A Era Do Radio- Lia Calabre

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A era do radio

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  • Lia Calabre

    A Era do Rdiosegunda edio

  • Sumrio

    Introduo

    A estruturao do rdio brasileiro

    O rdio e o ouvinte

    O rdio popular e seus anos dourados

    Novos tempos para o rdio brasileiro

    Ilustraes

    Cronologia

    Referncias e fontes

    Sugestes de leitura

    Sobre a autora

  • Crditos das ilustraes

    1, 4. Agncia Nacional, acervo do Arquivo Nacional.2, 6, 7. Arquivo do Correio da Manh, acervo do Arquivo Nacional.3, 5, 8, 9. Acervo do Arquivo Rdio Nacional.

  • Introduo

    A clssica imagem de uma enorme caixa de madeira falante representa um tipo de rdio que no existe mais. Esta afirmativa,mais do que se referir ao aparelho receptor de rdio, diz respeito programao veiculada pelas emissoras. Ao pensarmosnos programas transmitidos pelo rdio brasileiro da dcada de 1920 at o incio da de 1960, o que se destaca so asradionovelas, os programas de auditrio, as cantoras eleitas rainhas do rdio, os programas humorsticos e de variedade estilos que no so mais produzidos pelas emissoras brasileiras. O rdio criou modas, inovou estilos, inventou prticascotidianas, estimulou novos tipos de sociabilidade. cone de modernidade at a dcada de 1950, ele cumpriu um destacadopapel social tanto na vida privada como na vida pblica, promovendo um processo de integrao que suplantava os limitesfsicos e os altos ndices de analfabetismo do pas.

    Lanado como uma novidade maravilhosa, o rdio transformou-se em parte integrante do cotidiano. Presena constante noslares, converteu-se em um meio fundamental de informao e entretenimento. Ao longo da dcada de 1950 o rdio tornou-seum objeto acessvel grande maioria da populao, no mesmo momento em que tinha incio o processo de lanamento evalorizao da televiso no Brasil. Nos anos 1960 o formato de programas de rdio que havia feito tanto sucesso nas dcadasanteriores j havia se transferido, em grande parte, para a televiso. Essas mudanas deram origem a novos modelos deprogramao radiofnica, cada vez mais distantes daquele que prevaleceu nos anos dourados do rdio brasileiro.

    O rdio, no Brasil, acompanhou de perto as inovaes tecnolgicas ocorridas em todo o mundo. Apesar das diversasexperincias realizadas em vrios pases desde os primeiros anos do sculo XX, a radiodifuso como um servio detransmisso regular surgiu em novembro de 1920, nos Estados Unidos. A KDKA, como foi batizada a primeira emissoraradiofnica, utilizava equipamentos fabricados pela Westinghouse e tinha como base de sua programao a produo decoberturas jornalsticas. Na Inglaterra e na Frana, as primeiras emissoras radiofnicas regulares surgiram no ano de 1922.

    Nos Estados Unidos, o sucesso do rdio foi imediato, produzindo uma verdadeira exploso do setor. Em outubro de 1921foram registradas 12 novas emissoras; em novembro, mais 9; em dezembro, outras 9. Em janeiro de 1922, 26 novas emissorasentravam no ar. Ao final do ano de 1924, os Estados Unidos j contavam com 530 emissoras de rdio em funcionamento! Asempresas norte-americanas de equipamentos e aparelhos de rdio logo iniciaram o processo de expanso para outros pases,mas em nenhum outro lugar foram registrados ndices de crescimento do setor similares aos dos Estados Unidos.

    Na dcada de 1930, o rdio j trazia o mundo para dentro da casa. O historiador Eric Hobsbawm, em seus estudos sobre osculo XX, aponta o rdio como uma poderosa ferramenta de comunicao e integrao entre os indivduos. O rdio foi oprimeiro meio de comunicao a falar individualmente com as pessoas, cada ouvinte era tocado de forma particular pormensagens que eram recebidas simultaneamente por milhes de pessoas. O novo meio de comunicao revolucionou a relaocotidiana do indivduo com a notcia, imprimindo uma nova velocidade e significao aos acontecimentos. Ao partilharem dasmesmas fontes de notcias, os indivduos se sentiam mais integrados, possuam um repertrio de questes comuns a seremdiscutidas. No campo especfico da produo cultural, o rdio inovou, ao mesmo tempo em que absorveu e adaptou outrasformas de arte j existentes. Estavam presentes no rdio, por exemplo, a msica em seus diversos gneros e o teatro dramae comdia. O rdio tornou-se um excelente meio de divulgao de outras manifestaes artsticas.

    Entre as mudanas efetuadas na cidade do Rio de Janeiro, ento capital federal, no incio da dcada de 1920, compretenses a romper, definitivamente, com o passado colonial, destaca-se a derrubada do Morro do Castelo, que cedeu lugar construo de pavilhes onde foi instalada parte da Exposio Nacional, preparada especialmente para os festejos doCentenrio da Independncia Brasileira, em 1922. A extenso (e pretenso) dos festejos podia ser medida atravs dagrandiosidade desses pavilhes: o pas desejava mostrar-se prspero, saudvel, desenvolvido, e, acima de tudo, moderno.Assim sendo, no poderia haver momento mais propcio para apresentar sociedade brasileira uma das mais recentesnovidades tecnolgicas que encantava o mundo: o rdio!

    No dia da inaugurao da exposio ocorreu a primeira demonstrao pblica, no Brasil, de uma transmisso radiofnica,levando espanto e curiosidade aos visitantes da Exposio Nacional. No pavilho principal puderam ser ouvidos o discursode Epitcio Pessoa (ento presidente da Repblica) e trechos da pera O Guarany, de Carlos Gomes, que estava sendoexecutada no Teatro Municipal. As transmisses, ainda que acompanhadas de muitos rudos, espantaram e maravilharam aspessoas presentes, muitos dos quais imaginaram que estivessem presenciando algum tipo de truque.

    O sucesso e a repercusso das primeiras transmisses radiofnicas na imprensa resultaram, logo no ano seguinte, noestabelecimento da Rdio Sociedade do Rio de Janeiro. Organizada graas aos esforos de Roquette Pinto e Henrique Morize,pretendia criar uma rdio cuja programao teria finalidades estritamente culturais e educativas. Essa foi oficialmente aprimeira de muitas emissoras de rdio que surgiriam em todo o pas.

    Apesar de o rdio ter se desenvolvido em diversas regies do pas ao mesmo tempo, as emissoras de rdio cariocas epaulistas tiveram uma posio de destaque no cenrio radiofnico nacional. Durante as dcadas de 1940 e 1950, dentro doconjunto das emissoras cariocas, especificamente, e mesmo brasileiras em termos gerais, destacava-se a Rdio Nacional doRio de Janeiro, que criou uma espcie de modelo de programao radiofnica seguido pelo restante do pas. As rdiosMayrink Veiga, Tupi e Tamoio, junto com a Nacional, eram as que obtinham os maiores ndices de audincia. Em outras

  • regies podem ser destacadas as rdios: Clube de Pernambuco; Jornal do Comrcio, de Recife; Farroupilha e Gacha, do RioGrande do Sul; Inconfidncia, de Belo Horizonte; e as paulistas Excelsior, Record, So Paulo e Tupi.

    A estruturao do rdio brasileiro

    O rdio brasileiro estabeleceu-se a partir de uma dupla determinao: um veculo de comunicao privado, portantosubordinado s regras do mercado econmico, mas, ao mesmo tempo, controlado pelo Estado, que responsvel tanto pelaliberao da concesso para o funcionamento das emissoras (normalmente por um perodo de dez anos renovveis) quantopela cassao das mesmas, caso haja desrespeito s leis do cdigo de comunicao em vigncia.

    Os primeiros anos de vida do rdio no pas estiveram repletos de dificuldades, refletidas num constante surgimento edesaparecimento de inmeras emissoras. A frmula utilizada, ento, para a criao de uma nova emissora era a da formaode uma rdio-sociedade, que previa em seus estatutos a existncia de associados com obrigao de colaborar com umadeterminada quantia mensal. A verba arrecadada dessa forma era a principal, seno a nica, fonte de renda das emissoras.Muitas pessoas se associavam, mas poucas se mantinham pagando regularmente as mensalidades. Eram tempos difceis paraas rdio-sociedades. Para a execuo da programao musical, elas contavam com emprstimos de discos de seus ouvintes eassociados (que, em troca, recebiam agradecimentos no ar) e com a apresentao ao vivo de artistas, sem nenhum tipo deremunerao financeira. As emissoras empenhavam-se na busca de solues para superar as dificuldades econmicas.Seguindo o modelo das rdios norte-americanas, tentavam conseguir patrocinadores para seus programas. Faltava, porm, umpequeno detalhe para que a frmula fosse posta em ao com eficcia: os candidatos categoria de anunciantes.

    A passagem do rdio brasileiro da fase amadora para a comercial no se deu de forma imediata, em grande medida, no porfalta de empenho das emissoras, mas por fora de uma srie de circunstncias adversas. O primeiro problema enfrentado foi oda escassez de aparelhos receptores, que inicialmente eram importados e caros, limitando sua aquisio a uma pequenaparcela da sociedade. A falta de verbas e de ouvintes fazia com que as emissoras restringissem sua programao aos horriosda manh e da noite. Um anncio de um dos revendedores de rdio da General Electric, publicado no Almanaque Eu Sei Tudoem maio de 1925, oferecia demonstraes de captao radiofnica aos seus clientes, mas avisava que as demonstraesdirias estavam restritas s horas de irradiao. At mesmo a venda de aparelhos era atrapalhada pelo poucoprofissionalismo demonstrado pelo setor radiofnico com respeito a horrios e programaes relativamente constantes.

    Um outro problema enfrentado pelas emissoras era o da falta de uma regulamentao clara sobre a veiculao depublicidade, ou melhor, de reclames, para utilizar uma expresso da poca. O decreto-lei n.16.657 (15.11.1924) determinavaque O Governo reserva para si o direito de permitir a difuso rdio-telephonica (broad-casting) de annncios e reclamescommerciais.

    verdade que tal fato no impedia que as emissoras, mesmo no produzindo intervalos comerciais, tivessem seusprogramas patrocinados por anunciantes especficos, constantemente citados durante a irradiao. Entretanto, as dificuldadesde se conseguir os patrocnios eram grandes. Predominava um sentimento de descrdito quanto eficcia do rdio comoveculo capaz de estimular o crescimento do consumo e de atrair novos clientes. A prpria prtica de anunciar os produtosainda no era largamente utilizada pela indstria e pelo comrcio na dcada de 1920; o rdio, naquele momento um veculonovo, despertava ainda mais a desconfiana dos possveis anunciantes, acostumados, no mximo, a veicular suas mensagenscomerciais atravs da imprensa e de painis.

    As agncias de publicidade estrangeiras comearam a chegar ao Brasil no final da dcada de 1920 e incio da de 1930,sendo as primeiras a Thompson e a McCann-Erickson. O perodo da expanso das agncias norte-americanas coincidiu com odo desenvolvimento do setor radiofnico. Nos Estados Unidos, o rdio foi um dos grandes aliados das agncias depropaganda e rapidamente passou a ser o veculo para o qual foram direcionados os maiores percentuais das verbaspublicitrias. Essa experincia foi sendo trazida aos poucos para o Brasil: os grandes anunciantes do rdio na dcada de 1940foram as multinacionais que se instalavam no pas.

    Mesmo convivendo com as dificuldades j enumeradas, o sistema de radiodifuso brasileiro foi se desenvolvendo. Segundoos dados publicados pelo IBGE podemos observar o crescimento das empresas de radiodifuso, em todo o pas:

    Tabela I Criao de emissoras de rdio 1923-1940

    Ano da fundao 1923 1924 1925 1926 1927 1928 1929 1930 1931Nmero de empresas 2 5 3 2 2 2 1Ano de fundao 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940Nmero de empresas 5 15 9 8 5 6 10

    Fonte: IBGE, Anurio estatstico do Brasil 1941/1945, p.451.

  • O setor de radiodifuso era, na dcada de 1920, uma rea de incertezas, investimento caro e retorno duvidoso. Podemosconjecturar que o desenvolvimento do rdio brasileiro, no perodo anterior dcada de 1930, foi freado no apenas porrazes de ordem tcnica, mas tambm pela turbulenta conjuntura poltica. Foi um tempo de instabilidade, com as revoltastenentistas, as constantes declaraes de Estado de Stio; nesse contexto, o rdio poderia vir a se tornar um perigoso veculode comunicao, de divulgao dos acontecimentos e de propaganda contra o poder estabelecido. Para evitar qualquer risco, ogoverno limitou, desde o decreto n.16.657 (5.11.1924), as sociedades civis a transmitirem uma programao com finseducativos, cientficos e artsticos de benefcio pblico, ficando expressamente proibida a propagao de notcias internas decarter poltico sem a prvia permisso do governo.

    Apesar de manter uma programao ao gosto das elites, as emissoras de rdio tentavam se tornar mais populares. Umrecurso muito utilizado era o de realizar transmisses especiais com a instalao de alto-falantes em lugares pblicos, assimreunindo um grande nmero de ouvintes. Em 1927, em So Paulo, por exemplo, a Rdio Educadora Paulista, conhecedora dointeresse de seus ouvintes pelos jogos de futebol, transmitiu do Rio de Janeiro para So Paulo uma partida do campeonatobrasileiro entre paulistas e cariocas. Para permitir que um nmero grande de ouvintes pudesse acompanhar a faanha, foraminstalados alto-falantes na Sorveteria Meia Noite, na Leiteria Brilhante e em frente sede do jornal A Gazeta. No dia seguinte,os jornais publicavam fotos e comentrios das multides que se reuniram nos trs locais para ouvir a transmisso. Era umaforma de atrair a ateno da populao para as potencialidades do rdio. Em 1929, os aparelhos de rdio em So Paulo jpassavam de 60 mil unidades. O hbito de ouvir rdio ia se consolidando.

    Em So Paulo, as eleies de 1930 j contaram com a presena efetiva do rdio. A Rdio Educadora Paulista tinha entreseus associados Jlio Prestes, candidato presidncia da Repblica. Esquecendo seus princpios puramente educativos, aemissora fez efetiva campanha para o candidato paulista. Dentro da Rdio no se falava no nome de Getlio Vargas, candidatoda Aliana Liberal, pois isso era proibido.

    No final da dcada de 1920, o rdio buscava o caminho da profissionalizao. A maior parte das emissoras passava airradiar seus programas todos os dias da semana. Novas empresas de radiodifuso formavam-se, anunciando projetosrevolucionrios que conquistariam definitivamente o pblico ouvinte, transformando o rdio em um elemento indispensvelem todos os lares. A Rdio Sociedade Record, de So Paulo, foi uma delas. Fundada em 1928, foi vendida em 1931 paraJorge Alves Lima, Joo Batista do Amaral e Paulo Machado de Carvalho. Os novos diretores prometiam ao pblico paulistauma rdio jornalstica, de prestao de servios e com muito entretenimento, tudo feito de forma profissional. O rdio deixavapara trs sua fase amadorstica.

    Enquanto as emissoras se profissionalizavam, as novidades tecnolgicas da indstria estrangeira iam chegando ao mercadobrasileiro. Em 13 de janeiro de 1931, a RCA Victor anunciava no jornal O Globo o seu novo produto: Trs maravilhososinstrumentos em um s, que consistia em um mvel que continha um rdio, uma eletrola e um gravador (que gravava tanto apartir de discos como de rdio). Esse era um aparelho caro, voltado para um seleto grupo de elite que desejava estar em diacom as novidades e com a moda no estrangeiro. Mas ao lado dos sofisticados aparelhos a RCA e outras fbricas tambmpassaram a produzir pequenos rdios que, pouco a pouco, se tornavam acessveis para um nmero maior de pessoas.

    A capacidade de mobilizao poltica do rdio tornou-se realmente evidente na Revoluo Constitucionalista de 1932, emSo Paulo. Segundo o historiador Antnio Pedro Tota, o que ocorreu em 1932 foi uma verdadeira guerra no ar entre asemissoras paulistas e cariocas. As rdios Philips, do Rio de Janeiro, e Record, de So Paulo, que at s vsperas daRevoluo realizavam transmisses conjuntas, tornaram-se inimigas. Aps o incio do movimento paulista as emissoraspassaram a servir como armas na luta, ocupando campos opostos na batalha.

    O rdio mostrava-se um excelente meio de propaganda ideolgica. Tanto as transmisses cariocas captadas em So Pauloquanto as mensagens paulistas captadas no Rio de Janeiro passaram a ser consideradas perigosas. As emissoras empenhavam-se em desmentir as informaes dadas pelo inimigo. A rapidez com que as notcias podiam ser veiculadas, oposicionamento de cada emissora, a popularidade alcanada por Csar Ladeira, da Rdio Record que ficou conhecidocomo o locutor oficial da Revoluo Constitucionalista , demonstraram que o rdio era em si mesmo um veculorevolucionrio, com seu largo alcance e rapidez na divulgao dos fatos. Ele tinha vindo para ficar.

    Desde o incio de seu governo, o presidente Getlio Vargas demonstrou preocupaes no sentido de estabelecerregulamentao especfica para os diversos setores de produo cultural. Os decretos n.20.047 e 21.111 (27.5.1931 e1.3.1932, respectivamente) regulamentavam, de forma detalhada, o funcionamento tcnico e profissional do setor radiofnico.A principal contribuio da legislao para o desenvolvimento do setor foi a liberao de transmisso de propagandacomercial. Para evitar os excessos, o governo exigia que o tempo dedicado aos textos comerciais no ultrapassasse o limite de10% do total de programao. Esse era o incentivo comercial necessrio para a criao de novas emissoras de rdio. Comopde ser visto na tabela I, a decretao, em novembro de 1937, do Estado Novo, que implantou uma ditadura com um forteesquema de censura, afetou o setor do rdio, que se retraiu para, logo em seguida, continuar seu processo de crescimento.

    Durante o primeiro governo Vargas (1930-1945), o pas vivenciou um processo de crescimento da produo cultural emdiversos campos, como por exemplo na literatura, no cinema e na msica. Um novo tratamento foi dispensado a esse setor.Mesmo durante o Estado Novo (1937-1945), perodo no qual a produo cultural permaneceu sob o controle do Departamento

  • de Imprensa e Propaganda (DIP), criou-se uma poltica de valorizao e elaborao de estratgias para o setor cultural queextrapolavam os nveis puramente polticos. Ao organizar e regulamentar o funcionamento das emissoras de rdio, o governoreservava para si uma fatia desse setor. J na legislao de 1932 estava prevista a irradiao de um programa nacional quedeveria ser retransmitido por todas as emissoras do pas a Hora Nacional. Ao tentar implementar a irradiao doprograma, o governo encontrou resistncia por parte de diversas emissoras, especialmente as paulistas, que preferiam manter-se fora do ar a transmitir o programa oficial. Havia ainda vrios problemas tcnicos, como o da pouca potncia dostransmissores, o que dificultava ainda mais o processo de retransmisso.

    Foi somente em 1939, com a criao do DIP, que o programa nacional do governo passou a ser irradiado para todo o pas.Atravs de sua Diviso de Rdio, o DIP tomou para si a tarefa de organizar e produzir a Hora do Brasil. Cabia, ainda, mesma diviso censurar os programas irradiados pelas diversas emissoras. Apesar de submetidos a censura prvia, osprogramas radiofnicos eram transmitidos ao vivo, o que obrigava o DIP a destacar censores para ouvir as emissoras e emitirseus pareceres.

    Apesar das interferncias da censura, as emissoras de rdio foram se desenvolvendo, tornando-se altamente populares. Embusca de uma boa aceitao de seus produtos, as emissoras de rdio foram adequando a programao s peculiaridades domeio e s exigncias do pblico.

    O rdio e o ouvinte

    O rdio foi lanado no Brasil por um grupo de intelectuais que via no veculo a possibilidade de elevar o nvel cultural dopas. Edgar Roquette Pinto era mdico e antroplogo, e foi membro da Academia Brasileira de Cincias, da AcademiaNacional de Medicina e da Academia Brasileira de Letras, sendo ainda o fundador do Instituto Nacional de CinemaEducativo. O companheiro de Roquette Pinto na empreitada da Rdio Sociedade, Henrique Morize, era presidente daAcademia Brasileira de Cincia. Ambos viam no rdio a sada para o que denominavam os males culturais do pas. Ospioneiros foram acompanhados por alguns intelectuais que iam emissora proferir palestras, conceder entrevistas, sempre emprol da causa do aprimoramento do nvel cultural do pas. Esse rdio da dcada de 1920, com uma programaointelectualizada e de preos altos, terminava sendo ouvido pelo mesmo grupo que o produzia, ou seja, era um veculo decomunicao ligado s camadas altas da populao.

    Os primeiros aparelhos de rdio eram os chamados rdios de galena, de escuta individual, feita atravs de um fone deouvido. A radioescuta era uma espcie de esporte, de hobby. As pessoas poderiam comprar seus aparelhos j montados ouadquirir as peas separadas para mont-los em casa. Os aparelhos receptores eram caros. A qualidade da recepo era ruim,pois o sistema de transmisso era de baixa potncia e de difcil captao. Esse quadro foi sendo modificado ainda na dcadade 1920, quando comearam a chegar ao Brasil os rdios com alto-falantes, j montados, prontos para o funcionamento. Apossibilidade da escuta coletiva por toda a famlia ou por todas as pessoas presentes nos recintos onde estivessem osaparelhos de rdio aumentou o interesse pelo veculo e deu incio ao processo de popularizao do mesmo.

    Em 1926, por exemplo, foi inaugurada a Rdio Mayrink Veiga, que, mesmo mantendo-se no sistema de rdio-sociedade,buscava conquistar ouvintes em novas camadas sociais, irradiando uma programao mais popular. A emissora pertencia aomesmo grupo da firma Mayrink Veiga & Cia., de material de radiotelefonia e radiotelegrafia, que importava e instalavatransmissores e receptores de rdio e de telgrafo. Em 1927, por exemplo, a Mayrink contratou o cantor popular SilvioCaldas, que recebia um cach por cada audio.

    Ao longo de 1926 e 1927 foram se multiplicando nos jornais e revistas os anncios de aparelhos de rdio e de firmasespecializadas em instal-los necessrias, j que as casas no estavam preparadas para receber aquela novidade. Amodernidade invadia os lares, interferia na vida privada, no cotidiano familiar; o rdio gradativamente passava a ocupar umlugar de destaque nas salas das residncias.

    Na dcada de 1930, as inovaes tecnolgicas, somadas nova legislao, fizeram surgir mais emissoras de rdio comfinalidades comerciais. Buscando atrair um pblico maior, elas apresentavam programas mais populares, com um ritmodinmico, prendendo melhor a ateno do ouvinte. As emissoras cariocas haviam contratado cantores populares como CarmenMiranda, Francisco Alves, Linda Batista, Mrio Reis e Marlia Batista.

    medida que o rdio ia se popularizando, passava a sofrer fortes crticas de uma parte da intelectualidade, que insistia emmant-lo como um veculo com fins educativos e divulgador da produo cultural erudita. Grande parte das crticas eradirigida programao musical, em especial os sambas, marchas e canes, que passavam a dominar as emissoras populares.

    Em 1933, Csar Ladeira afirmava que o rdio estava vencendo na sua finalidade de divertir, e que querer mant-lo comoveculo meramente educativo era um grande equvoco: o modelo de rdio bem-sucedido seria o do veculo de entretenimento.No mesmo ano, o compositor Lamartine Babo lanou um samba em homenagem s emissoras cariocas existentes na poca,denominado As cinco estaes do ano, em que destacava as principais caractersticas de cada uma delas, permitindo umaespcie de reconstituio do quadro radiofnico carioca. O samba era composto por cinco estrofes. Na primeira delas

  • encontra-se citada a pioneira emissora de Roquette Pinto, a Rdio Sociedade, que com dez anos de existncia mantinha-se fielao princpio de educar, adorando o clssico e odiando a fuzarqueira. A segunda emissora cantada por Lamartine foi a RdioClube, que, com uma ampla programao esportiva, era caracterizada como francamente do esporte. Em terceiro vinha aRdio Educadora, que sofria com sua pouca potncia. A quarta emissora era a Rdio Philips. Lamartine anunciava-a como dosamba e da fuzarca, afirmando que, fazendo prevalecer seus princpios comercias, ela anunciava qualquer marca detrombone ou de caf. Por ltimo, Lamartine homenageou a Mayrink Veiga, emissora campe de audincia carioca na dcadade 1930, possuindo em seus quadros artistas muito populares como Carmen Miranda, e Aurora Miranda, e o locutor CsarLadeira. O samba dizia que, por causa da programao altamente popular, toda gente ficava louca ao ouvir a emissora.

    Durante a dcada de 1930, o rdio despertou sentimentos que variavam do fascnio rejeio. O universo radiofnicoestava impregnado de todo tipo de esteretipo: era o lugar da fama e da ascenso social, e ao mesmo tempo o ambiente damarginalidade e dos marginais, proibido s pessoas de boa famlia.

    A curiosidade e o desejo das camadas populares de possurem aparelhos de rdio cresciam, e, quando as famlias ainda nopodiam ter seus prprios rdios, lanavam mo de uma prtica que se tornou muito corriqueira: a de ser um rdio-vizinho.Era comum que as famlias que tinham aparelhos de rdio os partilhassem com os vizinhos, permitindo que acompanhassemparte da programao. Alguns estabelecimentos comerciais tambm mantinham aparelhos de rdio ligados como forma deatrair a freguesia.

    Em busca desses ouvintes, as emissoras se empenhavam em produzir programas cada vez mais populares, criando uma viade mo dupla na relao rdio/sociedade, em que a opinio pblica (o gosto popular) adquiriu um peso fundamental. Osmodelos de programas eram lanados e as emissoras avaliavam sua audincia. A forma mais comum para isso era a promoode concursos com distribuio de brindes, seguida pela anlise da correspondncia recebida. Caso a reao do pblico fossenegativa, o programa era reformulado ou retirado do ar. Quanto mais crescia o nmero de emissoras, mais exigentes ficavamos ouvintes.

    Foi tambm nesse perodo que as emissoras passaram a receber o pblico em seus estdios. Com o crescimento dapopularidade das rdios os ouvintes passaram a no mais querer somente ouvir seus artistas favoritos. Eles desejavam v-los.Uma reportagem da revista Carioca de 7 de novembro de 1936, intitulada Qual o verdadeiro ambiente radiofnico,informava aos leitores como eram as instalaes das emissoras do Rio de Janeiro e, em especial, como era o acesso dosouvintes a elas. Sobre a Rdio Jornal do Brasil, a reportagem informava que a emissora no exigia convites, mas se reservavao direito de impedir a entrada de qualquer elemento pernicioso, mesmo porque a exiguidade de seus estdios no comportamultides. Quanto Rdio Clube, o clima de austeridade e o auditrio relativamente pequeno no permitiam encontrosefusivos entre fs e artistas. J a Rdio Cruzeiro do Sul era classificada pela reportagem como possuindo um ambiente deentusiasmo e alegria; entretanto, a emissora costumava vetar grandes grupos turbulentos. A Rdio Nacional foiapresentada como a emissora maior e mais luxuosa de 1936, possuindo um auditrio que comportava, como um grande teatro,uma infinidade de ouvintes que queiram ver os seus astros prediletos.

    Preocupadas com a frequncia do pblico ouvinte, diversas emissoras foram ampliando seus auditrios e at passaram acobrar ingressos. Para as rdios do interior do pas, a cobrana de ingressos funcionava como uma forma de arrecadar a verbanecessria para pagar os cachs dos artistas que ali se apresentavam. No caso dos grandes centros, como o Rio de Janeiro eSo Paulo, os ingressos tinham mais a funo de limitar e selecionar o pblico frequentador do auditrio.

    O setor radiofnico crescia ainda de forma muito desigual entre as diversas regies do pas. Tomando como base orecenseamento de 1940, possvel observar a diferena entre os ndices de domiclios com aparelhos de rdio no pas comoum todo ou somente no Distrito Federal.

    Tabela II Domiclios com rdio Brasil

    Domiclios visitados Domiclios com aparelhos radiorreceptoresTotal 9.098.791 522.143 5,74%Quadro urbano 1.994.823 398.738 19,99%Quadro suburbano 847.233 88.902 10,50%Quadro rural 6.256.735 34.503 0,55%

    Fonte: IBGE, Censo demogrfico de 1940

    Tabela III Domiclios com rdio Distrito Federal

    Domiclios visitados Domiclios com aparelhos radiorreceptoresTotal 284.973 131.726 46,23%Quadro urbano 104.400 66.476 63,67%Quadro suburbano 133.037 54.863 41,24%Quadro rural 47.536 10.387 21,85%

  • Fonte: IBGE, Censo demogrfico de 1940

    Como se pode observar atravs dos dados coletados, as diferenas entre o quadro apresentado pelo conjunto do pas esomente pelo Distrito Federal (que at 1960 esteve localizado na cidade do Rio de Janeiro) so muito significativas. Asenormes desigualdades regionais fazem com que, na anlise do conjunto do pas, a presena do rdio em 1940 seja quaseinsignificante. Somente 5,74% dos domiclios visitados possuam aparelhos radiofnicos. Mas, se transferimos a anlise parao Distrito Federal, a participao do rdio no dia a dia da populao ganha importncia, pois 46,23% dos domicliosvisitados possuam transmissores.

    Uma outra questo que deve ser levada em considerao nos ndices apresentados pelo recenseamento de 1940 adiferena na distribuio de energia eltrica no pas entre as reas, urbana, suburbana e rural. No caso do conjunto do pas,somente 2,11% dos domiclios rurais eram servidos por energia eltrica, o que permite compreender por que o ndice dedomiclios com aparelhos de rdio nessa rea de 0,55%. No caso do Distrito Federal, o ndice de domiclios rurais servidospor energia eltrica de 46,39%, e 21,85% deles possuem aparelhos de rdio. Esse quadro justifica um crescimento muitomaior no nmero de emissoras de rdio no Rio de Janeiro e em So Paulo. Quanto mais receptores de rdio, maiores osndices de ouvintes atraindo os anunciantes, fazendo-os concentrarem suas verbas publicitrias nos grandes centros urbanos.

    Existiam fortes ligaes entre a produo da programao das emissoras e o mercado, como pode ser observado nossugestivos nomes dos programas irradiados, tais como Rdio Almanaque Kolinos, Acontecimento Aristolino, Reprter Essoo u Cancioneiro Royal. Muitos programas eram produzidos e gravados nas emissoras cariocas, em especial na RdioNacional, e depois redistribudos para o restante do pas. Essa prtica reforava a fama obtida pelos artistas da emissora e ofascnio que a Capital Federal exercia sobre o interior. A modernidade que chegava pelo rdio tinha caractersticas urbanas,difundindo para os moradores do interior hbitos das grandes cidades. A publicidade era feita de forma direta, com anncios,ou indireta, embutida nos textos dos programas, criando o mercado de consumo para os produtos. O rdio foi um excelenteveculo de divulgao de novos hbitos de consumo, sendo o preferido pelas multinacionais para o lanamento de novasmarcas e produtos.

    Nos Estados Unidos, j no incio da dcada de 1940, o rdio havia se tornado o senhor absoluto dos meios de comunicao.No mesmo perodo, crescia rapidamente na Amrica Latina e, no Brasil, transformava-se em um companheiro inseparvel dasclasses populares. A crise na Europa, o risco de um conflito iminente, transformaram o rdio em uma poderosa fonte deinformao. As potncias europeias e os Estados Unidos transmitiam programas em ondas curtas com antenas direcionadaspara diversas regies do mundo. Desde o incio da II Guerra, em 1939, o interesse pelos noticirios crescia continuamente. Ordio tinha a capacidade de informar rapidamente, antecipando-se ao jornal impresso na divulgao dos acontecimentos; asnotcias irradiadas durante boa parte do dia e noite somente seriam lidas no jornal do dia seguinte. Alm disso, enquantoaguardavam as notcias da guerra, os ouvintes se divertiam com os programas humorsticos, se emocionavam com os dramasradiofonizados e cantarolavam os ltimos lanamentos musicais interpretados por seus cantores prediletos.

    O rdio popular e seus anos dourados

    A Nacional: uma fbrica de astros e estrelas. Em 12 de setembro de 1936, a Rdio Nacional do Rio de Janeiro fez suaprimeira transmisso oficial. A Sociedade Civil Brasileira Rdio Nacional pertencia ao mesmo grupo jornalstico que editavao jornal A Noite e as revistas Carioca, A Noite Ilustrada e Vamos Ler , dono tambm da S.A. Rio Editora, que desde 1931integravam os empreendimentos, no Brasil, do capitalista norte-americano Percival Farquhar. O empresrio tambm atuava narea de transporte ferrovirio (Madeira-Mamor), minrio e fornecimento de energia eltrica.

    A Rdio Nacional iniciou suas atividades com a pretenso de se transformar na maior emissora do pas. J na inauguraocontava com um cast de artistas exclusivos, composto, na maior parte, por jovens que j vinham atuando com sucesso nasrdios concorrentes. No grupo de cantores, a nova emissora contava com Marlia Batista, Aracy de Almeida e Orlando Silva.As vozes que colocaram a emissora no ar foram as de Celso Guimares, Ismnia dos Santos e Oduvaldo Cozzi, todos comospeakers como eram ento chamados os locutores. A Nacional possua vrias orquestras, e entre seus maestros encontrava-se o jovem e talentoso Radams Gnatalli. Como cronista, a emissora contratou o experiente Genolino Amado, que atuava nordio desde o incio da dcada de 1930, e como redator Rosrio Fusco. A programao matinal passou a ser aberta pelasaulas de ginstica do professor Oswaldo Diniz Magalhes. Toda a movimentao da inaugurao foi coberta pela revistaCarioca, que apresentava a Nacional como a mais forte emissora do pas. Com transmissores mais potentes, a nova rdioconseguia alcanar outros estados.

    A Rdio Nacional surgiu em um cenrio extremamente propcio ao crescimento das emissoras populares. A legislaofornecia uma maior estabilidade ao setor; no campo profissional, comeava a surgir um grupo de artistas formado pelo rdio,que iniciaram suas carreiras diretamente nesse veculo; na parte tcnica, os aperfeioamentos eram constantes, e a Nacionaliniciava suas atividades com os transmissores da Philips, que por problemas com a legislao, que limitava a participao

  • estrangeira no setor de comunicao, acabou encerrando suas atividades.A Nacional permaneceu, reconhecidamente, como a emissora de maior penetrao e audincia por todo o pas na era de

    ouro do rdio; pelos ndices de popularidade e eficincia financeira atingidos, tornou-se, em especial no perodocompreendido entre 1945 e 1955, uma espcie de modelo que foi seguido pelas demais rdios em todo o pas. Seu estilo deprogramao servia de base para a organizao das concorrentes, at mesmo quando tentavam atrair a faixa de pblico queno se interessava pelos programas da Rdio Nacional.

    O modelo de programao privilegiado pelo rdio brasileiro desde sua criao, e que vigorou at a dcada de 1960,apoiava-se em quatro ncleos: a msica, a dramaturgia, o jornalismo e os programas de variedade. Nas emissoras de rdioreuniam-se profissionais dos mais diversos ramos, divididos em vrios departamentos artstico, musical, tcnico,jornalstico, publicitrio, administrativo. O elenco artstico de uma emissora de rdio era muito mais diversificado do que odas redes de televiso atuais.

    Cada um dos ncleos radiofnicos se subdividia em outros setores. No jornalstico, por exemplo, encontravam-sereprteres, redatores e locutores que atuavam nos setores esportivo, de notcias, feminino, de servios, de crnicas etc. Nasgrandes emissoras, o ncleo musical era composto por orquestras inteiras, diversos maestros e conjuntos regionais, queexecutavam msicas populares. A msica sempre foi um elemento fundamental dentro da programao de uma emissora derdio, e eram esses profissionais que criavam os arranjos para os programas dos mais variados estilos. Os msicos tambmacompanhavam os cantores exclusivos da rdio e os convidados. Ou seja, a estrutura interna de uma emissora de rdio eracomplexa, com todos os setores funcionando de maneira interligada.

    Vejamos um pouco da programao dos anos dourados do rdio brasileiro.

    Em busca da felicidade nas novelas. Entre os campees de audincia das emissoras de rdio estavam as novelas, asdramatizaes em geral. No Rio de Janeiro, a principal emissora a se destacar nesse tipo de programao foi a RdioNacional; em So Paulo, a Rdio So Paulo. A maior parte dos programas irradiados pela Rdio Nacional continha quadrosde encenaes radiodramticas. Tendo em vista a prpria especificidade do meio a da transmisso sonora , osprodutores dos programas dos mais diversos gneros, como por exemplo os de informao ou os de carter cientfico,optavam pela encenao de parte do seu texto, ao invs de realizarem uma palestra linear. Tal tcnica fazia com que ocontedo ficasse mais leve e a narrativa, menos enfadonha, tornando o programa mais atraente para a audio radiofnica.

    O setor de radioteatro reunia diversos grupos de profissionais e era responsvel tanto pelas novelas quanto por todos osesquetes radiodramatizados que ocorressem nos outros programas. As emissoras costumavam manter um cast de radioatoresexclusivos, mesmo aquelas que no irradiavam um grande nmero de novelas. O grupo desse setor que possua maior projeojunto ao pblico ouvinte era o corpo de atores e atrizes. No entanto, a tarefa de estruturar o programa era do produtor, quemuitas vezes poderia ser tambm o redator.

    Existiam ainda os escritores, que no pertenciam ao quadro de funcionrios da emissora e que trabalhavam por encomenda.Vendiam seus textos e tinham seus scripts produzidos e dirigidos por outros profissionais. Oduvaldo Viana, por exemplo,vendia seus textos para diversas emissoras de todo o pas. Havia ainda os escritores vinculados s agncias de publicidade;nesse caso, os textos eram preparados nas agncias e chegavam prontos para serem encenados pelos casts das emissoras derdio.

    O setor de radioteatro tambm contava com os profissionais responsveis pelos efeitos sonoros sonoplastia e sonofonia e pelas trilhas musicais. A sonoplastia , ainda hoje, um dos elementos fundamentais em todas as produes dos meioseletrnicos (rdio, cinema e televiso); no caso do rdio, esses efeitos sonoros assumem um papel ainda mais importante, namedida em que facilitam a recepo do texto. Na ausncia total de imagens visuais, os rudos e o fundo musical auxiliam naconstruo do ambiente imaginrio. Quanto melhor o efeito sonoro, maior ser o grau de veracidade atingido pela transmisso.

    Desde a dcada de 1930, vrias emissoras de rdio em So Paulo e no Rio de Janeiro apresentavam peas teatraisradiofonizadas em uma s apresentao, como O teatro em casa da Rdio Nacional. Mas a popularizao do gnero ocorreucom as novelas em captulos. Em 5 de junho de 1941 estreou na Rdio Nacional a primeira radionovela no Brasil, Em buscada felicidade, um original cubano de Leandro Blanco adaptado por Gilberto Martins, sob o patrocnio da pasta dental Colgate.O sucesso foi imediato. Rapidamente as novelas se espalharam pelas emissoras cariocas e paulistas. O modelo utilizado era odas soap operas surgidas nos Estados Unidos na dcada de 1930 e concebidas originalmente como veculos de propagandadas fbricas de sabo, devendo atingir um pblico predominantemente feminino. Essa estratgia torna compreensvel aexigncia da agncia de publicidade, a Standard Propaganda, de que Em busca da felicidade fosse irradiada s 10h da manh,um horrio considerado comercialmente fraco e fadado ao fracasso. Entretanto, tanto o gnero como o horrio escolhido paraa irradiao se mostraram um grande sucesso: Em busca da felicidade teve dois anos e meio de durao, sempre com altosndices de audincia.

    Os custos da produo de uma radionovela eram altos. Para resolver esse problema, as agncias de publicidade produziamas novelas no Rio de Janeiro ou em So Paulo, gravavam e distribuam cpias para serem irradiadas pelas emissoras dorestante do pas. A tcnica de gravao disponvel na poca utilizava discos que tinham sua base de alumnio recobertas por

  • uma camada de acetato. Durante a Segunda Grande Guerra, com a utilizao do alumnio para fins blicos, as fbricaspassaram a produzir discos de vidro. Como o risco de danos desses discos era grande, o mtodo de distribuio de programaspara as diversas regies do pas foi menos usado, voltando somente aps o fim da guerra. Uma outra estratgia utilizada pelospatrocinadores era a da reencenao dos textos por diversas emissoras, em diferentes regies do pas. Em 1947, por exemplo,a novela de aventuras Arsne Lupin estava sendo irradiada pelas rdios Nacional do Rio de Janeiro, Clube Paraense,Sociedade da Bahia, Clube de Pernambuco, Cultura de Pelotas, Caxias, Tupi de So Paulo, Guarani de Belo Horizonte,Farroupilha de Porto Alegre, Cear Rdio Clube, Cultura Riograndense e Santa Cruz.

    A linguagem da radionovela tinha que ser simples, e a temtica deveria ser abordada de forma a sensibilizar o ouvinte,gerando o consumo do universo imaginrio. Como hoje com as telenovelas, as radionovelas entravam no cotidiano daspessoas despertando sentimentos diversos, provocando debates e at manifestaes extremadas da parte dos ouvintes.Aguardando o episdio seguinte, o pblico comentava os fatos ocorridos, concordava ou censurava as atitudes tomadas pelospersonagens, criando com estes laos de admirao ou de averso. Existem vrios registros de cartas de ouvintes indignadosou apoiando as aes de determinados personagens.

    Um dos casos mais famosos do poder de interferncia das radionovelas no cotidiano o do drama cubano O direito denascer, irradiado em vrios pases latino-americanos, inclusive no Brasil. A radionovela tomou conta dos noticirios, gerandodebates entre especialistas diversos, como advogados, psiclogos, membros da igreja, ginecologistas etc. Possua umaaudincia to grande que em seus ltimos captulos o comrcio fechava mais cedo, os jogos de futebol tinham os horriosalterados e os cinemas comeavam suas sesses mais tarde, aps a transmisso da novela. O direito de nascer comeou a serirradiada no Brasil em janeiro de 1951, quando muitos crticos j consideravam a radionovela um gnero decadente. Osucesso da novela foi imenso, como no restante da Amrica Latina, mesmo tendo 314 captulos e ficando quase trs anos no ar. interessante observar que em sua verso televisiva O direito de nascer no alcanaria tanto sucesso quanto no rdio.

    No auge do sucesso do gnero, no final da dcada de 1940 e incio da de 1950, algumas emissoras chegavam a manterdiariamente no ar mais de seis radionovelas. Os captulos eram apresentados em dias alternados, de segunda a sbado,distribuindo-se nos horrios da manh, da tarde e da noite. Ao longo da dcada de 1950 as novelas foram se transferindo paraa televiso e desapareceram do rdio.

    Sua majestade a msica. A msica sempre teve um papel especial dentro de uma rdio. Durante as trs primeiras dcadasdo rdio, as emissoras trabalhavam muito com apresentaes de msica ao vivo. As de maior porte, como a Rdio Nacionaldo Rio de Janeiro, costumavam possuir duas ou mais orquestras (que executavam tanto peas musicais clssicas comopopulares), pequenos conjuntos regionais e alguns maestros, que eram os responsveis pelos arranjos musicais de toda aprogramao. O prefixo musical era a marca registrada dos programas.

    A transmisso de discos que hoje constitui a base do funcionamento das rdios foi um recurso tambm utilizado desdeos primeiros tempos do rdio, principalmente pelas emissoras menores. Muitas rdios, principalmente no interior do pas, nopossuam em seus quadros de funcionrios cantores e grandes orquestras. A prpria contratao de cantores somente se tornoumais comum por volta de 1930. Antes, os cantores se apresentavam em troca de um cach, mas no eram funcionrios dasemissoras.

    Dentro do setor musical, o grupo de maior destaque junto ao pblico ouvinte era o dos cantores populares. A maior partedas apresentaes dos cantores nas emissoras de rdio era feita em programas de transmisso ao vivo e com presena deauditrio. Uma prtica comum era o lanamento das msicas populares, como os sambas os as marchinhas carnavalescas,nesses programas, pois cada composio podia ser testada, verificando-se sua aceitao por parte do pblico.

    Apresentar-se em uma emissora como a Nacional do Rio de Janeiro ou a Tupi do Rio ou de So Paulo, para um intrpretemusical, significava ter a possibilidade de se tornar conhecido por milhares de ouvintes e de vender discos pelo pas inteiro.So famosas as disputas entre as cantoras para o ttulo de Rainha do Rdio. Vencer o concurso poderia trazer comoconsequncia um programa de rdio exclusivo, um bom contrato radiofnico, um contrato com uma gravadora, ou aindaconvites para shows que eram a maior fonte de lucro desses artistas; salrios fabulosos eram pagos apenas a uma minoria.Apesar de os artistas serem contratados exclusivos das emissoras e terem que obter autorizao para se apresentarem emoutros lugares, era comum que as rdios concedessem essas licenas aos seus astros, em geral sem vencimentos, para que elesexcursionassem pelo pas. Astros e emissoras beneficiavam-se mutuamente com essa divulgao nacional.

    O rdio criou uma corte imaginria com Rainhas do Rdio e Reis da Voz, sempre seguidos por sditos fiis. O sucesso erato grande que foram lanadas revistas especializadas, como a Revista do Rdio e a Radiolndia, com distribuio nacional.As pessoas desejavam saber que aparncia tinham, o que vestiam, o que consumiam e como moravam seus astros prediletos.Se possvel, desejavam tocar nos donos das vozes que embalavam seus sonhos. Eles poderiam ser vistos ao vivo nosprogramas de auditrio que levavam multides at as rdios. Em geral, eram programas longos e compostos por uma srie dequadros com msica, brincadeiras, teatro e concursos. Alm de conhecer seus astros prediletos, nesses programas os ouvintespoderiam ainda levar para casa os brindes distribudos pelos patrocinadores. Para os que ficavam em casa, restava o sonho deum dia poder ir emissora de sua preferncia para participar de um programa de auditrio.

  • Foram os programas de auditrio que criaram e alimentaram o fenmeno dos f-clubes. O aumento da popularidade dosartistas, somado disputa pelos ttulos de Rei e Rainha, dividia os fs em enormes torcidas organizadas, que acompanhavamseus dolos nos programas e excurses, alm de arrecadar verbas para que durante todo ano houvesse festas e presentes para oartista. Os astros mais renomados chegavam a ter mais de um f-clube. Foram famosos os de Emilinha, Marlene, ngelaMaria, Dalva de Oliveira e Cauby Peixoto, mas as disputas mais acirradas de f-clubes ocorreram entre os adoradores dascantoras Marlene e Emilinha Borba. A msica popular, aliada s frmulas dos programas de auditrio, marcaram poca nahistria do rdio brasileiro.

    E agora em edio extraordinria: o radiojornalismo. Dentro das emissoras havia tambm o setor de radiojornalismo,que contava com redatores, reprteres (internos e externos) e locutores. importante observar que muitas das emissoras derdio surgiram como mais um integrante de uma empresa ou grupo que controlava um conjunto de veculos de comunicao,como j vimos com a Rdio Nacional do Rio de Janeiro, por exemplo. O maior dos conglomerados de empresas decomunicao foi o dos Dirios e Emissoras Associados, cadeia de jornais, emissoras de rdio e de TV de propriedade deAssis Chateaubriand. A Rdio Tupi do Rio de Janeiro, fundada em 1935 como a primeira rdio dos Dirios Associados, foiseguida pela Tupi de So Paulo, que ao ser inaugurada em 1937, com seus transmissores de 26kw, tornou-se a emissora maispotente da Amrica Latina. No final da dcada de 1940, a rede dos Dirios e Emissoras Associados contava com vintejornais, cinco revistas, e com as rdios Tupi do Rio de Janeiro e de So Paulo; Difusora, de So Paulo; Mineira e Guarani, deBelo Horizonte; Sociedade da Bahia, em Salvador; Educadora do Brasil, no Rio de Janeiro; e Farroupilha, em Porto Alegre.Havia ainda alguns grupos menores, tais como o da Rdio Gazeta, de So Paulo, ligado ao jornal A Gazeta, de Csper Lbero;o da Rdio Excelsior, de So Paulo, do grupo dos jornais Folha da Manh, Folha da Tarde e Folha da Noite; a Rdio Jornaldo Brasil, no Rio de Janeiro, ligada ao Jornal do Brasil, de propriedade do Conde Ernesto Pereira de Carneiro.

    Inicialmente os noticirios radiofnicos eram extrados dos jornais escritos; as emissoras limitavam-se a comentar os fatosque j haviam sido noticiados pela imprensa. Com o crescimento do setor radiofnico, as emissoras passaram a produzir seusprprios noticirios. Em geral, cada rdio era filiada a uma agncia internacional de notcias diferente, e muitas vezes tambma uma agncia de notcias nacional, que era fornecedora da matria-prima para a confeco dos noticirios. Oaperfeioamento dos equipamentos para transmisso externa contribuiu para que algumas rdios passassem a contar comequipes prprias de reportagem. Dentro do setor de jornalismo havia especificidades, como o jornalismo esportivo, quesempre obteve muito sucesso junto ao pblico. Ao longo dos anos 1940, as emissoras foram se especializando, criando estilosprprios de noticirios algumas com notcias de carter mais interno e com comentrios polticos, outras privilegiando asnotcias internacionais. Muitas vezes uma mesma emissora possua vrios informativos, cada qual com um carter especfico.

    A grande estrela dos noticirios radiofnicos foi o Reprter Esso, considerado o precursor dos jornais contemporneos quese apresentam como imparciais, objetivos, altamente informativos e modernos. O Reprter Esso serviu de modelo para muitosdos jornais radiofnicos e televisivos que o sucederam. A primeira edio foi ao ar em final de agosto de 1941, na RdioNacional do Rio de Janeiro. No rdio, o programa ficou no ar at dezembro de 1968, e na televiso foi apresentado de 1952at 1970.

    Como vimos, durante o perodo da ditadura do Estado Novo quando foi lanado o Reprter Esso , havia uma intensacensura do DIP sobre o que era divulgado pela imprensa em geral. As notcias veiculadas no podiam se contrapor sdiretrizes da poltica oficial, o que dificultava a seleo de matrias para os noticirios nacionais. Tal fato, aliado prpriaconjuntura de guerra, fazia com que a ateno dos ouvintes fosse desviada para o conflito mundial e que o Reprter Essoobtivesse altssimos ndices de audincia. O noticirio seguia um mesmo modelo nos diversos pases latino-americanos emque era irradiado, e foi considerado uma pea fundamental de propaganda do governo dos Estados Unidos durante a guerra.

    A agncia de publicidade McCann-Erickson foi contratada pela Standard Oil para produzir o Reprter Esso no Brasil. Onoticirio era preparado a partir do material produzido pela agncia de notcias United Press International (UPI), seguindo ospadres do radiojornalismo norte-americano. O primeiro locutor carioca do Esso foi Romeu Fernandes; entretanto, osprodutores do noticirio continuaram a buscar a voz ideal. Depois de algumas experincias, Heron Domingues foi selecionadopara ser o locutor exclusivo do Reprter Esso e se manteve no posto at a dcada de 1960.

    O programa tambm foi produzido em So Paulo, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte, transmitido pelas rdios Record(transferido depois para a Tupi), Jornal do Comrcio, Farroupilha e Inconfidncia, respectivamente. Com o objetivo de atingira quase totalidade dos ouvintes brasileiros, a McCann-Erickson escolheu para a transmisso do Esso os principais centrosurbanos, contratando as emissoras de maior audincia e alcance nas diversas regies. Para garantir a recepo do noticirioem qualquer ponto do pas, em 1944 o Reprter Esso passou a ser irradiado tambm em ondas curtas, pela Rdio Nacional.

    Dois slogans se transformaram na marca registrada do Reprter Esso: o noticirio era o primeiro a dar as ltimas e atestemunha ocular da histria. Com quatro emisses dirias com cinco minutos de durao cada uma, apresentadas semprecom absoluta pontualidade as famlias criavam o hbito de acertar os relgios pelas edies do noticirio , o ReprterEsso tornou-se um cone de sua poca. Seu profissionalismo contrastava com o tratamento ainda amadorstico que algumasemissoras de rdio brasileiras dispensavam aos seus noticirios. As notcias somente eram consideradas confiveis se

  • transmitidas pela testemunha ocular da histria.O Reprter Esso manteve-se como o lder de audincia dos jornais radiofnicos at a dcada de 1960, quando foi retirado

    do ar. Sem dvida, o programa foi um dos principais responsveis pela criao do hbito cotidiano de se ouvir noticirios,por transformar em necessidade a prtica de manter-se informado.

    A ordem divertir: humor, variedades e calouros. O rdio levou a srio sua funo de divertir. Os programashumorsticos radiofnicos alcanavam altos ndices de audincia, concorrendo com os programas de msica e com asradionovelas pelo ttulo de campeo de popularidade. A maioria dos programas humorsticos era escrita como uma espcie decrnica, retratando e criticando o cotidiano. Muitos programas se mantiveram muito tempo no ar, tornando-se uma refernciado humorismo radiofnico. Dentre eles destacam-se o PRK-30, que esteve no ar por dezoito anos e o Balana mas no cai,que ficou em cartaz por vinte anos.

    O PRK-30 era uma pardia de uma emissora de rdio com vrios personagens, todos interpretados por Lauro Borges eCastro Barbosa. O programa foi lanado originalmente como PRK-20, idealizado por Renato Murce e irradiado pela RdioClube do Brasil. Lauro Borges e Castro Barbosa receberam uma proposta vantajosa da Rdio Mayrink Veiga e decidiramtransferir-se de emissora. Como o ttulo do programa PRK-20 estava registrado por Renato Murce, os humoristas criaram aPRK-30, que estreou na Rdio Mayrink Veiga, e em meados da dcada de 1940 transferiu-se para a Nacional.

    O Balana mas no cai o mais famoso programa radiofnico do gnero humorstico. Criado por Max Nunes para a RdioNacional, foi colocado no ar para substituir o PRK-30, pois Lauro Borges e Castro Barbosa estavam em litgio com a direoda emissora. Era uma crnica do cotidiano dos moradores de um edifcio, e entre os personagens que marcaram poca esto adupla do Primo Pobre e Primo Rico, interpretados por Brando Filho e Paulo Gracindo, respectivamente. O sucesso doprograma repetiu-se na verso televisiva, que manteve parte dos atores em seus papis originais.

    Os programas humorsticos da Rdio Mayrink Veiga tambm obtinham elevados ndices de audincia. Haroldo Barbosa eStanislaw Ponte Preta foram alguns dos redatores dos programas de humor da Mayrink. Os programas Levertimentos, Vai davalsa e A cidade se diverte disputavam os primeiros lugares de audincia com os programas da Rdio Nacional.

    Outro formato de programa popular era o de variedades. Eram apresentados por animadores que ficaram famosos, comoCsar de Alencar, Paulo Gracindo e Manoel Barcelos, entre outros. Em sua grande maioria, os programas de variedadescontavam com a presena de auditrio, e muitos deles eram irradiados no final de semana, quando ficavam horas no artransmitindo quadros de humor, apresentao de calouros, atraes artsticas (como cantores famosos, jogos com o pblico edistribuio de prmios, entre outros. Podemos incluir no formato variedades alguns programas temticos como os de folclore,curiosidades, histria da cidade, efemrides (polticas, cientficas e culturais muito em moda na poca) e alguns outros estilosem menor nmero. Todos esses programas contavam com a participao de atores e atrizes, utilizando tambm elementos dosetor musical.

    Entre os mais famosos programas de variedades esto o de Csar de Alencar e o de Paulo Gracindo. Ambos eramirradiados pela Rdio Nacional e contavam com a presena do pblico, que superlotava os auditrios da emissora. Socomuns as histrias das filas de ouvintes, que se juntavam desde a vspera dos programas para conseguirem comprar umingresso. Dormiam na calada, amanheciam na rua: tudo era vlido para ver o artista favorito de perto e concorrer aosprmios distribudos pelos apresentadores dos programas.

    Tambm entre os formatos de grande aceitao pelo pblico ouvinte estavam os programas de calouros. Esses programaseram a grande oportunidade, muitas vezes a nica, de um cantor annimo tentar a sorte. A primeira apresentao da cantoraEmilinha Borba no rdio, ainda muito jovem, foi no programa de calouros de Lamartine Babo, onde ganhou o prmio mximo.O principal elemento desse formato era o povo que se apresentava e que julgava. Independente dos mtodos utilizadospelos apresentadores, que submetiam os candidatos a gongadas, buzinadas e a todo tipo de pilhria, as filas para participardesses programas eram imensas. O grande sonho de todo calouro era o de ganhar um prmio e, talvez, um contrato com umaemissora de rdio. O pblico ouvinte (do auditrio ou no) que acompanhava todo o processo considerava-se corresponsvelpelo sucesso ou pelo fracasso desse novo artista que surgia. Muitos desses programas tiveram vida longa no rdio, como oCalouros em desfile de Ari Barroso, que estreou em 1935, na Rdio Cruzeiro do Sul, e em 1950 completava quinze anossendo apresentado na Tupi.

    Novos tempos para o rdio brasileiro

    J no final da dcada de 1950, com a concorrncia da televiso, o rdio iniciou um processo de reformulao da programaoirradiada. As grandes orquestras, os imensos casts de atores e atrizes geravam muitas despesas para as emissoras, quepassaram a dividir a verba publicitria com a recm-surgida televiso. As luzes se voltavam para a novidade que notransmitia somente som, mas tambm imagens. O modelo de rdio que conquistou multides nas dcadas de 1940 e 1950 foigradativamente sendo transferido para a televiso: as radionovelas, os programas humorsticos, os programas de calouros e o

  • Reprter Esso. Na dcada de 1960, a Rdio Nacional era uma das poucas emissoras que se mantinha fiel ao modelo que fez osucesso da Era do rdio, mas acabou por no resistir s mudanas polticas.

    O golpe militar de 1964, que levou investigao e cassao de muitos dos grandes astros da Rdio Nacional e aofechamento da Rdio Mayrink Veiga, de orientao legalista, juntamente com questes de gesto internas das emissoras,representou um momento de ruptura definitivo na histria do rdio brasileiro. O governo militar investiu na integraotelevisiva do pas e as emissoras foram adotando o modelo de rdios locais, com notcias e prestao de servios, msicasgravadas e esportes, como no slogan da Rdio Globo, criada em dezembro de 1944: Msica, esporte e notcia. Os anosdourados do rdio no Brasil chegavam ao fim.

  • 1. O presidente Getlio Vargas com alguns importantes artistas do rdio como Almirante, Orlando Silva e Lamartine Babo.

    2. ngela Maria, Carmen Miranda e Almirante, na rdio Mayrink Veiga, 1955. O fechamento da emissora, aps o golpe de 1964, foi um momento de rupturadefinitivo na histria do rdio no Brasil.

    3. Programa de variedades de Csar de Alencar, com Emilinha Borba, Marlene, Carmlia Alvez, Linda Batista e Afrnio Rodrigues.

    4. O presidente Juscelino Kubitscheck cumprimentando a cantora Marlene pelo prmio de melhor cantora do ano, 5.9.1956. As disputas entre os f-clubes deMarlene e Emilinha Borba eram as mais acirradas.

  • 5. Sala de ensaio do radioteatro da Nacional: Celso Guimares (em separado), Amlia Alves, Paulo Ferreira, Amlia Ferreira, Tanio Luna, Neusa Tavares,Dinarte Armando, tala Ferreira, Osvaldo Elias, Zez Macedo, Renato Murce e Alda Verona.

    6. Edgar Roquette Pinto fundou, com Henrique Morize, a Rdio Sociedade Rio de Janeiro, em 1923.

    7. Saint-Clair Lopes, Roberto Figueiredo e Heron Domingues, o Reprter Esso. Rdio Nacional, 30.12.1962.

    8 e 9. As revistas especializadas em rdio satisfaziam a curiosidade dos fs sobre a aparncia e os hbitos dos astros, que muitas vezes podiam ser vistos nosprogramas de auditrio como o de Paulo Gracindo. Abaixo, caravana de meninas uniformizadas acompanhadas por freiras na porta da Rdio Nacional, 9.1.1960.

  • Cronologia

    1920 Surge nos Estados Unidos a KDKA, a primeira emissora radiofnica. Eram utilizados equipamentos fabricados pelaWestinghouse.

    1922 Primeiras emisses radiofnicas regulares na Frana e na Inglaterra. No Brasil, em 22 de setembro, como parte dascomemoraes do centenrio da Independncia, tem lugar a primeira transmisso radiofnica.

    1923 Fundada a primeira emissora de rdio do Brasil, a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro, por Roquette Pinto e HenriqueMorize.

    1924 Inaugurao da Rdio Clube do Brasil.

    1926 Inaugurao da Rdio Mayrink Veiga.

    1932 O governo assina o Decreto 21.111, que permite a irradiao de mensagens publicitrias pelas emissoras de rdio. Ordio foi amplamente utilizado por So Paulo na Revoluo Constitucionalista.

    1935 Inaugurao da Rdio Tupi do Rio de Janeiro, a primeira emissora de rdio do grupo dos Dirios Associados, depropriedade de Assis Chateaubriand.

    1936 A Rdio Nacional do Rio de Janeiro inicia suas transmisses, e a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro doada porRoquette Pinto ao Ministrio da Educao, na gesto do ministro Gustavo Capanema.

    1939 Criao do Departamento de Imprensa e Propaganda, DIP.

    1940 A Rdio Nacional encampada pelo governo.

    1941 Vo ao ar, pela Rdio Nacional, a primeira radionovela, Em busca da felicidade do cubano Leandro Blanco, sob opatrocnio do creme dental Colgate e a primeira edio do Reprter Esso.

    1942 criado o Instituto Brasileiro de Opinio Pblica (Ibope), a primeira empresa de pesquisa de opinio, que produziaboletins mensais de audincia radiofnica.

    1948 A Associao Brasileira de Rdio reorganiza o concurso de Rainha do Rdio e Linda Batista ganha o concurso.

    1949 Marlene vence o concurso de Rainha do Rdio, derrotando Emilinha Borba e dando incio famosa disputa entre os f-clubes das duas cantoras.

    1950 Entra no ar a TV Tupi de So Paulo, a primeira emissora de televiso da Amrica Latina.

    1953 Emilinha Borba vence o concurso de Rainha do Rdio. inaugurada a TV Record de So Paulo.

    1954 ngela Maria eleita Rainha do Rdio.

    1955 Inaugurao da TV Rio.

    1962 Regulamentao do Cdigo Brasileiro de Telecomunicao.

    1964 Interdio das dependncias e dos transmissores da Rdio Mayrink Veiga. Tem incio o processo de investigao ecassao contra funcionrios da Rdio Nacional, resultando no desmantelamento do cast de artistas da emissora.

  • Referncias e fontes

    Sobre a criao e desenvolvimento do rdio na Europa e nos Estados Unidos, ver Asa Briggs em The History of Broadcastingin the United Kingdom (Oxford Nova York, Oxford University Press, 1995), especialmente os volumes I, II e III, que tratamdo nascimento da radiodifuso, dos anos dourados e da utilizao do rdio na Segunda Guerra Mundial.

    A referncia ao trabalho do historiador Eric Hobsbawm relativa ao livro A era dos extremos: o breve sculo XX (1914-1991) (So Paulo, Companhia das Letras, 1995).

    Grande parte das informaes referentes estruturao do rdio brasileiro foi extrada de diversas revistas e jornais dapoca, como A Noite Ilustrada, Revista do Rdio, Radiolndia, Diretrizes, Publicidade e Negcios, A Noite, O Globo, AManh, Dirio de Notcias, entre outros.

    O funcionamento interno das emissoras foi reconstitudo com o apoio de depoimentos dos pioneiros do rdio que se encontramdepositados no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro e na Diviso de Pesquisas do Centro Cultural So Paulo(CCSP). Foram consultadas tambm diversas biografias e autobiografias, como as de Mrio Lago, Oduvaldo Viana, Csar deAlencar e Oswaldo Diniz Magalhes.

    As informaes sobre o rdio paulista foram retiradas dos trabalhos: Cronologia do rdio paulistano: anos 20 e 30, de VeraLcia Rocha e Nanci V.H. Vila (So Paulo, CCSP/Diviso de Pesquisas, 1993. vol.1) e A locomotiva no ar: rdio emodernidade em So Paulo, 1924-1934, de Antnio Pedro Tota (So Paulo, PW-Secretaria de Estado da Cultura, 1990).

  • Sugestes de leitura

    Informaes gerais sobre a histria do rdio no Brasil podem ser encontradas nos seguintes trabalhos:

    ALMIRANTE. No tempo de Noel Rosa. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1977.CABRAL, Srgio. No tempo de Almirante: uma histria do rdio e da MPB. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1990.FREDERICO, Maria Elvira. Histria da comunicao: rdio e TV no Brasil. Petrpolis, Vozes, 1982.LADEIRA, Csar. Acabaram de ouvir: reportagem numa estao de rdio. So Paulo, Companhia Editora Nacional, 1933.MOREIRA, Snia Virgnia. O rdio no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Rio Fundo, 1991.MURCE, Renato. Bastidores do rdio: fragmentos do rdio de ontem e de hoje. Rio de Janeiro, Imago, 1976.ORTRIWANO, Gisela. A informao no rdio: os grupos de poder e a determinao de contedos. So Paulo, Summus, 1985.SAMPAIO, Mrio Ferraz. Histria do rdio e da televiso no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro, Achiam, 1984.TYS, Hlio. O rdio no Brasil, Comunicao 7(25). Rio de Janeiro, 1978.

    Sobre cultura e mercado e produo cultural ver:

    CANCLINI, Nstor Garcia. Consumidores e cidados: conflitos multiculturais da globalizao. Rio de Janeiro, UFRJ, 1995.____. Culturas hbridas: estratgias para entrar e sair da modernidade. So Paulo, Edusp, 1998.HORKHEIMER, M. e Theodor W. ADORNO. A indstria cultural: o Iluminismo como mistificao de massas, in Luiz Costa

    Lima (org.) Teoria da cultura de massa. So Paulo, Paz e Terra, 1990.MARTN-BARBERO, Jess. Dos meios s mediaes: comunicao, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, UFRJ, 1997.MATTELART, Armand. A globalizao da comunicao. Bauru, Edusc, 2000.MORIN, Edgar. Cultura de massas no sculo XX: o esprito do tempo. Vol.1 neurose . Rio de Janeiro, Forense Universitria,

    1967.ORTIZ, Renato. A moderna tradio brasileira: cultura brasileira e indstria cultural. So Paulo, Brasiliense, 1991.____ et alii. Telenovela: histria e produo. So Paulo, Brasiliense, 1991.

    Sobre a Rdio Nacional, ver:

    GOLDFEDER, Miriam. Por trs das ondas da Rdio Nacional. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.LAGO, Mrio. Bagao de beira-estrada. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1977.____. Na rolana do tempo. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1979.RDIO NACIONAL. 20 anos de liderana a servio do Brasil. Rio de Janeiro, s/ed., 1956.SAROLDI, Luiz Carlos e Snia Virgnia MOREIRA. Rdio Nacional: o Brasil em sintonia. Rio de Janeiro, Funarte, 1984.VIEIRA, Jonas. Csar de Alencar: a voz que abalou o mundo. Rio de Janeiro, Valda Editora e Produtora, 1993.

  • Sobre a autora

    Lia Calabre de Azevedo nasceu no Rio de Janeiro em 1960. Em 1988 graduou-se em histria pela Universidade Santa rsula(USU). Cursou o mestrado em histria social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com a dissertao Na sintonia dotempo: uma leitura do cotidiano atravs da produo ficcional radiofnica (1940-1946), defendida em 1996. Doutorou-seem histria tambm pela UFF com a tese: No tempo do rdio: radiodifuso e cotidiano no Brasil, 1923-1960, defendida emmaio de 2002. pesquisadora da Fundao Casa de Rui Barbosa desde 2002.

  • Copyright 2002, Lia Calabre

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    ISBN: 978-85-378-0187-1

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