A Composicao como proposta pedagogica

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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ESCOLA DE MÚSICA CURSO DE MÚSICA - LICENCIATURA A COMPOSIÇÃO COMO UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA NO ENSINO DO INSTRUMENTO THIAGO CADÓ DE OLIVEIRA NATAL 2010

Transcript of A Composicao como proposta pedagogica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

ESCOLA DE MÚSICA

CURSO DE MÚSICA - LICENCIATURA

A COMPOSIÇÃO COMO UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA

NO ENSINO DO INSTRUMENTO

THIAGO CADÓ DE OLIVEIRA

NATAL

2010

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

ESCOLA DE MÚSICA

CURSO DE MÚSICA - LICENCIATURA

A COMPOSIÇÃO COMO UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA

NO ENSINO DO INSTRUMENTO

Monografia apresentada à Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, como requisito parcial para

obtenção do grau de licenciado em Música.

Orientador : Dr. Jean Joubert Freitas Mendes

THIAGO CADÓ DE OLIVEIRA

NATAL

2010

2

THIAGO CADÓ DE OLIVEIRA

Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito parcial para obtenção do grau de Licenciado em Música, à seguinte comissão

avaliadora:

_______________________________________

Orientador

Dr. Jean Joubert Freitas Mendes.

________________________________________

Avaliador

Ms. Ticiano Maciel D’Amore

________________________________________

Avaliador

Dra. Amélia Martins Dias Santa Rosa

NATAL

2010

3

AGRADECIMENTOS

Ao Deus regente de todos os grandes e pequenos momentos que nesse dia-a-dia

constrói o que somos, e que mesmo com tanta ingratidão da minha parte, disponibiliza toda a

vida ao redor, que em muitos momentos me faz perceber o quão grandioso são os motivos

para tudo.

Aos meus pais: Luiz Gonzaga Filho e Aríete Cadó Gonzaga que mesmo em tantas

turbulências me trouxeram em seus braços até aqui, me alimentaram, me vestiram, me

socorreram e que tanto me amam, e até hoje são os meus anjos da guarda, me aconselhando,

pra onde sempre volto com a minha asa quebrada.

Aos meus tios e tias que sempre disponibilizaram tanto amor e nas horas difíceis

vieram em meu socorro: Fatinha, Dedé, Nêne, Cristóvão, Naldo e Nana.

Aos amigos de vida, que fizeram valiosos tantos momentos, todos inesquecíveis:

Aron, Amanda, Sayonara, Alysson, Rosana e Kalline, companheira na minha trajetória por

nove anos, que contribuiu em tantas coisas que até hoje constitui o que sou.

Aos meus avós maternos (in memorian), que mesmo tendo partido muito antes que eu

pudesse aproveitá-los, ainda os guardo com muita saudade e de vez em quando me pego

emocionado lembrando-os.

Aos avós paternos que ainda tenho a graça de tê-los por perto, para que de vez em

quando possa perdi-lhes sua benção, de tanta vida, da minha raiz, de uma união onde tudo

começou.

Ao meu orientador Prof. Dr. Jean Joubert, que mesmo com tantas atribuições, me

mostrou o caminho para que fosse possível desenvolver este trabalho tão importante na minha

trajetória de vida.

Aos meus alunos que sempre foram tão compreensivos e que me fazem aprender

tanto!

A todos que incentivam e me ajudam a prosseguir no meu sonho, me admiram,

criticam e me constroem como músico, cidadão e ser humano.

4

Acreditar em algo e não vivê-lo é desonesto.

Mahatma Gandhi

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objeto de estudo a composição como uma proposta pedagógica. Parte-se do entendimento de que a mesma é uma importante forma de contato com os elementos musicais. O trabalho é resultado de uma experiência com alunos dos cursos de Violão Popular e Guitarra Elétrica da Escola de Música Santa Cecília (EMUSC), tendo como base tópicos da teoria musical como: Tríades, Arpejos, Campo Harmônico e Escala Musical baseado no Parabéns pra você. A finalidade foi dar ao aluno a possibilidade de “brincar com os sons”, para que pudessem expandir, entre vários aspectos, a capacidade auditiva e a técnica no instrumento. Criando e ou organizando novos conceitos sobre improvisação. Provocando por trás das decisões estéticas, a criatividade, onde as influências culturais e a atribuição de significados próprios são importantes ferramentas do processo. Foram selecionados cinco, dentre trinta alunos, por critério de compatibilidade com os objetivos da pesquisa, que era o bom desenvolvimento com o instrumento, criatividade, e no caso de um dos alunos com idade de cinco anos, experimentar a composição, no ensino do instrumento para crianças. Em síntese desenvolvemos três composições: Gramática de outro jeito, Sou teu amigo, e um solo para a música composta em conjunto com a banda e com o professor de filosofia de um dos alunos. Com relação a criança de cinco anos, não foi possível concluir o processo, pois o mesmo se dispersava com muita facilidade, fazendo com que o tempo para a conclusão da pesquisa não fosse suficiente. A principal razão pelo qual esta prática foi realizada pode ser percebida nas impressões e situações transcritas nesta pesquisa. A inquietação, a dúvida, a nova possibilidade gerada, são os méritos desta prática, e os resultados não deixarão de acontecer, durante a trajetória musical particular de cada aluno. Ficando a proposta de ampliar uma metodologia de composição para desenvolvimento da prática no instrumento.

Palavras-chave: Composição, Educação Musical, Ensino do instrumento, Aprendizagem.

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ABSTRACT

This research aims to study the composition as a pedagogical proposal. It starts with the understanding that it is an important form of contact with the musical elements. The work is a result of experience with students from the Popular Guitar and Electric Guitar Music School of Santa Cecilia (EMUSC), based on topics from music theory as Triads, Arpeggios, and Scale Harmonic Field Musical based on Happy birthday to you. The purpose was to give the student the opportunity to "play with sounds," so they could expand, among many things, hearing ability and technique on the instrument. Creating and organizing new concepts or improvisational. Behind the decisions leading aesthetic creativity, where the cultural influences and assigning their own meanings are important tools in the process. Five were selected from among thirty students, the criterion of compatibility with the objectives of the study, which was good with the instrument development, creativity, and in case of a student aged five years, experience the composition in the teaching of the instrument for children. In summary we have developed three compositions: Grammar in another way, I am your friend, and a solo to the music composed in conjunction with the band and with a philosophy professor from the students. Regarding the five year old child, could not complete the process, as it drifted too easily, making the time for completion of the research was not enough. The main reason this was done can be seen in prints and situations transcribed in this research. Restlessness, doubt, the new opportunity created, are the merits of this practice, and the results will not fail to happen, especially during the musical career of each student. Getting the proposal to extend a compositional methodology for development of practice on the instrument. Keywords: Composition, Music Education, Teaching Instrument, Learning.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 01 - Partitura da música: Vamos fazer silêncio 11

FIGURA 02 - Partitura da música: Conversa de Futuro 13

FIGURA 03 - Marcelo e José Milton 21

FIGURA 04 - Sequência de acordes iniciais proposta por José Milton 22

FIGURA 05 - Sequência de acordes subseqüentes a figura 2 23

FIGURA 06 - Sequência de acordes que constituiu o segundo trecho musical 26

FIGURA 07 - Fôrmas para tríades abertas 26

FIGURA 08 - Sequência de acordes que compõem o terceiro trecho da musica 27

FIGURA 09 - Partitura da música Gramática de outro jeito 29

FIGURA 10 - Racquel de Maria 30

FIGURA 11 - Sequência de acordes eleitos para o primeiro trecho composto por

Racquel

32

FIGURA 12 - Rascunho inicial da poesia 33

FIGURA 13 - Rascunho com alterações feitas por Racquel 33

FIGURA 14 - Sequência de acordes escolhidos para compor a segunda

progressão harmônica da composição

35

FIGURA 15 - Partitura da música: Sou teu amigo 37

FIGURA 16 – Gabriel 39

FIGURA 17 – Ilustração da escala maior de C#(dó sustenido), começando pelo

V grau

40

FIGURA 18 – Sequência da escala começando no quinto grau 40

FIGURA 19 – Sequência de notas que compõem a melodia do Parabéns pra

você.

40

FIGURA 20 – Foto do material original utilizado durante a aula 41

FIGURA 21 – Helton Jéferson 43

FIGURA 22 – Sequência de acordes eleita para compor a harmonia que serviu

de base para o solo

44

FIGURA 23 – Fôrmas de arpejos utilizados como referência para escolha de

notas pelo braço da guitarra.

45

FIGURA 24 – Solo criado por Helton 46

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SUMÁRIO

Introdução 09

Capítulo 1 - Os caminhos metodológicos da pesquisa 10

1.2 – Objetivos

15

1.2.1 – Objetivo Geral

15

1.2.2 – Objetivos específicos

15

1.3 – Principais problemas durante a execução da pesquisa

16

Capítulo 2 – O processo criativo em Educação Musical 17

Capítulo 3 – Resultados e discussões do estudo 21

3.1 – Marcelo e José Milton–Expandindo Tríades –

Gramática de outro jeito

21

3.2 – Racquel de Maria – Escolhendo acordes no Campo Harmônico –

Sou teu amigo

30

3.3 – Gabriel – Notas e cores 39

3.4 – Helton Jéferson – Dos arpejos ao solo 43

Conclusão 47

Referencia 48

9

INTRODUÇÃO

Este trabalho é o resultado de uma experiência com alunos dos cursos de Violão

Popular e Guitarra Elétrica da Escola de Música Santa Cecília (EMUSC), a partir da aplicação

de metodologia para o ensino-aprendizado de música, baseado em processos criativos na

educação musical.

Tendo como base tópicos da Teoria Musical, a pesquisa baseou-se em construir em

sala de aula, uma composição com duração de, no mínimo, um minuto, onde os alunos

tiveram a oportunidade de se aprofundar em um universo sonoro, criando, descobrindo,

organizando, juntando, separando e reunindo sons.

Apesar da pouca disponibilidade de tempo, para experimentar as infinitas

possibilidades que esses tópicos oferecem (as tríades e seus respectivos arpejos, o campo

harmônico e suas possibilidades de combinação, as melodias que desconstruímos para

construir outras) foi possível extrair do exercício, argumentos suficientes para utilizar a teoria

na prática.

A finalidade foi dar ao aluno a possibilidade de “brincar com os sons”, para que

pudessem expandir, entre vários aspectos, a capacidade auditiva de perceber mudanças entre

os graus do campo harmônico, expandir a técnica no instrumento, criar e ou organizar novos

conceitos sobre improvisação. Segundo França (2002) a “composição é uma ferramenta

poderosa para desenvolver a compreensão sobre o funcionamento dos elementos musicais”.

No capítulo I, encontram-se os caminhos percorridos durante a pesquisa, iniciando

na concepção do tema, relatando a experiência de compor em conjunto com os alunos do

PETI, há alguns anos, até o momento das orientações com o Prof. Dr. Jean Joubert, para a

execução com os alunos da EMUSC. Neste capítulo também está caracterizado o ambiente de

ensino e os objetivos do trabalho.

No capítulo II, a fundamentação teórica, ajuda a compreender como o processo de

composição, pode tornar-se uma ferramenta importante no processo de educação musical.

Citações e idéias de pesquisadores e educadores constroem um capítulo sobre o processo

criativo em música, ponto principal desta pesquisa.

No capitulo III, está o relato individual das experiências, descrevendo e analisando as

etapas de cada processo de composição, enfatizando os comentários feitos pelos alunos, suas

impressões, trazendo anexos com fotos, partituras, rascunhos, registrando todo o processo

10

vivido por eles ao longo de quatro aulas, e mostrando o resultado do que foi criado em todo o

processo.

CAPÍTULO I

Os caminhos metodológicos da pesquisa

A inspiração para este trabalho nasceu de uma experiência como educador no

Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), da Secretaria Municipal de Trabalho e

Assistência Social, no período de 01/09/2006 à 31/03/2008, quando, naquele momento,

assumir o estágio no PETI significava um desafio, passava pela necessidade de trabalhar e era

a oportunidade de encarar a primeira experiência como educador musical.

O PETI atua em vários pontos da cidade e do interior Estado, sempre em

comunidades mais carentes. Como um programa do Governo Federal, ele articula um

conjunto de ações visando retirar crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos da

prática do trabalho precoce, exceto na condição de aprendiz a partir de 14 anos. O núcleo que

atuei localiza-se no Alto da Torre (Bairro da redinha), um conjunto habitacional na zona norte

de Natal, comunidade carente, com diversos problemas de ordem social.

Conhecendo o perfil dos alunos, já foi possível entender que a música era apenas um

pretexto dentro de um universo mais amplo, onde a cultura geral e os valores para uma

consciência social mais ativa deveriam estar presentes dentro do contexto daquelas aulas de

música.

Os conteúdos iam desde apreciação musical, aulas de violão e flauta, fabricação de

instrumentos de forma artesanal, até leitura musical e teoria, com a finalidade de musicalizar,

passando pela formação de um coral que apresentasse as músicas estudadas.

A maioria dos alunos tinha em seu perfil, situações de desestruturação familiar,

alguns com envolvimentos com drogas e até abuso sexual. Nesse contexto já era de se esperar

uma turma mais desatenta, difícil de controlar e de fato foi o que constatei.

Uma das primeiras experiências de composição nasceu, quando houve a necessidade

de acalmar a turma. Um universitário no primeiro ano de faculdade, sem experiência em sala

de aula, encarar uma turma com quinze crianças numa faixa etária entre oito e dezesseis anos,

capazes de subir numa casa num piscar de olhos, para resgatar uma bola. Crianças astutas,

11

inteligentes, hiperativas, já com uma bagagem cultural aflorada pela cultura musical

divulgada pela TV e rádio, que tem na Banda Grafith seu maior ícone cultural.

E dessa necessidade de acalmá-los, pedindo silêncio para explicar alguns tópicos,

compus um pequeno tema, que foi sendo adotado por eles. Sempre que entoava e pedia a

colaboração para cantarem juntos, alguém modificava o último verso. A exemplo de: A

música que eu gritar...Que eu falar...Que eu não cantar...Que eu errar, e assim por diante.

Vamos fazer silêncio

Vamos fazer silêncio

Pr’o vento não levar

A música que eu cantar!

FIGURA 01 – Partitura da música: Vamos fazer silêncio

A partir dessa experiência surgiu a idéia de compor um tema que pudesse ser o

nosso hino, que fosse cantado por eles com propriedade. Compus o início, e comecei a

divulgar os resultados. Os alunos foram se envolvendo e aprendendo rapidamente a melodia.

A simpatia deles para com a música foi tão satisfatória, que chegamos ao ponto de discutir e

recolher sugestões para dar continuidade à letra da música. Coloquei no quadro o que já havia

escrito e as sugestões. Fui ajudando na organização da métrica, revendo as palavras, e assim a

12

segunda etapa da música a partir do verso “Nada como olhar as estrelas”, foi construída com

o auxílio deles.

Segue a música:

“Conversa de Futuro”

Composição: Thiago Cadó e alunos do PETI

Nada como uma boa conversa

Nada como um dia de sol

Um banho de cachoeira

Uma manhã de chuva embaixo do lençol

Nada como uma boa semente

Que a gente planta no ar

Uma esperança viva

De que um dia tudo a gente pode mudar

Suas brincadeiras, suas fantasias.

Podem se realizar

Nada como olhar as estrelas

Numa noite clara de luar

Os pés descalços na areia

Ou na espuma gelada da água do mar

E pela manhã acordar

Num banho a preguiça tirar

Dar um cheiro nos meus pais

Ir para o colégio estudar

De tudo o que eu falei

O importante é praticar

O futuro que eu sonhei

Eu vou pra conquistar

13

FIGURA 02 - Partitura da música: Conversa de Futuro

A idéia inicial da pesquisa era propor uma forma de metodologia, baseada nesta

experiência, com a composição feita em conjunto com os alunos do PETI. A partir dos

encontros com o Prof. Dr. Jean Joubert, é que surgiu a idéia de aplicar novamente o método,

tendo em vista que a experiência foi há quatro anos e muitos detalhes estariam perdidos.

Assim, poderíamos trabalhar uma experiência recente, com objetivos mais definidos,

registrando as oficinas com uma máquina digital, para que fosse possível perceber com mais

propriedade, a forma como os alunos reagiriam ao estímulo de compor, com no mínimo um

minuto de duração, tendo como base um tópico da teoria musical, para desenvolver o material

sonoro.

A pesquisa foi realizada com alunos da Escola de Música Santa Cecília (EMUSC).

Esta escola tem cerca de cem alunos divididos entre os cursos de violão popular, guitarra

elétrica, canto, teclado, contrabaixo, bateria e teoria musical. Todos os cursos funcionando no

período diurno.

A escola atende a todas as faixas etárias, com alunos de cinco a mais de sessenta

anos de idade, pessoas que a procuram com as mais variadas finalidades. Desde crianças que

os pais desejam vê-los tocar, ou que tentam preencher-lhes o tempo ocioso a adolescentes

com pretensões musicais maiores. Também tem idosos que utilizam o curso para realizar

antigos sonhos ou como terapia, alem de religiosos e profissionais de diversas áreas que

alimentam o sonho de tocar algum instrumento, e ao fim de sua jornada diária de trabalho

procuram a escola a fim de desenvolver suas habilidades musicais.

O quadro funcional da escola é formado por oito professores sendo: um de técnica

vocal, dois de violão popular e guitarra elétrica, dois de bateria, dois de teclado, um de

14

contrabaixo e um dos professores de bateria assumindo as turmas de teoria musical. Faço

parte do quadro funcional da escola, lecionando nos cursos de violão popular e guitarra

elétrica, desde 2008, num regime de trabalho de cerca de vinte horas semanais, dependendo

da quantidade de alunos que estão inscritos nos horários disponíveis.

A escola está localizada na Avenida Apodi, uma das mais importantes avenidas do

centro da cidade de Natal/RN, em meio a muitos prédios comercias, escolas regulares

importantes, o que favorece atender um público com essa diversidade de objetivos. A

EMUSC é parte integrante de uma comunidade vinculada à igreja católica chamada Veni

Creator Spiritus, que serve na paróquia da catedral, dentro do contexto da Arquidiocese de

Natal, o que também favorece a realização de mini-cursos para ministérios de música, que

atuam em missas e eventos religiosos.

A escola é composta por cinco salas, destinadas às aulas, equipadas com

amplificadores, quadros, cadeiras, violões, guitarras, teclado, bateria, uma sala de vídeo, como

também um acervo de CDs, livros e materiais didáticos. A escola possui ainda uma recepção,

uma sala de professores e uma cozinha. Além disso, um pátio amplo com cantina, onde se

realizam diversos eventos, desde workshops, saraus e até atividades culturais. Tudo mantido

com a mensalidade paga pelos alunos.

As aulas têm duração de uma hora. O aluno frequenta a escola duas vezes por

semana, sendo uma aula dedicada à prática, onde os alunos frequentam individualmente ou

em dupla, não deixando de lado a teoria que é sempre aliada à execução no instrumento, e a

outra aula sendo de teoria musical em turmas.

Durante os três anos em que atuo nessa escola, desenvolvemos vários recitais,

workshops, eventos, e dentro de todas essas ocasiões, um dos aspectos mais importantes,

perceptível em toda essa trajetória, é a intensa ligação afetiva que os alunos estabelecem entre

si e com os professores, existindo casos de alunos que estudam a mais de três anos na escola.

15

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 - Objetivo geral

Aplicar o uso de processos criativos em Música (composição musical), como uma

proposta pedagógica, a partir do ensino-aprendizagem da guitarra elétrica e do violão popular.

1.2.2 - Objetivos específicos.

• Propor uma composição de no mínimo um minuto, a cinco alunos dos

cursos de violão popular e guitarra elétrica da EMUSC;

• Expandir tópicos da teoria musical;

• Estimular a criatividade dos alunos;

• Colocar os alunos em contato com uma diversidade de materiais

sonoros, propondo que fizessem escolhas, organizassem e percebessem o que

as combinações podem oferecer, para criar uma estrutura musical com começo,

meio e fim;

• Aliar teoria e som, ao desenvolvimento técnico no instrumento;

16

1.3 - Principais problemas durante a execução da pesquisa.

Ocorreram alguns problemas durante a execução da pesquisa. A máquina digital em

que registrei vários momentos durante o processo de composição, não permitiu transferir

alguns vídeos longos, que registravam aulas inteiras. O software só permitia a transferência de

vídeos com até três minutos. Dessa forma vários vídeos foram perdidos. Outro problema

esteve no tempo de duração das aulas, apenas uma hora, com uma disponibilidade de apenas

três a quatro aulas para realizar a composição. Ou seja, iríamos compor uma música de no

mínimo um minuto, em três ou quatro horas, evidente que alguns alunos se dedicaram e

estenderam o processo, trazendo idéias de casa. No caso de Marcelo, José Milton e Racquel,

três dos alunos que participaram da pesquisa, a alternativa foi realizar uma aula extra, para

orientá-los e conseguir finalizar o processo.

Complexo também foi conter, de certa forma, a criatividade dos alunos, quando as

idéias fugiam do que era a proposta. Evidente que esse era o objetivo final, deixa-los livres

para compor o que sua criatividade permitisse, mas num momento posterior, depois que

dominassem vários aspectos da estrutura musical. A idéia era que o aluno compusesse, se

concentrando no assunto específico, com o objetivo de expandir tópicos da teoria musical.

17

CAPÍTULO II

O processo criativo em educação musical.

Vislumbrar uma prática pedagógica, com o acesso à música, voltado para a

improvisação e a composição, contempla um aspecto significativo no processo de educação

musical, pois coloca o aluno em contato com o que é matéria prima do seu objeto de

aprendizado. Segundo Hindemith (1952), a composição pode ser um sistema saudável e

estável de educação, que forma um músico com um conhecimento universal, já que é o

processo pelo qual toda obra musical é gerada. Esse argumento por si só, a torna legítima e

relevante no processo de educação musical.

Este procedimento acontece sempre que se organizam pequenos trechos de idéias

musicais, podendo ser na mais simples improvisação feita por uma criança, ou em até mesmo

grandes obras concebidas dentro de regras (FRANÇA, 2002).

De acordo com Swanwick (1979, p. 43 apud FRANÇA, 2002), o processo de estudo

através da composição, é uma “ferramenta poderosa na compreensão do funcionamento dos

elementos musicais, por tratar-se de um processo que permite relacionamento direto com os

mais variados materiais sonoros”.

Nas aulas de educação musical, ou até mesmo de instrumento mais especificamente,

surgem muitas oportunidades de composição. As demonstrações de exercícios e técnicas nos

abrem uma extensa possibilidade de improvisar e de propor o improviso. Nestas ocasiões,

onde há necessidade de ouvir para escolher o melhor improviso, as melhores notas, o aluno

tem que unir ação e som, se encontrando com a possibilidade, de que a composição pode

promover um avanço no domínio das técnicas no instrumento, para que se possa ter a

realização do resultado musical desejado (MILLS, 1991, p.31 apud FRANÇA, 2002).

Compor é “uma forma de se engajar com os elementos do discurso musical de uma

maneira crítica e construtiva, fazendo julgamentos e tomando decisões” (Swanwick 1992,

apud FRANÇA, 2002).

Segundo Fonterrada (2005), Jacques Dalcroze, um dos primeiros educadores

musicais, em um dos seus primeiros trabalhos num conservatório, percebeu a precariedade do

preparo auditivo dos alunos, que não conseguiam imaginar o som dos acordes que escreviam

nas aulas de harmonia, e que também tinham dificuldades em cantar melodias. Fato que

demonstra que a forma de ministrar disciplinas desde aquela época, não permitia aos alunos

18

experimentar sonoramente aquilo que escreviam, indícios do pouco contato e observação que

esses alunos faziam dos elementos sonoros que escreviam.

Carl Orff propunha um ensino de música baseado no ritmo, no movimento e na

improvisação, tendo como principal método as atividades de eco, pergunta e resposta, ou seja,

este último uma prática de improvisação onde depois de um estímulo, o aluno improvisa um

segmento musical. Nas suas práticas com crianças, estimulava a expressão, indo além do

aprendizado de regras, onde essas crianças começavam imitando e repetindo, depois eram

levadas a reagir a um estímulo, contrapondo a ele outro, semelhante e até mesmo contrastante,

posteriormente, sendo chamados a improvisar livremente (FONTERRADA, 2005).

Suzuki observou que o problema para resolver a falta de afinidade musical, estaria no

fato de que a música deveria ser uma linguagem em que a criança deveria ter contato desde

cedo, como tem com as palavras, ou seja, as condições de aprendizagem seriam dadas pelo

meio, fazendo com que elas desenvolvessem uma habilidade musical natural. Ele relaciona

isso, ao fato de que a aprendizagem da língua materna tem ligação direta ao estímulo dado

pelos pais, que por exemplo, costumam falar com o bebê desde o seu nascimento

(FONTERRADA, 2005).

Segundo Suzuki, todo ser humano tem o mesmo talento “para falar e fazer música”,

mas que para isso se desenvolva, a criança necessita estar envolta a um meio favorável desde

muito cedo (FONTERRADA, 2005).

George Self, educador da segunda geração, propunha uma prática de educação

musical onde o aluno desfrutasse de uma experiência musical, onde fosse estimulado a ouvir

“com novos ouvidos” e a desenvolver habilidades de criação e improvisação, ao ponto de se

desvincular da estrutura da escala diatônica, por considerá-la de pouca utilização para o

século XX, utilizando em seu trabalho sons da escala cromática e os de altura indefinida

(FONTERRADA, 2005).

Self se utilizava de métodos particulares para facilitar o entendimento dos alunos,

como por exemplo, o seu sistema de notação simplificada, partindo do modo pelo qual o som

se manifesta: curto, tremolo, de extinção gradual, ou tenudo (FONTERRADA, 2005).

Para esta segunda geração de educadores, temos também John Paynter que

aperfeiçoa as idéias de Self, avançando um pouco mais na valorização do experimental.

Afirmando que qualquer som pode ser matéria-prima para a música, “seja materialmente

ouvido, seja imaginado, em qualquer combinação, realizado a partir que quaisquer critérios,

estabelecidos individualmente ou em grupo, a partir da capacidade inventiva”.

(FONTERRADA, p. 171, 2005).

19

Paynter propõe a construção de música ou fragmentos musicais a partir de uma

atitude de “escuta ativa e experimental”, onde a atividade musical torna-se um reino de

descobertas e um jogo exploratório onde os materiais se mostram e o ouvinte atento, cria

estruturas sonoras (FONTERRADA, 2005).

Segundo Fonterrada (2005) no livro Hear and Now, Paynter dá varias sugestões para

o desenvolvimento de oficinas, com capítulos com nomes sugestivos, como exemplos das

próprias propostas: “Os coloridos sons à nossa volta”; “A música nova na sala de aula”. Em

seu outro livro Sound and silence (1967), dá ênfase ao estímulo à invenção à construção da

própria experiência de possibilidades compositivas dos alunos, uma postura que na verdade

não é consensual entre os educadores musicais, mas que é fortemente fundamentada pelas

descobertas da psicologia do desenvolvimento e de inúmeras teorias da educação do século

XX, entre as quais figuram as de Piaget, Vigotsky, Gardner, Freire, entre outros.

Sendo assim em Paynter, “a ênfase está na capacidade criadora do aluno e no

conhecimento do material sonoro, princípio semelhante ao de Carl Orff, que também explora

as atitudes criativas dos alunos” (FONTERRADA, p. 174, 2005).

Segundo Paynter (1997, p. 18 apud FRANÇA, 2002 p.10) a composição “é a maneira

mais certa para os alunos desenvolverem o julgamento musical e compreenderem a noção do

‘pensar’ musicalmente”.

A idéia não é provar que a teoria e outros aspectos tradicionais da educação musical

devem ser abandonados, mas é de que a música deve ser vista como arte, como meio de

expressividade, de linguagem, e não apenas como uma forma matemática de organizar sons.

Murray Schafer também tem sua proposta voltada para o estímulo à capacidade

criativa, ele percebe que o ensino de música é voltado demasiadamente para a leitura e

memorização, muito raramente sendo levados a botar em prática a criatividade, e estimulados

a ouvir o que eles mesmos, ou outras pessoas cantam e tocam (FONTERRADA, 2005). Nas

atividades de Schafer brincar com os sons, “montar e desmontar sonoridades, descobrir, criar,

organizar, juntar, separar e reunir são fontes de prazer e levam à compreensão do mundo por

critérios sonoros” (FONTERRADA, p. 180, 2005).

Schafer (1991 p. 296 apud FRANÇA, 2002 p. 10) “argumenta que promover a

composição é um dever da educação musical, gerando espaço para a criação… Não se

limitando apenas à reprodução de obras de compositores consagrados do passado, através da

performance tradicional”.

Segundo França (2002) uma peça que é criada em sala de aula, seja ela uma ‘fala’

improvisada ou uma obra mais elaborada, com variação de duração e de complexidade, desde

20

que tenha sido criada com o propósito de “articular e comunicar”, configura-se legitimamente

uma composição.

21

CAPÍTULO III

RESULTADOS E DISCUSSÃO DO ESTUDO

Nesse capítulo, discutiremos as experiências e os resultados do trabalho, dando

ênfase aos alunos, (FIG. 03, 04, 05 e 06) suas idéias e frustrações. Serão apresentados os

resultados individuais de cada experiência, como segue abaixo.

3.1 – Marcelo e José Milton – Expandindo Tríades. Gramática de outro

jeito.

FIGURA 03 - Marcelo e José Milton

Marcelo e José Milton são alunos que frequentam a escola há mais de três anos.

Durante esse tempo, tiveram a oportunidade de estudar com três professores, ou seja, tiveram

contato com três formas de elaborar e pensar o ensino da guitarra elétrica, o que contribui para

que venham desenvolvendo uma excelente competência técnica em seus instrumentos. São

alunos que tem muita curiosidade e vontade de ampliar as possibilidades de improviso, mas

ainda estão presos à execução de licks1 e solos famosos, o que sem dúvida ajuda no

desenvolvimento técnico, mas é um fator que não bem administrado, acaba por fazer o 1 Em guitarra são pequenos trechos melódicos, que geralmente são repetidos, durante construção ou execução de improvisos e solos. Nota do autor

22

instrumentista esquecer de experimentar o improviso, como uma ferramenta de expressão e

organização de diversas possibilidades sonoras, que estão à disposição de quem se propõe a

desenvolver a habilidade de criar música. Baseado nisso e na proximidade que temos, os elegi

de imediato para fazer parte da oficina de composição, com a finalidade de faze-los perceber a

essência do improviso, e dar-lhes o contato com um mundo sonoro, onde é necessário

conhecer as possibilidades, e fazer as escolhas.

Propus a tríade2 como ferramenta teórica para compor a progressão harmônica3 e a

linha melódica. Disponibilizei as quatro formas (Maior, Menor, Aumentada e Diminuta), para

em sala de aula, experimentar a infinidade de materiais sonoros que elas podem gerar.

Na primeira aula, conversamos sobre as possibilidades, instigamos o assunto com

alguns exemplos e conversamos sobre como seria feita a composição.

Para o passo inicial da estrutura harmônica, eles não levaram em consideração o que

falei sobre compor baseado nas tríades, ficaram procurando alguma idéia para tentar dar o

passo inicial, e José Milton apresentou uma seqüência onde os dois acordes, que seguiram

após o D (Ré maior), tom que eles elegeram para fundamentar a composição, fugiram à

realidade da tríade, um Ré com sétima Maior, e outro com sétima menor, com esses intervalos

de sétimas, também sendo alterados nos baixos, gerando a seqüência:

FIGURA 04 – Sequência de acordes iniciais proposta por José Milton

Como ele começou a tocar de forma tão instintiva, não quis interromper a idéia,

tendo por base que para se compor, é necessário estar livre. Comentei a respeito dessa

situação, mas segui com o processo, foi um ato de improviso que incentivou, ajudando a dar o

primeiro passo na composição. O trecho ficou sem criação melódica, funcionando como um

2 Na música, se refere a qualquer acorde formado por três notas musicais (tônica, terça e quinta). (Wikipedia,

2010, a) 3 Também denominada progressão de acordes é uma sucessão de acordes musicais. (Wikipedia, 2010, b)

23

tema de abertura, com dedilhados4 e efeitos de modulação5, criando uma atmosfera que abre

com originalidade a música.

Para os acordes que seguiram José Milton, que tomou para si a responsabilidade de

começar a desenvolver a música, depois de algumas escolhas, resolveu que a seqüência que

viria, seria composta pelos seguintes acordes: G – Bm – A – G, agora sim, dando a

possibilidade de desenvolver a melodia, com a atenção voltada para as tríades.

FIGURA 05 - Sequência de acordes subseqüentes a figura 2

Sugeri que desenvolvessem algumas possibilidades, e o que eles me deram foram

alguns formatos clichês de arpejos6 retirados de solos famosos, talvez querendo solucionar o

problema do improviso rapidamente, esquecendo inclusive as tríades abertas7, temática que

estávamos estudando e que seria tão interessante para criar e improvisar.

Comecei a perceber que eles sempre se desvinculavam da idéia inicial, e estavam

mais apegados ao fato, de compor baseado nas suas influências, repetindo literalmente trechos

de solos e improvisos consagrados. Não que isso seja ruim, e na verdade, isto sempre emerge

naturalmente, mas a intenção da oficina de composição era específica, expandir a tríade,

criando novas possibilidades, e não somente se prender a arpejos velozes, tão utilizados por

músicos famosos por seu virtuosismo.

4 Técnica de com os dedos, atacar as cordas do violão ou guitarra. Nota do autor. 5 Efeito gerado por pedais analógicos ou digitais, utilizados para enfeitar o som. Nota do autor 6 É a execução sucessiva das notas de um acorde. Enquanto que num acorde as notas são tocadas

simultaneamente, no arpejo essas mesmas notas são tocadas uma a uma. (Wikipedia, 2010, c) 7 Acordes com três notas tocadas com um espaçamento de oitavas. Nota do autor.

24

A solução foi novamente chamar a atenção deles demonstrando algumas

possibilidades, improvisando o que julgava ser algo diferente, para que fosse possível

esclarecer a proposta. A idéia era criar uma melodia, organizando o material sonoro dessas

possibilidades de tríade. Se as técnicas de palhetada8, bends9, vibratos10, alavancadas11,

harmônicos12, entre outros, pudessem ser utilizadas, o objetivo da oficina estaria mais do que

consolidado, unindo som e técnica. Mas a prioridade era vasculhar, experimentar, brincar com

os sons.

A idéia da composição surgiu como se fosse o aval para que eles estivessem

totalmente livres, e na verdade, a proposta era deixar fluir a inspiração. Porém nesse primeiro

momento eles precisavam se prender, e expandir o assunto, para que, quando fossem

chamados a reproduzir um trecho musical, improvisar, gravar e até compor, demonstrassem

segurança.

O projeto era que nas aulas futuras utilizássemos tétrades13, escalas14, campo

harmônico15, contraponto16, técnicas de composição e assim tornavam-se cada vez mais

consolidados e abrangentes, numa rede de conhecimentos e idéias, os tópicos teóricos

estudados por Marcelo e José Milton.

Ao começarmos a criar os trechos de melodias que estariam sobre a harmonia do

trecho dois (FIG 05), os clichês voltaram a aparecer, incentivados pelo repertório de

influências e pela facilidade em aplicá-los. Propus que fossemos além, não que não fosse

possível ou proibido utilizá-los, mas por que não estavam gerando o resultado esperado, até

porque executar o que já estavam acostumados a ouvir e tocar, ia fazer o conhecimento que

eles tinham do assunto permanecer estacionado.

8 Consiste no movimento de tocar as cordas de uma guitarra com uma palheta. (Instrumento geralmente feito de

plástico, madeira ou metal, o qual o guitarrista utiliza para atacar as cordas). Nota do autor. 9 Técnica utilizada mais comumente por guitarras, para tocar notas levantando a corda do instrumento. Nota do autor. 10 Consiste na oscilação de uma corda de um instrumento musical, utilizando-se um dedo, produzindo assim um

som diferenciado, "vibrante", como sugere o nome. Esta técnica é também utilizada com a família do violino (violino, viola, violoncelo, contrabaixo), ou seja, de uma forma geral, em outros instrumentos de cordas. (Wikipedia, 2010, d)

11 Consiste em pegar a alavanca e "apertá-la" contra a guitarra. Nota do autor. 12 Em guitarra são notas que soam ao apertar levemente sobre alguns trastes (pequenas "divisões" de metal) pelo

braço do instrumento. Nota do autor. 13 Acordes compostos por quatro sons. Nota do autor. 14 Organização de notas em tons e semitons. Nota do autor. 15 Conjunto de acordes formado a partir das notas de uma determinada escala. (Wikipedia, 2010, e) 16 Técnica usada na composição onde duas ou mais vozes melódicas são compostas levando-se em conta,

simultaneamente o perfil melódico de cada uma delas; e a qualidade intervalar e harmônica gerada pela sobreposição das duas ou mais melodias. (Wikipedia, 2010, f)

25

Mesmo as notas estando certas, tínhamos uma série de sons soltos, sem nenhuma

coerência. Mostrei novamente outras formas que poderiam dar-lhes outro caminho, por

exemplo inverter o arpejo, começando do intervalo de quinta ou terça. Assim começaríamos

tocando numa região mais grave, depois na mais aguda. Poderíamos pensar também, tomando

como base as cordas da guitarra, duas notas na primeira corda, uma ou mais na terceira, e

assim por diante. As possibilidades são infinitas num assunto como este.

A cada nova possibilidade, a empolgação e os sorrisos indicavam o quanto estava

sendo desbravado o caminho das tríades para criar, por várias vezes ouvia-se comentários do

tipo: “Ah... foi assim que aquele cara criou aquele solo!” “Professor... será que ele pensou

dessa maneira?” (MARCELO, 2010).

E assim, eles descobriram várias possibilidades e misturaram com as que já tinham,

criando várias idéias para construir este momento denominado “A” (FIG, 05), onde Marcelo

tocaria sua melodia e ao repetir o trecho de harmonia, José Milton criaria outro solo, em

resposta ao primeiro, aguçando a criatividade e colocando os dois no jogo da composição.

Os dois seguiram os mesmos padrões, mantiveram algumas das sugestões que

apresentei, adicionando a essas criações, as notas mais marcantes que já tinham aplicado, com

durações mais longas, e que realmente pontuavam a melodia. Em duas aulas estava criado o

trecho que abria a música.

Na terceira aula, começamos a desenvolver o que seria a parte “B”, e que na verdade

acabou tornando-se uma ponte, uma oportunidade de acrescentar outro tipo de tríade que não

fosse a maior e a menor. Os alunos escolheram a seqüência harmônica: D – E – D, mas não se

lembraram de acrescentar nenhum outro tipo de tríade, cabendo novamente a minha

interferência para acrescentar uma tríade aumentada na seqüência, que passou a ser: D – E –

D(#5) – D.

26

FIGURA 06 - Sequência de acordes que constituiu o segundo trecho musical

Colocamos, então, em prática a proposta da tríade aberta, que constitui em ter um

espaçamento maior de oitavas17 entre as notas, como pode ser visto na figura 7.

FIGURA 07 – Fôrmas para tríades abertas

Incrementamos seqüência harmônica, colocando o arpejo do acorde aumentado, após

o E (Mi maior) resolvendo no D (Ré Maior), tendo em vista que os alunos não tinham tanta

intimidade com o formato da aplicação desta tríade, passamos a treinar a execução da nova

possibilidade, tendo que agora trocar o Lá da sexta e primeira corda, por Lá sustenido, o que

gerou uma nova mecânica.

Só foi possível a execução clara, com todas as notas certas, depois de algum tempo

praticando. A palhetada nos saltos de cordas ajudou a aprimorar a segurança deles em relação

a este tipo de execução.

17 É o intervalo entre uma nota musical e outra com a metade ou o dobro de sua freqüência. O nome de oitava

tem a ver com a seqüência das oito notas da escala maior: dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó, a que se chama igualmente "uma oitava". (Wikipedia, 2010, g)

27

Tivemos a idéia de incrementar com José Milton dobrando em terças os arpejos, pedi

que analisassem os acordes e tocassem as terças correspondentes a cada nota, mantendo a

mesma oitava que cada intervalo tinha originalmente, após alguma dificuldade para descobrir

estas notas e algumas expressões de angústia, sorrisos e mãos indicando a tensão que seria

gerada, frases do tipo: “Vixi... Vai ficar massa... Tenso!” (MARCELO, 2010). E tudo isso

pela suposta dificuldade de execução que José Milton esperava ter. Superados os momentos

de aflição conseguimos então elaborar as fôrmas e colocar em prática o trecho inteiro.

Para ajudar a incrementar o ritmo da música, utilizei um “Tam-Tam”, instrumento de

percussão, ilustrando como seria a bateria, o que tornou a composição mais viva, e pôde nos

dar a idéia mais ampla do resultado final da composição.

Compostos esses dois trechos, ficou pendente aplicar a tríade diminuta, e explorar

mais as menores, partimos então, para a construção de um terceiro momento, com a intenção

de consagrar essas outras possibilidades e finalizar o tema.

Após algumas discussões sobre que acordes usar e sobre que sensação harmônica

queríamos, decidimos por um seqüência que nos conduzisse de volta ao início, finalizando a

harmonia com os acordes: Bm – C#m(b5) – D – G – Bm – C#m (b5) – D – G – A, e para o

Bm, sempre dois compassos onde tivemos a oportunidade de passear bastante por várias

possibilidades de melodias, dentro das três notas que compõem o acorde. E com os outros

criamos um momento mais forte que conduzia ao fim e a volta para rever os trechos iniciais.

FIGURA 08 - Sequência de acordes que compõem o terceiro trecho da musica

28

A composição foi intitulada: Gramática de outro jeito, fazendo referência ao

conceito teórico de como formar as tríades, que durante o processo esteve presente nas

discussões. E de outro jeito por que foi utilizado para produzir uma composição, fazendo os

alunos lidarem diretamente com o material sonoro que este tópico teórico pode produzir.

O grande desafio foi fazê-los expandir as possibilidades das tríades, tendo em vista

que a tendência era permanecer no mais fácil, nos clichês, e com o tempo curto para fazer as

discussões, escolher e treinar a execução, várias possibilidades passaram despercebidas.

Tivemos quatro aulas para desenvolver as idéias, ou seja, compor um tema em quatro horas.

Evidentemente, houve discussões entre eles em casa, ou nos momentos que nos

encontrávamos nos corredores da escola e por telefone no sentido de dar seguimento à

criação.

A empolgação deles diante das descobertas, do trabalho, da criatividade e da vontade

de expandir a habilidade técnica no instrumento, foi o que me fez perceber o valor desta

prática. E o resultado de ter um material inédito, construído por eles, os ajudou a perceber no

improviso uma possibilidade de brincar com os sons, articulando ótimas idéias de melodia.

Segue a partitura da música:

29

FIGURA 09 – Partitura da música Gramática de outro jeito

30

3.2 - Racquel de Maria – Escolhendo acordes no Campo Harmônico. Sou

teu amigo

FIGURA 10 – Racquel de Maria

Racquel já havia me mostrado algumas composições feitas em conjunto com amigos,

onde ela indicava alguma de suas letras, e um parceiro, geralmente por ter habilidade com o

violão, encarregava-se de compor a melodia, gerando uma progressão harmônica.

Trata-se de uma aluna que está na EMUSC a cerca de quatro meses, iniciante no

violão, que tem uma vida religiosa ativa, sendo integrante de outra comunidade católica,

chamada Discípulos da Mãe de Deus.

Com a idade de vinte e dois anos, Racquel possui um caderno repleto de poesias de

sua autoria, sempre relacionadas à religiosidade, nunca tendo musicado sozinha nenhum

destes textos, devido à falta de habilidade técnica no instrumento e também por que não tinha

noção da organização de uma seqüência harmônica.

Em algumas oportunidades, ela me questionava sobre como reunir acordes com

coerência, “Professor como é que eu faço pra saber que acordes usar, às vezes eu vejo as

meninas lá na comunidade, o povo começa a cantar, e as meninas só sabendo o tom, tocam a

música inteira!” (RACQUEL, 2010), como aprender a tocar uma música de ouvido e como

descobrir que acordes usar, numa situação muito comum dentro das igrejas, que é quando

alguém entoa um canto que não estava programado e o instrumentista consegue acompanhar,

mesmo sem conhecer a música.

31

Propus a ela que elegesse alguma dentre as suas poesias, para que pudéssemos

transformá-la em música, criando algumas situações harmônicas, onde ela iria começar a

despertar para estas possibilidades, aprendendo a utilizar e a reconhecer as funções de cada

grau quando é necessário harmonizar um tom. A poesia eleita foi:

Sou teu amigo

Senhor, Teu olhar em meu olhar, vem em mim!

Fecundar Tua presença real!

Por isso vou Te revelar ao irmão no meu olhar!

Sorrindo quero te falar

Sou teu amigo

Vim te consolar

As tuas dores contigo suportar

Pois sou teu amigo! Sou teu amigo! Pois sou teu amigo!

Com Tua mãe, minha vida imolar!

Enxugar Tuas lágrimas e contigo sempre estar

Com a espada de dor, me unir a Ti em amor!

E assim venho me ofertar!

Baseado no campo harmônico maior, ela começou a elaborar a composição. O

primeiro passo foi conhecer os graus, os acordes constituintes, como formar e tocar em vários

tons, tendo em vista, a dificuldade que ela tem em executar algumas posições, a exemplo das

fôrmas que utilizam pestana18, e principalmente conhecer como cada acorde correspondente

aos graus tem sua qualidade funcional, isto é, preparando e resolvendo com maior ou menor

força.

Elegemos o tom de D (Ré Maior), em que ela sentia-se a vontade para cantar. Fomos

experimentando o que a combinação dos acordes poderia nos dar, e após algumas

possibilidades e frases como: “Opa...gostei desse aqui!”, “Olha como é bonito ir para o Bm

18 Técnica utilizada no violão para prender todas as cordas com um dedo. Nota do autor.

32

(Si menor)!”, “Poxa... essa mudança aqui para o G (Sol Maior) é mais fácil pra mim... pra

mudar... e marca mesmo ó!” (RACQUEL, 2010), elegendo assim como segundo acorde,

esta última mudança, um dos graus com principal função dentro do campo harmônico maior.

Racquel começou a construir a música no verso que diz: Sou teu amigo... E vim te

consolar! Onde a primeira sílaba do texto é cantada no tempo três do primeiro compasso, e o

segundo acorde entra no tempo um do segundo compasso. Foi tentando entoar uma melodia

baseada nos acordes que já tinha. Ela conseguiu definir instintivamente a música num

compasso19 quaternário, onde o G (Sol Maior) se apresenta nesse segundo compasso e os

acordes seguintes, seguem um padrão, para cada compasso um acorde. Após experimentar

várias seqüências, ela elege a seguinte seqüência:

4/4 I – IV – VI – III

I – IV – VI – III - II – V

FIGURA 11 - Sequência de acordes eleitos para o primeiro trecho composto por Racquel.

Para cada escolha de acorde surgia uma grande discussão. No primeiro momento,

para cada verso do refrão ela queria ter uma melodia diferente, e sempre que repetia, trazia

um novo detalhe nos acordes e melodia. Como já havia tido uma boa idéia para os dois

primeiros versos, sugeri que repetisse a seqüência de acordes a partir do terceiro,

contemplando-os com a mesma melodia, e fizesse uma variação para o verso do fim, assim

adequando a métrica das palavras à mesma seqüência e duração dos acordes. 19 É uma forma de dividir quantizadamente em grupos os sons de uma composição musical, com base em pulsos

e repousos. (Wikipedia, 2010, h)

33

Sem incluir o quinto grau, Racquel voltou ao D (Ré Maior), repetiu a seqüência e ao

fim, incluiu o acorde de Em (Mi menor), prolongou com uma linha vocal, que conduziu

belamente a melodia, deixando claro que precisávamos de um acorde que preparasse a

chegada do próximo momento.

Conhecendo já a teoria da dominante como sendo o grau de sentido suspensivo que

pede resolução na tônica e que também pode ser substituído pelo VII grau, ela faz está escolha

para voltar à tônica, e este repouso acaba sendo o grau que inicia o momento seguinte.

Na segunda aula, Racquel trouxe a idéia de que, o que tinha composto, e que

originalmente, era o início da música, agora passaria a ser o refrão. Quando ela escreveu o

texto, a inspiração realmente começou pelo trecho onde primeiramente trabalhou. Só que

durante o processo, relendo várias vezes, percebeu que ao inverter a seqüência das estrofes, o

contexto que ela buscava transmitir se completava. Segue abaixo, os rascunhos onde Racquel

escreveu a poesia, com todas as modificações.

FIGURA 12 – Rascunho inicial da poesia FIGURA 13 – Rascunho com alterações feitas por

Racquel

Para o que viria a ser a estrofe, começou novamente o processo de audição das

relações entre os outros acordes, do campo harmônico com o D (Ré Maior), vista as

possibilidades, Racquel elegeu o F#m (Fá sustenido menor) como o acorde que é tocado

posteriormente ao D (Ré). Poxa... Cadó! Essa mudança do Ré Maior para o Fá sustenido

34

menor, tem uma sonoridade muito bonita, já ouvi algo parecido... Talvez Beatles, Roupa

Nova! (RACQUEL, 2010)

A brincadeira com as sonoridades, nas combinações entre os acordes do campo

harmônico maior de D (Ré), começou a despertar nela, sensações familiares de mudança de

acordes, que a faziam lembrar de trechos de músicas que ela já havia ouvido, não sabia bem

ao certo que referências citar, mas disse que era algo parecido com Beatles, ou alguma música

da banda Roupa Nova, e talvez alguma do repertório de Bandas Cristãs. Ou seja, o exercício

de manipular esse material, chamou a atenção dela, para uma sonoridade familiar, guardada

em seus arquivos de lembranças, talvez de algum momento de apreciação musical, ou até

mesmo por se tratar de uma mudança comum.

O fato é que a audição aconteceu, a percepção que foi despertada, cumpriu o objetivo

do exercício de composição. A capacidade que ela teve de ouvir, a fez criar uma ponte entre a

mudança que escolheu a uma sonoridade familiar.

Mas a composição não havia terminado, tínhamos ainda a estrofe, para continuar

praticando. A tendência dela foi novamente dar uma melodia diferente para cada verso, e não

atentar para a condição de poder repetir, a partir do terceiro verso a seqüência e melodia,

fazendo alguma variação no final, após um pequeno debate a respeito, ela diz: “Acho que

assim, dá mais coerência!” “Fica mais fácil de aprender a cantar, afinal de contas eu quero

que as pessoas cantem!” (RACQUEL, 2010), enxergamos essa como sendo novamente a

melhor possibilidade. A seqüência eleita foi:

35

FIGURA 14 - Sequência de acordes escolhidos para compor a segunda progressão harmônica da composição.

Para a terceira estrofe, decidimos que não caberia ter mais uma parte na música, já

que os versos, sendo bem adaptados à seqüência usada na primeira estrofe, poderiam ser

cantados com a mesma melodia do início.

Segue abaixo a letra cifrada, para a visualização de como se definiu a organização

dos acordes.

36

Sou teu amigo

D F#m Bm Em G A G

Senhor, Teu olhar em meu olhar, vem em mim!

F#m Em A

Fecundar Tua presença reaaaaal!

D F#m Bm Em G A G

Por isso vou Te revelar ao irmão no meu olhar!

A Bm C#m(b5) D

Sorrindo quero te falaaaaaaaaar

G Bm

Sou teu amigo

F#m D

Vim te consolar

G Bm F#m Em

As tuas dores contigo suportar

A D F#m Bm A D F#m Bm A D

Pois sou teu amigo! Sou teu amigo! Pois sou teu amigo!

D F#m Bm

Com Tua mãe, minha vida imolar

Em G A G F#m Em

Enxugar Tuas lágrimas e contigo sempre estar

D F#m Bm Em G A G

Com a espada de dor, me unir a Ti em amor

A Bm C#m(b5)

E assim venho me ofertar!

37

FIGURA 15 – Partitura da música: Sou teu amigo

Resolvi questionar-la para que relatasse quais tinham sido suas principais impressões

do que tinha sido proveitoso, no exercício de composição. Abaixo descrevo na íntegra a

conversa:

Cadó: Racquel a pergunta é a seguinte! Essa composição ajudou você a pensar na

organização dos acordes?

Racquel: Muito! Na medida em que foi necessário montar uma seqüência para poder

desenvolver a melodia. Não me recordo o nome! (Folheando a agenda procurando a

seqüência do campo harmônico, anotada, que tínhamos estudado antes de começar a

composição!) É... Campo harmônico maior, exatamente! Isso foi muito importante, né! Pra

ter o conhecimento e começar a fazer! Utilizei isso também principalmente na questão de

transpor músicas, porque a gente tocar é uma coisa, e a pessoa que vai cantar, por exemplo,

canta num tom diferente e eu tenho que saber transpor!

Cadó: E aquele caso de pegar a música na hora?

Racquel: Exatamente! Para pessoa pelo menos dizer o primeiro acorde, qual o tom!

E você poder desenrolar! E isso é necessário, principalmente em grupo de oração, né! Que é

mais a realidade de onde eu toco! Também na construção de salmos! (RACQUEL, 2010)

38

Ela cita na conversa a construção de Salmos, é muito comum em missas, ser pedido

ao ministério (grupo de músicos que executa os cânticos da missa), que criem uma melodia

para o texto do salmo, geralmente fazendo com que a assembléia aprenda o refrão, e cante

sempre em uníssono com o cantor.

O grande êxito do exercício de composição para Racquel foi sentir, criando suas

próprias seqüências, as sensações harmônicas que podemos ter com as relações sonoras entre

os graus, e poder utilizar no seu dia a dia, nas suas obrigações dentro dos grupos de oração e

missas, que ela pretende tocar.

Vencer a dificuldade da troca de acordes foi algo fundamental que não deixamos de

praticar exercitamos as pestanas, agora não somente nas músicas cristãs e de repertório

popular que usamos como exemplo, mas também naquela feita por ela.

A maior dificuldade foi a organização da métrica das palavras. Tínhamos as escolhas

dos acordes, e posteriormente aplicávamos a seqüência, às sílabas e a melodia, nos dois versos

iniciais. Depois desse processo concluído, como a estrofe tinha quatro versos, adaptávamos

tudo que foi criado ao trecho remanescente, com uma pequena variação ao fim.

39

3.3 – Gabriel – Notas e cores.

FIGURA 16 – Gabriel

Gabriel é uma criança de cinco anos de idade, que se encaixa no perfil de aprender

violão num contexto maior de musicalização, brincando com jogos, desenhando, utilizando

cores, que possam ilustrar os passos a serem seguidos, e tudo que for lúdico, e o ajude a

conhecer o instrumento e a música. Ele teve a oportunidade de estudar com outro professor

dentro da EMUSC, onde aprendeu alguns acordes e exercícios, chegando a mim com alguma

bagagem. Tive a idéia de incluí-lo no processo de composição, experimentando como seria

tentar compor através de um método de cores, relacionado às casas e cordas do violão, para

que assim fossemos brincando com a localização, cor e som, e respectivamente as suas

combinações sonoras.

Na primeira aula, numa conversa, onde estava tentando conhece-lo, saber de onde

vinha, sua motivação para estar tendo aulas de violão, que tipo de música gostava, se havia

alguém na família que também tocava e o incentivou, nas respostas que me dava, bruscamente

informou que gostaria de aprender a tocar a música Parabéns pra Você. Não pude deixar de

40

realizar o desejo dele, o que auxiliou na proposta, devido à melodia ser composta por notas da

escala diatônica maior, e naquele momento existir apenas a motivação de construir a

composição com Gabriel, com o método utilizando cores, sem ter ainda a definição do tópico

teórico que seria abordado.

O método constituiu-se em construir o braço do violão como uma tabela, a exemplo

das revistinhas de violão e guitarra, atribuindo uma cor diferente, há cada lugar onde deveria

apertar para tocar as notas, num contexto organizado dentro da escala maior, baseando-se na

melodia do Parabéns pra Você. Depois da descoberta da seqüência de cores que deveria

tocar, observando em que corda e casa estavam, atingimos seu objetivo, evidentemente que

cometendo alguns erros. É necessário que se destine um tempo de estudo para ter uma boa

execução, e esse aprendizado para uma criança acontece naturalmente, ele sabe onde apertar,

mas ainda lhe falta o domínio total dos dedos.

Abaixo, segue a ilustração do desenho, e logo após uma foto do material original,

improvisado com canetas hidrocor e uma folha de rascunho.

FIGURA 17 – Ilustração da escala maior de C#(dó sustenido), começando pelo V grau

FIGURA 18 - Sequência da escala começando no quinto grau

FIGURA 19 – Sequência de notas que compõem a melodia do Parabéns pra você.

41

FIGURA 20 - Foto do material original utilizado durante a aula

É importante ressaltar que foram utilizadas apenas as quatro primeiras casas do braço

do violão, tocando a escala de C# (Dó sustenido Maior), a partir da terceira corda, começando

a tocar do quinto grau, com duas notas nesta mesma corda, três notas na corda dois e mais três

notas na corda um. Após duas aulas praticando, já localizando algumas casinhas, e as notas

no braço, propus que agora escolhessemos algumas cores para tentar compor uma nova

música.

Evidente que Gabriel não tinha a noção de em qual tom estava, nem que estava

começando a escala do quinto grau, realidade que seria retomada quando transpuséssemos a

tonalidade para dó maior. O que ele sabia é que iríamos usar as mesmas notas do Parabéns

para você, reutilizando-as, e modificando a melodia conhecida por ele, e reorganizando-as

numa convenção de cores, onde seria criada a sua composição. E dessa forma, Gabriel poderia

ir experimentando, num jogo de cores, as diversas relações sonoras que poderiam ser criadas.

Fomos escolhendo e combinando lentamente as cores, repetindo quando ele achava

necessário: “Cor laranja...!” Ele pensa um pouco e me diz: “Um... não... Duas!”

(GABRIEL, 2010) se referindo a quantas vezes iria pintar a cor laranja. Ele também

determinava quanto tempo duraria o som de cada cor, pintando uma bolinha maior para os

sons com maior duração e uma menor para os sons que tinham uma duração menor. Gabriel

42

selecionou um critério para a escolha das cores, utilizando como referencia a seqüência do

Parabéns Pra Você: “Onde tem duas eu escolho uma!” (GABRIEL, 2010), ou seja, onde na

melodia do Parabéns havia repetição de notas, ele escrevia apenas uma.

Uma das maiores dificuldades nessa situação é manter um padrão de aula, o tempo

todo é necessário estar dentro da dinâmica que uma criança com a idade de cinco anos tem.

Deixando-a um tanto quanto à vontade, permitindo que conte suas histórias, beba várias vezes

água, vá ao banheiro, pergunte sobre os contrabaixos que estão encostados na parede, como

toca, tentando empunhá-los, quase os derrubando, fique observando pela janela: “Olha...

Daqui da pra ver a cidade!” (GABRIEL, 2010).

Gabriel foi se mostrando interessado, a cada nova escolha sempre repetia em voz alta

a cor, a casa e a corda que deveria apertar. “Casinha três, corda três... Tudo três!”

(GABRIEL, 2010).

O processo com Gabriel foi mais lento, tendo em vista que ele perde a concetração

rapidamente, queria saber sobre a máquina digital: “Tira foto ou ta filmando!” (GABRIEL,

2010), conta uma história, faz perguntas, brinca, cabendo ao professor ir direcionando com

leveza para não parecer que o estava obrigando-o a tocar, correndo o risco de deixar se perder

a motivação da criança no processo de aprendizagem que o jogo oferece.

O objetivo era compor a música com no mínimo um minuto de duração, mas diante

dos poucos encontros que tivemos, três no total, e do processo ser muito lento, por tratar-se de

uma criança, não consegui finalizar o processo com ele, ficando a experiência para tentar

ampliar o conceito, quando se tratar de crianças com instrumento, para as aulas futuras.

43

3.4 - Helton Jéferson – Dos arpejos ao solo.

FIGURA 21 - Helton Jéferson

Um dos primeiros experimentos para esta pesquisa aconteceu quando o aluno de

guitarra Helton Jeferson, um jovem de vinte anos, iniciante no instrumento, com apenas três

meses de aula na EMUSC, me questionou como poderia criar um solo para uma composição,

feita em conjunto com o professor de filosofia da escola em que estuda, e com os integrantes

da banda de rock em que atua como guitarrista.

Esta música foi composta com a finalidade de ser apresentada na feira de ciências da

escola: “Professor como é que eu posso criar um solo pra essa música?” (HELTON, 2010).

Ocasião que veio a ser, sua primeira apresentação e que me relatando num outro momento,

comentou sobre ter sido uma experiência que o deixou completamente satisfeito.

Estava tão seguro com relação aos acordes, ritmos, dedilhados, que foi capaz de

executar um trecho que competia ao outro guitarrista da banda, cujo processador de efeitos

desligou no momento da execução, cabendo a Helton cobrir a sua parte, numa decisão

instintiva que provou o domínio que está adquirindo com seu instrumento.

44

Helton é um aluno dedicado, criativo, que sempre demonstra trechos de seqüências

de acordes, riffs20 de guitarra que desenvolve, enquanto estuda e acompanha os áudios de suas

bandas favoritas. Mesmo com tão pouco tempo estudando guitarra, conseguiu ter um

desenvolvimento além do esperado, tomando como base outros alunos que estão na escola

também há três meses. Isto lhe permite tocar músicas com um nível de complexidade maior,

com várias tonalidades e passagens complexas.

Desde o início, se mostrou interessado no projeto de formar uma banda, sempre

perguntando qual o procedimento que se deve ter no ensaio, que tipo de equipamento de som

comprar, para se ter uma mínima qualidade de ensaio e apresentação, e de acordo com os seus

relatos, tem vivido este universo sempre com o apoio da mãe, o que sem dúvida, contribuiu

favoravelmente nessa motivação.

Era possível perceber a ansiedade em apresentar um bom desenvolvimento quando

perguntava: “Professor em quanto tempo eu vou aprender a tocar guitarra?”, “Será que

daqui a dois meses já vou estar tocando?”, “Professor, minha mãe quer que eu monte uma

banda pra tocar lá no restaurante, que tipo de caixa o senhor acha legal, pra gente usar?”

(HELTON, 2010).

Dentro desse contexto, havia a oportunidade de começar a desenvolver o improviso,

o que nos daria os caminhos necessários à criação do solo. Já havíamos estudado as tríades e

as escalas maiores, tínhamos bons argumentos teóricos para criar o trecho.

Depois de aplicar alguns acordes, riffs de guitarra à letra que o professor de filosofia

escreveu. Ao final da música, Helton elegeu três acordes, para a ser a progressão harmônica

onde o solo iria acontecer.

FIGURA 22 – Seqüência de acordes eleita para compor a harmonia que serviu de base para o solo

Discutimos sobre o primeiro acorde, Helton estava em dúvida se o correto seria

utilizar o Mi menor ou maior, o que possibilitou fazê-lo perceber as duas sonoridades

20 É uma progressão de acordes, intervalos ou notas musicais, que são repetidas no contexto de uma música,

formando a base ou acompanhamento. Riffs geralmente formam a base harmônica de músicas de jazz, blues e rock. (Wikipédia, 2010, i)

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diferentes, executando a 3ª maior e a menor. “Professor prefiro a sonoridade do Mi menor...

Deixa o Mi menor! (HELTON, 2010)” Convencido do Em (Mi menor), fomos à localização

dos arpejos pelo braço do instrumento, selecionamos três regiões para trabalharmos o solo, o

que deu o panorama de possibilidades disponível para a criação. “Professor o difícil aqui é

acertar a casinha certa! Tenho que escolher as notas e depois treinar um pouco para não

errar a casinha!” (HELTON, 2010).

As três regiões que elegemos no braço do instrumento foram: Da terceira à quinta

casa21, o que compreende o primeiro e segundo compassos na partitura, sétima à décima casa,

terceiro e quarto compassos, e por último permanecendo na sétima casa à décima quarta,

usando a região mais grave, utilizando quarta e quinta corda, como segue abaixo.

FIGURA 23 – Fôrmas de arpejos utilizados como referência para escolha de notas pelo braço da

guitarra.

Para cada ciclo de progressão harmônica, o aluno deveria utilizar uma possibilidade

diferente de fôrmas, o que exigiu precisão no momento da execução. Fomos lentamente, para

que fosse possível adquirir a segurança da localização das notas, corrigindo alguns vibratos

desafinados e slides22 que escapavam à nota errada.

Experimentamos padrões rítmicos, notas comuns a dois acordes, possibilidades

melódicas, e de vez em quando ouvia-se a frase: “O que o senhor achou desse (solo),

professor!” (HELTON, 2010), íamos incrementando, ajudando a organizar a estrutura,

elegendo o timbre, tendo em vista que ele estava usando um processador de efeitos para

guitarra, com centenas de possibilidades para timbres.

21 Referente à divisão feita no braço da guitarra. Nota do autor. 22 Técnica onde se utiliza um tubo oco de metal ou mesmo o dedo, deslizando sobre as cordas da guitarra.

(Wikipédia, 2010, j)

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E ao longo de três aulas construímos o solo definitivo, repetindo-o várias vezes para

que Helton decorasse, e há cada nova execução, fosse dominando e deixando a sonoridade se

tornar cada vez mais clara e precisa.

O principal objetivo de motivá-lo a criar essa organização sonora, foi contribuir para

que dominasse as “Tríades”, brincando com possibilidades, fazendo-o perceber os sons que

essas combinações de notas geram. No caso dos guitarristas, é comum ter a capacidade de

executar determinados trechos, que exige excelente competência técnica, e que muitas vezes

acabam fazendo o instrumentista deixar de lado a criatividade de utilizar o improviso como

uma ferramenta que desenvolve a sensibilidade musical.

O mérito esteve nas diversas descobertas feitas por Helton, sobre a gama de

possibilidades existentes num exercício como este, de criar uma melodia.

Aprendemos técnicas e teorias colocando em prática, e percebendo que efeitos

poderiam criar, mesmo com as possibilidades delimitadas.

Em alguns momentos do processo criativo, um determinado elemento melódico nos

remetia a algo que já havíamos ouvido antes, parávamos e procurávamos saber que música era

aquela, o que ajudava a incrementar e tornar divertido o aprendizado.

E assim a descoberta das tríades e arpejos, foi feita de uma forma mais ampla, do que

simplesmente se fosse apresentada como algo que somente existe e é utilizada para treinar

técnicas para palhetar e chamar a atenção pela velocidade que se pode atingir tocando arpejos.

Segue o trecho criado:

FIGURA 24 – Solo criado por Helton

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CONCLUSÃO

A pesquisa concentrou-se na composição como uma proposta pedagógica, dentro do

contexto do ensino-aprendizagem da guitarra elétrica e violão popular. Cinco alunos da

Escola de Música Santa Cecília (EMUSC), participaram compondo, tendo como referencial

teórico: Tríades, arpejos, campo harmônico e a melodia do Parabéns pra você, baseada na

escala maior, para através dela, produzir um novo material sonoro.

Durante quatro aulas, foi produzida uma música com melodia e letra, chamada Sou

teu amigo, um tema instrumental de guitarra, intitulado Gramática de outro jeito, um solo

para a música composta pela banda e pelo professor de filosofia de um dos alunos, e alguns

pequenos trechos de melodia, que não foi possível organizar numa composição, neste último

caso, o aluno trata-se de uma criança de cinco anos de idade, iniciante nas aulas de violão, e o

tempo disponibilizado para cumprir a pesquisa, não permitiu a finalização da obra.

Os principais problemas encontrados na pesquisa foram relacionados ao software da

máquina digital, que não permitiu a transferência de alguns vídeos para o computador e o

pouco tempo disponibilizado para a conclusão do processo.

O objetivo de tornar a composição uma ferramenta pedagógica, para que os alunos

ampliassem as suas visões diante dos tópicos teóricos, foi a principal razão pelo qual esta

prática foi realizada. Os resultados esperados foram alcançados, como pode se perceber nas

impressões e situações transcritas nesta pesquisa. A inquietação, a dúvida, a nova

possibilidade gerada, são os méritos desta prática, e os resultados não deixarão de acontecer,

durante a trajetória musical particular de cada aluno.

Fica como sugestão de pesquisa futura, o desenvolvimento de uma metodologia de

ensino do instrumento, tendo na composição uma ferramenta valiosa. Principalmente no que

diz respeito a crianças, já que esta pode ser tornar um processo lúdico, tornando o aprendizado

prazeroso.

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REFERÊNCIAS

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HELTON. (Helton Jeferson Lenon Lima Dias), entrevistado pelo autor em 08 de out., 2010.

HINDEMITH, Paul. A Composer’s World: Horizons and Limitations, Cambridge, Mass, 1952. MARCELO. (Marcelo Henrique Pontes de Souza), entrevistado pelo autor em 27 de nov., 2010. MILTON. (José Milton Torres Neto), entrevistado pelo autor em 27 de nov., 2010. MILLS, Janet. Music in the Primary School, Cambridge: Cambridge University Press, 1991 RACQUEL DE MARIA. (Racquel Guimarães da Silva), entrevistado pelo autor em 18 de nov., 2010. SCHAFER, Murray. O ouvido pensante.Tradução 1992. São Paulo. UNESP, 1986. SWANWICK, Keith. A Basis for Music Education. London: Routledge, 1979. SWANWICK, Keith. Music Education and the National Curriculum, London: Institute of Education, 1992. WIKIPEDIA. Tríades. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Tr%C3%ADade>. Acessado em: 16 de ago., 2010a. WIKIPEDIA. Progressão Harmônica. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Progress%C3%A3o_harm%C3%B4nica>. Acessado em: 16 de ago., 2010b. WIKIPEDIA. Arpejo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Arpejo>. Acessado em: 16 de ago., 2010c. WIKIPEDIA. Vibratos. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Vibratos>. Acessado em: 16 de ago., 2010d.

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WIKIPEDIA. Campo Harmônico. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_harm%C3%B4nico>. Acessado em: 16 de ago., 2010e. WIKIPEDIA. Contraponto. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Contraponto_(m%C3%BAsica)>. Acessado em: 16 de ago., 2010f. WIKIPEDIA. Oitava. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Oitava>. Acessado em: 16 de ago., 2010g. WIKIPEDIA. Compasso. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Compasso_(m%C3%BAsica)>. Acessado em: 16 de ago., 2010h. WIKIPEDIA. Riff. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Riff>. Acessado em: 16 de ago., 2010i. WIKIPEDIA. Slide_guitar. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Slide_guitar>. Acessado em: 16 de ago., 2010j.