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1 Workshop “Clima e Meteorologia dos Arquipélagos Atlânticos” “Mudanças Globais do Clima” INCERTEZAS E RISCOS NO CONTEXTO DA ENGENHARIA António Betâmio de Almeida Professor Catedrático (IST) Angra do Heroísmo Junho de 2004 Apresentação e Justificação Na sessão de abertura do Congresso da Água, promovido pela Associação Portuguesa de Recursos Hídricos, que teve lugar no dia 8 de Março de 2004, proferi uma conferência subordinada ao título Incertezas e Riscos no contexto da Engenharia. No final da sessão o Prof. Eduardo Brito de Azevedo teve a amabilidade de me propor a apresentação dessa mesma conferência numa sessão do Workshop “Clima e Meteorologia dos Arquipélagos Atlânticos. Mudanças do Clima Globais”. Foi com muito prazer que aceitei o convite e considero ser um privilégio a oportunidade de estar com ilustres especialistas de um domínio tão importante, na fronteira dos conhecimentos, intimamente associado a incertezas e riscos. A conferência não é, contudo, exactamente a mesma. Procedi a algumas alterações ditadas pelo percurso que vou percorrendo. Interessa precisar o contexto e o objectivo de minha reflexão que insere no âmbito das minhas actuais preocupações: o Risco, nomeadamente o associado aos produtos tecnológicos (ou na engenharia), e a forma de responder ou de actuar. O conceito Risco tem muitas dimensões, nomeadamente científica, tecnológica, social psicológica, económica, jurídica, mediática, política, filosófica e ética e concretiza-se ou materializa-se sob diversas formas. O conceito geral, e quase abstracto, de Risco pode ser, com efeito, concretizado em inúmeras situações concretas as quais, por sua vez, podem ainda ser desagregadas em inúmeras perspectivas

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Workshop “Clima e Meteorologia dos Arquipélagos Atlânticos”

“Mudanças Globais do Clima”

INCERTEZAS E RISCOS NO CONTEXTO DA ENGENHARIA

António Betâmio de Almeida

Professor Catedrático (IST)

Angra do Heroísmo

Junho de 2004

Apresentação e Justificação

Na sessão de abertura do Congresso da Água, promovido pela Associação Portuguesa de Recursos

Hídricos, que teve lugar no dia 8 de Março de 2004, proferi uma conferência subordinada ao título

Incertezas e Riscos no contexto da Engenharia. No final da sessão o Prof. Eduardo Brito de Azevedo

teve a amabilidade de me propor a apresentação dessa mesma conferência numa sessão do

Workshop “Clima e Meteorologia dos Arquipélagos Atlânticos. Mudanças do Clima Globais”. Foi com

muito prazer que aceitei o convite e considero ser um privilégio a oportunidade de estar com ilustres

especialistas de um domínio tão importante, na fronteira dos conhecimentos, intimamente associado

a incertezas e riscos. A conferência não é, contudo, exactamente a mesma. Procedi a algumas

alterações ditadas pelo percurso que vou percorrendo.

Interessa precisar o contexto e o objectivo de minha reflexão que insere no âmbito das minhas

actuais preocupações: o Risco, nomeadamente o associado aos produtos tecnológicos (ou na

engenharia), e a forma de responder ou de actuar.

O conceito Risco tem muitas dimensões, nomeadamente científica, tecnológica, social psicológica,

económica, jurídica, mediática, política, filosófica e ética e concretiza-se ou materializa-se sob

diversas formas.

O conceito geral, e quase abstracto, de Risco pode ser, com efeito, concretizado em inúmeras

situações concretas as quais, por sua vez, podem ainda ser desagregadas em inúmeras perspectivas

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e numa cascata infindável de aplicações a diferentes níveis. Na realidade o termo Risco pode ser

desagregado no plural riscos. No entanto, mantêm-se estruturas comuns nas diversas escalas de

Risco e nos diversos riscos.

Diversos factores concorrem para explicar a génese e importância crescente dos riscos na Sociedade

actual e da consciência que a mesma tem dessa situação.

A designação de “Sociedade de Risco” (U. Beck) é um paradigma desta situação.

De entre estes factores salienta-se, entre outros,

• o poder prático do conhecimento

• a concentração crescente dos “futuros” para o presente como domínio de intervenção social

• a inovação como uma necessidade social

• o poder da informação e participação

• o principio da responsabilização civil e de materialização de perdas

Subjacente a estes factores encontramos uma realidade básica que pode ser considerada como um

conceito acoplado fundamental: a incerteza ou as incertezas epistemológicas.

A identificação de estruturas características comuns ou invariantes dos riscos e a desagregação

associada traduz já um paradigma epistemológico da ciência da modernidade: desintegração de

sistemas em elementos, detecção de estruturas comuns e simplificação do complexo.

A avaliação do Risco ou a avaliação de riscos, e mais ainda, a gestão do Risco confrontam-se com

um desafio epistemológico extremo: o objecto dificilmente pode ser completamente desagregado e

separado do comportamento humano. O problema e a solução englobam o facto material ou físico e o

facto humano e psicológico.

Com efeito, a avaliação dos riscos engloba a análise dos riscos, ou seja, a quantificação das

incertezas associadas aos acontecimentos futuros tornados presentes (cenários) e das respectivas

consequências positivas ou negativas, e ainda, a apreciação dos valores obtidos para os riscos em

análise: valores dos efeitos futuros expectáveis tornados presentes. Este programa envolve por si só

exigências metodológicas muito diversas e transdisciplinares: análise de sistemas físicos, químicos e

biológicos, definição de relações de causalidade, quantificação de incertezas (probabilidades) na

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previsão, na identificação e valorização dos efeitos e na caracterização da percepção (social ou

individual) dos riscos como elemento influente da decisão política ou pessoal.

Justifica-se, em meu entender, a importância da reflexão sobre a associação das incertezas

epistemológicas ao Risco e à gestão do Risco, uma etapa fundamental de um programa de

investigação transdisciplinar sobre um conceito de referência da Sociedade actual.

Este é o tema da minha conferência a qual foi preparada inicialmente, como referi anteriormente, para

a principal conferência nacional sobre a água e os recursos hídricos. Nesta conformidade, a

envolvente predominante da exposição são os riscos associados à água. Esta envolvente não será

estranha aos participantes desta sessão nos Açores. Para mim, é uma oportunidade feliz para poder

recolher reacções de cientistas e especialistas em diferentes domínios que, quase certamente, já

foram confrontados com a importância dos riscos.

A viagem vai começar.

1. INTRODUÇÃO

Viajar é uma forma de exposição a riscos e de colocar à prova as nossas certezas. Este texto

constitui uma proposta de viagem intelectual, num território em que o autor está a trabalhar: o

domínio das incertezas e dos riscos, no contexto da Engenharia e a Água. A viagem proposta

contempla as incertezas, e os riscos decorrentes, associadas a limitações genuínas do conhecimento

humano.

2. PERCURSO DA INCERTEZA

Parece ser consensual designar a sociedade do presente e do “futuro próximo” como uma Sociedade

do Conhecimento cativando-nos, assim, com uma imagem atraente na qual a ignorância e as

incertezas estarão fortemente atenuadas.

Com efeito, a Tecnologia e a Engenharia surpreendem-nos, com realizações cada vez mais arrojadas

e precisas, nomeadamente com a aplicação da informática e a melhoria da qualidade da vida

humana.

O iluminismo e o racionalismo proporcionaram uma grande esperança no conhecimento e no controlo

da Natureza abrindo caminho ao conceito de progresso técnico. O determinismo e a causalidade

mecânica seriam a chave libertadora capazes de garantir ao Homem o (então) presente e futuro. A

questão parecia ser a de ter a capacidade suficiente para abarcar a quantidade incomensurável de

cálculos. Uma “Suprema Inteligência”, imaginada por Laplace no séc. XVIII, para a qual nada seria

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incerto. Os resquícios deste sentimento ainda são encontrados, na actualidade, na percepção pública

da ciência.

O entendimento sobre a verdade e a certeza científica alterou-se, entretanto, radicalmente. Para esta

mudança contribuiu, de forma relevante, o século XX nos domínios da Ciência, da Filosofia, em

particular da Epistemologia, e da Sociologia.

De entre um conjunto numeroso de emergências científicas que abalaram a estrutura da certeza

científica no século XX selecciono os seguintes:

− O comportamento caótico de sistemas não-lineares, de que a previsão meteorológica é um

bom exemplo para a compreensão das dificuldades em realizar o sonho de Laplace;

− A mecânica quântica e a respectiva natureza probabilística, no domínio microscópico, de que

o princípio da incerteza de Heisenberg é um exemplo paradigmático;

− O princípio da incompletude de Kurt Gödel, mostrando que em sistemas matemáticos

axiomáticos existe sempre a hipótese de algumas proposições não poderem ser provadas

como verdadeiras ou falsas.

No início do século XXI, não obstante os numerosos exemplos de demonstração do poder e do rigor

do conhecimento científico (e tecnológico), o tema INCERTEZA está de uma forma aparentemente

paradoxal na actualidade e na agenda de programas internacionais e de reuniões científicas.

Apresenta-se a seguinte definição possível para a incerteza:

− Conhecimento incompleto motivado por deficiências inerentes ao conhecimento adquirido ou

possível.

A incerteza pode ser classificada como um não conhecimento consciente incompleto e apresentar-se

sob as formas de: ambiguidades, aproximações, incluindo a simplificação da complexidade,

raciocínios aproximados e o uso de semântica vaga na linguagem, e indeterminismos caracterizados

por componentes aleatórias, estatísticas, probabilísticas ou por amostragens.

3 – CAUSALIDADE E INDUÇÃO

A questão filosófica clássica da indução foi colocada por David Hume (séc. XVIII) ao interrogar-se

sobre a noção de causalidade na perspectiva vir a poder ser aplicada ao futuro. A “posição céptica”

apresentada conduziu à dúvida que se possa encontrar, entre os factos conhecidos relativos ao

passado, a menor razão sobre objectos ou acontecimentos futuros.

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Kant procurou nas faculdades do espírito humano as formas “à priori” que pudessem garantir a

validade universal, objectiva, das leis científicas.

A questão permanece em aberto, na medida em que a existência da causalidade não tem justificação

epistemológica definitiva. Podemos ter a crença de que faremos melhores conjecturas se tivermos

mais experiência, pois temos mais sinais do que possa vir a acontecer (Hobbes – 1640). Bertrand

Russell (1912) formula o “princípio da indução” com base na associação frequente e na probabilidade

da causa-efeito podendo esta, em caso limite, tender para uma convicção de certeza: se uma lei foi

verificada um certo número de vezes no passado, esse facto constitui uma prova de que a lei será

aplicável no futuro (prova dos futuros passados).

A epistemologia do século XX fornece-nos duas plataformas para enfrentar a incerteza da indução

científica: a pretensão da verdade é abandonada pelo conceito de probabilidade como “grau de

confirmação” (Carnap) e a detecção de regularidades na natureza para previsão de fenómenos

baseada em frequências relativas observadas e identificação de probabilidades (Reichenbach).

Contudo, nem todas as regularidades são possíveis de gerar previsões (Goodman).

Karl Popper, figura incontornável de filosofia das ciências do século passado, defende que o avanço

científico não ocorre por observações repetidas e formulação de leis mas sim por um processo

“hipotético – dedutivo”: enunciado de conjecturas audaciosas submetidas a provas de observação e

experimentação (falsificabilidade).

A probabilidade, baseada na estatística e frequência ou como grau de convencimento consciente,

fornece um quadro interpretativo que nos indica como é que as incertezas podem ser compreendidas

e geridas.

O “cálculo das probabilidades” envolve um certo nível de paradoxo: como podemos estar certos

relativamente ao incerto? Contudo, o conceito de probabilidade não tem como objectivo transformar a

incerteza em certeza ou fazê-la desaparecer. Entretanto a evolução da Sociedade conduziu a

Tecnologia para domínios mais incertos.

A actividade humana projecta-se no futuro sob formas diversas de “colonização” desse futuro com

base na engenharia e a tecnologia. A faixa onde o controlo das condições é compatível com o

conhecimento tende a ser, frequentemente, ultrapassada. A engenharia e a tecnologia passaram a ter

como domínio de actuação um futuro para além dos limites do conhecimento epistemologicamente

“mais provável ou garantido”, penetrando no domínio de incertezas profundas e de convicções sem

fundamento probabilístico. Um domínio para o qual o passado nem sempre nos pode fornecer

“regularidades” e bases indutivas. Para além de resolvermos problemas do presente, a Sociedade

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Tecnológica está a criar e a trabalhar em cenários (“futuros presentes”) que implicam decisões

presentes com incertezas nas consequências que irão ocorrer nos “presentes futuros” (baseado em

Luhmann, 1998), Figura 1.

Controlo de condições

Domínio do passado (“futurospassados”)

Incertezas na compreensão do passado

tempo

Passado informa o presente

Zona de risco - incertezaquantificada (probabilidades)

Faixa de sucesso científico e tecnológico mais provável

Domínio ilimitado do futuro

Incertezas profundas, crenças e príncipios de conduta

PRESENTELimites ao conhecimento(epistemológicos)

Figura 1 – Domínio de intervenção da ciência e de engenharia.

As cadeias de causalidade (as “leis”) enfraquecem e os resultados passam a ser mais vulneráveis:

não podemos ter a certeza das causas determinantes no futuro, os valores iniciais seleccionados

para as previsões poderão não incluir todos os que são fundamentais a longo prazo, podendo a

respectiva ausência ou desvio ser eventualmente suficiente para destruir a validade das previsões. A

sobreposição de múltiplos tipos de cadeias de causalidade envolvendo efeitos de não lineares e

comportamentos caóticos e a interacção entre inertes e vivos colocam limites epistemológicos muito

severos.

Concomitantemente, a Sociedade exige cada vez mais garantias relativamente a essas hipotéticas

consequências nos “presentes futuros”.

Estão, assim, criadas condições para uma poderosa espiral de dilemas éticos e mal-entendidos

angustiantes entre a sociedade civil, a sociedade política (decisores) e a comunidade técnico-

científica. A não consideração das incertezas epistemológicas ou a geração de incertezas na

linguagem e na comunicação agrava os mal-entendidos.

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4. RISCO – GÉNESE E ACTUALIDADE

Um conceito associado à incerteza é o de Risco, conceito da importância no contexto da sociedade

actual e das realizações científicas e tecnológicas. Para alguns autores, a palavra “risco” deriva da

palavra “risicare” que significa “atrever-se”, “ousar”. Outros associam-na ao português antigo e às

navegações e ao desenho de navios. Frank Knight (1921) define risco como um conhecimento

baseado em probabilidades, ou seja, não-conhecimento completo susceptível de ser, contudo,

quantificado através de uma probabilidade.

Os riscos tornaram-se numa das mais emblemáticas características da Sociedade actual. Os riscos,

nomeadamente os tecnológicos, e o impacte dos mesmos na opinião pública tendem a arrefecer o

entusiasmo e a admiração pelos avanços da ciência e da engenharia. Passou a ser frequente a

discussão sobre os potenciais efeitos negativos das inovações tecnológicas, nomeadamente no

ambiente e na saúde pública e, em vez da alegria libertadora das maravilhas científicas, surge uma

angústia persistente levando muitos sociólogos e pensadores a designar a sociedade actual, a

sociedade pós-moderna, como a Sociedade do Risco:

− Desde a Idade Moderna, a sociedade humana (ocidental) foi tendendo a ser uma Sociedade

do Futuro, em detrimento da anterior Sociedade do Passado orientada por tradições,

acolhendo deuses e estabelecendo entendimentos com o destino. Pelo contrário, a Sociedade

do Futuro basculou no domínio do inovador, do transformável. A ciência e a tecnologia foram

alavancas a que se juntou o acelerar de uma ideologia económica, fortemente redutora em

valores de perda e ganho, cuja actividade invadiu “os futuros” como domínios para ganhar ou

perder (Figura 2 e 3).

No contexto da racionalização, a Sociedade distingue os riscos externos dos riscos construídos

(Figura 4). Os primeiros viriam do exterior da Sociedade, da Natureza, e englobavam as catástrofes

não controláveis ou naturais. Os segundos surgiriam da acção da própria Sociedade humana, do

Homem. Este modelo é acarinhado por conhecidos teóricos da pós-modernidade, como Ulrich Beck e

Anthony Giddens. O risco, paradoxalmente, surge, assim, como uma característica social dominante

quando se poderia prever que o sentimento de confiança e de segurança prevalecesse em resultado

dos avanços da ciência e da tecnologia.

O relatório das Nações Unidas publicado em Janeiro de 2004, relativo à redução dos riscos de

desastres (UNDP, 2004), constitui um contributo relevante para a colocação da relação entre risco e

desenvolvimento. Este relatório aborda, entre outras, as seguintes questões:

− Os desastres condicionam, o desenvolvimento social?

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− O desenvolvimento económico potencia o risco de desastres?

− O desenvolvimento social reduz o risco?

− Pode o risco de desastres potenciar o desenvolvimento social e económico?

6/15/2004

Fase do Sangue – Compreensão por aplacação divina(sacrifícios, rituais…)

Fase das Lágrimas – Salvação pela oração, acção piedosae moralmente rigorosa (interpretaçãodo juízo divino sobre o comportamento humano…)

Fase da Razão – Compreensão e caracterização dasincertezas e das previsões pela razão, com bases científicas, decisão poragentes racionais (época moderna…)

Fase da Exigência/Responsabilização - Gestão e programa de controlo, razão

e emoção, total responsabilizaçãohumana, direito e risco, precaução, comunicação e informação (épocapós-moderna…)

Soci

edad

es d

o fu

turo

Soci

edad

es d

o pa

ssad

o

Figura 2 – Fases do Comportamento da Sociedade Humana relativamente a catástrofes e acidentes.

6/15/2004

Futuro

Ignorância

Rejeição

PRESENTE

DECISÃO

Presentesfuturos

Consequênciasque irão ocorrer

Futuros

Presentes“cenário”

LUHMANN, 1998

Figura 3 – Os “futuros” são intensamente chamados ao presente e sujeitos a acções da Sociedade –

uma característica fundamental da Sociedade actual.

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6/15/2004

ENVOLVENTE AMBIENTAL

IMPACTES RISCOS

HOMEM

PASSIVA ACTIVA

PERIGOS NATURAIS

RECURSOS NATURAIS

ATITUDE PASSIVAATITUDE ACTIVA

ACTIVIDADE HUMANA

ZONA DE VULNERABILIDADE

Figura 4 – Geração de riscos naturais e tecnológicos.

O relatório é um exemplo de gestão de riscos, focada em acidentes ou catástrofes, numa visão

prospectiva relacionada com o desenvolvimento sustentável a longo prazo.

Uma outra visão, associada ao significado usual e histórico do conceito risco, é a visão

compensatória que tem por objectivo a redução e controlo de vulnerabilidades, visão ligada à

segurança e à protecção civil.

A definição técnica e operacional da grandeza risco aceite actualmente é a seguinte:

R (riscos) ≡ Expectativa de ocorrências x expectativa de consequências

A expectativa de ocorrências incertas resulta dos cenários de ocorrências futuras previsíveis

quantificáveis por probabilidades (objectivas ou subjectivas). A expectativa das consequências resulta

da interacção dos valores expostos com as ocorrências, em função das respectivas vulnerabilidades

que corresponderão a probabilidades condicionadas de perdas ou ganhos.

A determinação do Risco (um risco específico) e avaliação dos seus impactes estão associadas a um

conjunto de incertezas (Figura 5).

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6/15/2004

R =

I – Incertezas Epistémicas e outras no cálculo das probabilidades(modelos, métodos, erros, viabilidade e aleatoriedade, calibração e validade) – ciências da natureza e exactas.

II – Incertezas Semânticas (linguagem) – rigor na interpretação, comunicação e transmissão (opinião pública) – percepção pública –ciências sociais, psicologia e sociologia.

III – Incertezas na Decisão e na Implementação – reacção e motivação dos decisores – interpretação – pressões políticas e económicas – teorias de decisão.

Probabilidadede impactes

Probabilidadede efeitos

Danos ouperdas

Figura 5 – Tipos de incertezas associados ao controlo de Riscos.

A visão integrada associada a um conjunto de riscos ou a um risco específico confere à análise do

risco uma importância fundamental na génese de medidas técnicas, administrativas ou políticas

consideradas oportunas para cada situação. A análise do risco promove, também, o desenvolvimento

dos conhecimentos e a investigação, na medida em que ousa colocar questões originais e

complexas. A análise das incertezas associadas à análise do risco permite clarificar as limitações dos

resultados e das propostas.

A conjugação das probabilidades objectivas e subjectivas é da maior relevância na operacionalidade

da análise do risco. Contudo, para acontecimentos únicos ou para previsões no domínio do futuro,

sem antecedentes que forneçam o padrão de regularidade ou de semelhança, a dificuldade

epistemológica limita ou impede drasticamente a aplicação das probabilidades de tipo objectivo. A

recuperação e estruturação das probabilidades do tipo subjectivo é, assim, fundamental na análise do

risco.

5. GESTÃO DO RISCO E DECISÃO

Nas áreas da gestão e das finanças, surgiu o conceito de gestão do risco (1956) incorporando

diversas componentes, nomeadamente a componente fundamental da decisão. Esta componente não

só é fundamental como é delicada e difícil.

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A decisão pode envolver a apreciação e selecção de acções alternativas com diferentes valores

residuais de risco. Estas acções estão sujeitas a “princípios” restritivos socialmente predominantes,

nomeadamente os “princípios” de responsabilização futura e de repartição do risco e de precaução e

informação esclarecida.

A deslocação tendencial dos tradicionais riscos externos para riscos construídos coloca questões no

domínio da responsabilidade (“alguém deve ser responsabilizado”) e a consideração da

correspondente compensação de prejuízos no caso do risco se materializar.

A gestão do risco pretende estruturar os processos associados ao conceito do risco e pode ser

aplicada a diferentes contextos, âmbitos e escalas de intervenção: desde uma política global a um

projecto ou a uma obra específica. A Sociedade do Futuro é acompanhada de uma racionalização

dos riscos. Da catástrofe remota passa-se a uma elaborada reflexão presente em torno dos riscos e

construção de uma estrutura de gestão (Figura 6).

Rodin “O pensador” (1888)

Postura preocupada, concentrada e interiorizada.

A Razão traz osFuturos para o Presente.

Figura 6 – O Homem moderno passou a pensar e a sofrer com “os futuros” longínquos..

Na Figura 7 apresenta-se uma estrutura geral de gestão do risco.

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Gestão do risco

(Risk management)

Análise do risco Mitigação do risco

Avaliação (i) do risco

Apreciação (2)

do risco

• Identificação de eventos perigosos

• Avaliação de consequências (danos)

• Cálculo ou avaliação de probabilidades

• Caracterização do risco

Exame e crítica do significado e importância do risco calculado

Aplicação de critérios de aceitação e decisão (RSA)

Redução do risco

Resposta a S. de crise

Prevenção

Protecção

Assistências

Alívio

Aplicação de planos

Ajuda pós desastre

Medidas estruturais e

não-estruturais

ÉTICA

Comunicação do risco

Tomada de decisão

Planeamento

(i) Assessment (2) Evaluation

Figura 7 – Estrutura geral de Gestão do Risco.

6. FRONTEIRAS COM A SOCIEDADE

A gestão do risco implica a participação pública, a informação e a comunicação do risco. Nas

sociedades abertas, a informação baseia-se, fundamentalmente, na comunicação social.

As incertezas epistemológicas podem ser um entrave dramático à comunicação do risco e à

discussão pública antecedente à decisão. Este aspecto é, em geral, decisivo para o destino do

trabalho de muitas das comissões científicas nomeadas pelo poder político.

A comunicação e o jogo de linguagem associado não são instrumentos neutros. Como J. Habermas

(1976) mostrou a acção social de comunicação pode estar orientada para o entendimento, a

formação e o esclarecimento. Contudo, pode derivar para uma “acção estratégica”, evidente ou

latente, constituindo uma manipulação ou uma distorção da informação. Este último tipo de acções

pode conduzir a efeitos de amplificação da percepção do risco, perturbar a participação e, por vezes,

a decisão. Esta questão insere-se num aspecto mais amplo do jogo da linguagem não só envolvendo

a introdução de “metáforas”, simplificações ou “tratamento furtivo” da informação. Este aspecto

consiste na introdução de termos que, objectivamente, não são totalmente apropriados mas que

transportam e induzem determinados sentimentos ou ideias de síntese. Este efeito usa um factor

cognitivo resultante do espírito explorar uma “racionalidade de menor esforço” (L. de Saussure).

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Por seu turno, o público é composto por cidadãos com diferentes perspectivas relativamente aos

perigos e aos riscos. Mobilizar, convencer ou agradar a todos não é possível. Estruturar um sistema

democrático de decisão que atenda a todas as tendências ou opções individuais e as reflicta numa

ordenação de preferências sociais é impossível, como demonstrou Kenneth Arrow (1951).

7 – PAUSA NA VIAGEM

O viajante merece uma pausa para poder reflectir no que conheceu ao longo da viagem. Antes de

retomar o caminho, noutra ocasião, é tempo de fixar algumas notas:

− A incerteza de natureza epistemológica acompanha-nos e nem sempre temos consciência

dessa forte limitação às nossas previsões. O lado positivo é que a incerteza é indispensável à

vida humana tal como a consideramos.

− O Risco não se resuma a um problema técnico de segurança. É também um produto social e

do modo como organizamos os valores da Sociedade. A gestão do risco é a forma mais

adequada de gerar riscos e as incertezas associadas.

− A actual Sociedade do Risco tem o seu fulcro na sociedade dos meios de comunicação de

massa, na política, na burocracia, na economia e não necessariamente no “espaço dos

factos”, conforme afirma U. Beck.

− O paradigma da Sociedade do Risco ocorre na medida em que Sociedade actual acelerou a

sua vocação de gerir o futuro, tanto ou mais que o presente, conforme a opinião de A.

Giddens.

− A Engenharia e a Tecnologia tendem a projectar as respectivas responsabilidades para um

domínio futuro para além das capacidades de controlo epistemológico correspondentes a

“problemas bem colocados ou bem resolvidos”.

− A comunicação adequada do risco é vital, devendo ser tidos em conta os efeitos resultantes

da percepção social e individual. Sem uma operacionalização prática das probabilidades será

difícil a gestão das incertezas.

− A distribuição dos riscos e o seu suporte são problemas cada vez mais prementes que se

colocam aos poderes públicos.

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Bibliografia

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