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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA ALLAN TORRECILLA BATISTA CARACTERIZAÇÃO DO NICHO ALIMENTAR DO POLVO OCTOPUS INSULARIS (CEPHALOPODA: OCTOPODIDAE): DA POPULAÇÃO AO INDIVÍDUO NATAL 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE BIOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA

ALLAN TORRECILLA BATISTA

CARACTERIZAÇÃO DO NICHO ALIMENTAR DO POLVO OCTOPUS

INSULARIS (CEPHALOPODA: OCTOPODIDAE): DA POPULAÇÃO

AO INDIVÍDUO

NATAL

2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE BIOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA

ALLAN TORRECILLA BATISTA

CARACTERIZAÇÃO DO NICHO ALIMENTAR DO POLVO OCTOPUS

INSULARIS (CEPHALOPODA: OCTOPODIDAE): DA POPULAÇÃO

AO INDIVÍDUO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ecologia da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre.

Orientador: Profa. Dra. Tatiana Silva Leite

NATAL

2012

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do Centro de

Biociências

Batista, Allan Torrecilla.

Caracterização do nicho alimentar do polvo Octopus insularis

(Cephalopoda: octopodidade): da população ao indivíduo / Allan Torrecilla

Batista. – Natal, RN, 2012.

88 f.: il.

Orientadora: Profa. Dra. Tatiana Silva Leite.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em Ecologia.

1. Polvo. – Dissertação. 2. Octopus insularis . – Dissertação. 3. Nicho

alimentar. – Dissertação. I. Leite, Tatiana Silva. II. Universidade Federal do

Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BSE-CB CDU 594.56

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE BIOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA

CARACTERIZAÇÃO DO NICHO ALIMENTAR DO POLVO OCTOPUS

INSULARIS (CEPHALOPODA: OCTOPODIDAE): DA POPULAÇÃO AO

INDIVÍDUO

BANCA EXAMINADORA

Dra. Tatiana Silva Leite (Orientadora – UFRN)

Dra. Érica Alves González Vidal (UFPR)

Dr. Arrilton Araujo de Souza (UFRN)

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Aos meus queridos pais,

pelo amor, carinho e incentivo sempre!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao ser Criador, da matéria e do espírito, pela sua

providência, inteligência, onipresença, misericórdia em nos conceder a vida e oportunidade de

viver neste lugar tão lindo, o Brasil, e perto do mar.

Aos meus pais, que tanto me apoiaram e incentivaram ao longo de minha vida, sempre

ao meu lado, nos momentos em que fraquejei e pensei em desistir, eles me sustentaram e me

encorajaram. Sem eles com certeza eu não estaria escrevendo este trabalho, eternamente

agradecido, pais amados!

À professora Tatiana Leite a orientação dedicada, demonstrando confiança, amizade, e

incentivo aos estudos dos polvos, a grande contribuição para realização deste trabalho, a todas

as oportunidades que me concedeu e permitiu estudar no lindo litoral do Nordeste brasileiro.

À professora Jennifer Mather, ao exemplo de dedicação à ciência, de vida, sempre

incentivando a pesquisa e aos questionamentos sobre a natureza, aos auxílios e ideias para

realização deste trabalho, ao seu bom humor, inteligência, e a sua paciência em tentar

compreender meu inglês.

Aos amigos do LABIPE, as novas amizades conquistadas durante esses dois anos em

Natal. Françoise, Rodrigo, Marina, Garcia, Cylene, Marlon, Jaciana, Patrícia, Lorena, Guido,

Alina, Marcelo, Pedro, Lidiane, Camila, Aline, Seu Welington, Canindé, prof. Jorge. Foram

bons momentos e descontraídos momentos em coletas, expedições de campo, e no ar-

condicionado do laboratório. Muito obrigado!

Ao pessoal da Rebio Atol das Rocas, em especial a Zélinha, Jarian, Zeca, Ceará, aos

ótimos e inesquecíveis dias vividos no paradisíaco Atol das Rocas, sempre prestativos e

prontos a ajudar. Ao Jarian ao seu exemplo, sempre prestativo e disposto a auxiliar, as aulas

sobre o Atol que nos enriqueceu, e as boas piadas e bom humor! À Patrícia à grande ajuda

durante o trabalho em campo, em baixo de sol ou chuva, esteve disposta. E a toda equipe que

mantém a Reserva protegida e em funcionamento para pesquisa!

Aos amigos da turma da Pós-Graduação em Ecologia, considero todos como grandes

novos amigos, cada um com suas peculiaridades, um trabalhando com borboletas, outro com

cupins, um com orquídeas, outra com corais, um com decomposição, outro com sapos,

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lagartos... E eu recém-formado em Oceanografia, entrei nesse mundo novo, estranhado um

pouco, mas confesso que adorei conhecer mais sobre o mundo da Biologia e Ecologia. O

curso de campo no interior do RN, na região do Seridó, foi extremamente enriquecedor e

prazeroso, esforçar-me-ei para que nunca se apague da minha memória. Aos professores que

sempre se mostraram entusiasmados com o curso, e em transmitir seus conhecimentos.

Ao professor Gabriel Costa, a disposição em me ajudar com a estatística e ideias para

o trabalho, sempre solícito, aos artigos que me enviou sobre nicho foram muito úteis.

Aos funcionários do DOL, Levi, Seu Welington, aos Vigias, e especialmente ao Jair, a

sua diligência sempre lembrando os prazos de relatórios.

A CAPES-REUNI pela bolsa concedida.

E a todos que convivi em Natal, um povo muito acolhedor e hospitaleiro, e as pessoas

que não conheci diretamente mais que contribuíram para minha estada e realização deste

trabalho, muito obrigado!

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Escore de avaliação do habitat (EAH) proposto por Gratwicke & Speight (2005). . 26

Tabela 2. Descrição geral do substrato, profundidade e EAH (Escore de Avaliação do Habitat)

das áreas amostradas. ................................................................................................................ 32

Tabela 3. Lista de presas (n = 38),coletados em frente a 12 tocas de O. insularis em Pirangi

em 2011 . .................................................................................................................................. 34

Tabela 4. Lista de presas de O. insularis na Restinga (APARC) encontradas em 30 tocas entre

2010 e 2011. Número de itens = 379. ....................................................................................... 35

Tabela 5. Lista de presas de O. insularis na Risca (APARC) encontradas em 8 tocas entre

2010 e 2011 (n = 77). ............................................................................................................... 36

Tabela 6. Matriz dos recursos das populações de O. insularis, em gênero das espécies de

presas, nas ilhas: Atol das Rocas e Fernando de Noronha; e do continente: município de Rio

do Fogo/RN. Expressa em porcentagem do número de presas (n) em cada população. .......... 53

Tabela 7. Comportamentos de Octopus insularis em suas tocas durante os testes: Alerta,

Ataque e Restos, no Atol das Rocas em agosto de 2011 (n = número de comportamentos

registrados). .............................................................................................................................. 77

Tabela 8. Lista de presas de 17 Octopus insularis no Atol das Rocas em agosto de 2011 (n =

1174). ........................................................................................................................................ 79

Tabela 9. Dados individuais de Octopus insularis, da especialização alimentar e os escores

tímido/arrojado. Os índices de especialização alimentar em negrito são especilistas. ............. 81

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LISTA DE FIGURAS

Fig. 1. Mapa da área de estudo na região norte do RN, APARC. Círculos brancos são os

pontos amostrados com profundidades > 15 m (Risca), e círculos pretos são os pontos

amostrados em profundidades entre 5 e 15 m ( Restinga). ....................................................... 20

Fig. 2. Mapa da área de estudo na região sul do RN, Pirangi. Círculos pretos são os pontos

amostrados, recifes rasos com profundidades < 5 m. ............................................................... 21

Fig. 3. Desenho da visão lateral de um polvo mostrando a medida do comprimento do manto

(CM), distância entre os olhos e final do manto. ...................................................................... 22

Fig. 4. Ilustrações dos tipos de tocas. (A) Sob Rocha; (B) Rocha; (C) Platô recifal; (D)

Vertical rocha. .......................................................................................................................... 23

Fig. 5. Desenho amostral do método Quadrado Fixo (QF), as letras “p” representam polvos

encontrados em tocas. ............................................................................................................... 24

Fig. 6. Restos alimentares depositados em frente a toca de um Octopus insularis, coletados

para análise da dieta de O. insularis. ........................................................................................ 27

Fig. 7. Susbtratos das áreas amostradas: (A) – Pirangi; (B) – Restinga; (C) – Risca; (D)

Composição da cobertura do susbtrado. ALR – Alga ramificada; AR – Areia; ROD –

Rodolito; CA – Cascalho; AF – Alga filamentosa; Outros – categorias menos frequentes. .... 31

Fig. 8. Ocorrência de Octopus insularis nas categorias de tamanho, extra-pequeno PP;

pequeno P; médio M; e grande G nos quatro tipos de toca. ..................................................... 33

Fig. 9. Ocorrência das quatro classes de tamanho de O. insularis, extra-pequeno PP; pequeno

P; médio M; e grande G nas três classes des profundidades 0 – 5; 5 – 15 e > 15 m. ............... 33

Fig. 10. Composição das presas encontradas nas tocas do Octopus insularis nas áreas

amostradas na costa do RN, Pirangi, Restinga e Risca (n = 492). ........................................... 37

Fig. 11. Composição da dieta (Bivalvia, Gastropoda e Crustacea) entre as classes de tamanho

dos polvos (n = 402). ................................................................................................................ 38

Fig. 12. Localização das ilhas oceânicas, AFN – Arquipélago de Fernando de Noronha, e Atol

das Rocas. Fonte: Modificado de Bouth et al. (2011). ............................................................. 51

Fig. 13. Composição da dieta das três populações de O. insularis expressas em proporção do

número de presas. Categoria dos recursos: 1-7 Crustacea; 7-28 Bivalvia e 29-48 Gastropoda.

.................................................................................................................................................. 55

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Fig. 14. Médias dos PSi em cada classe de tamanho da população de Fernando de Noronha (P

= 10, M = 8 e G = 11), Atol das Rocas (P = 17, M = 10 e G = 5), e Rio do Fogo (P = 15 e G =

10). As barras representam desvio-padrão. .............................................................................. 57

Fig. 15. Localização da Rebio Atol das Rocas. Fonte: Modificado de Véras & Tolotti (2011).

.................................................................................................................................................. 70

Fig. 16. Platô recifal do Farol, ao lado do canal de acesso “Barretinha”, onde foram

localizadas as tocas de O. insularis no Atol das Rocas. ........................................................... 71

Fig. 17. Composição da dieta dos Octopus insularis analisados (n = 17) habitantes do platô

recifal, no Atol das Rocas. ........................................................................................................ 78

Fig. 18. Correlação entre os dias de ocupação de Octopus insularis nas tocas (n = 17), e o

núemro de espécies consumidas. .............................................................................................. 80

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SUMÁRIO

CAPÍTULO I

O nicho de Octopus insularis na costa do Rio Grande do Norte

RESUMO................................................................................................................................. 14

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 15

1.1 Objetivos ........................................................................................................................ 18

1.1.1 Objetivo Principal .................................................................................................... 18

1.1.2 Objetivos Específicos ............................................................................................... 18

2 MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................ 19

2.1 Áreas de estudo ............................................................................................................. 19

2.2 Amostragens .................................................................................................................. 21

2.2.1 Classes de tamanho dos polvos ................................................................................ 22

2.2.2 Tipos de tocas ........................................................................................................... 23

2.2.3 Distribuição espacial e densidade ............................................................................ 24

2.2.4 Abundância relativa.................................................................................................. 25

2.2.5 Caracterização do habitat ......................................................................................... 25

2.2.6 Dieta ......................................................................................................................... 26

2.3 Análise dos dados .......................................................................................................... 27

3 RESULTADOS .................................................................................................................... 30

3.1 Caracterização dos habitats ......................................................................................... 30

3.2 Distribuição espacial, densidade e abundância relativa ............................................ 32

3.3 Variáveis ambientais x tamanho de polvo .................................................................. 32

3.4 Dieta ............................................................................................................................... 34

3.4.1 Pirangi ...................................................................................................................... 34

3.4.2 Restinga .................................................................................................................... 34

3.4.3 Risca ......................................................................................................................... 36

3.5 Dieta x tamanho de Octopus insularis ......................................................................... 37

4 DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 39

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 42

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CAPÍTULO II

Nicho alimentar entre populações de Octopus insularis: uma comparação entre o

continente e as ilhas oceânicas do nordeste do Brasil

RESUMO................................................................................................................................. 46

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 47

1.1OBJETIVOS ................................................................................................................... 49

1.1.1Objetivo Geral ........................................................................................................... 49

1.1.2 Objetivos Específicos ............................................................................................... 49

2 MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................ 50

2.1 Background das Populações de O. insularis nas ilhas oceâncias .............................. 50

2.2 Composição das dietas, largura e sobreposição dos nichos ...................................... 51

2.3 Variação da dieta na ontogênia de O. insularis .......................................................... 52

3 RESULTADOS .................................................................................................................... 53

3.1 Composição das dietas, largura e sobreposição dos nichos ...................................... 53

3.2 Variações na dieta durante ontogenia de Octopus insularis ...................................... 56

4 DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 58

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 62

CAPÍTULO III

Relações entre características individuais de Octopus insularis e sua dieta

RESUMO................................................................................................................................. 65

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 66

1.1 Objetivos ........................................................................................................................ 69

1.1.1Objetivo Geral ........................................................................................................... 69

1.1.2 Objetivos Específicos ............................................................................................... 69

2 MATERIAL E MÉTODOS ................................................................................................ 70

2.1 Área de estudo ............................................................................................................... 70

2.2 Os polvos ........................................................................................................................ 72

2.4 Testes comportamentais ............................................................................................... 72

2.4.1 Teste Alerta .............................................................................................................. 72

2.4.2 Teste Ataque ............................................................................................................. 73

2.4.3 Teste Ameaça ........................................................................................................... 73

2.5 Escores do contínuo tímido/arrojado .......................................................................... 73

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2.3 Dieta e especialização individual ................................................................................. 74

3 RESULTADOS .................................................................................................................... 76

3.1 Reações comportamentais ............................................................................................ 76

3.2 Dieta ............................................................................................................................... 78

3.3 Ranqueamento no contínuo Tímido/Arrojado e Especialização Alimentar ............ 79

4 DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 82

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 85

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RESUMO

Octopus insularis, espécie alvo deste estudo, é o polvo bentônico dominante das regiões

Norte e Nordeste do Brasil. Estudos sobre comportamento e ecologia da espécie têm sido

realizados prioritariamente em ilhas oceânicas, com poucas informações sobre as populações

continentais. No presente estudo, duas regiões da costa do RN, Rio do Fogo e Pirangi, foram

escolhidas para a caracterização do nicho ocupado pelas populações de O. insularis. Os

nichos alimentares, habitat e distribuição do O. insularis das ilhas oceânicas e do continente,

foram comparados. Adicionalmente, características individuais do comportamento alimentar

em uma população do Atol das Rocas foi estudada, levando em consideração o tamanho do

indivíduos, proximidade entre as tocas e características da sua “personalidade”. A dieta da

população de Rio do Fogo foi composta principalmente por moluscos bivalves (82%),

diferentemente da população Pirangi que possui uma dieta composta principalmente por

crustáceos decápodas (68%), similar ao descrito para as populações das ilhas.

Consequentemente, os nichos alimentares das populações das ilhas foram mais próximos,

com maior sobreposição, porém a largura do nicho no continente foi maior. Os habitas de

ocorrência da espécie na costa inclui recifes, rochas, cascalho e uma ambiente denominado

restinga, um platô biogênico composto por cascalho, areia, esponjas e algas, onde foi

encontrada uma alta densidade de animais. De modo similar ao encontrado nas ilhas, os

polvos no continente, apresentaram uma distribuição agrupada, e uma segregação batimétrica

entre indivíduos pequenos e grandes. As diferenças na composição da dieta entre as

populações foram explicadas pelas diferenças nos habitats e cobertura do substrato, que

podem estar influenciando diretamente na diversidade e disponibilidade de presas nestes

ambientes. As análises individuais da população do Atol das Rocas, não apontaram relações

entre o grau de especialização individual e as diferentes personalidades, nem com a distância

entre tocas, os resultados sugerem que a estratégia de forrageio com maior disponibilidade no

ambiente de presas tem influência na dieta dos polvos em detrimento as preferências ou

personalidades.

Palavras-chave: Octopus insularis, polvo, nicho alimentar, população, personalidade.

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ABSTRACT

Octopus insularis, target species in this study, is the dominant benthic octopus of the North

and Northeast Brazil. Studies on behavior and ecology of the species have been conducted

primarily on oceanic islands, with little information on the continental populations. In this

study, two regions of the coast of RN, Rio do Fogo and Pirangi, were chosen for the

characterization of the niche by O. insularis populations. The dietary niche, habitat and

distribution of O. insularis of oceanic islands and the mainland, were compared. In addition,

individual characteristics of feeding behavior in a population at Atol das Rocas was studied,

taking into account the size of individuals, the proximity of the dens and characteristics of

their "personality". The diet of the Rio do Fogo population was composed mainly of bivalve

molluscs (82%), unlike Pirangi population that has a diet consisting mainly of crustaceans

Decapoda (68%), similar to that described for the populations of the islands. Consequently,

the feeding niches of the island populations were more similar, with greater overlap, but the

niche breadth of the continent was larger. The habitats of occurrence on the coast includes

reefs, rocks, gravel and an environment called Restinga, a plateau composed of biogenic

gravel, sand, sponges and algae, showed a high density of animals. Similarly to that found in

the islands, O. insularis in the continent, had a clumped distribution, and a bathymetric

segregation between small and large individuals. The differences in diet composition among

populations were explained by differences in habitat and coverage of the substrate, which may

be directly influencing the diversity and prey availability in these environments. The

individual analyzes of the population at Atol das Rocas, showed no relationship between the

degree of individual specialization and the different personalities, or the distance between

dens. The results suggest that the foraging strategy with greater availability of prey in the

environment has an influence on diet octopuses over preferences or personalities.

Keywords: Octopus insularis, dietary niche, population, personality.

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CAPÍTULO I

O nicho de Octopus insularis na costa do Rio Grande do Norte

RESUMO

A caracterização do nicho do polvo Octopus insularis, foi realizada em duas áreas do litoral

da costa do estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Para analise de distribuição e abundância

foram utilizadas duas técnicas de amostragem, denominadas Busca Visual Intensiva, e

Quadrado Fixo. Para caracterização do habitat foram utilizadas as técnicas, Transecto Linha

de Ponto (TLP) e Escore de Avaliação do Habitat (EAH). A dieta dos polvos foi analisada

através da coleta dos restos alimentares depositados em frente as tocas. Foram descritos três

tipos de habitats principais onde a espécie se concentra, sendo elas, 1) Risca área mais

profunda (>15 m), composta por fragmentos de platô, com baixa complexidade estrutural; 2)

A Restinga, profundidade intermediária (5-15 m), habitat composto por platôs biogênicos,

grandes manchas de areia, e 3) Pirangi, área rasa (<5 m) recifes de arenito, leito rochoso,

habitat mais rugoso. A densidade encontrada em Pirangi foi 0,4 indivíduos 100m-2

. Também

se verificou uma distribuição espacial agregada em substrato com grades proporções de

corpos sólidos, e uma segregação batimétrica na qual os indivíduos pequenos ocuparam mais

frequentemente as áreas rasas. Em relação a dieta, O. insularis consumiu principalmente

crustáceos (68%) nas áreas recifais rasas, bivalves (86%) nas áreas de restinga, e gastrópodes

(33%) na área recifal funda. Não foi encontrada variações no tamanho das presas entre as

classes de tamanho dos polvos. A caracterização de novos nicho do O. insularis como a área

da restinga e a variação na sua dieta em função do habitat mostra a capacidade de adaptação a

novos ambientes, expandindo as dimensões do nicho da espécie.

Palavras-chave: nicho, habitat, dieta, Octopus insularis.

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1 INTRODUÇÃO

Octopus insularis Leite & Haimovici (2008), espécie-alvo deste estudo, é o polvo

bentônico dominante na costa Norte e Nordeste do Brasil e nas três ilhas oceânicas desta

região, entre elas, Arquipélago de Fernando de Noronha, Arquipélago de São Pedro e Paulo, e

Atol das Rocas (Leite et al. 2008a, Leite et al. 2009a e 2009c, Bouth et al. 2011).

Recentemente, foi confirmada sua ocorrência também no Arquipélago de Trindade localizado

na região oceânica do Sudeste brasileiro, e nas áreas rasas da costa do RJ e SP (T. Leite, em

preparação), ampliando assim a distribuição geográfica desta espécie. Até o momento, os

habitats descritos como de ocorrência do Octopus insularis são principalmente: platôs

recifais, fundos rochosos, cascalho, com ou sem algas, nunca sendo obervados em ambientes

totalmente arenosos ou lamosos. Com relação à profundidade sua ocorrência varia

principalmente, entre as regiões do meso-litoral desde poças de maré até 25m porém no

estado do Ceará, a pescaria de O. insularis ocorre em profundidades em torno de 35 m (Leite

et al. 2008a, Leite et al. 2009a e 2009c; Batista 2011).

Nos últimos anos a ecologia e biologia de O. insularis vem sendo estudada de

modo mais amplo nas ilhas oceânicas. No Arquipélago de Fernando de Noronha, o habitat,

distribuição e abundância foram analisadas fornecendo informações para o manejo da pesca

artesanal dentro da Área de Preservação Ambiental (Leite et al. 2008b, Leite et al. 2009a;

IBAMA Nº 05 de 25 de janeiro de 1995; Decreto Estadual, Instrução normativa Nº. 04 de 28

de dezembro de 1999). Também foram estudados a ecologia alimentar, estratégias de

forrageio e a dieta desta população (Leite et al. 2009b) e da população de polvos da Reserva

Biológica do Atol das Rocas (Bouth et al. 2011). No Arquipélago de São Pedro e São Paulo,

foram estudados aspectos da diversidade de cefalópodes pelágicos e bentônicos, sendo O.

insularis a única espécie de polvo bentônico registrada (Leite et al. 2009c).

Além de sua importância ecológica, O. insularis tem importância econômica e é

alvo de pesca no Nordeste do Brasil. No Brasil, o Rio Grande do Norte é o maior produtor

pesqueiro da região Nordeste, em 2006 foram pescados 478 toneladas de polvo no estado,

comercializado em média a 7,13 R$/Kg, este valor torna sua exploração rentável tornando-o

um dos pescados com maior valor de comercialização, ficando atrás apenas da lagosta, do

camarão e da garoupa. Em comparação com seus estados vizinhos, Ceará e Paraíba, a

produção foi menor, apenas 3,5 e 4,7 toneladas respectivamente, no mesmo ano

(IBAMA/CEPENE 2008). Para que esta exploração comercial seja realizada de forma

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adequada, e os estoques pesqueiros de O. insularis permaneçam em níveis normais, não

sobre-explotados, estudos sobre a ecologia e biologia da espécie tornam-se imprescindíveis.

Na região costeira os estudos sobre O. insularis são bastante recentes, tendo como

referências alguns trabalhos sobre sua biologia pesqueira no CE, com a estimativa da idade

relacionada ao seu estágio de maturação gonadal, (Batista 2011; IBAMA/CEPENE 2008), e

na Bahia foi realizado um estudo sobre a etnoecologia da pesca de polvos em uma

comunidade tradicional (Martins 2008). No Rio Grande do Norte, um estudo inicial

caracterizou a pesca artesanal do polvo, mostrando os principais municípios produtores, a

produção e petrechos utilizados na pesca (Leite et al. 2010). Contudo, o conhecimento

ecológico das populações continentais de O. insularis e de suas comunidades nesta região são

incipientes.

Entre as informações ecológicas de grande importância para um adequado manejo

da espécie está o conhecimento do nicho ocupado pela mesma, incluindo, informações sobre

abundância, distribuição, dieta, e habitat. A influência do habitat para estes cefalópodes é

bastante evidenciada devido a necessidade de refúgios para sua proteção, sendo este um dos

fatores determinantes para a distribuição dos polvos nos ambientes marinhos (Hanlon &

Messenger 1996). Algumas populações que vivem em fundos arenosos utilizam conchas

vazias como abrigo, Octopus joubini (Mather 1982), e material de origem humana como,

garrafas de cerveja, Octopus rubescens (Anderson et al. 1999) copos, canos, baldes, garrafas,

etc., Octopus vulgaris (Katsanevaskis & Verriopoulus 2004a).

Outros fatores, além da disponibilidade de tocas, podem também influenciar a

distribuição e abundância, como por exemplo, a preferência por habitat. Um estudo no Atol na

Polinésia Francesa, com o polvo Octopus cyanea observou que apesar de ter sido visto

forrageando em cinco tipos de substratos, eles demonstraram preferência de ocupação pela

borda interna a parte externa e topo dos recifes (Forsythe & Hanlon 1997). Na Nova Zelândia

Octopus tetricus, foi mais abundantes em áreas próximas às bordas de recifes com bastante

cascalho em preferência as áreas planas fora dos recifes (Anderson 1997).

O fator profundidade também foi correlacionado negativamente com a abundância

de algumas espécies, como O. vulgaris (Katsanevaskis & Verriopoulus 2004b), E. dofleini

(Scheel 2002), O. insularis (Leite et al. 2009b), enquanto a salinidade esteve correlacionada

positivamente para E. dofleini no Alasca (Hartwick et al. 1984). Outro fator pouco estudado é

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17

a demanda reprodutiva, responsável pela agregação de polvos adultos das espécies, O.

insularis e Abdopus aculeatus, machos adultos foram observados agregados ao redor de

fêmeas maturas em disputa para cópula (Huffard et al. 2008, Leite et al. 2009a).

Além destas características, outras como a disponibilidade de presas e a

ocorrência de predadores exercem influência direta na dieta dos polvos (Ambrose 1984,

Anderson 1997), e também na sua distribuição e abundância (Anderson 1997). Embora estes

animais sejam considerados predadores generalistas-oportunistas, se alimentando de diversas

espécies da comunidade onde vivem, principalmente crustáceos, moluscos e peixes (Ambrose

1984, Smith 2003, Boyle & Rodhouse 2005), alguns indivíduos podem consumir poucas

espécies, podendo até consumir uma única espécie (Anderson et al. 2008), e esta

especialização pode variar de acordo com o habitat e características comportamentais

individuais (Scheel 2007, Anderson et al. 2008, Leite et al. 2009a, Mather et al. 2012).

Também pelo fato destes animais não percorrerem grandes distâncias durante o

forrageamento, e apresentarem certa fidelidade a área em que habitam, estudos verificaram

que as áreas de forrageamento de juvenis de O. vulgaris e E. dofleini não foram maiores do

que 250 m2

em torno de suas tocas (Mather 1991, Scheel 2002), desta forma a disponibilidade

de presas próximos as tocas são fatores realmente importantes na dieta destes cefalópodes.

A fim de ampliar os conhecimentos sobre a dominância, distribuição, e aspectos

da ecologia de O. insularis, o objetivo central deste trabalho foi caracterizar o nicho ecológico

desta espécie no estado do Rio Grande do Norte.

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18

1.1 Objetivos

1.1.1 Objetivo Principal

Caracterizar o nicho ocupado por Octopus insularis em duas áreas da costa do

estado do Rio Grande do Norte.

1.1.2 Objetivos Específicos

Avaliar o habitat: cobertura e rugosidade do substrato, profundidade, tipos de tocas;

Verificar a relação entre tamanho dos polvos, tipo de toca, e profundidade;

Determinar o padrão de distribuição e a densidade;

Comparar a abundância relativa dos polvos entre os diferentes habitats encontrados;

Caracterizar a dieta por habitat;

Verificar a relação entre composição da dieta e tamanho da presa mais consumida em

relação ao tamanho dos polvos;

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19

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Áreas de estudo

Duas áreas no estado do Rio Grande do Norte (RN) foram escolhidas para

caracterização dos nichos de O. insularis. Uma delas localiza-se no município de Rio do

Fogo, litoral norte do estado potiguar, a 65 km da capital, Natal, este município abrange Área

de Proteção Ambiental dos Recifes de Coral (APARC; Decreto de n° 15.476, de 6 de junho de

2001), onde ocorre a pesca mais produtiva de polvo (O. insularis) do RN (Leite et al. 2010)

(Fig. 1).

A segunda área localiza-se na costa sul do RN, distante 25 km de Natal, esta área é

composta por recifes costeiros das praias de Pirangi e Búzios, ponto turístico onde ocorre o

mergulho recreativo e também a pesca, incluindo a pesca de polvos. Esta área foi escolhida

por ser mais rasa (0 - 2 m) do que as áreas amostradas no litoral norte, ampliando assim a

diversidade dos habitats de ocorrência de O. insularis (Fig. 2).

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20

Fig. 1. Mapa da área de estudo na região norte do RN, APARC. Círculos brancos são os pontos

amostrados com profundidades > 15 m (Risca), e círculos pretos são os pontos amostrados em

profundidades entre 5 e 15 m ( Restinga).

Brasil

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21

Fig. 2. Mapa da área de estudo na região sul do RN, Pirangi. Círculos pretos são os pontos

amostrados, recifes rasos com profundidades < 5 m.

2.2 Amostragens

Os dados foram coletados em função das condições do mar para o mergulho autônomo

(SCUBA), e livre (snorkeling). Na APARC foram realizadas coletas nos períodos de janeiro,

março, novembro de 2010, e fevereiro de 2011, e em Pirangi foram amostradas nos períodos:

março, abril, e junho de 2011, janeiro e fevereiro de 2012. Foram registradas as profundidades

e a temperatura utilizando-se computador de mergulho e termômetro de mercúrio.

As amostragens na APARC foram realizadas em duas áreas com comprovada

abundância de polvos, denominadas, Restinga: área com profundidades intermediárias (5-15

m), e Risca: área mais profunda e distante da costa (>15 m). Estas áreas são formadas por

diferentes ambientes bentônicos, tais como, platôs recifais, rochas, rodolitos, fundo arenoso e

bancos de algas (Amaral et al. 2005). Na região de Pirangi, as amostragens foram realizadas

em recifes rasos de arenito com algas abundantes (0 – 5 m) próximos à praia.

1 Km

Pirangi

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22

2.2.1 Classes de tamanho dos polvos

Os polvos foram classificados em quatro classes de tamanho com base na estimativa

do comprimento do manto (CM) em: Extra-Pequeno (PP: < 50 mm), Pequeno (P: 50-80 mm),

Médio (M: 80-110 mm) e Grande (G: >110 mm). As correlações morfométricas entre manto,

braços, ventosas e distância entre os olhos, facilitaram a classificação visual dos indivíduos

nas tocas (Leite, et al. 2009a) (Fig. 3).

Fig. 3. Desenho da visão lateral de um polvo mostrando a medida do comprimento do manto (CM),

distância entre os olhos e final do manto.

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23

2.2.2 Tipos de tocas

As tocas dos polvos foram classificadas em quatro tipos, com base nos tipos descritos

(Fig. 4):

A. Sob Rocha (SR) – polvo abrigado embaixo de rochas, ou outro material

consolidado como coral, esponja, platô recifal, em fundo arenoso;

B. Rocha (RO) – polvo abrigado em buracos em blocos de rocha (> 0,5 m de

comprimento);

C. Platô Recifal (PR) – polvo abrigado em buracos horizontais sobre platôs

recifais, ou outro fundo consolidado;

D. Vertical Rocha (VR) – polvo abrigado entre rochas em posição ortogonal em

relação à superfície d’água.

Fig. 4. Ilustrações dos tipos de tocas. (A) Sob Rocha; (B) Rocha; (C) Platô recifal; (D) Vertical rocha.

(A) (B)

(C) (D)

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24

2.2.3 Distribuição espacial e densidade

A avaliação da distribuição espacial dos polvos foi realizada em Pirangi, através do

método de censo visual em quadrado fixo (QF) (Krebs 1999, Leite et al. 2009a). Este método

consiste em delimitar uma área de 50 x 50 m (2500 m2), onde com auxílio de um retângulo de

5 x 2 m feito de cano de PVC e nylon, toda a área foi verificada durante mergulhos livres para

localização de tocas ocupadas por O. insularis (Fig. 5). Através deste método também é

possível obter a densidade populacional.

p p

p p

p p

p p

p

p

Fig. 5. Desenho amostral do método Quadrado Fixo (QF), as letras “p” representam polvos

encontrados em tocas.

50 m

50 m

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Este desenho amostral, além de estimar a densidade foi utilizado para testar a hipótese

de distribuição não-aletória do O. insularis conforme, já observado em Fernando de Noronha

em habitats semelhantes (Leite et al. 2009a).

2.2.4 Abundância relativa

A abundância relativa dos polvos em profundidades superiores a 5 m foi obtida através

do método denominado, Busca Visual Intensiva (BVI), no qual consiste na adaptação da

técnica de amostragem denominada Roving Diver (Schmitt & Sullivan 1996), em que é

realizada uma busca visual aleatória durante a realização de um mergulho com um tempo

limitado. Este método permite percorrer uma maior área, maximizando o uso do tempo

limitado em cada mergulho, sendo empregado com sucesso na estimativa da abundância

relativa de O. insularis no Arquipélago de Fernando de Noronha (Leite et al. 2009a).

2.2.5 Caracterização do habitat

Os habitats foram caracterizados com base na profundidade, e cobertura do substrato.

A cobertura do substrato foi registrada através do método transecto linha de pontos (TLP)

(Munro 2005). Foram estendidos cinco transectos de 25 m aleatoriamente sobre o substrato, e

foram registrados o tipo de cobertura substrato a cada 50 cm nas seguintes categorias: Areia

(AR) – sedimento inconsolidado, arenoso; Cascalho (CA) – fragmentos de material

consolidado; Rocha (RO) – blocos rochosos, seixos; Rodolito (ROD) – fragmentos de alga

calcária com formas ovais, Coral (CO) – corais duros ou moles; Esponja (ES) – espécies de

Porifera; Alga Filamentosa (AF) – algas com filamentos sem ramificações; Alga calcária

(AC) – algas incrustantes nos corpos duros; e Alga Ramificada (ALR) – algas com

ramificações.

Após o registro do substrato nas áreas amostradas, foram analisadas a complexidade

estrutural dos habitats, determinada pela rugosidade, tamanho dos refúgios no substrato e

porcentagem de cobertura viva, através do método de Escore de Avaliação do Habitat (EAH)

proposto por Gratwicke & Speight (2005) (ver Tabela 1).

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26

Tabela 1. Escore de avaliação do habitat (EAH) proposto por Gratwicke & Speight (2005).

ESCALA DE QUANTIFICAÇÃO DE COMPLEXIDADE ESTRUTURAL DO HABITAT

1 2 3 4 5

Rugosidade

(topografia

visual

estimada em

cada

quadrado)

Categorias do

tamanhos dos

refúgios

(buracos ou

aberturas no

substrato em

cm)

1-5 6-15 16-30 31-50 >50

Cobertura

viva

(Porcentagem

de cobertura

viva (Algas,

esponjas,

gramas)

0-19 20-39 40-59 60-79 80-100

2.2.6 Dieta

A dieta de O. insularis foi caracterizada a partir da coleta de restos alimentares

deixados em frente às tocas, tais como, carapaças, conchas, e outros corpos coletados para

posterior identificação em laboratório. Apenas materiais recentes, ou seja, restos que não

intemperizados ou com algas incrustadas foram considerados (Leite et al. 2009b). Todo

material foi identificado segundo literatura especializada. Os moluscos foram identificados

segundo Rios (1994) e os crustáceos segundo Melo (1999). Foram medidas as larguras das

conchas e carapaças com auxílio de um paquímetro (Fig. 6).

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27

Fig. 6. Restos alimentares depositados em frente a toca de um Octopus insularis, coletados para

análise da dieta de O. insularis.

2.3 Análise dos dados

Para verificar possíveis relações entre o substrato x área amostrada; tamanho dos

polvos x tipo de toca; tamanho dos polvos x profundidade; e tamanho dos polvos x dieta; foi

utilizado o teste de análise multivariada de contingência (tabela de contingência) (SPSS 16.0;

Zar 1999).

O padrão de distribuição espacial de O. insularis em Pirangi, foi determinado pelo

índice de dispersão padronizado de Morisita (Ip) (Equação 2). Para calcular este índice, faz-se

necessário determinar primeiro o índice de dispersão de Morisita (Id) usando a Equação 1, e

mais dois valores críticos descritos abaixo:

O. insularis na

toca

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28

(Equação 1)

Onde,

Id = Índice de dispersão de Morisita

∑x = Soma dos quadrados amostrados = x1 + x2 + x3 ...

∑x2 = Soma dos quadrados amostrados ao quadrado = x1

2 + x2

2 + x3

2 ...

Fórmulas dos valores críticos:

Onde,

X.9752 = Valor da tabela do qui-quadrado com (n – 1) graus de liberdade que tem

97,5% da área para direita

xi = Número de organismos no quadrado i (i = 1,.... n)

n = Número de quadrados

Onde,X.0252 = Valor da tabela do qui-quadrado com (n – 1) graus de liberdade que tem

2,5% da área para direita

Então, é calculado o índice padronizado de Morisita (Ip) através de uma das quatro

fórmulas (Equação 2):

Quando Id ≥ Mc > 1,0:

Quando Mc > Id ≥ 1,0:

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29

Quando 1,0 > Id > Mu:

Quando 1,0 > Mu > Id:

Este índice padronizado (Ip) varia entre -1 e +1, com 95% dos limites de confiança

entre -0,5 e +0,5. O padrão de distribuição é denominado aleatório quando Ip = 0; agrupado

quando Ip > 0; e uniforme quando Ip < 0. Esta é uma boa medida de dispersão porque é

independente da densidade populacional e do tamanho amostral (Krebs 1999).

A densidade da população foi obtida dividindo o número de polvos encontrados dentro

do quadrado fixo por sua área (2500 m2), expressa em indivíduo/100 m

-2. E a abundância

relativa do método BVI foi calculada dividindo o número de polvos encontrados pelo tempo

total de mergulho em cada área (indivíduo/hora), e foi realizado o teste-T para comparar a

média entre as duas áreas amostradas.

Para testar se existe diferenças entre a o tamanho da presa mais consumida (largura da

concha) em relação a categoria do tamanho do polvo, utilizou-se o teste ANOVA one-way e a

posteriori teste de Tukey. A normalidade e a homogeneidade dos dados foram testadas pelos

testes de Kolmogorov e Levene, respectivamente (Statistica StatSoft 8.0; Zar 1999).

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30

3 RESULTADOS

No total, foram registrados 89 espécimes de Octopus insularis na região do

infralitoral, com profundidades entre 0,5 e 22 m, distribuídos nas seguintes classes de

tamanho: 12 PP, 26 P, 15 M, 24 G e 12 não classificados. Destes, 71 foram encontrados

durante mergulhos autônomos (BVI), e 17 em mergulhos livres (QF). A temperatura da água

durante os mergulhos variou entre 27 e 31 ºC, e a salinidade entre 33 e 35. Não foi observada

outra espécie de polvo durante as amostragens.

3.1 Caracterização dos habitats

Em Pirangi, nas áreas rasas de 0-5 m de profundidade, o substrato foi com

principalmente rochoso (blocos e fragmentos) com rodolitos, e as maiores porcentagens de

cobertura foram: Alga ramificada (ALR 49%), Rodolito (ROD 15%), Cascalho (CA 15%), e

Alga filamentosa (AF 9%) (Fig. 7A). Na Restinga de Rio do Fogo (APARC), em

profundidade intermediária (5-15 m), o substrato é mais homogêneo com pouca presença de

corpos sólidos, formado por platôs arenosos e cascalho, a cobertura do substrato caracteriza-

se com as seguintes proporções: Areia (AR 24%), Cascalho (CA 22%), Esponja (ES 19%) e

Alga ramificada (ALR 18%) (Fig.7B). Já na área mais profunda da Risca, (> 15 m), o

substrato é formado por fragmentos de platôs recifais, e apresenta maior quantidade de corpos

sólidos do que a Restinga. A cobertura é formada principalmente por Areia (AR 31%), Alga

ramificada (ALR 27%), Cascalho (CA 12%) e Alga filamentosa (AF 10%) (Fig. 7C). As

diferenças encontradas entre as áreas Pirangi, Restinga e Risca apresentaram diferenças

significativas em relação ao seu substrato (CC = 0,53; p < 0,05).

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Fig. 7. Susbtratos das áreas amostradas: (A) – Pirangi; (B) – Restinga; (C) – Risca; (D) Composição da

cobertura do susbtrado. ALR – Alga ramificada; AR – Areia; ROD – Rodolito; CA – Cascalho; AF – Alga

filamentosa; Outros – categorias menos frequentes.

Os escores de avaliação do habitat (EAH) entre as áreas amostradas foram

semelhantes, Pirangi tem maior escore de rugosidade (3); tamanho dos refúgios semelhante

(2); e porcentagem de cobertura viva (4), este último EAH foi igual em todas as áreas o que

representa de 40-79% de cobertura viva. Na Restinga o escore de rugosidade para esta área foi

o mais baixo (1), o que reflete a baixa heterogeneidade estrutural do substrato, apresentando

também o menor tamanho dos refúgios (1). Na Risca a rugosidade e o tamanho dos refúgios

foi um pouco maior do que a área da Restinga, sendo ambos com escore 2 (Tabela 2).

(B)

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Risca (C)

Restinga (B)

Pirangi (A)

Cobertura do substrato

ALR

CA

AR

ROD

AF

Outros

(C) (A)

(D)

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Tabela 2. Descrição geral do substrato, profundidade e EAH (Escore de Avaliação do Habitat) das

áreas amostradas.

Área Descrição geral do substrato Profundidade

(m)

EAH

Rugosidade

Tamanho

do

Refúgio

Cobertura

viva

Pirangi Rochoso (fragmentos e blocos),

presença de rodolitos, algas e

pouca areia

0-5 3 2 4

Restinga Platô arenoso com cascalho, e

esponja, poucos corpos sólidos 5-15 1 1 4

Risca Fragmentos de recifes entre

manchas de areia > 15 2 2 4

3.2 Distribuição espacial, densidade e abundância relativa

No quadrado fixo (QF), em Pirangi, foram encontrados 17 polvos (3 PP, 8 P e 5 M),

entretanto, apenas os polvos encontrados nas tocas (n = 10) foram considerados para análises

estatísticas de distribuição e densidade. O índice padronizado de Morisita apontou para uma

distribuição espacial agregada (Ip > 0; Ip = 0,03). E a densidade encontrada foi de 0,4 ind.

100 m-².

Durante as buscas visuais intensivas (BVI) em Rio do Fogo, foram encontrados 72

polvos, sendo 8 PP, 18 P, 10 M, 24 G e 12 N/A. Na área da Restinga foram encontrados 49

polvos durante 13,9 horas de mergulho em 4 pontos de amostragens, sua abundância relativa

em média é de 3,2 ± 0,8 ind. h-1

. Na Risca foram encontrados 32 polvos em 7,8 horas de

mergulho em 5 pontos de amostragens, a abundância relativa média nesta área é de 2,7 ± 1

ind. h-1

. Apesar da abundância relativa ser maior na Restinga do que na Risca, não houve

diferenças significativas entre as áreas (Teste-T; T = 0,7; gl = 7; p = 0,48).

3.3 Variáveis ambientais x tamanho de polvo

No geral, as tocas mais ocupadas foi o tipo platô recifal (PR) (39% das ocorrências),

seguido pelo tipo sob rocha (SR) (36%), e o tipo de toca menos atrativo foi vertical rocha

(VR) apenas 3%. A Análise da Tabela de Contingência mostrou não haver uma relação

significativa entre o tamanho dos polvos e o tipo de toca (CC = 0,33; p > 0,05). Porém, os

polvos grandes (G) e extra-pequenos (PP) não foram encontrados nas tocas do tipo Vertical

Rocha (Fig. 8).

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33

Fig. 8. Ocorrência de Octopus insularis nas categorias de tamanho, extra-pequeno PP; pequeno P;

médio M; e grande G nos quatro tipos de toca.

Com relação à profundidade, os indivíduos grandes (G), não ocorreram em águas rasas

(< 5 m), e foram mais abundante na área mais profunda (5 - 15 m). E de modo inverso os

indivíduos extra-pequenos (PP) não foram encontrados nas áreas profundas (>15 m). A

análise da tabela de contingência demonstra haver uma relação significativa entre a

profundidade e o tamanho dos indivíduos, com uma tendência dos indivíduos maiores

habitarem áreas mais profundas (CC = 0,43; p < 0,05) (Fig. 9).

Fig. 9. Ocorrência das quatro classes de tamanho de O. insularis, extra-pequeno PP; pequeno P;

médio M; e grande G nas três classes des profundidades 0 – 5; 5 – 15 e > 15 m.

0% 20% 40% 60% 80% 100%

PP (n=12)

P (n=24)

M (n=12)

G (n=23)

Cla

sse

s d

e t

aman

ho

Sob rocha Rocha Platô Vert. Rocha

0% 20% 40% 60% 80% 100%

PP (n=12)

P (n=26)

M (n=14)

G (n=24)

Cla

sse

s d

e t

aman

ho

0_5 5_15 >15 m

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34

3.4 Dieta

3.4.1 Pirangi

Foram encontrados 37 itens alimentares em 12 tocas. Os crustáceos foram os itens

mais consumidos (68,4% n = 26) distribuídos em 7 espécies, depois os gastrópodas (15,8% n

= 6) com 3 espécies, e os bivalves (15,8% n = 6), com 2 espécies. Cinco espécies somaram

mais da metade dos itens alimentares consumidos, 71,1% (n = 27) das ocorrências, entre eles

os Crustacea: Xanthodius denticulatus (26,3%), Pitho sp. (18,4%) e Mithrax forceps (7,9%),

os Bivalvia: Arca imbricata (10,5%) e o gastrópode: Pissania pusio (7,9%) (Tabela 3).

Tabela 3. Lista de presas (n = 38),coletados em frente a 12 tocas de O. insularis em Pirangi em 2011 .

Táxon Presas Número Total % Ocorrência

Toca %

Crustacea Xanthodius denticulatus 10 26,3 7 58,3

Pitho sp. 7 18,4 6 50,0

Mithrax forceps 3 7,9 3 25,0

Acanthonyx scutiformis 2 5,3 1 8,3

Epialtus brasiliensis 2 5,3 1 8,3

Mithrax tortugae 1 2,6 1 8,3

Microphrys sp. 1 2,6 1 8,3

Bivalvia Arca imbricata 4 10,5 2 16,7

Semele sp. 2 5,3 2 16,7

Gastropoda Pissania pusio 3 7,9 1 8,3

Fissurela sp. 2 5,3 1 8,3

Diodora sp. 1 2,6 1 8,3

3.4.2 Restinga

Foram coletados 379 itens alimentares em 30 tocas, onde os bivalves foram os itens

consumidos quase que em totalidade (91% n = 343), com 15 espécies, seguido pelos

Gastropoda (0,05% n = 19), com 10 espécies, e os Crustacea (0,04% n = 16) com 5 espécies.

Entre os itens mais cosumidos, 5 espécies de bivalves somam mais de 70%, sendo elas:

Anadara notabilis (32%) ocorreu em 77% das tocas amostradas; Laevicardium brasilianum

(15%) encontrado em 50% das tocas; Mactra fragilis (13%) ocorreu em 57% das tocas; e

Modiolus americanus (7%) encontrado em 43% das tocas (Tabela 4). Nesta área foi

observado um O. insularis de tamanho grande (G) se alimentando de um polvo de outra

espécie, Octopus burryi.

Page 37: CARACTERIZAÇÃO DO NICHO ALIMENTAR DO POLVO OCTOPUS ... · Tabela 6. Matriz dos recursos das populações de O. insularis, em gênero das espécies de presas, ... pontos amostrados

35

Tabela 4. Lista de presas de O. insularis na Restinga (APARC) encontradas em 30 tocas entre 2010 e

2011. Número de itens = 379.

Taxa Presas Número % Ocorrência

Toca %

Bivalvia Anadara notabilis 123 32,5 23 76,7

Laevicardium brasilianum 55 14,6 15 50,0

Mactra fragilis 49 13,0 17 56,7

Modiolus americanus 28 7,4 13 43,3

Trachycardium magnum 23 6,1 14 46,7

Semele sp. 18 4,8 6 20,0

Lima lima 14 3,7 4 13,3

Ventricolaria rigida 15 4,0 7 23,3

Papyridea sp. 7 1,9 4 13,3

Trigoniocardia media 3 0,8 3 10,0

Americardia media 2 0,5 2 6,7

Spondylus ictiricus 2 0,5 1 3,3

Arca imbricata 2 0,5 2 6,7

Chlamys sp. 1 0,3 1 3,3

Tivela fulminata 1 0,3 1 3,3

Gastropoda Cypraea sp. 10 2,6 4 13,3

Tonna maculosa 2 0,5 2 6,7

Astrea latispina 1 0,3 1 3,3

Calliostoma sp. 1 0,3 1 3,3

Cymatium raderi 1 0,3 1 3,3

Oliva fulgurator 1 0,3 1 3,3

Strombus pugilis 1 0,3 1 3,3

Turba canaliculatus 1 0,3 1 3,3

Voluta ebraea 1 0,3 1 3,3

Crustacea Mithrax tortugae 7 1,9 5 16,7

Mithrax sp. 6 1,6 3 10,0

Pitho sp. 1 0,3 1 3,3

Michroprys sp. 1 0,3 1 3,3

Callapa galus 1 0,3 1 3,3

Cephalopoda

Octopus burryi 1 0,3 1 3,3

Page 38: CARACTERIZAÇÃO DO NICHO ALIMENTAR DO POLVO OCTOPUS ... · Tabela 6. Matriz dos recursos das populações de O. insularis, em gênero das espécies de presas, ... pontos amostrados

36

3.4.3 Risca

Foram coletados 77 itens alimentares em 8 tocas, os Bivalvia foram os itens mais

consumidos (59% n = 45) com 11 espécies, seguido pelos Gastropoda (33% n = 25) com 5

espécies, e os Crustacea (18% n = 14) com 6 espécies. Entre os itens mais consumidos, o

gastrópode Cypraea sp. foi o primeiro (20%) e foi encontrado em metade das tocas análisadas

(50%), depois os bivalves Ventricolaria rigida (12%) ocorreu em 37% das tocas, Anadara

notabilis e Lima lima (8%) e Trachycardium magnum (6,6%) encontrado em 25% das tocas, e

o crustáceo Mithrax forceps (6,6%) encontrado em 62% das tocas amostradas (Tabela 5).

Nesta área foi observado um O. insularis de tamanho grande (G) se alimentando de um

Octopus hummelinck, o qual foi coletado.

Tabela 5. Lista de presas de O. insularis na Risca (APARC) encontradas em 8 tocas entre 2010 e 2011

(n = 77).

Taxa Presas Número % Ocorrência

Toca %

Bivalvia Ventricolaria rigida 9 11,8 3 37,5

Anadara notabilis 6 7,9 4 50

Lima lima 6 7,9 3 37,5

Trachycardium magnum 5 6,6 2 25

Mactra fragilis 3 3,9 1 12,5

Modiolus americanus 3 3,9 3 37,5

Arca imbricata 2 2,6 2 25

Laevicardium brasilianum 1 1,3 1 12,5

Papyridea sp. 1 1,3 1 12,5

Pinna cornea 1 1,3 1 12,5

Gastropoda Cypraea sp. 20 26,3 4 50

Murexiella sp. 2 2,6 1 12,5

Bullata matthewsi 1 1,3 1 12,5

Columbella mercatoria 1 1,3 1 12,5

Erosaria acicularis 1 1,3 1 12,5

Crustacea Mithrax forceps 5 6,6 5 62,5

Xhantodius denticulatus 3 3,9 3 37,5

Callapa gallus 2 2,6 2 25

Chorinus heros 2 2,6 2 25

Mithrax tortugae 1 1,3 1 12,5

Pitho sp. 1 1,3 1 12,5

Cephalopoda

Octopus hummelinck 1 1,3 1 12,5

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37

A composição da dieta dividida entre os táxons Bivalvia, Gastropoda e Crustacea, os

quais abrangem todos os itens consumidos, apresentam proporções diferentes entre as três

áreas (CC = 0,55; p < 0,05). Em Pirangi 68% dos itens consumidos são crustáceos, pequenos

decápodas, depois em proporções iguais os bivalves e gastrópodes 16%. Na Restinga, a dieta

é constituída quase que totalmente por bivalves (91%) e em menor proporção os bivalves

(5%) e os gastrópodes (4%). Na Risca, a proporção dos táxons foi mais equilibrada, porém

metade dos itens consumidos foram os bivalves (49%), seguido pelos gastrópodes (33%) e em

menor quantidade os crustáceos (18%) (Fig 10).

Fig. 10. Composição das presas encontradas nas tocas do Octopus insularis nas áreas amostradas na

costa do RN, Pirangi, Restinga e Risca (n = 492).

3.5 Dieta x tamanho de Octopus insularis

Em relação à variação do tamanho das presas entre as classes de tamanho dos polvos

foi verificado que a largura da concha de Anadara notabilis, a espécie mais consumida, variou

significativamente (ANOVA, F = 3,9; df = 3; p = 0,009) entre as classes PP (23,7 ± 4,6 mm) e

G (28,6 ± 6,3 mm) (Tukey, MS = 35,01; df = 104; p = 0,017). Contudo, a seguda presa mais

consumida, Laevicardium brasilianum, não apresentou diferenças em sua largura nas

diferentes classes de tamanho dos polvos (ANOVA, F = 2,7; df = 3; p = 0,06).

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Risca (n=76)

Restinga (n=378)

Pirangi (n=38)

Bivalvia Gastropoda Crustacea

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A composição da dieta nas classes de tamanho foram diferentes (CC = 0,29; p < 0,05).

Os bivalves foram os itens mais consumidos em todas as classes, porém, os indivíduos extra-

pequenos (PP) não consumiram gastrópodes, e os indivíduos grandes (G) foram os animais

que mais os consumiram (16%) (Fig. 11).

Fig. 11. Composição da dieta (Bivalvia, Gastropoda e Crustacea) entre as classes de tamanho dos

polvos (n = 402).

0% 20% 40% 60% 80% 100%

PP (n=92)

P (n=132)

M (n=30)

G (n=148)

Cls

asse

s d

e ta

man

ho

Bivalvia Gastropoda Crustacea

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39

4 DISCUSSÃO

Quando comparados os nicho ocupados pela população de Octopus insularis no estado

do RN com as populações das ilhas oceânicas da região Nordeste, os resultados encontrados

neste estudo mostram algumas características distintas como habitats e dietas, e outras

similares, como a densidade populacional, o padrão de distribuição agrupado, e segregação

batimétrica.

Um dos resultados mais importantes deste estudo foi a ampliação do nicho ocupado

pelo O. insularis, com a descrição de um habitat completamente diferente aos já registrados

para a espécie (Leite et al. 2009a, Bouth et al. 2011), conhecido pelos pescadores de polvo

como Restinga. Em Rio do Fogo, a área da Restinga é formada por um substrato tanto de

material não biogênico como areia, cascalho e rochas, com uma mistura de material

biogênico, principalmente esponjas e algas. Interessante ressaltar que este ambiente apresenta

uma baixa heterogeneidade, baixa rugosidade baixo número de refúgios quando comparado às

outras áreas, o que seria de se esperar uma menor abundância de polvos já que estes são

considerados requerimentos importantes para ocorrência de polvos em ambiente consolidados

(Anderson 1997, Verriopoulos & Katsanevakis 2004a).

As densidade populacional encontrados no continente, em Pirangi 0,40 ind. 100 m-2

, e

Rio do fogo 3,2 e 2,7 ind. h-1

(tempo de mergulho) foram próximos aos encontrados em

Fernando de Noronha 0,12 a 0,88 ind./100 m2, e 0 e 3,9 ind. h

-1 (Leite et al. 2009a) em

habitats semelhantes (rochosos), e no Atol das Rocas em platôs recifais (0,12 a 0,36 ind./100

m2) (Bouth et al. 2011). Estas densidades mostram que O. insularis é abundante e dominante

também nas águas costeiras do Nordeste brasileiro. Estas densidades também se assemelham

aos resultados encontrados com outras espécies e em outros ambientes, por exemplo, O.

vulgaris em ambientes arenosos na costa da Grécia, resultados entre 0 e 0,68 ind./100 m2

(Katsanevakis & Verriopoulos 2004b), e para o Enteroctopus dofleini, no Alasca, entre 0 e

0,25 ind./100 m2 (Scheel 2002). Estas diferentes densidades podem estar associadas aos

diferentes recursos e condições que os habitats apresentam, tais como disponibilidade de toca

e alimento (Katsanevakis & Verriopoulos 2004a).

O padrão de distribuição agrupado de O. insularis encontrado em nossas análises

também foi encontrado por Leite et al. (2009a) em Fernando de Noronha, e por Bouth et al.

(2011) para mesma espécie, e para outras espécies como, Octopus joubini em ambiente

arenoso (Mather 1982) e Octopus tetricus em ambiente recifal (Anderson 1997). No presente

Page 42: CARACTERIZAÇÃO DO NICHO ALIMENTAR DO POLVO OCTOPUS ... · Tabela 6. Matriz dos recursos das populações de O. insularis, em gênero das espécies de presas, ... pontos amostrados

40

estudo, a distribuição agrupada foi observada na borda de um recife, em profundidade de 0-2

m, com grande quantidade de rochas, cascalho e tocas disponíveis, sendo um atrativo para os

polvos. A heterogeneidade do habitat como borda de recifes, platôs, cascalhos em ambientes

arenosos, são fatores importantes na distribuição dos polvos bentônicos, pois fornecem

abrigos necessários aos polvos bentônicos (Anderson 1997, Forysithe & Hanlon 1997,

Katsanevakis & Verriopoulos 2004a). No presente caso, a demanda reprodutiva não foi um

fator explicativo da agregação, este fator pode ser a causa de agregação quando se observa

indivíduos grandes agrupados para cópula (Huffard et al. 2008, Leite et al. 2009a), pois em

Pirangi onde foi realizada a análise de distribuição só foram encontrados indivíduos juvenis.

Diferente do encontrado por Leite et al (2009a) em Fernando de Noronha onde os

polvos extra-pequenos (PP) tiveram uma preferência de ocupação por tocas horizontais em

leitos rochoso e recifais, os polvos encontrados na costa do RN, não apresentaram preferência

por tipos de tocas. A reduzida variedade e quantidade de tocas disponíveis, com poucos

corpos sólidos disponíveis no ambiente (eg. blocos de rochas), pode ter sido uma das razões

explicativas., uma vez os tipos de rocha Platô Recifal (PR) e Sob Rocha (SR) foram as tocas

mais ocupadas por todos os tamanhos. Os polvos pequenos parecem preferir águas rasas. Uma

segregação batimétrica de tamanhos de O. vulgaris no Mediterrâneo, foi analisada e em

diferentes estações do ano. No verão, quando a temperatura é mais elevada foram encontrados

mais indivíduos pequenos, enquanto que na estação oposta, no inverno os indivíduos maiores

foram mais abundantes Katsanevakis & Verriopoulos (2004b).

Alguns fatores abióticos como a temperatura e luminosidade podem explicar esta

segregação espacial entre os indivíduos pequenos e grandes. Desde que haja alimento

disponível, a temperatura é um dos principais fatores que afetam a taxa de crescimento dos

cefalópodes (Forsythe & Van Heukelem 1987). Animais maiores são estimulados a buscar

águas menos quentes em maior profundidade, reduzindo assim o custo energético de um

metabolismo mais aquecido, e por outro lado, animais menores buscariam áreas mais rasas a

fim de acelerar suas taxas de crescimente, tornando-se menos vulneráveis a predação

(Schmidt-Nielsen 1996). Além disto, a luminosidade no ambiente pode retardar a maturação

sexual nos cefalópodes devido a inibição ótica da glândula responsável pela maturação

gonadal (O’Dor & Wells 1978, Forsythe & Van Heukelem 1987), a luz permite que os

organismos cresçam retardando a sua maturação sexual. Desta maneira, os indivíduos grandes

encontrados nas áreas mais fundas podem crescer mais lentamente e atingir a maturidade

Page 43: CARACTERIZAÇÃO DO NICHO ALIMENTAR DO POLVO OCTOPUS ... · Tabela 6. Matriz dos recursos das populações de O. insularis, em gênero das espécies de presas, ... pontos amostrados

41

sexual mais rapidamente. Essas informações nos demonstram indiretamente, uma migração

para áreas mais profundas dos indivíduos maiores.

Outra diferença importante no nicho ocupado pelo O. insularis no continente quando

comparado as ilhas oceânicas foi a ampliação da preferência alimentar. Enquanto que as

populações de Fernando de Noronha e Atol das Rocas consumiram em sua maior parte (>

70%) 4 e 5 espécies de pequenos caranguejos (Leite et al. 2009b, Bouth et al. 2011), a dieta

na área de Rio do Fogo foi composta por 80% de moluscos bivalves, sendo em todas classes

de tamanho os principais itens alimentares consumidos na população (ver Capitulo II).

Apesar desta mudança na preferência alimentar, de crustáceos para bivalves, a predominância

de poucas espécies dominarem a dieta em geral, os tamanhos relativamente pequenos das

presas e a pouca variação do tamanho das mesmas em relação ao tamanho do polvo,

continuam a apresentar evidências de que O. insularis do continente utiliza a mesma

estratégia de é ser um predador minimizador de tempo, descrito para as ilhas oceânicas (Leite

et al. 2009b; Bouth et al. 2011). A ocorrência de espécies pouco comuns na dieta de O.

insularis como duas espécies de polvos de pequeno porte, encontrados em Rio do Fogo, e

também peixe e tartaruga (ver capítulo III) apontam também para o oportunismo deste

predador, característica esta bastante conhecido neste grupo de molusco (Hanlon &

Messenger 1996).

A ampliação da dieta descrita para O. insularis na costa do estado do Rio Grande do

Norte, ressalta a necessidade de se investigar a ecologia desta espécie, e confirma a

capacidade de adaptação destes moluscos a diversos tipos de ambientes. Este tipo de estudo é

sempre necessário, principalmente, quando se trata de uma espécie comercialmente explorada.

As características de abundância e distribuição, segregação batimétrica similares ao

encontrados nas ilhas oceânicas, aparentam ser características ecológicas gerais da espécie.

Esta informação fornece subsídios adequados para manejo e exploração de O. insularis

também para a região costeira, como por exemplo, proteger áreas rasas aumentando as

chances dos juvenis sobreviverem até atingirem a fase adulta, conforme proposto por Leite et

al. (2009a) para Fernando de Noronha.

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42

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46

CAPÍTULO II

Nicho alimentar entre populações de Octopus insularis: uma comparação

entre o continente e as ilhas oceânicas do nordeste do Brasil

RESUMO

As dietas de três populações de Octopus insularis de duas ilhas oceânicas e do continente,

foram comparadas. Foram testadas as hipóteses de isolamento geográfico das ilhas, com base

na teoria de biogeografia de ilhas, e de variação ontogenética no grau de especialização

individual. Os resultados apontaram para uma semelhança nas dietas entre as ilhas oceânicas

(70% crustáceos) a dieta da população continental (80% bivalves), consequentemente as

sobreposições dos nichos foram maiores entre as ilhas. A população continental teve maior

largura de nicho, quase o dobro das populações das ilhas. Nas duas ilhas a variação

ontogenética da dieta foi significativa entre as classes de tamanho, os indivíduos menores

foram mais especialistas do que os grandes, porém este padrão não foi observado para a

população continental, que não apresentou diferença entre os polvos pequenos e grandes. A

flexibilidade de adaptação da dieta de O. insularis em diferentes ambientes demonstra

características de predador generalista a nível populacional, ou de espécie, e sugere a

importância dos processos de aprendizagem no forrageio, ampliando o grau de generalização

alimentar em polvos grandes.

Palavras-chave: dieta, população, habitat, ontogenia, O. insularis.

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47

1 INTRODUÇÃO

Identificar os nichos alimentares de predadores é essencial para o entendimento dos

ecossistemas aquáticos. A análise alimentar de um predador tem papel chave para avaliação

do papel funcional, da estratégia alimentar, e amplitude da sua dieta (i.e. largura do nicho)

(Smith et al. 2011). Apesar de indivíduos que compõe determinada população, possuírem

características peculiares da estratégia alimentar, ou seja não são ecologicamente equivalentes

(Bolnick et al. 2003), a população também como unidade apresenta características particulares

em relação à ecologia alimentar. Algumas populações de polvos estudadas demonstram

peculiaridades na, dieta, técnicas de caça, padrões de atividade (Mather 1982, Mather &

O’Dor 1991, Anderson et al. 2008, Leite et al. 2009a e b).

A caracterização do nicho ocupado pelas populações continentais de Octopus insularis

do capítulo anterior, revelou uma composição da dieta diferente às populações de ilhas

oceânicas. No Arquipélago de Fernando de Noronha e no Atol das Rocas, a dieta de ambas as

populações foi composta em sua maior parte por crustáceos (70%) (Leite et al. 2009b, Bouth

et al. 2011), enquanto que a população continental do Rio Grande do Norte, apresentou uma

amplitude da dieta com maior diversidade, podendo ser composta principalmente por

moluscos bivalves (82%), como foi registrado nas áreas de Rio do Fogo, ou por crustáceos

(68%), registrado nas áreas rasas de Pirangi.

Esta diferença entre táxons na composição das dietas das populações insulares e

continentais pode ter como um dos fatores explicativos, a diversidade e complexidade dos

habitats ocupados pelo O. insularis, principalmente com relação ao tipo de substrato. A

característica do habitat influencia diretamente a abundância das presas potenciais dos polvos.

Os bivalves, por exemplo, são moluscos que se alimentam, principalmente, de partículas em

suspensão na coluna d’água ou nos depósitos do sedimento, desta forma, muitas espécies

habitam substratos inconsolidados (Rios 2009), ou em ambientes dinâmicos que acarrete uma

maior quantidade de material em suspensão. Já os crustáceos decápodes pertencentes às

famílias Xanthidae e Majidae, presentes em grande quantidade na dieta das populações das

ilhas oceânicas, habitam principalmente, fundos rochosos, recifes de coral, algas calcárias e

outros substratos consolidados (Melo 1996).

A influência do habitat na dieta de O. insularis pode ser observada por Bouth et al.

(2011) no Atol das Rocas, uma vez que em diferentes locais de amostragens em torno do Atol

onde a cobertura do substrato variou, houve uma variação na composição da dieta dos polvos.

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Na área, onde o platô recifal fica na borda de uma piscina com fundo arenoso, a dieta foi

composta em sua maioria por gastrópodes e bivalves, enquanto que em outra localidade

denominada Crista Algálica, um platô recifal relativamente seco com poças e algas, os restos

alimentares foram em maior parte compostos por crustáceos (Bouth et al. 2011).

Em Bermudas no Caribe, O. vulgaris, que habitavam áreas cujo substrato era

composto por manchas de areia, cascalho e rochas, a dieta destes polvos também foi composta

principalmente por moluscos bivalves (Mather 1991). Já na África do Sul, na Baía False, a

mesma espécie de polvo consumiu predominantemente crustáceos, em áreas com bancos de

Kelps, e cascalho (Smith 2003). Outro estudo realizado com o polvo do Pacífico,

Enteroctopus dofleini, investigou sua dieta no Alasca, e registrou diferenças significativas

entre os recursos consumidos e profundidade da toca, habitat e localização geográfica

(Vincent et al. 1998). Estes exemplos nos mostram a influência ambiental (substrato), sobre a

dieta de polvos, em nível populacional.

Além do habitat, outros fatores ambientais tais como, a localização e o isolamento

geográfico das ilhas oceânicas, podem atuar no efeito da largura e sobreposição de nichos

alimentares das populações de polvos que as habitam. A teoria de biogeografia de ilhas

proposta por MacArthur & Wilson (1967), está baseada em três observações, dentre elas: as

comunidades insulares são mais pobres em espécies do que as comunidades continentais

equivalentes; a riqueza aumentaria com o tamanho da ilha; e esta riqueza diminuiria com o

aumento do isolamento da ilha; isto numa premissa de que as ilhas funcionam como um

sistema fechado. Com base nesta teoria, levantamos a hipótese de que a área limitada das

ilhas, a redução da heterogeneidade do habitat, e a intensificação da competição

intraespecífica, levariam as populações insulares de O. insularis a possuir nichos alimentares

mais restritos do que as populações continentais, e com isso espera-se uma maior

sobreposição dos nichos alimentares entre as populações das ilhas do que entre as populações

das ilha e do continente.

Outro fator a ser considerado neste estudo foi a exploração e captura de presas pelas

diferentes classes de tamanho dentro de cada população. Levando em consideração que os

animais menores exploram um ambiente mais restrito nas águas mais rasas, e que durante sua

ontogenia, cada indivíduo é influenciado por suas experiências, tais como memorizar tipos de

presas e sua manipulação, áreas de forrageio (Mather 1991), e padrões de atividades flexíveis

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49

modulados para evitar encontros com predadores (Mather 1984), espera-se que as classe de

tamanho maior tendam a ser mais generalistas em todas as populações analisadas.

1.1OBJETIVOS

1.1.1Objetivo Geral

Comparar os nichos alimentares das populações de ilhas oceânicas de Fernando de

Noronha e Atol das Rocas, e da população do continental de Rio do Fogo, observando os

efeitos do isolamento geográfico, variações de habitat e de ontogenia. E testar a correlação

entre variações e amplitude dos nichos alimentares.

1.1.2 Objetivos Específicos

Comparar a composição das dietas entre as populações;

Quantificar a amplitude e sobreposição dos nichos alimentares das populações;

Analisar variações na dieta através dos graus de especialização entre as classes de

tamanho dos indivíduos em cada população;

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50

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Background das Populações de O. insularis nas ilhas oceâncias

O nicho alimentar de três populações de O. insularis serão comparados neste capítulo,

dentre elas duas de ilhas oceânicas: Arquipélago de Fernando de Noronha, (Leite et al. 2009a

e b), e Atol das Rocas, (Bouth et al. 2011), e a população continental da costa do Rio Grande

do Norte, descrita no capítulo anterior. A população continental de Pirangi não foi incluída

nas análises devido ao baixo número de polvos encontrados, e consequentemente de restos

alimentares analisados.

O Arquipélago de Fernando de Noronha localiza-se a 350 km da costa Nordeste do

Brasil, abrange 21 ilhas e ocupa uma área aproximada de 26 km² (Fig. 9). Os polvos neste

local foram encontrados principalmente em substrato consolidado, como rocha, recifes, e

platôs. Apresentaram distribuição espacial agregada e densidades que variaram de 0,12 a 0,88

ind./100 m2. Com relação à dieta da população de O. insularis nesta área, os crustáceos foram

os itens mais abundantes somando 70%, os bivalves 17,5% e os gastrópodes 12,5% (Leite et

al. 2009a e b).

O Atol das Rocas é uma reserva biológica distante 267 km de Natal/RN, e 148 km de

Fernando de Noronha, possui uma forma elíptica quase oval, com uma área interna de quase

5,5 km² (Véras & Tolotti 2011) (Fig. 12). Os habitats em que foram encontrados os polvos

são principalmente platôs recifais, 69% dos polvos encontrados ocorreram neste ambiente,

enfatizando a importância de substratos consolidados nestas áreas para ocorrência de O.

insularis, as densidades no Atol variaram entre 0,07 e 0,30 ind./100 m2. A composição da

dieta dos polvos do Atol das Rocas incluiu 70,5% de crustáceos, 22,4% de gastrópodes e

6,4% de bivalves (Bouth et al. 2011).

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51

Fig. 12. Localização das ilhas oceânicas, AFN – Arquipélago de Fernando de Noronha, e Atol

das Rocas. Fonte: Modificado de Bouth et al. (2011).

2.2 Composição das dietas, largura e sobreposição dos nichos

Para analisar e comparar as dietas de cada população apenas os indivíduos que

apresentaram o número de presas maior ou igual a quatro itens foram selecionados, e as

espécies dos itens alimentares foram agrupadas por gênero.

Para quantificar a largura do nicho de cada população foi gerado o índice TNWs

(Total Niche Width). Esta medida baseia-se no índice de diversidade Shannon-Weaver, e foi

proposto por Roughgarden (1979), seu calculo foi realizado pelo programa IndSpec 1.0

(Bolnick et al. 2002). Quando todos os indivíduos da população consumirem uma única

categoria de presa, então este índice será igual a zero (0), e seu valor irá aumentar conforme, o

número e equitabilidade dos recursos também aumentar. Porém, este índice é sensível a

indivíduos que consomem uma única categoria de presa, pois estes tem um índice de

diversidade igual a zero, alterando a largura do nicho da população, por isso, indivíduos

monofágicos foram removidos para o cálculo deste índice.

Para quantificar a sobreposição dos nichos entre as populações, utilizou-se o índice

pareado de Pianka (1973), calculado a partir da matriz de recursos das populações em

conjunto. Este índice, varia entre 0 e 1, zero quando não há nenhuma sobreposição, quando os

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recursos consumidos por uma população são totalmente diferentes da outra, e o valor máximo

(1) quando as populações consomem os recursos de modo idêntico. Também foi realizada o

teste de modo nulo para testar se os padrões de sobreposição observados são diferentes do que

seria esperado ao acaso, para isto foram gerados 1000 réplicas de matrizes aleatórias de

Monte Carlo, comparadas com a matriz original, através do programa estatístico EcoSim 7

(Gotelli & Entsminger 2001).

2.3 Variação da dieta na ontogênia de O. insularis

A fim de verificar variações da dieta na ontogênia de O. insularis, os indivíduos das

populações em estudo foram divididas em três classes de tamanho: Pequenos (P), Médios (M)

e Grandes (G) baseado na estimativa do comprimento do manto (CM), até 80 mm P, 80-100

mm M, e > 100 mm G,

Para esta análise Foi utilizado o índice de proporção de similaridade (PSi), proposto

por Schoener (1968) no qual mede o grau de especialização de um indivíduo a partir da

similaridades das proporções da dieta de um indivíduo i e a dieta da população (Bolnick et al.

2002) calculado como:

Onde,

pij = é a frequência da presa j na dieta do indivíduo i;

qj = é a frequência da presa j em toda distribuição da dieta da população.

Os indivíduos que consomem os recursos em proporção direta a da população têm PSi

igual a um (1), ou seja, são generalistas, e quanto mais próximo de zero (0), maior o grau de

especialização. Foram então calculadas as médias dos PSi para cada classe de tamanho dos

indivíduos e então foram comparadas estatisticamente dentro de cada população através dos

testes ANOVA one-way e o teste a posteriori Tuckey HSD utilizando o programa Statistica

8.0.

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53

3 RESULTADOS

3.1 Composição das dietas, largura e sobreposição dos nichos

As três populações consumiram juntas 48 gêneros de presas, incluídas nos táxons

Crustacea, Bivalvia e Gastropoda. Nas duas ilhas os recursos mais consumidos foram os

Crustacea, enquanto que no continente foi o Bivalvia (Tabela 5). A população do continente

apresentou uma composição da dieta mais diversa (TNWs = 2,42) com 32 gêneros de presas.

As ilhas apresentaram larguras dos nichos similares e menos diversa que do continente, Atol

das Rocas (TNWs = 1,78) e Fernando de Noronha (TNWs = 1,72). Entretanto, a dieta do Atol

das Rocas foi a menos rica composta por 15 gêneros de presa, metade de Fernando de

Noronha (30).

Tabela 6. Matriz dos recursos das populações de O. insularis, em gênero das espécies de presas,

nas ilhas: Atol das Rocas e Fernando de Noronha; e do continente: município de Rio do

Fogo/RN. Expressa em porcentagem do número de presas (n) em cada população.

Atol das Rocas

(n = 303)

Fernando de

Noronha

(n = 308)

Rio do Fogo

(n = 395)

Crustacea Porcentagem dos itens alimentares

1 Xanthodius 36,6 4,9 0,5

2 Microphrys 26,5 4,9 0,2

3 Mithrax 10,1 26,6 4,2

4 Pitho - 33,1 0,2

5 Calappa 0,3 2,3 0,2

6 Cronius - 0,3 0,2

7 Teleophrys 2,3 - -

Bivalvia

8 Arca - - 0,7

9 Americardia - - 1,2

10 Anadara - - 29,9

11 Brachidontes 1,3 - -

12 Chione 4,0 7,8 -

13 Codakia 0,3 1,0 -

14 Chlamys - 2,3 0,2

15 Lima - 5,5 4,2

16 Modiolus - 0,6 5,2

17 Trachycardium - 0,6 5,5

18 Laevicardium - - 13,7

19 Mactra - - 11,2

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54

Tabela 6. Continuação.

20 Papyridea - - 2,7

21 Semele - - 4,5

22 Spondylus - - 0,5

23 Trigoniocardia - - 0,5

24 Ventricolaria - - 5,5

25 Pinna - - 0,2

26 Corbula - 0,3 -

27 Tivela - - 0,2

Gastropoda

28 Collisella 7,4 - -

29 Hipponix 8,7 - -

30 Fissurella 1,0 - -

31 Nassarius 0,3 - -

32 Sp1 1,0 - -

33 Columbella - 0,3 -

34 Cypraea - 2,3 6,0

35 Nerita - 0,6 -

36 Natica - 0,3 -

37 Nodilittorina - 0,3 -

38 Olivella - 0,6 -

39 Pisania - 4,2 -

40 Tonna - 0,3 -

41 Persicula - 0,3 -

42 Astraea - - 0,2

43 Bullata - - 0,2

44 Cymantium - - 0,2

45 Murexiella - - 0,5

46 Oliva - - 0,2

47 Turba - - 0,2

48 Voluta - - 0,2

As dietas das populações das ilhas foram mais similares, principalmente com relação à

maior proporção de crustáceos, sendo 76% no Atol das Rocas e 72% em Fernando de

Noronha. Os táxons secundários Bivalvia e Gastropoda tiveram proporção de consumo

invertidas, enquanto que no Atol das Rocas o segundo grupo mais consumido foram os

gastrópodes (18,5%), em Fernando de Noronha foram os bivalves (18,2%). Apesar da

semelhança de proporção dos grupos taxonômicos entre as ilhas, o gênero das espécies

consumidas foram diferentes. A população continental de Rio do Fogo apresentou uma

composição da dieta diferente das populações das ilhas, os bivalves foram os itens mais

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consumidos (86%), e em menores proporções os gastródodas (8%), crustáceos (6,5%) (Fig.

13).

Fig. 13. Composição da dieta das três populações de O. insularis expressas em proporção do número

de presas. Categoria dos recursos: 1-7 Crustacea; 7-28 Bivalvia e 29-48 Gastropoda.

0,0

0,1

0,2

0,3

0,4

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47

0,0

0,1

0,2

0,3

0,4

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47

0,0

0,1

0,2

0,3

0,4

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47

Pro

porç

ão

do

s it

ens

de

pre

sas

Categoria das presas

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Os índices de sobreposição do nicho alimentar são baixos, com uma maior

sobreposição entre as ilhas, do que entre as ilhas e o continente. A sobreposição entre Atol das

Rocas e Fernando de Noronha (0,29) foi mais do que o dobro existente entre Fernando de

Noronha e Rio do Fogo (0,09) e quase 10x maior do que o Atol das Rocas e Rio do Fogo

(0,02). Porém, devido aos baixos valores de sobreposição observados, as 1000 interações de

simulações do modelo nulo apontam que as sobreposições observadas não são diferentes do

que esperado ao acaso, sendo a média dos índices de sobreposição observado 0,13 e a média

das simulações 0,19 (p > 0,05; p = 0,11).

3.2 Variações na dieta durante ontogenia de Octopus insularis

Na população de Fernando de Noronha os indivíduos das classes de tamanho P, M e

G, não demonstraram diferenças significativas entre os índices de especialização (PSi)

(ANOVA; F = 1,85; gl = 2; e p = 0,17). Porém, os indivíduos Pequenos (0,36) apresentaram

uma tendência de maior especialização do que os indivíduos Médios (0,55) e Grandes (0,49),

sendo a média dos PSi da população 0,47 (Fig. 14).

Na população de Atol das Rocas, foi verificada uma diferença significativa com

relação aos graus de especialização (PSi) entre as classes de tamanho P (0,36) e M (0,56)

(ANOVA; F = 5,19; gl = 2; e p = 0,01) (Tukey, MS = 0,02; gl = 28; p = 0,01), os indivíduos

G tiveram média igual a 0,50, próxima aos da classe M.. A média dos índices da população o

Atol das Rocas é 0,44 (Fig. 14).

Para a população continental, os indivíduos da classe M não foram incluídos na

análise devido à baixa quantidade de polvos pertencentes a esta classe de tamanho. Entre os

indivíduos pequenos (0,50) e grandes (0,40) não houve diferenças significativas entre os

índices de especialização (PSi) (ANOVA; F = 2,46; gl = 1; e p = 0,12) (Fig. 14).

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Fig. 14. Médias dos PSi em cada classe de tamanho da população de Fernando de Noronha (P = 10,

M = 8 e G = 11), Atol das Rocas (P = 17, M = 10 e G = 5), e Rio do Fogo (P = 15 e G = 10). As

barras representam desvio-padrão.

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

Noronha Atol das Rocas Rio do Fogo

PSi

P

M

G

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58

4 DISCUSSÃO

As comparações entre as dietas das populações de O. insularis realizadas neste

capítulo, demonstram flexibilidade da espécie a adaptação à diversos tipos de ambientes.

Apesar da mudança de composição da dieta, de crustáceos para bivalves, observado para

população continental, O. insularis é especialista em presas de pequeno porte, não variando o

tamanho das presas ao longo de seu desenvolvimento ontogenético. Foi observando porém

mudanças no grau de especialização, nas ilhas os indivíduos pequenos foram mais

especialistas que os grandes, e no continente não foi observado diferenças entre os tamanhos.

As predições da biogeografia de ilhas foram confirmadas no presente trabalho. Alguns

trabalhos têm confirmado os padrões preditos pela teoria de espécie-área e de relação de

distância (Gaston & Blackburn 2000, Drakare et al. 2006). Ricklefs & Lovette (1999),

analisaram a relação entre riqueza de espécies, área de ilhas, e diversidade de habitats, com

pássaros, morcegos, borboletas répteis e anfíbios em 19 ilhas, e para todos os grupos a riqueza

de espécies esteve positivamente correlacionada com o tamanho da ilha e diversidade de

habitats.

Grupos de animais aquáticos também têm corroborado as predições da teoria. Um

trabalho recente demonstrou resultados semelhantes, a riqueza de espécies de peixes em lagos

aumentou quanto mais próximos estavam do rio principal (área fonte), corroborando uma das

premissas da teoria, porém o mesmo não ocorreu com o aumento do tamanho dos lagos

(Uchida & Inoue 2010). Alguns ambientes aquáticos têm sido considerados como ilhas, como

lagos (Eadie et al. 1986), pequenos rios (Taylor 1997) e leitos rochosos (Heino & Korsu

2008), e os efeitos da isolamento e tamanho do fragmento tem sido demonstrado. Os

resultados deste trabalho também sugerem que a riqueza das presas (ie. Largura do nicho)

encontradas para as populações de O. insularis nas ilhas oceânicas é influenciada pela

distância do continente (área fonte) e pela diversidade de habitats.

A composição das dietas entre as ilhas são mais semelhantes do que a população

continental, além da proximidade entre as ilhas ser maior, isto pode ser observando pela maior

sobreposição de nicho entre as ilhas do que entre as ilhas e o continente, assim a influência do

habitat parece ser o fator chave na determinação da dieta de O. insularis. Anderson (1997)

analisou a dieta de O. tetricus que habitava recifes de coral, e encontrou grande quantidade de

bivales em seus restos alimentares, sugerindo que estes animais utilizavam áreas adjacentes

aos recifes para caçar, em manchas de areia.

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A preferência alimentar de O. insularis por crustáceos observando nas ilhas (Leite et

al. 2009b, Bouth et al. 2011), não foi confirmada pela população continental. Estes resultados

sugerem que não há uma preferência alimentar de O. insularis, mas sim uma adaptação de

caça aos recursos disponíveis no habitat. Esta adaptação de mudança de comportamento de

forrageio com a mudança do habitat foi observado para O. insularis (Leite et al. 2009b), e

para O. cyanea (Forysithe & Hanlon 1997) e O. vulgaris (Mather 1991).

Os mecanismos que regulam possíveis preferências alimentares vêm sendo

investigados, Octopus cyanea, parece ter clara preferência restrita por caranguejos no Havaí

(J. Mather, em preparação), diferentemente de outras como O. vulgaris (Mather 1991, Smith

2003, Anderson et al. 2008), O. bimaculatus (Ambrose 1984). Restos alimentares da espécie

de polvo do Pacífico, E. dofleini, no Alasca, foram analisados e somaram aproximadamente

70% de crustáceos (Vincent et al. 1998), esta dieta foi bastante diferente da encontrada para

mesma espécie em outra região, na Ilha Vancouver, Canadá, onde 45% dos itens alimentares

encontrados eram bivalves e apenas 27% crustáceos (Hartwick et al. 1981). Vincent et al.

(1998) encontraram diferenças na composição da dieta dependentes da profundidade da toca,

da presença de substratos moles e cascalho próximos das tocas, e da localização geográfica.

Estas são outras evidências da influência do habitat na alimentação dos polvos, refletindo na

disponibilidade local de alimentos.

O método indireto de informações da dieta dos polvos através da coleta dos restos

alimentares descartados em frente suas tocas, é um método bastante utilizado (Altman 1967,

Bouth et al. 2011), porém é limitado e pode subestimar a seletividade das presas consumidas

pelo animal, a ação física das ondas, correntes, e o soterramento podem removê-las de frente

das tocas, além disto cerca de 30% das presas são consumidas e descartadas durante o

forrageio (Mather 1991). Isto também pode explicar a grande quantidade de conchas de

bivalves encontradas nas tocas de O. insularis no continente, Rio do Fogo. As tocas nesta área

estavam em profundidades maiores do que 5 m, e as intensidades das correntes durantes as

coletas dos restos foram notadas pelos mergulhadores. Leite et al. (2009b) demonstrou que o

número de presas coletados por toca diminui com o aumento da profundidade, e a partir dos

20 m não foram encontrados mais restos de presas. Este processo de remoção dos restos

alimentares pode explicar a baixa quantidade de carapaças de crustáceos presentes nas tocas

em Rio do Fogo, essas carapaças são mais leves do que as conchas dos bivalves, e podem ter

sido removidas dos restos alimentares.

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60

Fatores relacionados às características dos indivíduos, tais como a ontogenia também

pode influenciar e contribuir na composição da dieta da população, historicamente as

variações do nicho tem sido atribuídas as variação ontogenéticas ou ao dimorfismo sexual

(Schoener 1986). No presente estudo, os indivíduos pequenos (P) nas duas ilhas estudadas

apresentaram índices PSi menores do que os indivíduos maiores, estes resultados uma

tendência de maior especialização para polvos juvenis e uma generalização para animais

maiores, corroborando nossa hipótese. A população continental não seguiu o mesmo padrão,

em Rio do Fogo, tanto os polvos pequenos quantos os grandes habitavam regiões mais

profundas (> 5 m) em ambientes mais homogêneos, estas características ambientais diferem

das populações das ilhas onde os polvos pequenos foram encontrados em águas rasas (< 5 m).

Vincent et al. (1998) demonstrou o efeito da profundidade na dieta de E. dofleini eles

encontraram uma grande quantidade de caranguejos tocas me áreas mais rasas, e mais

bivalves em tocas profundas, além de ter maior proporção de substrato mole.

Os cefalópodes possuem sofisticados órgãos para resolver problemas que eles possam

ser confrontados nos ambientes naturais e não há sobreposição de gerações, eles dependem de

suas habilidades cognitivas através de suas experiências para, por exemplo, caçar, fugir de

predadores, encontrar e modificar tocas (Mather 1991a e b, Mather 1994, Alves et al. 2007).

Assim, os polvos grandes, possuem maior experiência e consequentemente maiores

habilidades e técnicas de caça, possibilitando aumentar seu nicho alimentar explorando novos

recursos, tornando-se assim mais generalistas do que os pequenos, ainda desenvolvimento

suas técnicas de caça. Mather & O’Dor (1991), estudaram as estratégias de forrageio de

juvenis O. vulgaris e indicaram que suas táticas de caça são influenciadas pela processo de

aprendizagem, evitando risco de exposição a predadores, e que os juvenis caçaram em áreas

pequenas, raio de 15 m ao redor da toca, gastando apenas 12% do tempo do dia forrageando.

Forsythe & Hanlon (1997) observaram o comportamento de polvos adultos, O. cyanea, estes

percorreram áreas maiores (81 a 129 m) durante o forrageio, em mais de cinco tipos de

substrato, e gastaram 28% forrageando. Estes estudos sugerem que a maior capacidade dos

polvos grandes de exploram maiores áreas, em diferentes substratos, e gastarem maior tempo

forrageando, sugerem algumas das causas explicativas para o maior grau de generalização

alimentar para os indivíduos adultos.

Em peixes ósseos e elasmobrânquios, a segregação por habitat, como área de berçários

para juvenis, tem influência direta sobre a alimentação, estas áreas são normalmente

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protegidas e têm maior abundância de recursos alimentares (eg. manguezais, baías, estuários)

(Brasntetter 1990, Castro 1993, Ebert 2002). Mudanças ontogenéticas na dieta de algumas

espécies de tubarões indicam que indivíduos jovens têm uma dieta associada a áreas restritas,

como berçários, e a mudança na dieta acompanha a saída destes animais para áreas mais

profundas a medida que eles crescem de tamanho (Wetherbee et al. 1990, Lowe et al. 1996).

Outros trabalhos com elasmobrânquios indicam que a variação ontogenética na alimentação,

pode estar relacionada à capacidade dos indivíduos maiores em ter acesso a presas mais

difíceis ou inacessíveis aos indivíduos menores (Smith & Merriner 1985, Ebert 2002). De

maneira semelhante a variação ontogenética (grau de especialização) da dieta encontrada para

O. insularis pode ter causas semelhantes a essas encontradas para peixes.

Os resultados do presente capítulo sugerem que O. insularis seja um predador

generalista em nível populacional, flexível a variação da dieta entre as populações a diversos

ambientes, dependendo da disponibilidade de presas no ambiente. A variação ontogenética,

medida pelo grau de especialização individual, tendo como causas as áreas de caça reduzidas

para os indivíduos menores, além de menor capacidade de exploração e quantidade de

experiências. Reforçando a importância de áreas rasa para o desenvolvimento dos juvenis, e

novos estudos sobre a ecologia alimentar de O. insularis.

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65

CAPÍTULO III

Relações entre características individuais de Octopus insularis e sua dieta

RESUMO

Avaliações de características individuais, como personalidade tímido/arrojado, distância entre

tocas (territorialismo), e tamanho do animal em uma população Octopus insularis no Atol das

Rocas foram realizadas. Foram registradas reações comportamentais dos indivíduos nas tocas

a três testes (estímulos), posteriormente, as personalidades foram avaliadas através do método

de escalas. O grau de especialização individual foi analisado através de dois índices, PSi e

porcentagem da presa mais consumida (>75%). A população apresentou uma dieta similar

entre os indivíduos, todos consumiram mais o crustáceo Xhantodius denticulatus. Os índices

PSi não indicaram nenhum especialista, porém pelo método de porcentagem da presa mais

consumida alguns indivíduos especialistas emergiram. Não foram encontradas associações

entre a proximidade das tocas e o grau de especialização, também não foram encontradas

entre as personalidades e o grau de especialização. Os resultados sugerem os processos de

aprendizagem e a disponibilidade ambiental sejam os principais determinantes no grau de

especialização encontrado para alguns polvos, em detrimento a personalidade e a

territorialidade.

Palavras-chave: personalidade, especialização, territorialismo, O. insularis.

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1 INTRODUÇÃO

Ecólogos ainda hoje tratam a indivíduos coespecíficos como ecológicamente

equivalentes, por exemplo, os modelos de competição intraespecífica, dinâmica presa-

predador, assumem os coespecíficos como indivíduos idênticos. Porém, já há algumas

décadas desde a publicação da hipótese de variação do nicho de Van Valen (1965), a variação

entre-indivíduos no uso dos recursos vem sendo investigada. Entre alguns fatores que

contribuem para variação do nicho intrapopulacional está a especialização individual, além de

fatores biológicos como diferenças de sexo e idade. Diferenças biológicas entre machos e

fêmeas podem alterar os comportamentos de seleção sexual e prole (Magurran & Garcia

2000), ou necessidades nutricionais (Belovsky 1978).

A especialização individual designa o grau de restrinção da dieta de cada indivíduo em

relação ao da população, levando em consideração os efeitos do sexo, classes de idade, e

morfologia (Bolnick et al. 2003). Bolnick et al. (2003) realizaram um revisão na literatura

sobre a especialização individual sobre os recursos, e listaram exemplos com 93 espécies de

animais, entre táxons variados de invertebrados e vertebrados. Embora, a especialização

individual tenha importantes implicações nos processos ecológicos e evolutivos, incluindo

polimorfismo e especiação (Araujo et al. 2009), pouco se sabe sobre os mecanismos que

governam a variação na dieta individual. A questão em particular é: quais os fatores que

direcionam indivíduos coespecíficos faceados pelo mesmo cenário de recursos selecionarem

diferentes dietas?

Para entender a especialização individual, faz-se necessário primeiro entender por que

um indivíduo usa parte dos recursos disponíveis no ambiente, e este problema é muitas vezes

endereçado à teoria de forrageio ótimo (Stevens & Krebs 1986), que de uma maneira mais

ampla, é útil para entender como as decisões são feitas por um indivíduo na escolha dos

recursos. A avaliação clássica do forrageamento ótimo, leva em conta, basicamente, apenas o

custo benefício entre os gastos para encontrar a presa e o ganho no seu consumo (Stevens &

Krebs 1986). Espera-se que um indivíduo escolha os recursos entre uma gama de presas

disponíveis, a fim de maximizar alguns benefícios como consumo energético, e sucesso

reprodutivo. Estes benefícios dependem do balanço de alguns fatores, como: valor energético

do recurso, o valor gasto para encontrá-lo e capturá-lo, taxa de encontro e fuga do recurso,

tempo de manuseio, e riscos como a predação (Stevens & Krebs 1986; Bolnick et al. 2003).

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67

Porém, este modelo serve como um guia para entender como são tomadas as decições

estratégicas de um indivíduo para escolher de determinados recursos, mas o que leva cada

indivíduo a especialização ainda deve ser investigado.

Uma recente revisão sobre a importância ecológica das variações intraespecíficas

demonstrou que populações naturais são constituídas por indivíduos que diferem em muitas

características, como por exemplo, em gênero, sexo ou tamanho e também mais sutilmente

em traços fenotípicos como, forma, comportamento e psicológico (ver Bolnick et al. 2011).

Sendo assim, o nicho é uma propriedade do indivíduo, e não de uma população ou espécie,

modelado em variações individuais hereditárias (evolutivas), e atuais (cognitivas) como nas

características de forrageio (Svanbäck & Bolnick 2008). Este trabalho investigará algumas

características individuais dos polvos, um predador generalista, em busa de respostas às

causas da especialização alimentar destes animais.

Nos ambientes marinhos os polvos são conhecidos como forrageadores generalistas

em águas rasas, consumindo uma ampla variedade de recursos alimentares, principalmente,

crustáceos e moluscos, após o consumo destas presas eles discartam suas partes duras

(carapaças e conchas) em frente suas tocas, onde se abrigam (Ambrose 1984, Mather 1991a,

Leite et al. 2009b, Bouth et al. 2011). Através de análises destes restos alimentares estudos

sobre a dieta destes animais foram realizados. Entre estes estudos, os mais recentes têm

demonstrado a especilização alimentar dos polvos, Anderson et al. (2008) demonstraram uma

evidente especialização alimentar de alguns que indivíduos de uma população de polvos

(Octopus vulgaris) no Caribe, que consumiu um rica variedade de presas, em tocas de alguns

animais foram encontrados conchas apenas de uma única espécie. Outro estudo recente,

comparou 05 populações de 03 espécies de polvos de diferentes locais, e constatou que entre

as populações há indivíduos especialistas, e entre populações da mesma espécie em diferentes

locais há diferença no grau de especialização e na quantidade de especialistas (Mather et al.

2012).

Estas diferenças individuais no consumo das presas têm sido endereçadas a fatores

biológicos, como sexo, idade e morfologia do indivíduo (Svanbäck & Bolnick 2008). Os

polvos são bons animais para o estudo de especialização alimentar, excluindo variações entre

estas categorias biológicas. Nos polvos há pouca variação entre sexos e maturidade na escolha

da presa (Leite et al. 2009), pois eles passam a maior parte de suas vidas como animais não

reprodutivos, com uma estratégia semélpara (Hanlon & Messenger 1996). Além disso, os

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animais estudos no presente estudo habitavam um ambiente muito homogêneo e com

tamanhos muito similares, o que exclui ainda mais a variabilidade biológica e ambiental como

fatores que podem influenciar a especialização alimentar.

Apesar de os polvos não serem animais sociais, principalmente, na sua não reprodutiva

fase do ciclo de vida, e não defenderem territórios (Mather 1982), sendo sua distribuição

influênciada principalmente, pela presença de tocas no ambiente (Anderson 1997, Leite et al.

2009a). A proximidade entre as tocas pode favorecer econtros agonísticos e assim, indivíduos

com tocas próximas podem forragear em áreas dinstintas a fim de evitar estes encontros

competitivos, apesar deles partilharem a mesma área (Mather 1984). Assim, a proximidade

das tocas pode influenciar na dieta individual dos polvos, ou não?

Por outro lado, além destes fatores, habilidades individuais dos polvos também podem

influenciar a escolha das presas? Diferenças nas habilidades cognitivas que são importantes

para estratégia de forrageio desses animais, além das diferenças nas personalidades, podem

ser fatores que estão atuando na seleção de susas presas (Mather et al. 2012). Os polvos são

conhecidos por terem um sistema nervoso bem desenvolvido (Young 1971), são capazes de

aprenderem e resolverem problemas (Hochner et al. 2006), possuem personalidades diferentes

(Mather & Anderson 1993), além de uma consciência primária (Mather 2008).

As personalidades de diversas espécies de animais já foram avaliadas. Gosling & John

(1999), revisaram 19 destes trabalhos com 12 espécies diferentes, e integraram as informações

destes estudos em termos de métodos e escalas de avaliação. Animais da mesma espécie, com

diferenças da personalidade e sexos diferentes, podem estar relacionados com a ocupação de

nichos diferentes, como por exemplo, as fêmeas cuidam da prole enquanto que os machos são

mais agressivos, e gastam mais tempo com a caça (Gosling 1998). Embora, as personalidades

de diversos táxons tenham sido estudadas anteriormente, principalmente em mamíferos,

poucas informações existem referentes aos invertebrados apesar da complexidade do grupo

(Gosling & John 1999).

Dentre estudos da personalidade, o eixo tímido-arrojado do comportamento tem

recebido especial atenção, especialmente de pesquisas ecológicas. Variações individuais neste

eixo podem ter consequências e implicações ecológicas importantes para o animal, por

exemplo, animais arrojados, corajosos, podem ter maior sucesso durante fases de seu ciclo de

vida, como acasalamento, competição, alimentação, resposta a predadores (Toms et al. 2010).

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É esperado e aceito por pesquisadores da personalidade animal, que indivíduos tímidos irão

responder a situações ou objetos não familiares, fugindo, retraindo, tornando-se precavido,

quieto ou inativo, e por outro lado, animais arrojados, apresentarão comportamentos opostos,

movendo-se, tornando-se ativos, explorando, ivestigando (Wilson et al. 1993). Desta maneria,

a “novidade” é a chave para a investigação da agressividade ou timidez.

Uma vez que a principal ocupação do polvo durante a fase não reprodutiva é a procura

por alimento, o presente estudo teve como objetivo avaliar as diferenças individuais do nicho

alimentar de uma população de polvos (Octopus insularis) encontrados em um mesmo

habitat, levando em consideração diferenças na personalidade (tímido-arroajdo),

territorialismo, buscando assim avançar no conhecimento sobre, personalidade e ecologia

destes invertebrados complexos.

1.1 Objetivos

1.1.1Objetivo Geral

Analisar as influências das diferenças individuais, tais como, personalidade no

contínuo tímido/arrojado, territorialismo no grau de especialização individual em uma

população de Octopus insularis no Atol das Rocas.

1.1.2 Objetivos Específicos

Analisar a composição da dieta da população de Octopus insularis;

Quantificar o grau de especialização alimentar dos animais;

Registrar as reações comportamentais dos polvos nas tocas em testes de

estímulos;

Ranquear os escores de 1 a 5 no contínuo da personalidade, tímido/arrojado,

para cada polvo;

Testar a influência da personalidade no grau de especialização individual;

Verificar a associação entre distância das tocas e a especialização alimentar.

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70

2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Área de estudo

O presente estudo foi realizado na Reserva Biológica Atol das Rocas, localizada a 114

milhas náuticas de Natal, Rio Grande do Norte, coordenadas 03°51’S e 33°49’W (Fig. 15). O

Atol tem formato oval, com área interna 7,5 km2. Seu eixo maior (E-W) tem 3,7 km de

extensão e o menor (N-S) tem 2,5 km. Internamente, o atol é composto de duas ilhas, uma

grande planície arenosa que fica exposta durante a maré baixa, várias piscinas de diferentes

tamanhos e formas, uma laguna permanente no lado Norte-Nordeste, o platô recifal e a crista

circundando o anel do recife. Em volta do Atol, há uma grande extensão de fundo calcário e

arenoso com densa ocupação de macroalgas foliáceas desde 5 até 16m de profundidade

(Villaça & Jensen 2006). A formação de piscinas durante as marés baixas facilitam o trabalho

de observação e localização dos polvos, tornando o local atrativo para a realização deste

trabalho.

Fig. 15. Localização da Rebio Atol das Rocas. Fonte: Modificado de Véras & Tolotti (2011).

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71

O estudo foi realizado no platô recifal denominado, Farol, em frente à casa antiga e ao

lado do canal de acesso ao Atol, Barretinha. A cobertura do substrato é homogênea, formado

por alga calcária, e areia nas poças de maré que se formam durante a baixa-mar, e poucas

algas soltas que chegam com o fluxo da preamar (Fig. 16). Esta área foi escolhida para a

realização do estudo porque foram encontrados muitas O. insularis juvenis nas tocas, a área é

de fácil acesso, e não há variabilidade no substrato.

Fig. 16. Platô recifal do Farol, ao lado do canal de acesso “Barretinha”, onde foram localizadas as

tocas de O. insularis no Atol das Rocas.

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72

2.2 Os polvos

Os animais em estudo pertencem à espécie Octopus insularis, são os polvos

dominantes das águas rasas das ilhas oceânicas da região nordeste do Brasil, O. insularis é

encontrada ao redor do Atol das Rocas nos platôs recifais e nas piscinas de maré (Leite et al.

2008a, Bouth et al. 2011). Os polvos avaliados neste estudo foram localizados em suas tocas

em um platô recifal durante caminhadas nos períodos de marés baixas. As tocas foram

marcadas com boias para identificação e localização, os animais testados não foram

manipulados nem marcados, uma vez que se optou por marcar as tocas invés do animal, a fim

de evitar alterações em seu comportamento. Após a marcação das tocas, os seguintes dados

foram registrados em uma prancheta de PVC utilizada para anotações subaquáticas: Distância

entre a toca vizinha mais próxima; classes de tamanho do animal com estimativa do

comprimento do manto (CM) em: Extra-Pequeno (PP: < 50 mm), Pequeno (P: 50-80 mm),

Médio (M: 80-110 mm) e Grande (G: >110 mm); temperatura d’água; e em seguida os

comportamentos observados nos testes comportamentais.

2.4 Testes comportamentais

Após a localização e marcação das tocas ocupadas, diariamente, foram realizados três

testes com os polvos ocupantes a fim de analisar as reações comportamentais dos polvos aos

estímulos. A técnica de analise dos comportamentos empregada foi Animal Focal, com

registro dos comportamentos contínuo, durante um minuto após o incío de cada teste (Martin

& Bateson 1993). Os testes comportamentais foram baseados na metodologia apresentada por

Mather & Anderson (1993), que investigaram pela primeira vez a personalidade dos polvos

em aquários. Os testes foram consecutivos, realizados uma vez ao dia, e sempre nesta

sequência: Alerta, Ataque e Restos.

2.4.1 Teste Alerta

O primeiro teste representa um contexto de alerta pela presença de predador próximo à

toca. O observador aproximava-se da abertura da toca, cerca de 1 m, até que o polvo era visto

claramente e este demonstrava ter percebido sua presença. Os comportamentos de reação

eram registrados, por um período de 1 minuto, desde o primeiro comportamento expressado

pelo animal.

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73

2.4.2 Teste Ataque

Este segundo teste foi realizado 5 minutos após o primeiro teste, quando o polvo já não

demonstrava mais reações comportamentais. O teste Alerta simula o encontro do polvo com

um predador, o observador aproximava um bastão de madeira arredondado com 1 cm de

diâmetro, lentamente (~ 5 cm/s), e tocava o animal, geralmente no braço ou próximo dos

braços dependendo da posição do polvo, o contato era mantido por cerca de 1 segundo.

2.4.3 Teste Ameaça

Após o teste ataque, cerca de 5 minutos, os restos alimentares deixados em frente à

toca eram recolhidos, e as reações comportamentais do polvo eram registradas. Este contexto

após o ataque ao animal representa um ameaça do observador próximo à entrada da toca.

2.5 Escores do contínuo tímido/arrojado

Em estudos prévios sobre personalidade em cefalópodes, tanto em polvos juvenis

(Octopus bimaculoides) com três semanas de vida (Sinn et al. 2001) quanto polvos adultos

(Octopus rubescens) (Mather & Anderson 1993), e lula (Euprymna tasmanica) (Sinn &

Moltschaniwskyj 2005), dimensões da personalidade destes animais foram geradas, através de

agrupamentos de comportamentos (PCA). No presente estudo, nos basearemos na dimensõe

da personalidade econtrada para polvos, que representam o contínuo shy-bold, tímido-

arrojado. Por exemplo, Mather & Anderson (1993) denominaram a dimensão de Reatividade

(calmo-nervoso) na qual abrange os comportamentos: jatos d’água, recuar, nadar e rastejar;

estes comportamentos ocorriam quando o polvo tentava com jatos d’água expulsar o objeto de

ameça, ou recuava e se afastava para longe do objeto.

Para isso, foram utilizados escores de 1 a 5 pontos para classificação dos polvos no

contínuo shy-bold em cada contexto (teste), ou seja, cada polvo recebeu três escores, os

comportamentos mais tímidos receberam escore 1 e os mais arrojados escore 5. O número de

testes executados não foi igual para todos os polvos, pois os dias de ocupação nas tocas

variaram, portanto, o ranqueamento dos escores baseou-se na frequência dos comportamentos.

Por exemplo, no teste alerta, a frequência dos comportamentos de um polvo foram 50%

observando, e 50% ele recua, este polvo recebeu escore 1 (tímido), enquanto outro polvo

apresenta maior frequência de comportamentos agressivos como empurrar pedra, mudar de

Page 76: CARACTERIZAÇÃO DO NICHO ALIMENTAR DO POLVO OCTOPUS ... · Tabela 6. Matriz dos recursos das populações de O. insularis, em gênero das espécies de presas, ... pontos amostrados

74

cor e erguer as papilas, este recebeu escore 5 (arrojado). O método de classificação em

escalas tem sido um dos métodos mais utilizados em estudos da personalidade, através de

impressões subjetivas da personalidade dos animais pelos observadores (Gosling et al. 1998,

Gosling 2001, Wilson et al. 2005, Sinn et al. 2010). Neste estudo, a utilização das frequências

dos comportamentos auxiliou a quantificação do ranqueamento dos escores, podendo ser

comparado às personalidades entre os animais.

A fim de verificar a influência da personalidade na dieta dos polvos, foram realizados

testes de Correlação de Pearson entre os valores do ranqueamento e algumas características da

dieta individual, tais como, o número de presas consumidas, e a porcentagem da presa mais

consumida (> 75%).

2.3 Dieta e especialização individual

Os restos alimentares (conchas, carapaças, etc.) encontrados ao redor de cada toca, em

um raio de 50 cm, foram coletados diariamente. Apenas os materiais recentes, ou seja, restos

que não estavam intemperizados ou com algas incrustadas foram registrados (Leite et al.

2009b). Todo material foi identificado segundo literatura especializada, Rios (1994) e Melo

(1999), e posteriormente medidos o comprimento e a largura das conchas e carapaças com

auxílio de um paquímetro.

O grau de especialização individual foi calculado através de dois índices, primeiro o

índice de proporção de similaridade (PSi), proposto por Schoener (1968) o qual mede a

similaridade entre as proporções dos recursos consumidos por um indivíduo i e a população,

calculado pela Equação 1, (IndSpec 1.0; Bolnick et al. 2002).

Equação 1:

Onde,

pij = é a frequência da presa j na dieta do indivíduo i;

qj = é a frequência da presa j em toda distribuição da dieta da população.

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75

Este índice compara as proporções da dieta do indivíduo com a da população. Para

indivíduos que consomem os recursos em proporção igual ao da população o PSi será igual a

1, ou seja são generalistas com relação aos recursos consumidos pela população. Quanto mais

próximo de zero menor a similaridade dos recursos consumidos pelo indivíduo com a

população, sendo desta forma considerado especialista.

Outro método utilizado para analisar o grau de especialização individual, foi baseado

na porcentagem da presa mais consumida pelo indivíduo (Mather et al. 2012). Neste método,

o consumo de mais do que 75% da presa mais consumida por um indivíduo indica

especialização, mesmo que esta presa seja também a mais consumida por toda população.

Para testar diferenças nos graus de especialização da estrutura ontogenética da

população, foram comparado o índice porcentagem da presa mais consumida entre as classes

de tamanho dos polvos, utilizando o teste estatístico, ANOVA one-way. E a influência da

distância entre as tocas (m) (territorialismo), e o grau de especialização individual (% presa

mais consumida), foi realizado o teste de Correlação de Pearson (Zar 1999).

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76

3 RESULTADOS

No total 36 Octopus insularis foram encontrados na área de estudo, mas apenas os

animais que permaneceram 04 dias ou mais em suas tocas foram análisados. Portanto, 17

polvos foram analisados (3 PP, 9 P, e 5 M), o tempo de ocupação da toca que variou entre 4 e

26 dias. Todos os animais foram encontrados em poças de maré no platô recifal do Farol. As

distâncias entre as tocas do vizinho mais próximo variaram entre 2,5 e 19 m, com média de

9,4 ± 5,4 m (n = 14), com uma distribuição agrupada em uma área aproximada de 4500 m2.

3.1 Reações comportamentais

Foram registrados 13 comportamentos, durante os testes Alerta, 08 comportamentos

foram observados, e os mais frequentes foram: Obervando (38%) e Descansando (29%).

Durante os testes Ameaça foram registrados 11 comportamentos, e os mais frequentes foram:

Recuar (25%) e Jato d’água (20%). Em relação ao teste Restos, 10 comportamentos foram

registrados, e os comportamentos mais frequentes foram: Observando (48%) e Jato d’água

(20%) (Tabela 7).

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Tabela 7. Comportamentos de Octopus insularis em suas tocas durante os testes: Alerta, Ataque e Restos, no Atol das Rocas em agosto de 2011 (n = número

de comportamentos registrados).

Comportamento

Alerta Ataque Restos

Definição n (%) n (%) n (%)

Descansando 67 (29,3) - - Polvo imóvel recuado na toca, não atento.

Observando 87 (38) 35 (10) 140 (47,8) Polvo com os olhos abertos e atentos, com parte do corpo na

entrada da toca.

Mudança de cor 31 (13,5) 43 (12,3) 34 (11,6) O corpo ou parte do corpo altera sua coloração.

Jato d'água 13 (5,7) 72 (20,5) 45 (15,4) Polvo expeli jatos d’água pelo funil.

Recuar 07 (3,1) 90 (25,6) 18 (6,1) Polvo se afasta do observador para dentro da toca.

Move-se na toca 16 (07) 15 (4,3) 16 (5,5) Polvo recua e avança dentro da toca.

Sai da toca 01 (0,4) 04 (1,1) 12 (4,1) Polvo sai parcialmente ou totalmente da toca.

Papilas 04 (1,7) 05 (1,5) 07 (2,4) As papilas no corpo do polvo se elevam.

Empurra pedra 03 (1,3) - 04 (1,4) Polvo empurra com os braços algumas pedras em frente à toca.

Bloqueia entrada - 04 (1,1) 01 (0,3) Polvo segura pequenas rochas em frente à toca e a bloqueia.

Segura lápis - 57 (16,2) - Polvo segura o lápis no teste ameaça com os braços e puxa.

Coroa de ventosas - 16 (4,6) - Polvo vira os braços para cima em forma de coroa mostrando

as ventosas.

Segura mão - - 16 (5,5) Polvo estica o braço para fora da toca e segura a mão do

observador com alguns braços.

Não reage - 10 (1,4) - Polvo permanece inalterável, sem reação aos estímulos do teste

Ameaça.

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78

3.2 Dieta

Nos restos alimentares da população de O. insularis no Atol das Rocas, a grande

maioria dos itens encontrados eram caparapaças de pequenos crustáceos (ex.: caranguejos),

depois o grupo mais consumido foi dos gastrópodes e apenas duas espécies de bivalves foram

encontradas (Fig. 17).

Fig. 17. Composição da dieta dos Octopus insularis analisados (n = 17) habitantes do platô recifal, no

Atol das Rocas.

Foram consumidas 17 espécies, o crustáceo decápoda Xanthodius denticulatus foi o

mais abundante (n = 891) representando 74,5% do total de itens consumidos, e foi encontrado

em todas as tocas analisadas. O segundo item mais abundante foi o gastrópode Hipponix

antiquatus (n = 144) representando 12,5% dos itens alimentares encontrados e também esteve

presente em todas as tocas analisadas (Tabela 8). Também foram encontrados itens atípicos, e

não registrados para O. insularis. Nos restos recolhidos em frente à toca do polvo A29, o

único polvo de tamanho G, porém não analisado, foram encontrados uma carapaça de lagosta-

pintada (Palinurus echinatus) com 111 mm de comprimento do cefalotórax, e restos de um

peixe ósseo, provavelmente da família Gobiidae, pequeno peixe habitante das poças de maré

(Véras & Tolotti 2011). Restos de peixe também foram encontrados na toca do polvo A34 de

tamanho médio, e nos restos do polvo A27 com tamanho P, foi encontrado um casco e restos

de um filhote de tartaruga-verde (Chelonia mydas), com comprimento de 39 mm.

81%

16%

3% 0%

Crustacea

Gastropoda

Bivalvia

Outros

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Tabela 8. Lista de presas de Octopus insularis no Atol das Rocas em agosto de 2011 (n = 1174).

Táxon Espécies Itens

n %

Crustacea Xanthodius denticulatus 875 74,5

Microphrys bicornatus 30 2,6

Pitho sp. 23 2,0

Mithrax forceps 10 0,8

Pachygrapsus transversus 04 0,3

Calappa ocellata 04 0,3

Plagusia depressa 03 0,3

Gastropoda Hipponix antiquatus 144 12,3

Volvarina sp. 27 2,3

Fissurella rosea 10 0,9

Collisella sp. 08 0,7

Natica livida 02 0,2

Leucozonia nassa 01 0,1

Bivalvia Codakia orbicularis 22 1,9

Chione intrapurpurea 09 0,8

Peixe Peixe ósseo 01 0,1

Quelônia Chelonia mydas 01 0,1

3.3 Ranqueamento no contínuo Tímido/Arrojado e Especialização Alimentar

Com base nos comportamentos dos animais durante o período de ocupação em suas

tocas, foi realizado o ranqueamento dos mesmos no contínuo tímido/arrojado, para cada teste

(Tabela 9). Os escores variaram entre 1 e 5, e os indivíduos variaram entre tímido e arrojado

nos diferentes testes, às vezes, o mesmo animal demosntrou comportamentos tímidos em

determinado teste e comportamentos agressivos em outros. As médias dos escores em cada

teste foram iguais, Alerta (3,5 ± 1), Ataque (3,5 ± 1,3) e Restos (3,2 ± 1,1).

No que se refere a especialização aliemntar, o número de espécies consumidas por

indivíduo variou entre 3 e 13 espécies, em média 6,5 ± 2,8 espécies (n = 17), e o número de

itens consumidos por indivíduo variou entre 12 e 169, com média de 69,1 ± 45,7 itens (n =

17). Entretanto, há uma correlação positiva entre os dias de ocupação das tocas e o número de

espécies consumidas (Fig. 18).

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Fig. 18. Correlação entre os dias de ocupação de Octopus insularis nas tocas (n = 17), e o núemro de

espécies consumidas.

Com relação ao grau de especialização individual, todos os polvos tiveram índices PSi

elevados (> 0,69), indicando que toda a população de O. insularis consumiu proporções dos

recursos de maneira semelhante, ou seja, todos consumiram em grandes quantidades poucos

recursos (Tabela 9). Porém, utilizando a metodologia da proporção da presa mais consumida

(> 75%), para detectar indivídos especialistas, observou-se a ocorrência de 08 indivíduos

especialistas (comsumiram > 75% da espécie mais consumida), incluindo todos os indivíduos

de tamanho PP; 04 dos 09 polvos de tamanho P; e apenas 01 dos 05 de tamanho M (Tabela 9).

Apesar de que os polvos menores foram mais especialistas do que os polvos maiores, não foi

significativa a diferença entre as três classes de tamanho PP, P e M (ANOVA: F = 1,92; gl =

2; p = 0,18).

Os graus de especialização alimentar individuaís (> 75%) não estão relacionados com

os escores do contínuo tímido/arrojado em nenhum dos três testes. Os resulatos de regressão

entre os índices de especilização individual e os escores foram: Alerta (R² = 0,01), Ataque (R²

= 0,001), e Restos (R² = 0,22).

No que diz respeito ao territorialismo, também não houve correlação com o grau de

especialização, não houve correlação entre a distância do vizinho mais próximo com o grau de

especilização indiviual (R² = 0,12).

y = 0,27x + 3,06 R² = 0,64

0

2

4

6

8

10

12

14

0 5 10 15 20 25 30

mer

o d

e ss

p

Dias de ocupação

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Tabela 9. Dados individuais de Octopus insularis, da especialização alimentar e os escores tímido/arrojado. Os

índices de especialização alimentar em negrito são considerados especilistas (> 75%).

Toca Tamanho

polvo

Dias de

ocupação

da toca

N. de itens

consumidos

N. de ssp

consumidas

Índices de

especialização Contínuo tímido/arrojado

>

75% PSi Alerta Ataque Ameaça

A17 PP 09 38 4 78,9 0,90 5 4 4

A30 PP 07 30 3 86,7 0,80 5 3 2

A7 PP 27 127 13 79,5 0,91 4 3 2

A15 P 04 30 3 83,3 0,87 3 3 3

A19 P 06 84 7 82,1 0,91 2 5 3

A24 P 17 77 9 61,0 0,81 2 2 5

A27 P 17 169 9 82,2 0,89 4 4 4

A31 P 04 28 4 67,9 0,83 3 1 5

A35 P 10 51 7 58,8 0,80 5 4 2

A4 P 24 128 9 85,2 0,87 2 2 2

A6 P 26 103 9 71,8 0,90 3 5 3

A9 P 23 107 6 62,6 0,79 4 2 3

A26 M 06 12 5 58,3 0,69 3 5 5

A32 M 05 56 6 67,9 0,86 4 4 3

A33 M 08 23 3 82,6 0,89 2 5 3

A34 M 13 85 8 69,4 0,90 3 5 4

A36 M 07 26 5 61,5 0,79 4 5 4

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4 DISCUSSÃO

Apesar de estudos recentes terem levantado hipóteses sobre a influência da

personalidade dos polvos nas diferenças individuais da dieta (Mather et al. 2012), e outro

estudar o grau de especialização alimentar individual (Anderson et al. 2008), nenhum deles

foi capaz de anular os efeitos do meio ambiente, como diferenças nos substratos,

profundidade e habitats, na abundância geral das presas disponíveis para cada individuo.

Através da escolha de um habitat ambientalmente homogênio, com similar disponibilidade de

presas, o presente estudo foi capaz de avaliar a influência do territorialismo, e das

personalidades na escolha individual da dieta, em uma população de polvos com estagio

reprodutivo similar.

Os cefalópodes possuem sofisticados órgãos para resolver problemas que eles possam

ser confrontados nos ambientes naturais, eles possuem excelente visão, apesar de não

diferenciarem cores (Marshal & Messenger 1996), também possuem excelente sensibilidade

quimiotátil em suas ventosas (Graziadei 1964), além de possuírem elaborado sistema de

equilíbrio, estatocistos que provem informações sobre a gravidade e aceleração angular

(Stephen & Young 1982), e um sistema análogo à linha lateral dos peixes, as quais detectam

os movimentos na água (Budelmann & Blackmann 1988). Como os polvos não formam

grupos sociais, e são solitários, exceto durante períodos de cópula (Huffard et al. 2008, Leite

et al. 2009a), e não há sobreposição de gerações, eles dependem de suas habilidades

cognitivas através de suas experiências para por exemplo, caçar, fugir de predadores,

encontrar e modificar tocas (Mather 1991a e b, Mather 1994, Alves et al. 2007).

Estas informações sugerem que polvos pequenos possuem menor quantidade de

experiências que os grandes, e menor capacidade de capturar e manipular diferentes presas. Se

um polvo, que já possui experiência, ao encontrar um bivalve e não tiver sucesso em abri-lo,

puxando suas conchas, ele mudará sua tática e tentará furá-lo com a sua rádula (Hartwick et

al. 1978), alguns polvos atingem direto o músculo adutor enfraquecendo a união das valvas,

enquanto outros furam na parte mais fina (Nixon & Macconachie, 1988, Cortez et al., 1998).

Cortez et al. 1998 analisando a seletividade de presas e o comportamento de perfuração de

Octopus mimus em bivalves, demonstraram que polvos maiores ingeriram maior quantidade

de presas, e quanto maior o indivíduo menor a quantidade de conchas perfuradas foi

observadas, ou seja maior capacidade para abri-las. Como oportunistas os polvos usam a

inteligência para aprender, e adaptar a melhor técnica de caça para ocasiões adequadas.

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83

A distância entre as tocas não foram correlacionadas com o grau de especialização dos

indivíduos (> 75% da presa mais consumida) resultado. As tocas estavam distribuídas

próximas umas das outras, na maioria menos do que 15 m, dentro de uma área com o

substrato homogêneo, platô recifal com pequenas manchas de areia. Os polvos não percorrem

grandes distâncias para caçar, a distância estimada total de forrageio de Octopus cyanea foi

entre 15 e 120 m (Forsythe & Hanlon 1997), e Octopus vulgaris 120 e 200 m2 em torno da

toca (Mather 1991a). Desta forma, os polvos partilham a mesma área de caça, e as

proximidades entre as tocas não influenciaram estritamente suas dietas. Como os polvos

gastam pouco tempo forrageando, permanecendo na toca em média 70% do dia (Mather

1988), a referida autora sugere que eles são “preguiçosos”, mas eficientes predadores, assim

como alguns mamíferos predadores, como os leões (Schaller 1972).

Durante a observação dos comportamentos dos O. insularis em suas tocas, alguns

padrões de atividade foram semelhantes aos registrados para juvenis de Octopus vulgaris, em

Bermudas, os quais gastaram 53% do seu tempo Descansando, e 17% Observando, e

apresentaram picos de atividade entre as 6 e 8 horas da manhã (Mather 1988). Os padrões de

atividade de juvenis de Octopus bimaculoides também foram analisados em laboratório, e

apresentaram-se noturnos, durante as horas do dia baixa atividade (Sinn 2008). Além disso, os

comportamentos registrados pra O. insularis neste estudo foram semelhantes aos observados

por Mather & Anderson (1993), com testes em laboratório para estudo da personalidade em

polvo (Octopus rubescens). Assim foi possível ajustar os comportamentos de O. insularis

dentro das dimensões da personalidade descritos por estes autores.

O curto período de atividade de caça demonstrado pelos polvos pode ajudá-los a evitar

encontros agonísticos e disputas por alimento, isto tem sido observado para gatos domésticos

que forrageiam em área comum, mas partilham o tempo de caça (Leyhausen 1965). Apesar de

os polvos terem hábitos solitários e ocuparem tocas muito próximas umas das outras, eles não

foram observados defendendo territórios (Kayes 1974, Mather 1982). Enquanto que em

animais sociais a escolha das presas pode ser influenciada pelo territorialismo, como em ursos

(Mattson & Reinhardt 1995). Mather & O’Dor (1991) observaram O. vulgaris forrageando no

ambiente, e que os polvos partilhavam a mesma área de caça sem excluírem ao outro, ou

sejam não defendem territórios impedindo coespecíficos consumirem recursos disponíveis no

ambiente em que habitam

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A utilização de escalas para avaliação da personalidade, é um método empregado com

sucesso em diversos animais, como, macacos (Stevenson-Hinde et al. 1980), gatos, cachorros,

cavalos e outros animais domésticos, realizadas pelos seus próprios donos (Gosling &

Bonnenburg 1998). Gosling et al. (2003) utilizou alguns critérios como, consistência e

consenso, para avaliar a acurácia do julgamento da personalidade em cachorros (Canis

familiaris) e humanos (Homo sapiens), e estas avaliações foram acuradas para as duas

espécies, e concluem que diferenças nas personalidades existem e podem ser medidas em

outros animais além dos humanos. Gosling & Vazire (1998) também demonstram que existe

um alto nível de acordo entre avaliadores independentes da avaliação da personalidade por

escalas em animais, porém com alguma variação na avaliação de alguns traços da

personalidade e espécies.

As diferentes personalidades (tímido-arrojado) de O. insularis não tiveram influência

sobre suas dietas, não estiveram associadas ao grau de especialização, nem a quantidade de

espécies consumidas, apesar dos polvos serem reconhecidos como animais inteligentes e

apresentarem diferentes personalidades (Mather & Anderson 1993, Mather 2008). Em alguns

animais como roedores, pássaros e peixes, alguns indivíduos são mais agressivos do que

outros e isso pode diferi-los em aspectos como comportamento de forrageio e exploração no

ambiente (Gosling & John 1999, Carere & Locurto 2011). Carere & Locurto 2011, sugerem

que as diferenças na personalidade podem afetar principalmente a sociabilidade, mais do que

processos não sociais que dependem amplamente das habilidades cognitivas adquiridas

durante o ciclo de vida, como os polvos. Por exemplo, hienas que são organizadas em clã e

em sistema matriarcal, as fêmeas são maiores e mais dominantes, suas personalidades diferem

dos machos e estão relacionadas à ocupação de nichos distintos (Gosling 1998, Gosling &

John 1998).

Os resultados encontrados neste trabalho sugerem que tanto a personalidade quanto a

distância entre as tocas de juvenis O. insularis não exercem influência na seleção de suas

presas, e grau de especialização individual, sugerindo os polvos não defendem áreas de

forrageio próximas as suas tocas, e são fortemente influenciados pela disponibilidade de

presas e processos (técnicas de caça). Estudos futuros que avaliem a personalidade de polvos

adultos poderão testar e apontar a influência da aprendizagem na seleção de suas presas,

aumentando o conhecimento sobre os processos cognitivos e da personalidade em polvos.

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