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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 663-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO AGENTES PÚBLICOS Os médicos cooperados estrangeiros não possuem direito adquirido de permanecer no Projeto Mais Médicos. DIREITO CIVIL SEGURO A cláusula de reajuste por faixa etária em contrato de seguro de vida é legal, ressalvadas as hipóteses em que o contrato já tenha previsto alguma outra técnica de compensação do desvio de risco dos segurados idosos. INVENTÁRIO A fixação de determinado valor a ser recebido mensalmente pelo herdeiro a título de adiantamento de herança não configura o negócio jurídico processual atípico do art. 190 do CPC/2015. É possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado. DIREITO DO CONSUMIDOR PUBLICIDADE ENGANOSA A ausência de informação relativa ao preço, por si só, não caracteriza publicidade enganosa. DIREITO EMPRESARIAL FALÊNCIA O síndico (atual administrador judicial) deve prestar contas também dos atos realizados pelo gerente que ficar responsável pela continuidade provisória das atividades do falido. RECUPERAÇÃO JUDICIAL Compete ao juízo da recuperação judicial o julgamento de tutela de urgência que tem por objetivo antecipar o início do stay period ou suspender os atos expropriatórios determinados em outros juízos, antes mesmo de deferido o processamento da recuperação. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA DOS PROGRAMAS DE RÁDIO E TV Emissora de TV pode ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em razão da exibição de filme fora do horário recomendado pelo Ministério da Justiça. DIREITO PROCESSUAL CIVIL CUMPRIMENTO DE SENTENÇA O credor pode optar pela remessa dos autos ao foro de domicílio do executado, mesmo após o início do cumprimento de sentença. Para incidência da multa do art. 523, § 1º, do CPC, é preciso a efetiva resistência do executado ao cumprimento de sentença.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 663-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

AGENTES PÚBLICOS ▪ Os médicos cooperados estrangeiros não possuem direito adquirido de permanecer no Projeto Mais Médicos.

DIREITO CIVIL

SEGURO ▪ A cláusula de reajuste por faixa etária em contrato de seguro de vida é legal, ressalvadas as hipóteses em que o

contrato já tenha previsto alguma outra técnica de compensação do desvio de risco dos segurados idosos. INVENTÁRIO ▪ A fixação de determinado valor a ser recebido mensalmente pelo herdeiro a título de adiantamento de herança não

configura o negócio jurídico processual atípico do art. 190 do CPC/2015. ▪ É possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e

estiverem assistidos por advogado.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PUBLICIDADE ENGANOSA ▪ A ausência de informação relativa ao preço, por si só, não caracteriza publicidade enganosa.

DIREITO EMPRESARIAL

FALÊNCIA ▪ O síndico (atual administrador judicial) deve prestar contas também dos atos realizados pelo gerente que ficar

responsável pela continuidade provisória das atividades do falido. RECUPERAÇÃO JUDICIAL ▪ Compete ao juízo da recuperação judicial o julgamento de tutela de urgência que tem por objetivo antecipar o início

do stay period ou suspender os atos expropriatórios determinados em outros juízos, antes mesmo de deferido o processamento da recuperação.

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA DOS PROGRAMAS DE RÁDIO E TV ▪ Emissora de TV pode ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em razão da exibição

de filme fora do horário recomendado pelo Ministério da Justiça.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA ▪ O credor pode optar pela remessa dos autos ao foro de domicílio do executado, mesmo após o início do cumprimento

de sentença. ▪ Para incidência da multa do art. 523, § 1º, do CPC, é preciso a efetiva resistência do executado ao cumprimento de

sentença.

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EXECUÇÃO ▪ Não tendo sido prestada garantia real, é desnecessária a citação em ação de execução, como litisconsorte passivo

necessário, do cônjuge que apenas autorizou seu consorte a prestar aval. ▪ Juiz, no despacho inicial da execução, fixou os honorários advocatícios; esse valor é, em princípio, provisório; ocorre

que, no curso da execução, foi firmado acordo entre as partes, sem nada dispor sobre honorários; o advogado poderá executar esse valor fixado no despacho inicial.

DIREITO PENAL

ESTELIONATO ▪ A competência para julgar estelionato que ocorre mediante depósito ou transferência bancária é do local da agência

beneficiária do depósito ou transferência bancária (local onde se situa a agência que recebeu a vantagem indevida). LEI ANTITERRORISMO ▪ Para que se configure o crime do art. 5º da Lei nº 13.260/2016 (atos preparatórios de terrorismo) exige-se que o

sujeito tenha agido por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA ▪ Não é cabível a realização de audiência de custódia por meio de videoconferência RECURSOS ▪ Depois do trânsito em julgado, defesa impetrou HC pedindo a anulação do acórdão do TJ; STJ concedeu a ordem; TJ

rejulgou e manteve a condenação; MP interpõe recurso especial para aumentar a pena; STJ não pode majorar a pena porque isso seria reformatio in pejus indireta.

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS ▪ A norma do art. 20, § 6º, I, da LC 87/96 não confere o crédito a quem promove as saídas isentas, mas ao contribuinte

que adquire os produtos agropecuários ao abrigo da isenção.

DIREITO ADMINISTRATIVO

AGENTES PÚBLICOS Os médicos cooperados estrangeiros não possuem direito adquirido

de permanecer no Projeto Mais Médicos

Inexiste direito adquirido para os médicos cooperados estrangeiros de permanecer nos quadros de agentes públicos da saúde pública, ainda que já tenham sido vinculados ao Projeto Mais Médicos para o Brasil.

STJ. 2ª Turma. RO 213-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/12/2019 (Info 663).

Imagine a seguinte situação hipotética: Juan, nacional de Cuba, veio ao Brasil para participar do Projeto “Mais Médicos”. O “Mais Médicos” foi um programa instituído pela Medida Provisória 691/2013, depois convertida na Lei nº 12.871/2013, que teve o objetivo de diminuir a carência de médicos nas regiões mais distantes do país. Depois de alguns anos atuando no “Mais Médicos”, o Governo brasileiro decidiu não renovar o prazo de permanência de Juan no projeto. Isso porque chegou ao fim o instrumento de cooperação que havia entre Brasil e Cuba (com a interveniência da Organização Pan - Americana de Saúde - OPAS). Logo, este profissional não pode mais permanecer no Projeto.

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Inconformado com a sua exclusão, Juan decidiu ajuizar ação ordinária contra a União, a República de Cuba e a Organização Pan - Americana de Saúde (OPAS) pedindo para ser mantido no programa. Obs: a OPAS é um organismo internacional, ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo responsável, no projeto, por selecionar e trazer os médicos cubanos para participar do Mais Médicos. Assim, os médicos cubanos que participaram do projeto não o fizeram individualmente, mas sim por meio de cooperação firmada entre o Brasil, a OPAS e Cuba. Por isso, os médicos cubanos eram chamados de médicos cooperados. Juan alegou, na ação, que possui direito a um tratamento igual aos demais médicos também integrantes deste programa social e que permaneceram no projeto como agentes públicos de saúde pública, sem a interveniência do seu país de origem ou da OPAS. De quem é a competência para julgar essa ação? Justiça Federal de 1ª instância, nos termos do art. 109, incisos I e II, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; (...)

A causa é de competência da Justiça Federal por dois motivos: • por ter sido proposta contra a União (inciso I); e • por ter sido ajuizada por pessoa domiciliada no Brasil contra Estado estrangeiro e organismo internacional. Os organismos (ou organizações) internacionais são entidades criadas e compostas por Estados, por meio de tratado, para a realização de propósitos comuns (PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 2ª ed., Salvador: JusPodivm, 2010, p. 143). Como exemplos, podemos citar o FMI, a ONU, a OMS, o BIRD, a OIT, a OMC, a OEA, a Cruz Vermelha, entre outros. Sentença do Juiz Federal O Juiz Federal julgou improcedente o pedido afirmando, dentre outros argumentos, o programa sempre teve nítido caráter precário e que o médico intercambista não possui direito subjetivo à prorrogação do prazo da sua participação no projeto, tendo em vista a discricionariedade do Poder Executivo prevista no art. 13 da Lei nº 12.871/2013. O médico não se conformou e quis recorrer contra a sentença? Qual é o recurso cabível neste caso? Recurso ordinário constitucional, dirigido ao STJ, nos termos do art. 105, II, “c”, da CF/88:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (...) II - julgar, em recurso ordinário: (...) c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País;

Trata-se de interessante hipótese na qual o STJ julgará um recurso contra sentença de juiz federal. Vamos agora aprender ou relembrar outro ponto interessante. Quem julga as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território? Trata-se de competência do STF, nos termos do art. 102, I, e, da CF/88:

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Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;

Portanto, não confunda:

Estado estrangeiro x Município Organismo internacional x Município

Estado estrangeiro x União, Estado, DF Organismo internac x União, Estado, DF

Competência do Juiz Federal (1ª instância), com recurso para o STJ

Competência originária do STF

Voltando ao caso concreto. O STJ manteve a sentença do Juiz Federal? SIM. O STJ decidiu que:

Os médicos cooperados estrangeiros não possuem direito adquirido de permanecer nos quadros de agentes públicos da saúde pública, ainda que já tenham sido vinculados ao Projeto Mais Médicos para o Brasil. STJ. 2ª Turma. RO 213-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05/12/2019 (Info 663).

Conforme já explicado, a contratação de médicos estrangeiros foi instituída pela Lei nº 12.871/2013, que criou o “Programa Mais Médicos” com a finalidade de formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde. Uma das características deste projeto é a inexistência de direito adquirido para os médicos estrangeiros de permanecer nos quadros de agentes públicos da saúde pública. Isso ficou expressamente previsto nos arts. 17 e 18, § 3º, da Lei nº 12.871/2013:

Art. 17. As atividades desempenhadas no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil não criam vínculo empregatício de qualquer natureza. Art. 18. O médico intercambista estrangeiro inscrito no Projeto Mais Médicos para o Brasil fará jus ao visto temporário de aperfeiçoamento médico pelo prazo de 3 (três) anos, prorrogável por igual período em razão do disposto no § 1º do art. 14, mediante declaração da coordenação do Projeto. (...) § 3º É vedada a transformação do visto temporário previsto neste artigo em permanente.

Assim, com o fim da cooperação Brasil - Cuba, aquele profissional não pode visar a sua permanência no “Projeto Mais Médicos para o Brasil” a partir da condição de ser (ou de já ter sido) vinculado a esse programa social. O art. 13, § 3º, acima transcrito confirma a discricionariedade da coordenação do Projeto Mais Médicos para o Brasil (exercida pelos Ministérios da Educação e da Saúde). Não cabe ao Judiciário intervir no juízo de discricionariedade, salvo para afastar ilegalidades. Não demonstradas violações de preceitos constitucionais e infraconstitucionais, não é possível garantir a permanência do recorrente no "Projeto Mais Médicos para o Brasil".

Lei nº 12.871/2013 deve ser interpretada com base nas relações internacionais do Brasil já que não existe disposição constitucional expressa tratando sobre o tema Não há disposições constitucionais determinando a contratação de estrangeiros pelo Poder Público no âmbito da saúde pública. Ademais, tem-se que o termo cooperação em atos do Poder Executivo regulamentando a Lei nº 12.871/2013 deve ser interpretado à luz dos princípios que o Brasil deve observar em suas relações internacionais. Assim, o termo “cooperação” não pode se restringir às especificidades

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do trabalho de um cidadão estrangeiro. A finalidade desse termo comporta significado muito maior, trata-se, na verdade, de uma cooperação mútua entre os povos com o fim de promover o progresso da humanidade, tal como dispõe a norma expressa do art. 4º, IX, da CF/88.

Houve violação ao princípio da isonomia? NÃO. Isso porque os médicos cubanos (“médicos cooperados”) estavam em uma situação jurídica diferente dos demais. O médico cooperado não se encontra em igualdade com outros médicos estrangeiros porque a sua contratação não pode ser realizada pessoalmente, necessitando a intervenção de uma organização internacional, no caso, a Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS. A contratação dos médicos cubanos se deu por meio de acordo bilateral firmado entre a República Federativa do Brasil e a República de Cuba, bem como por intermédio de contrato de trabalho firmado entre cada um dos autores e La Sociedad mercantil cubana comercializadora de Serviços Médicos Cubanos S.A., o que afasta a alegação de quebra de isonomia, haja vista não se tratar de situações idênticas.

Não houve violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho Não se observa desrespeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Não há indícios de que os médicos cooperados suportaram tratamentos autoritários contra a sua concepção de pessoa. Não se verifica, ademais, que o valor social do trabalho realizado no programa lhes foi negligenciado. Além disso, o valor da remuneração líquida do médico cooperado não denota violação do princípio do valor do trabalho porque supera o salário mínimo e porque o recorrente aderiu espontaneamente aos termos previstos junto à OPAS.

Programa “Médicos pelo Brasil” Em 2019, por meio da Medida Provisória 890/2019, convertida na Lei nº 13.958/2019, o Governo Federal instituiu um novo programa chamado “Médicos pelo Brasil”. O objetivo é que o “Médicos pelo Brasil” vá substituindo gradativamente o “Mais Médicos”. Vale ressaltar que a Lei nº 13.958/2019 não altera a execução do Projeto Mais Médicos para o Brasil, previsto na Lei nº 12.871/2013. O que irá acontecer é que o Brasil não mais irá, gradativamente, contratar médicos com base no Projeto Mais Médicos.

DIREITO CIVIL

SEGURO A cláusula de reajuste por faixa etária em contrato de seguro de vida é legal, ressalvadas as

hipóteses em que o contrato já tenha previsto alguma outra técnica de compensação do desvio de risco dos segurados idosos

Importante!!!

Mudança de entendimento!

Atualize o Info 561-STJ

Em regra, é válida a cláusula de reajuste por faixa etária em contrato de seguro de vida.

Essa cláusula somente não será válida nos casos em que o contrato já tenha previsto alguma outra técnica de compensação do “desvio de risco” dos segurados idosos, como nos casos de constituição de reserva técnica para esse fim, a exemplo dos seguros de vida sob regime da capitalização (em vez da repartição simples).

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 632.992/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 19/03/2019.

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STJ. 3ª Turma. REsp 1.816.750-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/11/2019 (Info 663).

O que é o contrato de seguro? No contrato de seguro, “o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados” (art. 757 do CC). Em outras palavras, no contrato de seguro, uma pessoa física ou jurídica (chamada de “segurada”) paga uma quantia denominada de “prêmio” para que uma pessoa jurídica (“seguradora”) assuma determinado risco. Caso o risco se concretize (o que chamamos de “sinistro”), a seguradora deverá fornecer à segurada uma quantia previamente estipulada (indenização). Ex.: João celebra um contrato de seguro do seu veículo com a seguradora X e todos os meses paga R$ 100,00 como prêmio; se, por exemplo, o carro for roubado (sinistro), a seguradora deverá pagar R$ 30 mil a título de indenização para o segurado. Nomenclaturas utilizadas nos contratos de seguro • Risco: é a possibilidade de ocorrer o sinistro. Ex.: risco de morte. • Sinistro: o sinistro é o risco concretizado. Ex.: morte. • Apólice (ou bilhete de seguro): é um documento emitido pela seguradora, no qual estão previstos os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário. • Prêmio: é a quantia paga pelo segurado para que o segurador assuma o risco. O prêmio deve ser pago depois de recebida a apólice. O valor do prêmio é fixado a partir de cálculos atuariais e o seu valor leva em consideração os riscos cobertos. • Indenização: é o valor pago pela seguradora caso o risco se concretize (sinistro). Imagine agora a seguinte situação hipotética: João, em 2010, fez um contrato de seguro de vida em favor de sua esposa e filhos. Na época, o segurado tinha 50 anos. O contrato tinha duração de 5 anos. Ao final do prazo de vigência do contrato, em 2015, João decidiu renová-lo por mais 5 anos. Em 2020, encerrou-se o prazo novamente e João procurou a seguradora para fazer a renovação mais uma vez. João, no entanto, surpreendeu-se porque o valor do prêmio cobrado pela seguradora para renovar o contrato estava 200% mais alto. A funcionária da empresa explicou que incide esse aumento porque o segurado (João) entrou na faixa de 60 anos de idade e que, a partir daí, os preços sobem mesmo. A atendente mostrou que esse incremento do prêmio pela faixa de preço estava previsto na cláusula 5.4.2 do contrato de seguro assinado. João ajuizou demanda pedindo a nulidade da cláusula de reajuste por faixa etária. O autor argumentou que a cláusula de contrato de seguro de vida que estabelece o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária mostra-se abusiva quando imposta ao segurado maior de 60 anos de idade e que conte com mais de 10 anos de vínculo contratual. João pediu que fossem aplicadas, ao caso concreto, por analogia, as regras previstas para os contratos de plano de saúde na forma do art. 15, parágrafo único, da Lei nº 9.656/98:

Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E. Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez anos.

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Para o requerente, a Lei nº 9.656/98 regula os planos e seguros de saúde, mas, diante da inexistência de lei específica para os seguros de vida, este diploma deveria ser aplicado por analogia. A tese de João encontra amparo na jurisprudência atual do STJ? Essa cláusula é nula pelo fato de João ter mais de 60 anos e contar com mais de 10 anos de contrato? NÃO. Essa tese já foi acolhida pelo STJ, no entanto, atualmente, não é mais aceita. Prevalece, atualmente, que, em regra, a cláusula de reajuste por faixa etária em contrato de seguro de vida é legal (válida). Vamos entender abaixo as razões que levaram o STJ a decidir assim. Fator etário integra o risco do contrato O fator etário, ou seja, a idade do segurado, integra diretamente o risco tanto do contrato de seguro saúde quanto do contrato de seguro de vida. Isso porque é óbvio que o avanço da idade aumenta o risco de sinistro em ambos os contratos, ou seja, aumenta os riscos de doença e de morte. Apenas a título de curiosidade, o gasto per capta com procedimentos médicos das pessoas da última faixa etária (acima de 59 anos) é 6,8 vezes mais alto do que o gasto da primeira (até 18 anos) e é mais que o dobro dos gastos da faixa etária anterior (de 54 a 58 anos) (CECHIN, José. Fatos da vida e o contorno dos planos de saúde. In: Planos de saúde: aspectos jurídicos e econômicos. Luiz A. F. Carneiro (coord). Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 208). Essa última faixa apresenta, portanto, um elevado desvio padrão, ou seja, os ocupantes dessa faixa se distanciam muito dos números das pessoas das demais faixas. Técnicas de gestão de risco (técnicas de compensação do desvio de risco) Para suportar esse desvio do padrão de risco, as seguradoras se utilizam de diversas técnicas de gestão de risco. Alguns exemplos das técnicas que são adotadas: a) a dispersão dos riscos: a seguradora se compromete a garantir apenas riscos isolados, de modo que um evento não afete todos os segurados ao mesmo tempo; b) pulverização do risco: técnica através da qual a seguradora limita sua cobertura em um valor, e tudo que exceder sua capacidade é transferido a outro segurador pelo resseguro ou cosseguro; c) seleção dos riscos (art. 757 CC): o segurador elimina o fator de risco, seja excluindo a cobertura de riscos elevados (p. ex., de doença preexistente à contratação), seja recusando a proposta de seguro; e d) a formação de reservas técnicas. Nesse sentido: PETERSON, Luiza Moreira. O risco no contrato de seguro. São Paulo: Roncarati, 2018, p. 114). Qual técnica é utilizada no caso dos seguros/planos de saúde? No caso dos seguros/planos de saúde, a legislação impõe às seguradoras uma técnica que mais se aproxima da pulverização do risco, pois o desvio de risco verificado na faixa etária dos assistidos idosos deve ser suportado, em parte, pelos clientes mais jovens, numa espécie de solidariedade intergeracional. Qual é a técnica utilizada no caso dos seguros de vida? No âmbito dos contratos de seguro de vida, não há uma norma impondo às seguradoras a adoção de uma ou outra técnica de compensação do “desvio de risco” dos segurados idosos. Diante da ausência de norma específica para a proteção dos segurados idosos nos contratos de seguro de vida, a jurisprudência da 3ª Turma do STJ aplicava, por analogia, a norma do art. 15 da Lei dos Planos de Saúde, acima transcrito. Nesse sentido: STJ. 3ª Turma. REsp 1.376.550-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 28/4/2015 (Info 561). Essa posição, no entanto, mudou.

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Não se deve aplicar a analogia porque são contratos de natureza distintas Não é possível aplicar, por analogia, a Lei dos Planos de Saúde para os contratos de seguro de vida. Isso porque são contratos que possuem natureza distintas e protegem bens de relevância diferente. • Direito à assistência à saúde (plano de saúde): está diretamente relacionada com o princípio da dignidade da pessoa humana; • Direito à indenização do seguro de vida: direito que não extrapola, em regra, a esfera patrimonial dos beneficiários desse contrato. A regra do art. 15 da Lei nº 9.656/98 justifica-se para os planos de saúde porque o idoso, muitas vezes depois de pagar o plano de saúde por anos, acabava impossibilitado de continuar com os pagamentos mensais no momento em que mais precisava da assistência médica e hospitalar devido aos aumentos desproporcionais no valor do prêmio. Hipótese bem diversa é a dos contratos de seguro de vida, cuja contratação tem por objetivo garantir um dinheiro para que a família do segurado receba como indenização em caso de sua morte. Ao contratar um seguro de vida, o segurado busca, em regra, proteger seus dependentes financeiros. Assim, os seus beneficiários designados terão direito ao capital estipulado na apólice para enfrentar, pelo menos por um período, as adversidades decorrentes da possível redução da renda familiar, caso o segurado venha a falecer de forma inesperada. Comprometimento do equilíbrio financeiro do contrato Desse modo, como não há previsão legal, não se pode proibir que as seguradoras estabeleçam em seus contratos de seguro de vida uma cláusula de reajuste por faixa etária, cobrando um prêmio maior dos segurados idosos, para compensar o desvio de risco verificado nessa classe de segurados. Se o Poder Judiciário fizesse a revisão desta cláusula para simplesmente eliminar o reajuste da faixa etária dos idosos isso comprometeria o equilíbrio financeiro do contrato de seguro de vida, pois todo o desvio de risco dos idosos passaria a ser suportado pelo fundo mútuo, sem nenhuma compensação no valor do prêmio. Não importa que o segurado já tenha mais de 10 anos de contrato O fato de o segurado já ter mais de 10 anos de contrato não modifica a situação. Isso porque o regime financeiro do contrato de seguro de vida é o da repartição simples. Logo, os prêmios arrecadados do segurado ao longo da vigência do contrato destinam-se ao pagamento dos sinistros ocorridos naquele período do contrato. Não se trata de contrato de capitalização. A seguradora não guarda para o futuro. Assim, findo o prazo do contrato, pouco importa quantas vezes ele tenha sido renovado. Isso porque não há uma reserva matemática vinculada a cada participante. Esse é também o entendimento da 4ª Turma do STJ:

A previsão de reajuste por implemento de idade, mediante prévia comunicação, quando da formalização da estipulação da nova apólice, não configura procedimento abusivo, sendo decorrente da própria natureza do contrato. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 632.992/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 19/03/2019.

Em suma:

Em regra, é válida a cláusula de reajuste por faixa etária em contrato de seguro de vida. Essa cláusula somente não será válida nos casos em que o contrato já tenha previsto alguma outra técnica de compensação do “desvio de risco” dos segurados idosos, como nos casos de constituição de reserva técnica para esse fim, a exemplo dos seguros de vida sob regime da capitalização (em vez da repartição simples). STJ. 3ª Turma. REsp 1.816.750-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 26/11/2019 (Info 663).

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

Mudança de entendimento Vale ressaltar que o julgado acima representa uma mudança de entendimento. Assim, por favor, faça anotações em seus livros e materiais de estudo: No Info 561 do STJ, o seguinte julgado está SUPERADO:

A cláusula de contrato de seguro de vida que estabelece o aumento do prêmio do seguro de acordo com a faixa etária mostra-se abusiva quando imposta ao segurado maior de 60 anos de idade e que conte com mais de 10 anos de vínculo contratual. STJ. 3ª Turma. REsp 1376550-RS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 28/4/2015 (Info 561).

A tese 3 do Jurisprudência em Teses do STJ (edição 98) também está SUPERADA: 3) Em decorrência da aplicação analógica do parágrafo único do art. 15 da Lei n. 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, é abusiva a cláusula que estabelece fatores de aumento do prêmio do seguro de vida de acordo com a faixa etária após o segurado completar 60 anos de idade e ter mais de 10 anos de vínculo contratual.

INVENTÁRIO A fixação de determinado valor a ser recebido mensalmente pelo herdeiro a título de adiantamento

de herança não configura o negócio jurídico processual atípico do art. 190 do CPC/2015

A fixação de determinado valor a ser recebido mensalmente pelo herdeiro a título de adiantamento de herança não configura negócio jurídico processual atípico na forma do art. 190, caput, do CPC/2015.

O acordo firmado entre os herdeiros para autorizar a retirada mensal dos valores não é um acordo puramente processual. Isso porque o seu objeto é o próprio direito material que se discute e que se pretende obter na ação de inventário, ou seja, a divisão do patrimônio do autor da herança. O que se está fazendo, portanto, é simplesmente antecipar a fruição e uso do direito material.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.738.656-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/12/2019 (Info 663).

Imagine a seguinte situação hipotética: João faleceu e deixou, como únicos herdeiros, seus quatro filhos: André, Bento, Carlos e Daniel. Foi aberto o inventário. O patrimônio de João era muito grande e envolvia participações societárias, de forma que a conclusão do inventário estava prevista para demorar bastante. Por esse motivo, os herdeiros combinaram que, enquanto não terminasse o inventário, cada herdeiro deveria receber um valor mensal a fim de custear as suas despesas do cotidiano. Esse valor seria considerado como um adiantamento da herança. Diante da manifestação de vontade dos herdeiros nesse sentido, o juiz fixou o valor mensal de R$ 20 mil para cada herdeiro, a ser pago pelo espólio. Passaram-se dois anos e o inventário não foi concluído. Diante disso, Daniel propôs aos irmãos que o valor dessa retirada mensal fosse aumentado para R$ 30 mil considerando que suas despesas cresceram. Os demais herdeiros não concordaram. Inconformado, Daniel decidiu formular o pedido de majoração ao Juiz responsável pelo inventário. O magistrado acolheu o pleito e aumentou o valor da retirada. André, Bento e Carlos não concordaram e decidiram recorrer contra a decisão.

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Qual é o recurso cabível neste caso? Agravo de instrumento, com base no art. 1.015, I, do CPC:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; (...)

Qual foi o principal argumento invocado no recurso? Argumentaram que eles (herdeiros), ao combinarem a concessão desse adiantamento, celebraram um negócio jurídico processual atípico, que se amolda ao art. 190, caput, do CPC/2015:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Logo, sendo um ajuste (um negócio jurídico processual) o juiz não poderia tê-lo modificado. Esse argumento foi acolhido pelo STJ? NÃO.

A fixação de determinado valor a ser recebido mensalmente pelo herdeiro a título de adiantamento de herança não configura negócio jurídico processual atípico na forma do art. 190, caput, do CPC/2015. STJ. 3ª Turma. REsp 1.738.656-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/12/2019 (Info 663).

Vamos entender com calma. O que são negócios jurídicos processuais? Negócio processual é um fato jurídico voluntário por meio do qual o sujeito regula, dentro dos limites fixados no ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais, podendo até mesmo alterar o procedimento (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 443). Negócios processuais unilaterais, bilaterais e plurilaterais Os negócios processuais podem ser: 1) Unilaterais: quando o sujeito, sem necessidade de acordo com a outra parte, pratica determinado ato que gera consequências no processo. Ex: desistência do recurso (art. 998 do CPC). 2) Bilaterais: quando há um acordo de vontades, uma combinação entre as partes. 3) Plurilaterais: quando a sua eficácia depende de um acordo de vontade das partes e do juiz (NEVES, Daniel Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2019, p. 390). É o caso, por exemplo, do calendário processual (art. 191). Negócios processuais típicos e atípicos Os negócios processuais podem ser típicos: 1) Típicos: quando o legislador prevê expressamente a possibilidade de a parte regular aquela situação jurídica. Exs: o foro de eleição (art. 63 do CPC), o calendário processual (art. 191), o acordo para a suspensão do processo (art. 313, II).

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2) Atípicos: ocorre quando as partes criam um ajuste que não foi previsto previamente pela lei. A autorização para negócios processuais atípicos está no art. 190 do CPC, que é considerada como uma cláusula geral de negociação sobre o processo. Obs: o negócio processual atípico é sempre um negócio jurídico processual bilateral. Cláusula geral de negociação sobre o processo O caput do art. 190 do CPC previu uma cláusula geral de negociação por meio da qual se concedem às partes mais poderes para convencionar sobre matéria processual. O CPC/1973 autorizava a celebração de determinados negócios jurídicos processuais típicos, como a eleição de foro para modificação de competência relativa (art. 111, caput), a redução ou a prorrogação de prazos dilatórios (art. 181), a suspensão do processo (art. 265, II). A grande novidade do CPC/2015 foi essa cláusula geral do art. 190. A partir dela passou a ser admitida a celebração de negócios processuais não especificados na legislação, isto é, atípicos. Voltando ao caso concreto: o ajuste firmado entre os herdeiros não foi um acordo processual O acordo firmado entre os herdeiros para autorizar a retirada mensal dos valores não foi um acordo puramente processual. Isso porque o seu objeto é o próprio direito material que se discute e que se pretende obter na ação de inventário, ou seja, a divisão do patrimônio do autor da herança. O que se está fazendo, portanto, é simplesmente antecipar a fruição e uso do direito material. Não houve ajuste algum sobre procedimento ou outra norma processual. O que existiu foi apenas um adiantamento de parcela da herança. Apenas e simplesmente isso. O juiz poderia ter aumentado o valor? SIM. Por dois motivos. Em primeiro lugar, pelo fato de que, como vimos, no caso concreto, não foi celebrado um negócio jurídico processual. Em segundo lugar, mesmo que se considerasse que houve um negócio processual, o acordo entre os herdeiros foi apenas quanto a um aspecto: a necessidade de haver o adiantamento da herança. O exato valor do adiantamento não foi combinado no acordo, tendo sido fixado pelo juiz, de forma que o magistrado detém o poder para alterar essa quantia, se entender que é o caso. Não é necessário um novo acordo para se alterar o valor porque o juiz não foi parte do ajuste. A cláusula geral de negociação processual atípica prevista no art. 190, caput, do CPC/2015 diz respeito apenas e tão somente aos negócios bilaterais, isto é, àqueles celebrados entre os sujeitos processuais parciais. Dizer que o juiz estaria impossibilitado de modificar o valor do adiantamento de herança do herdeiro, que ele próprio havia arbitrado diante da ausência de consenso entre as partes, equivaleria a dizer, em última análise, que o magistrado teria sido também sujeito de negócio jurídico havido exclusivamente entre as partes, de modo que estaria obrigado ao que foi decidido naquela oportunidade. Isso não é verdade. DOD PLUS Veja este outro interessante julgado a respeito de negócio jurídico processual:

(...) 1. A audiência pode ser adiada por convenção das partes, o que configura um autêntico negócio jurídico processual e consagra um direito subjetivo dos litigantes, sendo prescindível a homologação judicial para sua eficácia. 2. Contudo, é dever do Magistrado controlar a validade do negócio jurídico processual, de ofício ou a requerimento da parte ou de interessado, analisando os pressupostos estatuídos pelo direito material. 3. A jurisprudência do STJ é no sentido de que o adiamento da audiência de julgamento é uma faculdade atribuída ao Magistrado, cujo indeferimento não configura cerceamento de defesa. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1524130/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 03/12/2019.

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INVENTÁRIO É possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem

capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado

Importante!!!

Cuidado com alguns livros!

É possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.808.767-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/10/2019 (Info 663).

Inventário Inventário é o procedimento, judicial ou extrajudicial, por meio do qual são arrecadados, descritos, avaliados e liquidados os bens e outros direitos que pertenciam à pessoa morta, e, após serem pagas as dívidas do falecido, o eventual saldo positivo será distribuído entre os seus sucessores (partilha). Espécies de inventário • Inventário judicial: é um processo judicial. • Inventário extrajudicial: é o inventário realizado por meio de escritura pública. Obs: a possibilidade de o inventário ser feito extrajudicialmente foi criada com a Lei nº 11.441/2007. Antes dessa Lei, o inventário só podia ser judicial. Quais são as exigências para que o inventário seja feito extrajudicialmente? Segundo a lição tradicional que se encontra nos manuais de Direito Civil, o inventário extrajudicial exigiria o cumprimento de quatro requisitos cumulativos: 1) herdeiros capazes: todos os herdeiros devem ser capazes; havendo interessado incapaz, deve ser feito o inventário judicial. 2) consenso: deve haver consenso entre os herdeiros quanto à divisão dos bens; todos devem ser concordes. 3) advogado: todas as partes interessadas devem estar assistidas por advogado ou por defensor público. 4) inexistência de testamento: o falecido não pode ter deixado testamento; pela lei, havendo testamento, deveria ser feito inventário judicial. Esses quatro requisitos são extraídos do art. 610 do CPC/2015:

Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. § 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras. § 2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

Vale ressaltar, contudo, que essa quarta exigência (inexistência de testamento) sempre foi muito criticada pela doutrina. Anderson Schreiber, um dos maiores civilistas da atualidade, afirma que a exigência relativa à ausência de testamento “não tem razão de ser. Pelo contrário, cria no Brasil um cenário insólito em que o testador que realiza testamento, pretendendo justamente evitar conflitos futuros entre seus herdeiros, acaba por

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lhes impor a via judicial, mesmo que não haja nenhum herdeiro incapaz e todos estejam de acordo quanto à divisão dos bens. Trata-se de verdadeiro contrassenso.” (Direito Civil contemporâneo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 1432). O STJ encampou essa crítica da doutrina? Cumpridos os demais requisitos legais, é possível realizar o inventário judicial mesmo que o falecido tenha deixado testamento? É possível afastar essa quarta exigência acima exposta? SIM. A 4ª Turma do STJ decidiu que:

É possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente. STJ. 4ª Turma. REsp 1.808.767-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 15/10/2019 (Info 663).

O Min. Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, propôs uma nova forma de interpretar o art. 610 do CPC, de modo que, mesmo havendo testamento, seria possível o inventário extrajudicial. Para ele, a partir de uma leitura sistemática do caput e do § 1º do art. 610 do CPC/2015 c/c os arts. 2.015 e 2.016 do CC/2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente. A mens legis que autorizou o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes. O processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça. Registrado judicialmente ou expressa autorização do juízo competente: o que é isso? Todo testamento, para o seu cumprimento, deve, antes de qualquer outra providência, ser registrado em juízo em processo judicial específico chamado “ação judicial de cumprimento de testamento”, regulado pelos arts. 735 a 737 do CPC/2015. Assim, mesmo que o falecido deixe testamento será possível realizar o inventário extrajudicial desde que estejam cumpridos os demais requisitos e desde que, antes do inventário, os herdeiros instaurem o processo judicial para abertura, registro e cumprimento de testamento. “Nesse ato de abertura e registro de testamento, que é judicial, possíveis vícios formais serão apreciados e o testamento somente será executado se atender os requisitos formais. Assim, de um modo ou de outro, o inventário extrajudicial somente poderá ser iniciado após o registro do testamento e da ordem de cumprimento em processo judicial específico,” (FIGUEIREDO, Ivanildo. Inventário extrajudicial na sucessão testamentária: possibilidade, legalidade, alcance e eficácia. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões n. 8 - set./out./2015, pp. 97-98). Enunciados doutrinários sobre o tema Como já dito, a decisão do STJ acima exposta encontra eco na opinião da doutrina especializada que, por meio de enunciados, já defendeu essa mesma posição:

• Enunciado 600 da VII Jornada de Direito Civil do CJF: Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial. • Enunciado 77 da I Jornada sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios: Havendo registro ou expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, o inventário e partilha

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poderão ser feitos por escritura pública, mediante acordo dos interessados, como forma de pôr fim ao procedimento judicial. • Enunciado 51 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF: Havendo registro judicial ou autorização expressa do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura, registro e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura pública. • Enunciado 16 do IBDFAM: Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.

Cuidado com o que dizem alguns livros Muitos livros explicam o tema de forma diferente e dizem que a ausência de testamento é um requisito. Não é mais a posição a ser adotada nas provas. Veja esta questão de prova que demonstra bem a mudança: (MP/PR 2014) A existência de testamento, mesmo que todos os herdeiros sejam maiores e capazes, impede a realização de inventário extrajudicial. Na época da prova, o gabarito indicou a resposta como CORRETA. No entanto, atualmente, o gabarito deveria assinar como ERRADO.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PUBLICIDADE ENGANOSA A ausência de informação relativa ao preço, por si só, não caracteriza publicidade enganosa

A ausência de informação relativa ao preço, por si só, não caracteriza publicidade enganosa.

Para a caracterização da ilegalidade omissiva, a ocultação deve ser de qualidade essencial do produto, do serviço ou de suas reais condições de contratação, considerando, na análise do caso concreto, o público alvo do anúncio publicitário.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.705.278-MA, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 19/11/2019 (Info 663).

Imagine a seguinte situação adaptada: A loja C&A veiculou, em panfletos, a seguinte propaganda: “Moda é comprar seu celular na C&A e pagar em até 9 parcelas fixas”. Na publicidade, constavam imagens de diversos aparelhos de telefone celular que eram vendidos pela loja, mas sem a indicação dos preços. O Ministério Público ajuizou ação civil pública contra a loja alegando que a omissão dos preços configura publicidade enganosa. Isso porque essa omissão induz o consumidor a erro, atraindo-os para a loja sem que elas saibam o real valor dos bens. A questão chegou até o STJ por meio de recurso. A tese alegada pelo Ministério Público foi acolhida? A ausência de informação relativa ao preço dos aparelhos de celular, cujas imagens constavam nos panfletos distribuídos, caracteriza publicidade enganosa? NÃO. Neste caso concreto, o STJ entendeu que não houve publicidade enganosa. Vamos entender com calma.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15

Publicidade ilícita Publicidade ilícita é toda aquela que viola os deveres jurídicos estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor para a realização, produção e divulgação de mensagens publicitárias. Existem duas espécies de publicidade ilícita: a) publicidade enganosa: é aquela que viola o dever de veracidade e clareza estabelecidos pelo CDC. Está conceituada nos §§ 1º e 3º do art. 37 do CDC, que veremos mais abaixo. b) publicidade abusiva: é aquela que viola valores ou bens jurídicos considerados socialmente relevantes (tais como meio ambiente, segurança e integridade dos consumidores), assim como a que se caracteriza pelo apelo indevido a vulnerabilidade agravada de determinados consumidores, como crianças e idosos. Está disciplinada no § 2º do art. 37:

Art. 37 (...) § 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

Veja mais em: MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 278).

PUBLICIDADE ILÍCITA

Publicidade ENGANOSA Publicidade ABUSIVA

É a publicidade falsa ou que possa induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. Pode ser: • por comissão: quando o fornecedor faz uma afirmação não verdadeira, parcial ou total, sobre o produto ou serviço; • por omissão: que é quando deixa de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

É a publicidade... • discriminatória; • que incita violência; • que explora o medo ou a superstição; • que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança; • que desrespeita valores ambientais • que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

O CDC proíbe tanto a publicidade enganosa como a abusiva (art. 37, caput, do CDC). Mas, em provas de concurso, é comum a tentativa de confundir os dois conceitos:

++ (Promotor MP/SC 2019) A Lei Federal n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) proíbe a publicidade enganosa, definida, exemplificativamente, como a publicidade que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. (ERRADO. Isso é publicidade abusiva)

Vale ressaltar que, em alguns casos, uma publicidade pode ser enganosa e também abusiva. Veja esta questão de prova:

++ (Juiz TJ/AL 2019 FCC) Para vender a roupa do herói Megaman, seu fabricante veicula anúncio na TV em que um ator sai voando pela janela e salva uma criança e seu cachorro em um imóvel pegando fogo. Essa publicidade, quando vista por crianças, (A) é apenas enganosa, pois não é possível que uma publicidade seja ao mesmo tempo abusiva e enganosa pelas normas do CDC. (B) é somente abusiva, pelo induzimento ao comportamento perigoso, pois toda criança saberá discernir o conteúdo falso do ator voando pela janela.

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(C) será só abusiva, pois esta engloba a publicidade enganosa no conceito mais amplo da periculosidade da conduta e do aproveitamento da falta de experiência dos infantes. (D) é simultaneamente abusiva e enganosa; abusiva por eventualmente induzir a comportamento perigoso, por deficiência de julgamento e de experiência, e enganosa pelo conteúdo não verdadeiro de pessoa voando no salvamento publicitário. (E) é lícita, pois além do aspecto lúdico não pode haver jamais restrições à liberdade de expressão, o que inclui a veiculação publicitária lastreada na fantasia.

Gabarito: letra D

Publicidade enganosa A publicidade enganosa pode ser de duas espécies: a) comissiva; ou b) omissiva.

Publicidade enganosa por COMISSÃO: Ocorre quando o fornecedor faz uma afirmação não verdadeira, parcial ou total, sobre o produto ou serviço, capaz de induzir o consumidor em erro (art. 37, § 1º, do CDC):

Art. 37 (...) § 1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Publicidade enganosa por OMISSÃO: Ocorre quando a publicidade deixa de informar dado essencial do produto ou serviço, também induzindo o consumidor em erro por deixar de esclarecer elementos fundamentais (art. 37, § 3º, do CDC):

Art. 37 (...) § 3º Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

A ausência do preço na publicidade será sempre considerada uma forma de publicidade enganosa por omissão? NÃO. Conforme vimos acima, a publicidade enganosa por omissão ocorre quando se deixa de divulgar ao consumidor uma informação essencial do produto ou serviço. O preço, em uma peça de publicidade, é uma informação essencial do produto ou serviço? A 4ª Turma do STJ afirmou que nem sempre. Será necessário analisar o caso concreto para se verificar a essencialidade ou não do preço. Na publicidade da C&A, o preço dos celulares não era uma informação essencial. Isso porque o material publicitário tinha como objetivo apenas divulgar as condições de pagamento especiais ofertadas pela loja (pagamento parcelado, sem juros). Quando o fornecedor anuncia uma determinada forma de pagamento ou financiamento – um serviço, portanto, e não propriamente um produto –, o preço não se traduz de todo relevante, até porque as condições de parcelamento podem servir para mais de uma espécie de produto. É necessário, contudo, que sejam claras e específicas as condições, juros etc. Desse modo, a 4ª Turma do STJ decidiu que:

A ausência de informação relativa ao preço, por si só, não caracteriza publicidade enganosa.

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Para a caracterização da ilegalidade omissiva, a ocultação deve ser de qualidade essencial do produto, do serviço ou de suas reais condições de contratação, considerando, na análise do caso concreto, o público alvo do anúncio publicitário. STJ. 4ª Turma. REsp 1.705.278-MA, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 19/11/2019 (Info 663).

Exemplo no qual o STJ considerou que a ausência do preço configurou publicidade enganosa Determinada empresa comercializava seus produtos por meio de um canal de TV fechada, que ficava 24h por dia apenas anunciando as mercadorias. Nos comerciais e programas dessa empresa eram mostrados os benefícios dos produtos, como funcionam, as coisas que podem ser feitas com ele etc. No entanto, o mais importante eles não informavam: o preço. Se o telespectador quisesse saber quanto custava o produto e as condições de pagamento, ele precisava ligar para um número telefônico pagando a tarifa pela ligação. Diante disso, um órgão de defesa do consumidor considerou que esta prática violaria o dever de informação do consumidor e ajuizou ação civil pública contra a empresa. O STJ considerou que houve publicidade enganosa, neste caso? SIM. A 2ª Turma do STJ decidiu que:

É enganosa a publicidade televisiva que omite o preço e a forma de pagamento do produto, condicionando a obtenção dessas informações à realização de ligação telefônica tarifada. STJ. 2ª Turma. REsp 1.428.801-RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 27/10/2015 (Info 573).

Jurisprudência em Teses do STJ:

Tese 18 (Ed. 74): É solidária a responsabilidade entre aqueles que veiculam publicidade enganosa e os que dela se aproveitam na comercialização de seu produto ou serviço.

DIREITO EMPRESARIAL

FALÊNCIA O síndico (atual administrador judicial) deve prestar contas também dos atos realizados pelo gerente que ficar responsável pela continuidade provisória das atividades do falido

O síndico (atual administrador judicial) é responsável pela prestação de contas da massa falida ao juízo a partir do momento de sua nomeação, incluídos os atos realizados pelo gerente na continuidade provisória das atividades.

Esse gerente, que desempenhará funções específicas relacionadas ao comércio dos bens, ficará sob a imediata fiscalização do síndico, cabendo, ao final, prestar contas de tudo que fez ao síndico. Logo, o síndico é também responsável pelos atos realizados pelo gerente na continuidade provisória das atividades, devendo prestar contas disso ao juiz.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.487.042-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/12/2019 (Info 663).

Obs: a Lei nº 11.101/2005 não mais utiliza a expressão “síndico”, chamando agora de “administrador judicial”.

Obs2: o caso acima foi apreciado com base na antiga Lei de Falências (DL 7.661/1945), no entanto, a solução seria a mesma no atual diploma (Lei nº 11.101/2005).

Falência Falência é o processo coletivo de execução forçada de um empresário ou sociedade empresária cuja recuperação mostra-se inviável.

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Finalidade A falência tem como objetivo reunir os credores e arrecadar os bens, ativos e recursos do falido a fim de que, com os recursos obtidos pela alienação de tais bens, possam os credores ser pagos, obedecendo a uma ordem de prioridade estabelecida na lei. Legislação aplicável Atualmente, a falência do empresário e da sociedade empresária é regida pela Lei nº 11.101/2005. Antes da Lei nº 11.101/2005, a falência era regulada pelo Decreto-Lei nº 7.661/1945. Síndico Síndico era a pessoa, física ou jurídica, que, segundo o DL 7.661/1945, seria a responsável por administrar a falência, sob a imediata direção e superintendência do juiz. O síndico era escolhido entre os maiores credores do falido, residentes ou domiciliados no foro da falência, de reconhecida idoneidade moral e financeira. A Lei nº 11.101/2005 não mais utiliza a expressão “síndico”, chamando agora de “administrador judicial” a pessoa escolhida pelo juiz para auxiliá-lo na condução do processo de falência. Momento de nomeação do síndico A nomeação do síndico ocorria na sentença que decretava a falência (art. 14, parágrafo único, IV, do DL 7.661/1945). O síndico, logo depois de nomeado, era intimado pessoalmente, pelo escrivão, para assinar em cartório, dentro de 24h, um termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades inerentes à qualidade de administrador (art. 62 do DL). Com a assinatura do termo de compromisso, o síndico ficava habilitado a praticar todos os atos próprios à administração da massa, assumindo, a partir daí, as responsabilidades inerentes à qualidade de administrador da massa falida. Prestação de contas Ao final da liquidação, o síndico deveria prestar contas de sua administração, sendo elas julgadas pelo magistrado. A prestação de contas do síndico deve refletir a exata situação da massa falida durante o período de administração, com a indicação, no final, de eventuais prejuízos causados à massa pelo síndico, por má administração ou infração à lei. Continuação provisória das atividades da sociedade empresária falida (“continuação do negócio”) O art. 74 do DL 7.661/1945 previa que a empresa falida podia requerer ao juiz que, mesmo após decretada a sua falência, ela continuasse provisoriamente o negócio até que fosse concluído o processo de liquidação. Isso era conhecido como continuação provisória do negócio. Esse instituto tinha por objetivo evitar que o patrimônio comercial ou industrial da sociedade empresária falida sofresse mais prejuízos ainda, o que poderia ocorrer com a paralisação ou interrupção da empresa ou do estabelecimento. Essa continuação provisória era, portanto, uma forma de a empresa falida ainda se manter funcionando, mesmo que parcialmente, evitando maiores prejuízos e auferindo renda que seria utilizada para pagamento dos credores. Obs: essa continuação provisória também é possível na atual Lei de Falência (art. 99, XI, da Lei nº 11.101/2005). Decisão sobre a continuidade ou não do negócio Após o requerimento, o juiz consultava o síndico e o Ministério Público sobre a conveniência do pedido e então decidia se deveria ou não haver a continuidade do negócio.

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Gerente da continuidade provisória das atividades (gestor de negócios) Se o juiz deferisse a continuidade do negócio, era necessário que alguém ficasse responsável pela sua administração. O síndico já tinha inúmeras atribuições, razão pela qual o DL previa que seria necessário nomear uma outra pessoa (um gerente) para fazer a gestão do negócio. Ocorre que esse gerente deveria ficar subordinado ao síndico, razão pela qual o juiz pedia do síndico a indicação de um nome para fazer essa gestão. O gerente era, então, contratado pelo síndico, mediante aprovação do juiz, e ficava sob a imediata fiscalização do síndico. Vimos acima que o síndico, ao final da liquidação, deverá fazer uma prestação de contas dirigida ao juiz. Indaga-se: essa prestação de contas abrangerá também os atos praticados pelo gerente da continuidade provisória das atividades? SIM.

O síndico é responsável pela prestação de contas da massa falida ao juízo a partir do momento de sua nomeação, incluídos os atos realizados pelo gerente na continuidade provisória das atividades. STJ. 4ª Turma. REsp 1.487.042-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/12/2019 (Info 663).

Conforme vimos acima, esse gerente, que desempenhará funções específicas relacionadas ao comércio dos bens, ficará sob a imediata fiscalização do síndico, cabendo, ao final, prestar contas de tudo que fez ao síndico. Logo, o síndico é também responsável pelos atos realizados pelo gerente na continuidade provisória das atividades, devendo prestar contas disso ao juiz. Dito de outro modo: a responsabilidade do síndico pela prestação de contas da massa falida inclui os atos realizados pelo gerente na continuidade provisória das atividades. Dessa forma, não é possível que o síndico queira dividir a prestação de contas, dizendo que a prestação de contas relativas ao período de continuidade provisória da empresa seria de responsabilidade exclusiva do gerente (gestor de negócios). Essa mesma conclusão acima exposta vale também na atual Lei de Falências? SIM. Isso foi ressaltado pelo Min. Luis Felipe Salomão em seu voto.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL Compete ao juízo da recuperação judicial o julgamento de tutela de urgência que tem por

objetivo antecipar o início do stay period ou suspender os atos expropriatórios determinados em outros juízos, antes mesmo de deferido o processamento da recuperação

O Juízo da recuperação é competente para avaliar se estão presentes os requisitos para a concessão de tutela de urgência objetivando antecipar o início do stay period ou suspender os atos expropriatórios determinados em outros juízos, antes mesmo de deferido o processamento da recuperação.

STJ. 2ª Seção. CC 168.000-AL, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Recuperação judicial A recuperação judicial consiste em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Logo, em vez de a

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empresa ir à falência (o que é nocivo para a economia, para os donos da empresa, para os funcionários etc.), tenta-se dar um novo fôlego para a sociedade empresária, renegociando as dívidas com os credores. A recuperação judicial tem, portanto, o objetivo de viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. Créditos que estão sujeitos à recuperação judicial Na recuperação judicial, a empresa devedora, que está “sufocada” por dívidas, irá pagar os seus credores de uma forma mais “suave”, a fim de que consiga quitar todos os débitos e se manter funcionando. Assim, os credores da empresa em recuperação judicial são inscritos no “quadro geral de credores”, e cada um receberá seu crédito de acordo com o que for definido no plano de recuperação. Um dos temas importantes sobre esse assunto é saber quais créditos estão sujeitos à recuperação judicial, ou seja, quais credores irão ter que receber seus créditos conforme o plano de recuperação. Regra Em regra, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos (art. 49, caput, da Lei nº 11.101/2005). Ex: a empresa tem que pagar uma dívida com um fornecedor daqui a 9 meses; se o pedido de recuperação foi feito hoje, esse crédito já será incluído nas regras da recuperação judicial, mesmo que ainda não tenha chegado a data do vencimento. Consequência dessa regra: Como vimos acima, tendo sido decretada a recuperação judicial, os credores irão receber conforme o plano. Como consequência disso, em regra, as ações e execuções que tramitam contra a empresa em recuperação são suspensas para poder não atrapalhar a execução do plano. Veja:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. (...) § 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

Esse prazo em que haverá a pausa momentânea das ações e execuções é chamado de stay period e tem por objetivo permitir que o devedor em crise consiga negociar, de forma conjunta com todos os credores (plano de recuperação) e, ao mesmo tempo, preservar o patrimônio do empreendimento, que ficará livre, por um determinado período de respiro, de eventuais constrições (ex: penhora) de bens necessários à continuidade da atividade empresarial. Com isso, minimiza-se o risco de haver uma falência. Desse modo, o prazo do stay period na recuperação judicial é de 180 dias, conforme prevê o art. 6º, § 4º da Lei nº 11.101/2005. Vale ressaltar que o prazo do stay period, previsto no art. 6º, § 4º da Lei nº 11.101/2005, deve ser computado em dias corridos (STJ. 3ª Turma. REsp 1698283/GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/05/2019). Imagine agora a seguinte situação adaptada: A Gazeta de Alagoas Ltda estava passando por dificuldades financeiras e, em razão disso, era ré em algumas execuções.

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Uma dessas execuções tramitava na 5ª Vara Federal de Alagoas. O Juiz Federal determinou a leilão de imóveis da devedora para pagamento da dívida. Diante desse cenário, a Gazeta de Alagoas ingressou com pedido de recuperação judicial, que foi distribuído para a 3ª Vara Cível da Justiça Estadual. O Juízo da 3ª Vara Cível da Justiça Estadual deferiu pedido de tutela de urgência para suspender o leilão dos imóveis designado pelo Juízo Federal da 5ª Vara. O Juízo da 5ª Vara Federal entendeu que o Juízo da 3ª Vara Cível (Juízo da Recuperação Judicial) não possuía competência para determinar a suspensão do leilão considerando que: • ainda não havia sido deferido o processamento da recuperação judicial; e • ainda não havia sido apresentado nem aprovado o plano de recuperação judicial da empresa. Logo, incidiria o raciocínio da Súmula 480 do STJ:

Súmula 480-STJ: O juízo da recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa.

Diante desse cenário, a empresa recuperanda ingressou com conflito de competência no STJ (art. 105, I, “g”, da CF/88) pedindo que o Juízo da Recuperação Judicial seja declarado o competente e que o leilão seja suspenso. O que decidiu o STJ? O Juízo 3ª Vara Cível (Juízo da Recuperação Judicial) tinha competência para suspender o leilão designado? SIM. Vamos entender com calma. A discussão, no presente caso, envolve a competência para decidir medidas antecipatórias no âmbito da recuperação judicial e se estas podem impedir atos de constrição e expropriação (ex: leilão) que foram determinadas no processo de execução fiscal. A Lei nº 11.101/2005 não tem um dispositivo tratando expressamente sobre o tema. Diante disso, o que fazer? Deve-se recorrer subsidiariamente ao CPC, conforme autoriza o art. 189 da Lei nº 11.101/2005. Assim, é possível concluir que o juízo da recuperação judicial possui, com base no CPC, poderes para conceder as tutelas provisórias previstas nos arts. 297, 300 e 301. Logo, conclui-se que, no caso concreto, o Juízo da Recuperação Judicial possuía competência para determinar, como tutela provisória de urgência, a suspensão do leilão designado, evitando que os bens da empresa fossem expropriados. Essa medida está de acordo com as finalidades da recuperação judicial previstas no art. 47 da Lei nº 11.101/2005:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Antecipação do stay period Um dos pontos mais importantes do processo de recuperação judicial é a suspensão das execuções contra a sociedade empresária que pede o benefício, o chamado stay period (art. 6º da LRF), que vimos acima. Conforme já explicado, essa pausa na perseguição individual dos créditos é fundamental para que se abra um espaço de negociação entre o devedor e seus credores, evitando que, diante da notícia do pedido de recuperação, se estabeleça uma verdadeira corrida entre os credores, cada qual tentando receber o máximo possível de seu crédito com o consequente perecimento dos ativos operacionais da empresa. Trata-se de medida com nítido caráter acautelatório, buscando assegurar a elaboração e aprovação do plano de recuperação judicial pelos credores ou, ainda, a paridade nas hipóteses em que o plano não alcance aprovação e seja decretada a quebra.

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Essa medida é tão importante para o sucesso da recuperação judicial que, no direito norte-americano, a suspensão das ações tem como termo inicial a própria distribuição do pedido (USCode, Sec. 362). A Lei nº 11.101/2005, no entanto, prevê como termo inicial da suspensão o deferimento do processamento da recuperação judicial, decisão que tem como pressuposto a instrução da inicial com um extenso rol de documentos (art. 51) e a constatação pelo Juiz de que os documentos estão, ao menos em um juízo prefacial, em seus devidos termos (art. 52). Ocorre que, em algumas situações, o intervalo de tempo necessário para providenciar a documentação (balanços especiais, relação de credores, rol de ações, relação dos bens particulares dos sócios) e para que ela seja conferida pelo juiz, é suficiente para que haja risco de esvaziamento do ativo operacional da empresa, tornando a recuperação judicial desde logo inviável. Algumas vezes as execuções contra a empresa em recuperação estão em fase tão avançada que, se for esperar o deferimento da recuperação, não haverá mais bens da sociedade empresária. Diante disso, é possível que o juízo da recuperação judicial, mesmo antes do deferimento do processamento da recuperação judicial, conceda a tutela de urgência e antecipe o início do stay period ou suspenda atos expropriatórios, exatamente como ocorreu no caso em análise. Conclui-se, portanto, que o Juízo da Recuperação não extrapolou os limites de sua competência ao suspender leilão determinado no processo de execução fiscal. Em suma:

Compete ao juízo da recuperação judicial o julgamento de tutela de urgência que tem por objetivo antecipar o início do stay period ou suspender os atos expropriatórios determinados em outros juízos, antes mesmo de deferido o processamento da recuperação. STJ. 2ª Seção. CC 168.000-AL, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Uma última informação que reputo interessante: o processo que tramitava na 5ª Vara Federal era uma execução fiscal. As execuções fiscais ficam suspensas com o deferimento da recuperação judicial? NÃO. Veja o que diz o art. 6º, § 7º da Lei nº 11.101/2005:

Art. 6º (...) § 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.

Apesar disso, a jurisprudência do STJ entende que os atos expropriatórios devem ser submetidos ao juízo da recuperação judicial, em homenagem ao princípio da preservação da empresa. Em outras palavras, mesmo sendo deferido o processamento da recuperação judicial, a execução fiscal não será suspensa. No entanto, o juízo da execução fiscal não poderá determinar atos de constrição nem de alienação de bens:

Embora a execução fiscal não se suspenda, os atos de constrição e de alienação de bens voltados contra o patrimônio social das sociedades empresárias submetem-se ao juízo universal, em homenagem ao princípio da conservação da empresa. STJ. 2ª Seção. AgInt no CC 158.712/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 25/09/2019.

As execuções fiscais não se suspendem com o deferimento da recuperação judicial, sendo obstados, porém, os atos de alienação, cuja competência é privativa do Juízo universal, de modo a não prejudicar o cumprimento do plano de reorganização da empresa. STJ. 2ª Seção. AgInt no CC 152.714/PE, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 17/09/2019.

Essa é, inclusive, a tese 7 da edição 37 do Jurisprudência em Teses do STJ (recuperação judicial – II):

Tese 7: O deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos que importem em constrição ou alienação do patrimônio da recuperanda devem se submeter ao juízo universal.

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Com base nesse entendimento, o STJ já decidiu que:

Embora o deferimento do plano de recuperação judicial, por si só, não implique a suspensão do processo executivo, os atos de constrição patrimonial só serão adequados caso não coloquem em risco a atividade empresarial, pois o referido instituto tem por “objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores” (art. 47 da Lei nº 11.101/2005). STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1548587/MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 05/12/2017.

Tese 1 da edição 35 do Jurisprudência em Teses do STJ (recuperação judicial):

Tese 1: A recuperação judicial é norteada pelos princípios da preservação da empresa, da função social e do estímulo à atividade econômica, a teor do art. 47 da Lei nº 11.101/2005.

ECA

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA DOS PROGRAMAS DE RÁDIO E TV Emissora de TV pode ser condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos

em razão da exibição de filme fora do horário recomendado pelo Ministério da Justiça

Importante!!!

Segundo decidiu o STF, é inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado” contida no art. 254 do ECA. Assim, o Estado não pode determinar que os programas somente possam ser exibidos em determinados horários. Isso seria uma imposição, o que é vedado pelo texto constitucional por configurar censura. O Poder Público pode apenas recomendar os horários adequados. A classificação dos programas é indicativa (e não obrigatória) (STF. Plenário. ADI 2404/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 31/8/2016).

Vale ressaltar, no entanto, que a liberdade de expressão, como todo direito ou garantia constitucional, exige responsabilidade no seu exercício, de modo que as emissoras deverão resguardar, em sua programação, as cautelas necessárias às peculiaridades do público infanto-juvenil. Logo, a despeito de ser a classificação da programação apenas indicativa e não proibir a sua veiculação em horários diversos daquele recomendado, cabe ao Poder Judiciário controlar eventuais abusos e violações ao direito à programação sadia, previsto no art. 221 da CF/88.

Diante disso, é possível, ao menos em tese, que uma emissora de televisão seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em razão da exibição de filme fora do horário recomendado pelo órgão competente, desde que fique constatado que essa conduta afrontou gravemente os valores e interesses coletivos fundamentais.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.840.463-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/11/2019 (Info 663).

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA E JULGAMENTO DA ADI 2404

Classificação indicativa O art. 254 do ECA prevê que os programas de rádio e TV, com base em seu conteúdo, deverão ser classificados como apropriados ou não, de acordo com a faixa etária. Ex: um programa de TV que não exiba cenas de violência, sexo ou uso de drogas é classificado como “livre para todos os públicos”. Se ele tiver cenas de nudez velada, insinuação sexual, linguagem de conteúdo sexual, simulações de sexo etc., poderá ser classificado como “recomendado para maiores de 12 anos”.

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O governo estipulou horários em que cada um desses programas deverá passar de acordo com a faixa etária que ele foi enquadrado. Ex: o programa livre para todos os públicos poderá ser exibido em qualquer horário; por outro lado, o programa recomendado para maiores de 12 anos somente podia ser transmitido a partir de 20h. Quem faz essa classificação? O Ministério da Justiça, por meio de um setor específico que cuida do assunto. Há uma portaria que regulamenta o tema (Portaria 1189/2018-MJ). Quais os critérios utilizados? Existe uma espécie de “manual” utilizado pelo MJ para fazer esta classificação. Há, em resumo, três critérios de análise: a) violência; b) sexo e nudez; c) drogas. A partir daí, o programa pode ser classificado em seis diferentes faixas: livre, 10, 12, 14, 16 ou 18 anos. No rádio e na TV aberta existem horários apropriados para que estes programas sejam exibidos, de acordo com a faixa etária classificada. A Constituição Federal trata sobre o assunto? Sim. O tema é tratado em alguns dispositivos da CF/88. Confira:

Art. 21. Compete à União: XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão;

Art. 220 (...) § 3º Compete à lei federal: I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: (...) IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Infração administrativa Caso a emissora de rádio ou TV exibisse o programa fora do horário recomendado, ela praticaria infração administrativa e poderia ser punida com multa e até suspensão da programação na hipótese de reincidência. Confira a redação do ECA:

Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação: Pena - multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias.

Repare que, de acordo com a redação do art. 254 do ECA, as emissoras de rádio e TV possuíam dois deveres impostos por lei:

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1) Avisar, antes de o programa começar, qual é a classificação etária do espetáculo (aquele famoso aviso: “programa recomendado para todos os públicos" ou "programa recomendado para maiores de 12 anos”); 2) Somente transmitir os programas nos horários compatíveis com a sua classificação etária. Ex: se o programa foi recomendado para maiores de 12 anos, ele não podia ser exibido antes das 20h. ADI 2404 Ocorre que, em 2016, o STF, ao julgar a ADI 2404, decidiu que:

É inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado” contida no art. 254 do ECA. STF. Plenário. ADI 2404/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 31/8/2016 (Info 837).

Veja abaixo um resumo do que decidiu o STF: Liberdade de programação é uma forma de liberdade de expressão A Constituição Federal garante a liberdade de expressão (art. 5º, IX, da CF/88) e a liberdade de comunicação social, prevista no art. 220 da CF/88:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Como consectário dessa garantia, as emissoras de rádio e TV gozam de “liberdade de programação”, sendo esta uma das dimensões da liberdade de expressão em sentido amplo. Assim, a programação das emissoras deve permanecer como sendo uma tarefa autônoma e livre de interferências do Poder Público. Por outro lado, a criança e o adolescente, pela posição de fragilidade em que se colocam, devem ser destinatários, tanto quanto possível, de normas e ações protetivas voltadas ao seu desenvolvimento pleno e à preservação contra situações potencialmente danosas a sua formação física, moral e mental. O caso em tela envolve, portanto, dois valores constitucionais que devem ser sopesados para uma correta decisão: de um prisma, a liberdade de expressão nos meios de comunicação; de outro, a necessidade de garantir a proteção da criança e do adolescente. O que fez a Constituição Federal para compatibilizar esses dois valores? Ela determinou, em seu art. 21, XVI e art. 220, § 3º, que fosse criado um sistema de classificação indicativa dos espetáculos. Assim, os programas devem ser classificados de acordo com faixas etárias e essa classificação deve ser divulgada aos telespectadores a fim de que eles tenham as informações necessárias para decidir se permitem ou não que as crianças e adolescentes assistam tais programas. No entanto, em nenhum momento o texto constitucional determinou que as empresas sejam obrigadas a veicular os programas em determinados horários, sob pena de punição. O sistema de classificação indicativa foi o ponto de equilíbrio tênue adotado pela Constituição para compatibilizar os dois postulados, a fim de velar pela integridade das crianças e dos adolescentes sem deixar de lado a preocupação com a garantia da liberdade de expressão. A classificação dos produtos audiovisuais busca esclarecer, informar, indicar aos pais a existência de conteúdo inadequado para as crianças e os adolescentes. Essa classificação desenvolvida pela União possibilita que os pais, calcados na autoridade do poder familiar, decidam se a criança ou o adolescente pode ou não assistir a determinada programação. Classificação indicativa não se confunde com autorização para exibir os programas A Constituição conferiu à União e ao legislador federal margem limitada de atuação no campo da classificação dos espetáculos e diversões públicas. A autorização constitucional é para que a União classifique, informe, indique as faixas etárias e/ou horários não recomendados. Ela não pode, contudo, proibir, vedar ou censurar os programas.

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A classificação indicativa deve ser entendida como um aviso aos usuários sobre o conteúdo da programação, jamais como obrigação às emissoras de exibição em horários específicos, especialmente sob pena de sanção administrativa. Por essa razão, percebe-se que o art. 254 do ECA violou a Constituição Federal ao instituir punição para as emissoras que transmitam espetáculo “em horário diverso do autorizado”. O uso do verbo “autorizar” revela a ilegitimidade do dispositivo legal. O art. 255, ao estabelecer punição às empresas do ramo por exibirem programa em horário diverso do autorizado, incorre, portanto, em abuso constitucional. Veja como o tema já foi cobrado em prova: (DP DF 2019 CEBRASPE) Segundo jurisprudência do STF, a competência da União de classificar, para efeito indicativo, as diversões públicas e os programas de rádio e televisão não lhe confere o poder para determinar que a exibição da programação somente se dê em horários determinados. Assim, não está a referida emissora obrigada a veicular programa somente em horário autorizado pelo poder público, motivo pelo qual a multa aplicada é indevida. (CERTO) Submissão de programa ao Ministério da Justiça É legítimo que se exija que as emissoras submetam os programas para serem analisados e classificados pelo Ministério da Justiça. No entanto, a submissão de programa ao Ministério não consiste em condição para que ele possa ser exibido, pois não se trata de uma licença ou de autorização estatal. A CF/88 veda que se exija licença ou autorização do governo para a exibição de programas de rádio ou TV. Dessa forma, esta submissão ocorre, exclusivamente, com o objetivo de que a União exerça sua competência administrativa para classificar, a título indicativo, as diversões públicas e os programas de rádio e televisão, conforme determina o art. 21, XVI, da CF/88. Imposição de horários para os programas é inconstitucional O Estado não pode determinar que os programas somente possam ser exibidos em determinados horários. Isso seria uma imposição, o que é vedado pelo texto constitucional. O Poder Público pode apenas recomendar os horários adequados. A classificação dos programas é indicativa (e não obrigatória). Censura prévia A expressão “em horário diverso do autorizado”, contida no art. 254 do ECA, embora não impedisse a veiculação de ideias, não impusesse cortes nas obras audiovisuais, mas tão-somente exigisse que as emissoras veiculassem seus programas em horário adequado ao público-alvo, implicava verdadeira censura prévia, acompanhada de elemento repressor, de punição. Esse caráter não se harmoniza com os arts. 5º, IX; 21, XVI; e 220, § 3º, I, todos da CF/88. Efeito pedagógico A exibição do aviso de classificação indicativa deve ter apenas efeito pedagógico, ao exigir reflexão por parte do espectador e dos responsáveis. É dever estatal, nesse ponto, conferir maior publicidade aos avisos de classificação, bem como desenvolver programas educativos acerca desse sistema. Permanece o dever de informar a classificação indicativa É importante salientar que permanece o dever das emissoras de rádio e de televisão de exibir ao público o aviso de classificação etária, de forma antecedente e concomitante com a veiculação do conteúdo, regra essa prevista no parágrafo único do art. 76 do ECA, sendo seu descumprimento tipificado como infração administrativa pelo art. 254.

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O que foi declarado inconstitucional foi apenas a punição caso a emissora exiba o programa fora do horário recomendado. Responsabilização judicial em caso de abusos Vale ressaltar, no entanto, que as emissoras não estão livres de responsabilidade. Isso porque será possível que elas sejam processadas e responsabilizadas judicialmente caso pratiquem abusos ou danos à integridade de crianças e adolescentes, tendo em conta, inclusive, a recomendação do Ministério de Estado da Justiça em relação aos horários em que determinada programação seria adequada. É o caso, por exemplo, de uma emissora que exiba, reiteradamente, programas violentos ou com fortes cenas de sexo em plena manhã ou tarde. Nesse exemplo extremo, o Ministério Público poderia ajuizar ação civil pública contra a emissora pedindo a sua responsabilização pelos danos causados a crianças e adolescentes. Isso porque a liberdade de expressão não é uma garantia absoluta e exige responsabilidade no seu exercício. Assim, as emissoras devem observar na sua programação as cautelas necessárias às peculiaridades do público infanto-juvenil. AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA A BAND (CASO “UM DRINK NO INFERNO”)

Feitos os necessários esclarecimentos acima, vejamos o seguinte caso concreto: O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a TV Bandeirantes alegando que a Band exibiu o longa metragem “Um Drink no Inferno” e alguns outros filmes em horários inadequados para a classificação indicativa a eles dada. Os filmes exigidos pela TV foram classificados pelo Ministério da Justiça como sendo para maiores de 18 anos. Apesar disso, foram transmitidos antes das 23h, que é o horário mínimo recomendado para essa classificação. O MPF pediu a condenação da emissora ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. Abstraindo o caso concreto, é possível, em tese, que uma emissora de TV seja condenada ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em razão da exibição de filme fora do horário recomendado pelo órgão competente? SIM.

É possível, em tese, a condenação da emissora de televisão ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, quando, ao exibir determinada programação fora do horário recomendado, verificar-se uma conduta que afronte gravemente os valores e interesses coletivos fundamentais. STJ. 3ª Turma. REsp 1.840.463-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/11/2019 (Info 663).

Como vimos acima, no julgamento da ADI 2404/DF, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “em horário diverso do autorizado”, contida no art. 254 do ECA. A classificação indicativa não pode ser obrigatória nem ser vista como uma censura prévia dos conteúdos veiculados em rádio e televisão. Essa classificação possui um caráter pedagógico e complementar ao auxiliar os pais a definir o que seus filhos podem, ou não, assistir e ouvir. A liberdade de expressão, como todo direito ou garantia constitucional, exige responsabilidade no seu exercício, de modo que as emissoras deverão resguardar, em sua programação, as cautelas necessárias às peculiaridades do público infanto-juvenil. Logo, a despeito de ser a classificação da programação apenas indicativa e não proibir a sua veiculação em horários diversos daquele recomendado, cabe ao Poder Judiciário controlar eventuais abusos e violações ao direito à programação sadia, previsto no art. 221 da CF/88. Isso, inclusive, ficou expresso na ementa do julgado do STF:

(...) 4. Sempre será possível a responsabilização judicial das emissoras de radiodifusão por abusos ou eventuais danos à integridade das crianças e dos adolescentes, levando-se em conta, inclusive, a recomendação do Ministério da Justiça quanto aos horários em que a referida programação se mostre

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inadequada. Afinal, a Constituição Federal também atribuiu à lei federal a competência para “estabelecer meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221” (art. 220, § 3º, II, CF/88). (...) STF. Plenário. ADI 2404, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 31/08/2016.

No caso concreto, houve dano moral coletivo? NÃO. O dano moral coletivo se dá in re ipsa, isto é, independentemente da comprovação de dor, sofrimento ou abalo psicológico. Entretanto, a sua configuração somente ocorrerá quando a conduta antijurídica afetar, intoleravelmente, os valores e interesses coletivos fundamentais, mediante conduta maculada de grave lesão. Isso porque esse instituto tão importante não pode ser tratado de forma trivial, ou seja, não pode ser banalizado. Nesse sentido:

(...) 2. O dano moral coletivo é aferível in re ipsa, dispensando, portanto, a demonstração de prejuízos concretos, mas somente se configura se houver grave ofensa à moralidade pública, causando lesão a valores fundamentais da sociedade e transbordando da justiça e da tolerabilidade. (...) STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 100.405/GO, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 16/10/2018.

(...) Se, por um lado, o dano moral coletivo não está relacionado a atributos da pessoa humana e se configura in re ipsa, dispensando a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral, de outro, somente ficará caracterizado se ocorrer uma lesão a valores fundamentais da sociedade e se essa vulneração ocorrer de forma injusta e intolerável. STJ. 3ª Turma. REsp 1.502.967/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 07/08/2018.

Diante dessas considerações, conclui-se que, ao menos em tese, seria possível a condenação da emissora ré ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, desde que tivesse ficado demonstrada uma conduta que afrontasse gravemente os valores e interesses coletivos fundamentais. No caso concreto, contudo, não houve essa demonstração, razão pela qual não se justifica a condenação da emissora ao pagamento de danos extrapatrimoniais coletivos. Segundo restou apurado nos autos, em um dos casos a exibição inadequada ocorreu em razão de falha técnica no sistema de controle da emissora. Em outra hipótese houve posterior reclassificação do filme pelo Ministério da Justiça. Em outros casos a emissora fez a edição dos filmes, com supressão das cenas impróprias para a respectiva faixa etária. Vale ressaltar, ainda, que em todos os casos, a exibição dos filmes ocorreu apenas parcialmente em horário inadequado. Desse modo, a conduta da ré, a despeito da sua irregularidade, não foi capaz de abalar, de forma intolerável, a tranquilidade social dos telespectadores, assim como os seus valores e interesses fundamentais.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA O credor pode optar pela remessa dos autos ao foro de domicílio do executado,

mesmo após o início do cumprimento de sentença

O inciso II do art. 516 do CPC prevê que o cumprimento da sentença será feito perante o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição. O parágrafo único, por sua vez, afirma que o exequente poderá optar por ingressar com o cumprimento de sentença: a) no juízo do atual domicílio do executado; b) no juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução; c) no juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer.

É possível que o exequente faça a opção de que trata o parágrafo único do art. 516 do CPC/2015 mesmo após já ter sido iniciado o cumprimento de sentença?

SIM. O credor pode optar pela remessa dos autos ao foro de domicílio do executado, mesmo após o início do cumprimento de sentença.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.776.382-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/12/2019 (Info 663).

Imagine a seguinte situação hipotética: A sociedade empresária Alfa Ltda. ajuizou ação de indenização contra a sociedade empresária Beta Ltda. Os pedidos foram julgados procedentes, condenando a Beta a pagar: • danos emergentes, no valor de R$ 200 mil; • lucros cessantes, a serem calculados. A presente ação tramitou na 5ª Vara Cível de Cuiabá (MT). Houve o trânsito em julgado e a credora Alfa pediu, junto à 5ª Vara Cível, o início do cumprimento de sentença. De quem é a competência para o cumprimento de sentença? O tema é tratado no art. 516 do CPC:

Art. 516. O cumprimento da sentença efetuar-se-á perante: I - os tribunais, nas causas de sua competência originária; II - o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição; III - o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o exequente poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.

ONDE TRAMITARÁ O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA?

1) No Tribunal

Se o acórdão executado foi proferido em uma causa de competência originária deste Tribunal. Ex: STF julgou ação proposta por organismo internacional contra a União (art. 102, I, “e”, da CF/88); o cumprimento de sentença, ou seja, a execução deste acórdão será no STF.

2) No juízo que decidiu a causa no 1º grau de jurisdição (mesmo que tenha tido recurso)

Ex: João ajuizou ação de cobrança contra Pedro; o juízo da 3ª vara cível de Manaus condenou o réu a pagar R$ 100 mil; houve apelação,

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

recurso especial e recurso extraordinário, mas a condenação foi mantida; o cumprimento de sentença será na 3ª vara cível de Manaus.

3) No juízo cível competente (segundo a lei de organização judiciária)

Quando se tratar de pedido de cumprimento de sentença (“execução”) de: a) sentença penal condenatória (na própria sentença penal, o juiz já fixou a reparação dos danos); b) sentença arbitral; c) sentença estrangeira; ou d) acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo*.

EXCEÇÕES. Nas hipóteses 2 e 3, o exequente poderá optar por não utilizar as regras acima expostas e ajuizar o cumprimento de sentença: a) no juízo do atual domicílio do executado; b) no juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução; c) no juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer.

* Essa menção ao Tribunal Marítimo está no inciso III do art. 516 do CPC, mas é ineficaz. Explico. O inciso X do art. 515 considerava título executivo judicial “o acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo quando do julgamento de acidentes e fatos da navegação”. Logo, a ideia do legislador era que a decisão do Tribunal Marítimo fosse considerada título executivo judicial. Esse dispositivo, contudo, foi vetado. Logo, não faz mais sentido essa menção ao Tribunal Marítimo no art. 516 do CPC. Voltando ao nosso exemplo hipotético: A empresa Alfa poderia: • utilizar a regra geral e ingressar com o cumprimento de sentença na 5ª Vara Cível de Cuiabá (MT); ou • utilizar uma das exceções. Como vimos, a empresa Alfa utilizou inicialmente a regra geral e ingressou com pedido de cumprimento de sentença na 5ª Vara Cível de Cuiabá (MT). Foi, então, iniciado o cumprimento de sentença na 5ª Vara Cível e houve, inclusive, o pagamento dos valores líquidos da condenação. Ocorre que, no curso do cumprimento de sentença, a empresa Alfa requereu ao juízo da 5ª Vara Cível que remetesse os autos ao juízo de São Paulo (SP), local onde é o domicílio da Beta (a executada). O pedido foi baseado justamente no parágrafo único do art. 516 do CPC:

Art. 516 (...) Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o exequente poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.

O juízo da 5ª Vara Cível de Cuiabá negou o pedido afirmando que a opção do parágrafo único do art. 516 do CPC/2015 deve ser formulada no momento em que é pleiteado o cumprimento da sentença, e não depois de já iniciado e com parte do débito pago. A empresa Alfa recorreu e a questão chegou até o STJ. Assiste razão à empresa? É possível que o exequente faça a opção de que trata o parágrafo único do art. 516 do CPC/2015 mesmo após já ter sido iniciado o cumprimento de sentença? SIM.

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O credor pode optar pela remessa dos autos ao foro de domicílio do executado, mesmo após o início do cumprimento de sentença. STJ. 3ª Turma. REsp 1.776.382-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/12/2019 (Info 663).

Como essa opção é uma prerrogativa do credor, instituída em seu benefício pela disposição expressa da lei, ao juiz não será lícito indeferir o pedido se a situação se amoldar a uma das hipóteses do parágrafo único do art. 516. Nesse sentido:

“Os únicos fundamentos que a lei exige para o deslocamento da competência executiva são aqueles arrolados no referido parágrafo do art. 516, quais sejam: preferência (i) pelo juízo atual do domicílio do executado; (ii) pelo juízo do local onde se encontrem os bens exequíveis; ou (iii) pelo juízo do local onde deva ser cumprida a obrigação. Portanto, o requerimento não deverá ter outro fundamento senão a de configuração de uma das hipóteses arroladas pelo referido dispositivo legal, não havendo lugar para impor outras justificativas ao exequente.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3, 52ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 72)

Mas esse pedido pode ser feito depois que o cumprimento de sentença já foi iniciado? SIM. A lei não impõe qualquer outra exigência ao exequente quando for optar pelo foro de processamento do cumprimento de sentença. A lei não trata sobre o momento em que o pedido de remessa dos autos deve ser feito – se antes de iniciada a execução ou se ele pode ocorrer incidentalmente, durante seu processamento. Humberto Theodoro Júnior defende, portanto, que o pleito pode ocorrer mesmo já no curso do cumprimento de sentença:

“Mesmo no curso do cumprimento de sentença, se este encontrar entraves ou embaraços na localização de bens no foro originário da causa, não haverá vedação a que o requerimento, a que alude o parágrafo único do art. 516 seja incidentemente formalizado. Não creio que a execução do título judicial se sujeite aos rigores da perpetuatio jurisdicionis, concebida que foi especificamente para a fase de cognição do processo. Tanto é assim que o legislador não encontrou dificuldade em permitir que o cumprimento da sentença pudesse ser processado em outro juízo que não o da causa originária. Essa mudança tem puro feitio de economia processual, tendo em vista superar a duplicidade de juízos que ocorreria fatalmente na aplicação do sistema da execução por precatória. É por isso que, mesmo depois de iniciado o cumprimento da sentença no foro de competência originária, pode supervenientemente surgir uma situação enquadrável na opção permitida pelo dispositivo legal sub examine. Insistir em que a execução continuasse implacavelmente conduzida pelo juiz da causa, sem que existissem bens localizados em sua jurisdição, somente burocratizaria e encareceria o processo, mediante desdobramento de atos deprecados.” (op. cit., p. 72-73)

Se o escopo da norma é viabilizar a efetividade da pretensão executiva, não há justificativa para se admitir entraves ao pedido de processamento do cumprimento de sentença no foro de opção do exequente, ainda que o cumprimento de sentença já tenha se iniciado.

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CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Para incidência da multa do art. 523, § 1º, do CPC, é preciso a efetiva resistência do executado ao cumprimento de sentença

João ingressa com pedido de cumprimento de sentença cobrando determinada quantia de Pedro. Após ser intimado a pagar, Pedro depositou em juízo o valor da condenação, mas apresentou petição narrando que aquilo não era pagamento e sim mera garantia do Juízo para obter o efeito suspensivo na futura impugnação.

Hipótese 1: Pedro, logo em seguida ao ato acima, apresentou impugnação ao cumprimento de sentença. A impugnação foi julgada improcedente. Pedro terá que pagar a multa de 10% do art. 523, § 1º? SIM. Veja:

A multa a que se refere o art. 523 do CPC/2015 será excluída apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão do débito.

STJ. 3ª Turma. REsp 1803985/SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/11/2019.

STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1435744/SE, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 28/05/2019.

Hipótese 2: Pedro depositou em juízo o valor da condenação e apresentou petição narrando que aquilo não era pagamento e sim garantia do Juízo. Apesar disso, Pedro não apresentou a impugnação. Transcorrido o prazo, como o devedor não ingressou com a impugnação, o credor pediu a expedição de guia para levantamento do valor depositado, o que foi deferido pelo juiz mediante alvará. Pedro terá que pagar a multa de 10% do art. 523, § 1º?

NÃO. Não haverá a incidência da multa mesmo o devedor tendo afirmado que não estava pagando. Isso porque para incidir a multa é necessário que haja a efetiva resistência do devedor por meio da propositura de impugnação, o que não ocorreu. Assim, considerando o depósito efetuado e a ausência de resistência ao cumprimento de sentença, não se justifica a incidência da multa.

Para incidência da multa do art. 523, § 1º, do CPC, é preciso a efetiva resistência do executado ao cumprimento de sentença.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.834.337-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/12/2019 (Info 663).

Procedimento para execução O procedimento para execução de quantia pode ser realizado de duas formas: a) execução de quantia fundada em título executivo extrajudicial; b) execução de quantia fundada em título executivo judicial (cumprimento de sentença). Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuíza uma ação de cobrança contra Pedro. O juiz julgou a sentença procedente, condenando Pedro a pagar R$ 1 milhão ao autor. Houve o trânsito em julgado.

O que acontece agora? João terá que ingressar com uma petição em juízo requerendo o cumprimento da sentença. O início da fase de cumprimento da sentença pode ser feito de ofício pelo juiz? NÃO. O cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia, provisório ou definitivo, só pode ser feito a requerimento do exequente (art. 513, § 1º do CPC/2015).

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Cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante demonstrativo discriminado e atualizado do crédito (art. 524 do CPC/2015). Em outras palavras, o início da fase de cumprimento da sentença exige um requerimento do credor:

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver.

A partir do requerimento do credor, o que faz o juiz? O juiz determina a intimação do devedor para pagar a quantia em um prazo máximo de 15 dias úteis. Esse prazo de 15 dias é contado a partir de quando? Da intimação do devedor para pagar. Não basta que o devedor já tenha sido intimado anteriormente da sentença que o condenou. Para começar o prazo de 15 dias para pagamento, é necessária nova intimação. Assim, a multa de 10% depende de nova intimação prévia do devedor. A forma dessa intimação está prevista no art. 513 do CPC/2015:

Art. 513 (...) § 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença: I - pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos; II - por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV; III - por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do art. 246, não tiver procurador constituído nos autos IV - por edital, quando, citado na forma do art. 256, tiver sido revel na fase de conhecimento. § 3º Na hipótese do § 2º, incisos II e III, considera-se realizada a intimação quando o devedor houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo, observado o disposto no parágrafo único do art. 274. § 4º Se o requerimento a que alude o § 1º for formulado após 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença, a intimação será feita na pessoa do devedor, por meio de carta com aviso de recebimento encaminhada ao endereço constante dos autos, observado o disposto no parágrafo único do art. 274 e no § 3º deste artigo.

Se o devedor condenado é intimado para pagar e não efetua o pagamento no prazo de 15 dias, o que acontecerá em seguida? 1) o montante da condenação será automaticamente acrescido de multa de 10% + honorários de 10%; 2) será expedido mandado para que sejam penhorados e avaliados os bens do devedor para satisfação do crédito. Neste momento, inicia-se a execução forçada do título diante do não cumprimento espontâneo.

É o que prevê o § 1º do art. 523:

Art. 523 (...) § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.

(Juiz Federal TRF3 2018) Em se tratando de quantia certa, não ocorrendo o pagamento voluntário no prazo legal, o débito será acrescido de multa e de honorários advocatícios, ambos no percentual de dez por cento (10%) cada. (CERTO)

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34

Se for efetuado o pagamento apenas parcial, a multa e os honorários incidirão sobre o restante que faltou (art. 523, § 2º do CPC/2015). Na fase de cumprimento de sentença existe alguma forma de “defesa” do devedor? SIM. A defesa típica do devedor executado no cumprimento de sentença é a chamada impugnação. Para que o devedor apresente impugnação, é indispensável a garantia do juízo, ou seja, é necessário que haja penhora, depósito ou caução? • CPC 1973: SIM. • CPC 2015: NÃO.

No novo CPC, a impugnação não depende de prévia garantia do juízo.

Qual é o prazo para a apresentação da impugnação? 15 dias.

A partir de quando é contado o prazo para que o executado ofereça impugnação? O prazo de 15 dias para impugnação inicia-se imediatamente após acabar o prazo de 15 dias que o executado tinha para fazer o pagamento voluntário (art. 525, caput). Não é necessária nova intimação. Acabou um prazo, começa o outro.

Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação.

A impugnação possui efeito suspensivo? O juiz pode conceder efeito suspensivo, desde que preenchidos quatro requisitos: a) deve haver requerimento expresso do executado/impugnante; b) deve estar garantido o juízo, com penhora, caução ou depósito suficientes; c) os fundamentos da impugnação devem ser relevantes; d) o executado/impugnante deverá demonstrar que o prosseguimento da execução poderá causar a si grave dano de difícil ou incerta reparação. Isso está previsto no § 6º do art. 525 do CPC/2015:

§ 6º A apresentação de impugnação não impede a prática dos atos executivos, inclusive os de expropriação, podendo o juiz, a requerimento do executado e desde que garantido o juízo com penhora, caução ou depósito suficientes, atribuir-lhe efeito suspensivo, se seus fundamentos forem relevantes e se o prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.

Voltando ao nosso exemplo: João ingressou com pedido requerendo o cumprimento da sentença. Pedro (o devedor) foi intimado para cumprir a sentença, ou seja, para pagar a condenação (R$ 1 milhão) no prazo de 15 dias. Dentro do prazo, Pedro depositou em juízo o valor da condenação (R$ 1 milhão) e apresentou petição narrando o seguinte: “o depósito ora comprovado, que não é pagamento e sim garantia do Juízo, terá o condão, juntamente com as razões que serão apresentadas pelo Executado, de conferir efeito suspensivo à impugnação que será ofertada no prazo a que alude o artigo 525 do CPC”. Desse modo, o devedor afirmou expressamente que não estava pagando, mas apensa garantindo o juízo para fins de impugnação.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35

Vamos agora imaginar duas hipóteses: Hipótese 1: Pedro, logo em seguida ao ato acima, apresentou impugnação ao cumprimento de sentença. A impugnação foi julgada improcedente. Pedro terá que pagar a multa de 10% do art. 523, § 1º? SIM. Veja:

A multa a que se refere o art. 523 do CPC/2015 será excluída apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão do débito. STJ. 3ª Turma. REsp 1803985/SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/11/2019. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1435744/SE, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 28/05/2019.

“A multa incidirá mesmo que o devedor venha depositar o valor devido, mas pretenda discutir o objeto do cumprimento. É que em tal caso juridicamente não se operou o pagamento; não houve adimplemento ou vontade de extinguir o procedimento executivo, mas, ao contrário, de lhe dar sequência para discussão do todo ou parte.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao código de processo civil. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 523). Hipótese 2: Pedro depositou em juízo o valor da condenação (R$ 1 milhão) e apresentou petição narrando que aquilo não era pagamento e sim garantia do Juízo. Apesar disso, Pedro não apresentou a impugnação. Transcorrido o prazo, como o devedor não ingressou com a impugnação, o credor pediu a expedição de guia para levantamento do valor depositado, o que foi deferido pelo juiz mediante alvará. Pedro terá que pagar a multa de 10% do art. 523, § 1º? NÃO. Considerando o caráter coercitivo da multa, a desestimular comportamentos exclusivamente baseados na protelação da satisfação do débito perseguido, não há de se admitir sua aplicação para o devedor que efetivamente faz o depósito integral da quantia dentro do prazo legal e não apresenta impugnação ao cumprimento de sentença. Vale ressaltar que não haverá a incidência da multa mesmo o devedor tendo afirmado que não estava pagando. Isso porque para incidir a multa é necessário que haja a efetiva resistência do devedor por meio da propositura de impugnação, o que não ocorreu. Assim, considerando o depósito efetuado e a ausência de resistência ao cumprimento de sentença, não se justifica a incidência da multa. Em suma:

Para incidência da multa do art. 523, § 1º, do CPC, é preciso a efetiva resistência do executado ao cumprimento de sentença. STJ. 3ª Turma. REsp 1.834.337-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/12/2019 (Info 663).

EXECUÇÃO Não tendo sido prestada garantia real, é desnecessária a citação em ação de execução, como litisconsorte passivo necessário, do cônjuge que apenas autorizou seu consorte a prestar aval

O cônjuge que apenas autorizou seu consorte a prestar aval, nos termos do art. 1.647, III, do Código Civil (outorga uxória), não é avalista.

Dessa forma, não havendo sido prestada garantia real, não é necessária sua citação como litisconsorte, bastando a mera intimação do cônjuge que apenas autorizou o aval.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.475.257-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/12/2019 (Info 663).

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Informativo comentado

Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36

Imagine a seguinte situação hipotética: Pedro figurou como devedor em um título de crédito emitido em favor do Banco Safra. João, amigo de Pedro, aceitou ser avalista. Aval Aval é o ato cambial de garantia por meio do qual um indivíduo, chamado de “avalista”, mesmo sem ser o devedor principal, se compromete a pagar o valor do título de crédito. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho:

“O aval é o ato cambiário pelo qual uma pessoa (avalista) se compromete a pagar título de crédito, nas mesmas condições que um devedor desse título (avalizado).” (Curso de Direito Comercial. Vol. 1. Direito de Empresa. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 539).

Se uma pessoa vai dar o seu aval, ela precisará da concordância do seu cônjuge? Exige-se outorga uxória ou marital (concordância do cônjuge) para que a pessoa seja avalista? • Leis que regem os títulos de crédito: NÃO. Não há previsão exigindo. • Código Civil: SIM. Exige-se autorização do cônjuge, nos termos do art. 1.647, III:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: (...) III - prestar fiança ou aval;

(Promotor MP/PI 2012 CESPE) Nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, prestar fiança ou aval. (CERTO) Voltando ao exemplo: Como João é casado em regime de comunhão parcial de bens, o banco exigiu que a sua esposa (Maria) fizesse uma declaração autorizando que seu marido (João) prestasse o aval, nos termos do art. 1.647, III, do Código Civil acima transcrito. Pedro não pagou a instituição financeira no vencimento. Diante disso, o banco ajuizou execução de título extrajudicial apenas contra Pedro e João cobrando a quantia. Exceção de pré-executividade João não tinha muitas teses jurídicas disponíveis, então, resolveu ingressar com exceção de pré-executividade alegando que houve nulidade absoluta da execução pela não formação de litisconsórcio passivo necessário. Isso porque o banco deveria ter ajuizado a execução também contra Maria já que ela autorizou o aval. João afirmou que foi descumprida a regra do art. 73, § 1º, II, do CPC/2015:

Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens. § 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação: (...) II - resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;

Vale ressaltar que o banco não citou Maria como litisconsorte (executada), mas pediu a sua intimação para que ela tivesse conhecimento da existência da ação. A tese de João foi acolhida pelo STJ? NÃO.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37

Obrigação pessoal De fato, o art. 1.647, III, do Código Civil exige autorização do cônjuge para que a pessoa casada possa prestar aval. A única exceção é para o caso do regime de bens ser o da separação absoluta. Esse consentimento foi devidamente prestado por Maria, esposa de João. Ocorre que não pode pretender o avalista a inclusão de sua esposa no polo passivo da demanda executiva, pois o aval é uma garantia de pagamento de título de crédito que tem natureza pessoal e, com isso, o pagamento somente pode ser imputado a ele, avalista. Dessa feita, por se tratar de obrigação de natureza pessoal, não pode o cônjuge que presta consentimento ser também considerado avalista. Por consequência, não pode figurar no polo passivo da execução. Situação não se amolda ao art. 73, § 1º, II, do CPC/2015 O aval é ato jurídico de prestação de garantia. O aval poderia, eventualmente, ter sido praticado por ambos os cônjuges, na condição de avalistas. Em outras palavras, João e Maria poderiam ter sido avalistas juntos. Ocorre que não foi isso que aconteceu. O aval foi praticado apenas pelo executado (João). Sua esposa assinou unicamente na condição de outorgante da autorização para a prestação da garantia. Assim, ela não foi avalista, mas apenas autorizou que seu marido desse aval, para atender ao comando do art. 1.647, III, do Código Civil. Assim, não há que se falar em litisconsórcio necessário porque o cônjuge do avalista não é avalista ou tampouco praticou ato visando à garantia. Em suma:

O cônjuge que apenas autorizou seu consorte a prestar aval, nos termos do art. 1.647, III, do Código Civil (outorga uxória), não é avalista. Dessa forma, não havendo sido prestada garantia real, não é necessária sua citação como litisconsorte, bastando a mera intimação do cônjuge que apenas autorizou o aval. STJ. 4ª Turma. REsp 1.475.257-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 10/12/2019 (Info 663).

EXECUÇÃO Juiz, no despacho inicial da execução, fixou os honorários advocatícios; esse valor é, em

princípio, provisório; ocorre que, no curso da execução, foi firmado acordo entre as partes, sem nada dispor sobre honorários; o advogado poderá executar esse valor fixado no despacho inicial

Quando houver sentença homologatória de transação firmada entre as partes e esta não dispor sobre os honorários sucumbenciais, a decisão inicial que arbitra os honorários advocatícios em execução de título extrajudicial pode ser considerada título executivo.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.819.956-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/12/2019 (Info 663).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou execução de título extrajudicial contra Pedro cobrando R$ 100 mil. O advogado de João na época, que elaborou e subscreveu a petição inicial, foi Dr. André. O processo foi distribuído para a 5ª vara cível e o juiz, ao despachar a inicial da execução, fixou os honorários advocatícios em R$ 10 mil (10% sobre o valor do débito cobrado), nos termos do caput do art. 827, do CPC/2015:

Art. 827. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 38

§ 1º No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade. § 2º O valor dos honorários poderá ser elevado até vinte por cento, quando rejeitados os embargos à execução, podendo a majoração, caso não opostos os embargos, ocorrer ao final do procedimento executivo, levando-se em conta o trabalho realizado pelo advogado do exequente.

No curso da demanda, João revogou o mandato outorgado a Dr. André. Um dia depois, João, agora assistido por novo advogado (Dr. Bruno), fez um acordo (transação) com Pedro para extinguir a execução. A transação foi homologada pelo juízo. Vale ressaltar que, neste acordo, não se tratou sobre honorários advocatícios sucumbenciais. Execução proposta pelo primeiro advogado Diante disso, Dr. André pediu, no próprio processo, a execução dos R$ 10 mil de honorários advocatícios fixados no despacho inicial. O magistrado da 5ª Vara Cível indeferiu o pedido do Dr. André, afirmando que ele não pode cobrar nesta execução e que terá que ajuizar uma ação autônoma para arbitramento dos honorários. Agiu corretamente o juiz? NÃO. Os honorários fixados no despacho inicial da execução possuem caráter provisório. Isso porque eles poderão ser majorados, reduzidos ou excluídos, conforme o resultado final do processo. • Reduzidos: se o executado pagar integralmente a dívida no prazo de 3 dias depois da citação (§ 1º do art. 827); • Majorados: o valor dos honorários poderá ser elevado até 20%, quando rejeitados os embargos à execução (§ 2º). • Excluídos: caso os embargos à execução opostos pelo devedor sejam acolhidos. No caso concreto, não se verificou nenhuma das situações em que os honorários poderiam ser reduzidos ou excluídos. Por essa razão, conclui-se que é possível a cobrança, na própria execução, dos honorários no valor fixado no despacho inicial. Vale ressaltar que os honorários pleiteados são os sucumbenciais (e não os contratuais). Logo, ao fixá-los no mínimo de 10% sobre a dívida, o magistrado de primeiro grau garantiu ao advogado o recebimento desse valor, no mínimo, exceto se o próprio advogado tivesse transacionado sobre seu direito, o que não ocorreu, de modo que a referida decisão deve ser considerada um título executivo. O acordo firmado pelo cliente do advogado e a parte contrária não pode prejudicar os honorários advocatícios, salvo aquiescência do profissional, conforme prevê o art. 24, § 4º, do Estatuto da OAB:

Art. 24 (...) § 4º O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença.

Para o STJ, o que se nota é a atuação das partes no sentido de se esquivar, aparentemente de forma indevida, do pagamento dos honorários devidos à banca ao primeiro advogado que até então representava o exequente. Por conseguinte, o negócio jurídico firmado pelos litigantes não pode ser oponível ao patrono que não participou da transação e foi diretamente afetado pelos seus efeitos, a ponto de ter excluído um direito que lhe era próprio.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 39

Em suma:

Quando houver sentença homologatória de transação firmada entre as partes e esta não dispor sobre os honorários sucumbenciais, a decisão inicial que arbitra os honorários advocatícios em execução de título extrajudicial pode ser considerada título executivo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.819.956-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 10/12/2019 (Info 663).

A decisão inicial que arbitrou os honorários advocatícios pode ser considerada como um título executivo, até mesmo em homenagem ao princípio da instrumentalidade das formas, pois as partes não seriam prejudicadas e o processo atingiria sua finalidade sem o indesejável e excessivo apego ao formalismo.

DIREITO PENAL

ESTELIONATO A competência para julgar estelionato que ocorre mediante depósito ou transferência bancária é do local da agência beneficiária do depósito ou transferência bancária (local onde se situa a

agência que recebeu a vantagem indevida)

Importante!!!

Pacificou!!!

Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida, auferida mediante o depósito em favor de conta bancária de terceiro, a competência deverá ser declarada em favor do juízo no qual se situa a conta favorecida.

No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a quantia foi depositada em sua conta.

STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019.

STJ. 3ª Seção. CC 169.053-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Não confundir:

• estelionato que ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado: a competência é do local onde a vítima possui a conta bancária. Isso porque, nesta hipótese, o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária. Aplica-se o raciocínio da súmula 48 do STJ (Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.)

• estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária. Isso porque, neste caso, a obtenção da vantagem ilícita ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, ou seja, no momento em que ele é depositado em sua conta.

Imagine a seguinte situação hipotética: João, morador de Brasília (DF) viu um anúncio na internet que oferecia empréstimo “rápido e fácil”.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 40

Ele entrou em contato com a pessoa que se identificou como Henrique. João combinou de receber um empréstimo de R$ 70 mil, no entanto, para isso, ele precisaria depositar uma parcela de R$ 1 mil a título de “custas” para a conta bancária de Henrique, vinculada a uma agência bancária localizada em São Paulo (SP). João efetuou o depósito e, então, percebeu que se tratava de uma fraude porque nunca recebeu o dinheiro do suposto empréstimo. Quem será competente para processar e julgar este crime de estelionato: o juízo da comarca de Brasília (onde foi feito o depósito) ou o juízo da comarca de São Paulo (local onde o dinheiro foi recebido)? O juízo da comarca de São Paulo.

Na hipótese em que o estelionato se dá mediante vantagem indevida, auferida mediante o depósito em favor de conta bancária de terceiro, a competência deverá ser declarada em favor do juízo no qual se situa a conta favorecida. No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a quantia foi depositada em sua conta. STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/08/2019. STJ. 3ª Seção. CC 169.053-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Nos termos do art. 70 do CPP, a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração e o estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP, que consuma-se no local e momento em que é auferida a vantagem ilícita. O prejuízo alheio, apesar de fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de estelionato e não à conduta propriamente. O núcleo do tipo penal é obter vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente. Não confundir: • estelionato que ocorre por meio do saque (ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado: a competência é do local onde a vítima possui a conta bancária. Isso porque, nesta hipótese, o local da obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde foi sacado o cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária. Aplica-se o raciocínio da súmula 48 do STJ:

Súmula 48-STJ: Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque.

• estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária. Isso porque, neste caso, a obtenção da vantagem ilícita ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do dinheiro, ou seja, no momento em que ele é depositado em sua conta. Nesse sentido:

(...) 1. A jurisprudência da Terceira Seção desta Corte tem oscilado na solução dos conflitos que versam acerca de crime de estelionato no qual a vítima é induzida a efetuar depósito ou transferência bancária em prol de conta bancária do beneficiário da fraude. 2. Deve prevalecer a orientação que estabelece diferenciação entre a hipótese em que o estelionato se dá mediante cheque adulterado ou falsificado (consumação no banco sacado, onde a vítima mantém a conta

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 41

bancária), do caso no qual o crime ocorre mediante depósito ou transferência bancária (consumação na agência beneficiária do depósito ou transferência bancária). 3. Se o crime de estelionato só se consuma com a efetiva obtenção da vantagem indevida pelo agente ativo, é certo que só há falar em consumação, nas hipóteses de transferência e depósito, quando o valor efetivamente ingressa na conta bancária do beneficiário do crime. 4. No caso, considerando que a vantagem indevida foi auferida mediante o depósito em contas bancárias situadas em São Paulo/SP, a competência deverá ser declarada em favor daquele Juízo (suscitado). (...) STJ. 3ª Seção. CC 169.053/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/12/2019.

(...) nas hipóteses de estelionato no qual a vítima efetua pagamento ao autor do delito por meio de cheque, a competência para a apuração do delito é do Juízo do local da agência bancária da vítima, porque a consumação se dá quando o cheque é descontado pelo banco sacado. Já no caso de a vítima ter feito o pagamento mediante depósito bancário em dinheiro, como ocorreu no caso concreto, a jurisprudência firmada nessa Corte entende que o delito consuma-se no local onde verificada a obtenção da vantagem indevida, ou seja, no momento em que o valor entra na esfera de disponibilidade do autor do crime. (...) STJ. 3ª Seção. CC 161.881/CE, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 13/03/2019.

Cuidado com o Jurisprudência em Teses A tese 9 do Jurisprudência em Teses nº 84 do STJ afirma o seguinte:

9) O delito de estelionato é consumado no local em que se verifica o prejuízo à vítima.

Cuidado porque essa tese não pode ser tomada de forma absoluta e não se aplica, por exemplo, para a hipótese acima explicada. Assim, no caso de estelionato que ocorre quando a vítima, induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o estelionatário possui a conta bancária.

LEI ANTITERRORISMO Para que se configure o crime do art. 5º da Lei nº 13.260/2016 (atos preparatórios de

terrorismo) exige-se que o sujeito tenha agido por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião

Importante!!!

A tipificação da conduta descrita no art. 5º da Lei Antiterrorismo (atos preparatórios de terrorismo) exige a motivação por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, expostas no art. 2º do mesmo diploma legal.

STJ. 6ª Turma. HC 537.118-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 05/12/2019 (Info 663).

Lei Antiterrorismo Em 2016, foi editada a Lei nº 13.260/2016, que “regulamenta o disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista” (art. 1º). A Lei de Terrorismo prevê os seguintes crimes: • Praticar atos de terrorismo (art. 2º); • Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio à organização terrorista (art. 3º); • Realizar atos preparatórios de terrorismo (art. 5º); • Receber, oferecer, obter, investir etc recursos de qualquer natureza para a prática de crimes previstos na Lei nº 13.260/2016 (art. 6º).

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 42

Conceito legal de terrorismo A Lei nº 13.260/2016 define o crime de terrorismo nos seguintes termos:

Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Crime de terrorismo O crime de terrorismo está tipificado no § 1º do art. 2º da Lei nº 13.260/2016:

Art. 2º (...) § 1º São atos de terrorismo: I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; II – (VETADO); III - (VETADO); IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento; V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa: Pena - reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.

Atos preparatórios de terrorismo

Art. 5º Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito: Pena - a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade. § 1º Incorre nas mesmas penas o agente que, com o propósito de praticar atos de terrorismo: I - recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; ou II - fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade. § 2º Nas hipóteses do § 1º, quando a conduta não envolver treinamento ou viagem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade, a pena será a correspondente ao delito consumado, diminuída de metade a dois terços.

Sujeito ativo: este delito por ser praticado por qualquer pessoa; trata-se de crime comum. Sujeito passivo: é a coletividade. Atos preparatórios: Em regra, os atos preparatórios de um delito não são punidos. A punição, normalmente, só pode existir se o agente iniciou a prática de atos executórios (art. 14, II, do Código Penal). O legislador, no entanto, decidiu punir os atos preparatórios do delito de terrorismo. Para isso, ele criou um tipo específico: o presente art. 5º da Lei nº 13.260/2016. Desse modo, o que o art. 5º pune são os atos preparatórios do crime de terrorismo. Assim, antes que o sujeito inicie a execução do terrorismo, ele já pode ser punido pelo art. 5º. Vale ressaltar que existem outros exemplos disso, como é o caso do art. 34 da Lei de Drogas.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 43

Caráter subsidiário: O art. 5º é considerado um crime subsidiário considerando que ele só irá incidir se o agente não praticar nenhum ato executório. Se o agente praticar ato executório, incidirá o próprio crime de terrorismo (art. 2º) e não mais o delito do art. 5º. Assim, o delito do art. 5º funciona como “soldado de reserva” em relação ao delito de terrorismo previsto no art. 2º, ambos da Lei nº 13.260/2016. Tipo penal aberto: A previsão do caput do art. 5º é criticada por alguns doutrinadores porque possui uma redação extremamente aberta já que não descreve quais seriam esses atos preparatórios. Em razão disso, há quem afirme que ele seria inconstitucional. Conspiração ao terrorismo: “Realizar atos preparatórios é praticar ou fazer qualquer feito introdutório ou preliminar de terrorismo, razão pela qual, esse tipo pode ser identificado como a criminalização da conspiração ao terrorismo, vocábulo que se assemelha ao crime de conspiracy do direito anglo-saxão, o qual se satisfaz com o planejamento da prática de um único crime. Por exemplo, um terrorista que desenvolve um programa de computador capaz de controlar o sistema de transporte de uma cidade e produzir inúmeros acidentes de trânsito, mas antes de executá-lo ou instalá-lo, é detido em razão de investigações policiais.” (SOUZA, Renee do Ó. Leis penais especiais. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 1948) Elemento subjetivo: o crime é punido a título de dolo, sendo exigida uma motivação especial. Assim, o agente deve ter praticado a conduta por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Motivação especial:

A tipificação da conduta descrita no art. 5º da Lei Antiterrorismo (atos preparatórios de terrorismo) exige a motivação por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, expostas no art. 2º do mesmo diploma legal. STJ. 6ª Turma. HC 537.118-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 05/12/2019 (Info 663).

Conforme vimos, a criminalização dos atos preparatórios do delito de terrorismo exige a interpretação sistemática, não se podendo, portanto, perder de vista a redação do art. 2º ao se analisar o art. 5º. Assim, não se mostra admissível, do ponto de vista hermenêutico, que o delito subsidiário (art. 5º) tenha âmbito de aplicação diferente do delito principal (art. 2º). Por esse motivo, a tipificação da conduta descrita no art. 5º exige a motivação por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, expostas no art. 2º da Lei Antiterrorismo. DOD Plus – investigação e competência O art. 11 da Lei nº 13.260/2016 prevê o seguinte:

Art. 11. Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal.

(Promotor MPE GO 2016 banca própria) A Lei do Terrorismo considerou que os crimes nela previstos são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição da República. (CERTO)

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 44

DIREITO PROCESSUAL PENAL

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA Não é cabível a realização de audiência de custódia por meio de videoconferência

Importante!!!

A audiência de custódia, no caso de mandado de prisão preventiva cumprido fora do âmbito territorial da jurisdição do Juízo que a determinou, deve ser efetivada por meio da condução do preso à autoridade judicial competente na localidade em que ocorreu a prisão. Não se admite, por ausência de previsão legal, a sua realização por meio de videoconferência, ainda que pelo Juízo que decretou a custódia cautelar.

STJ. 3ª Seção. CC 168.522-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Audiência de custódia Audiência de custódia consiste... - no direito que a pessoa presa possui - de ser conduzida (levada), - sem demora (CPP adotou o máximo de 24h), - à presença de uma autoridade judicial (magistrado) - que irá analisar se os direitos fundamentais dessa pessoa foram respeitados (ex: se não houve tortura) - se a prisão em flagrante foi legal ou se deve ser relaxada (art. 310, I, do CPP) - e se a prisão cautelar (antes do trânsito em julgado) deve ser decretada (art. 310, II) ou se o preso poderá receber a liberdade provisória (art. 310, III) ou medida cautelar diversa da prisão (art. 319). Previsão A audiência de custódia é prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), que ficou conhecida como “Pacto de San Jose da Costa Rica”, promulgada no Brasil pelo Decreto 678/92. Veja o que diz o artigo 7º, item 5, da Convenção:

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal (...) 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais (...)

Regulamentação Ocorre que, até o final de 2019, não havia uma lei no Brasil disciplinando a audiência de custódia. Diante desse cenário e a fim de dar concretude à previsão da CADH, o STF, em 09/09/2015, deferiu medida cautelar na ADPF 347/DF e determinou que, no prazo de até 90 dias, os Juízes e Tribunais viabilizassem “o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, contado do momento da prisão” (Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 19/02/2016) Diante disso, em 15/12/2015, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 213, disciplinando a audiência de custódia. No fim de 2019, foi editada a Lei nº 13.964/2019 (chamada de Pacote Anticrime) inserindo no CPP a previsão expressa da audiência de custódia. Vejamos os dispositivos inseridos ou alterados pela Lei nº 13.964/2019:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 45

Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará à prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado.

Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia.

Houve o detalhamento da audiência de custódia no art. 310 do CPP, com redação dada pela Lei nº 13.964/2019.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (...)

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (...)

Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

§ 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos incisos I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

Proibição genérica de liberdade provisória O novo § 2º do art. 310 afirma que o juiz deverá negar liberdade provisória se o flagranteado: • for reincidente; • integrar organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito.

Não havia § 2º do art. 310. § 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares.

Possibilidade deste novo § 2º do art. 310 ser declarado inconstitucional O STF entende que é inconstitucional a lei que proíbe a liberdade provisória de forma genérica. A lei, quando afasta a concessão de liberdade provisória de forma genérica, retira do juiz a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos da necessidade ou não da prisão cautelar.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 46

Cabe ao magistrado, e não ao legislador, verificar se configuram ou não, em cada caso, hipóteses que justifiquem a prisão cautelar. Isso porque a Constituição Federal não permite a prisão ex lege (ou seja, apenas por força de lei). Nesse sentido: STF. Plenário. HC 104339/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/5/2012. Responsabilização da autoridade que, injustificadamente, deu causa a não realização da audiência de custódia

Não havia § 3º do art. 310. § 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão.

Não realização da audiência de custódia em 24 horas enseja a ilegalidade da prisão Vale ressaltar que, mesmo sendo reconhecida a ilegalidade, o flagranteado não será necessariamente colocado em liberdade considerando que é possível a decretação da prisão preventiva:

Não havia § 4º do art. 310. § 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva.*

* Observação: No dia 22/01/2020, o Ministro Luiz Fux, vice-presidente do STF, proferiu decisão monocrática nas ADIs 6298, 6299, 6300 e 6305, suspendendo a eficácia de diversos dispositivos da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Esse novo § 4º do art. 310 do CPP, que prevê a liberalização da prisão pela não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas, encontra-se suspenso até que o Plenário do STF aprecie a decisão cautelar. Ao estudar, confira se essa decisão foi mantida ou não e se o dispositivo está produzindo efeitos. A audiência de custódia deve ser realizada apenas em casos de prisão em flagrante ou também nas demais espécies de prisão (exs: prisão preventiva, prisão temporária etc)? Também nas demais espécies. Nesse sentido, veja o que diz o art. 13 da Resolução 213/2015 do CNJ:

Art. 13. A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução. Parágrafo único. Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local.

A nova redação o art. 287 do CPP, dada pela Lei nº 13.964/2019, também indica que não apenas a prisão em flagrante, mas também as prisões decorrentes de mandado (ex: prisão preventiva) ensejam a realização de audiência de custódia. Veja:

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 47

Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia.

Imagine agora a seguinte situação hipotética: O Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos decretou a prisão preventiva de João. O cumprimento do mandado de prisão ocorreu na cidade de Curitiba/PR, sendo o preso levado para a Superintendência da Polícia Federal no Paraná. O Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos foi informado de que houve a prisão. Ele, então, expediu carta precatória para que um dos Juízes Federais de Curitiba fizesse a audiência de custódia. A carta precatória foi distribuída para o Juízo Federal da 2ª Vara de Curitiba, que se declarou incompetente para a realização do ato por entender que a audiência de custódia poderia ser realizada pelo Juízo Deprecante (Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos) por meio de videoconferência. O Juízo Federal da 4ª Vara de Guarulhos não concordou com a providência, razão pela qual ficou configurado conflito negativo de competência, a ser resolvido pelo STJ (art. 105, I, “d”, da CF/88). O STJ concordou com o argumento do Juízo Federal de Curitiba? A audiência deverá ser realizada por videoconferência? NÃO. A Resolução nº 213 do CNJ é clara ao estabelecer que, no caso de cumprimento de mandado de prisão fora da jurisdição do Juiz que a determinou, a apresentação do preso, para a audiência de custódia, deve ser feita à autoridade competente na localidade em que ocorreu a prisão, de acordo com a Lei de Organização Judiciária local. Uma das finalidades precípuas da audiência de custódia é verificar se houve respeito aos direitos e garantias constitucionais da pessoa presa. Esse exame precisa ser feito pelo magistrado com jurisdição na localidade em que ocorreu a prisão. É essa autoridade judicial que tem competência para tomar medidas para resguardar a integridade do preso, bem assim de fazer cessar agressões aos seus direitos fundamentais, e também determinar a apuração das responsabilidades, caso haja relato de que houve prática de torturas e maus tratos. Justamente por isso, a realização por videoconferência atenta contra ratio essendi (razão de ser) da audiência de custódia. Outro motivo apontado pelo STJ foi a ausência de previsão legal. Assim, também porque não há previsão legal de audiência de custódia por meio de videoconferência, compete a sua realização ao Juízo com jurisdição na localidade em que se deu o cumprimento do mandado de prisão preventiva. Em suma:

Não é cabível a realização de audiência de custódia por meio de videoconferência. A audiência de custódia, no caso de mandado de prisão preventiva cumprido fora do âmbito territorial da jurisdição do Juízo que a determinou, deve ser efetivada por meio da condução do preso à autoridade judicial competente na localidade em que ocorreu a prisão. Não se admite, por ausência de previsão legal, a sua realização por meio de videoconferência, ainda que pelo Juízo que decretou a custódia cautelar. STJ. 3ª Seção. CC 168.522-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Decisão do Min. Dias Toffoli como Presidente do CNJ Vale ressaltar que, administrativamente, em 19/11/2019, o Min. Dias Toffoli, no exercício da função de Presidente do CNJ, deferiu medida liminar para suspender resolução que permitia a realização da audiência de custódia por videoconferência (Processo 0008866-60.2019.2.00.0000 – CNJ). Veja alguns trechos da decisão:

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 48

“De outro lado, sem olvidar da reconhecida importância da ferramenta ora em análise para o trâmite dos procedimentos judiciais [videoconferência], sua utilização para as audiências de custódia aparentemente contrasta com os princípios e as garantias constitucionais que a institucionalização deste procedimento buscou preservar. (...) (...) a apresentação pessoal do preso é fundamental para inibir e, sobretudo, coibir, as indesejadas práticas de tortura e maus tratos, eis que a 'transmissão de som e imagem' não tem condições de remediar as vantagens que o contato e a relação direta entre juiz e jurisdicionado proporciona'. (...)”

Lei nº 13.964/2019 Vale ressaltar que o caso acima foi analisado antes da Lei nº 13.964/2019. No entanto, penso que a solução seria a mesma porque essa Lei não disciplinou o tema de forma diferente da Resolução do CNJ, que continuará a ser aplicada para os casos omissos do CPP. ALGUNS ASPECTOS SOBRE A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA QUE COSTUMAM SER COBRADOS EM PROVAS

A explicação do julgado acabou. No entanto, se você ainda tiver um tempo, veja alguns pontos muito cobrados nas provas: Se for preso com foro privativo No caso de prisão em flagrante delito da competência originária de Tribunal, a apresentação do preso poderá ser feita a um juiz que o Presidente do Tribunal ou Relator designar para esse fim. Se o preso estiver internado ou impossibilitado de comparecer Estando a pessoa presa acometida de grave enfermidade, ou havendo circunstância comprovadamente excepcional que a impossibilite de ser apresentada ao juiz no prazo do caput, deverá ser assegurada a realização da audiência no local em que ela se encontre e, nos casos em que o deslocamento se mostre inviável, deverá ser providenciada a condução para a audiência de custódia imediatamente após restabelecida sua condição de saúde ou de apresentação. Se não tiver juiz na comarca Se, por qualquer motivo, não houver juiz na comarca, a pessoa presa será levada imediatamente ao substituto legal. Quem participa da audiência A audiência de custódia será realizada na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso a pessoa detida não possua defensor constituído. É vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia (IMPORTANTE). (Cespe – Defensor Público – DPE – DF/2019 – adaptada) Na audiência de custódia, caso não tenha advogado particular, o preso poderá contar com a assistência de defensor público, que acompanhará o ato na presença do juiz, do promotor de justiça, do secretário de audiência e dos policiais que promoveram a prisão. (ERRADO) Se a pessoa presa em flagrante delito constituir advogado até o término da lavratura do auto de prisão em flagrante, o Delegado de polícia deverá notificá-lo, pelos meios mais comuns, tais como correio eletrônico, telefone ou mensagem de texto, para que compareça à audiência de custódia.

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Direito à conversa reservada antes de começar a audiência Antes da apresentação da pessoa presa ao juiz, será assegurado seu atendimento prévio e reservado por advogado por ela constituído ou defensor público, sem a presença de agentes policiais. Deve ser reservado local apropriado para garantir a confidencialidade do atendimento prévio com advogado ou defensor público. O que o juiz deverá perguntar e fazer durante a audiência: Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo: 1) esclarecer o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões a serem analisadas pela autoridade judicial; 2) assegurar que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito; 3) dar ciência sobre seu direito de permanecer em silêncio; 4) questionar se lhe foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de consultar-se com advogado ou defensor público, o de ser atendido por médico e o de comunicar-se com seus familiares; 5) indagar sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão; 6) perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis; 7) verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em que: a) não tiver sido realizado; b) os registros se mostrarem insuficientes; c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado; d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial;

8) abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante; (Cespe – Defensor Público – DPE – DF/2019 – adaptada) Na audiência de custódia, ao entrevistar o preso, o juiz deverá abster-se de formular perguntas com a finalidade de produzir provas sobre os fatos objeto do auto da prisão em flagrante, mas deverá indagar acerca do tratamento recebido nos locais por onde o autuado passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos. (CERTO) 9) adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades; 10) averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química, para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar. Perguntas do MP e depois da defesa Após o juiz ouvir a pessoa presa, deverá conceder a palavra ao Ministério Público e depois à defesa técnica, para que estes façam reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação. Requerimentos do MP e da defesa Depois das perguntas, o MP e a defesa poderão requerer: I – o relaxamento da prisão em flagrante;

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 50

II – a concessão da liberdade provisória sem ou com aplicação de medida cautelar diversa da prisão; III – a decretação de prisão preventiva; IV – a adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa. Registro em mídia A oitiva da pessoa presa será registrada, preferencialmente, em mídia, dispensando-se a formalização de termo de manifestação da pessoa presa ou do conteúdo das postulações das partes e ficará arquivada na unidade responsável pela audiência de custódia. A ata da audiência conterá, apenas e resumidamente, a deliberação fundamentada do magistrado quanto à legalidade e manutenção da prisão, cabimento de liberdade provisória sem ou com a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, considerando-se o pedido de cada parte, como também as providências tomadas, em caso da constatação de indícios de tortura e maus tratos. Concluída a audiência de custódia, cópia da sua ata será entregue à pessoa presa em flagrante delito, ao Defensor e ao Ministério Público, tomando-se a ciência de todos, e apenas o auto de prisão em flagrante, com antecedentes e cópia da ata, seguirá para livre distribuição. Se o juiz entender que não é devida ou necessária a prisão Proferida a decisão que resultar no relaxamento da prisão em flagrante, na concessão da liberdade provisória sem ou com a imposição de medida cautelar alternativa à prisão, ou quando determinado o imediato arquivamento do inquérito, a pessoa presa em flagrante delito será prontamente colocada em liberdade, mediante a expedição de alvará de soltura, e será informada sobre seus direitos e obrigações, salvo se por outro motivo tenha que continuar presa. Se o preso declarar que foi torturado Havendo declaração da pessoa presa em flagrante delito de que foi vítima de tortura e maus tratos ou entendimento da autoridade judicial de que há indícios da prática de tortura, será determinado o registro das informações, adotadas as providências cabíveis para a investigação da denúncia e preservação da segurança física e psicológica da vítima, que será encaminhada para atendimento médico e psicossocial especializado.

RECURSOS Depois do trânsito em julgado, defesa impetrou HC pedindo a anulação do acórdão do TJ; STJ concedeu a ordem; TJ rejulgou e manteve a condenação; MP interpõe recurso especial para

aumentar a pena; STJ não pode majorar a pena porque isso seria reformatio in pejus indireta

Ofende o enunciado do non reformatio in pejus indireta o aumento da pena através de decisão em recurso especial interposto pelo Ministério Público contra rejulgamento de apelação que não alterou reprimenda do acórdão anterior, que havia transitado em julgado para a acusação e que veio a ser anulado por iniciativa exclusiva da defesa.

Exemplo: sentença condenou o réu a 10 anos de reclusão. Defesa apelou. Tribunal de Justiça reduziu a pena para 9 anos. Essa decisão transitou em julgado para ambas as partes. Defesa impetrou habeas corpus junto ao STJ, que concedeu a ordem para anular o acórdão do TJ por ausência de prévia intimação. TJ rejulgou a apelação e manteve a condenação, fixando a pena em 9 anos (como na primeira vez). Contra este segundo acórdão o Ministério Público interpôs recurso especial. STJ deu provimento ao Resp para aumentar a pena do réu para 10 anos (como na sentença). Essa decisão do STJ violou o princípio da non reformatio in pejus indireta considerando que colocou o sentenciado em situação pior do que aquela que ele tinha antes do habeas corpus. Desse modo, deve ser afastado o acréscimo da pena (10 anos),

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restabelecendo-se o segundo acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no julgamento do recurso de apelação (9 anos).

STJ. 3ª Seção. RvCr 4.853-SC, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), julgado em 27/11/2019 (Info 663).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi denunciado pela prática de estupro de vulnerável, sendo condenado a 10 anos de reclusão. O réu interpôs apelação e o Tribunal de Justiça reduziu a pena para 9 anos de reclusão. O acórdão transitou em julgado para defesa e Ministério Público. Logo depois de transitar em julgado, a defesa impetrou habeas corpus contra o acórdão do Tribunal de Justiça. Quem julga habeas corpus contra o Tribunal de Justiça? O STJ, nos termos do art. 105, I, “c”, da CF/88. O que a defesa alegou no habeas corpus impetrado no STJ? A defesa demonstrou que o recurso de apelação foi julgado pelo TJ sem que o advogado tenha sido previamente intimado da sessão de julgamento. Logo, a defesa pediu a nulidade do julgamento da apelação. O STJ acolheu o pedido formulado no habeas corpus? É necessário intimar a defesa do dia em que será julgada a apelação? SIM. É indispensável a intimação sobre o dia em que será julgada a apelação, considerando que é direito da defesa acompanhar, se quiser, o julgamento, podendo, inclusive, antes de serem proferidos os votos, fazer sustentação oral. Assim, o defensor do réu deve ser intimado da data marcada para julgamento da apelação criminal. Há, inclusive, uma súmula nesse sentido:

Súmula 431-STF: É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação, ou publicação da pauta, salvo em habeas-corpus.

Como é feita essa intimação: • Se for Defensor Público ou dativo: essa intimação deverá ser pessoal. • Se for defensor constituído: essa intimação pode ser por meio de publicação no órgão oficial de imprensa. Voltando ao nosso exemplo: O STJ acolheu o pedido formulado no habeas corpus e anulou o acórdão do Tribunal de Justiça determinando que houvesse novo julgamento da apelação, desta vez fazendo-se a prévia intimação da defesa. O Tribunal de Justiça, cumprindo a ordem do STJ, rejulgou a apelação defensiva, mas concluiu da mesma forma que já havia decidido, ou seja, manteve a condenação, fixando a pena em 9 anos de reclusão. O que aconteceu em seguida? A defesa conformou-se e não recorreu. O Ministério Público, contudo, interpôs recurso especial contra esse segundo acórdão do Tribunal de Justiça alegando que houve erro na dosimetria e pedindo para que a pena imposta voltasse a ser de 10 anos, tal como fixada pelo juízo de 1ª instância na sentença. O que o STJ decidiu? O STJ deu provimento ao recurso especial interposto pelo MP e restabeleceu a pena fixada em 1ª instância (10 anos).

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 52

Agiu corretamente o STJ? NÃO. Esse julgamento do STJ foi nulo porque violou o princípio da não reformatio in pejus indireta. Vamos entender com calma, fazendo uma breve revisão sobre o tema. Em primeiro lugar, é imprescindível relembrar em que consiste o princípio da non reformatio in pejus (efeito prodômico da sentença) O princípio da non reformatio in pejus significa que, se houver recurso exclusivo da defesa (a acusação não recorreu), o julgamento desse recurso não pode trazer uma piora na situação do réu. O processo penal brasileiro adota o princípio da non reformatio in pejus. Dois fundamentos que justificam a proibição da reformatio in pejus: • Ampla defesa: o recurso é uma das formas de defesa e o condenado seria desestimulado de recorrer se houvesse a possibilidade de sua situação ser piorada nesse recurso. • Sistema acusatório: no sistema acusatório, as funções de acusar, defender e julgar são exercidas por sujeitos processuais bem distintos. Logo, se houve recurso exclusivo da defesa, o Estado-juiz não pode agravar, por iniciativa própria, ou seja, sem pedido do órgão responsável pela acusação, a situação do réu. Existe previsão expressa do princípio da non reformatio in pejus? Esse princípio, como dito, está fundado na ampla defesa e no sistema acusatório. Além disso, o CPP possui um dispositivo que é apontado pela doutrina como sendo a previsão legal do princípio da non reformatio in pejus, apesar da sua redação não ser tão completa quanto deveria:

Art. 617. O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.

(Juiz TJRS 2016 FAUGRS) Quando a Câmara do Tribunal de Justiça decide aumentar a pena do acusado para evitar a impunidade e a injustiça da sentença, mesmo diante da ausência de recurso da acusação, estar-se-á diante de nulidade absoluta, em face do princípio de ne reformatio in pejus. (CERTO) O art. 617 do CPP somente fala em “apelado”. Isso significa que o princípio da non reformatio só vale para a apelação? NÃO. O princípio da non reformatio in pejus é aplicável para todos os recursos no processo penal, sendo a redação do art. 617 incompleta. Se o recurso foi exclusivo da defesa, o Tribunal poderá corrigir, de ofício, erro material da sentença ainda que isso piore a situação do réu? NÃO. Isso seria proibido pelo princípio do non reformatio in pejus. Esse é o entendimento do STF e do STJ:

A recente jurisprudência dos Tribunais Superiores firmou entendimento no sentido de que a correção, de ofício, de erro material na sentença condenatória, em prejuízo do condenado, quando feito em recurso exclusivo da Defesa, constitui inadmissível reformatio in pejus, conforme ocorre na espécie. STJ. 6ª Turma. HC 103460/RS, Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/08/2011.

Se houve recurso apenas da defesa, o Tribunal poderá conhecer e declarar, de ofício, uma nulidade, ainda que isso piore a situação do réu? NÃO. Nesse sentido existe, inclusive, súmula do STF:

Súmula 160-STF: É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 53

Princípio da non reformatio in pejus direta e indireta: A doutrina e a jurisprudência fazem uma diferenciação entre o princípio da non reformatio in pejus direta e indireta. Non reformatio in pejus DIRETA: Consiste justamente em tudo o que foi estudado até agora. Assim, se houve recurso exclusivo da defesa, o Tribunal não pode reformar o julgado recorrido para piorar a situação do réu. Non reformatio in pejus INDIRETA: Significa que, anulada a primeira sentença/acórdão em virtude de recurso exclusivo da defesa (ou em habeas corpus), a situação do réu não pode ser prejudicada na segunda sentença/acórdão. Dessa feita, se apenas o réu recorreu contra a sentença que o condenou e o Tribunal decidiu anular a sentença, determinando que outra seja prolatada, esta nova sentença, se também for condenatória, não pode ter uma pena superior à que foi aplicada na primeira. Exemplo: Cláudio foi condenado a 5 anos de reclusão. Ele recorre, então, ao Tribunal alegando que a sentença prolatada foi proferida por juiz impedido. O Tribunal reconhece que houve nulidade e determina que nova sentença seja prolatada, desta vez por outro magistrado. Uma segunda sentença, então, é proferida. Caso esta seja também condenatória, a pena aplicada não poderá ser superior a 5 anos porque senão a situação do réu teria piorado por conta de um recurso que ele mesmo interpôs. Voltando ao caso concreto: A decisão do STJ que deu provimento ao recurso especial do MP ofendeu a regra da proibição da reformatio in pejus indireta e o disposto no art. 617 do CPP. Após a sentença condenatória, houve recurso de apelação pela defesa, tendo o Tribunal de Justiça reduzido a pena para 9 anos de reclusão. Essa decisão transitou em julgado para ambas as partes, sendo impetrado habeas corpus pelo réu junto ao STJ, cuja ordem foi concedida para cassar o acórdão. Rejulgada a apelação, o Tribunal de Justiça novamente reduziu a reprimenda para o mesmo patamar (9 anos de reclusão). Contra este segundo acórdão o Ministério Público interpôs recurso especial, o qual foi provido para o efeito de majorar a pena do réu para o patamar da sentença (10 anos). O julgamento ocorrido no STJ impôs ao condenado uma situação pior (10 anos) do que aquela que ele teria caso não tivesse impetrado o habeas corpus (9 anos). Logo, a decisão do STJ violou o princípio da non reformatio in pejus indireta, ao colocar o sentenciado em situação pior do que aquela que ele tinha antes do habeas corpus. Desse modo, deve ser afastado o acréscimo da pena (10 anos), restabelecendo-se o segundo acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no julgamento do recurso de apelação (9 anos). Em suma:

Ofende o enunciado do non reformatio in pejus indireta o aumento da pena através de decisão em recurso especial interposto pelo Ministério Público contra rejulgamento de apelação que não alterou reprimenda do acórdão anterior, que havia transitado em julgado para a acusação e que veio a ser anulado por iniciativa exclusiva da defesa. STJ. 3ª Seção. RvCr 4.853-SC, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), julgado em 27/11/2019 (Info 663).

Uma última pergunta para finalizar: é possível a reformatio in mellius? Se apenas o MP recorreu (para aumentar a pena, p. ex.), é possível que o Tribunal melhore a situação do réu (absolva o condenado, p. ex.)? SIM, se o recurso for da acusação, há possibilidade de reformatio in mellius, ou seja, o Tribunal poderá reformar a decisão para beneficiar o condenado, mesmo ele não tendo recorrido.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 54

Ex: Guilherme é condenado a 5 anos. O MP recorre para que a pena seja aumentada para 6 anos. O Tribunal poderá absolver Guilherme mesmo ele não tendo recorrido. Esta Corte firmou compreensão no sentido de que é admitida a reformatio in melius, em sede de recurso exclusivo da acusação, sendo vedada somente a reformatio in pejus (STJ. 6ª Turma. REsp 628.971/PR, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/03/2010). No caso de recurso do MP, diz-se que é adotado o sistema do benefício comum (communio remedii): o recurso interposto pelo MP poderá tanto melhorar como piorar a situação processual do recorrente (a acusação).

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS A norma do art. 20, § 6º, I, da LC 87/96 não confere o crédito a quem promove as saídas isentas,

mas ao contribuinte que adquire os produtos agropecuários ao abrigo da isenção

A exceção prevista no art. 20, § 6º, I, da LC 87/96, que permite a manutenção de créditos nas operações que envolvem produtos agropecuários, não é destinada àquele que realiza a venda contemplada pela isenção, mas ao contribuinte da etapa posterior, que adquire a mercadoria isenta do imposto e que tem a sua operação de saída normalmente tributada.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.643.875-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 19/11/2019 (Info 663).

Obs: existem julgados da 2ª Turma do STJ concedendo o direito à compensação, mas sem enfrentar com profundidade esse argumento acima exposto. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1606333/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 02/02/2017.

Para fins de prova, por enquanto, recomendo a adoção do entendimento manifestado pela 1ª Turma e divulgado no Info 663 do STJ.

ICMS O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF e na LC 87/96:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

Principais características do imposto: • plurifásico: incide sobre o valor agregado, obedecendo-se ao princípio da não-cumulatividade; • real: as condições da pessoa são irrelevantes; • proporcional: não é progressivo; • fiscal: tem como função principal a arrecadação. Fatos geradores Eduardo Sabbag afirma que, resumidamente, o ICMS pode ter os seguintes fatos geradores (Manual de Direito Tributário. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1061): • circulação de mercadorias; • prestação de serviços de transporte intermunicipal; • prestação de serviços de transporte interestadual; • prestação de serviços de comunicação.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 55

Regra da não cumulatividade O art. 155, § 2º, I, da CF/88 determina que o ICMS “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”. Ricardo Alexandre explica a regra da não cumulatividade:

“A cada aquisição tributada de mercadoria, o adquirente registra como crédito o valor incidente na operação. Tal valor é um “direito” do contribuinte (“ICMS a recuperar”), que pode ser abatido do montante incidente nas operações subsequentes. A cada alienação tributada de produto, o alienante registra como débito o valor incidente na operação. Tal valor é uma obrigação do contribuinte, consistente no dever de recolher o valor devido aos cofres públicos estaduais (ou distritais) ou compensá-los com os créditos obtidos nas operações anteriores (trata-se do “ICMS a recolher”). Periodicamente, faz-se uma comparação entre os débitos e créditos. Caso os débitos sejam superiores aos créditos, o contribuinte deve recolher a diferença aos cofres públicos. Caso os créditos sejam maiores, a diferença pode ser compensada posteriormente ou mesmo, cumpridos determinados requisitos, ser objeto de ressarcimento.” (Direito Tributário. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 721).

Veja o seguinte exemplo e explicação fornecidos por Eduardo de Castro em suas exatas palavras: - Pensemos, inicialmente, numa Operação Interna A de compra e venda de peças de vestuário num montante total de R$ 100,00 celebrada diretamente entre indústria têxtil e consumidor a uma alíquota de 17%. - Em seguida, imaginemos uma Cadeia Econômica de Circulação B, mais longa, das mesmas mercadorias, em que as peças de vestuários fossem vendidas da indústria para um lojista, por um valor de R$ 80,00, e, depois, deste para o consumidor final, pelo montante de R$ 100,00, aplicando-se a todas as operações a alíquota de 17%. - Na primeira situação, o montante recolhido a título de ICMS ao Estado em que realizada a operação pode ser facilmente calculado. Basta ao contribuinte (indústria) aplicar a alíquota de 17% sobre a base de cálculo fornecida (R$ 100,00) para chegar ao total de R$ 17,00; - Operação A: O valor recolhido é igual a aplicação da alíquota sobre a base de cálculo (17% X RS 100,00), ou seja, R$ 17,00. - Na segunda operação, graças ao princípio da não-cumulatividade, ao final do ciclo econômico de circulação da mercadoria - da indústria até o consumidor final, passando pela empresa varejista - seriam recolhidos ao Estado os mesmos R$ 17,00 supracitados. - Aqui, quando da venda dos bens da indústria para a loja, a primeira recolheria ao Estado o montante de R$ 13,60 (17% x R$ 80,00). Na operação seguinte, por sua vez, a loja recolheria ao Poder Público, a título de ICMS o equivalente a 17% da operação (17% X RS 100 = RS 17,00) menos os valores já creditados quando da aquisição (RS 13,60), ou seja, RS 3,40. A soma dos valores é igual aos mesmos RS 17,00 recolhidos na primeira operação: - Operação B.1: Tendo sido a mercadoria vendida pela indústria à loja pelo valor de R$ 80,00, haverá o recolhimento de R$ 13,60 ao Estado (17%XR$ 80,00 =R$ 13,60). - Operação B.2: Na venda da loja ao consumidor pelo valor de RS 100,00, a contribuinte irá recolher aos cofres públicos o total de R$ 3,40, correspondente ao valor creditado quando da compra (R$ 13,60) menos o débito da operação (17% X R$ 100,00 = 17,00). - O valor final recolhido será de R$ 17,00 (R$ 13,60 + R$ 3,40)

Dados Indústria → Loja → Consumidor

Preço R$ 80,00 R$ 100,00

Alíquotas 17% 17%

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 56

Débito R$ 13,60 R$ 17,00

Crédito R$ 0,00 R$ 13,60

ICMS recolhido R$ 13,60 R$ 3,40

Total: R$ 17,00

IMPORTANTE. Ainda que incluíssemos mais uma etapa na cadeia acima, não haveria mudança no panorama apresentado, senão vejamos:

Dados Indústria → Distribuidora → Loja → Consumidor

Preço R$ 80,00 R$ 90,00 R$ 100,00

Alíquotas 17% 17% 17%

Débito R$ 13,60 R$ 15,30 R$ 17,00

Crédito R$ 0,00 R$ 13,60 R$ 15,30

ICMS recolhido R$ 13,60 R$ 1,70 R$ 1,80

Total: R$ 17,00

(CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues. ICMS. 3ª ed., Salvador: Juspodivm, 2019, p. 164-165) Isenção ou não-incidência A CF/88 prevê uma exceção ao princípio da não-cumulatividade. Se, na cadeia de circulação de mercadorias, houver uma situação de isenção ou não incidência, ocorrerá a anulação dos créditos relativos às operações anteriores. Assim, a operação isenta (ou na qual não há incidência de imposto) irá gerar a interrupção dessa cadeia de aproveitamento dos créditos do ICMS. Isso está previsto no art. 155, § 2º, II, “a” e “b”, da CF/88:

Art. 155 (...) II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

Em outras palavras, são duas regras:

“1ª Se a operação anterior é isenta ou não tributada, a operação seguinte não dá direito a crédito, até porque não houve imposto cobrado na operação anterior; 2ª Se a operação seguinte é isenta ou não tributada, deve ser anulado o crédito decorrente do imposto pago na operação anterior, o que tem lógica, pois caso não houvesse essa anulação toda a cadeia de produção ficaria totalmente desonerada.” (MARTINS, Alan; SCARDOELLI, Dimas Yamada. Direito Tributário para concursos. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 136).

Vou recorrer novamente ao exemplo de Eduardo Castro para explicar o tema. Agora, contudo, vamos considerar a operação realizada entre distribuidora e lojista livre da incidência do ICMS por força de isenção:

Dados Indústria → Distribuidora → Loja → Consumidor

Preço R$ 80,00 R$ 90,00 R$ 100,00

Alíquotas 17% Isenta 17%

Débito R$ 13,60 R$ 0,00 R$ 17,00

Crédito R$ 0,00 R$ 0,00 R$ 0,00

ICMS recolhido R$ 13,60 R$ 0,00 R$ 17,00

Total: R$ 30,60

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 57

“Ao final da cadeia econômica, em virtude da anulação dos créditos relativos às operações anteriores, o valor recolhido a título de ICMS será maior do que aquele verificado na cadeia não isenta.” (CASTRO, Eduardo M. L. Rodrigues. Ob. cit., p. 186) Previsão do § 6º do art. 20 da LC 87/96 O art. 20, § 6º, da LC 87/96 prevê duas operações que, mesmo quando isentas, não acarretarão a anulação do crédito relativo às operações anteriores: a) operações com produtos agropecuários; b) operações expressamente ressalvadas pela legislação estadual. Veja a redação da LC 97/96, que regulamenta, em nível infraconstitucional, o ICMS:

Art. 20 (...) § 6º Operações tributadas, posteriores a saídas de que trata o § 3º, dão ao estabelecimento que as praticar direito a creditar-se do imposto cobrado nas operações anteriores às isentas ou não tributadas sempre que a saída isenta ou não tributada seja relativa a: I - produtos agropecuários; II - quando autorizado em lei estadual, outras mercadorias.

As situações do § 6º do art. 20 são, portanto, exceções da exceção prevista no art. 155, § 2º, II, da CF/88. Como são exceções da exceção, significa que voltamos para a regra geral, ou seja, direito do contribuinte de se valer do princípio da não-cumulatividade (que é a regra). Imagine agora a seguinte situação hipotética: A empresa 1 vendeu adubos e fertilizantes (produtos agropecuários), sob o regime de isenção, para a empresa 2. A empresa 1 afirmou que, com essa venda, ela acumulou créditos de ICMS e agora pretende utilizá-los para compensar com débitos que ela possui de ICMS relativos à importação que fez das mercadorias. Em outras palavras, ela afirmou que acumulou os créditos com base no art. 20, § 6º, I, da LC 87/96 e quer aproveitar esse crédito com débitos de ICMS que ela teve ao importar as mercadorias. A empresa tem esse direito? 1ª Turma do STJ: NÃO. Essa previsão do art. 20, § 6º, I, da LC 87/96 não é destinada àquele que realiza a venda de produtos agropecuários contemplada pela isenção, mas sim ao contribuinte da etapa posterior, que adquire a mercadoria isenta do imposto e que tem a sua operação de saída normalmente tributada. Esse adquirente é quem poderá aproveitar os créditos de ICMS referentes às operações anteriores à desonerada, de acordo com a sistemática da não cumulatividade. Em outras palavras, a norma não confere o crédito a quem promove as saídas isentas, mas ao contribuinte que adquire os produtos agropecuários ao abrigo da isenção. Logo, para essa posição, não seria a empresa 1 que teria direito aos créditos, mas sim a empresa 2. STJ. 1ª Turma. REsp 1.643.875-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 19/11/2019 (Info 663). 2ª Turma do STJ: SIM Existem julgados da 2ª Turma do STJ concedendo o direito à compensação sem enfrentar com profundidade essa discussão. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1606333/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 02/02/2017.

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 58

Para fins de prova, por enquanto, recomendo a adoção do entendimento manifestado pela 1ª Turma e divulgado no Info 663 do STJ, ou seja:

A exceção prevista no art. 20, § 6º, I, da LC 87/96, que permite a manutenção de créditos nas operações que envolvem produtos agropecuários, não é destinada àquele que realiza a venda contemplada pela isenção, mas ao contribuinte da etapa posterior, que adquire a mercadoria isenta do imposto e que tem a sua operação de saída normalmente tributada. STJ. 1ª Turma. REsp 1.643.875-RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 19/11/2019 (Info 663).

Qualquer novidade, você será alertada (o).

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Inexiste direito adquirido para os médicos cooperados estrangeiros de permanecer nos quadros de

agentes públicos da saúde pública, ainda que já tenham sido vinculados ao Projeto Mais Médicos para o Brasil. ( )

2) A cláusula de reajuste por faixa etária em contrato de seguro de vida é legal, ressalvadas as hipóteses em que o contrato já tenha previsto alguma outra técnica de compensação do desvio de risco dos segurados idosos. ( )

3) A fixação de determinado valor a ser recebido mensalmente pelo herdeiro a título de adiantamento de herança configura o negócio jurídico processual atípico do art. 190 do CPC/2015. ( )

4) É possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado. ( )

5) A ausência de informação relativa ao preço, por si só, não caracteriza publicidade enganosa. ( ) 6) O síndico (atual administrador judicial) é responsável pela prestação de contas da massa falida ao juízo a

partir do momento de sua nomeação, incluídos os atos realizados pelo gerente na continuidade provisória das atividades. ( )

7) Compete ao juízo da recuperação judicial o julgamento de tutela de urgência que tem por objetivo antecipar o início do stay period ou suspender os atos expropriatórios determinados em outros juízos, antes mesmo de deferido o processamento da recuperação. ( )

8) Não é possível a condenação de emissora de televisão ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em razão da exibição de filme fora do horário recomendado pelo órgão competente. ( )

9) O credor não pode optar pela remessa dos autos ao foro de domicílio do executado se já tiver se iniciado o cumprimento de sentença. ( )

10) (Juiz TJ/RO 2019 VUNESP) Nas causas de sua competência originária, o cumprimento da sentença efetuar-se-á perante os tribunais, podendo o exequente, no entanto, optar pelo juízo do atual domicílio do executado, no juízo do local onde se encontrarem os bens sujeitos à execução ou no juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer. ( )

11) Para incidência da multa do art. 523, § 1º, do CPC, não é preciso a efetiva resistência do executado ao cumprimento de sentença. ( )

12) (Promotor MP/PI 2012 CESPE) Nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta, prestar fiança ou aval. ( )

13) Não tendo sido prestada garantia real, é desnecessária a citação em ação de execução, como litisconsorte passivo necessário, do cônjuge que apenas autorizou seu consorte a prestar aval. ( )

14) Quando houver sentença homologatória de transação firmada entre as partes e esta não dispor sobre os honorários sucumbenciais, a decisão inicial que arbitra os honorários advocatícios em execução de título extrajudicial pode ser considerada título executivo. ( )

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Informativo 663-STJ (14/02/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 59

15) No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro (estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a quantia foi depositada em sua conta. ( )

16) Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque. ( )

17) (DPE/SC FCC 2016) A Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016) prevê a punição de atos preparatórios de terrorismo quando realizado com o propósito inequívoco de consumar o delito. ( )

18) A tipificação da conduta descrita no art. 5º da Lei Antiterrorismo (atos preparatórios de terrorismo) exige a motivação por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, expostas no art. 2º do mesmo diploma legal. ( )

19) Não é cabível a realização de audiência de custódia por meio de videoconferência. ( ) 20) Ofende o enunciado do non reformatio in pejus direta o aumento da pena através de decisão em recurso

especial interposto pelo Ministério Público contra rejulgamento de apelação que não alterou reprimenda do acórdão anterior, que havia transitado em julgado para a acusação e que veio a ser anulado por iniciativa exclusiva da defesa. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. E 4. C 5. C 6. C 7. C 8. E 9. E 10. E

11. E 12. C 13. C 14. C 15. C 16. C 17. C 18. C 19. C 20. E