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    REVISTA USP, So Paulo, n.48, p. 46-57, dezembro/fevereiro 2000-2001 47

    Inscrever na ordem do dia a multidisciplinaridade. No aquela das

    grandes construes prometicas de uma nova Enciclopdia, mas

    aquela que provoca o encontro ao redor de um mesmo objeto de

    estudo de pesquisadores pertencendo a metodologias mltiplas.

    Estabelecer com eles alianas, aproveitando o prestgio atual da

    comunicao e prevenindo-se contra as tendncias hegemonia

    das antigas disciplinas (Armand Mattelart).

    Em texto anterior e mesmo em pesquisa emprica re-

    cm-terminada (Lopes, 1998 e 1999), exploramos algumas

    questes epistemolgicas e metodolgicas acerca da pes-

    quisa de comunicao com base nas propostas de conver-

    gncia e de sobreposio de temas e metodologias que se

    fazem notar de forma crescente na literatura atual, tanto por

    parte de pesquisadores da comunicao como das cincias

    sociais e humanas. Essas propostas podem ser identificadas

    como constituintes de um movimento contemporneo

    crtico da compartimentao disciplinar que foi sendo

    construda ao longo da histria dessas cincias. Mais impor-

    reflexes sobre

    seu estatuto disciplinar

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    tante que, alm de serem polmicas, essas

    propostas so concretas e factveis e visam

    uma reestruturao disciplinar das cinci-

    as sociais e humanas, com base na abertura

    e reviso das suas estruturas de conheci-

    mento. uma chamada para um debate

    sobre o paradigma, como diz Wallerstein

    (1991).

    Partimos de uma definio formal e

    abrangente do que seja o campo acadmico

    da comunicao: um conjunto de institui-

    es de nvel superior destinado ao estudo

    e ao ensino da comunicao e onde se pro-

    duz a teoria, a pesquisa e a formao uni-

    versitria das profisses de comunicao.

    Isso implica dizer que nesse campo podem

    ser identificados vrios subcampos: 1) ocientfico, que implica em prticas de pro-

    duo de conhecimento: a pesquisa acad-

    mica tem a finalidade de produzir conheci-

    mento terico e aplicado (cincia bsica e

    aplicada) atravs da construo de objetos,

    metodologias e teorias; 2) o educativo, que

    se define por prticas de reproduo desse

    conhecimento, ou seja, atravs do ensino

    universitrio de matrias ditas de comuni-

    cao; e 3) o profissional, caracterizado porprticas de aplicao do conhecimento e

    que promove vnculos variados com o mer-

    cado de trabalho (1).

    Analisando essa definio inicial sobre

    o campo acadmico da comunicao,

    preciso explicitar os seguintes pontos: 1) o

    sentido da noo de campo e de campo

    acadmico; 2) o problema da herana dis-

    ciplinar dos estudos de comunicao; e 3)

    a questo da institucionalizao das cin-

    cias sociais.

    O SENTIDO DA NOO DE CAMPO

    E DE CAMPO ACADMICO

    A produo da cincia depende intrin-

    secamente das suas condies de produ-

    o. Estas so dadas pelo contextodiscursivo que define as condies

    epistmicas de produo do conhecimento

    e pelo contexto social que define as condi-

    es institucionais e sociopolticas dessa

    produo. A autonomia relativa do tempo

    lgico da cincia em relao ao tempo

    histrico que faz da sociologia da cincia

    ou do conhecimento um instrumento impres-

    cindvel para dar fora e forma crtica

    epistemolgica ou crtica do conhecimento,

    pois permite revelar os supostos inconsci-

    entes e as peties de princpios de uma tra-

    dio terica (Bourdieu, 1975, p. 99).

    dentro dos marcos da sociologia da

    cincia que Pierre Bourdieu desenvolve sua

    noo de campo cientfico. De antemo,

    vale-se de sua noo de campo: Um cam-

    po um espao social estruturado, um cam-

    po de foras h dominantes e dominados,

    h relaes constantes, permanentes, dedesigualdade, que se exercem no interior

    desse espao que tambm um campo de

    lutas para transformar ou conservar este

    campo de foras. Cada um, no interior des-

    se universo, empenha em sua concorrncia

    com os outros a fora (relativa) que detm e

    que define sua posio no campo e, em con-

    seqncia, suas estratgias (Bourdieu,

    1997, p. 57). Fazer sociologia da cincia,

    segundo o autor, analisar as condiessociais de produo desse discurso e que so

    a estrutura e o funcionamento do campo ci-

    entfico. O campo cientfico anlogo ao

    acadmico, pois residem a tanto as condi-

    es de produo (sistema de cincia) como

    de sua reproduo (sistema de ensino).

    Seguindo Bourdieu (1983, pp. 122-55),

    o campo cientfico, enquanto sistema de

    relaes objetivas entre posies adquiridas,

    o lugar, o espao de jogo de uma luta

    concorrencial pelo monoplio da autorida-

    de cientfica definida, de maneira insepar-

    vel, como capacidade tcnica e poder pol-

    tico; ou, se quisermos, o monoplio da com-

    petncia cientfica, compreendida enquanto

    capacidade de falar e de agir legitimamente,

    isto , de maneira autorizada e com autori-

    dade, que socialmente outorgada a um

    agente determinado. Essa legitimidade ,

    portanto, reconhecida socialmente pelo con-

    junto dos outros cientistas (que so seus con-correntes), medida que crescem os recur-

    sos cientficos acumulados e, correlativa-

    mente, a autonomia do campo.

    1 Sobre as relaes entre o ensi-

    no e o mercado de trabalho,coordenei uma ampla pesqui-sa sobre os egressos dos cur-sos de Comunicao Social noBrasil. Ver: Maria ImmacolataVassallo de Lopes, 1999.

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    Ao sublinhar a indissolubilidade entre

    o saber especializado e o reconhecimento

    social presente na autoridade do cientista,

    Bourdieu afirma que a posio de cada um

    no campo tanto uma posio cientfica

    como uma posio poltica e que suas es-

    tratgias para manter ou conquistar lugar

    na hierarquia cientfica possuem sempre

    esse duplo carter. Correlativamente, os

    conflitos epistemolgicos so, sempre,

    inseparavelmente, conflitos polticos e,

    assim, uma pesquisa sobre o poder no cam-

    po cientfico poderia perfeitamente s com-

    portar questes aparentemente epistemo-

    lgicas. Resulta, ento, ser intil distin-

    guir entre as determinaes propriamente

    cientficas e as determinaes propriamen-te sociais (polticas) das prticas essencial-

    mente sobredeterminadas dos agentes en-

    volvidos (Bourdieu, 1983, p. 124).

    A importncia da noo de campo cien-

    tfico de Bourdieu essencialmente

    heurstica por diversas razes. Em primei-

    ro lugar, por permitir romper com a ima-

    gem hagiogrfica que vem normalmente

    incorporada noo de comunidade cien-

    tfica, mesmo em autores como Kuhn(1976), que d lugar ao conflito em sua

    teoria funcionalista da evoluo cientfica.

    Em segundo lugar porque, dentro da con-

    cepo estruturalista que est na base de

    sua anlise do campo, Bourdieu analisa

    dialeticamente as posies estruturadas

    com as prticas estruturantes dos agentes

    (2). As prticas so vistas como estrat-

    gias, portanto, como aes refletidas, sem-

    pre com o duplo carter indicado acima (ci-

    entfico e poltico) e que se orientam como

    estratgias de conservao/sucesso ou es-

    tratgias de subverso. Essas estratgias de-

    pendem das posies ocupadas pelos agen-

    tes no campo, isto , do capital cientfico e

    do poder que ele lhes confere. Os agentes

    chamados por Bourdieu de dominantes de-

    dicam-se s estratgias de conservao ou

    de sucesso (atravs de seus discpulos) vi-

    sando assegurar a manuteno da ordem

    cientfica com a qual se identificam. Essaordem, a que ele chama de cincia oficial,

    no se reduz ao conjunto de recursos cien-

    tficos herdados do passado que existem,

    no estado objetivado, sob a forma de ins-

    trumentos, obras, instituies, etc., e, no

    estado incorporado, sob a forma de hbitos

    cientficos, sistemas de esquemas gerados

    de percepo, de apreciao e de ao. So

    tambm uma espcie de ao pedaggica

    que torna possvel a escolha dos objetos, a

    soluo dos problemas e a avaliao das

    solues, que a essncia do sistema de

    ensino. Complementarmente, existem ins-

    tncias especificamente encarregadas da

    consagrao (academias, prmios) e ainda

    o sistema de circulao constitudo pelas

    revistas cientficas, livros e congressos, que

    opera em funo de critrios oficiais de

    avaliao.

    Temos a delineado um quadro de an-lise de grande densidade explicativa. A

    cincia acaba sendo definida por Bourdieu

    como um campo de prticas institucio-

    nalizadas de produo (pesquisa), repro-

    duo (ensino) e circulao de capital e

    poder cientficos. Entretanto, devido dis-

    tino que ele traa entre formas objetivadas

    das prticas (rituais) e formas subjetivadas

    dessas prticas (estruturas mentais

    interiorizadas, isto , habitus), possvelidentificar a o que outros autores traba-

    lham como sendo as representaes soci-

    ais (Moscovici). As representaes sociais

    da cincia funcionam como matria-prima

    das identidades cientficas, fruto das for-

    mas simblicas introjetadas, isto , da cul-

    tura cientfica interiorizada. Cabe aqui re-

    tomar as idias de aes estratgicas dos

    sujeitos agentes (agency) antagnicas o

    antagonismo, seguindo Bourdieu, o prin-

    cpio da estrutura e da transformao de

    todo campo social que agem no sentido

    da continuidade (estratgias de conserva-

    o) e da mudana (estratgias de subver-

    so). Bourdieu, diferente de Kuhn, acredi-

    ta ter havido uma revoluo inaugural na

    cincia quando ela se autonomizou dos

    campos poltico e religioso, com a revolu-

    o copernicana, que nos d o paradigma

    no verdadeiro sentido da palavra (p. 141).

    Com o crescimento da autonomia do cam-po cientfico, o prprio funcionamento

    deste, como cincia normal, passa a se

    definir atravs de revolues ordenadas,

    2 Apesar de no reduzir a im-portncia do livro de Giddens(1989), muitos elementos desua teoria da estruturao j

    se encontram desenvolvidos emBourdieu, tanto conceitual-mente nas categorias de cam-po e de habituscomo no traba-lho de pesquisa sobre a cate-goria do gosto.

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    miu

    ca

    o

    como diz Bachelard, ou revolues perma-

    nentes, que esto inscritas na prpria lgi-

    ca da histria da cincia, isto , da polmi-

    ca cientfica. O que leva Bourdieu a afir-

    mar que o campo cientfico encontra na

    ruptura contnua o verdadeiro princpio de

    sua continuidade (p. 143). que o campo

    prov permanentemente as condies tci-

    tas da discusso que se desenha entre a or-

    todoxia e a heterodoxia, entre o controle e

    a censura, por um lado, e a inveno e a

    ruptura, por outro.

    Esta extensa reproduo da anlise do

    campo cientfico feita por Bourdieu justifi-

    ca-se, a nosso ver, pelas seguintes razes:

    para criticar aqueles que apressadamente

    vem nas mudanas internas de uma cin-cia normal sempre sinais de crise de pa-

    radigmas; para impedir que se identifique

    automaticamente lutas institucionais com

    lutas epistemolgicas ou, dito de outro

    modo, as conquistas institucionais so con-

    dies necessrias, porm no garantemper

    seo fortalecimento terico de um campo;

    para evitar que se confunda o subcampo do

    ensino (reproduo) com o subcampo da

    pesquisa (produo) dentro do campo aca-dmico.

    Acreditamos que esse delineamento

    bsico ajudar a esclarecer a questo da

    disciplinarizao do campo da comuni-

    cao.

    A DIFCIL HERANA DOS ESTUDOS

    DISCIPLINARES DA COMUNICAOComo vimos, a crtica da cincia no

    nova. Qualquer estudo sempre feito den-

    tro dos quadros de referncia herdados do

    passado de uma cincia, do que sua his-

    tria ou sua tradio. Porm, os objetos de

    estudo, por seu carter histrico, dinmico

    e mutvel, colocam permanentemente em

    xeque essa tradio no sentido de sua reno-

    vao e reviso. A tradio vista comoum ponto de partida, na qual enraza-se a

    identidade de uma cincia, porm, nunca

    no sentido de fechar um saber, mas de abri-

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    gizado, mas tambm cada vez mais frag-

    mentado e desigual.

    O que se nota um movimento de con-

    vergncia de saberes especializados sobre

    a comunicao, entendido mais como mo-

    vimento de interseco que no , em hip-

    tese alguma, uma amlgama ou sntese de

    saberes. , antes, um produto das relaes

    entre o objeto de estudo, a especificidade

    das contribuies analticas e a particulari-

    dade da evoluo histrica entre ambos.

    So os percursos disciplinares j trilhados

    nas tradies dos estudos da comunicao

    que autorizam parafrasear Canclini, que diz:

    Estudar a (cultura) comunicao requer

    converter-se num especialista de

    interseces (Canclini, 1999, p. 69).Por outro lado, isso significa abrir mo

    das certezas disciplinares e do poder dado

    pela ortodoxia, a que Giddens chama de

    consenso ortodoxo. Ao contrrio, o pen-

    samento heterodoxo impele a estratgias

    de mudana, como vimos em Bourdieu, e

    nos leva de volta ao carter institucional do

    campo cientfico.

    A INSTITUCIONALIZAO DAS

    CINCIAS SOCIAIS

    O relatrio da Comisso Gulbenkian

    para a reestruturao das cincias sociais,

    presidida por Immanuel Wallerstein, inti-

    tulado Abrir as Cincias Sociais(1996),

    est estruturado ao redor de uma discusso

    histrica dos processos de disciplinarizao

    das cincias sociais desde o sculo XVIII

    at a atualidade.

    H dois pontos polmicos que constam

    desse relatrio. O primeiro o de que a

    diviso interna das cincias sociais em

    mltiplas disciplinas resultou principal-

    mente de decises institucionais que quase

    sempre mantiveram laos fracos com o

    debate propriamente epistemolgico. E o

    segundo ponto a proposta de trabalhotransdisciplinar com base na crtica da pr-

    tica interdisciplinar.

    O Relatrio Gulbenkian tem por base a

    3 Mencionei : Ra l Fuen te sNavarro, La Emergencia de unCampo Acadmico:Cont inuidad Utpica yEstructuracin Cientfica de laInves t igacin de laComunicacin, Guadalajara,Iteso/Universidad de Guada-

    lajara, 1998; MariaImmacolata V. Lopes, O Esta-do da Pesquisa de Comunica-o no Brasi l, in MariaImmacolata V. Lopes (org.),Temas Contemporneos emComunicao, So Paulo,Edicom/Intercom, 1997;Ferment in the Field, inJournalof Communication, vol. 33, 3,1983; The Future of the Field,in Journal of Communicat ion,vol. 43, 3 e 4, 1993; OPensamento Latino-americanoem Comunicao, in Comu-nicao & Sociedade, 25,1997; Amrica Lat ina:

    Comunicacin, Cultura yNuevas Tecnologas. Teora,Polticas e Investigacin, inTelos , 19, 1989; LaComunicacin en Amrica La-tina, in Telos, 47, 1996.

    lo para dar continuidade sua construo,

    pois um saber no , em essncia, nem

    esttico, nem definitivo. sobre a tenso

    constante entre a tradio e a mudana no

    campo cientfico que reside a base do sur-

    gimento de estudos e diagnsticos que bus-

    cam sua reestruturao. Como afirma

    Octavio Ianni, se as cincias sociais nas-

    cem e desenvolvem-se como formas de

    autoconscincia cientfica da realidade so-

    cial, pode-se imaginar que elas podem ser

    seriamente desafiadas quando essa reali-

    dade j no mais a mesma. O contrapon-

    to de pensamento e pensado, ou de lgico

    e histrico, pode alterar-se um pouco, ou

    muito, quando um dos termos modifica-

    se; e mais ainda quando ele se transfigu-ra (Ianni, 1992, p. 171). Tomada como

    novo paradigma histrico-social, a socie-

    dade global produz uma ruptura histrica

    de amplas propores e em todas as di-

    menses. No dizer de Ianni, com as me-

    tamorfoses do objeto e a simultnea al-

    terao das possibilidades que se abrem

    ao sujeito da reflexo, colocam-se no-

    vos desafios no s metodolgicos e te-

    ricos, mas tambm epistemolgicos(Ianni, 1998, p. 34).

    Na pesquisa de comunicao, as diver-

    sas tradies terico-metodolgicas, tal

    como nas cincias sociais em escala mais

    ampla, tm sido postas em reviso nos l-

    timos anos. Em outro trabalho (Lopes,

    1998), registrei o aumento das anlises auto-

    reflexivas no campo da comunicao (3).

    A multiplicao de propostas de refor-

    mulao terica dos estudos da comunica-

    o manifesta uma insatisfao generali-

    zada com o estado atual do campo e a ur-

    gncia de repensar seus fundamentos e de

    reorientar o exerccio de suas prticas. So

    anlises convergentes, se bem que nem

    sempre complementares, anlises que rea-

    lizam revises, redefinies, reestrutu-

    raes, reinterpretaes e rupturas com

    categorias analticas, esquemas conceitu-

    ais, mtodos de investigao. No obstante,

    so anlises reveladoras da complexidadee multidimensionalidade dos fenmenos

    comunicativos num mundo cada vez mais

    globalizado, multiculturalizado e tecnolo-

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    histria dessas cincias em seu crescente

    processo de institucionalizao e de mu-

    danas nas formas organizativas do traba-

    lho cientfico. Detm-se nas mudanas

    ocorridas a partir de 1945, no ps-guerra,

    com o desenvolvimento da guerra fria, os

    investimentos no desenvolvimento cient-

    fico e a concentrao dos plos cientficos

    em alguns pases, com a hegemonia dos

    Estados Unidos. Entre as conseqncias

    destas mudanas no mbito mundial sobres-

    sai a questo da validade das distines no

    interior das cincias sociais que, baseada

    em clivagens estabelecidas pelo paradig-

    ma da cincia do sculo XIX para as ento

    nascentes cincias sociais, passa a ser pro-

    fundamente contestada. Essas clivagenseram: a) a demarcao entre o estudo do

    mercado (a economia), do Estado (a cin-

    cia poltica) e da sociedade civil (a sociolo-

    gia); b) a diviso entre o estudo do mundo

    moderno/ocidental (a economia, sociolo-

    gia e poltica) e o mundo no-moderno/no-

    ocidental (a antropologia); c) do mundo pre-

    sente (a economia, sociologia e poltica) e

    o mundo passado (a histria). Posterior-

    mente a 1945, a inovao acadmica maisimportante foi, segundo o relatrio, a cria-

    o de estudos por reas ou regies (URSS,

    China, Amrica Latina, frica, Europa

    Central, Sudeste Asitico, etc.), uma nova

    categoria institucional (a geogrfica) que

    levou a um reagrupamento do trabalho in-

    telectual. Esses novos estudos por rea

    eram, por definio, multidisciplinares e

    as motivaes polticas subjacentes sua

    origem eram bastante explcitas (p. 60).

    Chama-se a ateno para o fato de que os

    estudos por reas atraram para o interior

    de uma estrutura nica pessoas cuja filiao

    disciplinar atravessava transversalmente as

    trs clivagens j referidas. Cientistas soci-

    ais de origens e inclinaes diferentes en-

    contraram-se frente a frente com gegrafos,

    historiadores da arte, estudiosos das litera-

    turas nacionais, epidemiologistas e at

    gelogos. Passaram a produzir currculos

    em conjunto, a participar nas bancas dedoutoramento dos alunos uns dos outros, a

    assistir congressos organizados por espe-

    cialistas de cada rea e, principalmente, pas-

    saram a ler os livros uns dos outros e a

    publicar artigos nas novas revistas trans-

    disciplinares de cada especialidade. Estas

    prticas vieram pr a nu o muito que havia

    de artificial nas rgidas divises institu-

    cionais do conhecimento associado s ci-

    ncias sociais.

    Consideramos importante transcrever a

    avaliao que o relatrio faz desse movi-

    mento de convergncia e de sobreposio

    entre as disciplinas.

    No s se tornou cada vez mais complica-

    do achar linhas de diferenciao ntidas

    entre elas, quer no respeitante ao seu objeto

    concreto de estudo, quer no que concerne

    s modalidades de tratamento dos dados,como tambm sucedeu que cada uma das

    disciplinas se tornou cada vez mais hetero-

    gnea, devido ao alargamento das balizas

    dos tpicos de investigao considerados

    aceitveis. Uma das formas de lidar com

    esta situao foi a tentativa de criar novas

    designaes interdisciplinares, como se-

    jam os estudos da comunicao, as cinci-

    as da administrao e as cincias do com-

    portamento.

    Esses campos interdisciplinares ma-

    nifestaram um questionamento interno

    considervel em torno da coerncia das

    disciplinas e a legitimidade das premissas

    intelectuais que cada uma delas havia uti-

    lizado para defender seu direito a uma exis-

    tncia autnoma (pp. 72-3).

    O segundo ponto polmico do relatrio

    a proposta de reestruturar as cincias so-

    ciais com base no estabelecimento, no in-

    terior das estruturas universitrias, de pro-

    gramas integrados de investigao trans-

    versais s balizas de demarcao tradicio-

    nais, os quais seriam novas vias de dilo-

    go e de troca para alm das disciplinas e

    no apenas entre elas (p. 124).

    A crtica interdisciplinaridade ex-

    plcita e, no obstante reconhecer-se que se

    constituiu numa forma de abordagem cria-

    tiva, ela no teria implicado uma frutuosafertilizao recproca entre as disciplinas,

    condio nica que faria a interdisci-

    plinaridade merecedora de um maior

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    aprofundamento e desenvolvimento.

    Em trabalho anterior, Wallerstein

    (1991) j criticara os mritos da pesquisa e

    do ensino interdisciplinar em seu duplo

    sentido. O primeiro o da combinao de

    perspectivas de diversas disciplinas sobre

    um objeto (por exemplo, o trabalho) e a

    lgica dessa abordagem leva formao

    de uma equipe multidisciplinar ou a um s

    pesquisador estudando diversas disciplinas

    relacionadas ao objeto. O segundo sentido

    o da localizao do objeto nas fronteiras

    de duas ou mais disciplinas, sendo que a

    lgica desta abordagem pode dirigir-se

    eventualmente ao desenvolvimento de uma

    nova disciplina autnoma ( o que aconte-

    ceu com a lingstica, por exemplo).

    Sabe-se que as mltiplas disciplinas exis-

    tem desde que h mltiplos departamentos

    acadmicos nas universidades em todo o

    mundo, cursos de graduao nessas disci-

    plinas e associaes nacionais e internacio-

    nais de pesquisadores destas disciplinas.

    Isto , ns sabemos politicamente que dife-

    rentes disciplinas existem. Elas tm uma

    organizao delimitada, estrutura e pesso-al para defender seus interesses coletivos e

    assegurar sua reproduo coletiva. Mas isto

    nada nos diz acerca da validade das exign-

    cias intelectuais da separao, exigncias

    que presumivelmente justificam s a rede

    organizativa (Wallerstein, 1991, p. 239).

    Por isso, os mritos do trabalho interdis-

    ciplinar nas cincias sociais no chegaram

    a solapar significativamente a fora dos

    aparatos organizacionais que protegem as

    disciplinas separadas. E mesmo o contr-

    rio pode ser verdadeiro. Um pesquisador,

    ao justificar que precisa aprender do outro

    o que no pode conseguir no seu prprio

    nvel de anlise com suas metodologias

    especficas e que o outro conhecimento

    pertinente e significante para a resoluo

    dos problemas intelectuais sobre os quais

    est trabalhando, tende a reafirmar e no a

    embaralhar os dois conhecimentos. O tra-balho interdisciplinar no , per se, uma

    crtica da compartimentao existente nas

    cincias sociais, alm de lhe faltar o toque

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    poltico para afetar as estruturas insti-

    tucionais existentes.

    Mas, pergunta o autor: as vrias disci-

    plinas das cincias sociais so disciplinas?

    Etimologicamente, a palavra disciplina

    vinculada a discpulo ou estudante e

    antittica doutrina que a propriedade do

    doutor ou professor. Portanto, doutrina

    concerne teoria abstrata e disciplina

    relativa prtica e ao exerccio. A primeira

    tem a ver com a produo e a segunda com

    a reproduo do conhecimento.

    Na histria das cincias sociais, uma

    disciplina s aparece depois de um longo

    trajeto de prtica quando se torna doutrina,

    ensinada e justificada pelos doutores e pro-

    fessores. Mas, com isso, pergunta-se o au-tor, atingiu-se um nvel defensvel e coe-

    rente de anlise ou apenas separou-se um

    assunto?

    Todas as divises em assuntos deriva-

    ram intelectualmente da ideologia liberal

    dominante no sculo XIX, que argumenta-

    va que o Estado e o mercado, a poltica e a

    economia eram setores analiticamente se-

    parados, cada um com suas regras ou l-

    gicas particulares. Sabemos o que as difi-culdades de fronteiras causaram nos itine-

    rrios intelectuais dos campos (sociologia,

    poltica, economia e antropologia), e que

    eles foram complexos e variados. Porm,

    como o mundo real evoluiu, a linha de con-

    tato entre primitivo e civilizado, po-

    ltico e econmico embaraou-se. In-

    vases intelectuais tornaram-se comuns,

    porm os invasores moveram as estacas mas

    no as quebraram.

    A questo diante de ns, hoje, se h

    algum critrio intelectual que possa ser

    usado para assegurar de um modo relativa-

    mente claro e defensvel as fronteiras entre

    as quatro presumidas disciplinas de antro-

    pologia, economia, cincia poltica e socio-

    logia. A anlise do sistema-mundo (world

    systems analysis), proposta pelo autor, res-

    ponde com um inequvoco no a essa

    questo. Todos os critrios presumidos

    nvel de anlise, objeto, mtodos, teorias ou no so verdadeiros na prtica ou, se

    sustentados, so linhas divisrias para um

    conhecimento adicional mais do que est-

    mulos para a sua criao (p. 241).

    Ou, colocado de outro modo, as dife-

    renas dentro de uma disciplina tendem a

    ser maiores do que as diferenas entre elas.

    Isto quer dizer, na prtica, que a

    sobreposio substancial e nas histrias

    desses campos ela tem crescido todo o tem-

    po. Isto no quer dizer que todos os cientis-

    tas sociais devam fazer um trabalho idnti-

    co. H sempre necessidade de especializa-

    o em campos de estudo (fields of inquiry).

    O autor d um exemplo esclarecedor de

    que especializao e disciplinarizao no

    so sinnimos, mas que a segunda uma

    forma prpria do sculo XIX para contro-

    lar a primeira. Entre 1945 e 1955, as disci-

    plinas separadas botnica e zoologia fun-diram-se em uma nica disciplina chama-

    da biologia. Desde ento a biologia tem sido

    uma disciplina florescente e gerou muitos

    subcampos mas nenhum que tenha os con-

    tornos da botnica ou da zoologia.

    Portanto, os campos de estudo apare-

    cem como um novo padro emergente a

    que se pode chamar transdisciplinarizao

    ou ps-disciplinarizao (Fuentes, 1998),

    quer dizer, um movimento para a supera-o dos limites entre especialidades fecha-

    das e hierarquizadas, e o estabelecimento

    de um campo de discurso e prticas sociais

    cuja legitimidade acadmica e social vai

    cada vez mais depender da profundidade,

    extenso, pertinncia e solidez das expli-

    caes que produza, do que do prestgio

    institucional acumulado.

    Em resumo, a crtica compartimen-

    tao das cincias sociais tem, portanto, a

    ver com clivagens colocadas por paradig-

    mas histrico-intelectuais do sculo XIX e

    que, segundo o Relatrio Gulbenkian, so

    mais clivagens ideolgicas e organizativas

    do trabalho intelectual do que propriamen-

    te derivadas de exigncias internas do co-

    nhecimento, isto , epistemolgicas, teri-

    cas e metodolgicas.

    H, entretanto, outro aspecto que deve-

    ria ser acrescentado a esse poderoso argu-

    mento. Trata-se da relao orgnica entreas cincias sociais e a comunicao na me-

    dida em que a sociedade moderna foi sendo

    cada vez mais plasmada nas formas da

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    comunicao moderna. Dois exemplos so

    suficientes: um saber como o da antropolo-

    gia no seria possvel sem o encontro entre

    civilizaes e grupos humanos diferentes

    em escala cada vez mais intensa, e um es-

    tudo como o de Habermas sobre a opinio

    pblica revelando a importncia desta na

    constituio da sociedade civil moderna, e

    a emergncia da idia de esfera pblica li-

    gada aos mecanismos da informao e da

    comunicao social. Da, no dizer de

    Vattimo, as cincias humanas, cincias que

    nascem de fato somente na modernidade,

    esto condicionadas, em uma relao de

    determinao recproca, pela constituio

    da sociedade moderna como sociedade da

    comunicao. As cincias humanas so aomesmo tempo efeito e meio do posterior

    desenvolvimento da sociedade da comuni-

    cao generalizada (Vattimo, 1987). Che-

    ga-se assim a definir a intensificao dos

    fenmenos comunicativos, a acentuao da

    circulao das informaes no somente

    como um aspecto a mais da modernizao,

    seno como o prprio centro e o sentido

    mesmo deste processo. no objeto-mundo

    com sentido que as cincias humanas e acomunicao se encontram. No mundo co-

    municado, que tanto os media como as

    cincias humanas nos oferecem, constitui-

    se a objetividade mesma do mundo e no

    somente interpretaes diferentes de uma

    realidade de alguma maneira dada. A

    realidade do mundo como algo que enfim

    no uma reunio de vises disciplinares

    do empirismo ingnuo, mas algo que se

    constri como contexto de mltiplas narra-

    tivas. Tematizar o mundo nestes termos

    precisamente a tarefa e o significado das

    cincias humanas. neste sentido, tambm,

    que o debate metodolgico passa a ocupar

    um amplo espao nas cincias sociais de

    hoje, porque discutir a realidade globalizada

    ou mundializada como paradigma social e

    epistemolgico passa a ser uma questo

    central e substantiva para desdogmatizar

    as cincias sociais e discutir a prpria cons-

    truo da cincia como discurso. Admitir ocarter intrinsecamente histrico desse dis-

    curso (epistemologia histrica de

    Bachelard) reconhecer nas cincias soci-

    ais as formas de autoconscincia social em

    que elas sempre se constituram (Ianni),

    atravs da revelao das pluralidades dos

    mecanismos e das armaduras internas de

    sua construo.

    A PESQUISA ACADMICA DE

    COMUNICAO NO BRASIL OU

    O PARADOXO DA

    INSTITUCIONALIZAO

    DA TRANSDISCIPLINARIDADEDE UM CAMPO

    Como vimos, para ns, estudiosos da

    comunicao, este um momento histri-

    co particular porque vemos colocada a co-

    municao no centro da sociedade con-

    tempornea e no seu prprio sentido.

    nesse momento que residem as explica-

    es mais plausveis para a exploso dacomunicao, a exploso dos cursos de

    comunicao e, principalmente, a explo-

    so da importncia dos estudos de comu-

    nicao. Estamos longe das enganosas

    explicaes sobre as fantasias miditicas

    dos jovens que fariam crescer vorazmente

    as faculdades de comunicao ou sobre a

    inespecificidade dos estudos de comuni-

    cao.

    no entroncamento dos processos de

    institucionalizao acelerada dos estudos

    de comunicao com o crescimento da in-

    satisfao generalizada com a sua disci-

    plinarizao no contexto das cincias soci-

    ais (Wallerstein) e com a sociedade da co-

    municao (Vattimo) que se pode identifi-

    car a institucionalizao transdisciplinar

    dos estudos de comunicao a que remete

    o socilogo italiano Mario Morcellini. Para

    a comunicao vale a sua metfora de que

    ela indisciplinada (Morcellini e Fatelli,1996), o que a torna um paradoxo em

    face da acelerao do seu processo de

    institucionalizao acadmica, pelo menos

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    desde a ltima dcada (4). a preocupao

    com esse mesmo paradoxo que leva

    Capparelli e Stumpf seguinte afirmao:

    A Comunicao, na sua dimenso insti-

    tucional, procura se organizar de forma

    autnoma, mas no em termos episte-

    molgicos. No que os objetos de estudo

    tivessem se tornado particulares ou que os

    pressupostos tericos fossem prprios. Na

    verdade, a massa crtica sobre o fenmeno

    criou nichos de pesquisadores situados, em

    termos profissionais ou burocrticos, nos

    chamados departamentos de comunicao.

    Em outras palavras, o campo institucional

    procurou se especializar. Um paradoxo:

    procurou se especializar institucionalmenteno momento em que a fragmentao au-

    menta em termos de interfaces e de pers-

    pectivas tericas (Capparelli e Stumpf,

    1998, p. 9).

    No obstante a correo do diagnsti-

    co, meu esforo foi demonstrar que esse

    paradoxo aparente, sustentando que, no

    caso dos estudos de comunicao no Bra-

    sil, a sua institucionalizao como campoacadmico concomitante a uma progres-

    siva afirmao de seu estatuto transdis-

    ciplinar. Em outros termos, um caso de

    luta para afirmar institucionalmente um

    campo acadmico transdisciplinar e afir-

    mar o estatuto transdisciplinar da comuni-

    cao. Este estatuto, como tratamos de

    mostrar aqui, no constitui um caso isola-

    do, mas antes deve ser entendido como

    fazendo parte de movimento contempor-

    neo de reconstruo histrica das cincias

    sociais.

    Duas observaes decorrem dessa po-

    sio. A primeira que a reestruturao

    transdisciplinar das cincias sociais no

    implica dissolver a formao de pesquisa-

    dores nem a prtica cientfica em generali-

    dades, mas sim articular nela a experincia

    e os recursos de diversos ramos e enfoques

    em uma sntese que, na proliferao de

    objetos de estudo abordados, conflua en-quanto lgica cientfica para a produo de

    conhecimento pertinente e consistente, e

    que responda s necessidades sociais, mais

    alm das grupais, que em todo caso se

    somariam em uma identidade maior para

    assim fortalecer-se. A segunda observao

    que a transdisciplinarizao assim enten-

    dida no supe uma arbitrria e radical dis-

    soluo da estrutura disciplinar no insti-

    tucional, e menos no cognoscitivo ou en-

    quanto processo de formao. precisa-

    mente atravs da conquista do rigor teri-

    co-metodolgico e da ampliao e conso-

    lidao do domnio dos saberes at agora

    fragmentados em disciplinas que ns, pes-

    quisadores nas cincias sociais, poderemos

    avanar, a partir do espao acadmico, jun-

    tamente com o nosso tempo sociocultural.

    Para concluir, referendamos a anlise

    feita apresentando um breve resumo de umaspecto importante do campo acadmico

    da comunicao no Brasil, que o seu sis-

    tema de ps-graduao.

    O campo acadmico da comunicao

    no Brasil atualmente constitudo por 163

    faculdades de comunicao que oferecem

    356 cursos de graduao das seguintes ha-

    bilitaes: 118 de publicidade, 116 de jor-

    nalismo, 68 de relaes pblicas, 35 de rdio

    e televiso, 5 de cinema, 5 de produoeditorial e 9 de comunicao social (5). A

    ps-graduao (6), onde se realiza a pes-

    quisa acadmica nos nveis de mestrado e

    de doutorado, constituda por 14 progra-

    mas oficiais, que oferecem 20 cursos, sen-

    do 12 mestrados e 8 doutorados. So 371 os

    professores pesquisadores que atuam nes-

    ses cursos. Dos programas, 8 so pblicos

    e 6 so privados. De 1994 a 1998 foram

    titulados 777 mestres e 271 doutores,

    totalizando 1.048 titulados, com mdia

    anual de 210 titulados, sendo 155 mestres

    e 55 doutores. Em termos de organizao

    institucional, as caractersticas mais mar-

    cantes da ps-graduao so: 1) o forte

    crescimento nos anos 90, quando passou

    de 8 para 20 cursos; 2) a regionalizao,

    atravs da constituio de diversos plos

    geograficamente disseminados; e 3) o r-

    pido crescimento do nmero de instituies

    privadas. Do ponto de vista do campo depesquisa, os assuntos estudados apontam

    para uma configurao transdisciplinar. Os

    principais campos de pesquisa so: estudo

    4 Essa crescente institucionali-zao do campo acadmicoda comunicao possui carac-tersticas prprias em alguns pa-ses da Europa, como a Itlia,onde os cursos de graduaoem comunicao so criao

    recente, dos anos 90, e se donum movimento contrrio aoque aconteceu no Brasil e naAmrica Latina. L, at ento,os cursos eram de ps-gradua-o, tanto como cursos de es-pecializao profiss ional(Master) como cursos de douto-rado, o que fez com que a ati-vidade de pesquisa antecedes-se a de ensino no campo.

    5 Base: cadastramento/99 daAssociao Brasileira de Esco-las de Comunicao (Abecom).

    6 Os dados que se seguem fo-ram retirados da pesquisaNupem/Comps, coordenadapela autora, sobre os egressosdos cursos de ps-graduaoem comunicao no Brasil e queneste momento se encontra emsua etapa inicial.

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    nicao e cultura, estudos interpretativos e

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    comunicao; comunicao, arte e litera-

    tura; estudos de recepo; teoria e episte-

    mologia da comunicao. As interfaces so

    estabelecidas preferencialmente com as

    cincias humanas e sociais (filosofia, ti-

    ca, esttica, histria, poltica, economia,

    sociologia) e com as cincias sociais apli-

    cadas (cincias da informao, administra-

    o, educao, direito).