EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

33
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE APOIO À INICIAÇÃO CIENTÍFICA DO AMAZONAS EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM A COSTA DA TERRA NOVA, ILHA DO CAREIRO-AM, E AS MANIFESTAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO Bolsista: Luciana Cosme Maia, FAPEAM MANAUS 2015

Transcript of EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

Page 1: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PROGRAMA DE APOIO À INICIAÇÃO CIENTÍFICA DO AMAZONAS

EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM A

COSTA DA TERRA NOVA, ILHA DO CAREIRO-AM, E AS

MANIFESTAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO

Bolsista: Luciana Cosme Maia, FAPEAM

MANAUS

2015

Page 2: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PROGRAMA DE APOIO À INICIAÇÃO CIENTÍFICA DO AMAZONAS

RELATÓRIO FINAL

PIB-H/0142/2014

EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM A

COSTA DA TERRA NOVA, ILHA DO CAREIRO-AM, E AS

MANIFESTAÇÕES NA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO

Bolsista: Luciana Cosme Maia, FAPEAM

Orientador: Profº Drº José Alberto Lima de Carvalho

MANAUS

2015

Page 3: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

3

Resumo

Este trabalho teve como objetivo compreender as diferentes manifestações na organização do

espaço geográfico existente no limite superior da Ilha do Careiro, em função do intenso

processo das terras caídas na costa do Rebojão e consequente deposição a jusante na costa da

Terra Nova. Observou-se que na costa do Rebojão, onde predomina o intenso processo de

erosão lateral, a população é bem rarefeita enquanto que na mesma margem, mas na curva

seguinte há uma grande concentração de moradores, evidenciando uma clara influência da

hidrodinâmica do rio Amazonas na organização do espaço. A ocorrência de poucos moradores

na costa do Rebojão deve-se aos riscos de vida em função das terras caídas, enquanto que na

margem de deposição os mesmos se sentem mais protegidos, além de utilizarem as “terras

novas” na prática agrícola. A metodologia da pesquisa consistiu em trabalho de gabinete e in

locu. Em gabinete foi realizado sobreposição de imagem de satélite LANDSAT com

fotografia aérea do ano de 1952. Em campo foram realizadas entrevistas com moradores,

registro fotográfico e medições batimétricas. A sobreposição da imagem do satélite

LANDSAT com os mosaicos de fotografias aéreas registradas no ano de 1952 nos permitiram

observar e mensurar a intensidade com que o rio Solimões/Amazonas adentrou na costa do

Rebojão. A memória dos moradores antigos da área confirma a velocidade com que o rio

Amazonas chegou ao lago do Joanico, cuja distância do mesmo para o rio

Solimões/Amazonas era de 1.450m em 1952 até 2010. A pesquisa constatou que a diferença

na forma de ocupação do espaço está estritamente relacionada com a dinâmica fluvial. A

raridade de moradores na costa do Rebojão se explica pela dificuldade de acesso ao rio devido

a margem ser muito íngreme e pelos riscos de vida que as terras caídas oferecem aos

moradores, enquanto que na costa da Terra Nova a situação é inversa. Ali os moradores se

sentem seguros do ataque do rio.

Palavras chaves: Terras novas, terras caídas, ribeirinhos, dinâmica fluvial.

Page 4: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

4

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo 7

Figura 2 – Mapa geomorfológico da ilha do Careiro 24

Figura 3 – Comunidade no período da cheia 25

Figura 4 – Comunidade no período da cheia 25

Figura 5 – Ecobatimetro 25

Figura 6 – Sensor 25

Figura 7 – Mapa de sobreposição de imagens 27

Figura 8 – Plantio de hortaliça na restinga nova 28

Figura 9 – Moradias na restinga antiga. 28

Figura 10 – Paisagem comum na costa do Rebojão 28

Figura 11 – Casas ameaçadas pelas terras caídas 28

Figura 12 – Mapa de sobreposição de imagens 30

Figura 13 – Perfil transversal do encontro das águas 31

Page 5: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

5

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 6

2. REVISÃO DE LITERATURA 9

2.1 – Costa do Rebojão e Costa da Terra Nova: um espaço diferenciado pela

relação homem natureza

9

2.2 – Dinâmica Fluvial

2.3 – Tipos de rios da Amazônia

2.4 – Planície de Inundação

2.5 – Costa do Rebojão (AM)

2.6 – Comunidade Terra Nova (AM)

3. METODOLOGIA

13

16

17

19

21

24

4. RESULTADOS

5. CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

27

31

32

CRONOGRAMA 33

Page 6: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

6

INTRODUÇÃO

Uma das características mais marcantes na paisagem das margens do rio Amazonas e

de seus afluentes de água branca, como o rio Madeira, por exemplo, é a intensa mudança que

ocorre em período muito curto, normalmente de um ano para outro. É normal você conhecer

um lugar em um ano e no ano seguinte não reconhecer mais devido a rápida mudança

provocada pela dinâmica fluvial.

Neste sentido e com o objetivo de estudar as diferentes manifestações na organização

do espaço geográfico é que elegemos o limite superior da Ilha do Careiro, mais precisamente

no trecho que limita a costa do Rebojão com a Costa da Terra Nova. Nesse trecho selecionado

as diferentes formas de ocupação pelos moradores, em função da dinâmica fluvial, se presta

como um “laboratório” para se estudar a relação do homem com a natureza como bem fez o

professor Hilgard O’Reilly Sternberg em final dos anos de 1948/9.

A pesquisa consistiu numa análise interpretativa das diferentes formas de ocupação do

espaço geográfico existente no limite da Costa do Rebojão com a Costa da Terra Nova. A área

de estudo localiza-se na parte superior da ilha do Careiro, pertencente ao complexo sistema

fluvial da confluência dos rios Solimões/Amazonas com o rio Negro. Na costa do Rebojão o

processo de erosão lateral (fenômeno terras caídas) é muito intensa devido à ação das

correntes turbilhonares do rio Solimões, causando o desbarrancamento acelerado da margem.

O grande volume de material retirado desse trecho é depositado na mesma margem, porém na

curva seguinte (margem convexa) formando as barras laterais que no processo contínuo de

crescimento passa a ser em muitos casos incorporada ao díque mais antigo e

consequentemente ocupada por moradores. A costa do Rebojão (de rebojo, turbulência) é

quase que desabitada devido às dificuldades de moradia e riscos para os moradores devido o

intenso desbarrancamento das margens, enquanto que a costa da Terra Nova (novas terras), na

Page 7: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

7

mesma margem, é densamente povoada pois ali os moradores estão protegidos das ameaças

das terras caídas.

As mudanças ocorridas na área da pesquisa consistiram na análise espaço-temporal

obtidas a partir de sobreposição de imagens de satélite LANDSAT com fotografia aérea

(Figura 1), trabalho de campo com registro fotográfico, medição batimetria transversal na

confluência dos rios Amazonas e Negro e entrevistas com moradores. Dentre outras

atividades de pesquisas realizadas nesse período estão às leituras e levantamentos

bibliográficos sobre o tema, para aprofundar a reflexão a relação da sociedade com a natureza,

pois o tema possui pouca produção acadêmica diante dessa realidade Amazônica. Importante

ressalvar as disciplinas cursadas, relevantes para o desenvolvimento da pesquisa: Evolução do

Pensamento Geográfico, Geografia Urbana, Geografia Agrária, Geomorfologia Fluvial,

Geografia Física da Amazônia, Geografia Humana da Amazônia, Metodologia da Pesquisa

em Geografia, Sensoriamento Remoto e Cartografia; das quais sem elas não seria possível um

entendimento sobre o tema.

Figura1: Mapa de localização da área de estudo.

Fonte: Google Earth. Org. André Zumak, 2015.

Page 8: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

8

O estudo possibilitou trabalhar a Geografia Física e Humana, buscando ampliar

interesse e compreensão do processo natural e complexo existente na Amazônia, que muda a

vida dos moradores ribeirinhos, da qual se perde muito pela pouca produção acadêmica

existente sobre do assunto.

Page 9: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

9

2. REVISÃO DE LITERATURA

Serão abordados os fundamentos teóricos conceituais mais importantes para a

compreensão das escolas geográficas, processos fluviais, particularmente a erosão de margem

e deposição de sedimentos, os impactos causados nas comunidades e uma revisão da literatura

relacionada com o tema.

2.1 Costa do Rebojão e Costa da Terra Nova: um espaço diferenciado pela relação

homem-natureza

O homem desde sempre tem em sua condição, uma íntima relação entre o ser e o

espaço vivido por ele, a humanidade com ligação de desejo e necessidade de conhecer seu

espaço, tal como explorar os outros, acrescenta em si os conhecimentos vividos e

conquistados ao longo do tempo, com reflexões da sociedade e do espaço.

A geografia se molda na complexidade entre o tempo, homem e espaço, refletindo no

mundo a evolução da história da humanidade. Trás consigo as técnicas, construções do

espaço, as relações humanas com grandes desafios em que a ciência avança e limita.

(CORRÊA, 2000).

As principais correntes de pensamento geográfico nos ajudam a entender uma

sequencia histórica de práticas teóricas, políticas e empíricas, sem excluir nenhuma, pois

apresentam a cada momento um ou dois padrões dominantes.

A partir de 1870 a geografia emerge como uma disciplina acadêmica vai crescendo

tomando forma mais especifica, sem perder a visão da realidade de forma global. No final do

século XIX, com a passagem do capitalismo para a fase monopolista e imperialista, o

determinismo foi o primeiro padrão a caracterizar a geografia. (CORREA, 2000).

Os defensores do determinismo afirmavam que as condições naturais, principalmente

a climática (temperatura, e suas variações ao longo das estações) determinavam o

Page 10: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

10

comportamento do homem, intervindo na capacidade de avançar. Assim a natureza atuaria

diretamente na expansão de um povo em condições climáticas mais favoráveis. (CORREA,

2000).

Friedrich Ratzel foi o representante engajado nesse tema das influências da natureza

sobre o homem (citado por MORAES, 1999). “Para ele a sociedade é um organismo que

mantém relações duráveis com o solo, manifestas, por exemplo, nas necessidades de moradia

e alimentação” (MORAES, 1999, p. 56). Pois para ser livre o homem utilizaria os recursos da

natureza, e o crescimento seria o maior uso dos recursos do meio, criando uma relação estreita

com a natureza.

O determinismo de Ratzel se justificava no aumento e necessidade de expansão

territorial, com criações de colônias de exploração e povoamento em regiões com climas

temperados. Observa-se que o determinismo Ratzeliano passou a se configurar como uma

ideologia das classes sociais dominantes e de povos ou países vencedores. Seus discípulos

radicalizaram as colocações por ele levantadas, ao ponto de se formar uma verdadeira “escola

determinista” de Geografia, passando a ser denominada de determinismo geográfico.

Os autores dessa corrente ratzeliana definiram o objeto da reflexão geográfica, onde a

máxima está em como as “condições naturais determinam a História”, ou como a afirmativa

da geógrafa americana Ellen Semple que levou ao estremo o Determinismo ao afirmar que “o

homem é um produto do meio”, diminuindo bastante as formulações de Ratzel. Uma vertente

vinda das formulações de Ratzel foi a escola ambientalista. “Essa corrente propõe o estudo do

homem em relação aos elementos do meio em que ele se insere. O conjunto dos elementos

naturais é abordado como ambiente vivenciado pelo homem” (MORAES, 1999, p.58).

Algumas heranças do discurso ideológico determinista são as expressões fator

geográfico e condições geográficas, que se entende como clima, vegetação, relevo, etc. Com

isso uma relação causal entre o comportamento humano e a natureza, sendo um elemento de

Page 11: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

11

determinação. Para Ratzel, o território aumentaria pela necessidade de progresso, conquistar

novas áreas. E em justificativa dessas colocações elabora o conceito de “espaço vital”; como

equilíbrio entre os recursos disponíveis em suprir as necessidades da população de uma

sociedade, sendo uma definição de potencial em crescer com rapidez seus territórios.

O espaço vital implicitamente encontra-se ligado na organização espacial, marcando

na área do capitalismo, parte dessa organizada pelo capital e pelo Estado capitalista extensão

necessária para a reprodução do mesmo, ou seja, espaço vital igual à expressão espaço do

capital.(CORRÊA, 2000)

Assim a “Geografia proposta por Ratzel abriu várias frentes de estudo, valorizando

questões referentes à História e ao espaço” (MORAES, 1999, p.57). Algumas linhas de

estudos são: formação de território, distribuição dos povos e das raças na superfície terrestre,

migrações, colonizações, as consequências do isolamento. Contudo o enfoque e objeto central

é o estudo das influências, que as condições naturais desempenham sobre a evolução das

sociedades.

Se contrapondo ao Determinismo geográfico Ratzeliano surgiu em final do século

XIX, inicialmente na França e em seguida na Alemanha, e nos Estados Unidos o que se

passou a chamar de Possibilismo. Com semelhança ao determinismo, esse modelo enfoca nas

relações entre o homem e o meio natural, porém não faz uma determinação da natureza ao

comportamento do homem, mas abre a possibilidade do homem em se adequar ao ambiente

natural a partir principalmente do uso das técnicas a serem utilizadas.

A reação ao determinismo foi mais forte na França por motivação externa devido ao

confronto entre ela e a Alemanha. Originalmente o possibilismo francês em sua origem se

opõe ao determinismo germânico, fundamentada na diferença entre os dois países. A França

já era França há muito tempo, enquanto Alemanha foi unificada tardiamente em 1871. A

revolução burguesa foi de modo mais completo na França, destruindo os restos feudais, porém

Page 12: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

12

ainda existentes na Alemanha, chegando tardiamente à corrida colonial, enquanto a França

possuía um vasto império; os alemães voltaram seus interesses de expansão na maioria para a

própria Europa.

A França diante de todo o contexto tinha para cumprir várias etapas: criticar o conceito

de espaço vital, porém sem torna-se inviável intelectualmente o colonialismo francês; acabar

com qualquer forma de determinação, seja ela da natureza ou não, com uma nova ideia de que

as ações humanas são marcadas pela sucessão; persistir na fixação do homem e suas obras

criadas em processo de transformação da natureza.

Paul Vidal de la Blache, mestre do possibilismo, considerava as relações entre homem

e a natureza complexas; a entender que foi levado em consideração a natureza como

fornecedora de possibilidades onde o homem modificaria se tornando o principal agente

geográfico. Com esse direcionamento ele redefine o conceito de gênero de vida legado do

determinismo.

Vidal de La Blache não esqueceu a sua visão em parte naturalista, argumenta

fielmente que: “a Geografia é uma ciência dos lugares, não dos homens” (MORAES, 1999,

p.67). Afinal o interesse para análise está no resultado da ação humana na paisagem e não em

si mesma. Com sua visão buscou ir além das descrições de viagens, surgindo uma nova

Geografia, a escola francesa; com objeto da geografia sendo a relação do homem-natureza, na

perspectiva da paisagem, onde homem é ativo sofrendo influencia do meio, mas atuando

sobre ele e transformando-o.

A perspectiva vidaliana, é de que “a natureza passou a ser vista como possibilidades

para ação humana” (MORAES, 1999, p.68). Com o homem se adaptando em vários lugares

de acordo com o meio que se envolvia, onde o relacionamento fica constante, criando

técnicas, muitos hábitos, costumes e usos, diante dos recursos naturais disponíveis, dando um

nome de “gênero de vida”, referência à relação da população com os recursos. Neste sentido o

Page 13: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

13

homem tem a capacidade de interferir e mudar o ambiente, várias causas estão relacionadas

para essas mudanças.

2.2 Dinâmica Fluvial

Na Amazônia brasileira, particularmente nas margens dos rios de água branca onde a

dinâmica fluvial é muito intensa, os ribeirinhos vem ao longo de gerações demonstrando uma

capacidade de se adaptar ao ambiente em que está em constante alteração, onde conseguem se

ajustar em diferentes condições naturais.

O trecho limítrofe entre a Costa do Rebojão e Costa da Terra Nova, local selecionado

para o estudo, se prestou muito bem para retomar essa discussão haja vista que se trata de uma

mesma margem, mas com expressiva diferença na forma de ocupação pelos moradores.

É evidente que a dinâmica dos rios afeta comunidades ribeirinhas e até países. E, como

sociedade e natureza são relacionadas, os fenômenos naturais afetam diretamente nas

dinâmicas sociais, como em alguns municípios do Amazonas, por exemplo, Manaus, no início

de sua colonização. Dependendo do tipo de rio, vegetação e clima, as atividades humanas

também são transformadas, assim como, as atividades humanas também podem alterar alguns

aspectos físicos da paisagem, como o uso do solo, desmatamento, erosão causada por agentes

antrópicos, dentre outras transformações físicas.

No rio Amazonas, por ser uma drenagem ainda muito jovem e localizada na região

equatorial, onde o regime pluvial é muito intenso, faz com que os processos fluviais adquiram

características intensas responsáveis por grandes mudanças geomorfológicas, tanto dentro dos

canais como na grande área de transbordamento (ROZO. 2004; CARVALHO, 2006; 2012,

CARNEIRO, 2009).

A água e sua relação com a sociedade humana é indispensável para a presença do

homem, no Careiro ou em regiões semelhantes possuem características e aspectos

Page 14: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

14

importantes, além de produzir ambiente favorável para habitação. Sternberg descreve bem

sobre isso,

“A água como substancia primordial, seu significado para a comunidade toma

maior relevo e assume aspectos muito especiais, ela atua tanto de maneira indireta,

quanto direta. Sua influencia imediata se faz sentir através da base mesma da

ocupação – o solo – de que é autora, e no qual criou tratos muito desiguais, quanto

as possibilidades de aproveitamento” (Sternberg, 1998, pág.15)

Para Suguiu e Bigarella (1990, p.27), “o trabalho total de um rio é medido pela

quantidade de material que ele é capaz de erodir, transportar e depositar”.

Os processos de erosão, transporte e deposição de sedimentos são processos

dependentes entre si e não podem ser entendidos de forma isolados. Alternam-se no decorrer

do tempo, mutáveis do fluxo e carga existentes. A erosão fluvial que acontece com

intensidade no curso superior, é resultante da velocidade e turbulência do fluxo, assim como

as características das partículas, posteriormente transportadas e depositadas.

Sobre erosão de margem autores como Chistofoletti (1981, p. 236); Suguio e Bigarella

(1990, p. 71); Cunha (1995, p. 231), conceituam erosão fluvial como sendo o processo de

retirada de material do fundo e das margens de um canal e que acontece, segundo os autores,

através do processo de corrosão, corrasão (ou abrasão) e cavitação.

A corrasão é o melhor conceito a se enquadrar para o rio nessa região, ao que se refere

ao atrito mecânico do material transportado, esclarecido por Suguio & Bigarella (1990, p. 27),

que afirmam que “a capacidade de erosão de um rio depende, das partículas por ele

transportadas, do que do volume de água”. Contudo Christofoletti (1981, p. 236), mostra com

certo cuidado sobre essa capacidade abrasiva, afirmando que “A carga em solução e a em

suspensão não possuem poder abrasivo [...] age mais como polimento do que como agente

ativo na erosão regressiva dos cursos de água”. Por ser um rio de água branca é considerado

muito instável, pois estão constantemente transportando seus sedimentos e mudando seus

leitos, influenciando o modo de vida dos moradores ribeirinhos. “Sobressai a água,

Page 15: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

15

exclusivamente sua atividade que derivam as formas do terreno e a ela se vincula ainda, direta

e indiretamente, a fisionomia vegetal da área” (Sternberg, 1998, pág. 243).

Ainda sobre o assunto Christofoletti (1981, p.235), entende que “a erosão fluvial

engloba os processos de retirada de detritos do fundo do leito e das margens, fazendo com que

possam se integrar à carga sedimentar”.

A erosão está diretamente ligada com transporte de sedimentos. De acordo com

Christofoletti (1981), a força de cisalhamento, corresponde a força necessária para carregar as

partículas e a velocidade da erosão, correspondendo a velocidade na qual a força de

cisalhamento atua sobre uma determinada declividade, senso decisivas para erodir e iniciar o

movimento dos sedimentos.

Para Cunha (1995), a descarga de um rio vazão, tem um papel muito importante no

processo de erosão e deposição de sedimentos em rio. É a vazão que define a competência de

um rio, que corresponde ao tamanho máximo do material que pode ser transportado, e a

capacidade do rio, que diz respeito ao volume de carga que pode ser transportado.

Para Christofoletti (1981), a carga detrítica de um rio é composta por partículas de

variadas propriedades, tamanhos e formas diferentes, sendo três tipos de carga: carga

dissolvida, carga de leito e carga em suspensão.

Os tipos de transporte de sedimentos são de grande importância nos canais fluviais na

configuração dos depósitos fluviais. Para Suguiu e Bigarella (1990), pode-se agrupar em três

categorias: O transporte por tração, que está relacionado às tensões tangenciais ao longo do

fundo da corrente, provocados pela água em movimento. O transporte por saltação, que é

uma forma na qual as partículas avançam ao longo do leito do leito fluvial, através de uma

serie de saltos curtos, sendo considerado como uma fase intermediária entre transporte por

tração e em suspensão. E o transporte em suspensão, são sedimentos de tamanho reduzido e

são transportados quando a intensidade da turbulência é maior que a velocidade de deposição.

Page 16: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

16

Para Suguiu e Bigarella (1990), terras novas (deposição) são depósitos de acreção

lateral (depósito de canal) e acreção vertical (deposito de transbordamento) muito intenso no

rio Amazonas e na sua área de transbordamento.

Sobre esse assunto Suguiu e Bigarella (1990), afirmam que a deposição de canal

resulta principalmente as barras laterais e as ilhas aluviais. As barras laterais são formadas

predominantemente por depósitos de fundo e se formam próximos às margens. Em sequencia

passa a receber acreção vertical e cresce tridimensionalmente formando diques marginais ou

restingas que em muitos casos emendam com a restinga mais antiga, separado por pequenos

vales.

O transbordamento ocorre devido ao processo de deposição por decantação, nesse

mecanismo o maior volume de sedimento se deposita na margem formando restingas qie são

as elevações do terreno onde os moradores ribeirinhos fazem suas plantações e moradias

(Suguiu e Bigarella, 1990).

A deposição ocorre durante o período das cheias, com transbordamento parcial ou

total. Durante a cheia rio deposita grande volume de sedimentos sobre as áreas deprimidas da

planície, fazendo com que lagos, lagoas e canas se tornem rasos ou desaparecem

completamente (Carvalho 2006; 2012), acarretando sérios problemas ambientais e sociais.

2.3 Tipos de Rios da Amazônia.

As propriedades ópticas das águas e sua produtividade, na Amazônia se reconhecem

pela aparência, três tipos fundamentais: água preta, branca e as destituídas de tintura ou carga

suspensa. Os rios de água branca, barrenta, conduzem em suspensão teor elevado de

partículas rochosas vindas de processos erosivos. Profundidades limites de visibilidade são de

menos de 10 cm a 50 cm (SIOLI, 1985). Nascem na região Andina e pré-andina, onde o

Page 17: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

17

processo erosivo é bem intenso e a carga de sedimentos em suspensão é alta (JUNK, 1983).

São de grande relevância as características dos tipos de rios para essa pesquisa.

Os de água preta são pobres em sedimentos, mas tingida por substancias procedentes

de áreas humíferas. Assemelham-se, no leito fluvial, a café preto e, no copo a chá fraco, com

profundidades limites de visibilidade variando de 1,5 a 2,5 m, exemplo clássico o maior rio

preto, o Rio Negro (SIOLI, 1985, p. 31). Com nascentes nos escudos arqueados das Guianas e

Brasil Central ou nos sedimentos terciários da Bacia Amazônica, onde os processos erosivos

são pouco intensos e reduzidos ainda mais pela densa floresta pluvial, justificando a

transparência das águas devido ao reduzido transporte de sedimentos, e a coloração escura das

águas, devido à decomposição de matéria orgânica (JUNK, 1983).

O Rio Amazonas, destaca-se dentre outros, pela grande extensão e vazão. Suas

cabeceiras estão no Peru, entre os montes Mismi e Kcahuich, ao sul da cidade de Cuzco,

próximo ao lago andino Titicaca, sendo o maior rio do planeta em volume de água e em

extensão com 7.100 km. Com características hidráulicas únicas do mundo, com incomparável

volume de água, resulta necessariamente de sua bacia estar dentro de uma das zonas de maior

pluviosidade do planeta (CARNEIRO, 2004).

Pode-se afirmar, de um modo geral, que a porção de montante da ilha do Careiro é a

mais antiga e a de jusante (crescida graças à tessitura de restingas do rio Amazonas,

por um lado, e do Paraná do Careiro, por outro), a mais jovem. Explicando assim o

porque dos terrenos altos da ilha se encontram a montante, diminuindo as cotas

águas abaixo. Nítido ao longo do litoral do Amazonas, onde as faixas de terras

alteadas junto ao rio, já não muito larga na Terra Nova, se estreita ainda mais para

jusante, a ponto de não sustentar qualquer parcela representativa da população.

(Sternberg, 1998, pág.87)

2.4 Planície de Inundação

Ao longo da calha do rio Amazonas um elemento bem marcante com relação a sua

paisagem hidrográfica está a sua planície fluvial Holocênica, uma unidade geomorfológica

controladora em sua dinâmica e regime fluvial. Conhecida regionalmente como várzea

amazônica, com formas extensas e áreas baixas ao longo de sua calha e seus afluentes de água

Page 18: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

18

branca que correspondem a 1,5% da Amazônia em território brasileiro, com uma área

estimada de 64.400 km2 (SOARES, 1989, p. 102). “As águas correntes são reconhecidas

pelos estudiosos como o agente geomórfico fundamental, haja visto o uso da expressão

“modelado de erosão normal”, para significar as formas do relevo em cujo aperfeiçoamento

elas tiveram o papel principal” (Sternberg, 1998, pág.14).

Essa planície está em processo de formação desde o início do Holoceno. É uma

unidade geomorfológica caracterizada por um complexo e dinâmico sistema flúvio-lacustre,

submetida diretamente ao controle do rio Amazonas, principalmente em função do

transbordamento parcial ou total que acontece anualmente nos meses de junho e julho.

Nascimento, Mauro e Garcia (1976, p. 145-146), caracterizaram esse complexo

sistema flúvio-lacustre como sendo formada por paranás, furos, igarapés, vales fluviais com

foz afogada, lagos com forma e gênese diferenciadas, diques aluviais, áreas de inundação e

constantemente alagadas.

Nessa unidade se encontra com freqüência tipologias como paranás, furos com tipos e

gênese direfentes, vales fluviais, díques aluviais (restingas), lagos com forma e gênese

diferentes etc (CARVALHO, 2012).

Diante do contato do rio Amazonas com a unidade geomorfológica presente, ocorrem

erosões aceleradas em suas margens como uma das suas principais responsáveis

transformações da paisagem ribeirinha. Na Várzea do Careiro Sternberg observa que elas não

apenas esculpem as formas do relevo, cinzelando e removendo o material da litosfera, mas

são responsáveis pela própria criação do terreno, o qual submetem a constantes retoques

(Sternberg, 1998, pág.15).

Critérios utilizados por Iriondo (1982) como um critério denominado por ele de

descritivo-genético, identificando na área de estudo duas subunidades geomorfológicas:

“depósitos de inundação” na parte interior da unidade e de “planície de bancos e meandros

Page 19: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

19

atuais” na zona de contato direto com o rio Amazonas. A planície de inundação identificou

como áreas planas e homogêneas, originadas por processos de colmatação ocorrendo durante

as cheias, formando assim lagos com formas e tamanhos diversos, também canais irregulares

muito pequenos. A planície de bancos e meandros atuais caracterizou como faixa de

sedimentos arenosos que o rio deposita dentro do canal durante a fase atual. As águas estão

diretamente ligadas com a vida dos ribeirinhos.

A enchente anual na região é o mais importante fenômeno da natureza a afetar a

ocupação do solo, como a variação sazonária do nível das águas. Na medida em que

satura, submerge ou deixa enxutos os terrenos, influi, não apenas sobre a extensão

dos solos utilizáveis, mas sobre a modalidade desse aproveitamento (Sternberg,

1998, pág.15).

2.5 Costa do Rebojão (AM)

A Costa do Rebojão11, pela sua posição em relação ao rio Solimões recebe o impacto

hidráulico quase que frontal do rio Solimões, provocando o Sternberg chama de

macroturbilhonamento, retirando material do fundo para a superfície, em movimentos

ascendente, helicoidal; com a capacidade de erodir, transportar e depositar sedimentos em

suspensão e das margens.

Nessa costa a velocidade do avanço das terras caídas é muito significativa, acarretando

em perdas e desvalorização de propriedades, o que ocasiona transtornos para os moradores

ainda resistentes nessa margem. Grande quantidade desse material erodido na costa do

Rebojão é transportado e depositado na curva seguinte do rio, denominada de Costa da Terra

Nova.

Essa costa passa por processo de desconstrução para construção, onde existia uma

comunidade que se deslocou para outras áreas devido ao intenso processo de erosão fluvial,

ocasionando a perda de suas terras. Por essa razão na Costa do Rebojão existem poucos

moradores, se tornando em áreas de pecuária e algumas famílias de pescadores e agricultores.

1 - Rebojão vem de rebojo, termo que na região se refere a turbulência provocado pelo movimento aleatório das

correntes fluviais.

Page 20: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

20

Esse processo que bem poderia ser chamado de “dialética da natureza” onde há perda e

ganho, relação sociedade-natureza, mudando a estrutura da paisagem, transformando a

sociedade em seus hábitos diários.

Carvalho (2006; 2012) demonstrou que as terras caídas nas margens do rio Amazonas

resultam de processos complexos e interdepende de uma ação conjunta de fatores como a

pressão hidrodinâmica e hidrostática, composição do material depositado na planície de

inundação dos rios de água branca, fatores neotectônicos, estruturais e climáticos; antrópicos:

desmatamentos das margens e ação das embarcações como navios.

Os processos erosivos mudam a paisagem e alteram o cotidiano dos moradores,

conhecida regionalmente como terras caídas, na região Amazônica. As terras caídas,

desempenham um papel importante na transformação da paisagem ribeirinha, pois provoca

mudança muito rápida na paisagem, alterando o cotidiano dos moradores das margens do rio.

Por ser um rio de água branca é considerado muito instável, pois estão constantemente

transportando seus sedimentos e mudando seus leitos, influenciando o modo de vida dos

moradores ribeirinhos. “Sobressai a água, exclusivamente sua atividade que derivam as

formas do terreno e a ela se vincula ainda, direta e indiretamente, a fisionomia vegetal da

área” (Sternberg, 1998, pág. 243).

As variações sazonais obrigam o homem a constantes ajustamentos; é através dessas

pulsações da paisagem que mais claramente aparecem as vinculações da

coletividade com o meio. Rompe a monotonia da planície e cria duas paisagens

diferentes, subordinando os seres humanos as suas atividades. (Sternberg, 1998,

pág.245)

2.6 Comunidade Terra Nova (AM)

Na Comunidade Terra Nova, município do careiro da Várzea (AM) percebe-se a

importância da dinâmica fluvial, pois esta é responsável pelo aumento na área das casas dos

moradores, o que não torna necessário relocar suas moradias como acontece na comunidade

mais a montante, na costa do Rebojão. Esse processo de deposição ocorre com grande

Page 21: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

21

frequência, com sedimentos na frente onde predomina a restinga nova, resultado anual de

deposição, ficando alta e fazendo os moradores migrarem para frente. Através disso, percebe-

se na pratica a dialética da natureza onde nada se perde ou ganha, apenas é transformado, ou

seja, a costa erodida no Rebojão é depositado em sua maior parte na comunidade terra nova

favorecendo os seus moradores. É de se considerar ainda o fato de que a ocupação da várzea

sempre foi maior nas bordas das ilhas e nas proximidades das margens onde o processo de

deposição é maior, elevando o nível das restingas e oferecendo as melhores condições de

moradia. (CARVALHO, 2006, Pag. 101). As casas assim obedecem ao ciclo hidrológico, se

mantendo afastados das áreas alagadiças, sendo essas, utilizadas apenas para a agricultura de

subsistência ou familiar. A utilização desse novo ambiente ocorre sem nenhum tipo de

conflito e está sobre a responsabilidade do pai ou chefe de família. (CRUZ, 2007 PAG.114 -

115).

Na ilha da Terra Nova, num perfil de até 19,8m de profundidade que corresponde a

depósitos em crescente, a datação de fragmentos orgânicos sugere uma idade de

2840+-80 anos AP. Indicam que as ilhas de Terra Nova e Careiro tem estado na sua

presente posição pelo menos nos últimos 2050 +- 120 anos AP. A evidencia atual

desta estabilidade é indicada nos antigos depósitos de barras em crescente

colonizados pela vegetação e truncados por canais atuais. Além disso, as barras

arenosas atuais não seguem as direções de migração dos antigos conjuntos de barras

em crescente. Desta forma, admite-se que o rio Amazonas passou por uma fase

meandrante que evoluiu ainda em tempos holôcenicos para o padrão anastomosado

atual. (ROZO, pág.82)

As culturas instaladas nessa comunidade são de ciclo curto (couve, alface, cebolinha),

e culturas anuais como o milho e mandioca, essas geralmente cultivadas na restinga antiga.

Alguns depósitos chegam a medir 300 de altura no sentido transversal do rio (CRUZ, 2009).

Os depósitos mais elevados podem ser instalados casas temporárias, para aproveitar a

fertilidade natural das novas terras, realizando plantios de bananeira e arvores jovens

frutíferas. Nos depósitos de sedimentos trazidos pela água do rio durante as cheias, onde se

formou a verdadeira restinga, os camponeses-ribeirinhos se estabelecem com moradias e

outros equipamentos (casa de farinha, galinheiros) e culturas de ciclo curto (CRUZ, 2009).

Page 22: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

22

A comunidade possui energia elétrica e por esse motivo a metropolização dá-se inicio

com a aquisição de eletrodomésticos e televisores o que propiciam o consumo de produtos

industrializados e a mudança de hábitos antes rotineiros dos moradores, como a televisão que

modifica aspectos como horários rotineiros, cultura e etc. Quanto a dinâmica dos rios, a

explicação para o grande depósito de sedimentos se dá pela sua localização, já que encontra-

se em área de calmaria, de baixa velocidade do fluxo fluvial e pouca ou nenhuma erosão,

estas características favorecem a constante sedimentação da margem e a formação de novos

diques marginais, as deposições ocorrem com maior intensidade em períodos de vazante do

rio, exibindo inúmeras unidades morfológicas. As casas estão fixadas em áreas mais altas,

antigas, nas áreas mais atrás da comunidade, sítios e restingas mais antigas. A comunidade da

várzea amazônica é constituída por áreas comuns como: igreja, escola, campo de futebol e

uma sede comunitária, representando a centralidade da comunidade no que se refere à

decisões.

O processo de propriedades/posses é interpretado de acordo com legislação brasileira

como bens da união, uma concessão de uso com processo de compra e venda normal. Não

podem ser tituladas tampouco privadas. Porém essas terras de várzea vêm sendo negociadas

em modo particular, com processo de compra e venda há várias gerações. Seus preços são

calculados de acordo como o mercado capitalista usa, se um terreno estiver próximo ao lago,

ele será valorizado do que outro mais distante, mesmo apresentando fertilidade igual. A

valorização do terreno na várzea amazônica vai alem da benfeitoria que existe nele, pelas

condições de produção e sim pelo conjunto de condições comunidade/localidade, (CRUZ

2007).

É possível assim visualizar um dos padrões de organização do espaço amazônico rio-

várzea-floresta. Isso mostra a articulação e combinação do sistema: extrativismo da floresta, a

pesca e a agricultura; e hoje um novo método de pasto para criação de gados e produção de

Page 23: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

23

gramíneas. Essas gramíneas são muito produtivas e nativas, favorecendo para alimentação do

gado, em quantidades significativas de animais para engordá-los. Com essa combinação é

possível observar um maior enraizamento dessas populações nessas áreas, fazendo da

organização social do espaço geográfico da Amazônia não somente no interior das florestas,

mais também em suas várzeas, com uma parte para comercialização e outra para subsistência,

assim uma paisagem tipicamente caboclo ribeirinho.

A zona de deposição consiste na sedimentação da parte inferior da restinga, favorecido

pela baixa declividade, devido ao curso médio das águas do rio e do material por ele

transportado. Nestas áreas de várzea encontram-se espécies de oirana, ou vegetação pioneira,

sendo esse o principal indicativo de deposição recente, porem esse tipo de vegetação, por ser

pouco competitiva, não se mantém por muito tempo, permanecendo até o aparecimento de

outras espécies de vegetação.

Sternberg no estudo realizado na aérea do Careiro da Várzea, cita sobre o processo de

deposição:

O homem não se limitou a aproveitar as terras alteadas pela natureza, por intermédio

das brechas de extravação há vários exemplos de campos que foram formados

graças à colaboração da água e do homem. A operação consiste em guiar as águas

ricas em sedimentos para baixios de argila compacta que se estendem à retarguarda

da restinga fronta. Para consegui-la cumpre atravessar a crista justafluvial por meio

de uma brecha, que imita as da natureza. (1956, p.80)

O conhecimento dos camponeses-ribeirinhos mostra sua capacidade de se adaptarem e

manterem estratégias para sua permanência nas áreas de planície de inundação, adaptação no

ambiente, com capacidade de se transformarem, desenvolverem tecnologia de subsistência,

além de transferirem seus conhecimentos ao longo das gerações.

Page 24: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

24

3. METODOLOGIA

Com o intuito de compreender a ocupação do espaço geográfico com uma análise

espaço-temporal, o projeto foi desenvolvido com apoio de levantamento e revisão de literatura

bibliográfico, pesquisas e levantamento de dados em gabinete e in locu.

A costa do Rebojão está inserida na ilha do Careiro, é toda formada pela planície de

inundação. Iriondo (1982) identificou duas subdivisões geomorfológicas na ilha. Na parte

oeste até a metade da ilha onde o autor mapeou como sendo de depósito de inundação,

enquanto que na parte leste é de planície de bancos e meandros atuais (Figura 2). A parte

oeste da ilha é mais antiga enquanto que a leste é mais recente.

Figura 2 - Mapa geomorfológico da ilha do Careiro conforme Iriondo, 1982.

O mapeamento do avanço linear do rio Solimões/Amazonas na costa do Rebojão foi

realizado a partir da utilização de imagem do satélite LANDSAT recortado do Google Earth e

sopreposto com mosaico de fotografias aéreas levantadas em fevereiro do ano de 1952 pelo

Serviço Aerofotogramétrico Cruzeiro do Sul, na escala reduzida para 1:55.000

(STERNBERG, 1998. p. 52/53).

Em campo foram realizadas entrevistas com moradores, registro fotográfico e

medições batimétricas.

Page 25: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

25

Nas entrevistas com os moradores ribeirinhos, não foi determinados perguntas prévias,

mas conversas informais a fim de deixar os entrevistados tranquilos no decorrer da

conversação sobre o local de estudo. Observou-se como o período da cheia muda a paisagem

na comunidade (Figuras 3 e 4), alterando o dia a dia dos moradores ribeirinhos, comprovando

sua capacidade de adaptação e permanência nas planícies de inundação.

Figura 3: Comunidade período da cheia. Figura 4: Comunidade período da cheia

Fonte: Luciana Maia, 2014. Fonte: Luciana Maia, 2014.

A batimetria transversal dos rios Amazonas com o rio Negro (encontro das águas) foi

realizado utilizando-se um ecobatímetro da marca Raymariner (Figura 5). Com o sensor preso

a uma vara a 70cm de profundidade (Figura 6) e o barco se deslocando a velocidade média de

6km/h, onde a cada 10” eram registrados dados do visor. A medição foi realizada do limite da

costa do Rebojão com a Terra Nova para a margem oposta no lugar denominado de Lages.

Figuras 5: Ecobatimetro Figura 6: Sensor preso a uma vara.

Fonte: Luciana Maia, 2014. Fonte: Luciana Maia, 2014.

Page 26: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

26

Em gabinete foi realizado sobreposição de imagem de satélite LANDSAT com

fotografia aérea do ano de 1952. A sobreposição da imagem do satélite LANDSAT com os

mosaicos de fotografias aéreas registradas no ano de 1952 nos permitiram observar e

mensurar a intensidade com que o rio Solimões/Amazonas adentrou na costa do Rebojão.

A memória dos moradores antigos da área confirma a velocidade com que o rio

Amazonas chegou ao lago do Joanico, cuja distância do mesmo para o rio

Solimões/Amazonas era de 1.450m em 1952 até 2010.

Page 27: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

27

4. RESULTADOS

Um dos resultados mais expressivos da pesquisa foi verificar a velocidades com que o

rio Solimões/Amazonas avançou na costa do Rebojão provocando o deslocamento no sentido

jusante da costa do Rebojão (Figura 7).

A sobreposição de imagem de satélite Landsat do ano de 2010 com fotografia aérea do

ano de 1952 mostra que em 58 anos o avanço do rio Solimões no trecho mais crítico da

margem direita (costa do Rebojão) foi de 1.450m, significando que a erosão lateral evoluiu

em média 25m/ano.

Figura 7: Sobreposição de imagens, com avanço da erosão e deposição da área de estudo.

Fonte: Google Earth. Org. André Zumak, 2015.

Enquanto isso na costa da Terra Nova formou-se uma nova e grande barra lateral

(restinga) de aproximadamente 5km de comprimento e chegando a 300m de largura. Essa

restinga segundo Cruz (1999) formou-se nos últimos de 50 anos. É nessa terra nova (restinga)

Page 28: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

28

que os moradores praticam sua agricultura de ciclo curto como pode ser observado nas figuras

8 e 9.

Figura 8- Plantio de hortaliça na restinga nova. Figura 9: Observar as casas ao fundo da foto, na restinga

Foto: Alberto Carvalho em janeiro de 2015. antiga. Foto: Alberto Carvalho em janeiro de 2015.

Enquanto que na costa do Rebojão a situação é inversa. Naquele trecho a pressão

hidráulica do rio é muito intensa que associado ao macroturbilholamento das correstes fluviais

intensifica o fenômeno das terras caídas conforme podemos observar nas Figuras 10 e 11.

Figura 10 e 11: Paisagem comum na costa do Rebojão. A foto A mostra a margem com deslizamento e

escorregamento longitudinal. Em B observa-se casas de moradores já ameaçadas pelas terras caídas.

Fotos: Alberto Carvalho.

A pesquisa constatou que a diferença na forma de ocupação do espaço está

estritamente relacionada com a dinâmica fluvial. A raridade de moradores na costa do

Rebojão se explica pela dificuldade de acesso ao rio devido a margem ser muito íngreme e

pelos riscos de vida que as terras caídas oferecem aos moradores, enquanto que na costa da

Terra Nova a situação é inversa. Ali os moradores se sentem seguros do ataque do rio.

A B

Page 29: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

29

Com as sobreposições de imagens de 1952 e 2015 (figura 12), observa-se a alteração

espaço temporal da área de estudo, com avanço das terras caídas nas margens da costa do

Rebojão, obrigando a mudança dos moradores para longe das margens, ou até mesmo saída

dos mesmos para outra localidade, evitando assim tragédias ou catástrofes.

Figura 12: Sobreposição de imagens, com avanço da erosão e deposição da área de estudo.

Fonte: Google Earth, 2015. Org. André Zumak.

Nas entrevistas alguns moradores informaram que sentem muito o impacto com a

cheia, por causa do transporte apenas fluvial, limitando o ir e vir. Além de perceberem a

diminuição dos peixes, onde antes era abundante agora se encontra escasso, restringindo

alimentação em período de cheia. Alguns moradores ao perderem suas terras na costa do

Rebojão, migraram costa da Terra Nova em busca de habitação e cultivo para subsistência.

Na costa do Rebojão as implicações são ainda maiores, pois estão sempre inseguros

com tensão em perder suas casas e bens e posteriormente precisam mudar de lugar as suas

Page 30: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

30

moradias onde seja seguro. São perdas econômicas, sociais, além do risco de vida em que

estão expostos, criando muitas vezes problemas psicológicos e de saúde. Algumas soluções

existem em construir suas moradias em flutuantes, ou se mudar para outros lugares.

Importante ressaltar que os próprios moradores já conhecem e identificam algumas

características quando um terreno está sendo afetado pelo processo de erosão das terras

caídas. Antes do processo se completar eles tomam suas próprias providencias e saem do local

para evitarem tragédias. Os moradores ribeirinhos entendem a dificuldade de controle das

terras caídas, importante levar em consideração seus conhecimentos empíricos para a

sobrevivência de suas famílias, até mesmo para compreensão de análises técnicas locais.

A batimetria transversal realizada entre os rios Amazonas com o rio Negro (encontro

das águas), a medição foi realizada do limite da costa do Rebojão com a Terra Nova para a

margem oposta no lugar denominado de Lages. Foi utilizado um ecobatimetro e um sensor

preso a uma vara a 70cm de profundidade , com o barco se deslocando a velocidade média de

6km/h, onde a cada 10” eram registrados dados do visor. Os dados foram inseridos numa

tabela, e posteriormente lançados em gráficos para montagem do perfil transversal para sua

melhor compreensão.

Figura 13: Perfil transversal do encontro dos rios Negro e Solimões/Amazonas.

Fonte: Trabalho de campo, 08/2014. Org. Luciana Maia

Page 31: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

31

5. CONCLUSÃO

Ao final da pesquisa constatou-se que a irregular distribuição espacial da população na

área estudada está diretamente associada à dinâmica fluvial, mais especificamente resulta do

intenso processo de erosão e deposição lateral na área da pesquisa.

Na costa do Rebojão há poucos moradores devido ao intenso desbarrancamento das

margens, que pela grandeza de escala, coloca em risco a vida dos moradores. Segundo

depoimento de moradores mais antigos já houve vítima fatal quando uma senhora que, não

atentando para o risco, foi tragada pelas águas devido ao deslizamento repentino da margem.

Enquanto que na costa da Terra Nova o processo é inverso. Naquele trecho a

concentração de moradores é bem acentuada, pois as pessoas vivem em tranquilidade em

relação ao risco das terras caídas. Em trabalho de campo constatou-se que ao longo da

restinga mais antiga as casas estão muito próximas uma das outras. Naquela costa observou-se

que os moradores usufruem de certa infraestrutura como iluminação pública, água encanada,

comércio, escolas, área de lazer como sede dançante e campo de futebol.

Pelo exposto ficou claro a diferença da organização espacial dos moradores da costa

do Rebojão para a costa da Terra Nova em função da morfodinâmica fluvial do rio Amazonas.

Page 32: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

32

REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Deize S. Morfodinâmica fluvial e suas implicações para o ordenamento

territorial na fronteira Brasil-Colômbia-Peru. Dissertação (Mestrado) – Universidade

Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Geografia-PPGEO/UFF- 2009.

CARVALHO, J.A.L. Terras caídas e conseqüências sociais: Costa do Miracauera,

Paraná da Trindade, Município de Itacoatiara, AM. Manaus, 2006. Dissertação

(Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia) - Instituto de Ciências Humanas e Letras,

Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2006.

CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia Fluvial. São Paulo: Edgard Blucher, 1981.

CORRÊA, Roberto. L. Região e Organização Espacial. São Paulo: Ed. Atica, 2000.

CRUZ, M. J. M. da. Caboclos-Ribeirinhos: Um Estudo da Organização da Produção

Camponesa no Município do Careiro da Várzea – Am. Dissertação de mestrado

apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da USP, 1999.

CUNHA, Sandra. Geomorfologia Fluvial. in: Geomorfologia – uma atualização de bases e

conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

IRIONDO, M. Geomorfologia da planície Amazônica. Atlas do Simpósio do Quaternário

no Brasil. 1982. p. 323-348.

JUNK, W. J. As águas da região Amazônica. In: Amazônia; desenvolvimento, integração,

ecologia. São Paulo: Brasiliense; (Brasília) CNPq, 1983. 45-100 p

MOARES, Antonio. C. R. Geografia Pequena História Crítica. São Paulo: Hucitec LTDA,

1999.

NASCIMENTO, D. A; MAURO, C. A; GARCIA, M. G. L. Geomorfologia. Folha SA- 21.

Rio de Janeiro: Radambrasil, 1976.

ROZO, José M. G. Evolução holocênica do rio Amazonas entre a ilha do Careiro e a foz

do rio Madeira. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Amazonas, Instituto de

Ciências Exatas, Departamento de Geociências. Manaus-UFAM, 2004, 93p.

SIOLI, Harald. Amazônia - Fundamentos de ecologia da maior região de florestas

tropicais. Petrópolis-RJ: Vozes, 1985. 72 p.

STERNBERG, Hilgard O’R. A água e o homem na várzea do Careiro. Belém: Museu

Paraense Emílio Goeldi, 1998.

SUGUIO, Kenitiro e BIGARELLA, João José. Ambientes Fluviais. Florianópolis: Editora da

UFSC: Editora da UFPR, 1990.

Page 33: EROSÃO E DEPOSIÇÃO NO LIMITE DA COSTA DO REBOJÃO COM …

33

CRONOGRAMA

Nº Descrição Ago

2014

Set Out Nov Dez Jan

2015

Fev Mar Abr Mai Jun Jul

01 Levantamento e revisão

bibliográfica X X X X X X X X X

02 Coleta de dados em

campo

X X X

03 Análise dos dados de

campo

X X X X

04 Tratamento de dados

de sensoriamento

remoto

X X

05 Redação do relatório

final

X X

06 Entrega do relatório

final

X