, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 24/03/1997, DJ 06-06-1997 PP-24881 EMENT VOL-01872-05 PP-00994)
É importante ressaltar que não se discutiu a necessidade de convênio
CONFAZ para concessão da redução da base de cálculo ou de lei específica (no
caso, decreto) estadual para implementa-la, pois restou comprovada a existência de
ambas. Debateu-se, então, a constitucionalidade de decreto que veda o
aproveitamento integral de créditos oriundos da operação anterior à beneficiada com
a redução.
O Min. relator Marco Aurélio entendeu que o caso em questão não tratava
de hipótese de isenção ou não incidência, mas de benefício fiscal diverso e, por isso,
não se enquadrava na hipótese de restrição de crédito prevista no art. 155, § 2º, II,
“b”250 da CF. Sendo assim, concluiu que conflita com o princípio da não
250 Art. 150. § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...)II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
142
cumulatividade qualquer restrição ao direito de crédito não autorizada
expressamente pela Constituição. Foi acompanhado pela maioria dos ministros.
Restou vencido o Min. Ilmar Galvão que equiparou a redução da base de
cálculo à isenção parcial e em consequência entendeu aplicar-se o art. 155, §2º, II
da CF ao caso concreto. Acrescentou ainda que este artigo autoriza a exclusão do
crédito, e permite que a legislação estabeleça os limites do favor fiscal concedido.
Assim, concluiu que não afronta a Constituição a previsão do decreto de Minas
Gerais.
É possível observar que a depender do posicionamento adotado sobre a
natureza jurídica deste instituto a conclusão e as ponderações que deverão ser
feitas serão diversas. Se considerar-se a redução da base de cálculo como instituto
diverso de isenção, então seria permitido o aproveitamento dos créditos, por
ausência de previsão constitucional em contrário, respeitando-se o princípio da não
cumulatividade. Porém, se entender-se que ambos os institutos se equiparam, seria
possível a aplicação das restrições do art. 155, § 2º, II da CF ao instituído da
redução da base de cálculo e a discussão giraria em torno da análise da existência
ou não de “disposição em contrário da legislação” exigida por este artigo.
7.3. Caso Monsanto (RE nº 174.478/SP): Decisão que superou a
jurisprudência anterior do Min. Marco Aurélio equiparando redução de
base de cálculo ao conceito de isenção parcial
Após oito anos de vigência do precedente que consolidou a existência de
distinção substancial entre redução de base de cálculo e isenção, o STF alterou seu
entendimento ao julgar o RE nº 174.478/SP, no qual também se discutiu a
legitimidade da exigência do cancelamento/estorno dos créditos proporcionalmente
à parcela que corresponde à redução da base de cálculo:
EMENTA: TRIBUTO. Imposto sobre Circulação de Mercadorias. ICMS. Créditos relativos à entrada de insumos usados em industrialização de produtos cujas saídas foram realizadas com redução da base de cálculo. Caso de isenção fiscal parcial. Previsão de estorno proporcional. Art. 41, inc. IV, da Lei estadual nº 6.374/89, e art. 32, inc. II, do Convênio ICMS nº 66/88. Constitucionalidade reconhecida. Segurança denegada. Improvimento ao recurso. Aplicação do art. 155, § 2º, inc. II, letra "b", da CF. Voto vencido. São constitucionais o art. 41, inc. IV, da
143
Lei nº 6.374/89, do Estado de São Paulo, e o art. 32, incs. I e II, do Convênio ICMS nº 66/88 (RE 174478, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2005, DJ 30-09-2005 PP-00005 EMENT VOL-02207-02 PP-00243 RIP v. 7, n. 33, 2005, p. 264)
No caso, a redução da base de cálculo estava prevista em convênio e
havia lei específica implementando-a no Estado, sendo que nenhuma das
legislações previa a possibilidade de manutenção dos créditos. Assim, não houve
discussão a respeito da necessidade de “disposição em contrário da legislação”
(ART. 155, §2º, II da CF) para autorizar-se a manutenção dos créditos.
No acórdão, o Min. relator Marco Aurélio, voto vencido, manteve o
posicionamento manifestado no RE 161.031/MG (caso Camargo Soares)
supracitado, por considerar que as únicas exceções ao princípio da não
cumulatividade previstas pela Constituição são os casos de isenção e não
incidência, que devem ser interpretados de maneira estrita, sendo inadmissível que
a redução da base de cálculo enseje a redução dos créditos decorrentes da
operação anterior.
No entanto, abriu a divergência o Min. Nelson Jobim com argumentos
contábeis251, alegando que a exigência do estorno proporcional se trata de uma
251 “(...) Vamos, então, pegar os números que Vossa Excelência utilizou e, trabalhando com alíquota única de 10%, veremos que a operação anterior gerou R$ 10,00 de tributo. O vendedor é debitado em R$ 10,00 e o coadquirente do insumo é creditado em R$ 10,00. Admitindo-se a industrialização desse insumo, ele vem a vender esse produto por R$ 150,00, significando que ele agregou R$ 50,00 no valor da mercadoria. Sobre esses R$ 50,00, em uma operação normal, incidindo os 10%, no final da sua contabilidade, ele deveria recolher R$ 5,00 – se não houvesse outros créditos; fiquemos apenas nesse exemplo -; então, ele deveria ao Estado R$ 5,00, exatamente 10% sobre os R$ 50,00 acrescidos. Vejamos a hipótese: ele venderá por R$ 150,00. Por razões de política fiscal, reduziu-se a base de cálculo sobre a qual incidem os 10% da venda para 75%. Vamos supor que a redução seja de 50%: de R$150,00 de base de cálculo, passa-se a R$ 75,00. Sobre os R$ 75,00, incidem os 10%. Logo o tributo devido seria R$ 7,50. (...) Então, reduzo R$ 150,00 para R$ 75,00 e sobre ele o Estado de São Paulo incide 10%, que dá 5%. Dá 7,5%, perfeito? Se o Estado de São Paulo der um crédito de R$ 10,00, haverá um negativo de R$2,50; haverá, dito a linguagem fiscal, uma cumulação de crédito de R$ 2,50, que ele vai tentar despachar de outro jeito. O que pretende o Estado de São Paulo? Ele pretende reduzir, também em 10%, o crédito. Reduzo 50% sobre o crédito de R$ 10,00; logo, o Estado de São Paulo quer que ele aproveite, dos R$ 10,00, somente a metade. Nessa hipótese, ele teria de recolher R$ 7,50 – a base de cálculo dele – e vai aproveitar, pela regra paulista ou pela regra do convênio, somente R$ 5,00 do crédito anterior. Teria que recolher R$ 2,50. A minha pergunta é a seguinte: R$2,50 corresponde a quanto sobre R$ 50,00? Corresponde a 5% sobre R$ 50,00, correto? Ou seja, parece-me ser uma fórmula contábil para fazer com que a alíquota final seja reduzida”.
144
técnica dos Estados para que sobre o valor adicionado ao produto incida, na nova
operação, uma alíquota proporcionalmente reduzida.
O Min. Cezar Peluso, por sua vez, escolhido para ser o relator para o
acórdão, acrescentou que o caso trata de um favor fiscal que ao mutilar o aspecto
quantitativo da base de cálculo, corresponderia à figura da isenção parcial, pois
impediria a incidência de parte da regra matriz do tributo. Sendo assim, entendeu
que se aplica a restrição do art. 155, §2º, II, “b” da CF/88 e negou provimento ao
recurso, sendo acompanhado pela maioria, considerando constitucional o
cancelamento dos créditos.
Discordamos da equiparação dos conceitos de isenção e redução da
base de cálculo252 e também não podemos concordar com o argumento contábil
utilizado pelo Min. Nelson Jobim, uma vez que a análise faz um recorte do problema,
considerando apenas uma fase da cadeia na qual incidiu o ICMS. A preservação da
neutralidade deste tributo depende do respeito princípio da não-cumulatividade, que
só se concretiza com a compensação entre créditos e débitos ocorrida em todas as
fases do processo (afinal, trata-se de tributo plurifásico).
Na realidade, este argumento só reforça a opinião de que a limitação dos
créditos agride frontalmente o princípio da não cumulatividade, devendo ser
priorizado o argumento jurídico (qual seja, a impossibilidade de equiparação dos
conceitos de isenção e redução da base de cálculo) em prol do argumento contábil.
Cumpre ainda destacar o Min. Joaquim Barbosa: ao pretender
acompanhar o voto do Min. Cezar Peluso, invocou precedente contrário à tese
defendida por ele.
Explica-se: o precedente invocado trata-se de um caso da mesma
empresa Monsanto253 julgado monocraticamente em 2000 nos termos do RE
161.031/MG (caso Camargo Soares) e, portanto, em sentido diverso ao defendido
neste novo acórdão. Esta decisão monocrática foi contestada por Agravo, que foi
252 Conforme primeiro capítulo, item 1.5. 253 EMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Tributário. Estorno proporcional de créditos de ICMS decorrentes de isenção parcial. Princípio da não-cumulatividade. Art. 155, § 2o, II, "a" e "b", da Constituição Federal. 3. Decisão proferida em conformidade com orientação do Supremo Tribunal Federal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (RE 154179 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 03/08/2004, DJ 27-08-2004 PP-00077 EMENT VOL-02161-02 PP-00312)
145
improvido em 2004, mantendo-se o entendimento contrário ao estorno dos créditos.
Esta decisão só foi revertida em 2006 em Embargos de Declaração, que o adequou
ao novo entendimento do STF proferido justamente no RE 174.478 em questão
(caso Monsanto). Logo, em 2005, quando o voto do Min. Joaquim Barbosa foi
proferido, o entendimento ainda não tinha sido alterado, havendo nítida contradição
no voto apresentado neste caso.
7.4. Caso Santa Catarina (ADI nº 2.320/SC): Decisão que manteve a
equiparação dos conceitos (“isenção” e “redução de base de cálculo”),
mas não analisou a abrangência do termo “legislação” empregado pelo
art. 155, § 2º, II da CF
Após quase um ano de vigência do novo posicionamento (caso
Monsanto), o STF julgou Ação Direta de Inconstitucionalidade reconhecendo a
constitucionalidade de lei estadual que autorizava a manutenção dos créditos no
caso de operações com redução de base de cálculo:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 11.362, DO ESTADO DE SANTA CATARINA. CONCESSÃO DE REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO OU DE ISENÇÃO. MANUTENÇÃO INTEGRAL DO CRÉDITO FISCAL RELATIVO À ENTRADA DE PRODUTOS VENDIDOS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 155, § 2º, INCISO II, "a" e "b", DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INOCORRÊNCIA. 1. A norma impugnada, ao assegurar o direito à manutenção do crédito fiscal em casos em que há redução da base de cálculo ou isenção, não afronta o princípio da não-cumulatividade. Ao contrário, viabiliza sua observância, em coerência com o disposto no artigo 32, II, do Convênio ICMS n. 36/92. 2. O artigo 155, § 2º, inciso II, "b" da CB prevê que a isenção ou não-incidência acarretará a anulação do credito relativo às operações anteriores, salvo determinação em contrário. A redução de base de cálculo é, segundo o Plenário deste Tribunal, espécie de isenção parcial, o que implica benefício fiscal e aplicação do preceito constitucional mencionado. Precedentes. 3. A disciplina aplicada à isenção estende-se às hipóteses de redução da base de cálculo. 4. Visando à manutenção do equilíbrio econômico e a evitar a guerra fiscal, benefícios fiscais serão concedidos e revogados mediante deliberação dos Estados-membros e do Distrito Federal. O ato normativo estadual sujeita-se à lei complementar ou a convênio [artigo 155, § 2º, inciso XII, "f"]. 5. O Convênio ICMS n. 36/92 autoriza, na hipótese dos autos, a manutenção integral do crédito, ainda quando a saída seja sujeita a redução da base de cálculo ou isenção --- § 7º da Cláusula 1ª do Convênio ICMS n. 36/92. 6. Ação Direta de
146
Inconstitucionalidade julgada improcedente. (ADI 2320, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 15/02/2006, DJ 16-03-2007 PP-00019 EMENT VOL-02268-01 PP-00129 RDDT n. 140, 2007, p. 218-219)
No caso, a redução de base de cálculo foi concedida por convênio e
implementada pelo Estado por decreto legislativo, tendo sido elaborada ainda uma
lei estadual autorizando a manutenção dos créditos decorrentes da entrada de
mercadorias que, na operação seguinte, seriam beneficiadas pela redução.
Não houve alteração do entendimento no que diz respeito à equiparação
da redução da base de cálculo à isenção, porém foi reconhecida a possibilidade de
manutenção dos créditos, tendo em vista a existência de autorização em lei. No
entanto, as razões do julgamento que deveriam discutir a abrangência do termo
“legislação” empregado pelo art. 155, § 2º, II da CF, deixaram margem de dúvida
sobre alguns pontos.
Após voto do Min. relator Eros Grau que dava parcial provimento ao
recurso reconhecendo a constitucionalidade da manutenção dos créditos no caso da
redução da base de cálculo e a inconstitucionalidade da manutenção no caso de
isenção, o Min. Marco Aurélio fez uma ponderação esclarecendo que a Constituição
autoriza uma exceção à restrição aos créditos decorrentes de isenção, qual seja, a
disposição em contrário da legislação, que acredita ele ser justamente a lei estadual
em litígio.
Levantaram-se, então, questões sobre necessidade dessa lei ser lei
complementar e a abrangência do termo “legislação” empregado pelo art. 155, § 2º,
II da CF e posteriormente, ponderou-se se a manutenção do crédito caracterizaria
um novo benefício, havendo necessidade de também estar prevista em convênio.
O Min. Marco Aurélio e o Min. Carlos Veloso manifestaram-se no sentido
de entender a manutenção dos créditos como uma garantia constitucional,
decorrente do princípio da não cumulatividade. Não concordou o Min. Nelson Jobim.
Optou por adiantar o voto o Min. Marco Aurélio, esclarecendo que a regra
instituída pela Constituição é o cancelamento dos créditos, no entanto, foi aberta
exceção pelo próprio constituinte, que acredita tratar-se da elaboração de leis pelas
unidades federadas. Acrescenta que não há a necessidade de lei complementar,
147
uma vez que essa exigência foi feita exclusivamente para casos de manutenção de
crédito em operações interestaduais, conforme art. 155, §2º, XII, “f”254. Assim, por
entender que a lei estadual cumpriu seu papel ao prever a exceção de manutenção
dos créditos, dissentiu do relator, votando pela total improcedência do recurso.
Após pedido de vista, o Min. Cezar Peluso apresentou seu voto
destacando que a manutenção dos créditos caracteriza um benefício fiscal e por
tanto precisa estar prevista em convênio. Constatando a existência de convênio,
observou que a lei estadual em questão abriu exceção à regra geral do estorno de
crédito, em consonância com o disposto no art. 155, § 2º, II da CF. Assim, também
votou pela constitucionalidade da lei.
Em seguida, votou o Min. Joaquim Barbosa no mesmo sentido. Entendeu
que a permissão para manutenção dos créditos tributários está prevista em
convênio, restando observada as exigências do art. 155, § 2º, II, da CF, bem como
da LC nº 87/1996255. Dessa forma, julgou improcedente o recurso.
Diante de toda a discussão, o Min. Eros Grau optou por reformular seu
voto, considerando que a expressão “legislação” mencionada na CF abrangeria
também os convênios:
Senhor Presidente, só agora me atentei para um aspecto. A Constituição fala em legislação e o Código Tributário Nacional, se não me engano, no art. 6º, quando diz o que é legislação, inclui nessa definição também o convênio. De modo que, diante dessa observação e impressionado pelos argumentos do Ministro Cezar Peluso, eu, como Relator, reformulo o voto para dar pela improcedência da ação.
Assim, por unanimidade, foi reconhecida a constitucionalidade da lei que
autorizava a manutenção dos créditos no caso de operações subsequentes com
redução de base de cálculo.
254 Art. 155. §2º. XII - cabe à lei complementar: f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; 255 Art. 20. § 3º É vedado o crédito relativo a mercadoria entrada no estabelecimento ou a prestação de serviços a ele feita: I - para integração ou consumo em processo de industrialização ou produção rural, quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do imposto, exceto se tratar-se de saída para o exterior; II - para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída ou a prestação subseqüente não forem tributadas ou estiverem isentas do imposto, exceto as destinadas ao exterior. § 4º Deliberação dos Estados, na forma do art. 28, poderá dispor que não se aplique, no todo ou em parte, a vedação prevista no parágrafo anterior.
148
É interessante observar que apesar de ter sido suscitada a discussão a
respeito da abrangência da expressão “legislação” contida no art. 155, § 2º, II da CF,
não ficou claro nos votos dos ministros se ela se refere exclusivamente a lei, ou
pode ser entendida de maneira mais ampla, de forma a abranger os convênios.
Neste caso existia além do convênio, lei estadual autorizando a
manutenção dos créditos, então a constitucionalidade restou configurada. No
entanto, como se pode observar, apesar da decisão ter sido unânime, os
fundamentos utilizados pelos ministros não foram os mesmos, mas levaram à
mesma conclusão nesse caso, tendo em vista justamente a existência dessa lei
estadual. Mas e se não existisse essa previsão em legislação estadual?
São essas incertezas que acabam por fomentar o contencioso tributário,
dando margem a novas disputas judiciais em torno do tema que apesar de julgado
não foi solucionado definitivamente.
7.5. Caso Santa Lúcia (RE nº 635.688/RS): consolidação em sede de
repercussão geral da equiparação dos conceitos de isenção e redução
da base de cálculo, porém restando abertas as indefinições sobre o tema
Foi visto que o RE 174.478/SP (caso Monsanto) alterou substancialmente
o entendimento do STF sobre o tema, tendo passado a aproximar as figuras da
redução da base de cálculo e da isenção, a ponto de equipará-las. Assim, o
julgamento do RE 635.688/RS, com repercussão geral reconhecida, mostrará que
esta posição da corte se consolidou:
Recurso Extraordinário. 2. Direito Tributário. ICMS. 3. Não cumulatividade. Interpretação do disposto art. 155, §2º, II, da Constituição Federal. Redução de base de cálculo. Isenção parcial. Anulação proporcional dos créditos relativos às operações anteriores, salvo determinação legal em contrário na legislação estadual. 4. Previsão em convênio (CONFAZ). Natureza autorizativa. Ausência de determinação legal estadual para manutenção integral dos créditos. Anulação proporcional do crédito relativo às operações anteriores. 5. Repercussão geral. 6.Recurso extraordinário não provido. (RE 635688, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2014, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-030 DIVULG 12-02-2015 PUBLIC 13-02-2015)
149
No entanto, outras variáveis importam na solução de lides deste tipo,
podendo-se perceber por este caso, que o vácuo de incerteza deixado pelo
julgamento do caso Santa Catarina (ADI nº 2.320/SC), acarretou em nova discussão
judicial sobre o tema.
No caso Santa Lúcia a redução da base de cálculo foi prevista em
convênio/CONFAZ (convênio 128/1994) e o Estado fez a implementação por meio
de lei específica, no entanto permanece a controvérsia no que diz respeito à
possibilidade de aproveitamento integral dos créditos de ICMS quando a operação
subsequente for beneficiada pela redução, uma vez que a legislação estadual não
disciplinou o assunto.
O Min. relator Gilmar Mendes, iniciou seu voto apresentando o histórico
da jurisprudência do STF sobre a natureza jurídica da redução da base de cálculo e
concluiu pela manutenção do entendimento que equipara a redução da base de
cálculo à isenção parcial, por possuírem semelhante efeito prático.
Sendo assim, entendeu que as exceções previstas pelo art. 155, §2º, II,
“a” e “b”, da CF aplicam-se aos casos de redução de base de cálculo. No entanto,
ponderou que a anulação dos créditos não é obrigatória em todos os casos, tendo
sido facultado à legislação dispor de modo diverso.
Não houve discussão acerca da interpretação do termo “legislação”
empregado no artigo, mas apenas a afirmação de que a falta de previsão em
legislação estadual impedindo o cancelamento parcial dos créditos impossibilitaria a
pretendida manutenção deles na integralidade.
Não está explícito no acórdão, no entanto parece que o Min. Gilmar
Mendes parte da premissa que a manutenção dos créditos configura novo benefício
fiscal, uma vez que justifica a necessidade de previsão em legislação estadual pela
constatação de que a natureza jurídica dos convênios é autorizativa, ou seja, apesar
de haver previsão em convênio é necessária ainda a previsão em legislação
estadual.
Dessa forma, por entender que faltou, no caso concreto, a lei referida no
art. 155, §2º, II, negou provimento ao recurso, autorizando o Estado a proceder a
anulação proporcional dos créditos.
150
Apenas o Min. Marco Aurélio divergiu. Em voto vencido, manteve firme a
sua convicção sobre a impossibilidade de confusão dos conceitos de redução de
base de cálculo e isenção, ante a organicidade do próprio direito. Diferenciou-os
fundamentando seu entendimento com base em renomada doutrina, demonstrando
que o fundamento jurídico não pode ser preterido pelo seu efeito prático:
Sob o ângulo da estrutura normativa, pode-se dizer que a redução de base de cálculo influencia o “consequente normativo”, modificando o aspecto quantitativo da obrigação tributária. Essa última, porém, deverá ser cumprida em patamar inferior à generalidade dos casos ante o benefício implementado. Ao reverso, a norma de isenção diz respeito ao “antecedente normativo”, excluindo, de antemão, da regra geral de tributação, os fatos eleitos como isentos, tornando-os incapazes de fazer surgir, quando materializados, no mundo concreto, o dever tributário principal. As diferenças mostram-se evidentes, sendo a redução de base de cálculo espécie de exoneração bem diversa da isenção. É a lição do professor Sacha Calmon:
“Ocorre, no entanto, que, à luz da teoria da norma jurídica tributária, a denominação de isenção parcial para o fenômeno da redução parcial do imposto a pagar, através das minorações diretas de bases de cálculo e de alíquotas, afigura-se absolutamente incorreta e inaceitável. A isenção ou é total ou não é, porque a sua essentialia consiste em ser modo obstativo ao nascimento da obrigação. Isenção é o contrário de incidência. As reduções, ao invés, pressupõem a incidência e a existência do dever tributário instaurado com a realização do fato jurígeno previsto na hipótese de incidência da norma de tributação. As reduções são diminuições monetárias do quantum da obrigação, via base de cálculo ou alíquota reduzida” (COELHO, Sacha Calmon Navarro. Direito de aproveitamento integral de créditos de ICMS nas operações beneficiadas com base de cálculo reduzida. Revista Dialética de Direito Tributário nº 149, São Paulo: Dialética, fevereiro de 2008, p. 107)
No entanto, o argumento não foi suficiente para convencer os demais
ministros, que optaram por manter a jurisprudência da Corte, seguindo o voto do
Min. relator Gilmar Mendes.
Verifica-se que nesse julgamento foi afirmada a natureza autorizativa dos
convênios, sob a justificativa de que a jurisprudência da corte assim entendia,
argumento que a maioria dos ministros manifestou concordância, em um debate
onde a preocupação era apenas justificar a necessidade de lei específica para
manutenção dos créditos.
151
Porém, conforme exposto no segundo capítulo deste trabalho, por mais
de dez anos a jurisprudência do STF manteve-se no sentido de entender que os
convênios possuem natureza impositiva, tendo surgido decisões que afirmam o
contrário após a inserção do §6º do art. 150 da CF.
A justificativa para alterar o entendimento sobre a natureza jurídica dos
convênios limitava-se a afirmar que eles por si só não eram suficientes para
conceder o benefício fiscal, uma vez que tanto a criação quanto a desoneração de
um tributo dependem de previsão legal. No entanto, tal argumento não se aplica à
discussão sobre a possibilidade de cancelamento de créditos, uma vez que o direito
ao crédito é decorrência do princípio da não-cumulatividade (não configurando
benefício fiscal) e por isso não depende de “lei”, mas sim de previsão em
“legislação”, conforme redação do art. 155, §2º, II da CF.
Assim, tendo o Código Tributário Nacional256 estabelecido que o termo
“legislação” abrange os convênios firmados pelos entes federados, é constitucional a
previsão meramente em convênio de manutenção dos créditos no caso concessão
de benefícios fiscais, independentemente de lei estadual.
Ocorre que, nas decisões analisadas, não ficou clara a posição do STF
sobre a natureza jurídica dessa “manutenção dos créditos” e muito menos qual a
abrangência da expressão “legislação” do art. 155, §2º, II da CF. Mais
especificamente, no caso Santa Lúcia apenas é possível presumir que a
manutenção de créditos configura benefício fiscal pela afirmação de que é
necessária a sua previsão em lei estadual, pois os convênios são meramente
autorizativos. Conclusão esta que o Min. Gilmar Mendes chegou com base em
outras decisões que trataram o tema de forma superficial257.
256 Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I - os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa; III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. 257 Para justificar a natureza autorizativa dos convênios, O Min. Gilmar Mendes citou como precedente
o RE nº 630.705 / MT, que já foi comentado por nós no Capítulo 3, item 3.1.2.1, deste trabalho.
152
Assim, com a publicação desse acórdão, tem-se decisão, com
repercussão geral reconhecida, que ao mesmo tempo em que põe fim o caso Santa
Lúcia, consolida incertezas ao torná-lo aplicável a todos os casos semelhantes, sem
debates e conclusões satisfatórios sobre diversos temas polêmicos, quais sejam, a
natureza autorizativa dos convênios, a interpretação da expressão “legislação” do
inciso II, §2º do art. 155 e o fundamento jurídicos para a manutenção dos créditos.
7.6. Desafios do STF no tema da “Redução da Base de Cálculo”
É possível perceber que as incertezas sobre o tema guerra fiscal,
especificamente sobre os desdobramentos decorrentes da concessão de redução de
base de cálculo pelos Estados, permanecem vivas, uma vez que as decisões que
colocariam fim aos casos estudados não estabeleceram parâmetros capazes de
orientar as condutas de contribuintes e Estados.
Essa falta de parâmetros fomenta ainda mais a guerra fiscal em torno do
ICMS, possibilitando aos Estados, através da manipulação do conceito de redução
de base de cálculo, contornar os limites impostos à sua autonomia legislativa.
Isto porque uma das vantagens da utilização de redução da base de
cálculo pelos Estados é fugir da restrição de créditos prevista na Constituição para
os casos de isenção e não incidência.
Os Estados, que concedem benefício fiscal, não por meio de isenção,
mas por redução da base de cálculo, para atrair empresas sob o fundamento de não
se sujeitar à exigência constitucional de anulação de créditos, buscam,
posteriormente, através do judiciário, a equiparação desses conceitos, pretendendo
aumentar usa arrecadação.
Este é exatamente o caso objeto de julgamento da ADI nº 2.320, no qual
o Estado de Santa Cataria ingressou com ação direta de inconstitucionalidade contra
a própria legislação estadual que permitia a manutenção integral dos créditos nas
operações com base de cálculo reduzida.
Já nos demais casos – RE nº 161.031/MG, RE nº 174.478/SP e RE nº
635.688/RS -, os Estados não questionaram suas legislações, mas aproveitando-se
falta de definição de critérios para concessão de redução da base de cálculo,
153
passaram a não aceitar os créditos decorrentes de operações anteriores, quando as
seguintes ocorriam com redução de base de cálculo, eliminando os efeitos do
benefício por eles próprios concedidos.
De fato, ao imporem o estorno dos créditos, sob o fundamento de
equiparação dos conceitos de redução de base de cálculo e isenção, os entes
federados buscam, por via indireta ou colateral, efeito análogo à supressão do
próprio benefício fiscal, instaurando um ambiente de insegurança jurídica.
Observe-se que a relação é cíclica: por permitir várias formas de
utilização, a expressão “redução da base de cálculo” é utilizada pelos Estados para
despistar a legalidade, aumentado o conflito entre os entes federados; conflitos que
terão que ser resolvidos pelo Judiciário. Assim, como o judiciário não consegue
solucionar definitivamente o tema, os Estados aproveitam-se dessas incertezas para
continuar utilizando-se das vantagens da redução da base de cálculo,
retroalimentando o conflito federativo.
7.7. A Proposta de Súmula Vinculante nº 69 do STF não sinaliza solução
para o problema da guerra fiscal
As súmulas vinculantes são produtos de um procedimento normativo (art.
103-A da CF) cujo resultado é a produção de uma norma pelo STF com efeitos
vinculantes. Trata-se de norma abstrata e geral, pois traz no antecedente enunciado
conotativo que destaca determinadas características capazes de abranger inúmeras
situações e no consequente uma relação jurídica com sujeitos indeterminados258.
Atualmente é pacífico na jurisprudência do STF259 que a concessão de
benefícios fiscais sem a celebração de convênios pelos Estados é inconstitucional.
258 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência Administrativa na Aplicação do Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.60-61. 259 EMENTA: ICMS – “GUERRA FISCAL” – CONCESSÃO UNILATERAL DE ISENÇÕES, INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS – NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DA RESERVA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DA OUTORGA, PELO ESTADO-MEMBRO OU PELO DISTRITO FEDERAL, DE TAIS EXONERAÇÕES TRIBUTÁRIAS – PERFIL NACIONAL QUE QUALIFICA A ESTRUTURA JURÍDICO-NORMATIVA DO ICMS – A EXIGÊNCIA DE CONVÊNIO INTERGOVERNAMENTAL COMO LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DE EXONERAÇÃO FISCAL DO ESTADO-MEMBRO/DISTRITO FEDERAL EM TEMA DE ICMS – RECEPÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 24/75 PELA VIGENTE ORDEM CONSTITUCIONAL – (...) – A existência de convênios interestaduais celebrados em atenção e em
154
Assim, diante de decisões reiteradas do STF nesse sentido foi proposta a edição de
súmula vinculante nº 69, com a seguinte redação:
Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional.
Esta proposta tem gerado muitos debates doutrinários pelas
consequências jurídicas e econômicas que sua aprovação pode acarretar. A
Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal (CAE) manifestou-se no
sentido de alertar que contribuintes poderiam ser obrigados a recolher os valores
dispensados no passado, o que geraria prejuízo em suas atividades e risco de
desemprego em massa. Diante disso, encaminhou ao STF pedido para suspender a
análise de aprovação da Súmula, sob o argumento de que uma alteração legislativa
para o problema da guerra fiscal seria a melhor solução.
Enquanto este debate não se resolve, pode-se acrescentar que esta
Súmula Vinculante propõe resposta para apenas 50% dos casos de guerra fiscal,
deixando uma lacuna normativa sobre a natureza jurídica dos convênios e a
exigência de lei específica para a concessão dos benefícios.
respeito à cláusula da reserva constitucional de convênio, fundada no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição da República, traduz pressuposto essencial legitimador da válida concessão, por Estado-membro ou pelo Distrito Federal, de benefícios, incentivos ou exonerações fiscais em tema de ICMS. – Revela-se inconstitucional a concessão unilateral, por parte de Estado-membro ou do Distrito Federal, sem anterior convênio interestadual que a autorize, de quaisquer benefícios tributários referentes ao ICMS, tais como, exemplificativamente, (a) a outorga de isenções, (b) a redução de base de cálculo e/ou de alíquota, (c) a concessão de créditos presumidos, (d) a dispensa de obrigações acessórias, (e) o diferimento do prazo para pagamento e (f) o cancelamento de notificações fiscais. Precedentes. INCONSTITUCIONALIDADES NÃO SE COMPENSAM – A outorga unilateral, por determinado Estado-membro, de benefícios de ordem tributária em tema de ICMS não se qualifica, porque inconstitucional, como resposta legítima e juridicamente idônea à legislação de outro Estado-membro que também se revele impregnada do mesmo vício de inconstitucionalidade e que, por resultar de igual transgressão à cláusula constitucional da reserva de convênio, venha a provocar desequilíbrios concorrenciais entre referidas unidades federadas, assim causando gravame aos interesses do Estado-membro alegadamente prejudicado. É que situações de inconstitucionalidade, porque reveladoras de gravíssima transgressão à autoridade hierárquico-normativa da Constituição da República, não se compensam entre si. Precedente. (ADI 4635 MC-AgR-Ref, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 11/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
155
Procurando esclarecer as inúmeras facetas da guerra fiscal, Eurico
Marcos Diniz de Santi260 elabora uma tabela para demonstrar a complexidade do
tema:
Casos Criação
Há convênio nos termos da parte final do art. 150 § 6º?
A CF88 permite convênio autorizativo ou o convênio é obrigatório?
Há a necessidade de “lei específica” estadual para instituir o benefício?
Solução Normativa ou verificação de dúvida sobre o julgado RE 635688 do STF:
CR1 SIM, há convênio
SIM, a CF permite convênio autorizativo
SIM, há lei específica
CONSTITUCIONAL? pode convênio meramente autorizativo?
CR2 SIM, há convênio
SIM, a CF permite convênio autorizativo
NÃO há lei específica
CONSTITUCIONAL? pode convênio meramente autorizativo, mas SEM LEI?
CR3 SIM, há convênio
NÃO. Há delegação: os convênios são obrigatórios
SIM, há lei específica
CONSTITUCIONAL convênio é obrigatório e HÁ LEI
CR4 SIM, há convênio
NÃO. Há delegação: os convênios são obrigatórios
NÃO há lei específica
CONSTITUCIONAL? pode convênio obrigatório, mas SEM LEI?
CR5 NÃO há Convênio
SIM, a CF permite convênio autorizativo
SIM, há lei específica
INCONSTITUCIONAL (SEM CONVÊNIO)
CR6 NÃO há Convênio
SIM, a CF permite convênio autorizativo
NÃO há lei específica
INCONSTITUCIONAL (SEM CONVÊNIO)
CR7 NÃO há Convênio
NÃO há delegação: os convênios são obrigatórios
SIM, há lei específica
INCONSTITUCIONAL (SEM CONVÊNIO)
CR8 Não há Convênio
NÃO há delegação: os convênios são obrigatórios
NÃO há lei específica
INCONSTITUCIONAL (SEM CONVÊNIO)
260 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Parecer. 2015. Não Publicado, p. 22-23.
156
Observa-se que os quatro últimos casos seriam inconstitucionais, tendo
em vista a ausência de convênio, porém e os demais? Neles há convênios, mas
estes podem ser autorizativos? E a ausência de lei específica?
Seria possível ainda incluir nesta tabela as demais variáveis estudadas
neste trabalho, quais sejam, a existência de legislação em contrário (art. 155, §2º, II
da CF) e o fundamento jurídico para a manutenção dos créditos, o que aumentaria
ainda mais as incertezas sobre o tema.
Todas estas situações demonstram que esta proposta de súmula
vinculante não será capaz de resolver a complexidade da guerra fiscal, uma vez que
este problema é mais extenso do que a mera existência de convênio/CONFAZ.
O estudo deste tema apontou que os conflitos federativos estão longe de
terminar, pois a capacidade institucional do STF em resolver os problemas da guerra
fiscal do ICMS é menor que o interesse e a criatividade jurídica dos Estados.
157
CONCLUSÕES
1. O problema das dimensões do uso da expressão “redução de base
de cálculo”, no contexto da Guerra Fiscal do ICMS, está demarcado pelos casos
Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia julgados pelo STF.
Todos tratam de operações com redução de base de cálculo e discutem a
possibilidade de manutenção integral dos créditos nestas operações. No caso
Camargo Soares, entendeu-se que os conceitos de isenção e redução da base de
cálculo não se equiparam e, por isso, a exceção ao princípio da não cumulatividade
que prevê a restrição ao crédito (art. 155, § 2º, II, “b” da CF) nos casos de isenção e
não incidência não pode ser aplicada para situações de base de cálculo reduzida.
No caso Monsanto, este entendimento foi alterado: os conceitos de isenção e
redução da base de cálculo foram equiparados e por isso aplicou-se a aludida
restrição do art. 155, §2º, II, “b” da CF/88, considerando constitucional o
cancelamento dos créditos. Já no caso Santa Catarina, que discutiu a
constitucionalidade de lei estadual que autorizava a manutenção dos créditos, não
houve alteração do entendimento no que diz respeito à equiparação da redução da
base de cálculo à isenção, porém ainda assim foi reconhecida a possibilidade de
manutenção dos créditos, tendo em vista a existência de autorização em lei,
conforme exige o art. 155, §2º, II da CF. No entanto, apesar deste entendimento
algumas questões não ficaram claras neste julgamento, tais como: qual abrangência
do termo “legislação” empregado pelo art. 155, §2º, II da CF e se a manutenção do
crédito caracterizaria um novo benefício fiscal, havendo necessidade de também
estar prevista em convênio e em lei específica (art. 150, §6º da CF). Em decorrência
dessas indefinições, o STF voltou a julgar, no caso Santa Lúcia, o tema da
manutenção de créditos no caso de operações com redução de base de cálculo.
Havia neste caso a autorização no Convênio 128/94 para a redução da base de
cálculo e para a manutenção dos créditos. O Estado do Rio Grande do Sul editou lei
específica prevendo a redução da base de cálculo, no entanto não editou lei tratando
especificamente sobre a possibilidade do aproveitamento integral dos créditos de
ICMS. O STF entendeu que os convênios são meramente autorizativos e concluiu
158
que a falta de lei impede a manutenção dos créditos. O acordão, no entanto, não é
claro, restando até hoje pendente recurso de embargos de declaração, em razão da
ausência de deliberação sobre o fundamento jurídico para a manutenção dos
créditos e sobre a abrangência do termo “legislação em contrário” prevista no ar.
155, §2º, II da CF; situações que poderiam alterar o resultado do julgado e ajudar na
consolidação da jurisprudência, definindo parâmetros para os Estados e os
contribuintes.
2. Os pontos conflituosos dos casos Camargo Soares, Monsanto,
Santa Catarina e Santa Lúcia revelam divergências sobre: (i) a equiparação dos
institutos redução da base de cálculo e isenção (parcial); (ii) a abrangência do termo
“legislação” previsto no art. 155, §2º, II da CF; (iii) o fundamento jurídico para a
manutenção dos créditos (direito inerente ao princípio da não cumulatividade ou
nova hipótese de benefício fiscal) e (iv) a natureza jurídica dos convênios
(impositivos ou autorizativos). O tema da equiparação redução da base de
cálculo/isenção parcial é condição necessária para adentrar aos temas (ii), (iii) e (iv).
A não equiparação autoriza o aproveitamento dos créditos. A equiparação não
autoriza, salvo legislação expressa em contrário, permitindo a manutenção dos
créditos. Decidindo-se por essa segunda opção seria necessário então identificar a
existência dessa autorização para manutenção dos créditos, o que implicaria definir
o tópico (ii): a abrangência do termo “legislação” em contrário (lei, decreto,
convênio?). Sobre o item (iii), se o fundamento para manutenção dos créditos
consistir num direito decorrente do princípio da não cumulatividade, então a
demanda é pela aplicação da ressalva do art. 155, §2º, II da CF, devendo-se decidir
se a previsão em convênio é capaz de suprir a exigência de “legislação em
contrário”. No entanto, se o fundamento jurídico for a configuração de nova forma de
benefício fiscal, então, a demanda passa a ser pela aplicação do art. 150, §6º da CF,
sendo obrigatória a edição de “lei específica” estadual para que a manutenção dos
créditos seja constitucional. A tese (iv) da impositividade da natureza jurídica dos
convênios, na linha do precedente do Min. Moreira Alves (RE nº 96.545), reforça o
valor homogeneidade da federação, obrigando todos os Estados. A tese segundo a
qual os convênios são autorizativos reforça o valor autonomia dos Estados,
oferecendo a facultatividade para a lei estadual conceder ou não o benefício previsto
em convênio. Em ambas as teses (impositividade ou facultatividade dos convênios)
159
há necessidade de lei estadual, a diferença específica é que: na primeira, a edição
da lei é obrigatória; na segunda, é facultativa.
3. A análise da argumentação jurídica dos casos Camargo Soares,
Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia revela o entrelaçamento de vários
conceitos fundamentais do direito, tais como: (i) a visão estática da competência
legislativa tributária; (ii) a respectiva concretização da competência legislativa,
mediante a estrutura da regra-matriz de incidência, em especial, o produto base de
cálculo e alíquota do critério quantitativo e (iii) a realização da competência
administrativa pela via da incidência tributária, relacionada ao fenômeno da isenção
e à lógica da aplicação prática da expressão “redução de base de cálculo”. A visão
estática da competência colabora na compreensão do contexto histórico-jurídico do
sistema de distribuição de competências aos Estados da federação, ajuda a
entender a relação entre não cumulatividade e exercício do direito ao crédito em
operações interestaduais, ilumina as razões para o surgimento da expressão
“redução de base de cálculo” e coloca em perspectiva o tema da delegação da
competência aos convênios CONFAZ. A concretização da competência legislativa,
relevada através do instrumental da regra-matriz de incidência, permite destacar a
relação direta entre a alíquota e da base de cálculo, desvelando que o mesmo
resultado prático pode ser obtido, no interior do critério quantitativo, seja pela
redução da alíquota, seja pela redução da base de cálculo. A realização da
competência administrativa, por meio da incidência jurídica, mostra a lógica prática
dos Estados que entre três hipóteses que levam a resultado econômico semelhante
- a redução da alíquota, a redução da base de cálculo ou a isenção - optam, pela
oportuna manipulação jurídica do conceito de redução de base de cálculo, que
possibilitava inicialmente fugir das restrições impostas à alteração das alíquotas
(medida mais usual para alteração do tributo devido) e, atualmente, cancelar o
direito ao crédito do tributo pago na operação anterior, mediante a equiparação ao
conceito de isenção.
4. Os convênios foram criados com o objetivo de centralizar/unificar a
concessão de benefícios fiscais que antes era praticada pelos Estados. A delegação
desta competência aos convênios/CONFAZ induziu o surgimento da dualidade: (i)
convênios autorizativos, que devolvem aos Estados a deliberação para concederem
ou não os benefícios por meio de suas legislações estaduais e (ii) convênios
160
impositivos, que mantém a competência do CONFAZ, determinando a
obrigatoriedade de todos os Estados instituírem benefícios por meio de suas
legislações. O Convênio 128/94, discutido no caso Santa Lúcia, revela exemplo da
superação da tese dos convênios impositivos, mediante o uso textual do termo
“autorizado” ao invés dos modais obrigatório ou proibido, como forma de justificar a
necessidade de edição de lei específica, seja para a concessão de redução de base
de cálculo, seja para a manutenção dos créditos. Sugere-se, aqui, que houve afronta
ao princípio da indelegabilidade da competência tributária: o poder constituinte
outorgou ao CONFAZ competência exclusiva para deliberar sobre a concessão, mas
não competência para delega-la aos Estados. Especificamente, no caso Santa Lúcia
há lei específica que acoberta a “autorização” para reduzir base de cálculo, mas há
lacuna normativa em relação a lei especifica para “autorização” da manutenção do
crédito. É neste contexto que a afirmação sobre a natureza autorizativa dos
convênios aparece neste julgamento do STF, para justificar o entendimento pela
necessidade de lei específica também para a manutenção do crédito. O que implica
considerar essa manutenção como uma nova forma de benefício fiscal e não como
uma decorrência do princípio da não cumulatividade.
5. A história de 50 anos do sistema tributário nacional revela mais de
meio século da prática jurídica que municia a guerra fiscal entre os Estados. Várias
alterações legislativas foram feitas no desenho do ICMS com o objetivo de tentar
fortalecer a Federação e solucionar o problema da guerra fiscal por meio da
imposição de limites à atuação dos Estados. Com a substituição do IVC pelo ICM
através da EC nº 18/65 procurou-se, além de anular os efeitos ruins decorrentes da
cumulatividade dos tributos, acabar com o conflito entre os Estados nas operações
interestaduais, uma vez que nestas operações o imposto era devido somente ao
Estado produtor, o que fazia com que os Estados consumidores tributassem essas
operações por meio de subterfúgios legais dando origem a inúmeros conflitos. Já
com a EC nº 1/69 o objetivo foi evitar a concessão de isenções de forma
descentralizada e por isso introduziu-se a necessidade de celebração de convênios
para concessão de isenção. Ainda, por pressão dos Estados uma nova Emenda
Constitucional (nº 23/83) instituiu uma exceção ao princípio da não cumulatividade,
impedindo o aproveitamento de créditos nos casos de isenções e não incidência. A
introdução pela EC nº 3/93 incluiu mais um limite à atuação dos Estados: a
161
concessão de qualquer incentivo fiscal, inclusive a redução da base de cálculo,
dependerá de lei específica dos Estados. A despeito de todas essas alterações, o
uso da redução da base de cálculo surgiu e ganhou força como nova fórmula jurídica
para os Estados contornarem a centralização, buscando reaver a autonomia
perdida. É o que ocorre com a restrição ao aproveitamento de crédito nos casos de
concessão de isenção ou não incidência previstas no art. 155, §2º, II da CF, que
vem sendo contornada por meio da utilização da redução da base de cálculo desde
que foi instituída pela EC nº 23/83, culminando com o julgamento pelo STF dos
quatro casos selecionados neste trabalho.
6. O uso do termo “redução de base de cálculo” viola o princípio da
legalidade. Verificou-se a manipulação do conceito “redução da base de cálculo”
para evitar a incidência das normas que estabeleciam: a exigência de lei para
alteração de alíquotas e a competência do Senado para defini-las, a obrigatoriedade
de lei para concessão de isenção e a restrição ao aproveitamento de créditos que
evolvam operações com isenção ou não incidência. O motivo de evitar a aplicação
dessas normas é fugir das limitações que elas impõem aos Estados. Limitações
estas que as sucessivas alterações legislativas impuseram justamente para impedir
o conflito federativo. A utilização da redução da base de cálculo permaneceu
vantajosa para os Estados, sobretudo a partir da introdução da restrição ao
aproveitamento de créditos em operações com isenção ou não incidência. O estudo
dos casos Camargo Soares, Monsanto, Santa Catarina e Santa Lúcia revelam a
estratégia de driblar tais restrições (art. 155, §2ª, II da CF) através da estratégica
concessão da redução da base de cálculo no lugar da isenção (parcial).
7. O uso do termo “redução de base de cálculo” revela estratégia
silenciosa de violação do princípio da não cumulatividade, na medida em que a
pretensão dos Estados em equiparar o conceito de redução de base de cálculo ao
de isenção parcial busca evitar a aplicação deste princípio, ou seja, impedir o
aproveitamento dos créditos nessas operações, aumentado assim, por via oblíqua a
arrecadação. O princípio da não cumulatividade garante, como regra geral, o direito
dos contribuintes à manutenção dos créditos tributários pagos nas operações
anteriores, sendo descabido considerar o direito ao crédito como uma espécie de
benefício fiscal, uma vez que consiste no próprio mecanismo garantidor da não
cumulatividade tributária. O STF reiteradamente prestigiou a aplicação do princípio
162
da não cumulatividade: mesmo quando não havia qualquer exceção a esse princípio
na CF e a pretensão dos Estados de estornar os créditos decorrentes de operações
isentas eram consideradas inconstitucionais, até a introdução da exceção ao
princípio da não cumulatividade pela EC nº 23/83 e sua ampliação pela CF de 1988
que apesar de permitir o cancelamento dos créditos nos casos de isenção,
continuou considerando-o inconstitucional nos casos de operações beneficiadas
com redução de base de cálculo, como se observa no caso Camargo Soares. No
entanto, no caso Monsanto o STF passou a aceitar a equiparação dos conceitos de
redução de base de cálculo e isenção (parcial) autorizando o estorno dos créditos
em um acórdão que aguarda esclarecimento e exame dos efeitos adversos que a
restrição ao princípio da não cumulatividade poderia causar na cadeia de produção.
8. A guerra fiscal decorrente do uso da expressão “redução da base
de cálculo” fere o princípio federativo na medida em que desrespeita regras
constitucionais elaboradas param manter a harmonia da Federação, em especial o
art. 152 da CF. O STF possui farta jurisprudência que defende o princípio federativo
e impede os Estados de estabelecer diferenças tributárias em razão da origem da
mercadoria (art. 152 da CF). Como exemplo destaca-se o julgamento da ADI 3.389
em que se considerou inconstitucional decreto do Rio de Janeiro, que previa a
redução da base de cálculo nas saídas internas de produtos da cesta básica
produzidos apenas em seu território, por se considerar que ele estabelecia diferença
tributária em razão da origem da mercadoria. No entanto, a existência de barreiras
fiscais ocorre em outras situações de maneira menos explícita. No caso Santa Lúcia
este problema se verifica pela conjugação de duas situações: (i) a redução de base
de cálculo a um patamar inferior ao da alíquota interestadual e (ii) o cancelamento
dos créditos da operação anterior a beneficiada pela redução, o que torna o ICMS
cumulativo. O convênio 128/94 reduz a carga tributária a 7%. Uma mercadoria
oriunda de outro Estado sofre a incidência de alíquota interestadual de 12%, mas na
operação interna seguinte, será tributada em apenas 7%, de acordo com o convênio
que estabelece a redução da base de cálculo. A diferença de 5% pertenceria ao
contribuinte por ter pago 12% na operação anterior, mas apenas 7% na seguinte. No
entanto, o Estado do Rio Grande do Sul exige o estorno desses créditos, o que
equivale a estabelecer uma barreira fiscal de 5% (diferença entre os 12% pagos na
operação anterior e os 7% pagos com a redução), tornando o imposto cumulativo.
163
Tal atitude torna desvantajosa a aquisição de mercadoria de outros estados,
violando o art. 152 da CF, que proíbe a distinção tributária em razão da origem da
mercadoria.
9. As decisões judiciais são normas jurídicas que regulam condutas e
geram segurança jurídica. Dessa forma, o STF quando instado a se manifestar
sobre os problemas decorrentes da redução da base de cálculo, por meio de suas
decisões, deveria apresentar parâmetros capazes de efetivamente orientar
condutas, sem deixar questões indefinidas sobre o tema. Essa falta de parâmetros
incentiva a manutenção da guerra fiscal. A proposta de súmula vinculante nº 69
(“Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito
presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS,
concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é
inconstitucional”) sinaliza apenas solução parcial para o problema da guerra fiscal.
Restringe-se à concessão de benefícios sem convênios, mantendo indefinidas as
demais variáveis que coexistem mesmo quando há a celebração de convênio e que
foram reveladas nos quatro casos julgados pelo STF, quais sejam: a abrangência do
termo “legislação” previsto no art. 155, §2º, II da CF; o fundamento jurídico para a
manutenção dos créditos (direito inerente ao princípio da não cumulatividade ou
nova hipótese de benefício fiscal) e a natureza jurídica dos convênios (impositivos
ou autorizativos).
10. A utilização da expressão “redução da base de cálculo” pelos
Estados é exemplo de prática de guerra fiscal que se aproveita da imprecisão de
conceitos jurídicos para contornar as regras de coordenação federativa. Tal
subterfúgio visa manter a aparência de legalidade, mas acaba por afrontar a própria
legalidade, a não cumulatividade e o primado federativo. Tentar contornar norma
constitucional, ainda que através de expedientes jurídicos, é frustrar sua
imperatividade, é negar os fins da própria Constituição por meio do disfarce. O
caminho do contencioso tributário para reinterpretar termos constitucionais pela via
do STF não tem se mostrado eficaz para oferecer segurança jurídica aos Estados e
aos contribuintes. O que esta pesquisa sugere é que os conflitos entre os entes
federados estão longe de terminar, pois a capacidade institucional do STF resolver
os problemas da guerra fiscal do ICMS é menor que o interesse e a criatividade
jurídica dos Estados.
164
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