DISPLASIA DO COLO UTERINO E CARCINOMA lN SlTUI, · cia de lesões pré-concerosas no colo uteri-no,...

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Rev. Inst. Adoljo Lutz 35/36: 67-76, 1975/76. DISPLASIA DO COLO UTERINO E CARCINOMA lN SlTU"I, Evandro Pimenta de CAMPOS"i, RIAL-A j 420 CAMPOS, E. P. - Displasia do colo uterino e carcinoma in situo Rev. Inst. Aâolto Lutz, 35/36: 67-76, 1975/76. RESUMO: O autor discute o problema da displasia do colo uterino de acordo com as várias escolas médicas, tentando esclarecer a aparente discordâncía no diagnóstico histopatológico; analisa também o carcinoma in situ e as suas implicações na orientação diagnóstica e terapêutica, DESCRITORES:: carcinoma in situ no colo uterino, histopatologia; colo uterino, carcinoma in siiu; colo uterino, condições pré-cancerosas. 1. INTRODUÇÃO Para que possamos ter uma idéia exata sobre displasia e câncer pré-invasivo do colo uterino, é necessário conhecer em suas li- nhas gerais como se apresenta o colo nas diferentes idades da mulher. O colo do útero é a parte que aparece dentro da cavidade vaginal e que está re- coberta por um epitélio plano-celular não corneificado, de várias camadas, com raras ou nenhuma papila, na área denominada ectocervix. O canal do colo uteríno, deno- minado endocervix, possue um epitélio de camada única, cilíndrica, formada por cé- lulas que produzem muco; esse epitélio pe- netra na intimidade do miométrio, forman- do glândulas ramifica das, de aspecto race- moso. Trabalhos da escola alemã (Obert, 1958) demonstraram que o epitélio cervical plano- celular recobre o colo até o orifício de en- trada do canal cervical na jovem; nas mulheres na pós-menopausa e na velhice ele penetra no canal cervical. Na mulher, no período da vida sexual, a mucosa do canal cervícal afIora ao exterior e recobre uma parte do colo uteríno visível. consti- tuindo a mancha averrnelhada chamada errtroplasla, que nada mais é do que a ero- são simples do colo uterino. Este conhe- cimento é muito importante pois, conforme a idade da mulher, varia o tipo de coníza- ção, nos casos de retirada da lesão suspeita. O epitélio ectocervical tem tendência a invadir a área ocupada pela mucosa do canal cervical e, às vezes, recobrindo-o, im- pede o livre escoamento de sua secreção, que fica retída e forma cistos (ovos de Na- both) ; outras vezes, esse epitélio substitui as células da endocervix, constituindo as chamadas metaplasias escamosas ou epi- Trabalho apresentado na Reunião Científica na Santa Casa de Misericórdia de Araçatuba, São Paulo, em 6 de outubro de 1973, comemorativa do 10. 0 aniversário do Laboratório I de Araçatuba da Divisão dos Laboratórios Regionais do Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, S.P . .,., Do Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, 67

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Rev. Inst. Adoljo Lutz35/36: 67-76, 1975/76.

DISPLASIA DO COLO UTERINO E CARCINOMA lN SlTU"I,

Evandro Pimenta de CAMPOS"i,

RIAL-Aj 420

CAMPOS, E. P. - Displasia do colo uterino e carcinoma in situo Rev.Inst. Aâolto Lutz, 35/36: 67-76, 1975/76.

RESUMO: O autor discute o problema da displasia do colo uterinode acordo com as várias escolas médicas, tentando esclarecer a aparentediscordâncía no diagnóstico histopatológico; analisa também o carcinomain situ e as suas implicações na orientação diagnóstica e terapêutica,

DESCRITORES:: carcinoma in situ no colo uterino, histopatologia;colo uterino, carcinoma in siiu; colo uterino, condições pré-cancerosas.

1. INTRODUÇÃO

Para que possamos ter uma idéia exatasobre displasia e câncer pré-invasivo do colouterino, é necessário conhecer em suas li-nhas gerais como se apresenta o colo nasdiferentes idades da mulher.

O colo do útero é a parte que aparecedentro da cavidade vaginal e que está re-coberta por um epitélio plano-celular nãocorneificado, de várias camadas, com rarasou nenhuma papila, na área denominadaectocervix. O canal do colo uteríno, deno-minado endocervix, possue um epitélio decamada única, cilíndrica, formada por cé-lulas que produzem muco; esse epitélio pe-netra na intimidade do miométrio, forman-do glândulas ramifica das, de aspecto race-moso.

Trabalhos da escola alemã (Obert, 1958)demonstraram que o epitélio cervical plano-

celular recobre o colo até o orifício de en-trada do canal cervical na jovem; nasmulheres na pós-menopausa e na velhiceele penetra no canal cervical. Na mulher,no período da vida sexual, a mucosa docanal cervícal afIora ao exterior e recobreuma parte do colo uteríno visível. consti-tuindo a mancha averrnelhada chamadaerrtroplasla, que nada mais é do que a ero-são simples do colo uterino. Este conhe-cimento é muito importante pois, conformea idade da mulher, varia o tipo de coníza-ção, nos casos de retirada da lesão suspeita.

O epitélio ectocervical tem tendência ainvadir a área ocupada pela mucosa docanal cervical e, às vezes, recobrindo-o, im-pede o livre escoamento de sua secreção,que fica retída e forma cistos (ovos de Na-both) ; outras vezes, esse epitélio substituias células da endocervix, constituindo aschamadas metaplasias escamosas ou epi-

Trabalho apresentado na Reunião Científica na Santa Casa de Misericórdia de Araçatuba, SãoPaulo, em 6 de outubro de 1973, comemorativa do 10.0 aniversário do Laboratório I de Araçatubada Divisão dos Laboratórios Regionais do Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, S.P .

.,., Do Instituto Adolfo Lutz, São Paulo,

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derrnização das glândulas endocervicais,consideradas estados pré-cancerosos. O cân-cer do colo uterino, em 90% dos casos, ini-cia-se na zona de transição entre o epitélioectocervical e endocervical, chamada zonaele instabilidade epitelial de Hinzellmann.

A função do ginecologista, entre outras,não é mais a de diagnosticar precocemen-te um câncer do colo uterino, mas prin-eipalmente impedir o seu aparecimento,pelas medidas terapêuticas atualmente pos-tas em prática; a colposcopia e as infor-mações que lhe fornecem o citologista e opatologista ajudam-no nesta tarefa. Infe-lizmente, nos casos de câncer, o primeirosinal que a mulher observa é o sangramen-to anormal do útero e, quando há sangra-mento, é porque há destruição do tecido;sendo feito o diagnóstico demasiadamentetarde, o prognóstico é mau.

O câncer do colo do útero é responsá-vel por 75% dos casos de câncer genitalfeminino, e ao ginecologista compete pre-cocemente constatar as primeiras altera-ções que se instalam no epitélio do colouterino, onde se localizam 95% dos casosde câncer uterino; com o auxílio da colpos-copia diagnosticam-se as lesões pré-cance-rosas ou precursoras do câncer, como ocarcinoma pré-invasivo e o carcinoma inci-piente ou microcarcinoma. A citologia oncó-tíca dá-nos o estado em que se encontramas células e a biópsia é que fornece o re-sultado final para a orientação do gineco-logista. A biópsia feita com o auxílio dacolposcopia permite mais exatidão na re-tirada da área suspeita - biópsia seletiva.Para bem se aquilatar do estado do epitéliodo colo, é aconselhada a biópsia em qua-drante, isto é, a retirada de fragmentos nospontos correspondentes a 12, 3, 6 e 9 horasdo mostrador de um relógio.

2. DISPLASIA DO COLO UTERINO

E LESÕES PRÉ-CANCEROSAS

Ao patologista compete principalmenteesclarecer o ginecologista sobre a existên-cia de lesões pré-concerosas no colo uteri-no, ou de um carcinoma in situo

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Sabemos que no câncer cervical clínico,isto é, naquele que já produz sinais clíni-cos, o diagnóstico é feito facilmente peloginecologista experimentado, pelo simplesexame com o espéculo e pela palpação.Neste caso, o exame histopatológico da bíó-psia é apenas uma confirmação do diag-nóstico clínico. Nos casos precoces, pré-clínicos, não há sinais clínicos precoces eas lesões passam despercebidas pela pró-pria paciente; porém, já há alterações pre-coces reveladas pela histopatologia consti-tuída por acentuada atipia celular no epí-télío cervical e endocervical, que é o car-cinoma in si tu. Na atualidade, de 25 anospara cá, firmou-se o conceito de que o dia-gnóstico precoce do câncer do colo uterino80 faz quando as alterações citológicas selocalizam ainda e somente dentro do epité-lia cervical, portanto antes de invadir o te-ciclo conjuntivo irrigado, antes de produzirsintomas na mulher e antes que comece ainvasão próximo ou longe do colo uteri-no. Dentro deste conceito, a colposcopia,o exame cito lógico, e a biópsia, comple-rnentando-se, são métodos de investigaçãopara o diagnóstico precoce o qual somenteo médico que se utiliza destes três métodospode fazer.

Existe uma terminologia adequada pa-ra nos referirmos às alterações do epitéliodo colo uteríno. cuja significação devemosconhecer, em virtude de suas implicaçõescom o carcinoma do colo do útero:

2 . 1 EPlDER:\IIZAÇÃO

É a substituição do epitélio não cornei-ficado do colo uterino - ectocervix, porum epitélio corneificado, tomando a apa-rência de pele, freqüente nos casos de pro-lapso uterino, quando o colo fica em con-Ü1CtOcom o ar. É uma lesão benigna.

2.2 METAPLASIA

É a substituição focal ou difusa de epi-télio muco-secretor da mucosa do canal cer-vical - endocervix, por um epitélio esca-moso, epidermóide. Esta alteração é con-siderada lesão pré-cancerosa, aparecendonos processos inflamatórios crônicos.

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2. 3 LEUCOPLASIA

E a presença de placas esbranquíçadasna superfície do colo, bem delimitadas, ror-madas por células sem glicogênio; por isto,o teste de Schiller mostra na área o teci-do de cor avermelhada - Schiller positivo,em contraste com o restante do epitélio docolo, de coloração azulada - Schiller ne-gativo.

O quadro histológico é representadopor leuco-hiperqueratose, acantose e pro-cesso inflamatório na base do epitélío, va-riando de intensidade em cada caso. Não éconsiderada lesão pré-cancerosa.

2.4 DISPLASIA

Termo sugerido por William Obert doInstituto Nacional de Câncer de Bethesda.Md., E. U. A., para as alterações citológicasdo epitélio de revestimento, principalmentedas camadas profundas, constituídas pordespolarízação das células e atipia em dí-versos graus. Essas alterações, que vão des-de um grau mínimo - âisplasia leve, aie-plasia moderada, até um grau elevado -tiisplasui grave, seriam indicativas, porémnão conclusivas, de malignidade. O epité-lio com alteração mais intensa, com umquadro hístológíco maligno, porém semromper a membrana basal, é o carcinomain situ, ou carcinoma pré-invasivo ou íntra-epitelial.

rações nucleares, mostrando freqüentes fí-guras de mitose e processo inflamatóriocrônico junto à base, rico em linfocitos;trata-se de uma hiperatividade da camadabasal, condicionando uma hiperplasia.

Há termos comumente usados pelos pa-tologistas para diferenciar certas alteraçõestambém consideradas como estádios pre-cursores do câncer do colo uterino, junta.mente com os termos displasia e hiperpla-sia da camada basal, como metaplasia pré-cancerosa, hiperplasia atípica, epitélio atí-pico corneificado, epitélio atípico e inquie-tu de epítelíal, e lesão limiar. O importanteé que o ginecologista seja informado da si-tuação histológica do epitélio cervícal querequer tratamento adequado, inclusive aconização.

2.6 ATlPIACERVICAL

Procurando evitar confusões, a escolade Novak e colaboradores inclui todos ostermos relativos ao grau de anormalidadedo epitélio da partia na denominação AT!'PIA CERVICAL,classificada em graus leve,moderado, acentuado, até o carcinoma insitu, que seria a forma mais acentuada daatípía,

a) Atipia ceroicat leve - Notam-se ascélulas atípicas abrangendo de 1/4 a 1/3das camadas mais profundas do epitéliocervical. Os processos inflamatórios crôní-cos comumente apresentam este quadro,principalmente na junção dos dois epíté-Iios. isto é, ecto e endocervical. Raramenteevoluem para carcinoma in situo Esses ca-sos devem ser controlados rotineiramentepelos exames citológico e histopatológico.

2.5 HIPERPLASIAE HIPERATlVIDADEDACAMADA b) Atipia certncal moderada - Apre-BASAL senta as células atípícas abrangendo 1/2 a

3/4 da espessura do epitélio cervical. En·As alterações celulares verificadas no contramos maturação atípica, hiperplasia

Não há uma separação histológica ní-tida entre os três estádios mas ela se fazde maneira gradativa.

epitélio do colo uterino estão comumenteassociadas a um aumento do número dascamadas das células basaís ou parabasaísdesse epitélio, isto é, uma proliferação anor-mal que não se diferencia regularmentepara as camadas mais externas. Por outrolado, nessas camadas profundas aparecemcélulas com caracteres das células superf'í-cíaís. com acidofilia de citoplasma e alte-

das células da camada basal, perda de po-laridade e desarranjo das células, principal-mente na camada basal. A atipia é constí-tuída pela presença de células queratíníza-das e não queratinizadas, grandes ou pe-quenas. A anaplasía celular e a presençade pérolas córneas na intimidade do epité-lio pode sugerir tendência à transformaçãomaligna.

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c) Atipia cervical acentuada - Nestecaso, a atipia celular atinge a mais de 3/4da espessura do epitélio cervical; nota-sematuração irregular em grande extensão eas alterações citadas na atipia moderadasão mais acentuadas, notando-se presençade células queratinizadas, núcleos múltiplose nucléolos evidentes, variações de aspectoda cromatina. A perda da estratificação eda polarização das células nas camadas pro-fundas pode ser acompanhada de rnícroín-vasão do estroma; há casos de carcinomainvasivo que se inicia nessas camadas pro-fundas, sem alterações evidentes nas cama-das superficiais, cujas células são recolhi-das para o exame citológico, podendo darum resultado falso negativo, para célulasmalignas. O seguimento desses pacientestem mostrado o desenvolvimento de umcarcinoma in situ ou mesmo sua existênciaconcomitante.

d) Importância do diagnóstico dasatipias cervicais - Nos casos de atipia mo-derada, geralmente há regressão do quadro,enquanto nas atipias acentuadas cerca de2/3 dos casos se transforma em carcinomain situ. Nestes casos, há necessidade deexame colposcópico, citológico e histológi-co para surpreender a lesão maligna. Ocarcinoma in situ pode estar associado aum carcinoma invasivo, devendo os cortesser feitos em vários pontos, para esclareci-mento.

As infecções por tricomonas e fungospodem ocasionar atipia celular, caracteriza-da pela chamada discariose, o que poderiasugerir uma aparente transformação emcarcinoma in situ, mas, realmente, isso nãoacontece. O uso de podofilina tem produ-zido também atipia celular, porém, semtransformação maligna.

e) Lesão limiar - Termo empregadopor Koss e Graham, preferido por patolo-gista com grande experiência em patologiacervical, do Hospital das Clínicas da Facul-dade de Medicina da Universidade de SãoPaulo 6, define as alterações do epitélio cer-vical, que podem ou não evoluir para malig-nidade. O estudo escalonado do colo uterinodeve ser feito para afastar a hipótese de

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lesão maligna. Os cortes em serre devemser feitos obrigatoriamente, Não é raro se-rem encontradas, num mesmo fragmentode colo, lesões que vão desde a hiperplasiada camada basal até o carcinoma in situo

3. CARCINOMA IN SITU

a) Conceito - O carcinoma in situ oucarcinoma intraepitelial ou ainda carcino-ma pré-ínvasívo é uma lesão constituídapor um agrupamento de células com todasas caracteríticas histológicas de um carci-noma, localizado na intimidade ou na es-pessura de um epitélio de revestimento,substituindo uma área do epitélio preexis-tente, com uma característica importanteque é o não rompimento da membrana ba-sal desse epitélio. Qualquer epitélio, pois,pode ser a sede de um carcinoma in situ,porém, é no epitélio cervical a sua mais im-portante localização, não só pela freqüên-cia, como também pelo fato de que, feitoo diagnóstico e tomadas as medidas tera-pêuticas indicadas, livra-se a mulher de umpossível futuro câncer do colo uterino. Ocarcinoma in situ pode desenvolver-se oupropagar-se nas glândulas do canal cervi-cal, porém respeitando sempre a membra-na basal e, neste caso, não deve ser con-fundido com o carcinoma invasivo. Os di-ferentes tipos de anaplasia celular, falta dedíferencíação, constituindo os três tiposprincipais da atipia cervical, segundo Novak,podem ser lesões precursoras de carcinomain situo Essa lesão também pode aparecerem casos de erosão congênita da partia, emvirgens e multíparas. A maior incidência éentre 25 e 50 anos, idade média de 38 anos.Temos em nossos arquivos de biópsia umcaso de carcinoma in situ em rnultípara de19 anos. É relativamente freqüente o apa-recimento de carcinoma in siiú em mulhe-res grávidas, que não regride após o parto.O exame ginecológico rotineiro, a simplesinspeção e o toque não permitem o diag-nóstico de carcinoma in situo Com o auxí-lio da colposcopia, a lesão pode ser suspei-tada, sendo positivo o teste de Schiller nessaárea. Nos casos em que a lesão se encon-tra unicamente nas camadas mais profun-das do epitélio, somente pela citologia oncó-

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tíca - método de Papanicolaou, se podedetectar a lesão.

o exame histopatológico da biópsiavem confirmar ou não a suspeita de car-cinoma in situ ou de carcinoma pré-clíníco- aquele cuja invasão é apenas inicial, omícrocarcínoma.

b) Histopatoloçia - o quadro histopa-tológico é o de um verdadeiro carcinoma,ao qual somente falta o caráter invasivodo estroma; ele tem uma localização ex-clusivamente intraepítelíal, respeitando sem-pre a membrana basal, independentementede extensão da lesão, seja única ou múlti-pla. Aatipia celular ou anaplasia celularresumidamente é caracterizada pelas ano-malias nucleares e celulares. As anomaliasnucleares são caracterizadas pela alteraçãoda relação núcleo-cítoplasmátíca, macroca-riosis, núcleos exageradamente grande emrelação à célula, e polímorfísmo celular;presença de nucléolos múltiplos e gigantes,hípercromatisrno nuclear e presença de mi-toses normais, atípicas e abortivas; a mem-brana nuclear é exageradamente corada edenteada ou com irregularidades. As ano-malias celulares são caracterizadas peloalto grau de atipia celular, grande multi-plicação de células com polimorfismo celu-lar, citoplasma escasso dando a impressãode que os núcleos das células estão próxi-mos, desaparecimento das pontes interce-lulares e perda da estratificação epitelia!.Não há invasão do tecido conjuntivo subojacente, respeitando a membrana basa!. Ocarcinoma in situ. é um carcinoma verda-deiro, porém, em seu período inicial e, emgeral, com longo período de laiência. Esteperíodo de Iatêncía varia de 2 a 10, 15 oumais anos para que o carcinoma se trans-forme em câncer invasivo e depende de di-versos fatores individuais. Cerca de 25% doscasos, em 5 anos se transforma em câncerinvasivo, e 50% dos casos, em 10 anos.

Hoje nem todos aceitam a regressãoespontânea. Todavia, há quadros histopato-lógicos representados por alterações regres-sivas das células basaís do epitélio, comcaracterísticas malignas, presença de inten-so infiltrado linfoplasmocitário e varioscorpúsculos de Russel, sugerindo regressão

da lesão por reação imunitária do organis-mo. Portanto, o diagnóstico precoce deveser feito para que a mulher se livre de umpossível câncer invasivo, com pequena pro-babilidade de cura, se diagnosticado tar-diamente, enquanto que, na fase pré-inva-siva, atinge 100% de cura.

c) Localização - Cerca de 90% oumais dos casos de carcinoma in situ do colouteríno se localiza na zona de, transição,entre o epitélio ectocervical - epítélío es-camoso - e o epitélio endocervical - epi-télio mucoso ou colunar. Existe uma lutaconstante entre estes dois epitélios e énessa zona de instabilidade celular que severifica a maior percentagem dos casos;essa zona varia de local de acordo com aidade da mulher, conforme os esquemasque foram analisados anteriormente; daí aimportância do tipo de conização. A exten-são da lesão varia de 0,05 a 3,5 cm.

3. 1 RELAÇÃO ENTRE CARCINOMA in situ E

CARCINmlA DO COLO UTERINO

A comprovação de que um carcinomain situ antecede sempre um carcinoma ín-vasivo é difícil pois, uma vez diagnostica-do, o carcinoma in situ é retirado pela bióp-sia ou pela cirurgia e não podemos sabercomo evoluiria. Todavia, existem 8 eviden-tes circunstâncias em que o carcinoma insitu é forma pré-ínvasíva de carcinoma es-camoso (plano-celular), que são as seguin-tes:

a) Incidência - É aproximadamentesemelhante a incidência de carcinoma insitu e a de carcinoma invasivo em deter-minado grupo populacional. Em Nova York,E. U.A., por exemplo, a média encontradado primeiro é de 0,053% e do segundo0,034% nas mulheres examinadas.

b) Fator idade - Grandes grupos depacientes, com carcinoma in situ, com aidade média de 38 anos, apresentam pos-teriormente carcinoma ínvasívo, isto é, naidade média de 50 anos, decorrendo, por-tanto, em média, 12 anos na evolução deuma doença para a outra.

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c) Ocorrência racial - A incidência decarcinoma in situ e de carcinoma invasivonas mulheres brancas é praticamente amesma, sendo que, nas de raça judia, oíndice é levemente menor; já nas mulheresde raça negra a ocorrência de carcinoma insitu e de carcinoma invasivo é de duas ve-zes mais do que nas de raça branca.

d) Transformação de carcinoma in situem carcinoma invasivo - O estudo feitona Dinamarca de casos anteriormente dia-gnosticados como de carcinoma in situ, cujotratamento foi suspenso, demonstraram apresença de carcinoma invasivo após 5 a 12anos, em 26% dos casos. Por outro lado,em cerca de 50 casos de carcinoma invasi-vo, nos quais foi analisado o passado dospacientes, havia diagnóstico antigo de car-cinoma in situo Nestes casos, porém, não setem a segurança de que naquela ocasiãonão havia uma lesão inicial invasiva.

e) Carcinoma in situ aparente, cominvasão inicial - microinvasão - Em cer-ca de 5 a 26% dos casos de carcinoma insitu que foram estudados minuciosamenteem cortes em série, encontra-se invasãoinicial - microcarcinoma, mas nem sem-pre é possível fazer cortes em série docolo uterino. Estes casos têm também umbom prognóstico, como o carcinoma in situo

f) Carcinoma invasivo com lesões decarcinoma in situ - Há casos em que ocarcinoma invasivo tem mostrado em suavlsinhança lesões pré-invasivas, as quaisvão ser destruídas pelo tumor invasivo du-rante o seu crescimento. Este fato obrigao ginecologista e o patologista a procurarsempre um ponto de invasão, nos casos decarcinoma in situo

g) Comportamento em relação à ab-sorção da luz ultravioleta - Tanto o car-cinoma in situ como o carcinoma invasivoreagem identicamente à microscopia defluorescência.

h) Concordância entre os resultadosverificados nos exames citoláçico e histopa-tológico em casos de carcinoma in situ ecarcinoma invasivo - Há concordância nosresultados destes exames, em cerca de 90%dos casos.

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3.2 GRAVIDEZ E PUERPÉRIO, E CARCINO~IA insi tu

Durante a gravidez, podem ser encon-tradas no epitélio de revestimento da portiocélulas com discariose, isto é, alterações donúcleo, constituídas por hipercromatismo,núcleos gigantes, halo perinuclear, porémconservada a estratificação do epitélío, quedevem ser diferenciadas das de carcinomain situo

Não há prova evidente de que ocarcinoma in situ regride no puerpério mas,durante a gravidez, não seria indicada umaintervenção cirúrgica de emergência; a pa-ciente deve ser mantída em constante obser-vação. Na opinião atual, apesar do estadocolóide do colo na gravidez, é indicada acirurgia.

3.3 CONDUTA TERAPÊUTICA NO CARCINOMA insitu

O método mais comumente usado é ahisterectomia total, com extirpação do bor-dele vaginal, variando é claro a condutaem cada caso, quando não mais se visa afunção reprodutora. Nas pacientes nas quaisdeve permanecer a função reprodutora, faz-se a conízação- seguida de cuidadosos exa-mes.

3.4 DISCUSSÃo ETIOLÓGICA DAS ALTERAÇÕES

MALIGNAS DO COLO DO ÚTERO

Finalmente, quanto à etíología das alte-rações malignas do colo uterino, o câncerdo colo uterino foi tema discutido em re-cente simpósio internacional realizado emBarcelona, Espanha, de 21 a 23 de junho de1973, tendo sido dada muita importância àinfecção pelo vírus de herpes genital.

Narb, em 1966, foi o primeiro a consta-tar 4 casos de câncer do colo uterino, nosquais estava presente essa infecção viral.

O exame citológico de células obtidasde casos de câncer do colo uterino tem

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dado reações positivas com o antígeno dovírus herpes hominis, tipo 2. Estudos expe-rimentais têm conseguido induzir a trans-formação maligna de células normais pelapresença desse vírus. As reações imunoló-gícas com soro de animais (macaco cebus)são positivas nos casos produzidos com omesmo tipo de vírus.

Fig , 1 - Colo uteríno, esquema clássico se-gundo W. PSCHYREMBEL 9.

Fig. 3 - Colo uterino da mulher na pós-menopausa (a) e na senectuden», segundo W. PSCHYREM-BEL9.

Apesar dos fatos comprovados e da evi-dência de que o vírus herpes hominis. tipo2, pode produzir o câncer do colo uterino,existem fatores individuais, hereditários eimunológicos que influem no seu apareci-mento e, nestes casos, estes vírus teriamcausas coadjuvantes no aparecimento docâncer.

Fíg . 2 - Colo uterino da mulher jovem (a)e da mulher madura sexualmente(b e c), segundo W. PSCHYREMBEL9.

Fig. 4 - Conização na idade da procriação(a) e no climatério (b), em pa-cientes com carcinoma in siiu, se-gundo W. PSCHYREMBEL 9.

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5 - Ectocervix - revestimento epitelial plano-celular em várias camadas,não corneificado. H. eosina (LA.L.).

6 - Endocervix - revestimento epitelial em camada única, células cilín-dricas produtoras de muco por formação de glândulas ramificadas.H. eosina (LA.L.).

7 - Colo uterino - cistos ou ovos de Naboth. H. eosina (I. A.L. ).8 - Metaplasía escamosa de glândula endocervical. H. eosina (LA.L.).

9 - Zona de instabilidade de Hinzellmann com atipia celular. H. eosina(LA.L.). .

Fig.

Fig.

Fig.Fig.

Fig.

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Fig. 10 - Atipia cervical leve. H. eosina (LA.L.).

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CAMPOS, E. P. - Displasia do colo uterino e carcinoma in situ , Rev. Inst. Adollo Lutz, 35/36:67-76, 1975/76.

Fíg . 11 - Atipia cervical moderada. H. eosina CI.A.L.}.

Fig . 12 - Atipia cervical grave. H. eosina CI.A.L.).

Fig , 13 - Carcinoma in situ - zona de transição de Hinzellmann. H. eosinaCI.A.L. C-34074).

Fig. 14 - Ampliação da figura 13, mostrando a zona de Hinzellmann.

Fig. 15 - Carcinoma in situ - extensão de lesão. H. eosina. CI.A.L. C-20385)

Fig . 16 - Carcinoma in situ em glândula endocervícal. H. eosina. CI.A.L.C-34074).

Fíg . 17 =---- Carcinoma in situ, substituindo o epitélio endocervical. H. eosina.CI.A.L. C-20385).

Fíg, 18 - Ampliação da figura 17, mostrando a lesão em detalhe.

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CAMPOS, E. P. - Displasia do colo uterino e carcinoma in situo Rev. Inst. Adolfo Lutz, 35/36:67-76, 1975/76.

Agradecimentos

Ao Sr. Justino da Silva, da Seção de

Fotomicrografia do Instituto Adolfo Lutz,pelo trabalho fotográfico, os nossos agra-decimentos.

RIAL-Aj420

CAMPOS, E. P. - Cervix uteri dysplasia and carcinoma in situo Rev.Inst. Adolfo Lutz, 35/36: 67-76, 1975/76.

SUMMARY: The author reviews the current knowledge on dysplasiaof the uterus neck, in the light of its microscopic diagnosis. He alsoexamines critically the pathology of the carcinoma in situ and its impli-cations on treatment.

DESCRIPTORS: carcinoma in situ in the cervix uteri, histopatholo-gy; cervix uteri, carcinoma in situ; cervix uteri, precancerous conditions.

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Recebido para publicação em 16 de setembro de 1975.