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Informativo 969-STF (19/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 969-STF Márcio André Lopes Cavalcante Julgamento ainda não concluído em virtude de adiamento. Será comentado assim que chegar ao fim: RE 566471/RN. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL IMUNIDADE PARLAMENTAR O fato de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento em que proferiu as declarações não afasta a possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, nos casos em que as ofensas são divulgadas pelo próprio parlamentar na Internet. DIREITO ADMINISTRATIVO RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO Para que o Município seja responsável por acidente em loja de fogos de artifício, é necessário comprovar que ele violou dever jurídico específico de agir (concedeu licença sem as cautelas legais ou tinha conhecimento de irregularidades que estavam sendo praticadas pelo particular). SERVIDORES PÚBLICOS Escrevente notarial do Estado de São Paulo que se aposentou segundo as regras da Lei estadual nº 10.393/70 pode ser atingido pelas regras da Lei estadual 14.016/2010, que alterou a forma de reajuste das aposentadorias e aumentou as alíquotas da contribuição previdenciária. BENS PÚBLICOS As terras devolutas pertencem, em regra, aos Estados-membros, com exceção daquelas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, que são de propriedade da União. DIREITO CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL O art. 927, parágrafo único, do CC pode ser aplicado para permitir a responsabilização objetiva do empregador por danos causados ao empregado decorrentes de acidentes de trabalho, não sendo incompatível com o art. 7º, XXVIII, da CF/88, que prevê responsabilidade subjetiva. DIREITO PROCESSUAL PENAL TRIBUNAL DO JÚRI A determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri não contraria o princípio constitucional da soberania dos vereditos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. DIREITO DO TRABALHO RESPONSABILIDADE CIVIL O art. 927, parágrafo único, do CC pode ser aplicado para permitir a responsabilização objetiva do empregador por danos causados ao empregado decorrentes de acidentes de trabalho, não sendo incompatível com o art. 7º, XXVIII, da CF/88, que prevê responsabilidade subjetiva.

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Informativo 969-STF (19/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 969-STF

Márcio André Lopes Cavalcante Julgamento ainda não concluído em virtude de adiamento. Será comentado assim que chegar ao fim: RE 566471/RN.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

IMUNIDADE PARLAMENTAR ▪ O fato de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento em que proferiu as declarações não afasta a

possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, nos casos em que as ofensas são divulgadas pelo próprio parlamentar na Internet.

DIREITO ADMINISTRATIVO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ▪ Para que o Município seja responsável por acidente em loja de fogos de artifício, é necessário comprovar que ele

violou dever jurídico específico de agir (concedeu licença sem as cautelas legais ou tinha conhecimento de irregularidades que estavam sendo praticadas pelo particular).

SERVIDORES PÚBLICOS ▪ Escrevente notarial do Estado de São Paulo que se aposentou segundo as regras da Lei estadual nº 10.393/70 pode

ser atingido pelas regras da Lei estadual 14.016/2010, que alterou a forma de reajuste das aposentadorias e aumentou as alíquotas da contribuição previdenciária.

BENS PÚBLICOS ▪ As terras devolutas pertencem, em regra, aos Estados-membros, com exceção daquelas indispensáveis à defesa das

fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, que são de propriedade da União.

DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL ▪ O art. 927, parágrafo único, do CC pode ser aplicado para permitir a responsabilização objetiva do empregador por

danos causados ao empregado decorrentes de acidentes de trabalho, não sendo incompatível com o art. 7º, XXVIII, da CF/88, que prevê responsabilidade subjetiva.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

TRIBUNAL DO JÚRI ▪ A determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri não contraria o princípio constitucional da

soberania dos vereditos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos.

DIREITO DO TRABALHO

RESPONSABILIDADE CIVIL ▪ O art. 927, parágrafo único, do CC pode ser aplicado para permitir a responsabilização objetiva do empregador por

danos causados ao empregado decorrentes de acidentes de trabalho, não sendo incompatível com o art. 7º, XXVIII, da CF/88, que prevê responsabilidade subjetiva.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

IMUNIDADE PARLAMENTAR O fato de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento em que proferiu as declarações

não afasta a possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, nos casos em que as ofensas são divulgadas pelo próprio parlamentar na Internet

O então Deputado Federal Wladimir Costa (SD-PA) proferiu discurso no Plenário da Câmara dos Deputados no qual afirmou que determinados artistas seriam “bandidos”, “membros de quadrilha”, “verdadeiros ladrões”, “verdadeiros vagabundos da Lei Rouanet”.

Esses artistas ingressaram com queixa-crime contra o então Deputado afirmando que ele teria cometido os crimes de difamação (art. 139) e injúria (art. 140 do Código Penal).

O STF recebeu esta queixa-crime.

O fato de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento em que proferiu as declarações não afasta a possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, porque ele depois divulgou essas ofensas na Internet.

Outro argumento está no fato de que a inviolabilidade material somente abarca as declarações que apresentem nexo direto e evidente com o exercício das funções parlamentares. No caso concreto, embora tenha feito alusão à Lei Rouanet, o parlamentar nada acrescentou ao debate público sobre a melhor forma de distribuição dos recursos destinados à cultura, limitando-se a proferir palavras ofensivas à dignidade dos querelantes.

A liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade.

STF. 1ª Turma. PET 7174/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/3/2020 (Info 969).

O que são as chamadas imunidades parlamentares? Imunidades parlamentares são algumas prerrogativas conferidas pela CF/88 aos parlamentares para que eles possam exercer seu mandato com liberdade e independência. Quais são as espécies de imunidade:

MATERIAL (inviolabilidade)

FORMAL (imunidade processual ou adjetiva)

Significa que os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (art. 53 da CF/88).

Podem ser de duas espécies: a) Em relação à prisão (art. 53, § 2º): desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de 24 horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. b) Em relação ao processo (art. 53, § 3º): se for proposta e recebida denúncia criminal contra Senador ou Deputado Federal, por crime ocorrido após a diplomação, o STF dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

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A situação concreta foi a seguinte: Em julho de 2017, o então Deputado Federal Wladimir Costa (SD-PA) proferiu discurso no Plenário da Câmara dos Deputados no qual afirmou que determinados artistas que ele nominou seriam “bandidos”, “membros de quadrilha”, “verdadeiros ladrões”, “verdadeiros vagabundos da Lei Rouanet”. Esses artistas ingressaram com queixa-crime contra o então Deputado afirmando que ele teria cometido os crimes de difamação (art. 139) e injúria (art. 140 do Código Penal). A defesa argumentou que o parlamentar não cometeu qualquer crime com seu comentário, considerando estar acobertado pela imunidade material prevista no art. 53 da CF/88. O STF recebeu a queixa-crime? SIM. A 1ª Turma do STF, por maioria, recebeu a queixa-crime e, com isso, irá se iniciar a instrução penal. Existe uma posição jurisprudencial no sentido de que as declarações proferidas pelo parlamentar dentro do Congresso Nacional seriam sempre protegidas pela imunidade parlamentar ainda que as palavras não tivessem relação com o exercício do mandato. Esse entendimento existe mesmo? SIM. Há alguns julgados do STF afirmando que a imunidade parlamentar material (art. 53 da CF/88) seria absoluta quando as afirmações do Deputado ou Senador sobre qualquer assunto ocorressem dentro do Congresso Nacional. A situação poderia ser assim resumida: • Ofensas feitas DENTRO do Parlamento: a imunidade seria absoluta. O parlamentar é imune mesmo que a manifestação não tenha relação direta com o exercício de seu mandato. • Ofensas feitas FORA do Parlamento: a imunidade seria relativa. Para que o parlamentar seja imune, é necessário que a manifestação feita tenha relação com o exercício do seu mandato. Veja um precedente do STF neste sentido: “A palavra 'inviolabilidade' significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. (...) Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada 'conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar' (Inq 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembleia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material.” (STF. Plenário. Inq 1.958, Rel. p/ o ac. Min. Ayres Britto, julgado em 29/10/2003). No mesmo sentido: STF. 1ª Turma. RE 463671 AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 19/06/2007.

Este entendimento não poderia ser aplicado ao caso concreto, considerando que as palavras e a entrevista foram dadas dentro das dependências da Câmara dos Deputados? NÃO. Isso porque, depois, o próprio parlamentar divulgou essas ofensas na internet. O Min. Marco Aurélio afirmou o seguinte: “(...) o fato de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento em que proferiu as declarações não afasta a possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, nos casos em que as ofensas são divulgadas pelo próprio parlamentar na Internet.” STF. 1ª Turma. PET 7174/DF, rel. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgado em 10/3/2020 (Info 969).

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Ausência de nexo Outro argumento para o recebimento da queixa-crime foi o fato de os Ministros entenderem que a manifestação do Deputado não estava relacionada com as suas funções de parlamentar. A inviolabilidade material somente abarca as declarações que apresentem nexo direto e evidente com o exercício das funções parlamentares. No caso concreto, embora tenha feito alusão à Lei Rouanet, o parlamentar nada acrescentou ao debate público sobre a melhor forma de distribuição dos recursos destinados à cultura, limitando-se a proferir palavras ofensivas à dignidade dos querelantes. Parlamento não é local para ofensas O Parlamento é o local por excelência para o livre mercado de ideias – não para o livre mercado de ofensas. A liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade. Ninguém pode se escudar na inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação.

DIREITO ADMINISTRATIVO

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO Para que o Município seja responsável por acidente em loja de fogos de artifício, é necessário comprovar que ele violou dever jurídico específico de agir (concedeu licença sem as cautelas

legais ou tinha conhecimento de irregularidades que estavam sendo praticadas pelo particular)

Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular.

STF. Plenário. RE 136861/SP, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/3/2020 (repercussão geral – Tema 366) (Info 969).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, sem alvará ou qualquer outra espécie de autorização do poder público, vendia indevidamente, em sua casa, fogos de artifício. Importante mencionar que João chegou a dar entrada no pedido de alvará, mas o Município exigiu dele algumas outras providências (dentre elas uma perícia da Polícia Civil) e ele não deu continuidade ao processo administrativo, que ficou paralisado. João armazenava os produtos de forma inadequada e, em razão disso, determinado dia houve uma explosão no local, o que causou danos físicos e patrimoniais em Pedro, seu vizinho. Pedro ajuizou ação de indenização contra o Município afirmando que houve falha do poder público na fiscalização da atividade. Neste caso concreto, o Município será condenado a indenizar a vítima? NÃO.

Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá

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quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular. STF. Plenário. RE 136861/SP, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/3/2020 (repercussão geral – Tema 366) (Info 969).

Responsabilidade civil do Estado Responsabilidade civil do Estado é a obrigação que a Administração Pública tem de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, atuando nesta qualidade, causarem a terceiros. Qual é o tipo de responsabilidade civil do Estado? Responsabilidade objetiva. Isso está previsto no art. 37, § 6º da CF/88:

Art. 37 (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Se você reparar bem o § 6º acima, verá que não está escrito expressamente que a responsabilidade é objetiva. A doutrina e a jurisprudência, no entanto, de forma pacífica assim entendem por um motivo: o dispositivo exige dolo ou culpa para que o agente público responda regressivamente, mas não faz esta mesma exigência para que o Estado tenha que indenizar. Logo, interpreta-se que a exigência de dolo ou culpa é unicamente para a ação regressiva. Requisitos para que haja a responsabilidade civil do Estado Quando se fala que a responsabilidade do Estado é objetiva, isso significa que a pessoa que sofreu um dano causado por um agente público terá que provar apenas três elementos: a) conduta praticada por um agente público, nesta qualidade; b) dano; c) nexo de causalidade (demonstração de que o dano foi causado pela conduta). Teorias do risco administrativo e do risco integral Vimos acima que a responsabilidade civil do Estado é objetiva, ou seja, o lesado não precisa comprovar a culpa da Administração Pública. No entanto, ainda persiste uma dúvida: o Estado deverá sempre indenizar? Ele poderá alegar excludentes de responsabilidade para se isentar da indenização? Sobre este tema, destaco a existência de duas teorias principais:

Teoria do RISCO ADMINISTRATIVO Teoria do RISCO INTEGRAL

A responsabilidade do Estado é objetiva (a vítima lesada não precisa provar culpa).

A responsabilidade do Estado é objetiva (a vítima lesada não precisa provar culpa).

O Estado poderá eximir-se do dever de indenizar caso prove causa excludente de responsabilidade: a) caso fortuito ou força maior; b) culpa exclusiva da vítima; c) culpa exclusiva de terceiro.

Não admite excludentes de responsabilidade. Mesmo que o Estado prove que houve caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima ou culpa exclusiva de terceiro, ainda assim será condenado a indenizar.

É adotada como regra no Direito brasileiro. É adotada no Direito brasileiro, de forma excepcional, em alguns casos. A doutrina diverge sobre quais seriam estas hipóteses. Para fins de concurso, existe um caso no qual o STJ já afirmou expressamente que se acolhe o risco integral: dano ambiental (REsp 1.374.284).

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Diógenes Gasparini explicava com peculiar didática em que consistia a teoria do risco integral:

“Por teoria do risco integral entende-se a que obriga o Estado a indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa da vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade. Basta, para caracterizar a obrigação de indenizar, o simples envolvimento do Estado no evento. Assim, ter-se-ia de indenizar a família da vítima de alguém que, desejando suicidar-se, viesse a se atirar sob as rodas de um veículo, coletor de lixo, de propriedade da Administração Pública, ou se atirasse de um prédio sobre a via pública. Nos dois exemplos, por essa teoria, o Estado, que foi simplesmente envolvido no evento por ser o proprietário do caminhão coletor de lixo e da via pública, teria de indenizar. Em ambos os casos os danos não foram causados por agentes do Estado. A vítima os procurou, e o Estado, mesmo assim, teria de indenizar.” (Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 16ª Ed., 2011, p. 1.114).

Teoria que rege a teoria da responsabilidade civil do Estado Regra: teoria do risco administrativo (o Estado pode invocar causas excludentes de responsabilidade). Exceção: em alguns poucos casos, acolhe-se a teoria do risco integral. Voltando ao caso concreto Conforme já explicado, para que haja responsabilidade objetiva do Estado são necessários três requisitos: a) conduta do poder público; b) dano; c) nexo de causalidade (demonstração de que o dano foi causado pela conduta). Na situação dos autos, não existem dois requisitos que são exigidos para a aplicação da responsabilidade objetiva: • não existe conduta, comissiva ou omissiva, do poder público; • por conseguinte, o nexo causal não pode ser aferido. A abertura de comércio de fogos com pólvora não é possível sem a perícia da Polícia Civil, órgão do Estado-membro. É ela que pode realizar a vistoria no local para verificar se é adequado, não o Município. Depois de protocolado o pedido de alvará, o interessado não fez o requerimento de perícia na Polícia Civil, conforme exigiu o Município. Logo, o procedimento administrativo ficou parado. A atuação do poder público municipal foi a esperada: aguardar a complementação dos documentos pelo requerente. Nada seria exigível da municipalidade. A atividade praticada pelo comerciante era clandestina. Ele precisava da licença para funcionar, o que só poderia ser concedido com prévia vistoria. Dessa maneira, o proprietário começou a comercializar sem autorização. Percebe-se que, além da ausência de requisitos positivos, incide a culpa exclusiva do proprietário, porque não aguardou a necessária licença e estocou pólvora. O ministro Roberto Barroso pontuou que a discordância é sobre o nexo de causalidade. A omissão específica no comércio de fogos de artifício ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou forem de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular. O simples requerimento de licença de instalação ou o recolhimento da taxa de funcionamento não são suficientes para caracterizar o dever específico de agir. Segundo o ministro Gilmar Mendes, a questão resume-se à responsabilidade por fato ilícito causado por terceiro, que instalou clandestinamente loja sem obedecer a legislação municipal, estadual e federal.

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SERVIDORES PÚBLICOS Escrevente notarial do Estado de São Paulo que se aposentou segundo as regras da Lei estadual

nº 10.393/70 pode ser atingido pelas regras da Lei estadual 14.016/2010, que alterou a forma de reajuste das aposentadorias e aumentou as alíquotas da contribuição previdenciária

Baixa relevância para concursos

Escrevente notarial do Estado de São Paulo que se aposentou segundo as regras da Lei estadual nº 10.393/70 pode ser atingido pelas regras da Lei estadual 14.016/2010, que alterou a forma de reajuste das aposentadorias e aumentou as alíquotas da contribuição previdenciária.

A Lei estadual nº 14.016/2010 previu novos critérios para os reajustes futuros da aposentadoria e, conforme jurisprudência do STF, não existe direito adquirido à manutenção de regime jurídico anterior.

A Lei estadual 10.393/70 indexava a aposentadoria ao valor do salário-mínimo, o que é expressamente vedado pelo art. 7º, IV, da Constituição Federal. Nesse sentido também é a Súmula Vinculante 4.

A alíquota da contribuição previdenciária também é perfeitamente possível considerando que não existe direito adquirido a regime jurídico e, a contribuição previdenciária possui natureza jurídica tributária, não havendo norma jurídica válida que confira o direito ao não recolhimento de tributo.

Vale ressaltar que, na ADI 4420, o STF garantiu a situação jurídica de quem já tinha se aposentado ou preenchido os requisitos para a obtenção do benefício. Não houve, contudo, a intenção de se assegurar o direito à manutenção da indexação de benefício de aposentadoria ao salário mínimo ou impedir a majoração das alíquotas da contribuição previdenciária. Esses assuntos não foram discutidos na ADI 4420.

STF. 1ª Turma. Rcl 37892 AgR/SP, rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgado em 10/3/2020 (Info 969).

Carteira de Previdência dos serventuários, notários e registradores de SP Em 1970, o Estado de São Paulo criou uma Carteira de Previdência para beneficiar serventuários, notários e registradores das serventias extrajudiciais do Estado. A adesão era obrigatória, ou seja, os segurados (serventuários, notários e registradores) tinham que recolher todos os meses um valor a título de contribuição previdenciária e depois teriam direito a dois benefícios: • aposentadoria aos segurados; • pensão para os dependentes em caso de morte do segurado. Desse modo, era um plano de previdência criado pelo Estado para uma classe específica: serventuários, notários e registradores das serventias extrajudiciais do Estado. Entre outras, a Lei previa três principais fontes de renda para manter esta Carteira de Previdência: 1) contribuições mensais dos segurados; 2) repasse de um percentual dos emolumentos (obs: “emolumentos” é o nome dado ao valor cobrado pelos titulares de serventias notariais e registrais pelos serviços desempenhados nos cartórios); 3) subvenção do Estado, ou seja, um valor repassado pelo Governo.

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Situação peculiar Com a atual redação da Constituição Federal de 1988, a existência da referida Carteira de Previdência mostrou-se juridicamente inadequada. Isso porque o STF decidiu que os notários e registradores não são servidores públicos nem ocupam cargo público. Não recebem remuneração paga pelos cofres públicos e não se submetem às regras de aposentadoria previstas para os servidores públicos. Como não são servidores públicos, eles devem contribuir para o regime geral de previdência social (RGPS), administrado pelo INSS, sendo considerados contribuintes individuais. Logo, em tese, não haveria motivos para eles estarem filiados a um regime jurídico mantido pelo Poder Público. Lei nº 14.016/2010 Diante deste cenário, em 2010, o Estado de São Paulo editou a Lei nº 14.016/2010 na qual declarou que a Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado estava em processo de extinção. O ponto mais polêmico, contudo, foi o art. 3º da Lei nº 14.016/2010 que previu que o Estado de São Paulo, a partir daquele momento, não tinha mais nenhuma responsabilidade com o pagamento dos benefícios previdenciários. Assim, a própria Carteira é quem deverá manter sua saúde financeira e equilíbrio notarial, não sendo permitido o aporte de recursos públicos do Estado. ADI O PSOL ajuizou ADI contra a Lei alegando que a Lei deixa desprotegidos cerca de dez mil notários, oficiais de registro, escreventes e auxiliares de cartórios, além de seus beneficiários. A ADI foi acolhida? A Lei nº 14.016/2010 padece de inconstitucionalidades? A ADI foi julgada parcialmente procedente. O STF decidiu:

a) declarar a inconstitucionalidade do caput e do § 1º do art. 3º da Lei nº 14.016/2010; b) conferir interpretação conforme à Constituição ao restante do diploma impugnado, proclamando que as regras da Lei nº 14.016/2010 não se aplicam a quem, na data da publicação da lei, já estava em gozo de benefício ou tinha cumprido, com base no regime anterior, os requisitos necessários à concessão; e c) quanto aos que não implementaram todos os requisitos, conferir interpretação conforme para garantir-lhes a faculdade da contagem de tempo de contribuição para efeito de aposentadoria pelo RGPS, nos termos do art. 201, § 9º, da CF/88, ficando o Estado responsável pelas decorrências financeiras da compensação referida. STF. Plenário. ADI 4420/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Teori Zavascki, julgado em 16/11/2016 (Info 847).

Imagine agora a seguinte situação adaptada: João era titular do cargo de Escrevente Notarial do Cartório de Notas de São Paulo (SP). Ele teve uma aposentadoria concedida nos termos da Lei estadual nº 10.393/70. O valor da aposentadoria era equivalente a 17 salários mínimos. Posteriormente, a Lei estadual nº 10.393/70 foi revogada pela Lei estadual nº 14.016/2010, que, dentre outras medidas, alterou as condições da aposentadoria de João. A lei nova (Lei nº 14.016/2010) modificou a alíquota de contribuição e a forma de reajuste sobre o benefício. Com isso, como o valor dos reajustes se tornou menor, ao longo do tempo, o valor real da aposentadoria de João foi caindo e, ele passou a receber o equivalente a 12 salários mínimos. Diante disso, João ajuizou ação de revisão da aposentadoria pedindo para voltar a receber o equivalente a 17 salários mínimos. O pedido foi julgado improcedente pelo juiz e a sentença mantida pelo TJ/SP. João ingressou, então, com reclamação no STF afirmando que o acórdão do TJ/SP teria violado a decisão do STF na ADI 4420/SP.

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O STF julgou procedente a reclamação? NÃO. A decisão reclamada (decisão do TJ) não possui aderência estrita ao paradigma indicado. Na ADI 4420, o STF garantiu a situação jurídica de quem já tinha se aposentado ou preenchido os requisitos para a obtenção do benefício. Não houve, contudo, a intenção de se assegurar o direito à manutenção da indexação de benefício de aposentadoria ao salário mínimo ou impedir a majoração das alíquotas da contribuição previdenciária. Esses assuntos não foram discutidos na ADI 4420. A Lei estadual nº 14.016/2010 previu novos critérios para os reajustes futuros da aposentadoria e, conforme jurisprudência do STF, não existe direito adquirido à manutenção de regime jurídico anterior. A Lei estadual 10.393/70 indexava a aposentadoria ao valor do salário-mínimo, o que é expressamente vedado pelo art. 7º, IV, da Constituição Federal. Nesse sentido também é a Súmula Vinculante 4:

Súmula vinculante 4-STF: Salvo os casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.

A alíquota da contribuição previdenciária também é perfeitamente possível considerando que não existe direito adquirido a regime jurídico e a a contribuição previdenciária possui natureza jurídica tributária, não havendo norma jurídica válida que confira o direito ao não recolhimento de tributo. STF. 1ª Turma. Rcl 37892 AgR/SP, rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgado em 10/3/2020 (Info 969).

BENS PÚBLICOS As terras devolutas pertencem, em regra, aos Estados-membros, com exceção daquelas

indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, que são de propriedade da União

As terras devolutas pertencem, em regra, aos Estados-membros, com exceção daquelas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, que são de propriedade da União (art. 20, II, da CF/88).

As terras devolutas pertencem aos Estados-membros desde a Constituição de 1891, que delas excetuava apenas a porção do território indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Esse mesmo tratamento jurídico foi mantido, com pequenas variações, nas Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967, EC 1 de 1969 e, finalmente, na Constituição Federal de 1988.

Caso concreto: no Estado de São Paulo havia uma grande área que era considerada como terra devoluta. Diante disso, em 1939, o Estado ajuizou ação discriminatória para regularizar essa área, tendo o pedido sido julgado procedente, com a expedição de títulos de domínio das terras em favor do autor.

A União, posteriormente, propôs ação anulatória alegando que as referidas terras seriam de sua propriedade desde 1872, por anexação. O Estado de São Paulo, por sua vez, alegou que eram terras devolutas, e, por isso, passíveis de alienação a particulares.

Apesar de inexistente, à época, qualquer registro imobiliário no sentido de se cuidar de terras devolutas, não se exigiria prova nesse sentido, pois a regra então vigente era no sentido da presunção da natureza devoluta dessas terras.

Assim, havia presunção de que eram terras devolutas e cabia à União o ônus de provar que adquiriu as terras por meio de compra ou anexação; que as terras lhe eram úteis; e a exata

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individuação para fins de saber se elas coincidem com as áreas em relação às quais o estado de São Paulo expediu os títulos que se pretende anular.

É possível concluir que a União adquiriu terras na região, mediante compra ou anexação. Entretanto, não há provas de que essas terras tenham sido efetivamente úteis para o suposto fim original a que se prestariam. Além disso, não há qualquer precisão na individuação dessas terras à época da aquisição. A União não se desincumbiu de seu ônus probatório.

STF. Plenário. ACO 158/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 12/3/2020 (Info 969).

Imagine a seguinte situação hipotética: No Estado de São Paulo havia uma grande área que era considerada como terra devoluta. Diante disso, em 1939, o Estado de São Paulo ajuizou ação discriminatória para regularizar essa área, tendo o pedido sido julgado procedente, com a expedição de títulos de domínio das terras em favor do Estado. A sentença transitou em julgado em 1958. Entre os anos de 1960 e 1965, o Estado de São Paulo realizou a regularização fundiária e expediu títulos de propriedade a particulares relacionados com as glebas dessa área. Ação anulatória Em 1968, a União ajuizou ação contra o Estado e os particulares que foram beneficiados, alegando que esses títulos não poderiam ter sido expedidos porque essa área seria integrante do patrimônio federal. Na ação, a União requereu: a) a anulação dos títulos de domínio que teriam sido expedidos supostamente de modo irregular; b) a reintegração da posse da referida área; e c) a anulação de todos os atos oriundos dos respectivos títulos. Vale ressaltar que, nessa ação a União não alegou fraude, falsidade documental ou má-fé. O argumento da União é baseado no domínio (propriedade). Trata-se de ação anulatória com caráter reivindicatório, lastreada na alegada falta de citação da União na referida ação discriminatória. A União argumentou que deveria ter sido citada na ação discriminatória proposta pelo Estado de São Paulo considerando que a área pertenceria a ela. Os pedidos da União foram julgados procedentes? NÃO. Vamos entender com calma. O que são terras devolutas? A quem elas pertencem? Terras devolutas são aquelas que não tem nenhuma utilização pública específica e que não se encontram, por qualquer título, integradas ao domínio privado. As terras devolutas pertencem, em regra, aos Estados-membros, com exceção daquelas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, que são de propriedade da União (art. 20, II, da CF/88). Cuidado com a redação do art. 20, II, da CF/88 porque uma leitura apressada pode levar à conclusão errada:

Art. 20. São bens da União: (...) II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;

Desse modo, não são todas as terras devolutas que são bens da União. São bens da União apenas as terras devolutas indispensáveis à:

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• defesa das fronteiras; • defesa das fortificações e construções militares; • defesa das vias federais de comunicação; e • preservação ambiental. O restante das terras devolutas é de propriedade do respectivo Estado-membro, nos termos do art. 26, IV:

Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: (...) IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

++ (Promotor de Justiça MPCE 2020 CEBRASPE) As terras devolutas indispensáveis à preservação do meio ambiente são consideradas bens a) de uso comum do povo de titularidade dos municípios. b) de uso especial de titularidade dos estados. c) dominicais de titularidade dos estados. d) de uso comum do povo de titularidade da União. e) dominicais de titularidade da União.

Gabarito: Letra E

++ (Juiz TJ/PA 2019 CEBRASPE) As terras devolutas são A) terras de propriedade da União que não têm afetação específica e que, portanto, são consideradas disponíveis. B) terras públicas que estão afetadas a um uso público, mas que ainda não foram arrecadadas por ações discriminatórias. C) terras públicas ou privadas localizadas em faixas de fronteira, reservas indígenas ou terrenos de marinha. D) terras públicas ou privadas consideradas indispensáveis à defesa de fronteira e à preservação ambiental. E) terras públicas não incorporadas a patrimônio particular e que não estejam afetadas a qualquer uso público.

Gabarito: Letra E

Os dispositivos acima transcritos são da CF/88... no entanto, os fatos são anteriores à Constituição atual... naquela época (1939), as terras devolutas já pertenciam aos Estados-membros? As demais Constituições também previam que as terras devolutas eram dos Estados-membros, como regra? SIM. As terras devolutas pertencem aos Estados-membros desde a Constituição de 1891, que delas excetuava apenas a porção do território indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais. Esse mesmo tratamento jurídico foi mantido, com pequenas variações, nas Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967, EC 1 de 1969 e, finalmente, na Constituição Federal de 1988. O que é uma ação discriminatória? É uma ação proposta pelo Estado-membro ou pela União com o objetivo de fazer com que a terra devoluta seja registrada como sendo de propriedade do Poder Público. Discriminar significa diferenciar, distinguir, separar. Assim, essa ação tem esse nome porque a sua finalidade é a de discriminar, ou seja, distinguir o que é terra que pertence ao Poder Público e aquilo que é de propriedade dos particulares. Nas palavras da Min. Rosa Weber:

“O objetivo da ação discriminatória é o deslinde das terras do domínio público, isto é, demarcar, apurar, esclarecer, separar as terras que estão integradas no domínio público. A ação discriminatória concluirá pela demarcação, que é o meio pelo qual se põe termo a todas as dúvidas

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divisórias, quer entre particulares, quer entre os poderes públicos. Portanto, é a ação pela qual o poder público faz apurar e separar suas terras das terras que estão sob o domínio de terceiros, ou apura as zonas indispensáveis à defesa do País.”

A ação discriminatória é regida atualmente pela Lei nº 6.383/73 (antes, o tema era tratado na Lei nº 3.081/56). A legitimidade ativa para a ação é do Estado-membro (regra geral) ou da União (naquelas hipóteses do art. 20, II, da CF/88), dependendo, portanto, da terra devoluta que se pretende discriminar. Devem figurar no polo passivo todos os interessados, proprietários, ocupantes, confinantes certos e respectivos cônjuges, bem como os demais interessados incertos ou desconhecidos, estes sendo intimados por edital. Isso é importante porque as terras devolutas não têm divisas (“fronteiras”) muito claras. Não se sabe onde começam nem onde terminam. O título em favor do Estado-membro foi expedido por meio de sentença judicial transitada em julgado. A União poderia ter impugnado esse título por meio de ação anulatória ou teria que ser uma ação rescisória? A União ajuizou corretamente a ação anulatória. Isso por dois motivos: 1) a União não foi citada na ação discriminatória, o que seria obrigatório, por ela ser confinante da área. Assim, a coisa julgada da ação discriminatória não tem eficácia sobre a União. Vale ressaltar que a ausência de citação da União não invalida o processo discriminatório (não atinge o campo da validade). No entanto, essa sentença transitada em julgado não produz efeitos em relação à União. Logo, não seria necessária ação rescisória. 2) o segundo argumento é que a decisão proferida na ação discriminatória tem cunho declaratório, e não constitutivo. Portanto, não impede a nova ação, ajuizada por quem não foi parte na anterior. Quanto ao mérito

O STF entendeu que não há, nos autos, elementos de prova que atestem que a ação discriminatória proposta pelo Estado abarcou área de domínio da União. Não é evidente, portanto, o domínio prévio da União sobre a área específica. A União alegou que as referidas terras seriam de sua propriedade desde 1872, por anexação. O Estado de São Paulo, por sua vez, alegou que eram terras devolutas, e, por isso, passíveis de alienação a particulares. Apesar de inexistente, à época, qualquer registro imobiliário no sentido de se cuidar de terras devolutas, não se exigiria prova nesse sentido, pois a regra então vigente era no sentido da presunção da natureza devoluta dessas terras. Assim, havia presunção de que eram terras devolutas e cabia à União o ônus de provar que adquiriu as terras por meio de compra ou anexação; que as terras lhe eram úteis; e a exata individuação para fins de saber se elas coincidem com as áreas em relação às quais o estado de São Paulo expediu os títulos que se pretende anular. É possível concluir que a União adquiriu terras na região, mediante compra ou anexação. Entretanto, não há provas de que essas terras tenham sido efetivamente úteis para o suposto fim original a que se prestariam. Além disso, não há qualquer precisão na individuação dessas terras à época da aquisição. A União não se desincumbiu de seu ônus probatório. Por fim, ressaltou a importância da preservação da segurança jurídica sob o ângulo subjetivo. Hoje, a área em questão constitui bairro povoado por muitas famílias, que ali fixaram residência há anos. A área foi edificada e urbanizada ao longo do tempo, por pessoas que agiram de boa-fé. STF. Plenário. ACO 158/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 12/3/2020 (Info 969).

Curiosidade: Esse era o processo mais antigo em tramitação no STF. A ação foi ajuizada em 1968.

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DIREITO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL O art. 927, parágrafo único, do CC pode ser aplicado para permitir a responsabilização objetiva do empregador por danos causados ao empregado decorrentes de acidentes de trabalho, não

sendo incompatível com o art. 7º, XXVIII, da CF/88, que prevê responsabilidade subjetiva

Importante!!!

O art. 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva, e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade.

STF. Plenário. RE 828040/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/3/2020 (repercussão geral – Tema 932) (Info 969).

Imagine a seguinte situação adaptada: João era vigilante de uma empresa de vigilância armada que fazia transporte de valores. Determinado dia, ele estava fazendo a vigilância de um carro-forte, na via pública, quando houve um assalto. Houve intensa troca de tiros entre João e os assaltantes. Em decorrência do episódio, João passou a experimentar graves consequências psíquicas, não tendo mais conseguido trabalhar. Diante disso, o vigilante ajuizou, na Justiça do Trabalho, ação de indenização por danos morais e materiais contra a empresa, que foi condenada a pagar R$ 50 mil ao funcionário. O fundamento jurídico para a condenação foi o art. 927, parágrafo único, do Código Civil:

Art. 927. (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O parágrafo único do art. 927 prevê uma cláusula geral de responsabilidade objetiva por atividades de risco. A sentença foi mantida pelo TRT e pelo TST. Contra o acórdão do TST, a empresa interpôs recurso extraordinário alegando que não seria possível aplicar o art. 927, parágrafo único, do Código Civil para as relações trabalhistas considerando que isso violaria o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

O argumento da empresa recorrente foi o seguinte: • o art. 7º, XXVIII, da CF/88 afirma que, em caso de acidente de trabalho, o empregador só pode ser condenado a indenizar o empregado quando houver dolo ou culpa do patrão. • o art. 927, parágrafo único do CC, por outro lado, afirma que haverá a obrigação do empresário indenizar mesmo que ele não tenha agido com culpa. • logo, a previsão do Código Civil, ao dispensar a culpa, contraria a regra da Constituição, que exige a culpa.

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A tese da empresa foi acolhida pelo STF? NÃO. Não foi acolhida. O STF decidiu, portanto, que o art. 927, parágrafo único, do CC, que tem aplicação geral, pode também ser utilizado para permitir a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho. Responsabilidade civil A regra do Direito brasileiro é a da responsabilidade civil subjetiva. Portanto, o caput do art. 927, afirmou que, aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Entretanto, para se evitar injustiças, o parágrafo único trouxe exceções nas quais se adotará a responsabilidade objetiva. O parágrafo único do art. 927 afirmou que haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa: • quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem; • em outros casos especificados em lei. “Risco para os direitos de outrem” Quando o Código Civil fala em “outrem” isso abrange terceiros que não tenham qualquer tipo de vínculo com o empregador. Assim, pela literalidade do art. 972, parágrafo único, se o empresário que desenvolve atividades de risco causar danos a terceiros (causar danos a “outrem”), ele responderá independentemente de culpa. Desse modo, se, neste tiroteio, um pedestre fosse atingido, a empresa de vigilância teria responsabilidade objetiva. Logo, seria absolutamente incoerente se, na mesma situação, essa empresa não tivesse responsabilidade objetiva pelos danos causados ao trabalhador, seu empregado. Em outras palavras, não haveria sentido que a responsabilidade fosse objetiva em relação a terceiros e fosse subjetiva no que tange aos seus empregados.

Rol do art. 7º não impede que outros direitos sejam concedidos ao trabalhador O art. 7º, XXVIII, da CF/88 realmente afirma que, em caso de acidente de trabalho, o empregador pode ser condenado a indenizar o empregado quando houver dolo ou culpa do patrão. No entanto, o art. 7º da CF/88 prevê direitos mínimos para o trabalhador. O caput do art. 7º da CF, ao elencar uma série de direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, permite a possibilidade de instituição “de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Dessa forma, é certo que a Constituição assegurou a responsabilidade subjetiva (art. 7º, XXVIII), mas não impediu que os direitos dos trabalhadores pudessem ser ampliados pela legislação infraconstitucional. Assim, é perfeitamente possível que a legislação ordinária estipule outros direitos sociais que melhorem e valorizem a vida do trabalhador. Logo, o parágrafo único do art. 927 do CC é plenamente compatível com a CF/88.

Voltando ao caso concreto: No caso concreto, a atividade que era exercida por João está enquadrada no art. 193 da CLT como atividade perigosa:

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: (...) II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

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Aliás, não há dúvida de que o risco é inerente à atividade do segurança patrimonial armado de carro-forte.

A tese fixada pelo STF para esse tema foi a seguinte:

O art. 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva, e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade. STF. Plenário. RE 828040/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/3/2020 (repercussão geral – Tema 932) (Info 969).

Essa posição já era defendida pela doutrina majoritária:

Enunciado 377 da IV Jornada de Direito Civil: o art. 7.º, XXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

TRIBUNAL DO JÚRI A determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri não contraria o princípio

constitucional da soberania dos vereditos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos

A anulação de decisão do tribunal do júri, por ser manifestamente contrária à prova dos autos, não viola a regra constitucional que assegura a soberania dos veredictos do júri (art. 5º, XXXVIII, c, da CF/88).

Vale ressaltar, ainda, que não há contrariedade à cláusula de que ninguém pode ser julgado mais de uma vez pelo mesmo crime. Ainda que se forme um segundo Conselho de Sentença, o julgamento é um só, e termina com o trânsito em julgado da decisão.

STF. 1ª Turma. RHC 170559/MT, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 10/3/2020 (Info 969).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi julgado pelo Plenário do Tribunal do Júri. Concluídos os debates, o juiz, o membro do MP, o advogado e os sete jurados foram para a sala especial, tendo sido formulados os seguintes quesitos: 1º) Quesito sobre a materialidade do fato: “Em XX, por volta de XX horas, na Rua XX, bairro XX, nesta Comarca, a vítima foi atingida por disparos de arma de fogo, sofrendo as lesões descritas no laudo de fls. XX?” Por meio das cédulas, os jurados responderam SIM.

2º) Quesito sobre a autoria: “O acusado foi o autor dos disparos?" Os jurados igualmente responderam SIM a esse quesito.

3º) Quesito genérico da absolvição: “O jurado absolve o acusado?” Quanto a esse quesito, os jurados também responderam SIM.

Diante disso, o juiz encerrou a votação e prolatou sentença absolvendo o réu.

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Recurso O Promotor de Justiça interpôs apelação afirmando que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. Essa hipótese de cabimento é prevista no art. 593, III, “d”, do CPP:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: (...) d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso para determinar a realização de novo Júri.

Habeas corpus A defesa do réu não concordou com o acórdão e impetrou habeas corpus alegando que a decisão do TJ afrontou a soberania dos jurados, prevista no art. 5º, XXXVIII, da CF/88:

Art. 5º (...) XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: (...) c) a soberania dos veredictos;

O pedido foi acolhido pelo STF? A decisão do TJ violou o art. 5º, XXXVIII, da CF/88? NÃO. O Código de Processo Penal garante a possibilidade de recurso da decisão do Conselho de Sentença, tanto para a acusação quanto para a defesa, em casos como esse, sem que isso signifique uma ofensa à garantia da soberania do Tribunal do Júri.

A determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri não contraria o princípio constitucional da soberania dos vereditos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. STF. 2ª Turma. HC 134.412/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje 15/6/2016.

A soberania dos veredictos não é princípio intangível a não admitir relativização. Decisão do Conselho de Sentença manifestamente divorciada da prova dos autos resulta em arbitrariedade a ser sanada pelo juízo recursal, a teor do art. 593, III, d, do Código de Processo Penal. STF. 1ª Turma. RHC 124.554/PE, Rel. Min. Rosa Weber, Dje 01/12/2014.

Ao proferir essa decisão determinando um novo júri, o TJ violou o princípio do non bis in idem processual, segundo o qual ninguém pode ser julgado duas vezes pelo mesmo fato? NÃO. Não há contrariedade à cláusula de que ninguém pode ser julgado mais de uma vez pelo mesmo crime. Ainda que se forme um segundo Conselho de Sentença, o julgamento é um só, e termina com o trânsito em julgado da decisão.

Deve-se, portanto, fazer uma advertência: O Tribunal só poderá dar provimento à apelação com base neste fundamento uma única vez. Assim, em nosso exemplo, o TJ determinou que seja feito um novo júri. Se os jurados (que serão outros sorteados) decidirem novamente que o réu deverá ser absolvido, ainda que o MP recorra, o Tribunal não mais poderá dar provimento à apelação sob o fundamento de que a decisão do júri foi manifestamente contrária à prova dos autos. Dito de outro modo, o argumento do Tribunal de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos só pode ser utilizado uma única vez. Nesse sentido, veja o que diz o § 3º do art. 593:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...)

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III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: (...) d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. (...) § 3º Se a apelação se fundar no nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.

Esse é também o entendimento do STJ:

(...) 2. As decisões proferidas pelo conselho de sentença não são irrecorríveis ou imutáveis, podendo o Tribunal ad quem, nos termos do art. 593, III, d, do CPP, quando verificar a existência de decisão manifestamente contrária às provas dos autos, cassar a decisão proferida, uma única vez, determinando a realização de novo julgamento, sendo vedada, todavia, a análise do mérito da demanda. 3. A absolvição do réu pelos jurados, com base no art. 483, III, do CPP, ainda que por clemência, não constitui decisão absoluta e irrevogável, podendo o Tribunal cassar tal decisão quando ficar demonstrada a total dissociação da conclusão dos jurados com as provas apresentadas em plenário. Assim, resta plenamente possível o controle excepcional da decisão absolutória do Júri, com o fim de evitar arbitrariedades e em observância ao duplo grau de jurisdição. Entender em sentido contrário exigiria a aceitação de que o conselho de sentença disporia de poder absoluto e peremptório quanto à absolvição do acusado, o que, ao meu ver não foi o objetivo do legislador ao introduzir a obrigatoriedade do quesito absolutório genérico, previsto no art. 483, III, do CPP. (...) STJ. 3ª Seção. HC 313.251/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 28/02/2018.

DIREITO DO TRABALHO

RESPONSABILIDADE CIVIL O art. 927, parágrafo único, do CC pode ser aplicado para permitir a responsabilização objetiva do empregador por danos causados ao empregado decorrentes de acidentes de trabalho, não

sendo incompatível com o art. 7º, XXVIII, da CF/88, que prevê responsabilidade subjetiva

Importante!!!

O art. 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva, e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade.

STF. Plenário. RE 828040/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 12/3/2020 (repercussão geral – Tema 932) (Info 969).

Veja comentários em Direito Civil.

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EXERCÍCIOS

Julgue os itens a seguir: 1) O fato de o parlamentar estar na Casa legislativa no momento em que proferiu as declarações não afasta a

possibilidade de cometimento de crimes contra a honra, porque ele depois divulgou essas ofensas na Internet. ( )

2) Para que fique caracterizada a responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes do comércio de fogos de artifício, é necessário que exista a violação de um dever jurídico específico de agir, que ocorrerá quando for concedida a licença para funcionamento sem as cautelas legais ou quando for de conhecimento do poder público eventuais irregularidades praticadas pelo particular. ( )

3) As terras devolutas pertencem, em regra, aos Estados-membros, com exceção daquelas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, que são de propriedade da União. ( )

4) (Promotor MP/CE 2020 CEBRASPE) As terras devolutas indispensáveis à preservação do meio ambiente são consideradas bens a) de uso comum do povo de titularidade dos municípios. b) de uso especial de titularidade dos estados. c) dominicais de titularidade dos estados. d) de uso comum do povo de titularidade da União. e) dominicais de titularidade da União.

5) (Juiz TJ/PA 2019 CEBRASPE) As terras devolutas são A) terras de propriedade da União que não têm afetação específica e que, portanto, são consideradas disponíveis. B) terras públicas que estão afetadas a um uso público, mas que ainda não foram arrecadadas por ações discriminatórias. C) terras públicas ou privadas localizadas em faixas de fronteira, reservas indígenas ou terrenos de marinha. D) terras públicas ou privadas consideradas indispensáveis à defesa de fronteira e à preservação ambiental. E) terras públicas não incorporadas a patrimônio particular e que não estejam afetadas a qualquer uso público.

6) O art. 927, parágrafo único, do Código Civil é compatível com o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, sendo constitucional a responsabilização objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho nos casos especificados em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva, e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade. ( )

7) (Delegado PC/RS 2018 FUNDATEC) Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade desenvolvida implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. ( )

8) A determinação de realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri não contraria o princípio constitucional da soberania dos vereditos quando a decisão for manifestamente contrária à prova dos autos. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. C 4. Letra E 5. Letra E 6. C 7. C 8. C

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Informativo 969-STF (19/03/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

OUTRAS INFORMAÇÕES

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos Julgamentos por meio

eletrônico*

Em curso Finalizados

Pleno 11.03.2020 12.03.2020 1 3 101

1ª Turma 10.03.2020 — 3 8 89

2ª Turma 10.03.2020 — 1 1 162

* Emenda Regimental 52/2019-STF. Sessão virtual de 6 a 12 de março de 2019.

CLIPPING DAS SESSÕES VIRTUAIS DJE DE 9 A 13 DE MARÇO DE 2020

ADI 4.907 RELATOR: MIN. EDSON FACHIN Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 14.150/2012 do Estado do Rio Grande do Sul, nos termos do voto do Relator. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 7.2.2020 a 13.2.2020. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 14.150/2012 DO RIO GRANDE DO SUL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE TELECOMUNICAÇÃO. PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO DA AÇÃO. 1. A Lei 14.150/2012 que veda a cobrança, no âmbito daquele Estado, das tarifas de assinatura básica pelas concessionárias prestadoras de serviços de telefonia fixa e móvel, afronta o artigo 22, IV, CRFB. 2. É da competência privativa da União legislar sobre telecomunicação (art. 22, IV, CRFB). Inconstitucionalidade formal de legislação estadual ou distrital que trata da matéria. Precedentes. 3. Pedido na ação direta de inconstitucionalidade julgado procedente. AG.REG. NA ADI 5.922 RELATOR: MIN. LUIZ FUX Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 7.2.2020 a 13.2.2020. EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 47, § 3º, DA LEI FEDERAL 9.504/1997, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI FEDERAL 11.300/2006. CRITÉRIO DE REPARTIÇÃO DO TEMPO DE PROPAGANDA ELEITORAL NO RÁDIO E NA TELEVISÃO ENTRE AS AGREMIAÇÕES PARTIDÁRIAS. PEDIDO DE INTERPETAÇÃO CONFORME AOS ARTIGOS 1º, V; 5º, CAPUT; E 17, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PARA QUE SEJAM OBSERVADAS AS ALTERAÇÕES NAS BANCADAS DOS PARTIDOS APÓS A ÚLTIMA ELEIÇÃO. QUESTÃO TAMBÉM VERSADA NO ARTIGO 47, § 7º, DA LEI FEDERAL 9.504/1997 E NO ARTIGO 48, §§ 1º, 3º E 4º, DA RESOLUÇÃO 23.551/2017 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DA TOTALIDADE DO COMPLEXO NORMATIVO QUE DISCIPLINA A MATÉRIA. VÍCIO PROCESSUAL QUE COMPROMETE O INTERESSE DE AGIR. INVIABILIDADE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO. DISPOSITIVOS QUE SE ENCONTRAM NO MESMO PATAMAR NORMATIVO E DE VALIDADE. INSTRUMENTO QUE NÃO SE PRESTA A SUPRIR CARÊNCIAS NO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A repartição do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão conforme a representação de cada partido político na Câmara dos Deputados resultante da última eleição, controvérsia a que se cinge a presente ação, é versada no artigo 47, § 3º, da Lei federal 9.504/1997, que se pleiteia a interpretação conforme a Constituição Federal para que sejam consideradas na referida repartição as alterações de filiação partidária ocorridas durante a legislatura; e também no artigo 47, § 7º, da Lei federal 9.504/1997, bem como no artigo 48, §§ 1º, 3º e 4º, da Resolução 23.551/2017 do Tribunal Superior Eleitoral, normas que não foram impugnadas. 3. A ausência de impugnação da totalidade do complexo normativo que rege a matéria configura vício processual que compromete o interesse de agir em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes: ADI 2.595-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, DJe de 2/2/2018; ADI 4.342-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Julgado em 2/2/2018; ADI 3.148, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJe de 29/9/2011; ADI 2.422-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJe de

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30/10/2014; ADI 2.423-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJe de 30/10/2014. 4. A inexistência de dependência normativa inviabiliza eventual declaração de inconstitucionalidade por arrastamento dos dispositivos não impugnados. Precedente: ADI 2.895, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ de 20/5/2005. 5. A declaração de inconstitucionalidade por arrastamento ou atração não se presta a suprir carências no exercício do direito de ação. Precedentes: ADI 4.647, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, DJe de 21/6/2018; ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJ de 23/4/2004; ADI 1.775, Rel. Min. Maurício Corrêa, Plenário, DJ de 18/5/2001. 6. Agravo a que se NEGA PROVIMENTO. AG.REG. NA ADPF 554 RELATOR: MIN. LUIZ FUX Decisão: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 7.2.2020 a 13.2.2020. EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NA ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROLATADO NO JULGAMENTO DE ADI ESTADUAL, QUE REPUTOU INCONSTITUCIONAL A EMENDA CONSTITUCIONAL ESTADUAL 46/2018. CONTROVÉRSIA A RESPEITO DA TITULARIDADE DA INICIATIVA LEGISLATIVA PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO TETO REMUNERATÓRIO PREVISTO NO ARTIGO 37, § 12, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DECISÃO JUDICIAL IMPUGNADA EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. NÃO SATISFAÇÃO DO REQUISITO DA SUBSIDIARIEDADE. ARTIGO 4º, § 1º, DA LEI FEDERAL 9.882/1999. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A arguição por descumprimento de preceito fundamental somente é cabível quando não houver outro meio eficaz de sanar a lesividade (artigo 4º, § 1º, da Lei federal 9.882/1999). 2. A subsidiariedade da arguição é condicionada pelo meio eficaz de sanar a lesão, compreendido no contexto da ordem constitucional global como aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata. Precedentes: ADPF 33, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJ de 27/10/2006; ADPF 237-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJe de 30/10/2014. 3. O cabimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental deve ser aferido, via de regra, em face das demais ações de controle abstrato. Precedente: ADPF 390-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, DJe de 8/8/2017. 4. A mera inexistência de ação constitucional não se mostra suficiente para afastar a cláusula de subsidiariedade, contanto esteja presente outro meio eficaz de solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata. Precedentes: ADPF 617-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, julgado em 29/11/2019; ADPF 283-AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Plenário, DJe de 8/8/2019; ADPF 145-AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Plenário, DJe de 12/9/2017; ADPF 319-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, DJe de 19/12/2014. 5. A interposição de recurso extraordinário em face de acórdão proferido em ação objetiva, ajuizada no âmbito estadual, quando coincidem os parâmetros de constitucionalidade da ação direta de inconstitucionalidade estadual e do controle concentrado realizado pelo Supremo Tribunal Federal, confere eficácia geral à declaração de inconstitucionalidade, de modo que se revela como meio eficaz de solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata. 6. In casu, o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, prolatado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual 2116917-44.2018.8.26.0000, que reputou inconstitucional a Emenda Constitucional estadual 46/2018, é objeto de recurso extraordinário cujo mérito já foi julgado por esta Corte (ARE 1.222.297-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe de 21/11/2019). 7. Não atendimento do requisito da subsidiariedade. 8. Agravo a que NEGA PROVIMENTO. ADI 4.388 RELATORA: MIN. ROSA WEBER Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta e julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade formal e material da expressão "e não passível de correção com a utilização de prótese, aparelho auditivo, tratamento clínico ou cirúrgico", contida no § 1º do artigo 3°, bem como dos incisos I, de forma integral, e II, quanto à expressão "ou ainda que a perda causada por esta deficiência seja passível de correção mediante a utilização de aparelhos corretivos", do artigo 4º, todos da Lei nº 14.715, de 04 de fevereiro de 2004, do Estado de Goiás, nos termos do voto da Relatora. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 21.2.2020 a 2.3.2020. EMENTA CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL DE PARTE DO §1º DO ARTIGO 3°, BEM COMO DOS INCISOS I E II DO ARTIGO 4º DA LEI Nº 14.715, DE 04 DE FEVEREIRO DE 2004, DO ESTADO DE GOIÁS POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE, DA DIGNIDADE HUMANA E DO QUANTO DISPOSTO NOS ARTS. 7º, XXXI; 23, II; 24, XIV; 37, VIII; 203, IV; e 227, II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADES FORMAL E MATERIAL RECONHECIDAS. PROCEDÊNCIA. 1. A legislação sobre a proteção e a integração social das pessoas portadoras de deficiência é prevista constitucionalmente como de competência concorrente pelo artigo 24, XIV, da Constituição da República. Ao Estado é permitido o exercício da competência plena

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apenas na ausência de legislação federal que fixe as normas gerais (§ 3º). Existência, ao tempo da vigência da lei estadual impugnada, de lei federal acerca da proteção e da integração social das pessoas portadoras de deficiência. Legislação estadual com normas que contrastam com a normativa geral nacionalmente estabelecida. Inconstitucionalidade formal verificada. 2. A lei impugnada fragiliza o princípio constitucional da igualdade e a proteção à dignidade humana. Inconstitucionalidade material por apresentar infundados limites à sistemática de inclusão almejada e delineada pela Constituição da República. 3. Pedido da ação direta de inconstitucionalidade julgado procedente. ADI 4.573 RELATOR: MIN. LUIZ FUX Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação direta e julgou parcialmente procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade formal dos artigos 4° e 11 da Lei nº 15.168/2010 do Estado de Santa Catarina, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 14.2.2020 a 20.2.2020. EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 15.168/10 DO ESTADO DE SANTA CATARINA, QUE "DISPÕE SOBRE A INFRAESTRUTURA E EQUIPAMENTOS DE SEGURANÇA E ACESSIBILIDADE PARA AS FORMAS DE MOBILIDADE NÃO MOTORIZADAS E ADOTA OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE TRÂNSITO. OFENSA AO ARTIGO 22, INCISO XI, DA CRFB. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DOS ARTIGOS 4° e 11 DO DIPLOMA IMPUGNADO. MATÉRIA ESPECÍFICA DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. LEI 9.503/97. PRECEDENTES. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DA INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO PARA CRIAR ATRIBUIÇÕES PARA OS ÓRGÃOS DE TRÂNSITO ESTADUAIS. INOCORRÊNCIA. DISPOSITIVOS MERAMENTE PROGRAMÁTICOS. ACESSIBILIDADE E MOBILIDADE URBANA. COMPETÊNCIA COMUM E CONCORRENTE. ARTIGOS 23, INCISOS II, VI E XII; E 24, INCISO XIV DA CRFB. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. A Constituição federal, nos termos do seu artigo 22, XI, erigiu a uniformidade nacional como diretriz para o disciplinamento do trânsito e transporte, de sorte que cabe somente à União dispor sobre a matéria. 2. In casu, invadem o campo da competência privativa da União os artigos 4º e 11 da Lei estadual 15.168, de 11 de maio de 2010, porquanto o real escopo do diploma estadual, naqueles artigos, é a conceituação de elementos do trânsito (artigo 4º) e a especificação das formas de sinalização de trânsito das ciclovias, ciclo faixas, passeios, vias de tráfego não motorizado compartilhado e passarela (art. 11). 3. Os artigos 1º a 3º e 5º a 10 da norma estadual, a seu turno, estão inseridos na competência do ente federativo para tratar do sistema viário e da mobilidade urbana, consoante estabelecido pelo artigo 22, XXI, da CRFB e densificado pelas Leis federais 12.379/2011 e 12.587/2012. 4. O artigo 16 da Lei 15.168/2010 do Estado de Santa Catarina disciplina os programas de capacitação, habilitação e educação para o trânsito, matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ex vi do artigo 23, XII, da CRFB. 5. A autorização para que o Poder Executivo estadual crie unidade administrativa e técnica específica para o planejamento e implantação das estruturas previstas naquela Lei e institua fomento a empresas privadas e prefeituras municipais com o fito de incrementar a segurança e a mobilidade urbana (artigos 17, 19 e 20) não afronta o princípio da separação dos Poderes, nem cria despesa sem a respectiva fonte de custeio, porquanto compreende mera possibilidade futura de desenvolvimento de políticas públicas, sem a imposição de quaisquer medidas concretas e imediatas. 6. A obrigação de planejamento contida no art. 18 da Lei estadual não passa de explicitação de poder-dever já cominado à Administração Pública do Estado-membro, seja explicitamente, pelo art. 25, §3º da Carta Maior – que diz respeito à instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum – seja implicitamente, pelo princípio geral da eficiência que deve reger todo o atuar administrativo. Trata-se, ademais, de determinação consentânea com as diretrizes contidas na Lei 2.587/2012, que estabelece a Política Nacional de Mobilidade Urbana. 7. Os artigos 12 a 14 da Lei em apreço têm o claro objetivo de promover o acesso das pessoas com deficiência às vias e edifícios públicos, em cumprimento ao que estipulam os artigos 23, II e 24, I e XIV da CRFB, inexistindo, portanto, ofensa à distribuição constitucional das competências legislativas. Precedente: ADI 903, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 22/5/2013. 8. Ação CONHECIDA e julgada PARCIALMENTE PROCEDENTE para declarar a inconstitucionalidade formal dos artigos 4° e 11 da Lei 15.168/2010 do Estado de Santa Catarina. ADI 5.026 RELATORA: MIN. ROSA WEBER Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta e julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade material do artigo 89, § 1º, da Lei nº 7.114/2009 do Estado de Alagoas, nos termos do

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voto da Relatora. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 21.2.2020 a 2.3.2020. EMENTA CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AUXÍLIO-DOENÇA E ABONO DE PERMANÊNCIA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 53 E 89, § 1º, DA LEI Nº 7.114/2009 DO ESTADO DE ALAGOAS, QUE REESTRUTURA O REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES ESTADUAIS, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 5º, XXXVI, 37, XV, 40, § 19, E 194, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. Alegação de inconstitucionalidade material do artigo 53 da lei combatida, que prevê a forma de cálculo da renda mensal do benefício previdenciário de auxílio-doença com estipulação de valor inferior ao do rendimento efetivo do servidor. Inexistência de afronta aos princípios da irredutibilidade dos vencimentos e dos benefícios (artigos 37, XV, e 194, parágrafo único, da Constituição Federal). Os vencimentos recebidos pelo servidor público, pagos em contraprestação pelo seu labor, não se confundem com os valores auferidos a título de benefício previdenciário. O regime previdenciário possui natureza contributiva e solidária, que deve observar o equilíbrio financeiro e atuarial (art. 40, CF, e art. 1º, Lei 9.717/98). A vedação que decorre da Constituição Federal é a do pagamento de benefícios com valores inferiores ao do salário mínimo, como estatui o seu artigo 201, § 2. A forma de cálculo do benefício de auxílio-doença pode ser parametrizada pelos Estados como decorrência da sua autonomia. O texto normativo impugnado guarda conformidade e convergência com o desenho constitucional estabelecido para a organização e o funcionamento dos regimes próprios dos servidores públicos dos Estados. Ausência de violação dos parâmetros constitucionais invocados. 2. O abono de permanência deve ser concedido uma vez preenchidos os seus requisitos, sem necessidade de formulação de requerimento ou outra exigência não prevista constitucionalmente. A jurisprudência desta Suprema Corte tem afirmado que cumpridas as condições para o gozo da aposentadoria, o servidor que decida continuar a exercer as atividades laborais tem direito ao aludido abono sem qualquer tipo de exigência adicional. Precedentes. Súmula 359 deste Supremo Tribunal Federal. O artigo 89, § 1º, da Lei alagoana nº 7.114/2009, ao prever que “o pagamento do Abono de Permanência será devido a partir do mês subsequente ao que for requerido”, impõe condições não constitucionalmente assentadas e afronta, por conseguinte, o direito adquirido do servidor. Inconstitucionalidade material por violação dos artigos 5º, XXXVI, e 40, §19, da Constituição da República. 3. Pedido julgado parcialmente procedente, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 89, § 1º, da Lei nº 7.114/2009 do Estado de Alagoas. ADI 5.400 RELATOR: MIN. LUIZ FUX Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da ação direta e julgou improcedente o pedido, nos termos do voto do Relator. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 14.2.2020 a 20.2.2020. EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 4º; 6º, CAPUT E §§ 2º, 4º E 5º; 7º, PARTE FINAL; E 11, § 1º, DA LEI 17.170/2012 DO ESTADO DO PARANÁ. REMUNERAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS POR MEIO DE SUBSÍDIO. FIXAÇÃO DE PARCELA ÚNICA COM VALORES ESCALONADOS CONFORME O TEMPO DE SERVIÇO. OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 39, § 4º, E 144, § 9º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE OFENSA AO MANDAMENTO DO ARTIGO 7º, XXX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AÇÃO CONHECIDA E JULGADO IMPROCEDENTE O PEDIDO. 1. O regime de subsídio, atualmente adotado pela Constituição Federal, tem como característica fundamental o pagamento de parcela remuneratória única, em prol da transparência, moralidade, impessoalidade e isonomia salarial entre servidores públicos (artigo 39, § 4º, da Constituição Federal). 2. A fixação de diferentes valores de subsídios para refletir o escalonamento dos cargos em níveis crescentes de responsabilidade, complexidade e antiguidade é consequência lógica desse sistema remuneratório, mercê da necessidade de os servidores estarem organizados em carreira para a adoção do subsídio (artigo 39, § 8º, da Constituição Federal), sendo, ainda, consentânea com a eficiência e isonomia e previsibilidade que devem nortear o atuar administrativo. Precedente: ADI 4898, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 4/10/2019, DJe de 21/10/2019. 3. A adoção do tempo de serviço para fins de escalonamento dos subsídios de servidores públicos caracteriza discrímen razoável que não ofende o disposto no artigo 7º, XXX, da Constituição Federal. 4. In casu, os artigos 4º; 6º, caput e §§ 2º, 4º e 5º; 7º, parte final; e 11, § 1º, da Lei 17.170/2012 do Estado do Paraná reestruturaram o sistema remuneratório dos policiais civis e delegados de polícia civil do Estado, fixando contraprestação por subsídio, escalonado a carreira em diversas classes e referências, estabelecendo, para tanto, o enquadramento dos servidores nas respectivas referências de subsídio conforme o número de adicionais por tempo de serviço, bem como a progressão funcional a cada 5 (cinco) ou 2 (dois) anos de efetivo serviço, de acordo com a carreira e a referência na classe. O escalonamento dos subsídios conforme o tempo de serviço, na hipótese, observou a necessidade de pagamento em parcela única, em respeito ao disposto nos artigos 39, § 4º, e 144, § 9º, da Constituição Federal. 5. Ação direta de inconstitucionalidade CONHECIDA e julgado IMPROCEDENTE o pedido.

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ADPF 482 RELATOR: MIN. ALEXANDRE DE MORAES Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu da arguição de descumprimento de preceito fundamental, confirmou a medida cautelar e julgou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da decisão administrativa proferida pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no pedido de providências (PP) 0.00.000.000229/2015-39, nos termos do voto do Relator. Os Ministros Edson Fachin e Luiz Fux acompanharam o Relator com ressalvas. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 21.2.2020 a 2.3.2020. EMENTA: CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E MINISTÉRIO PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE UMA ÚNICA CARREIRA COMUM A TODOS OS MINISTÉRIOS PÚBLICOS ESTADUAIS E AO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA REMOÇÃO, POR PERMUTA NACIONAL, ENTRE MEMBROS DE MINISTÉRIOS PÚBLICOS DIVERSOS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. SÚMULA VINCULANTE 43 DO STF. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL CONHECIDA E JULGADA PROCEDENTE. 1. O Ministério Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados são disciplinados por leis complementares próprias, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, as quais estabelecem a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público (art. 128, § 5º, da CF). 2. Por força do princípio da unidade do Ministério Público (art. 127, § 1º, da CF), os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção única de um só Procurador-Geral. Só existe unidade dentro de cada Ministério Público, não havendo unidade entre o Ministério Público de um Estado e o de outro, nem entre esses e os diversos ramos do Ministério Público da União. 3. A remoção, por permuta nacional, entre membros do Ministério Público dos Estados e entre esses e membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, admitida na decisão impugnada, equivale à transferência, ou seja, forma de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, vedada pelo art. 37, II, da Constituição Federal e pela Súmula Vinculante 43, segundo a qual “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”. 4. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental conhecida e julgada procedente.

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 9 A 13 DE MARÇO DE 2020

Lei nº 13.980, de 11.3.2020 - Altera a Lei nº 11.664, de 29 de abril de 2008, que “dispõe sobre a efetivação de ações de saúde que assegurem a prevenção, a detecção, o tratamento e o seguimento dos cânceres do colo uterino e de mama, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS”, para garantir a realização de ultrassonografia mamária. Publicado no DOU em 12.03.2020, Seção 1, Edição 49, p. 1.

OUTRAS INFORMAÇÕES 9 A 13 DE MARÇO DE 2020

Decreto nº 10.270, de 6.3.2020 - Institui o Grupo de Trabalho de Avaliação Nacional de Riscos de Lavagem de Dinheiro, Financiamento do Terrorismo e Financiamento da Proliferação de Armas de Destruição em Massa. Publicado no DOU em 9.03.2020, Seção 1, Edição 46, p.3. Decreto nº 10.271, de 6.3.2020 - Dispõe sobre a execução da Resolução GMC nº 37/19, de 15 de julho de 2019, do Grupo Mercado Comum, que dispõe sobre a proteção dos consumidores nas operações de comércio eletrônico. Publicado no DOU em 9.03.2020, Seção 1, Edição 46, p. 3. Decreto nº 10.272, de 12.3.2020 - Altera o Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004, que regulamenta a comercialização de energia elétrica, o processo de outorga de concessões e de autorizações de geração de energia elétrica. Publicado no DOU em 13.03.2020, Seção 1, Edição 50, p. 1.

Supremo Tribunal Federal – STF Secretaria de Documentação

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