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    COLECÇÂO

    M edia e Jornalismo

    Sob a direcção doC e n t r o   d e   I n v e s t i g a ç ã o   M e d i a   e  J o r n a l i s m o

    Titulo:

    Sistemas dc Media: Estudo Comparativo.

    Três Modelos de Cxununicaçáo c Política

    Titulo O riginal:

    Com paring Media Systems.

    Three Models o f Media and Policies

    Autores:

    Daniel C. Hallin e Paolo ManciniTradução:

    MarÍ3 d a Luz Vcloso

    Revisão:

    Alice Araújo

    Revisão Científica:

    Nelson Traquina

    Capa:

    João Segurado

    © Da edição poreuguesa: Livros Horizonte, 2010

    Publicado sob autorização de Syndicate o f the Press o f the University of C ambridgc, Inglaterra

    © Cambridge University Press

    l.a ediçáo, 2004, reimpresso em 2005, 2006 (duas vezes), 2007 e 2008

    ISBN 978-972-24-1688-7

    Paginaçáo:

    Estúdios Horizonte

    Impressão:

    Rolo & Filhos II, S.A.

    Outubro de 2010

    Dcp. Legal n . °318l22/10

    T

    Reservados todos os direitos de publicação

    total ou parcial para a língua portuguesa por

    LIV ROS HORIZ ON TE , LDA .

    Rua das Chagas, 17-1.° Dt .° - 1200-106 LISBOA

    E-mail: [email protected]

    www.livroshorizonte.pt

    mailto:[email protected]://www.livroshorizonte.pt/http://www.livroshorizonte.pt/mailto:[email protected]

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    OITO

    As Forças e os Limites da Homogeneização

    Os capítulos precedentes descreveram três modelos distintos de sistema de media, e

    muitas variações entre países individuais. E claro, contudo, que as diferenças entre estes

    modelos e, em geral, o grau de variação entre os Estados-nação diminuíram substan

    cialmente com o correr do tempo. Em 1970, as diferenças entre os três grupos de países

    caracterizados pelos nossos três modelos eram bastante acentuadas; uma geração mais

    tarde, por volta dos primeiros anos do século xxi, as disparidades tinham sofrido uma

    erosão ao ponto de ser razoável perguntar se um modelo de media único, global, está asubstituir a variação nacional do passado, pelo menoas entre as democracias capitalistas

    avançadas analisadas neste livro. De forma crescente, como McQuail (1994) coloca a

    questão, uma “cultura internacional de media ’ tornou-se comum a todos os países que

    estudámos. Neste capítulo focaremos a nossa atenção neste processo de convergência

    ou homogeneização, sintetizando em primeiro lugar as mudanças nos sistemas de me-dia  europeus que se encaminham nesta direcção, e depois passando às questões de

    como pode explicar-se essa mudança, os seus limites e contratendências, e as suas im

    plicações na teoria dos media, destacando em particular o debate sobre a “diferenciação” levantado no Capítulo 4.

    O TRIUNFO DO MODELO LIBERAL

    O Modelo Liberal tornou-se clara e crescentemente dominante através da Euro

    pa e na América do Norte - como aconteceu, sem dúvida, através de grande parte domundo -, as suas estruturas, práticas e valores substituindo, em elevado grau, os dos

    outros sistemas de media que analisámos nos capítulos precedentes. A esta asserção énecessário acrescentar qualificações importantes; como veremos adiante, há contra

    tendências significativas que limitam a disseminação do Modelo Liberal em muitos

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    p is es ou que até transformam o próprio modelo. Mas, de um modo geral, é razoável

    sintetizar as alterações nos sistemas de media  europeus como uma mudança para o

    Modelo Liberal que prevalece, na sua forma mais pura, na América do Norte.

    Os jornais partidários e outros media ligados a grupos sociais organizados - aqueles cujos principais objectivos eram mobilizar a acção colectiva e intervir na esferapública e que em tempos desempenharam um papel central tanto nos sistemas Cor-

    porativistas Democráticos como nos Pluralistas Polarizados - sofreram um declínio

    a favor dos jornais comerciais cujo objectivo é obter lucro em troca de informação e

    entretenimento para os consumidores individuais e atrair a atenção dos consumido

    res para os anúncios publicitários. Na Finlândia, para tomarmos um exemplo típico

    do sistema Corporativista Democrático, a quota de mercado dos jornais politica

    mente alinhados declinou 70 por cento em 1950 para um pouco mais de 50 porcento em 1970, e menos de 15 por cento em 1995 (Salokangas, 1999: 98). Os esti

    los polêmicos de escrita declinaram a favor das práticas “anglo-saxónicas” da separa

    ção das notícias do comentário e da ênfase dada à informação, narrativa, sensação e

    entretenimento, mais do que às ideias. Um modelo de profissionalismo jornalístico

    assente nos princípios da “objectividade” e da neutralidade política está a tornar-secada vez mais dominante.

    No campo da rádio e da TV, o “dilúvio comercial” das décadas de 1980-90 substituiu os monopólios do serviço público de uma era anterior por sistemas mistos em

    que os media  comerciais ocupam um lugar cada vez mais predominante.

    A rádio e a televisão deixaram de ser uma instituição cultural e política em que as

    forças do mercado desempenhavam um papel insignificante para se transformar

    numa indústria em que ocupam um lugar central, mesmo em relação às restantes

    estações públicas de rádio e de TV que lutam por manter a quota de audiência.

    Os estilos do jornalismo de rádio e de TV mudaram de formas de informação cen

    tradas em torno dos sistemas políticos partidários para um estilo dramatizado,

    personalizado e popularizado que foi pioneiro nos Estados Unidos (Brants, 1985,

    1998). As indústrias de telecomunicações foram liberalizadas de forma semelhante.

    Os padrões da comunicação política também se transformaram, longe dos que

    eram centrados em partidos enraizados nos mesmos grupos sociais organizados

    como o velho sistema de jornal, em padrões centrados nos media que envolvem os

    partidos que utilizam o marketing e os seus dirigentes numa massa de consumidores

    individuais. Os partidos políticos, como os jornais, têm tendência para ofuscar as

    suas identidades e ligações ideológicas a grupos e interesses sociais particulares com

    o objectivo de atrair um eleitorado tão amplo quanto possível - tendem a transformar

    -se em partidos catchall. A política está cada vez mais “personalizada” ou “presiden-cializada”, enquanto os dirigentes partidários individuais ocupam um lugar mais

    central para a imagem e poder de atracção do partido. Também a política está

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    “profissionalizada”, enquanto os partidos e as campanhas são cada vez mais aszr-gues, não ao conjunto dos membros e activistas dos partidos —cujo número esa adecrescer —mas a especialistas em marketing político com frequência recrutados no

    mundo dos media. O Forza Italia de Berlusconi é o exemplo mais puro deste padião

    —um partido no início construído sem membros, em que os profissionais políticos

    e de media desempenham um papel-chave de gestão, e que existe apenas como um

    veículo de marketing para o dirigente individual; mas a tendência é geral, também

    ilustrada pelo New Labour de Tony Blair, por exemplo, ou pelos sociais-democratasde Gerhard Schrõder. Por fim, a política está mais centrada nos media, porque os

    mass media se tornam mais independentes como agendasetters, enquanto a política“de retalho” dos comícios, as campanhas dos activistas e, em alguns países, o patro

    cínio, dão lugar, acima de tudo, às campanhas centradas na televisão dirigidas a

    audiências de massas. O que é verdade para as eleições também o é em geral paraa comunicação envolvida no processo de governação.

    Estas mudanças podiam ser sintetizadas dizendo-se que os sistemas europeus

    de media,  que não só nos Modelos Corporativistas Democráticos como também

    nos Pluralistas Polarizados estão intimamente ligados ao sistema político, foram

    ficando, de maneira crescente, separados das instituições políticas. Esta “diferenciação” do sistema de media do sistema político —para usar a linguagem da teoria

    funcionalista-estrutural - é uma das características principais do Modelo Liberal e

    ocorreu de uma maneira geral nos países do Atlântico Norte muito mais cedo doque na Europa continental. A “diferenciação” dos media  do sistema político não

    significa que os media perdem toda a relação com o mundo político. Na verdade,é comum dizer-se que acabam por desempenhar um papel central crescente noprocesso político, porque se tornaram mais independentes dos partidos e dos ou

    tros actores políticos, e porque os últimos perderam muita da sua capacidade para

    moldar a formação da cultura e da opinião. A diferenciação significa, em vez disso,

    que o sistema de media opera de forma crescente de acordo com uma lógica distin

    ta sua, substituindo, numa medida significativa, a lógica da política partidária e denegociação entre os interesses sociais organizados, a que esteve em tempos ligada.

    De acordo com as palavras de Mazzoleni (1987), uma “lógica dos media” distintasobrepôs-se cada vez mais à “lógica política” subordinada às necessidades dos par

    tidos e dos dirigentes políticos, que antes dominavam o processo de comunicaçãona Europa.

    Existem dificuldades importantes em relação ao conceito de diferenciação como

    meio de compreender a mudança nos sistemas europeus de media. Estes têm a ver,

    em primeiro lugar, com uma ambigüidade importante sobre a noção de uma “lógicadistintiva dos media  , uma ambigüidade sobre se o que está em causa é essencialmente uma lógica profissional ou comercial. E, como veremos no final deste capírulo,

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    há dificuldades - endêmicas à perspectiva fúncionalista estrutural de que provém a

    noção de diferenciação - sobre como responder pelopoder social e político. Todavia,

    a ideia de que os sistemas de media na Europa se tornaram crescentemente diferenciados do sistema político, e sob este aspecto acabaram por se parecer com o Mode

    lo Liberal, constitui uma boa maneira de começar a discussão do processo deconvergência.

    Que forças impulsionam a homogeneização dos sistemas de media, ou a sua con

    vergência para o Modelo Liberal? A maior parte das teorias põe o acento tônico na

    “americanização” e na modernização, que por sua vez estão intimamente ligadas à

    globalização e à comercialização (Negrine e Papathanassopoulos, 1996; Swanson eMancini, 1996; Blumler e Gurevitch, 2001). Tentaremos clarificar como estes quatro processos —em conjunto com um quinto processo relacionado que designaremos

    por secularização - afectaram os sistemas europeus de media e como estão relacionados uns com os outros. Começaremos com a americanização e, de um modo mais

    geral, com um exame das forças exógenas da homogeneização, isto é, as forças exte

    riores às sociedades europeias que deram um impulso em direcção à convergência

    com o Modelo Liberal. Voltar-nos-emos em seguida para os factores endógenos,

    incluindo a “secularização” da sociedade europeia e a política e comercialização dos

    media  europeus. As duas últimas secções deste capítulo destacarão os limites e as

    contratendências do processo de homogeneização e os conceitos de modernização e

    diferenciação.

    FORÇAS EXÓGENAS DE HOMOGENEIZAÇÃO:AMERICANIZAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO

    DE UMA CULTURA GLOBAL DO JORNALISMO

    A noção de “americanização” tem constituído um ponto de partida popular para

    a análise da mudança do sistema de media na Europa desde a década de 1960, quando a perspectiva cultural do imperialismo focou a atenção no poder cultural dosEstados Unidos e no seu impacto nos sistemas de media em todo o mundo (Schiller,

    1969, 1973, 1976; Boyd-Barrett, 1977; Tunstall, 1977). Ela capturou com nitidez

    uma parte importante do processo. Não só os media e os processos de comunicaçãoeuropeus começaram a assemelhar-se aos padrões americanos sob importantes aspec

    tos, mas verifica-se uma clara evidência da influência americana directa, começandopelo menos desde fins do século xxx, quando formas do jornalismo americanas foram

    muito imitadas. Este padrão continuou no período entre guerras com a força crescente de Hollywood e das agências noticiosas americanas, acelerou depois da Segun

    da Grande Guerra, quando os Estados Unidos alcançaram a hegemonia mundial em

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    termos políticos, econômicos e culturais (Schou, 1992) e, sob vários aspectos, acde-rou ainda mais com a mudança global para o neoliberalismo na década de 19S0.

    Associamos hoje em geral a americanização à influência conservadora do neolibera-

    iismo, mas como vários acadêmicos sublinharam {e. g., Gundle, 2000), a cultura daesquerda na Europa também foi muito afectada.pelo “sonho americano”.

    O processo descrito pela teoria do imperialismo cultural é essencialmente umprocesso de influência externa, envolvendo a substituição de uma cultura por outra

    cultura importada. Argumentaremos que, de facto, as mudanças verificadas nos sis

    temas europeus de media são impelidas sobretudo por processos de mudança interna 

    da sociedade europeia, embora certamente ligados à integração dos países europeus

    numa economia global. Contudo, as influências externas são claramente uma parte

    importante da história, e começaremos com um debate mais profundo sobre a influência americana e o processo mais amplo que conduziu ao desenvolvimento de uma

    cultura global do jornalismo - incluindo a influência da tecnologia - antes de con

    tinuarmos com os processos internos da mudança que são comummente designados

    por “modernização.”Como vimos nos capítulos precedentes, as influências internacionais têm feito

    parte da história dos media desde o início: os media do Sul da Europa foram bastan

    te influenciados pelos Franceses, e a intensa interacção entre os países europeus do

    Norte foi central para a formação da sua cultura sobre os media.  A influência

    desenvolveu-se em muitas direcções. O jornalismo alemão, por exemplo, tem tido

    influências significativas nos media americanos. Josef Pulitzer trabalhava na grande

    imprensa em língua alemã nos Estados Unidos antes de dar início à sua indústria de

     jornais em língua inglesa, e os fotojornalistas alemães, que se mudaram para os Estados Unidos durante a década de 1930, exerceram influências importantes no foto-

     jornalismo americano (como aconteceu com os realizadores europeus em Hollywood

    na mesma época). A predominância americana nos media europeus, como assinalá

    mos, remonta pelo menos a finais do século xix. Vimos no Capítulo 5, por exemplo,

    que a emergente imprensa francesa de massas foi claramente influenciada pela ame

    ricana, com um dos jornais mais importantes, Le Matin, de que era proprietário umamericano que disse que ele seria um “jornal sem igual... que não terá quaisquer

    opiniões políticas... um jornal de notícias telegráficas rigorosas à escala mundial”

    (Tliogmartin, 1998: 93-4). Schudson (1995) mostra que a prática da entrevista es

    tava espalhada pela Europa através dos repórteres americanos.

    A influência americana intensificou-se com nitidez na seqüência da Segunda

    Grande Guerra, quando os Estados Unidos se tornaram o poder político e econômi

    co dominante. Não se tratou de uma coisa que aconteceu simplesmente. ComoBlanchard (1986) demonstrou, resultou em parte de um esforço organizado conduzido pela American Society of Newspaper Editors (ASNE) e pelo Departamento de

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    Estado norte-americano para promover a concepção norte-americana da liberdade

    de imprensa e do profissionalismo jornalístico em todo o mundo. O principal objec-tivo da “cruzada pela imprensa livre” era restabelecer a democracia nos países euro

    peus que tinham estado sujeitos ao fascismo e incrementar a política de contençãocontra o modelo político do bloco soviético. Uma manifestação importante era a

    influência exercida pelos aliados sobre os sistemas de media da Alemanha, da Áustria

    e da Itália durante a ocupação. Ao mesmo tempo, a cruzada reforçou a esfera de

    domínio e o mercado das agências noticiosas americanas e, em geral, dos mass media. 

    A cruzada que Blanchard descreve incidiu sobre as agências internacionais —as Na

    ções Unidas e a UNESC O - e em termos formais alcançou um êxito limitado, nosentido de que as propostas americanas eram amiúde rejeitadas. Contudo, contri

    buiu para a disseminação dos princípios liberais de media que na verdade se estavama tornar cada vez mais hegemônicos.Se a “cruzada pela imprensa livre” das décadas de 1940 e 1950 estava associada

    aos objectivos políticos da luta contra o fascismo, naquele tempo a Guerra Fria e

    outras iniciativas e associações eram o resultado da globalização crescente das indústrias de media.  Os mercados tinham de ser penetrados e expandir-se e havia uma

    necessidade de informação sobre esses mercados para a coordenação das iniciativas

    para os desenvolver, e para a promoção das condições, incluindo políticas e culturais,

    adequadas ao seu desenvolvimento. Uma associação que perseguia esses objectivos

    era a World Association o f Newspapers (WAN), que foi fundada em 1948 e que tem

    hoje em dia como membros 71 associações nacionais de jornais, e que descreve assim

    os seus objectivos:

    1. Defender e promover a liberdade de imprensa e a independência econômica

    dos jornais como condição essencial para essa liberdade.

    2. Contribuir para o desenvolvimento dos jornais publicando e promovendo

    comunicações e contactos entre os executivos dos jornais de diferentes regiões

    e culturas.

    3. Promover a cooperação entre as organizações que são membros da WAN,sejam elas nacionais, regionais ou de âmbito mundial.

    A WAN persegue estes objectivos através de programas de formação, conferências,

    publicações e lobismo junto de organizações internacionais e de governos. O seu “Có

    digo de Práticas Jornalísticas”, aprovado em 1981, reflecte de forma clara a influência

    da concepção liberal da liberdade de imprensa e do profissionalismo, reafirmando o

    Ponto 1 o princípio básico da liberdade de imprensa; o Ponto 2 a necessidade da imparcialidade; o Ponto 3 a separação das notícias do comentário; até ao ponto 11, quereafirma a independência da imprensa em relação a qualquer pressão externa, “quer do

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    governo, dos partidos políticos, dos interesses comerciais ou dos indivíduos privados”.A simbiose entre a política e o jornalismo, que em certa altura representava caracterís

    ticas constitutivas dos Modelos Corporativistas Democráticos e Pluralistas Polariza

    dos, é por isso claramente rejeitada pela indústria global dos jornais comerciais, a favorde um “senso comum” liberal emergente da liberdade de imprensa; em larga medida,

    esta é a “cultura internacional dos media  descrita por McQuail (1994).

    O papel da WAN constitui uma boa ilustração do argumento de Tunstall (1977)

    de que a influência americana nas culturas mundiais dos media resultou em pane do

    papel-chave que os Estados Unidos tiveram na “produção do conhecimento” . A edu

    cação formal do jornalismo e o estudo acadêmico da comunicação estavam, em ter

    mos relativos, muito desenvolvidos nos Estados Unidos no final da Segunda Grande

    Guerra. Estas instituições geraram um corpo de doutrina coerente, prontamenteexportável, que girava em torno de uma concepção liberal de liberdade de imprensa

    e da ideia de profissionalismo neutro que por fim tinha uma influência profunda nas

    culturas de media na Europa e em todo o mundo92. A influência em todo o mundo

    de Four Theories ofthe Press sobre a aprendizagem e a educação relativas aos media —

    uma influência que, como defendemos no Capítulo 1, retardou mesmo a conceptu-

    alização teórica dos outros sistemas de media  - constitui uma boa ilustração do

    ponto de Tunstall. Bamhurst e Nerone (2001: 276), numa análise que fizeram da

    americanização do design do jornal, verificaram, de forma semelhante, que “os consultores americanos espalharam a sua sensibilidade em termos de design  tentando

    persuadir as pessoas de que a forma modernista era um meio de transmissão eficaz do jornalismo e da publicidade locais. Para reforçar o seu ponto de vista, eles podiam

    reivindicar o suporte ostensivamente neutro da investigação sobre a legibilidade e os

    princípios psicológicos”. (Barnhurst e Nerone defendem ainda que as técnicas de

    design  dos EUA incorporavam uma ideologia particular, liberal, sobre o papel do

     jornal como instituição do mercado mais do que do mundo político.)

    Não existe um grande volume de investigação sistemática, em particular de natureza comparativa, sobre a educação para o jornalismo. Mas parece provável que os

    modelos americanos de educação jornalística tenham desempenhado um papel im

    portante na mudança das culturas do jornalismo em todo o mundo. Verifica-se umatendência significativa no sentido de um papel mais amplo na formação formal do

     jornalismo. Isto é significativo por si - mesmo à parte do conteúdo dessa educação

    —no sentido de que o desenvolvimento de uma trajectória educativa distinta dos

     jornalistas pareceria quase inevitavelmente promover o desenvolvimento de uma

    92 Drake c Nikolaidis (1992) mostram, de forma semelhante, como a transformação dos regimes internacionais

    de telecomunicações na década de 1980 resultou da produção por especialistas dos países ocidentais de novas ma

    neiras de compreender a telecomunicação.

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    cultura do jornalismo distinta de, entre outras coisas, partidos políticos. Pensamos,

    além disso, que o conteúdo da educação para o jornalismo põe exactamente emevidência a concepção do papel dos media enfatizado pela WAN93. Splichal e Sparks

    (1994) parecem partilhar esta opinião, concluindo a sua investigação sobre a educação para o jornalismo em 22 países, pondo em relevo o facto de, com algumas qua

    lificações, o jornalismo estar a passar de ofício a profissão graças à difusão de práticas

    educativas comuns. Weaver (1998), num outro trabalho baseado em pesquisas de

     jornalistas, sublinha também a importância de uma educação formal com vista a

    criar uma cultura jornalística global.

    O exemplo da WAN - que foi muito influenciada pelos editores americanos dos jornais nos seus primeiros anos, mas que se tornou numa instituição verdadeiramente

    internacional - também ilustra outra força significativa do desenvolvimento de uma

    cultura global de media, força essa que se tornou muito mais vasta do que a “america-

    nização”, como seja a intensidade da interacção entre os jornalistas à escala mundial.

    Isto acontece em muitos contextos. A WAN, cuja sede é em Paris, organiza reuniões

    internacionais de jornalistas e de outro pessoal dos media, e muitas outras organizaçõesdesempenham um papel semelhante, incluindo a European Journaiism Training Asso-

    ciation, estabelecida por muitas escolas e institutos europeus de jornalismo. Os jorna

    listas também interagem de forma acentuada ao fazer a cobertura de acontecimentos

    mundiais ou de instituições internacionais (Hallin e Mancini, 1994). Este tipo de inte

    racção não produz homogeneização automaticamente; uma pesquisa junto dos jornalistas que cobriam as instituições dos EUA em Bruxelas pôs em relevo a medida em que

    as suas reportagens continuam a ser dominadas pelas agendas políticas nacionais94. Masisso não conduz à difusão das técnicas, práticas e valores, da mesma maneira que as

    culturas jornalísticas nacionais começaram a desenvolver-se quando os jornalistas se

     juntavam para cobrir as instituições políticas nacionais emergentes. Esta interacção

    também se verifica de uma forma mais mediática através dos fluxos globais da informa

    ção. Os jornalistas são grandes consumidores de media globais, muitos deles baseados

    nos Estados Unidos e na Inglaterra, não só porque representam grandes e poderosasorganizações de media como também porque são escritos em inglês - o HeraldTribune 

    internacional95, o Financial Times  e outros representantes da imprensa comercial

    95 Quando apresentámos uma primeira versão da nossa investigação na escola de jornalismo da Universidade de

    Dortm und, o nosso anfitrião, professor Gerd Kopper, sublinhou que a concepção liberal do profissionalismo neuno

    era exactamente aquilo que era ensinado ali aos estudantes.

    94 Um a grande parte desta pesquisa está sintetizada por Schlesinger (199 9), o qual anota que a cobertura noti

    ciosa europeizada é principalmente produzida para um audiência muito elitista, ao passo que os media que visam as

    massas acompanh am as agendas políticas nacionais.

    95 Rieffel (1984 : 114) assinala a influência do HeraldTribune nos jornalistas franceses. U m interessante exem pi»

    recente da influência norte-americana é o facto do Le Monde ter começado a fornecer aos seus leitores, como suple

    mento, uma versão do The New York Times.

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    global96, a C NN e o BBC World Service, tanto a rádio como a televisão. Os fornafcms também recorrem com muita frequência às agências noticiosas internacionais, indidmio

    os serviços telegráficos e as agências da TV global, como a Reuters TV e a Worldwiáe

    Television News. A partilha global das notícias tem tendência para aumentar, não sóem termos de tecnologia, porque as novas tecnologias da informação noticiosa tomam

    cada vez mais fácil para os jornalistas o acesso à informação de todo o mundo, bastando

    para isso carregar num botão, como também em termos de comercialização, porque arecolha de notícias a baixo custo constitui uma prioridade. Tudo isto tende a promover

    as concepções comuns respeitantes ao papel dos jornalistas —a influência da mitologia

    de Watergate sobre o jornalismo à escala mundial é disso um exemplo perfeito - e os

    estilos comuns de apresentação das notícias.

    Focámos aqui a nossa atenção sobre o jornalismo, mas processos semelhantestêm estado a acontecer em outras áreas dos media  e da prática das comunicações.

    Blumler e Gurevitch (2001: 400; ver também Plasser, 2000), por exemplo, assina

    lam que nas campanhas eleitorais de 1996 e 1997, “os especialistas do Partido Tra

    balhista britânico e da equipa de Clinton se observavam entre si em acção epartilhavam as respectivas competências tácticas...”

    O PAPEL DA TECNOLOGIA

    Pode dizer-se que a tecnologia é outra força “externa” no sentido da homogenei

    zação. Num dos capítulos mais interessantes da Printing Revolution irt Early Modem  

    Europe, Elisabeth Eisenstein (1983), elaborando sobre uma ideia originalmente pos

    ta em destaque por McLuhan, assinala como a invenção da imprensa escrita produ

    ziu um processo de estandardização, que no decurso dos séculos seguintes afectou

    muitos aspectos da cultura e da sociedade. Estilos de escrita e tipos de caracteres,

    assim como muitas práticas sociais usadas no conteúdo dos livros (Eisenstein usa a

    moda como exemplo), revelam uma tendência para se espalhar por todos os paísesonde a indústria da impressão se difundia. A análise de Eisenstein faz-nos recordar

    96 A imprensa comercia] é o sector mais g lobal dos media.  Isto não é surpreendente porque o capital está globa

    lizado de uma maneira que o Governo e as outras esferas da vida social cobertas pelos media noticiosos não estão.

    A imprensa do mundo dos negócios também está claramente dominada pelo estilo de jornalismo qu e prevalece nos

    países liberais. Isto deve-se em pa ne ao facto de muitos jogadores-chave estarem situados nos países liberais - o

    Financial Times, Dow Jones, Reuters, Bloomberg. Também é provável que esteja relacionado com o facto de o jor

    nalismo comercial ter tido sempre um carácter largamente informativo, remontando aos primeiros dias da impren

    sa. Isto é, em larga medida, a função da imprensa para os participantes do mercado, fornecer a informação de queeles necessitam para tomar decisões. Os jornais comerciais também servem, como é natural, para avançar ideias -

    promover o liberalismo, por exemplo - e como um fórum para debater questões políticas. Mas porque a comuni

    dade dos negócios —como os países do M odelo Liberal —é caracterizada por um alto grau de consenso em matéria

    de assunções ideológicas básicas, é fácil que os estilos “objectivos” de apresentação se tornem dominantes.

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    Daniel C. Hallin / Paolo Mancini

    que qualquer inovação tecnológica conduz afinal a uma vasta gama de adaptaçõespor indivíduos e instituições sociais. As pessoas inclinam-se para assumir o comportamento, as formas, as estruturas e, neste caso, os procedimentos da comunicaçãoque estão associados às novas tecnologias, e esta influência produz com frequência

    culturas de práticas comuns através de contextos sociais diferentes. Golding (1977:304), numa análise da difusão das práticas ocidentais do profissionalismo jornalísti

    co no mundo em desenvolvimento, fez uma estimativa semelhante: “A transferência

    do profissionalismo corre em paralelo à transferência da tecnologia que pode ser al

    ternadamente compreendida como o problema da dependência tecnológica.”A influência da tecnologia não pode ser separada do contexto social em que as

    tecnologias são adoptadas e implementadas, como é óbvio, e não devíamos exagerar os

    efeitos da estandardizaçáo das tecnologias de comunicação maciça. A imprensa escrita,

    por exemplo, difundiu sem dúvida muitas práticas de comunicação. Mas, como vimos, desenvolveram-se formas bastante diferentes de media  escritos nos diferentes

    contextos políticos que estudámos aqui, e o seu desaparecimento deve-se de forma

    evidente muito mais às forças econômicas e sociopolídcas do que a qualquer mudança

    na tecnologia da impressão dos media. Contudo, não restam dúvidas de que o processo de homogeneização também está relacionado com a inovação tecnológica. As mu

    danças da tecnologia da televisão, por um lado, desempenharam claramente um papel

    importante na rotura da estrutura existente dos media ao facilitar a cobertura nacional

    das emissões de rádio e de TV e a multiplicação dos canais, desenvolvimentos cujosignificado exploraremos adiante com mais profundidade. Sob muitos aspectos, a tec

    nologia aumentou a facilidade com que os conteúdos dos media podem ser partilhadosatravés das fronteiras nacionais, permitindo que os jornalistas em todo o mundo te

    nham acesso nos ecrãs dos seus computadores aos mesmos conjuntos de palavras e

    imagens. As agências noticiosas, como é natural, desempenharam este papel durante

    algum tempo, fornecendo notícias escritas num único estilo, produzidas para um con

     junto único de práticas de recolha de notícias. As agências noticiosas dominantes do

    século xx têm sido as inglesas, que desempenharam um papel importantíssimo na difusão do Modelo Liberal de jornalismo. Um outro exemplo recente seria um serviço

    semelhante ao Evelina produzido pela European Broadcasting Union (EBU), que for

    nece imagens, filmadas de acordo com um padrão comum e que está à disposição dequalquer utilizador europeu. A CNN é, claro, outro instrumento poderoso para a di

    fusão de procedimentos e técnicas comuns, tal como a Internet.

    E provável que o aumento da educação profissional do jornalismo esteja tam

    bém ligado à mudança tecnológica. Como a palavra escrita é cada vez mais substi

    tuída por formas multimédia de apresentação, as fronteiras entre a produção e otrabalho jornalístico tornam-se esfúmadas, e a tecnologia acaba por desempenhar

    um papel central cada vez maior na prática jornalística. Neste contexto, é menos

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    Sistemas de Media\  Estudo Comparativo

    importante aquilo que um jornalista tem para dizer sobre política do que se ela oc.

    ele podem criar uma narrativa convincente de televisão ou uma apresentação visual

    atractiva num ecrã de computador. Isto cria uma necessidade de formação especia

    lizada dos jornalistas, e é provável que tenha tendência para criar uma cultura global de competência técnica que está relativamente separada das culturas políticas

    nacionais. Também acontecem processos semelhantes noutras áreas da comunicação política como, por exemplo, o uso dos computadores nas campanhas políticas

    produz da mesma maneira uma necessidade de estandardizar a competência técni

    ca. A homogeneização produzida pela inovação tecnológica envolve principalmen

    te os profissionais mais jovens que estão mais abertos às inovações e que emprincípio receberam formação especializada para efeitos da sua aplicação. Esta pode

    ser uma das razões da existência freqüente de brechas entre os jornalistas mais velhos, cujas preocupações profissionais giram mais em torno das linhas políticas das

    suas organizações noticiosas, e os jornalistas mais jovens, que estão mais interessa

    dos nas características “estritamente profissionais” dos seus empregos {e. g , Ortega

    e Humanos, 2000: 158).

    AS FORÇAS ENDÓGENAS DA MUDANÇA: “MODERNIZAÇÃO”, SECULARIZAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

    As influências externas sobre os sistemas de media europeus desempenharam cla

    ramente um papel importante. Como tentámos mostrar nos capítulos precedentes,contudo, os sistemas de media que se desenvolveram na Europa —bastante diferentes, sob muitos aspectos, dos sistemas de media norte-americanos - estavam muito

    enraizados em histórias, estruturas e culturas políticas particulares. Não é plausível

    que tivessem sido transformados sem modificações significativas da política e da

    sociedade. Os profissionais europeus de media não adoptaram imediata ou directa-mente as formas americanas. Até certo ponto, de facto, a ideologia  do sistema demedia Liberal espalhou-se sem realmente mudar as práticas jornalísticas ou de outros

    media. Ficámos sempre surpreendidos pelo facto de ser tão comum, em particular

    no Sul da Europa, que os jornalistas manifestem submissão em relação à noção glo

    bal de “objectividade”, quando praticam o jornalismo de uma maneira que está em

    assinalável desacordo com as noções norte-americanas ou inglesas de neutralidade

    política. A análise que Papathanassopoulos (2001) faz da transformação do jornalis

    mo grego é consistente com esta observação. A penetração mais profunda das práti

    cas liberais dos media  ocorreu somente quando a transformação estrutural dossistemas europeus políticos e de media tornou estas práticas cada vez mais relevantes

    e apropriadas, e deve ser entendida no contexto destas mudanças mais profundas.

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    Daniel C. Hallin / Paolo Mancini

    Por isso, voltamos agora aos processos fundamentais da mudança interna em curso

    nos sistemas europeus de media.Uma das formas mais comuns de compreender estes processos profundos de

    mudança é em termos de “modernização”. No livro clássico de 1963, Communica-

    tions and Political Development, Pye escreveu:

    Em qualquer sociedade só uma pequena fracçáo da comunicação política tem origem nos

    próprios actores políticos, e esta proporção tende a diminuir com a modernização à medidaque um grande número de participantes sem poder adere ao processo das comunicações.Num sentido fundamental, a modernização envolve a emergência de uma classe profissionalde comunicadores... A emergência de comunicadores está... relacionada com o desenvolvimento de uma visão objectiva, analítica e não partidária da política (78; ver também Fagen,

    1966).

    O ponto de vista de Pye está relacionado com o funcionalismo estrutural que

    defende que as sociedades têm tendência para evoluir no sentido de uma maior es

    pecialização funcional entre as instituições sociais, e de uma maior diferenciação

    dessas instituições entre umas e outras, em função das suas normas, práticas e identidades simbólicas. Para Parsons e outros funcionalistas estruturais, a profissionaliza

    ção é central a este processo. A noção de diferenciação assume de forma clara umaparte importante da mudança dos sistemas de media europeus. E se a modernidade

    envolve, como Giddens (1990: 21) defende, o “desencaixe” ou a “remoção” das relações sociais dos contextos locais de interacção e a sua reestruturação através de espa

    ços indefinidos de tempo-espaço, “faz algum sentido dizer que os sistemas de media 

    na Europa se tornaram cada vez mais “modernizados”. Ao mesmo tempo, o conceito

    de modernização, como é comummente entendido, é problemático sob muitos as

    pectos: não só contém presunções normativas duvidosas sobre a superioridade uni

    versal de um modelo particular, como também há problemas reais em relação àdescrição da mudança dos sistemas de media nos países aqui cobertos, em termos de

    uma mudança linear no sentido de uma maior diferenciação, problemas que examinaremos em pormenor nas últimas secções deste capítulo. Propomos por isso come

    çar pelos conceitos mais neutros e específicos de secularização e comercialização.

     MASS MEDIA E SECULARIZAÇÃO

    A noção de secularização tem sido fundamental para a compreensão da moder

    nidade, desde Marx, Weber e Durkheim. O que queremos significar com isso neste

    contexto é a separação dos cidadãos de ligações a “crenças” religiosas e ideológicas, eo declínio das instituições assentes nessas crenças que outrora estruturaram vastas

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    Sistemas de Media.. Estudo Comparativo

    zonas da vida social europeia. Assim como a Igreja já não é capaz de controlar a so

    cialização ou o comportamento das populações que são hoje em dia atraídas pocvalores e instituições fora do campo da fé, assim os partidos, os sindicatos e outras

    instituições que estruturavam a vida política que Lipset e Rokkan (1967) descreve

    ram em tempos como estando essencialmente “congelada”, já não conseguem hege-monizar a vida em comunidade dos cidadãos. A ordem política europeia estava em

    tempos organizada em torno de instituições sociais enraizadas em compromissos

    ideológicos assentes em amplas divisões sociais, em especial as das classes sociais e

    da religião. Os laços dos indivíduos a esses grupos eram centrais, tanto em termos dasua identidade como do seu bem-estar material. Estas instituições também exerciam

    uma vasta gama de funções na estruturação da esfera pública, criando e fazendocircular símbolos culturais e políticos, e organizando a participação dos cidadãos na

    vida da comunidade. Por secularização queremos significar o declínio de uma ordemsocial política e social assente nestas instituições, e a sua substituição por uma socie

    dade mais fragmentada e individualizada. Com o declínio generalizado dos partidos,sindicatos, igrejas e instituições semelhantes, os mass media, em conjunto com mui

    tas outras agências de socialização, adquiriram uma maior autonomia em relação a

    essas instituições, e começaram a assumir o controlo de muitas das funções queaquelas desempenhavam noutros tempos.

    A “despilarização” da sociedade holandesa constitui talvez o exemplo clássico

    desta mudança. A pilarização, como vimos no Capítulo 6, foi a separação da população em subcomunidades organizadas, baseadas na persuasão religiosa ou política.

    Os pilares holandeses mantinham uma grande variedade de instituições - escolas,hospitais, clubes sociais, organizações de assistência social e mass media - e levavam

    a cabo uma vasta gama de funções sociais, incluindo a produção de significado sim

    bólico, a “agregação de interesses” e a organização da tomada de decisões políticas, a

    organização de tempos de lazer, a prestação de assistência social, e mais (Lijphart,

    1968, 1977, 1999; Lorwin, 1971; Nieuwenhuis, 1992). No campo da comunica

    ção, um indivíduo podia passar a vida inteira no centro de um fluxo de representações estruturadas por instituições constituídas por um único pilar. Por volta da

    década de 1970, esta estrutura tinha-se desmoronado, e “o cidadão holandês médio

    tornara-se principalmente mais um consumidor individual do que um seguidor deum sector religioso ou político particulares” (Nieuwenhuis, 1992: 207).

    Tinha ocorrido um processo semelhante na Itália, onde as duas subculturas fun

    damentais, a Católica e a Comunista, assentes em crenças religiosas e políticas bas

    tante enraizadas, representavam os principais instrumentos do poder político e as

    agências mais importantes de socialização do país. A subcultura católica estava essencialmente, embora não apenas, ligada às estruturas da Igreja Católica, às suas organizações de caridade e a redes interpessoais. O Partido Democrático Cristão era o seu

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    Daniel C. Hallin / Paolo Mancini

    braço político. A subcultura comunista fora construída a partir dos primeiros sindicatos e das organizações de solidariedade dos trabalhadores. Associadas ao PartidoComunista havia muitas outras organizações activas em diferentes campos: solidarie

    dade social, desporto, cultura, lazer, educação, media, e por aí fora. (Galli, 1968;Sani, 1980; Trigilia, 1981; Mannheimer e Sani, 1987). Tanto na Itália como na Ho

    landa —embora mais recentemente —a importância destas duas subculturas e das

    suas organizações sofreu um declínio. O surgimento e a vitória do partido Forza

    Italia de Berlusconi, assente quase todo nos rnass media para as suas ligações com o

    eleitorado, constitui uma excelente ilustração deste declínio —e da tendência para a

    correspondente expansão do papel social dos media.Na Escandinávia, os partidos agrários, conservadores, liberais e socialistas, em

    conjunto com os sindicatos, permearam outrora muitos campos da sociedade, mas

    declinaram de forma substancial. Pode encontrar-se uma ilustração interessante da

    mudança “de uma cultura colectivista para uma cultura política individualista” e dos

    seus efeitos no jornalismo numa análise do conteúdo dos media noticiosos suecos de

    1925 a 1987 (Ekecrantz, 1997: 408), que verificaram que o uso do termo nós eramais freqüente do que o uso do termo eu  em dissertações de épocas anteriores,

    tendo-se esta relação invertido na década de 1980. Encontram-se histórias seme

    lhantes, com muitas variantes locais, em relação à maior parte dos países referidos

    neste livro.

    O declínio dos partidos políticos está intimamente ligado a este processo de “se-

    cularização”, e é bastante importante para se perceber a mudança dos sistemas demedia. Há muita literatura sobre o “declínio dos partidos” e algum debate sobre se,

    ou em que sentido, ele se verificou de facto. Alguns argumentam que os partidos não

    declinaram assim tanto, antes se “modernizaram” e reduziram as suas funções, e que

    de facto são hoje mais eficazes em termos de mobilização de votantes em tempos de

    eleições, agora que se profissionalizaram e cortaram as ligações a instituições como

    os sindicatos. Outros sustentam que em vez de falar do “declínio dos partidos”, em

    geral, é necessário considerar em especial o declínio dos “partidos de massas” tradicionais que foram poderosos na Europa durante a maior parte do século xx, como

    aconteceu nos Estados Unidos numa forma e num período anteriores (Panebianco,

    1988; Mair, 1990; Katz e Mair, 1994). Os partidos de massas serviram como instrumentos cruciais para a representação e defesa dos interesses sociais e econômicos,

    para “ interesses agregadores” e para a formação de consensos, e também como estru

    turas importantes de comunicação através das redes interpessoais sobre as quais as

    suas organizações foram construídas. Os partidos de massas, entre as suas outras

    funções, eram responsáveis pela produção das representações e imagística sociais.Para efeitos do exercício desta função possuíam e controlavam jornais e os jornalistas

    que aí trabalhavam tinham o dever de disseminar e defender as ideias do partido.

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    Sistemas de Media. Estudo Comparativo

    As práticas de recolha da informação, da escrita e da interacçáo dos jornalistas cuca

    os leitores estavam ancoradas numa medida significativa na estrutura ideológica e

    numa rede social centrada no partido a que pertenciam. Pelo facto de serem em

    simultâneo jornalistas e figuras políticas, eles agiam de acordo com modelos de prá

    tica moldados por culturas políticas específicas que variavam de país para país —dai

    as diferenças substanciais que encontrámos entre os sistemas de media nacionais.

    O declínio do partido de massas, ideologicamente identificado e enraizado em

    distintos grupos sociais, e a sua substituição pelo catchall  ou “partido eleitoral--profissional”, originalmente orientado não para a representação de grupos ou ideo

    logias, mas para a conquista de uma quota do mercado eleitoral, tem sido bastante

    documentado pela ciência política (Kirchheimer, 1966; Panebianco, 1988). Os vín

    culos psicológicos e sociológicos estáveis que existiram outrora entre os partidos e os

    cidadãos saíram enfraquecidos desta transformação. Declinou o número dos inscritos nos partidos (como aconteceu com a igreja e os sindicatos). O mesmo se pode

    dizer da lealdade ao partido, medida ou pela identificação com os partidos políticos

    ou pela consistência partidária do comportamento eleitoral, pelo menos em muitos

    casos. A participação nas eleições declinou em muitos países. “Quando a filiação

    partidária estava intimamente ligada à classe e à religião, o conjunto das identifica

    ções sociais e políticas conferia um incentivo muito forte para que participassem

    aqueles que se identificavam com o partido. Estas ligações, todavia, definharam nos

    últimos a nos...” (Dalton e Wattenberg, 2000: 66). Atrofiaram-se as ligações políticas “populares” que outrora tinham ligado os partidos aos cidadãos, enquanto cres

    cia o quadro dos profissionais ligados aos media  e ao marketing.  Os dirigentes

    individualmente considerados tornaram-se cada vez mais importantes para o poder

    de atracção dos partidos, ao passo que a ideologia e as lealdades de grupo se tornaram menos atractivas.

    O enfraquecimento dos partidos políticos de massas está por sua vez ligado a

    um processo mais amplo de mudança social, que envolve a debilidade ou a frag

    mentação das clivagens sociais e econômicas sobre as quais se construíam os partidos de massas (Panebianco, 1988). Esbateram-se as linhas claras da divisão socialpostas de início em relevo pela teoria de Marx e mais tarde pela literatura políticacomparativa do período que se seguiu à Segunda Grande Guerra, segundo alguns

    até desaparecerem, com o resultado de os partidos de massas terem perdido as suas

    bases sociais. A proliferação dos grupos sociais com necessidades econômicas espe

    cíficas aumentou de importância, fazendo que as distinções entre proprietários e

    trabalhadores, terratenentes e camponeses, fossem menos relevantes. Um factor im

    portante para esta mudança é o facto de terem declinado as indústrias de manufac-tura onde as organizações tradicionais da classe trabalhadora estavam enraizadas,substituídas pelo sector dos serviços em crescimento. Talvez, e mais fundamental,

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    Daniel C. Hallin / Paolo Mancini

    tosse o facto de as economias europeias se terem expandido e parece provável que o

    aumento da abundância e o crescimento da sociedade de consumo tivessem como

    resultado uma maior ênfase no sucesso econômico individual do que na defesapolítica dos interesses do grupo. Uma interpretação diferente, embora não necessa

    riamente incompatível, do efeito do crescimento econômico, é o argumento deIngelhart (1977) de que a afluência e a estabilização da democracia liberal condu

    ziram à ascensão de “valores pós-materialistas”. Considera-se que esta mudança que

    ocorreu na cultura política prejudicou as divisões ideológicas em que assentava o

    velho sistema de partidos e tornou os indivíduos cada vez mais relutantes em

    submeter-se à liderança das organizações tradicionais. Pode também estar relacio

    nada com a ascensão de novos movimentos sociais que levantam questões transversais às linhas partidárias tradicionais.

    Estes mesmos factores citados por Ingelhart - afluência e consolidação da democracia parlamentar no contexto de uma economia capitalista —também podem

    ser responsáveis por um declínio acentuado da polarização ideológica. Há indícios

    de que diminuíram as diferenças ideológicas entre os partidos políticos (Mair,

    1997), embora vejamos adiante que também pode haver tendências em sentidocontrário, pelo que não pode necessariamente assumir-se que essas diferenças con

    tinuarão a decrescer de modo indefinido. Isto está relacionado com a aceitação dos

    grandes projectos do Estado-providência pelos partidos conservadores e do capita

    lismo e da democracia liberal pelos partidos de esquerda. Um símbolo importanteda mudança seria o “compromisso histórico” que incorporou o Partido Comunista

    na divisão do poder político na Itália na década de 1970. A literatura sobre socie

    dades “plurais” como a da Holanda, onde as várias subculturas tinham instituições

    separadas a nível popular, assinala com frequência que as lideranças dessas comunidades se acostumaram a cooperar e a entrar em acordos ao nível das instituições

    nacionais do Estado.

    Alguns registos da mudança dos sistemas políticos europeus apontam também

    para um aumento da educação, o que pode ter como resultado que os eleitores procurem obter informação de forma independente, de preferência a depender dos di

    rigentes dos partidos políticos. Em alguns registos isto está ligado a uma mudança

    da votação com base na lealdade ao partido e ao grupo, para uma votação com base

    num assunto. Alguns também mencionam que os sistemas de patronagem declinaram, em parte por causa da integração econômica, em particular com a formação daUnião Monetária Europeia, e as pressões que ela exerce sobre os orçamentos gover

    namentais, limitando a capacidade dos partidos para dar incentivos materiais aos

    seus apoiantes activos (Kitschelt, 2000; Papathanassopoulos, 2000). O aparecimento de novos grupos demográficos em resultado da imigração também pode ter enfra

    quecido a velha ordem, não só porque a nova população não está integrada em

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    Sistemas de Media: Estudo Comparativo

    estruturas tradicionais baseadas em grupos, como também porque as tensões resaá-

    tantes da imigração conduzem à defecção dos aderentes tradicionais.

    Por fim, muitos argumentam que a globalização e a integração econômica enfra

    queceram os partidos políticos ao desviarem o locus da tomada de decisão das esferaspolíticas nacionais que os partidos dominavam. Como Beck (2000) disse, o Estado--nação era o “contentor” das decisões políticas bem como dos outros processos sociais

    que afectavam os cidadãos ao longo da maior parte das áreas da vida. O Estado-nação

    foi perdendo o seu papel de “contentor”, e muitas das decisões que afectam os seus

    cidadãos são tomadas agora a um nível supranacional, removendo o poder do Estado

    e por isso dos partidos políticos, das organizações e grupos que representam os inte

    resses dos cidadãos. Os constrangimentos do regime econômico global emergente

    tendem a forçar os partidos a abandonar posições políticas distintas que outrora definiam as suas respectivas identidades, e também estorvam a sua capacidade para

    distribuir benefícios aos seus constituintes. Estes constrangimentos também forçam

    especificamente, em muitos casos, a harmonização das políticas relativas aos media,

    desfazendo amiúde as relações que já ejdstiam entre o Estado, os partidos políticos eos media. Por isso o Canadá é alvo de pressões no sentido de abandonar a protecção

    das indústrias culturais nacionais e a Escandinávia é alvo de pressões no sentido de

    liberalizar os regulamentos sobre a publicidade. Os padrões de clientelismo da aliança

    política na Espanha, entretanto, são desfeitos pelo facto de as companhias poderemapelar para Bruxelas a fim de esta invalidar as decisões reguladoras tomadas em

    Madrid.

    MUDANÇA DO SISTEMA DE MEDIA: CAUSA OU EFEITO

    As mudanças dos sistemas de media europeus sublinhadas no início deste capítu

    lo —em particular a mudança para os media catchall, para modelos de profissiona

    lismo jornalístico assentes na neutralidade política, e para uma mudança no sentidode formas de comunicação política orientada para os media  —estão seguramenterelacionadas com este processo de secularização. Mas qual é a causa e qual é o efeito?

    Será que a mudança do sistema de media é apenas um resultado destas mudanças na

    sociedade e na política, ou pode desempenhar algum papel independente? Numa

    grande medida, a mudança no sistema de media  é seguramente um resultado dos

    processos profundamente enraizados sintetizados atrás, que reduziram a base socialdos partidos de massas e da solidariedade de grupo e de um sistema de media rela

    cionado com eles. Também é evidente, contudo, que os processos de mudança quese verificam no interior do sistema de media  estão em curso e é bastante plausível

    que as mudanças nos sistemas europeus de media tenham contribuído para o processo

    275

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    Daniel C. Hallin / Paolo Mancini

    de secularização. É comum na literatura sobre o declínio dos partidos políticos na

    Europa indicar o sistema de media como uma fonte determinante da mudança:

    ...Novas tecnologias e... mudanças nos mass media... permitiram que os dirigentes dos partidos apelassem directamente aos eleitores e, deste modo, minaram a necessidade das redes

    organizativas... (Mair, 1997: 39).Progressivamente... os media tornaram-se mais importantes [informação e funções de supervisão] porque são considerados fornecedores imparciais de informação e porque os media electrónicos criaram sistemas de distribuição mais convenientes e mais impregnantes...A disponibilidade crescente de informação política através dos media  reduziu os custos da

    tomada informada de decisões (Flanagan e Dalton, 1990: 240-2).Os mass media estão a assumir uma grande parte das funções da informação que outrora eramcontroladas pelos partidos políticos. Em vez de obterem informação sobre uma eleição num

    comício ou junto dos candidatos dos partidos, os mass media tornaram-se na primeira fontede informação das campanhas. Além disso, os partidos políticos mudaram aparentemente oseu comportamento em resposta à expansão dos mass media. Os partidos políticos têm mostrado uma tendência para diminuir os seus investimentos na angariação de votos na vizinhança, em comícios e em outras actividades de contacto directo, e dedicam uma maior atenção às

    campanhas através dos media  (Dalton e Wattenberg, 2000: 11-12).

    O elemento que emerge com mais vigor nestes relatos é o avolumar dos media 

    electrónicos, que se considera ter minado o papel dos partidos políticos, e presu

    mivelmente ter também minado o papel das igrejas, dos sindicatos e de outrasinstituições de socialização. Todavia, como vimos nos capítulos anteriores, os me-dia electrónicos foram no início organizados na Europa sob jurisdição política e,

    na maior parte dos sistemas, os partidos políticos tinham uma influência conside

    rável na rádio e na televisão, o mesmo acontecendo com os “grupos socialmente

    relevantes” em alguns sistemas, em especial na Alemanha. Por isso, podia esperar

    -se que os media electrónicos reforçassem, mais do que minassem, o papel tradicio

    nal dos partidos políticos e dos grupos sociais organizados. Porque é que isto não

    aconteceu?

    Wigbold (1979) faz-nos um relato do impacto da televisão, pondo em foco o

    caso bastante interessante da Holanda. A rádio e a TV foram organizadas na Holan

    da na seqüência do modelo pilarizado que se aplicava à imprensa, à educação e a

    outras instituições culturais. Cada uma das diferentes comunidades da sociedadeholandesa tinha uma organização separada de rádio e de televisão, tal como no prin

    cípio tinham tido escolas e jornais separados. Podia pensar-se que, ao alargar o seualcance a um novo e poderoso médium, os pilares se tivessem fortalecido na socieda

    de holandesa. Contudo, a despilarização coincidiu de facto, historicamente, com a

    ascensão da televisão. Wigbold argumenta que a televisão holandesa “destruiu as

    suas próprias fundações, enraizadas como estavam na sociedade que [ela] ajudou a

    mudar” (230).

    276

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    Sistemas de Media\  Estudo Comparativo

    A sua argumentação divide-se em três partes. Em primeiro lugar, afirzn* qac  

    apesar da existência de organizações separadas de rádio e de televisão, esta deitouabaixo a separação dos pilares.

    A televisão estava destinada a exercer uma influência tremenda num país onde não só asportas das salas de estar estavam fechadas a estranhos como também as das salas de aulas,das reuniões dos sindicatos, das residências da juventude, os campos de futebol e as escolasde dança... Ela confrontava as massas com pontos de vista, ideias e opiniões de que tinham estado isolados... Não havia forma de escapar, nem esconderijo, excepto o difícilexpediente de desligar a televisão. Os telespectadores não podiam mesmo mudar para umsegundo canal, porque não ex istia... Os católicos descobriram que os socialistas não eram

    os ateus perigosos contra os quais tinham sido advertidos, os liberais tiveram de chegar àconclusão de que os protestantes ortodoxos não eram os fanáticos que julgavam que fos

    sem (201).

    Em segundo lugar, argumenta que os jornalistas da televisão mudaram substancialmente em princípios da década de 1960 para uma relação mais independente e

    crítica com os dirigentes das instituições estabelecidas, a quem antes estavam submetidos.

    Em terceiro lugar, uma nova organização de rádio e da TV (TROS), que era o

    equivalente mediático ao partido catchall,  foi fundada em finais da década de

    1960: tendo tido origem numa estação pirata, proporcionava entretenimento levee “era a própria negação do sistema de rádio e de TV baseado... na transmissão de

    tempo de rádio e de TV aos grupos que tinham alguma coisa para dizer” (225)97.O TROS agia como uma força vigorosa no sentido da homogeneização.

    O caso holandês é com certeza único sob muitos aspectos. Contudo, parece pro

    vável que cada um destes factores tenha estreitos paralelos na maior parte dos países

    da Europa: o papel da televisão como um suporte comum, o desenvolvimento do jor-nalismo crítico e da comercialização. Estas tendências não só são comuns às rádios e

    televisões em toda a Europa, como estão intimamente relacionadas com as mudanças na imprensa escrita, as quais até certo ponto reflectem o impacto da televisãonesta última. Nesta secção debateremos os dois primeiros tópicos: a televisão comoum suporte comum e o jornalista como “um especialista crítico”, e retomaremos na

    secção seguinte o tópico crucial e complexo da comercialização.

    57 As regras de afectação do tempo de antena de rádio e de TV também tinham mudado em 1965 a fim de pôr

    em destaque o número dos membros pagantes que cada organização de rádio e de TV tinha, aum entando a im

    portância de se construir uma audiência e diminuir a importância da filiação partidária pilarizada (Van der Eijk.2000: 311).

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    Daniel C. Hallin / Paolo Mancini

    TELEVISÃO COMO BASE COMUM

    Em toda a Europa, a rádio e a TV foram organizadas ao abrigo da autoridadepolítica e amiúde incorporavam princípios de representação proporcional extraídos

    do mundo político. Todavia, é bastante plausível que isso servisse como uma basesocial e política comum e desempenhasse algum papel no enfraquecimento das sub-

    culturas ideológicas separadas. Estavam altamente centralizadas, com um a três ca

    nais (de televisão e de rádio), durante a maior parte do período que se seguiu à

    Segunda Grande Guerra. A maior parte da programação destinava-se a todo o pú

    blico, quaisquer que fossem as fronteiras de grupo. A produção dos noticiários estava de um modo geral sujeita a princípios de neutralidade política e de pluralismo

    interno, que separavam o jornalismo de rádio e de TV da tradição do comentário

    partidário comum à imprensa escrita (no caso holandês, enquanto as organizaçõespilarizadas de rádio e de televisão produziam emissões que envolviam assuntos de

    interesse público, notícias como o desporto eram produzidas sob o escudo protector

    da organização NOS). A televisão de entretenimento, entretanto, fornecia um con

     junto comum de referências culturais, cujo impacto na cultura política seria muito

    difícil de documentar, mas com certeza podia ter sido bastante significativo.Mesmo exceptuando o conteúdo da programação da rádio e da TV, o facto de os

    media da rádio e da TV desenvolverem um meio de comunicação catchall, capaz de

    transmitir mensagens que atravessavam fronteiras ideológicas e de grupo, pode ter

    tido efeitos políticos importantes, tal como sugerem os relatos sobre o declínio dos

    partidos citados no texto anterior: tornou possível que os partidos políticos se diri

    gissem a cidadãos situados fora da sua base social estabelecida de uma maneira mui

    to eficaz, e por isso podem ter encorajado não só o aumento dos partidos catchaü 

    como também a atrofia dos meios tradicionais de comunicação que estavam ligados

    a redes sociais em subcomunidades particulares. Também devia ter-se em considera

    ção que a televisão não era o único medium catchall em expansão neste período, em

    particular nos países Corporativistas Democráticos e Liberais. Os jornais comerciais

    catchall também eram cada vez mais cruciais para o processo de comunicação. Podia

    dizer-se que, de um modo geral, o desenvolvimento dos media no século xx condu

    ziu a um fluxo de cultura e informação crescente através das fronteiras dos grupos»reduzindo a dependência dos cidadãos de fontes exclusivas no interior das suas par

    ticulares subcomunidades.

    ‘•COMPETÊNCIA CRÍTICA" DO JORNALISMO

    A difusão da televisão coincidiu também com o desenvolvimento de uma nca»

    cultura jornalística que Padioleau (1985), num estudo comparativo de Le Mondem The Washington Post, designou por “competência crítica.” Tanto na Europa Ocide»

    tal como na América do Norte (Hallin, 1992) houve uma mudança significativa s a

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    Sistemas de Media: Estudo Comparativo

    décadas de 1960 e 1970, de uma forma de jornalismo que era bastante delerente em relação às elites e instituições estabelecidas, para uma forma mais activa e indepen

    dente de jornalismo. Esta mudança ocorreu quer nos media electrónicos quer nos

    media  escritos. No casò da televisão suíça, por exemplo, Djerf-Pierre (2000; vertambém Ekecrantz, 1997; Olsson, 2002) escreve:

    A cultura do jornalista de 1965-1985 adoptou um novo ideal de jornalismo noticioso, o doescrutínio crítico. A abordagem dominante era agora orientada para o exercício da influência,quer visàvis das instituições quer do público em geral... Os jornalistas procuravam preencher lacunas da sociedade e equipar as suas audiências para as preparar para uma cidadaniaactiva e uma participação democrática... Os jornalistas também tinham a ambição de escru-tinar as acções dos fazedores da política e influenciar não só o debate público sobre as questõessociais e políticas como também a política feita pelas instituições públicas (254).

    Esta mudança variou em forma e extensão, mas parece ter-se generalizado bastante através das fronteiras nacionais nos países onde existem os nossos três modelos.Ela envolveu a criação de um discurso jornalístico que era distinto do dos partidos e

    dos políticos, uma concepção dos media como guardiães colectivos do poder público

    (Djerf-Pierre e Weibull, 2000) e uma concepção do jornalista como representante

    de uma opinião pública generalizada transversal às fronteiras dos partidos políticose dos grupos sociais. Os profissionais críticos, como Neveu (2002) observa, “desco

    brem erros de estratégia, enganos de governação a partir de um conhecimento pro

    fundo das questões. Eles questionam os políticos em nome da opinião pública e das

    suas exigências —objectivamente’ identificadas pelos resultados eleitorais - ou emnome de valores suprapolíticos tais como moralidade, modernidade ou espírito europeu.”

    Porque é que se verificou esta mudança? Estava com certeza significativamente

    enraizada nas mudanças sociais e políticas mais amplas já antes debatidas. Se, por

    exemplo, a afluência, a estabilidade política e os níveis educativos crescentes conduzi

    ram a uma mudança cultural geral no sentido do valor da participação e da liberdadede expressão “pós-materialista”, a ascensão da competência crítica no jornalismo podeser vista como um efeito desta mudança social mais profunda. Deve chamar-se a

    atenção para o facto de que esta mudança não se reflectiu só no jornalismo, mas tam

    bém na cultura popular de uma maneira mais geral. Está reflectida, por exemplo, no

    aumento da sátira política na televisão, sob a forma de espectáculos como That Was 

    the Week that Was e Monty Pythons Flying Circus na Inglaterra e The Smothers Brothers 

    Show nos Estados Unidos, programas de comédias que assentavam profundamente

    no humor político. Se os partidos catchall  já estavam em formação na década de1950 —Kirchheimer assinalou a sua ascensão em 1966 —, o discurso de uma opiniãopública geral constituída por votantes individualizados empenhados em valores

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    Daniel C. Hallin / Paolo Mancini

    “suprapolíticos”, que seriam cruciais para a perspectiva do profissionalismo crítico no

     jornalismo, pode anteceder este último98.Contudo, mesmo que a ascensão do profissionalismo crítico nos media fosse em

    parte um efeito ou reflexo de outras forças sociais, parece provável que em certoponto tenha começado a acelerar e a ampliá-las. Também é possível que vários fac-

    tores internos ao sistema dos media contribuíssem para a mudança do papel político

    do jornalismo, e isto por sua vez contribuiu para a secularizaçáo da sociedade euro

    peia e para a diminuição das diferenças entre os sistemas políticos. Estes factores

    internos incluem:

    1. Níveis mais altos de educação dos jornalistas, conducentes a formas mais

    sofisticadas de análise, em parte pela incorporação no jornalismo de perspec

    tivas críticas das ciências sociais e das humanidades.2. Maior dimensão das organizações de notícias, conducente a uma maior es

    pecialização e a um maior volume de recursos para a recolha de notícias e o

    seu processamento.3. Desenvolvimento interno da comunidade profissional crescente do jornalis

    mo que desenvolve cada vez mais os seus próprios padrões de prática.

    4. Desenvolvimento de novas tecnologias de processamento de informação que

    aumenta o poder dos jornalistas como produtores de informação. Isto inclui

    as técnicas visuais da televisão bem como muitos desenvolvimentos na tecnologia da impressão e da informação. Um exemplo interessante seria o das

    sondagens de opinião: Neveu (2002) argumenta que a sondagem de opinião

    conferiu aos jornalistas uma maior autoridade para questionar os funcioná

    rios públicos, cujas reivindicações de que representavam o público eles po

    diam avaliar de modo independente.

    5. Prestígio crescente dos jornalistas, relacionado com todos estes factores, para

    a posição central que as grandes organizações de media vieram a ocupar no

    processo geral da comunicação social, e talvez também para a imagem dosmedia catchall  como representantes do público como um todo. Por isso

    Papathanassopoulos (2001: 512) argumenta em relação ao caso da Grécia(um pouco diferente, de facto, porque, como veremos, as ligações partidárias

    sobrevivem com mais vigor na Grécia, tal como numa grande parte da Eu

    ropa Ocidental):

    98 Marchetti (2000: 31) observa numa discussão sobre a ascensão da “reportagem de investigação” em Françr

    “ . . . a despolitização dos comprom issos do campo político induzida pelo ‘alinhamento neoliberai’, em particular do

    oartido socialista... contribuiu para modificar as condições da luta política. O enfraquecimento das oposiçóes tra

    dicionais esquerda/direita, o facto importante da homogeneização do pessoal político formado pelas escolas do

    roder, mudaram os compromissos da luta política para compromissos estritamente mais m ora is...”

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    Sistemas de Media: Estudo Comparativo

    Pode dizer-se que a comercialização e o desenvolvimento rápido do mercado dos media na Grécia aumentou o status social e profissional dos jornalistas

    gregos. De facto, os jornalistas da televisão e em especial os apresentadores

    das notícias tornaram-se figuras públicas. Eles adoptaram o papel de autoridades, isto é, apresentam os seus pontos de vista e interpretam a realidadesocial e política. Fazem isto apresentando-se a si próprios não só como profis

    sionais com direito a fazer julgamentos como também como representantesdo povo. Ao assumir estes dois papéis, eles aumentam o seu perfil e autorida

    de públicos.

    COMERCIALIZAÇÃO

    Acreditamos que a força mais poderosa para a homogeneização dos sistemas de

    media é a comercialização que transformou tanto os media escritos como os electró

    nicos na Europa. Nesta secção e na que se segue, examinaremos as suas conseqüências no papel social e político dos media.  No caso dos escritos, a parte final doséculo xx caracteriza-se por um declínio da imprensa partidária (em alguns países

    isto já estava em curso na década de 1950, noutros, sobretudo na Itália e na França,

    a imprensa partidária reviveu após a Segunda Grande Guerra, depois começou adeclinar), pelo domínio crescente dos jornais comerciais “para todos” e, em conse

    qüência disso, por uma separação dos jornais das suas raízes iniciais no mundo da

    política. Até certo ponto, esta mudança resultou sem dúvida do processo mais amplo

    da secularização, quando os leitores se tornaram menos empenhados politicamente

    e menos inclinados a escolher um jornal com base na sua orientação política. Mas

    também é claro que o desenvolvimento interno dos mercados de jornais deu um

    grande impulso nesta direcção. De facto, as forças do mercado começaram a exercer

    pressão sobre a imprensa partidária em princípios do século xx, quando

    a fidelidade ao partido ainda estava bastante entrincheirada na cultura política.

    O número de jornais na Suécia, por exemplo, atingiu o apogeu em 1920 (Picard,1988: 18). A partir daí, tal como aconteceu no caso da América do Norte que exa

    minámos no Capítulo 7, verificou-se uma tendência para a concentração dos merca

    dos de jornais, que teve como resultado tentarem os jornais expandir cada vez mais

    os seus mercados, procurando atrair leitores transversalmente aos grupos tradicio

    nais e às fronteiras ideológicas. Os jornais comerciais assaz capitalizados, financiadospela publicidade, apresentavam uma tendência para expulsar do mercado os jornais

    menos prósperos, com orientação política, conduzindo por fim a um eclipse quasecompleto da imprensa partidária que dominara os media  nesses países durante a

    maior parte do século xx.

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    Daniel C. Hallin / Paolo Mancini

    Contudo, ainda mais acentuada do que as mudanças na imprensa escrita, é a

    transformação da rádio e da TV europeias de um sistema de serviço quase puramen

    te público em 1970 para um sistema em que a rádio e a TV comerciais são cada vezmais dominantes. O “dilúvio comercial”, como é habitual designar-se, começou na

    Itália, na seqüência de uma decisão do Supremo Tribunal italiano, que invalidou omonopólio legal da rádio e da TV públicas, permitindo que as estações privadas de

    rádio e de TV emitissem a partir de áreas locais. (Já antes a TROS e a Verônica, esta

    última originária de uma estação de rádio pirata e com uma orientação voltada para

    os jovens, tinham começado a operar na Holanda, dentro da estrutura do serviçopúblico, mas com uma lógica muito diferente.) Na década de 1970, a maior parte

    do resto da Europa tinha introduzido estações de rádio e de TV comerciais e em finais do século só a Áustria, a Irlanda e a Suíça não possuíam uma televisão comercial

    significativa". Na maior parte dos países (ver Tabela 2.4) a rádio e a TV comerciais

    tinham a maior fatia do público e a competição em termos de audiência tinha tam

    bém transformado de modo significativo a rádio e a TV públicas, forçando-as a

    adoptar uma parte considerável da lógica do sistema comercial.

    Além das mudanças na estrutura social que já sublinhámos, muitas forças se combi

    naram para produzir esta mudança no sistema de rádio e de TV europeu. Em primeirolugar, emergiram formas competitivas de rádio e de TV, e estas absorveram as audiências

    destas estações emissoras públicas, minaram a sua legitimidade e contribuíram para uma

    mudança na percepção da programação dos media que, com a multiplicação dos canais- segundo uma contagem uma mudança de 35 canais em 1975 para 150 em 1994

    (Weymouth e Lamizet, 1996: 24) - , acabaram por parecer menos uma instituição, umbem público proporcionado e partilhado por todos na sociedade, e mais uma mercado

    ria que podia ser escolhida pelos consumidores individualmente considerados. O desen

    volvimento do VCR também contribuiu sem dúvida para esta mudança de percepção.

    As primeiras formas alternativas de rádio e de TV foram as estações piratas de rádio, aprimeira das quais começou a emitir a partir de barcos ao largo da costa da Escandinávia

    em fins da década de 1950. Eram financiadas pela publicidade e até certo ponto a suapopularidade foi alimentada pelo crescimento de uma cultura diferente - e globalizada

    —da juventude. Nestas duas características elas estão ligadas de forma clara a uma ten

    dência cultural mais ampla no sentido de uma cultura global do consumidor. A rádio

    pirata proliferou substancialmente em muitos países durante a década de 1970, onde era

    amiúde associada não só à cultura jovem mas também aos novos movimentos sociaisdaquela época. Os esforços desenvolvidos pela rádio e pela TV públicas para suprimir a

    99 Todos eles sáo países pequenos próximos de países grandes com a mesma língua. A televisão estrangeira temgrande audiência em todos eles - a maioria da audiência no caso suíço - e o mercado tem sido considerado, de

    modo geral, muito pequeno, dada esta competição, para manter estações de rádio e de TV comerciais a nívelnarinrLal

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    Sistemas de Media: Estado Comparativo

    rádio pirata minaram a sua imagem como campeãs do pluralismo político. As estações

    privadas de rádio e de TV com base no Luxemburgo, que começaram a emitir paia as

    países vizinhos da França, Alemanha, Itália e Flolanda, também minaram os monopó

    lios do serviço público, como fizeram a Rádio Monte Cario e a Rádio Capodistria (baseada na Croácia), que revolucionaram a rádio italiana na década de 1970. O fenômeno

    da rádio e da TV transfronteiras, com a sua tendência para minar as instituições e os

    sistemas políticos nacionais, expandiu-se na década de 1980 com o crescimento da TVpor cabo e por satélite.

    Um outro factor importante foi o alargamento de lóbis fortes que exerciam pres

    são no sentido de uma mudança na política dos media.  Destes, o mais importanteera o da publicidade, que exercia a sua influência em muitos países pelo acesso aos

    media  electrónicos (Humphreys, 1996: 172-3). Pilati (1987) sublinha que as estações privadas italianas de televisão nasceram quando várias empresas comerciais eindustriais ganharam dinheiro suficiente para investir em publicidade e as estações

    públicas de rádio e de TV não tinham condições para satisfazer essa exigência nova

    de tempo de antena. Em muitos casos, os interesses publicitários eram secundados,nessa pressão, por uma rádio e televisão comerciais, pelas companhias de media ávi

    das por se expandir através dos media electrónicos. Até certo ponto, as leis que limi

    tavam a concentração dos media  escritos encorajavam aquele desiderato, uma vez

    que muitas companhias não podiam expandir os seus impérios gráficos sem entrarem colisão com estes limites. Um outro tipo de força muito diferente que em muitos

    casos exerceu pressão no sentido de uma rádio e televisão privadas partiu de movimentos sociais (movimentos de estudantes, de sindicatos, etc.), que procuravamnovas oportunidades e meios para fazer ouvir a sua voz fora dos circuitos de comu

    nicação existentes, que com frequência se voltavam para a rádio e televisão piratas

    com o fito de obter aquela voz.

    De igual modo significativo era o facto de o financiamento da rádio e da TV

    públicas se ter tornado cada vez mais problemático quando o mercado dos aparelhos

    de televisão a cores ficou saturado, e o crescimento natural das receitas resultantes das

    taxas de licenciamento só podia obter-se através do aumento das taxas, o que era,como é óbvio, politicamente impopular. Isto significava que a expansão da televisão

    para além do número limitado de canais então em operação parecia depender da

    introdução de rádio e de TV privadas.

    Por fim, a globalização econômica, tanto em termos gerais como em especial nas

    indústrias dos media, desempenhou um importante papel multifacetado. Já em 1974,o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias decretou que as emissões de rádio e

    de TV estavam cobertas como uma forma de comércio ao abrigo do Tratado de Roma.Esta resolução foi reafirmada em várias ocasiões em princípios da década de 1980, no

    contexto de uma forte mudança global no sentido da liberalização do comércio de

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    serviços - o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços foi ratificado em 1994 - e no

    sentido da definição da actividade de rádio e de TV nestes termos, de preferência adefini-la como uma instituição social e cultural nacional. Quando a Comissão Européia voltou a atenção para a política relacionada com a rádio e a TV na década de

    1980 —produzindo a Directiva Televisão sem Fronteiras em 1989 —sublinhou o ob- jectivo da criação de um mercado comum europeu do audiovisual que facilitaria o

    desenvolvimento de companhias de media transnacionais capazes de competir com os

    conglomerados americanos de media. Também os governos europeus individualmente

    considerados viam cada vez mais a política dos media em termos de uma competiçãoglobal das indústrias mais avançadas da área da informação. Estas políticas facilitavam

    a transnacionalização das indústrias de media, cuja propriedade está cada vez mais

    internacionalizada {e. g„  o canal de televisão espanhol Tele5 pertencia, em 1998, a

    Berlusconi [25 por cento], à firma alemã Kirch [25 por cento] e ao Banco do Luxem

    burgo [13 por cento], com alguma participação da Bertelsmann); a co-produção é

    muitas vezes necessária para a competição nos mercados globais, e em geral as forças

    do mercado global têm tendência para substituir as forças políticas nacionais que antes

    moldavam os media.

    AS CONSEQÜÊNCIAS DA COMERCIALIZAÇÃO

    Uma vasta gama de conseqüências emana da comercialização dos media. A co

    mercialização, em primeiro lugar, está de forma clara a afastar os sistemas de media 

    europeus da política mundial e no sentido do mundo do comércio. Isto muda afunção social do jornalismo, porque o principal objectivo do jornalista já não é a

    disseminação de ideias e a criação de um consenso social em torno delas, mas a produção de entretenimento e de informação que pode ser vendida a consumidores

    individuais. E isso contribui claramente para a homogeneização, minando a plurali

    dade dos sistemas de media,  enraizada em sistemas particulares políticos e culturaisdos Estados-nação, e encorajando a sua substituição por um conjunto comum glo

    bal de práticas de media. Os sistemas públicos de rádio e de TV, em especial, puse

    ram sempre em evidência o objectivo de dar voz aos grupos sociais e aos padrõesculturais que definem a identidade nacional, “sustentando e renovando o capital e o

    cimento culturais característicos da sociedade” (Blumler, 1992: 11; Avery, 1993;

    Tracey, 1998). De modo crescente, mesmo os sistemas públicos de rádio e de TV

    devem observar a lógica das indústrias culturais globais.

    A comercialização dos media desempenhou sem dúvida um papel muito significativo na “secularização” da sociedade europeia. Como vimos, a secularização tem raízes

    profundas, e já estava bem avançada quando ocorreu a mudança mais acentuada -

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    Sistemas de Media'. Estudo Comparativo

    a comercialização da rádio e da TV. Contudo, como sugere o caso do TROS oa

    Holanda, as forças comerciais começavam a fazer-se sentir sob vários aspectos annes

    do dilúvio comercial da década de 1980: na mudança para os jornais comerdais.

    através da importação de conteúdos americanos de media e da imitação das práticasamericanas, através da publicidade em alguns sistemas europeus, através das emissõesde rádio e de TV transnacionais, e devido ao colapso do monopólio do serviço públi

    co na Itália em finais da década de 1970. E sem dúvida plausível que se a Europaestava a transformar-se mais numa sociedade individualista de consumo na década de

    1980, o crescimento da rádio e da TV e a comercialização da imprensa contribuíram

    para essa tendência; e parece certo que intensificaram o processo a partir da décadade 1980.

    A comercialização também tem implicações importantes no processo da comu

    nicação política. Os media  comerciais criaram novas e poderosas técnicas de representação e de criação de audiências, que os partidos e os políticos devem adoptar afim de triunfar no novo ambiente da comunicação. Duas das mais importantes des

    sas técnicas —intimamente relacionadas uma com a outra —são a personalização e a

    tendência para priv