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87 Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 15-16: 87-111, 2005-2006. Introdução A elaboração de um método de análise da cerâmica arqueológica depara com o difícil desafio de interpretar vestígios materiais que são resultados de processos dinâmicos de manufatura, utilizações, reciclagens e descartes num contexto sistêmico. Tal inserção sistêmica lhe confere uma dupla posição de significado e significante nesse universo, ao mesmo tempo refletindo aspectos fundamentais da sociedade que o produziu e produzindo novos significados nessa mesma sociedade. Tal dinamismo tem que ser entendido e levado em consideração na escolha do método de análise. No entanto, o entendimento da cultura material se dá através da percepção de padrões de recorrência de atributos observados que podem ser significativos tanto do papel dessa na sociedade, quanto o inverso o papel da sociedade na sua produção. Mas a percepção desses padrões se dá através da observação sistemática de uma amostragem quantitativamente significativa, para tanto é necessário objetivar a forma de observação através do estabelecimento de um guia de análise. A amplitude dos aspectos observáveis nos fragmentos cerâmicos faz com que cada ficha de análise corresponda diretamente ao problema de pesquisa que se queira resolver. No entanto, na maior parte dos casos a categorização se torna necessária para o entendimento dos padrões de semelhanças e diferenças entre os atributos correlacionados. O antagonismo de difícil solução se encontra justamente aí, a percepção do dinamismo do processo de significação e a necessidade de categorizações estanques para o mapeamento e compreensão dessas mesmas. O POTENCIAL INTERPRETATIVO DAS ANÁLISES TECNOLÓGICAS: UM EXEMPLO AMAZÔNICO Juliana Salles Machado* MACHADO, J.S. O potencial interpretativo das análises tecnológicas: um exemplo amazônico. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 15-16: 87-111, 2005-2006. RESUMO: O presente trabalho pretende enfatizar a importância da utilização de correlatos fisico-químicos na compreensão do significado das escolhas tecnológicas realizadas no decorrer do processo de produção cerâmica. O levantamento bibliográfico das distintas características de performance obtidas a partir da escolha dos antiplásticos e argilas na produção cerâmica serviu de parâmetro comparativo aos resultados obtidos na utilização conjugada de análises petrográficas e tecnológicas em uma coleção cerâmica proveniente de montículos artificiais do sítio Hatahara, Amazônia Central. A aplicação dessa abordagem visa fornecer subsídios para mapear as distintas prioridades de escolha em cada cadeia operatória, compreendendo melhor as especificidades tecnológicas de cada conjunto artefatual. UNITERMOS: Análise cerâmica – Tecnologia – Amazônia Central – Correlatos físico-químicos. (*) Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutoranda em Antropologia no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. [email protected]

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Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 15-16: 87-111, 2005-2006.

Introdução

A elaboração de um método de análise dacerâmica arqueológica depara com o difícil desafiode interpretar vestígios materiais que são resultadosde processos dinâmicos de manufatura, utilizações,reciclagens e descartes num contexto sistêmico. Talinserção sistêmica lhe confere uma dupla posiçãode significado e significante nesse universo, aomesmo tempo refletindo aspectos fundamentais dasociedade que o produziu e produzindo novossignificados nessa mesma sociedade. Tal dinamismotem que ser entendido e levado em consideração naescolha do método de análise. No entanto, oentendimento da cultura material se dá através da

percepção de padrões de recorrência de atributosobservados que podem ser significativos tanto dopapel dessa na sociedade, quanto o inverso o papelda sociedade na sua produção. Mas a percepçãodesses padrões se dá através da observaçãosistemática de uma amostragem quantitativamentesignificativa, para tanto é necessário objetivar aforma de observação através do estabelecimentode um guia de análise. A amplitude dos aspectosobserváveis nos fragmentos cerâmicos faz com quecada ficha de análise corresponda diretamente aoproblema de pesquisa que se queira resolver. Noentanto, na maior parte dos casos a categorizaçãose torna necessária para o entendimento dospadrões de semelhanças e diferenças entre osatributos correlacionados. O antagonismo de difícilsolução se encontra justamente aí, a percepção dodinamismo do processo de significação e anecessidade de categorizações estanques para omapeamento e compreensão dessas mesmas.

O POTENCIAL INTERPRETATIVO DAS ANÁLISESTECNOLÓGICAS: UM EXEMPLO AMAZÔNICO

Juliana Salles Machado*

MACHADO, J.S. O potencial interpretativo das análises tecnológicas: um exemplo amazônico.Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 15-16: 87-111, 2005-2006.

RESUMO: O presente trabalho pretende enfatizar a importância da utilização decorrelatos fisico-químicos na compreensão do significado das escolhas tecnológicasrealizadas no decorrer do processo de produção cerâmica. O levantamento bibliográficodas distintas características de performance obtidas a partir da escolha dos antiplásticose argilas na produção cerâmica serviu de parâmetro comparativo aos resultadosobtidos na utilização conjugada de análises petrográficas e tecnológicas em umacoleção cerâmica proveniente de montículos artificiais do sítio Hatahara, AmazôniaCentral. A aplicação dessa abordagem visa fornecer subsídios para mapear as distintasprioridades de escolha em cada cadeia operatória, compreendendo melhor asespecificidades tecnológicas de cada conjunto artefatual.

UNITERMOS: Análise cerâmica – Tecnologia – Amazônia Central – Correlatosfísico-químicos.

(*) Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.Doutoranda em Antropologia no Programa de Pós-Graduaçãoem Antropologia Social. [email protected]

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Tendo em vista tal ambigüidade propomos umaforma de análise que apesar de não fugir dascategorizações analíticas tradicionais, possibilita umdiálogo maior com o processo dinâmico por trás doobjeto analisado. Como pressupostos para aconstrução dessa análise buscamos uma mistura deliteraturas entre estudos etnográficos e arqueológicosdo funcionamento da cadeia operatória de produçãocerâmica e do próprio sistema tecnológico e sistemasde classificação arqueológica tradicionais como osmanuais de análise métrica dos artefatos que levam emconta apenas aspectos do contorno formal dos potes.

A coleção amazônica

A fim de compreendermos a cerâmica arqueológicaé necessário que tenhamos em mente tanto os processossistêmicos envolvidos na sua produção, circulação, uso edescarte, quanto os processos pós-deposicionaissofridos na sua matriz natural. Utilizaremos como estudode caso uma análise de vestígios cerâmicos provenientesde um montículo artificial localizado no sítio arqueológicoHatahara, na Amazônia Central (Neves 2000; Machado2005). Constituída principalmente de cerâmica e terrapreta, essa estrutura apresenta alta densidade de vestígioscerâmicos articulados horizontalmente – compondo umcontexto que se diferencia de outros encontrados naregião ou até mesmo no sítio. A cerâmica encontradanesse sítio pode ser classificada como pertencente à

chamada fase Guarita (Fig. 1), nos níveis mais superfici-ais, fase Paredão (Fig. 2) nos níveis intermediários e faseManacapuru (Fig. 3), nos níveis mais profundos(Meggers e Evans 1961; Hilbert 1968). Tais classifica-ções estão relacionadas à cronologia da ocupação daAmazônia Central por grupos ceramistas proposta porMeggers e Evans (1961) e posteriormente refinada porHilbert (1968), a qual identifica os três conjuntoscerâmicos, respectivamente à Tradição Policrômica daAmazônia e à Tradição Borda Incisa – tanto a faseManacapuru, quanto a fase Paredão. A metodologiaempregada na elaboração dessa cronologia consistianuma seriação cerâmica segundo o método quantitativocriado por James Ford e adaptado por Meggers(Machado 2005; Meggers 1971). Atualmente, essacronologia relativa está sendo revista através de uma sériede datações absolutas feitas pelo P.A.C. (ProjetoAmazônia Central), que situam as ocupações cerâmicasda fase Manacapuru entre os sécs. IV e IX d.C.[atualmente dividida nas fases Açutuba (300 a.C. a 360d.C.) e Manacapuru (600 a 1000 d.C.)], da faseParedão entre fins do séc. VII e início do séc. X e dafase Guarita do séc. X ao XVI (Hilbert 1968;Heckenberger et al 1998, 1999; Neves 2000; Lima,Neves e Petersen 2006). A cronologia da ocupaçãoceramista da região apresentada pelo P.A.C. até omomento corrobora a proposta de Hilbert (1968) eMeggers e Evans (1961).

Fig. 1 – Fragmento em argila branca-rosada compintura policrômica proveniente do sítio Hatahara,AM, associada à fase Guarita – Tradição Policrômicada Amazônia.

Fig 2 –Exemplos de decoração plástica acanaladana superfície interna de pedestal, fragmento pro-veniente do sítio Hatahara, AM, associado à faseParedão – Tradição Borda Incisa.

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Os sítios arqueológicos encontrados naregião da Amazônia Central são, na sua maioria,multicomponenciais com sobreposição, respectiva-mente, de cerâmicas das fases Manacapuru, Paredãoe Guarita. No entanto, estruturas como os montículosartificiais apresentam estratigrafias bastante complexas,nas quais as três ocupações cerâmicas acimaapontadas em alguns momentos se entrecruzamaparecendo por vezes de forma concomitante no perfilestratigráfico. Distintos métodos de classificaçãocerâmica vêm sendo utilizados a fim de permitir ummelhor entendimento dos distintos episódios deformação do contexto arqueológico escavado, assimcomo melhor compreender a validade e amplitude dascategorias analíticas acima mencionadas.

Tendo em vista o caráter restritivo e de certaforma deficiente das categorias classificatóriasdefinidas para os vestígios cerâmicos (Machado2005), no presente trabalho procuraremos abordaressas distintas cerâmicas de forma diversa. Para tantofoi criada uma ficha de análise baseada nas etapas dacadeia operatória (Leroi-Gourhan 1971), visandocompreender melhor as prioridades de cada conjuntono que diz respeito às características de performance(Schiffer e Skibo 1992, 1997), ainda que de formapreliminar. A utilização de tal abordagem é importantepara entender e diferenciar as etapas de construçãodo montículo artificial, verificando, por exemplo, sehouve escolhas preferenciais no material construtivo eaté se podemos considerar todas as cerâmicas quecompõem o montículo como material construtivo.Também pretendemos dessa forma destacar asdiferenças no material cerâmico associado a umapossível ocupação habitacional anterior a suaconstrução, assim como entender que tipo deocupação ocorreu posteriormente à construção domontículo.

Os vestígios cerâmicos tal qual os encontramosnas camadas formadoras do montículo, represen-tam materiais de construção estando, portanto,despojados de suas funções primárias (Machado2005). Contudo, o conhecimento de todo o ciclode vida desses artefatos até atingirem a forma edisposição na qual foram encontrados é de extremaimportância para entendermos os processos deformação desse montículo artificial (Schiffer 1983,1972). Nos concentraremos principalmente nosprocessos envolvidos na produção dos vestígios,mas também mencionaremos aspectos relevantesde seu uso e descarte.

As atividades sistêmicas envolvidas na suaprodução perpassam basicamente as seguintesetapas (Silva 2000): escolha das fontes de matéria-prima, tanto de argila como de antiplásticos epigmentos, coleta e processamento dessas matérias-primas, inclusão de antiplásticos na argila, manufaturade sua estrutura através de técnicas de roletagem,moldagem e/ou modelagem, alisamento e outrostratamentos de superfície (como a utilização detécnicas impermeabilizantes), secagem e a utilizaçãode técnicas decorativas (plásticas ou pintadas) antesou depois do processo de queima. Essas atividadescompõem conjuntamente a cadeia operatória deprodução cerâmica. A realização dessa seqüência deoperações é perpassada por uma série de escolhastecnológicas, que uma vez mapeadas podem nosfornecer um quadro explicativo de tudo o quechamamos de conjuntos técnicas (Lemonier 1992).A compreensão da articulação dessas atividades edo conjunto de escolhas tecnológicas que ascompõem é de fundamental importância para oentendimento dos comportamentos humanos quegeraram a configuração artefatual analisada.

Premissas classificatórias e os métodos deanálise

A análise do material cerâmico foi feita em duasetapas, a quantitativa e a qualitativa. Na análisequantitativa observamos atributos associados àmatéria prima como a argila e o antiplástico, àstécnicas de manufatura, ao ambiente de queima, acaracterísticas do contorno formal (como as variáveismétricas), a tratamentos de superfície, a decoraçãoplástica e pintada e a marcas de utilização. Através detais atributos buscamos recorrências nas combinaçõesde atributos que indiquem certos modos de se fazer.

Fig. 3 – Exemplo de aplique cerâmico zoomorfomodelado proveniente do sítio Açutuba, AM , asso-ciado à Fase Manacapuru – Tradição Borda Incisa.

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Tais observações, acrescidas aos correlatos físico-químicos, podem nos ajudar a entender melhor quaiseram as prioridades selecionadas em cada momento,nos ajudando a diferenciar e entender as distintascamadas de formação do montículo assim como suasinterligações.

A análise qualitativa, por sua vez, agrupa essasrecorrências em conjuntos. Esses conjuntos sãoentão descritos a fim de se identificar o que lhes dáunidade. Esta pode ser decorrente tanto de umapadronização formal, quanto de uma seqüência demanufatura. O objetivo de tal análise é proporconjuntos hipotéticos que devem ser contrapostosàs análises quantitativas.

Para a realização das análises tecnológicas,utilizamos uma definição genérica de cadeiaoperatória, que a tem como uma seqüência deoperações para a realização da transformaçãoda matéria em artefato (Pfaffenberger 2001). Aaplicação de tal conceito em uma forma declassificação de conjuntos cerâmicos deve,portanto, considerar uma ampla gama de atributosrelacionados às diferentes etapas dessa cadeiaoperatória. A criação de categorias classificatóriasdeve ser fruto da percepção de combinações entredistintas escolhas tecnológicas no momento damanufatura, incluindo as matérias primas selecionadas,as técnicas de manufatura e tratamentos desuperfície, os resultados formais, as técnicasdecorativas empregadas e até as atividades de uso.

Já quando nos referimos às característicasformais estamos nos referindo ao seu contorno eproporções finais, resultantes tanto da cadeiaoperatória que o produziu quanto das açõesrelacionadas a suas utilizações e descarte que oalteraram. Para sua classificação nos baseamosprincipalmente na análise simplificada das caracte-rísticas do contorno e da comparação de formasespecíficas às de figuras geométricas. Apesar deadotarmos uma nomenclatura por vezes distinta,nossas observações a respeito das formas estãobaseadas no sistema de classificação cerâmica deBirkhoff (1933) adaptado por Shepard (1965).

A classificação de Birkhoff (apud Shepard 1965)baseia-se na observação e descrição de pontosconsiderados chaves do contorno do pote, a partirdos quais é possível se ter uma idéia das dimensões. Autilização de tal sistema de pontos-chave também nospermite entender melhor a forma geral do vaso,facilitando a sua projeção a partir de fragmentosespecíficos. De acordo com Shepard (1965:226),

devem ser observados: 1) o ponto final da curva, nabase ou lábio; 2) os pontos que medem o diâmetromáximo e mínimo da curvatura; 3) o ponto que marcauma mudança abrupta na curvatura; e 4) o ponto quemarca a inversão da direção da curvatura.

Na análise cerâmica proposta, tais categoriasforam simplificadas em apenas duas: os pontosfinais da curvatura – borda e base, e os pontos deinflexão. Tal simplificação se deve ao fato deestarmos lidando majoritariamente com fragmentose não com potes inteiros, o que dificulta até certoponto a observação, por exemplo, da relação entreos pontos de diâmetro máximo e mínimo.

Para a análise empregada, é também importan-te termos em mente uma das formas de classifica-ção proposta por Shepard (1965:230), principal-mente ao analisarmos fragmentos de bordas. Aautora classifica a estrutura do pote em: 1) orifíciosirrestritivos (“unrestricted orifice”); 2) orifíciosrestritivos (“restricted orifice”) e 3) pescoço ougargalo (“neck”). Os restritivos são normalmentedefinidos como tendo o diâmetro de seu orifíciomenor que o maior diâmetro do pote. Já osirrestritivos têm nos seus orifícios o maior diâmetrodos potes. Essas definições, no entanto, não levamem consideração paredes verticais, que sãoclassificadas com irrestritivas. Os gargalos sãomarcados por um ponto de inflexão abrupto quemarca o fim do corpo do pote e o início do gargalo.Apesar de essas divisões não implicarem necessari-amente em funções específicas, cada uma dessasformas se adapta melhor a diferentes utilizações.Dessa forma, os potes contendo orifícios irrestritivospodem ser amplamente utilizados para ações queexigem um manuseio de seu conteúdo, ou para queesse fique a mostra ou seque. Isto se deve ao fácilacesso e visibilidade que tais potes proporcionamao seu conteúdo. Os que contêm orifícios restritivosdificultam o acesso ao seu conteúdo retendo-omelhor, sendo mais adequado na armazenagem. Jáos potes que apresentam um gargalo, têm aqualidade de impedir que o liquido contido espirreou derrame para fora e ainda têm seu manuseiofacilitado. Apesar de Shepard tornar ainda maiscomplexas tais divisões, nos detivemos apenas naprimeira em função da fragmentação de nossaamostra. A partir desse sistema de classificação,podemos explorar melhor alguns fragmentosespecíficos de borda, entendendo tanto sua posiçãono vaso como as implicações de tal posicionamentoe forma nas utilizações das vasilhas.

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As matérias primas: a argila e o antiplástico

As escolhas culturais envolvidas na manufaturade um artefato cerâmico iniciam-se na escolha daargila. Os componentes predominantes são a sílica,o alumínio e a água – mas também podem estarpresentes ferro e terra alcalina (Shepard 1965:6;Rye 1981:16). A seleção da argila mais adequadapelo ceramista leva em consideração tanto aspectosgeográficos – de disponibilidade da matéria prima –, quanto aspectos culturais – como o tratamentoque se pretende dar àquela argila até a forma finaldo pote ser obtida. Nesse sentido, os ceramistasnão coletam sua matéria prima aleatoriamente, massim selecionam uma determinada porção de umúnico depósito que lhes parece mais homogênea(Silva 2000). As propriedades mais relevantes daargila para o ceramista são a plasticidade, quandomolhada, a capacidade de contração, quandosujeita ao calor (Shepard 1965:6), ou comporta-mento com relação ao choque térmico.

Os estudos etnográficos indicam que existeuma recorrência na localização das fontes dematéria prima de argilas em relação aos locais dehabitação (Dietler e Herbich 1989), correlação quenão ocorre, por exemplo, com as fontes de matériaprima de pigmentos. Tal recorrência se deveprincipalmente pela grande quantidade de argila queuma comunidade necessita e, portanto, peladificuldade de seu transporte. Tal constatação nemsempre é verdadeira, principalmente se estivermostratando de comunidades que não produzem seuspróprios artefatos cerâmicos assim como quandoocorrem redes de troca de bens cerâmicosconsiderados de prestígio (Hayden 1998).

A área pesquisada pelo Projeto AmazôniaCentral (Neves 2000; Donatti 2002; Lima 2004;Machado 2005), na qual o sítio arqueológicoHatahara está inserido, é bastante rica em fontes dematéria prima argilosa de boa qualidade, sendo,portanto, provável que as fontes de matéria primautilizadas tradicionalmente para a fabricação depotes cerâmicos sejam próximas dos sítios arqueo-lógicos estudados. Segundo Soares et al. (2000), aregião da Amazônia Central na qual se localiza osítio Hatahara é formada por:

“rochas silicilásticas da Formação Alterdo chão do Cretáceo Superior (Dino et al.1999), sobre as quais desenvolveu-se todasedimentação fluvial quaternária, compostaprincipalmente por argilas. Estes depósitos

argilosos juntamente com latossolos amare-los que recobrem a Formação Alter do Chão,são utilizados como matéria prima naindústria cerâmica vermelha e também naagricultura. (...) [Os depósitos argilo-areno-sos,] posicionados em cotas abaixo de 60cm,são compostos principalmente de materialargilo-síltico arenoso, coloração cinzaesbranquiçado a cinza médio, apresentandomesclas avermelhadas e amareladas naspartes mais superiores dos perfis.”

O próximo passo na fabricação dos potes é opreparo da argila. Essa etapa é dividida em duaspartes: o processamento da matéria prima e opreparo da pasta. A primeira consiste da remoção deinclusões grosseiras, como pedregulhos e restos deplantas na argila recém retirada. Já a segunda, quepara nossa análise é de extrema importância, é oacréscimo de antiplástico à argila ainda úmida. Otermo antiplástico é utilizado num sentido genéricopara indicar quaisquer inclusões contidas na pasta,podendo vir de origens indeterminadas. Quando taisinclusões são intencionais, a escolha do antiplástico éfundamental já que materiais específicos estãonormalmente correlacionados a funções específicas.Isto porque as propriedades físicas inerentes adeterminados antiplásticos é que vão permitir ou nãoo exercício de determinadas funções ao “produtofinal” (Rye 1981:26). Os antiplásticos encontradosna argila podem variar enormemente de acordo como local estudado. No caso da Amazônia, é comumencontrarmos inclusões de cauixi, cariapé, hematita,quartzo grosso e fino, caco moído e, em algunscasos, conchas, como na cerâmica da fase Mina(Simões 1981:13).

Tais inclusões podem, no entanto, ter diferentesorigens. Nesse ponto é difícil diferenciar as inclusõesadvindas de atividades não humanas, das querealmente o foram, os assim chamados temperos. Taldistinção é segura quando se trata de um comporta-mento ou escolha conhecido historicamente naregião, como é o caso do cauixi e do cariapé, ouainda, quando a forma geral das inclusões demonstrauma rígida regularidade, como se essas tivessem sidocortadas antes de acrescentadas à argila.A

Os antiplásticos, em geral, têm a finalidade dereter a umidade da argila, tornando seu processode secagem mais lento e estável, diminuindo o riscode o pote rachar, comum durante esse processo.Além disso, eles tendem a diminuir a plasticidadeda argila, melhorando, portanto seu manejo (Rye

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1981: 31). No caso específico dos antiplásticosorgânicos, como é o caso do cariapé, que é umaentrecasca de árvore rica em sílica, além damelhora na plasticidade há uma diminuição nacapacidade de redução da argila. Isto se deve àdesintegração desses antiplásticos durante oprocesso de queima do pote, deixando espaçosvazios na pasta que permitem uma melhor expansãoe retração da mesma quando posta em contantodireto com o fogo repetidas vezes – como é o casodas panelas. Processo semelhante se dá com ocauixi, esponja de água doce da qual os ceramistasutilizam as espículas para temperar a argila, queforma uma rede altamente porosa capaz desuportar e absorver grande capacidade de pressão,como a resultante da ação do calor do fogo direto.

No decorrer da análise foram feitas váriasobservações a respeito da associação entre o usode determinados antiplásticos e determinadasargilas, técnicas de manufatura ou padrões decora-tivos. A recorrência de tais associações pode nosindicar questões importantes a respeito dasescolhas tecnológicas realizadas pelas sociedadesprodutoras. É possível, por exemplo, compreenderse a associação de determinado tempero adeterminada argila foi exclusivamente funcional,testando quimicamente a plasticidade dessa argila ea eficácia ou não desse determinado antiplásticonesse contexto. Através dessa abordagem preten-demos realçar a importância do antiplástico comoindicador de uma série de escolhas tecnológicasdecorrentes de etapas iniciais da cadeia operatória,ao invés de o utilizarmos como uma espécie de“fóssil guia” de tradições cerâmicas.

Para a análise do material cerâmico encontra-do no sítio Hatahara diferenciamos cinco colora-ções distintas de argilas: 1) branca, 2) laranja A, 3)laranja B, 4) preta/cinza e 5) vermelha. Taisdiferenciações correspondem a observaçõesmacroscópicas e podem refletir variações noprocesso de queima, no entanto, tais divisõesapresentaram-se relevantes no decorrer da análisepor indicarem padrões recorrentes de associaçõescom antiplásticos específicos em alguns casos, comconjuntos de potes específicos. A diferença entre ascolorações de laranja A e B são decorrentes daassociação clara entre uma tonalidade de laranjabem distinto do restante (B) e um conjunto depotes, tradicionalmente chamado de fase Paredão.Nas de coloração laranja tipo A incluímos todo orestante de argilas de colorações variadas de

laranja. Essa categoria é extremamente ampla ecomporta bastante variabilidade, provavelmentefruto de uma mistura em tipos de argila distintos queobtém uma coloração semelhante após a queima.

A padronização no uso de determinadasargilas é importante, pois pode nos indicarescolhas culturais. Se percebermos uma grandedisponibilidade de matérias primas argilosas e depossibilidades de associações com diferentesantiplásticos obtendo o mesmo resultado físico-químico podemos corroborar a hipótese de oantiplástico ser nesta região um marcador cultural.Por outro lado, se percebermos a existência dediferenças qualitativas no uso de diferentesantiplásticos, através do mapeamento tanto deseus usos quanto de sua disponibilidade, podemosmapear as prioridades de escolhas relacionadas acertas características de performance valorizadaspor cada grupo ao longo do tempo.

Ao observarmos o gráfico apresentado (Fig.4.1) notamos que a presença de argilas brancas émuito pequena em todos os níveis se concentrandonos níveis mais superficiais e encerrando-se quasetotalmente no nível 20-30cm. A argila de coloraçãolaranja A, ao contrário, apresenta-se em grandequantidade ao longo de todos os níveis indicandoum pico no nível 20-30cm. Já as argilas decoloração preta, cinza, vermelha e laranja tipo Bapresentam uma baixa freqüência relativa, manten-do-se, no entanto, constante nos níveis correspon-dentes ao montículo (20-80cm). Se extrairmos aargila de coloração laranja A desse gráfico pode-mos visualizar melhor a relação entre as outrascolorações de argila (Fig. 4.2).

A partir desse gráfico podemos ver a prepon-derância da argila Laranja B em relação às outrascolorações tendo seu pico no nível 20-30cm. Logoem seguida temos também em grande quantidade asargilas de coloração cinza e preta, que apesar dadiminuição entre os níveis 50 e 70cm, apresentamgrande quantidade em toda a seqüência estratigráficaanalisada.

Se associarmos as colorações da argila aosdiferentes tipos de antiplásticos (Fig. 5.1 e 5.2)podemos perceber algumas recorrências em seususos. A argila branca apresenta uma associaçãomuito grande com o cariapé, apesar de ocorrertambém com cauixi como antiplástico primárioassociado a secundários como caco-moído, argila,mineral e cariapé. As argilas laranjas A e B, cinza /preta e vermelha apresentam uma forte associação

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Fig. 4.1 – Gráfico contendo as variedades de argila por nível da unidade N1152 W1360. Legenda: (1)Branca, (3) Laranja B, (4) Preta e Cinza e (5) Vermelha.

Fig. 4.2 – Gráfico contendo as variedades de argila por nível da unidade N1152 W1360, exceto a argilade coloração laranja tipo A. Legenda: (1) Branca, (3) Laranja B, (4) Preta e Cinza e (5) Vermelha.

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com o cauixi como antiplástico primário e caco-moído e argila como secundário.

Ao associarmos tais observações a algumasobservações qualitativas da análise podemosesmiuçar melhor tais recorrências. Como vimos, osfragmentos cerâmicos temperados com cariapéocorrem majoritariamente com argilas de coloraçãobranca ou laranja tipo A bem clara. Na maioria dosfragmentos nos quais esse tempero é predominanteou não tem cauixi ou sua quantidade é muitopequena, em qualquer um dos casos, não se utilizacaco moído nem argila como antiplásticos secundá-rios. Já a quantidade de hematita é bem superior àencontrada nos fragmentos temperados com cauixi,estando esse mineral, assim como os grãos dequartzo muito fragmentados. Nos fragmentos queapresentavam tanto cariapé quanto cauixi, aquantidade de cauixi era sempre muito inferior doque a que encontramos nos fragmentos em que ocariapé não está presente. Isso pode ocorrerdevido a ambos desempenharem a mesma funçãona pasta. Notamos também que os fragmentostemperados com cariapé apresentam uma pastamuito mais porosa que os temperados com cauixi,

que parecem ter pastas mais densas. Outro pontoobservado na análise diz respeito ao acabamentodas superfícies. Os fragmentos temperados comcariapé são mais bem alisados chegando a parecerum polimento. Percebemos uma associação dessetempero a argilas de coloração branca. Essas sãotemperadas majoritariamente com cariapé nãoapresentando nem cauixi nem cariapé B. Apesar deapresentarem caco moído como antiplásticos estessão encontrados em extraordinária menor quantida-de do que nos fragmentos temperados com cauixi.Nesses últimos vemos cacos nos quais o temperoparece ser 50% de cauixi e 50% de caco moído.Nos fragmentos que apresentavam decoraçãopolicrômica, associados tradicionalmente à faseGuarita, encontramos uma mistura de cariapé,hematita, argila e quartzo grosso, extremamentemoídos. Nesses fragmentos a presença de cauixiocorre em quantidades muito pequenas.

Já entre os fragmentos temperados predominan-temente com cauixi encontramos outras recorrências.Diferente do cariapé, ele é encontrado em algunsfragmentos como único tempero em quantidadeabundante. Quando associado, o cauixi é acompa-

Fig. 5.1 – Gráfico exemplificando as associações entre distintas argilas e antiplásticos. Legenda –Antiplásticos: (1) cariapé; (2) cauixi; (3) caco moído; (4) mineral; (5) hematita; (6) argila; (7) cariapé B.Legenda – Argilas: (1) Branca; (2) Laranja A; (3) Laranja B; (4) Cinza/ Preta; (5) Vermelha.

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nhado majoritariamente por caco moído e argila. Ocauixi é encontrado na quase totalidade das argilas,concentrando-se nas diversas tonalidades da argilalaranja. As argilas laranja B estão associados namaior parte das vezes a uma grande quantidade decauixi e argila como anti-plástico secundário. Jádentre as argilas laranjas tipo A, o cauixi é associadoa quantidades variadas de combinações entre argila ecaco-moído. Por vezes, porém, o cauixi apresentauma baixa quantidade, assumindo o caco moído e/oua argila grande importância como antiplástico. Aimportância desses antiplásticos pode ser vista nasua utilização também como antiplásticos predomi-nantes, o que ocorre bastante em argilas de colora-ção laranja / marrom. Nesses casos, os cacosmoídos são extremamente pequenos e bem moídos,não causando irregularidades na superfície. Ascerâmicas que têm o caco moído predominante nãopossuem qualquer tipo de decoração, sendo, porémbem alisadas e com brunidura na sua face externa.

Como vemos no gráfico abaixo (Fig. 6) agrande maioria (81%) dos fragmentos apresentamantiplásticos orgânicos, associados ou não aelementos não-orgânicos, como os minerais, caco

Fig. 5.2 – Gráfico exemplificando as associações entre distintas argilas e antiplásticos (exceto Argila laran-ja A). Legenda – Antiplásticos: (1) cariapé; (2) cauixi; (3) caco moído; (4) mineral; (5) hematita; (6) argila;(7) cariapé B. Legenda – Argilas: (1) Branca; (2) Laranja A; (3) Laranja B; (4) Cinza/ Preta; (5) Vermelha.

Fig. 6 – Gráfico com variedade de antiplásticosencontrados na cerâmica do sítio Hatahara.

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Descrição Fonte

TABELA 1

Correlatos

Tempero fibra

Tempero orgânico

Anti-plástico: cauixi

Tempero mineral

Tempero caco moído

Aumento permeabilidade da água (cria grandes poros empotes já queimados, mantém fresca a água); estruturalaminada (análise petrográfica) resultado de preparaçãoinadequada da argila – falha na mistura de argila etempero ocorrida na argila ainda molhada; secagemrápida de argilas execessivamente molhadas ou plásticas– em áreas úmidas ou com grande quantidade de chuvasa argila costuma ser muito molhada para a amanufaturados potes. O acréscimo de tempero reduz o excesso deágua e diminui a plasticidade as vezes chegando ao pontoda argila poder ser trabalhada imediatamente. Se asecagem da argila era o critério principal do uso dotempero fibroso então a quantidade de fibras deve variarenormemente de pote para pote dependendo daumidade original da argila utilizada. O uso desse temperodiminui o tempo de secagem até talvez o pote poder serfeito de uma só vez.

Poros também oferecem boa resistência ao impacto;grupos com mobilidade residencial usam temperoorgânico; escolha do tempero fibroso pode ter sidoem função da melhora na resistência do impacto eportabilidade.

Melhora plasticidade da pasta e ritmo de secagem;melhora a resistência a paredes curvas resultante desua textura fibrosa e leve, maior força na argilamolhada em potes pequenos possibilitando umaconstrução mais rápida; maior esforço e tempo gastono processamento (moagem). Tempero orgânicoaumenta resistência de materiais ainda não queimados(chamados argilas verdes).

– Melhor queima – uniformidade– Melhor resistência ao choque térmico– Melhor resistência impacto

– Melhor resistência ao choque térmico (segurançadurante o processo de cozimento e da secagem)– melhor resistência impacto (maior solidez)

Alta resistência a choque térmico, maior capacidadede aquecimento, diminuição da resistência ao impacto;secagem mais rápida que a do tempero orgânico.Diminui a resistência de matérias ainda não queimados.

Diminui a resistência de materiais ainda não queimados

Schiffer e Skibo 1992: 61

Reid 1984 in Schiffer eSkibo 1992: 61

Schiffer e Skibo 1992: 61

Hilbert 1955:35 ementrevista com ceramistasdo Oriximiná

Linné em Hilbert sobreSantarém

Schiffer e Skibo 1992: 52

Correlatos físico-químicos

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moído ou argila. Ao analisarmos os correlatoscerâmicos encontrados para os antiplásticosorgânicos (Tabela 1) e fibrosos, percebemos quetais elementos ao serem submetidos ao processo dequeima proporcionam um aumento no tamanho dosporos da pasta (Schiffer e Skibo 1992).

De forma genérica tal fato acarretaria em umaumento na permeabilidade do pote. Outracaracterística apontada para os antiplásticosorgânicos ou fibrosos é a secagem rápida de argilasexcessivamente molhadas ou plásticas (Schiffer eSkibo 1992). Em áreas úmidas ou com grandequantidade de chuvas como a Amazônia Central, a

argila costuma ser muito molhada para a manufaturados potes. O acréscimo desses temperos reduz oexcesso de água e diminui a plasticidade às vezeschegando ao ponto de a argila poder ser trabalhadaimediatamente (Schiffer e Skibo 1992). O usodesses antiplásticos em grande quantidade tambémdiminui o tempo de secagem uma vez que retêm olíquido presente na argila, permitindo em algunscasos que o pote seja feito de uma só vez (Schiffere Skibo 1992). Segundo esses autores (Schiffer eSkibo 1992), se a secagem da argila era o critérioprincipal do uso do tempero fibroso ou orgânicoentão a quantidade de fibras deve variar enorme-

Descrição Fonte

TABELA 1 (cont.)

Correlatos

Espessura da parede

Porosidade pasta(argila e anti-plástico)

Forma arredondadapote

Redução tamanhotempero

Queima

Capacidade deresfriamento

Aquecimento

Capacidade de aquecimento:– Paredes finas: alta capacidade de aquecimento ebaixa resistência ao impacto– Paredes grossas: alta resistência ao impacto e baixacapacidade de aquecimento

Capacidade de aquecimento

Aumenta resistência ao impacto

Aumenta resistência ao impacto

Quanto mais úmido o ambiente mais devagar a queima

Tempero fibra: resiste ao choque térmico da queima,mas são mais suscetíveis a quebra na queima rápidaem decorrência da retenção de umidade. O quepode ser evitado com queimas muito lentas ou opreaquecimento dos potes.

Diminuição da temperatura pela evaporaçãoMaior permeabilidade do tempero de areia do que doorgânicoIgual capacidade de resfriamento – permeabilidadesuficiente

Tempero de fibras: normalmente utilizado em potespara cozinhar

Tempero areia: maior condutividade térmica, aumentoda capacidade de transferir calor

Schiffer e Skibo 1992: 52

Schiffer e Skibo 1992: 52

Schiffer e Skibo 1992: 61

Schiffer e Skibo 1992: 61

Schiffer e Skibo 1992: 61

Schiffer e Skibo 1992

Schiffer e Skibo 1992

Schiffer e Skibo 1992

Schiffer e Skibo 1992

Correlatos físico-químicos

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mente de pote para pote, dependendo da umidadeoriginal da argila utilizada. Na coleção cerâmicaanalisada tal variabilidade ocorre exclusivamentecom o cauixi. Esse antiplástico é encontrado emproporções bem variadas não parecendo havernenhuma correlação positiva com outros fatores,como por exemplo, a argila. A única exceçãodentre os fragmentos analisados é a associação docauixi com a argila de coloração laranja B, na qualé sempre abundante e associado à argila comoantiplástico secundário. O restante dos antiplásticosprimários, como o cariapé e o caco-moído,apresenta regularidades nas suas quantidades.

Os resultados das análises petrográficas

Para a corroboração dos aspectos relaciona-dos à composição e possíveis correlatos físico-químicos da pasta de argila e antiplásticos quecompõem a cerâmica arqueológica, assim comopara testar as hipóteses levantadas a partir daanálise tecnológica do repertório cerâmico, foramrealizadas análises petrográficas de oito amostrasno laboratório do Instituto de Geociências da USP(R. Paes de Almeida e L. Janekian), provenientesde diferentes conjuntos cerâmicos relacionados àstrês ocupações do sítio Hatahara. Esboçamosalgumas conclusões preliminares que, comoveremos, corroboram os resultados da análisetecnológica aplicada anteriormente.

Um dos resultados mais significativos daimplementação das análises petrográficas estárelacionado à diferenciação de possíveis fontes dematérias primas argilosas. Através do mapeamentodos principais elementos da pasta e sua freqüência,pudemos perceber uma correlação entre o tamanhoe a freqüência das inclusões de quartzo e óxido deferro nas matrizes. Essa correlação é importante,pois pode nos servir como marcador genérico dedistintas fontes de argila, nesse sentido podemosapontar pelo menos três fontes distintas: 1) argila“suja”, com inclusões variadas de minerais como amuscovita, em grande quantidade, e o plagioclásio,em pouca quantidade; 2) argilas com grãos dequartzo de origem vulcânica de tamanhos equantidades variadas, sempre acima de 0,2mm. e3) argila “fina”, com grãos de quartzo extremamen-te finos ou praticamente ausentes.

Outro aspecto interessante envolve a escolha etratamento dos antiplásticos utilizados na produção

cerâmica. Através da análise das amostras pudemosobservar uma padronização no diâmetro e orientaçãodas espículas de cauixi em cada fragmento cerâmico,seja no fragmento em si, seja nos fragmentos utilizadoscomo antiplástico (caco-moído). Tal padronização éassociada ainda à recorrência de associações entreespículas com diâmetros menores nas argilas com apresença de grãos de quartzo finos, e espículas dediâmetros menores associadas a argilas “sujas” e comgrãos de quartzo maiores. Tais fatores indicam-nos acoleta de uma esponja específica para cada tipo deargila e/ou tipo de pote fabricado e não um comporta-mento de coleta e armazenagem generalizadas para autilização “aleatória” na produção de “quaisquer”potes cerâmicos.

Outro ponto importante percebido durante aanálise diz respeito às diferentes performances dosantiplásticos no que se refere à condutividade térmica.Como foi observado anteriormente, Schiffer e Skibo(1992, 1997) propõem, através de uma série deexperimentações, que os antiplásticos minerais seriammelhores condutores térmicos do que os antiplásticosorgânicos, no entanto sendo o cauixi e o cariapéambos orgânicos, ambos eram classificados da mesmamaneira. Apesar de ambos os antiplásticos apresenta-rem uma composição química semelhante baseada emsílica, nesse caso, é a sua forma que influencia adistinção em sua característica de performance. Sendoo cauixi uma espícula oca e o ar um isolante térmiconatural, esse antiplástico apresenta-se como péssimocondutor térmico. Já a forma relativamente maisagregada da entrecasca de árvore (cariapé) permiteque esse antiplástico assuma uma performanceintermediária entre o cauixi (isolante) e os grão dequartzo (condutores).

As prioridades de performance e os indicado-res de especialização

Como observamos anteriormente, o cauixi éabundante na região. Segundo Paes de SousaBrasil (apud Hilbert 1968), o cauixi é um:

“... espongiário silicoso de água doce,que prolifera nas águas estacionárias, presoao solo inundado, aos troncos das árvores,aos cascos das embarcações, das madeiras,ou mesmo às folhas caídas, com a condiçãode estarem em água permanentemente.

O exame microscópico do materialcalcinado acusou a existência de sílica e

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regular porcentagem de areia silicosa eoutras impurezas. Medem os espículos emmédia ¼ de milímetro. Têm a forma decrescente, quase retos, sendo os cornospontas bastante agudas, com belo aspectodo cristal de rocha, perfeitamente hialino,superficialmente lisos e polidos”.

A origem de seu uso segundo Gordon Willey(apud Hilbert 1968) é da região do baixo Amazo-nas, sendo utilizado no Guaporé, Orenoco eSantarém, entre os Carajá, os Canichana e osWaurá, do Xingu (Hilbert 1968). A facilidade deobtenção desse tempero e a variabilidade naquantidade na qual é encontrado nos fragmentoscerâmicos podem ser indícios de seu uso emcondições semelhantes às apontadas por Schiffer eSkibo (1992, 1997). Nessa hipótese o cauixi teriasido utilizado em proporções variadas nos potes afim de se obter a plasticidade necessária para amanufatura do pote cerâmico de acordo com aumidade das argilas coletadas. O mesmo nãoocorreria com o cariapé nem com o caco moído(este quando utilizado como antiplástico primário),já que apresentam porcentagens regulares de uso.Se nossa hipótese estiver correta, a manufatura depotes com esses temperos necessitaria de argilascom menor umidade. Tendo em vista a grandeumidade do clima e, portanto, das fontes de matériaprima argilosa podemos apontar duas possibilida-des. Na primeira possibilidade, como o cariapéestá quase totalmente relacionado a argilas decoloração branca, essa argila poderia apresentaruma plasticidade distinta das outras que nãonecessitariam de variações na quantidade deantiplásticos para apresentar condições boas demanufatura. O mesmo ocorreria com as argilaslaranja-marrom associadas a antiplásticos de caco-moído. Na segunda possibilidade, as argilasutilizadas para a manufatura de potes temperadoscom cariapé ou caco-moído seriam preparadasantecipadamente através de diferentes técnicas desecagem. Se a segunda possibilidade estiver corretaa diferenciação entre o uso desses antiplásticospoderia nos indicar distintos graus de especializa-ção nos processos de manufatura.

Sugerimos que a variabilidade encontrada naquantidade de cauixi (com exceção da sua associa-ção a argilas de coloração laranja B) presente nosfragmentos cerâmicos analisados aliado à falta decorrelação entre tais quantidades e outros elemen-tos observados possa ser um indicador do uso não

especializado desse antiplástico. A partir dessahipótese tais argilas receberiam pouco preparoanterior à sua utilização, estando muito úmidas eplásticas para a manufatura do pote. O acréscimodo cauixi aceleraria o processo de secagem,diminuindo a plasticidade da argila. A quantidade decauixi acrescentada seria, portanto, variável deacordo com a umidade da argila utilizada. De modoinverso, sugerimos que a associação encontradaentre o cariapé como antiplástico preponderante ea argila de coloração branca seja indicadora de umprocesso mais apurado e regular de manufatura.Nessa hipótese, a argila branca seria coletadaantecipadamente, talvez até de fontes de matériaprima mais distantes, sendo armazenada e passan-do por diversos procedimentos de secagem atéadquirir a plasticidade necessária para o acréscimodo cariapé em quantidades previamente estipuladaspara sua manufatura.

A utilização desses conceitos para entender-mos a variabilidade das cerâmicas encontradas nosítio Hatahara não está associada ao local deutilização do artefato. Sendo lento o processo demanufatura do artefato cerâmico, especialmentecerâmicas formalmente complexas, sendo neces-sárias diversas etapas de secagem e queima, o usodo artefato não é imediato e portanto seu local defabricação não é necessariamente seu local deuso. Nos referimos aos processos de manufaturanão especializada ou especializada no que serefere a um tratamento prévio das matérias primase uma maior rigidez nos procedimentos demanufatura em contraposição a uma utilização damatéria prima bruta sem tratamentos prévios, oque gera uma maior variabilidade nos procedimen-tos de manufatura.

Outra característica relacionada genericamenteao uso de antiplásticos orgânicos é a resistência aoimpacto. Segundo Reid (1984, apud Schiffer eSkibo 1992: 61) o aumento no tamanho dos porosna pasta oferece boa resistência ao impacto. Esseautor aponta o uso de antiplásticos fibrosos entregrupos com mobilidade residencial decorrente deum melhor desempenho na portabilidade dos potes.Outro fator que aumentaria a resistência ao choquedos potes cerâmicos é o tamanho reduzido dotempero. Na coleção cerâmica analisada a maiorresistência ao impacto é decorrente de umacombinação de escolhas: o antiplástico orgânico/fibroso e o tamanho reduzido dos antiplásticosdecorrente de um apurado processo de moagem.

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No entanto, o contexto no qual tais cerâmicasestão inseridas parece divergir do apontado porReid. A densidade dos sítios e a duração dasocupações de aproximadamente duas gerações(até 80 anos) indicam-nos que a mobilidaderesidencial não deveria ser um fator predominantena seleção das performances dos artefatoscerâmicos. Apesar de não termos indicaresconclusivos, o acréscimo do antiplástico orgâniconesse contexto não parece estar ligado a suaportabilidade, talvez nesse caso a importância daresistência ao impacto se dê por razões exatamen-te opostas, a um prolongamento de sua vida útil.Em ambientes úmidos como os amazônicos, acerâmica costuma ser feita nos tempos de seca(julho), quando os potes secam mais rápido epodem ser queimados (Deboer & Lathrap 1979).Uma maior resistência ao impacto pode serdecorrente de uma preocupação em manter a vidaútil do pote até a próxima estação seca, quandoos potes são novamente feitos.

Outro fator interessante apontado pelosautores como sendo correlato ao uso de antiplásticosorgânicos e/ou fibrosos é a resistência da pastaainda plástica em paredes curvas (Schiffer e Skibo1992). Esse fator é extremamente importante paraentendermos a cerâmica proveniente do sítioHatahara, uma vez que a variabilidade formal dospotes analisados é muito grande. Mapeada porHilbert na década de 50, a cerâmica encontradanessa região apresenta contornos formais bastantecomplexos com diversos pontos de inflexão,gargalos restritivos, formas quadradas, apêndicese/ou apliques modelados etc.. A manufatura detais formas além de trabalhosa deveria levar muitotempo já que as curvas acentuadas exigiriamprocedimentos de secagem antes da continuaçãodo restante do pote. Com uma resistência plásticamaior, fornecida pelo acréscimo do antiplásticoorgânico, o tempo de manufatura diminui eampliam-se as possibilidades de contornosformais.

Como vemos, a escolha do antiplásticoorgânico no contexto da Amazônia Central e maisespecificamente no sítio Hatahara deve ser entendi-da como decorrente de uma série de fatores. Entreeles, a abundância dessa matéria prima e as suasqualidades físico-químicas que aceleram o processode manufatura e secagem permitem maior resistên-cia na manufatura de curvas no contorno formal dopote e ao impacto, prolongando sua vida útil.

As técnicas de manufatura

O próximo passo é a técnica de formaçãopropriamente dita do pote. Na Amazônia encontra-mos basicamente três variações: o modelado, omoldado e o acordelamento ou roletado. Oprimeiro, dificilmente utilizado para a construção dopote inteiro, consiste em modelar diretamente (comas mãos) a argila, como vemos no caso do altoXingu. Essa técnica é normalmente utilizada namanufatura de apêndices, apliques e em algumasbordas. Ela é utilizada desse modo nas trêsvariedades cerâmicas encontradas na região daAmazônia, mas mais amplamente durante a faseManacapuru, associada à Tradição Borda Incisa(Hilbert 1968:122; Meggers e Evans 1983).

O moldado consiste em prensar a argila aindaplástica diretamente entre as mãos produzindoformas discoidais planas. Na Amazônia esta técnicaé utilizada para a manufatura das bases, as quaisservem de suporte para a aplicação dos roletes quecompõem as paredes.

Outra técnica de manufatura dos potescerâmicos é o acordelado, normalmente aplicada àconstrução da própria estrutura do pote. Essatécnica consiste na sobreposição de roletes deargila. Adotaremos aqui a definição inclusiva deShepard (1965:57), que utiliza o termo para sereferir tanto ao posicionamento espiralado dosroletes, como a uma sucessão de anéis. Esseprocedimento tem ampla difusão no mundo inteiro,chegando a ser considerado o método clássico demanufatura de potes cerâmicos. Essa técnica éutilizada para a totalidade do pote, sendo comumenteassociada a outras técnicas, como a sua aplicaçãosobre uma base plana, feita através de váriastécnicas de manipulação manual. Após oposicionamento dos roletes na forma desejada, aespessura do pote é reduzida através de váriosprocessos distintos nos quais a sua parede éadelgada. Já sobre uma pasta firme, a superfíciepode ser alisada, ou ainda afinada mais uma vez.

No decorrer da análise cerâmica percebemoscertos padrões nas maneiras de se fazer certosconjuntos cerâmicos. Essa padronização confereunidade ao conjunto criado. A observação dadistribuição desses diferentes modos de se fazer naestratigrafia assim como suas mudanças ao longodo tempo nos permitem entender melhor ossistemas tecnológicos. Podemos perceber granderigidez nas técnicas de manufatura no que chama-

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mos de Conjunto 1: sobre uma parede quase secaé aplicado um rolete na face externa próxima àborda. Depois ambos são alisados puxando a argilado rolete aplicado em direção ao lábio, recobrindo-o. O acabamento é dado com um acanalado nabase do rolete aplicado (sentido parede) (Fig. 7).

A técnica se mantém a mesma em todas asbordas desse conjunto em todos os níveis nos quaisse manifesta (de 0-10cm a 20-30cm), ao mesmotempo em que temos uma variação no uso dadecoração pintada. Essa é composta por vezes porengobos (branco) e pintura, esta última possuindosempre variações com vermelho e branco. Apintura é restrita ao lábio e à face externa, só seapresentando na face interna em potes bem abertos(nos quais não se apresenta na face externa).

Dentre as diferentes formas das basesencontradas podemos observar a preponderânciadas bases planas (92%) em relação a outras formasde bases como as convexas e côncavas. Essasbases são bastante comuns na cerâmica amazônicacomo um todo. Diferenciamos genericamentequatro formas distintas dentre as bases planas. Aschamadas planas, as com pedestal plano, a planarestrita e as planas com reforço externo. Alémdessas foram observadas bases com pedestalconvexo. Não foram encontrados exemplares combase côncava.

Durante a análise notamos também maneirasdistintas de se manufaturar as bases. Dentre essas,os assadores são os que possuem maior inflexibilida-de nos padrões de manufatura. Os assadores são

bases planas feitas sobre uma superfície coberta comfolhas ou esteiras (Fig. 8). Sobre uma argila aindaplástica moldada em forma discoidal são aplicadosroletes na extremidade que, uma vez alisados,formam uma parede/ borda irrestritiva ou vertical(Fig. 9). Por vezes é feito um reforço na junção dabase com a parede através da aplicação de umrolete na face interna ou externa. Os assadoresapresentam normalmente ângulos abruptos na junçãoda parede interna com a base, uma altura reduzida,ângulo de posicionamento da borda igual ou superiora 90°, entre 90° e 135°, tendo suas bordas maisespessas na parte inferior (junção com a base) doque na região próxima ao lábio.

A colocação de folhas e esteiras numasuperfície plana para a manufatura dos assadores éimportante, pois só ocorre na confecção desseconjunto cerâmico. O restante dos potes é feitosobre suportes lisos, provavelmente madeiras. Essadiferença deve ocorrer em função das grandesdimensões dos assadores, que diferem enormemen-te do restante dos conjuntos cerâmicos, nos quaismesmo os potes de diâmetros maiores possuemdiâmetros de base relativamente reduzidos.

Já entre as bases com pedestal podemosdistinguir algumas maneiras distintas de manufatura(Fig. 10). O pedestal plano é feito a partir de umabase plana moldada de forma discoidal sobre aqual são acrescidos roletes nas extremidades finaispara a manufatura das paredes (Fig 10-1). Tambémentre os pedestais planos encontramos paredesroletadas formando uma primeira camada da base

Fig. 7 – Seqüência de aplicação de rolete ao lábio para reforço externo da borda característica doconjunto cerâmico 1. Desenho: Malu Prado.

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sob a qual é aplicada uma nova camada moldadaem forma discoidal (Fig.10-2). Entre os pedestaisconvexos encontramos três possibilidades demanufatura. Na primeira o pedestal é feito a partirde roletes que são aplicados e alisados junto a umabase plana moldada em forma discoidal (Fig.10-3).A essa forma pode ser acrescida uma parederoletada na sua extremidade final (Fig.10-3b), ou auma segunda camada de base, roletada de formacontínua com a parede (Fig.10-3a). Ainda outrapossibilidade de manufatura é o pedestal compostopor apenas um rolete aplicado e alisado sobre umacamada de base roletada de forma contínua àparede do pote (Fig.10-3c).

É interessante notar em alguns potes ademarcação das partes constituintes dos potesatravés do reforço das áreas de transição, como éo caso da transição entre bases e paredes. Essa émarcada usualmente através de pedestaisacanalados, incisões, pinturas ou ainda acréscimosde roletes na face interna. Tal necessidade demarcação pode ser observada dentre diversastradições tecnológicas brasileiras. Entre gruposceramistas Assurini (Silva 2000) foram observa-dos paralelos entre os potes cerâmicos e o corpohumano feminino. As partes dos potes eramcomparadas às partes do corpo feminino, como olábio, o pescoço e o corpo. Nesse mesmo grupoo alisamento dos potes era entendido como umaforma de tornar a superfície semelhante à pele deseu corpo. O polimento e a decoração tornavamseus “corpos” mais belos. A partir de tais concep-ções as transições eram acentuadas a fim demarcar sua correspondência às transições docorpo humano. Paralelos semelhantes podem serencontrados entre os Tupi e outros ceramistas doBrasil Central.

Fig. 8 - Projeção do contorno formal dos assadores.Desenho: Malu Prado.

Fig. 9 – Seqüência hipotética de manufatura dos assadores, característicos do conjunto cerâmico 10.Desenho: Malu Prado.

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escolhas relacionadas ao contorno formal do pote.Como mencionamos anteriormente, as cerâmicasencontradas nessa região apresentam grandevariabilidade formal, em parte desconhecida atéhoje devido ao número reduzido de trabalhos queanalisassem essa questão na região até o momento.Na coleção cerâmica analisada encontramos 57%de bordas irrestritivas (diâmetro da borda é maiordo que o diâmetro máximo do pote), 12% debordas restritivas (diâmetro da borda é menor doque o diâmetro máximo do pote) e os 31%restantes são verticais (diâmetro da borda é igualao diâmetro máximo do pote) (Shepard 1965).

A partir da análise realizada com a quantidadede fragmentos pelo diâmetro e espessura daspeças, dividimos as espessuras das peças analisa-das em finas, médias ou grossas. As espessurasfinas vão de 0 a 1cm, as médias de 1 a 2cm e asgrossas são maiores do que 2cm. Quanto aosdiâmetros das bordas, dividimos em pequeno,médio e grande. O pequeno vai de 1 a 10cm, omédio de 11 a 40cm e o grande acima de 41 cm.Os fragmentos analisados que se enquadram naespessura fina têm predominantemente diâmetrospequenos e médios (de 10 a 30cm). Os fragmentosde espessura média possuem diâmetros médios eos de espessura grossa apresentam diâmetrosmédios e grandes. É interessante observarmos amaior rigidez que os fragmentos de espessuragrossa apresentam, associados a uma menorvariabilidade formal. Observamos, como seria dese esperar, uma correlação positiva entre formasrestritivas e diâmetros menores, assim como entreformas irrestritivas e diâmetros maiores. Já asformas verticais podem estar associadas a ambosos diâmetros, concentrando-se, porém, entre osfragmentos de diâmetro médio e grande.

A preponderância de fragmentos cerâmicosadvindos de potes irrestritivos em todos os níveisanalisados não nos permite entender melhor aescolha de materiais construtivos nas diferentessubcamadas do montículo. No entanto, se nosdetivermos na análise qualitativa podemos perceberalgumas variações dentre os potes irrestritivos nasdiferentes camadas. Nos níveis mais superficiaisque recobrem a subcamada B do montículo, asformas irrestritivas aparecem na maior parte empotes de alturas médias a altas. Em menor quanti-dade encontramos tigelas e pratos fundos comalturas reduzidas e pequenas dimensões. Já asformas presentes na subcamada A, apresentam em

Fig. 10 – Possibilidades hipotéticas de manufatu-ra de bases com pedestal encontradas no sítioHatahara. Desenho: Malu Prado.

A escolhas das técnicas citadas acima permi-tem à ceramista uma maior ou menor liberdade nas

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grande parte fragmentos provenientes de tigelasrasas, pratos fundos ou assadores de grandes emédias proporções. Nessa camada tambémpercebemos um aumento no tamanho dos fragmen-tos. Sugerimos que a forma dos potes era mais umcritério de seleção na escolha do material construti-vo do montículo entre outros indicadores, comotamanho do fragmento nas distintas camadas queevidenciam a divisão de densidade e articulaçãodos fragmentos cerâmicos observados em campo.

Os tratamentos de superfície

Tendo seu formato geral pronto, são feitos ostratamentos de superfície – que podem ser tantosobre uma argila ainda úmida, quanto seca. Essaetapa pode ser chamada de fase de acabamento dovaso ou da superfície, já que é nela que as irregula-ridades, tanto da superfície quanto da própriaforma, podem ser corrigidas. Fazem parte da etapade acabamento o alisamento, o enegrecimento, opolimento (Rye 1981:40), a aplicação de resinas eem alguns casos o engobo (Shepard 1965:67). Oalisamento pode ser feito com as mãos ou pode-seutilizar um instrumento como um coquinho, umacabaça, uma semente ou uma lasca. Observamosque na maioria dos fragmentos analisados oalisamento é feito horizontalmente em toda asuperfície do pote. As plantas oferecem possibilida-des de pigmentação e tratamento da superfícieproduzindo um efeito negro sobre o pote, o quechamamos de enegrecimento. Tal coloração sedeve ao fato de os extratos vegetais aplicadossobre a superfície carbonizarem-se em contato como calor excessivo, como o sofrido durante o processode queima da peça, seja esse primário ou secundário.A resina vegetal pode ser utilizada de diferentesmaneiras, possuindo tanto uma função estética (pordar brilho à superfície e proteger a decoração), quantoprática, impermeabilizando a superfície do pote. Opolimento é feito através de procedimentos semelhan-tes ao do alisamento, porém sobre superfícies secas ecom a utilização de instrumentos arredondados como,por exemplo, um seixo.

Optamos por utilizar a definição de Rye, quenão inclui nessa etapa o engobo, como faz Shepard.Sabemos, no entanto, que, em muitos casos, o usodo engobo se dá como um acabamento funcionalda superfície do vaso com o objetivo deimpermeabilizá-lo; nossa escolha se dá pela

quantidade de fragmentos encontrados na regiãonos quais o engobo está associado e/ou servindode base a outras pinturas na superfície.

Os fragmentos cerâmicos analisados apresen-taram todos alguma forma de tratamento desuperfície (99%), sendo que 93% dos fragmentosanalisados apresentam alisamento – foram incluídosos fragmentos com resina e polimento, uma vez quesua superfície é alisada antes da aplicação da resinaou do polimento. O alisamento desses fragmentos émuito apurado, sendo quase todas as superfíciesdestituídas de qualquer irregularidade. Tal qualidadedificulta a observação de técnicas de manufatura eos pontos de junção dos roletes. É interessanteobservar que, com exceção do alisamento, que seapresenta em todos os potes, as outras formas detratamento de superfície se concentram nosfragmentos sem decoração plástica ou pintada. Aresina é por vezes associada a técnicas decorativaspintadas, especialmente à policromia, dando brilhoe protegendo essa pintura. No entanto, ela tambémaparece em fragmentos sem decoração alguma,provavelmente assumindo um papel deimpermeabilizante.

Técnicas decorativas: plástica e pintada

As técnicas decorativas podem ser divididasem plásticas e pintadas. Fazem parte dessa etapavárias técnicas de manipulação como as incisões,excisões, acanalados, modelados e apliques, e deuso de pigmentos para a pintura e aplicação deengobos.

Dentre as técnicas de decoração plástica, omodelado é o que permite ao ceramista maiorliberdade para explorar representações zoomorfase antropomorfas em relevo. Essa técnica utiliza amanipulação manual, sendo, no entanto, normal-mente associada a outras técnicas como o pontea-do e a incisão.

A incisão foi largamente utilizada nas fasesManacapuru e Paredão, sendo seus diferentespadrões diagnósticos de uma ou outra cerâmica.Essa técnica consiste na composição de motivosgeométricos em linhas na superfície da pasta. Aqualidade da incisão depende da textura e rigidezda pasta assim como do tipo e qualidade deinstrumento utilizado. O instrumento escolhido parase fazer a incisão vai influenciar diretamente noresultado da decoração, já que alguns instrumentos

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permitem linhas extremamente curvas (como uminstrumento pontiagudo) e precisas, enquantooutros tendem a limitar o ceramista a curvas maisabertas e linhas retilíneas, como as feitas com umalasca. Normalmente é possível notar uma certaconsistência na decoração de um mesmo conjuntocerâmico, assim como de tradições dispersas porum amplo território como a conhecida TradiçãoPolicrômica da Amazônia.

Com relação à decoração pintada podemosabordar aspectos relacionados aos pigmentosmatrizes e aos métodos de aplicação da tinta. Aescolha dos pigmentos matrizes gira em torno deduas questões centrais: a cor e a aderência dosmesmos. O pigmento deve manter uma coloraçãoatraente mesmo após a queima, ao mesmo tempoem que deve aderir (e se manter no local após aqueima) homogeneamente à superfície. Taiscaracterísticas limitam a escolha principalmente àutilização do vermelho, laranja, vinho, preto, brancoe marrom-escuro, além de algumas cores derivadasextraídas de óxidos de ferro. Dentre as cores acimamencionadas, exceto o branco que pode serproveniente de argila ou carbonato de cálcio, amaioria é derivada de matérias metálicas.

Os pigmentos dessa origem possuem umaenorme variedade de tonalidades de acordo com acoloração da argila sobre a qual são utilizados, assimcomo o processo de queima ao qual são submetidos.Já a coloração branca, principalmente quando éusada no engobo, caso típico na fase Guarita, não éde composição metálica e normalmente estáassociada a uma mistura de argila e água.

Com relação aos métodos de aplicação dadecoração pintada, entendida aqui tanto como apintura como o engobo, podemos organizá-losquanto à ordem e aos padrões de sua aplicação.Para melhor compreender a ordem em que foramaplicados, buscamos principalmente indícios de

sobreposição visível entre as diferentes camadas dapintura. Para detectarmos padrões decorativos énecessário um mapeamento das recorrências entreas associações. Tais recorrências podem se dar emdois aspectos entre os elementos que compõem adecoração e entre a composição total e sualocalização em determinadas partes de um pote oudeterminados conjuntos cerâmicos.

Durante nossa análise pudemos esboçaralgumas relações no que se refere às técnicas deaplicação tanto das decorações plásticas quantodas pintadas, assim como a respeito de algumasrecorrências quanto aos elementos e a localizaçãode sua composição, como pode ser observado nocatálogo de conjuntos cerâmicos. No entanto, asobservações nesse sentido são extremamentelimitadas, uma vez que não constituíram o foco denossa análise. Através da análise dos fragmentoscerâmicos notamos algumas padronizaçõesdecorativas refletidas em alguns dos conjuntosformados. O conjunto 1 (Machado 2005), porexemplo, é caracterizado, entre outras coisas, pelaaplicação de um rolete na face externa do lábiocom um acanalado como acabamento. A decoraçãodesses fragmentos é feita através de acanalados emmotivos geométricos por vezes associados aengobo ou pintura – não foi observada policromianesse conjunto. Além de apresentarem granderigidez nas técnicas de manufatura do reforço dolábio, as técnicas decorativas das paredes tambémapresentaram bastantes recorrências. Os acanaladoscompõem motivos geométricos e são feitos deforma perpendicular ao lábio. Através de sobreposiçõesdos traços decorativos percebemos que essadecoração plástica foi feita posteriormente aosacanalados que compõem o acabamento daaplicação do rolete no lábio. Após a manufaturados motivos geométricos é feito mais um acanaladoque contorna o motivo e o fecha (Figs. 11 e 12).

Fig. 11 – Seqüência hipotética de manufatura da decoração plástica acanalada. Desenho: Malu Prado.

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Como conseqüência da limitação técnica que oacanalado acarreta, as curvas dos motivos geomé-tricos são bem abertas, não ocorrendo mudançasabruptas na direção das linhas, como ocorre nadecoração incisa. É interessante observarmos, noentanto, que tal composição foi notada de formamuito semelhante em fragmentos de decoraçãopintada, apesar de essa técnica não oferecerrestrições técnicas como o acanalado. Estaobservação pode sugerir que a realização de talmotivo geométrico teve origem a partir da formadecorativa plástica, o qual foi utilizado posterior-mente também nas decorações pintadas.

Observações semelhantes foram apontadaspor Lathrap (1973) em seu modelo cardíaco. Nabase de sua argumentação de inovação local dacerâmica na Amazônia Central, estava a mudançade uma decoração plástica (materializada nacerâmica da fase Manacapuru) para uma decora-ção pintada (materializada na cerâmica da faseGuarita). Não estamos sugerindo que a mudançaapontada acima seja um indício de inovação local,uma vez que a permanência dos motivos menciona-da acima se dá em um mesmo tipo cerâmico (faseGuarita). Nossa comparação visa apenas indicaruma possível ordem cronológica para a ocorrênciade tais motivos.

Outro fator interessante de se referir é agrande semelhança entre os motivos geométricospintados em toda a chamada Tradição Policrômica

da Amazônia. Nenhum estudo foi feito ainda nosentido de comparar sistematicamente a composi-ção dos motivos geométricos pintados de formapolicrômica ao longo da Amazônia. No entanto, asemelhança entre os motivos pintados é largamenteconhecida.

Estudos que tivessem como objetivo omapeamento das semelhanças decorativas nasdiferentes regiões, assim como o mapeamentoregional de sua maneira de fazer e talvez até dealguma referência cronológica de sua origem,seriam de fundamental importância para o entendi-mento dessa grande padronização decorativa. Senossa observação em relação ao motivo policrômicoter vindo de motivos plásticos semelhantes estivercorreta, o que significa relacionar a pintura policrômicaencontrada na Amazônia Central à de outrasregiões? Tal observação poderia nos encaminharpara hipóteses de dispersão como a proposta porLathrap, no entanto, as datações das cerâmicaspolicrômicas da Ilha de Marajó são bem maisantigas do que as obtidas na região central. Énecessário um estudo comparativo sistemático paraque possamos melhor entender tais questões.

Ambientes de queima

O processo de queima inicia-se apenasquando o pote está completamente seco, do

Fig. 12 – Seqüência hipotética de manufatura da decoração plástica acanalada. Desenho: Malu Prado.

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contrário, a vaporização da água durante oprocesso de aquecimento e sua pressão podem vira quebrar o vaso. É apenas através do processo dequeima que a argila passa a possuir as característi-cas conhecidas da cerâmica, como a dureza, aporosidade e a estabilidade. Durante esse processoé possível que o ceramista controle a temperaturamáxima e mínima atingida através do tipo docombustível utilizado e do tipo de forno no qual elaé feita. Outro fator de controle é a atmosfera quecircunda as vasilhas. O controle é feito através daquantidade de ar disponível para queimar aquantidade de combustível disposta no forno. Umaquantidade insuficiente de oxigênio produzirácondições redutoras. Se o ar for suficiente aocombustível, sem deixar excessos nem de um nemde outro, teremos um efeito neutro. Finalmente, sehá excesso de oxigênio teremos resultados oxidantes.A coloração final da cerâmica deriva em grandeparte do seu processo de queima. Quanto maisoxidante foi a queima, mais claras as cores adquiri-das pela cerâmica. O inverso também é verdadeiro,quanto mais redutor foi o processo, a cerâmica iráadquirir tonalidades mais escuras de cinza.

Na literatura a respeito de sociedadesceramistas tradicionais, pastas de coloração maisclaras, vinculadas a ambientes de queima oxidantes,eram tidas como indicadores de processos dequeima a céu aberto. No entanto, trabalhos deetnoarqueologia (Silva: comunicação pessoal) eexperimentação demonstraram a existência demicro-ambientes formados nos procedimentos dequeima a céu aberto criando tanto ambientesoxidantes quanto redutores. Tal constatação podeser comprovada nos potes que apresentamvariações nas colorações da pasta, indicando tantoambientes oxidantes quanto redutores. A coloraçãoda pasta é alterada por diversos fatores comocomposição da argila, qualidade e quantidade doantiplástico, posicionamento do pote na fogueiraetc.. Alguns trabalhos hoje têm indicado que aforma mais adequada de se entender o processo dequeima é a análise de alguns elementos componen-tes para se ter uma idéia da temperatura de queimae a partir daí inferir o procedimento utilizado.

Segundo Shepard (1965:74) podemos dividiro processo de queima em três partes distintas: 1) operíodo de desidratação. Quando a cerâmica éexposta a um baixo e gradual aquecimento paraevitar a formação da pressão. 2) o período deoxidação. Quando as partículas carbonáceas são

queimadas e somem da argila e o ferro e outroscomponentes são completamente oxidados. 3) operíodo de vitrificação. Durante esse período oscomponentes da cerâmica integram-se, adquirindomaciez. Durante todo esse processo, a obtenção deuma coloração uniforme depende da proteção dopote do contato direto com o fogo. Para tanto eracomum entre os ceramistas pré-históricos autilização de grandes fragmentos de cerâmicadispostos entre os vasos e o fogo e recobrindo-os.No entanto, tal procedimento é dispensável se oobjetivo do ceramista é obter uma superfícieenegrecida.

Ao falar das características técnicas e formaisda cerâmica é importante lembrar que a escolhados materiais utilizados, tanto para a formação,quanto para a queima, é essencial, já que esses éque delimitarão as propriedades físicas do vasilhame,garantindo determinado desempenho no exercíciode uma função específica. Segundo Rye (1981:26),materiais específicos estão normalmentecorrelacionados a funções específicas. Dessaforma, potes que devam ser utilizados para cozinharou aquecer repetidamente, devem possuir granderesistência a choques térmicos e baixa permeabilidade.Num clima quente, por exemplo, um pote para oarmazenamento de água deve ter um grau depermeabilidade suficiente para a água atingir asuperfície externa do pote, evaporar e resfriar o seuconteúdo. Já o armazenamento de outros líquidosexige uma cerâmica com baixa permeabilidade, queminimize a perda do conteúdo. O meio encontradopelos ceramistas para utilizar os mesmos métodosde formação e queima para todos os potes e aindaotimizar sua aplicação a diversas funções, foi aredução da permeabilidade através da aplicação deum revestimento orgânico na superfície do poteapós a queima.

Conclusão

Ao final da análise cerâmica sugerimosalgumas hipóteses de entendimento de sua variabili-dade. Trabalhos de experimentação como os deSchiffer e Skibo (1992) indicam que o acréscimode antiplásticos orgânicos e/ou fibrosos aceleram asecagem da argila com relação a outros tipos deantiplástico, aumentam sua resistência ao impacto esua resistência nas paredes curvas. Propomos quetais correlatos possam ser aplicados também para a

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cerâmica encontrada na região da AmazôniaCentral, especificamente àquelas pertencentes aosítio Hatahara. Tal sugestão se deve, entre outrosfatores, ao uso recorrente de cauixi e cariapé comoantiplásticos orgânicos na fabricação das cerâmicasda região.

No que se refere aos procedimentos desecagem, Schiffer e Skibo (1992) propõem queargilas coletadas em ambientes úmidos poderiamser secadas através do acréscimo abundante deantiplásticos orgânicos. Tal utilização, para osautores, poderia ser atestada pela grande variabili-dade nas porcentagens de antiplásticos encontradasnos potes cerâmicos, variabilidade que corresponderiaà umidade da argila no momento da coleta. Aoobservarmos tanto as argilas como sua associaçãoa determinados antiplásticos notamos, em primeirolugar, uma recorrência nessas associações. Dentreas cerâmicas pertencentes à fase Guarita, asargilas de coloração branca estão relacionadas aocariapé predominante, enquanto as argilas decoloração laranja A e B, assim como as vermelhase pretas e cinzas, estão relacionadas ao cauixi.Nesse segundo grupo, os antiplásticos secundáriostambém assumem um papel diferenciador importan-te. Temos então a associação das argilas laranjas Bcom cauixi e argila, assim como entre as laranjas A,as laranja-marom se associam mais ao cauixi comcaco-moído. Como observamos anteriormente ogrupo de argila com coloração laranja A é o maisvariado tanto pela própria variabilidade nos tonsdessa coloração, quanto na sua associação adeterminados antiplásticos, decoração, formasetc.. Tamanha variabilidade nos chamou a atençãopara um secundo aspecto, este relacionado adiferenças na porcentagem de antiplásticosacrescentados nas diferentes argilas. Além de umaforte associação entre a argila branca e o cariapé,notamos também uma rigidez na proporção de suautilização. Inversamente ao uso do cauixi nosfragmentos de argila laranja A, além da grandevariabilidade na utilização de antiplásticos secun-dários, notamos também grande variabilidade nasporcentagens de cauixi acrescentadas. Taisassociações poderiam ser indicadores de situa-ções semelhantes às apontadas por Schiffer eSkibo (1992). Se tal associação for correta,sugerimos que os distintos processos de tratamen-to das matérias primas poderiam estar relaciona-dos a procedimentos de manufatura especializadose não especializados.

Como vimos anteriormente, a utilização desseconceito para os vestígios cerâmicos analisados sefundamenta no tratamento prévio e apurado daargila antes de sua manufatura em contraposição auma manufatura menos apurada, podendo atéocorrer imediatamente após a coleta da argila.Dessa forma, a argila de coloração branca seriacoletada e previamente a sua manufatura passariapor diversos processos de secagem até atingirplasticidade suficiente para o acréscimo de umaquantidade específica de cariapé. Já a argila laranjaA, após ser coletada, poderia ter sua plasticidade“corrigida” em pouco tempo através do acréscimode porcentagens variadas de cauixi, estando prontapara a manufatura de potes cerâmicos.

É importante observarmos que a utilização decauixi como antiplástico não está necessariamenteassociada a procedimentos de manufatura nãoespecializada. Tal procedimento parece no casoem estudo estar relacionado a certos tipos deargila, como a laranja A. Nas argilas laranja B, porexemplo, percebemos uma maior rigidez no uso docauixi como antiplástico e na associação secundáriade outra argila como antiplástico.

Se aliarmos o processo de manufaturaespecializada – associado à argila branca e aocariapé – à utilização restrita desse antiplástico,apesar de sua abundância local, podemos sugerirque a sua utilização fosse um marcador cultural. Talhipótese é reforçada pela recorrência de associa-ções entre a argila branca, o cariapé e a decoraçãopintada policrômica. Apesar de ter sido tratadacomo tal pela historiografia, a utilização deantiplásticos como marcadores culturais era feita deforma direta. Como vimos, há diferentes formas desua utilização que refletem distintos aspectos dosistema social que o utilizou.

O aumento da resistência ao impacto decor-rente também do acréscimo de antiplásticosorgânicos, foi entendido aqui não como associado àportabilidade – como é recorrente na literatura –mas sim a um aumento na vida útil dos artefatos.

Apesar de, segundo Hilbert (1968), o cauixiaumentar a resistência ao choque térmico, talcaracterística de performance seria mais eficientecom antiplásticos minerais (Schiffer e Skibo 1992).Segundo experimentações comparativas, essesúltimos oferecem alta resistência a choque térmico euma maior capacidade de aquecimento. Noentanto, há uma diminuição da resistência aoimpacto.

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Na Amazônia Central a disponibilidade deantiplásticos orgânicos, como o cauixi e o cariapé,é abundante em proporções semelhantes. Damesma forma, poderiam ser facilmente obtidosantiplásticos minerais, como, por exemplo, areia. Aescolha por antiplásticos orgânicos parece serdecorrente de uma priorização de um aumento davida útil do artefato, maior liberdade de contornoformal e aceleração do processo de secagem paraa manufatura em detrimento de uma maior capaci-dade de aquecimento e resistência ao choquetérmico. Essas características são, no entanto,bastante importantes para utensílios cerâmicos queservem para cozinhar, em função de seu aqueci-mento repetido.

Tais escolhas podem nos indicar uma preocu-pação maior com os potes que não vão fogo (nãosendo potes para cozinhar), refletindo tanto umapriorização de seu longo uso como uma priorizaçãoestética, pelo aumento da resistência nas curvas nasparedes.

Podemos concluir, portanto, que a análisetecnológica realizada a partir dos vestígios cerâmicosconstatou a presença de formas de especializaçãona produção do repertório artefatual associado aum período de ocupação do sítio. Tal inferência édecorrente de uma priorização de escolhastecnológicas relacionadas ao aumento da vida útildo artefato e maior liberdade na produção docontorno formal, em detrimento de uma melhorperformance de aquecimento e resistência aochoque térmico, possíveis indicadores de umapreocupação na elaboração de potes que não vãoao fogo. Tais evidências foram entendidas comoreflexos de uma priorização estética no repertórioartefatual analisado, principalmente ligada àpossibilidade de manufatura de curvas acentuadasnas paredes dos potes.

Os dados a respeito do processo de manufatu-ra do material cerâmico apresentados acima são deextrema importância para o nosso trabalho, poissão os responsáveis por qualificar as distintascamadas de construção propostas através davariação na densidade do material cerâmico através

dos níveis estratigráficos. No entanto, é importantelembrarmos que se nossa hipótese de utilização dacerâmica como material construtivo estiver correta,sua função naquele contexto arqueológico estádissociada, pelo menos diretamente, do seuprocesso produtivo. A seleção de fragmentosconstituintes das camadas formadoras do montículofaz com que as características de performanceacima descritas assumam outro papel. Dessa forma,poderíamos ter, por exemplo, a decoraçãodeixando de ter um papel simbólico importante porsua determinada localização no pote, mas assumin-do um papel importante pela sua própria presença.Mais ainda, cerâmicas utilitárias sem decoração quepoderiam estar destituídas de valorização simbólicano uso cotidiano poderiam passar a possuir talvalor devido à sua forma e proporção apropriada àconstrução.

A pesquisa realizada buscou entender acomplexidade dos processos de formação envolvi-dos na construção de aterros artificiais, na tentativade compreender o mosaico de atividades quegeraram esse vestígio arqueológico. Abordagenscomo as propostas por Schiffer (1972, 1975,1987) e outros autores abrem a gama de possibili-dades interpretativas, uma vez que levam em contao dinamismo tanto dos processos culturais quantonaturais na configuração do registro arqueológico.No entanto, é necessário que tenhamos maisestudos arqueológicos e etnoarqueológicos arespeito da variabilidade dos processos formativosvoltados para a questão das múltiplas funções queos artefatos assumem durante sua vida útil, assimcomo a respeito dos padrões de descarte eabandono para que possamos refinar nossosmodelos interpretativos, repensando, assim, avariabilidade artefatual e seus padrões de disper-são. As hipóteses interpretativas adotadas nessetrabalho em meio às inúmeras possibilidades deprocessos de formação associadas à construçãodos montículos artificiais, visaram a geração ecompreensão de novos dados a partir dos quaispodemos repensar os parâmetros de compreensãoda ocupação pré-colonial da Amazônia Central.

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MACHADO, J.S. The interpretative potential of the technological analysis: an Amazonianexample. Rev. do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, 15-16: 87-111, 2005-2006.

ABSTRACT: The present article attempts to emphasize the importance of theutilization of physical-chemical correlates in the comprehension of the meanings of thetechnological choices made along the ceramic production process. The bibliographyconcerning the distinct performance characteristics obtained from the choosencombination of tempers and clays within the ceramic production served as a comparativeparameter to the results obtained from the combined usage of petrographic andtechnological analysis in a ceramic collection provenient from artifical mounds inHathara site, central Amazon. The aplication of this approach intends to offer new datafor mapping the distinct choice priorities in each chaine operatoire, in order to bettercomprehend technological especifities of each artefactual group.

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Recebido para publicação em 6 de abril de 2006.