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80 NÚMERO 80 – 2019 ANO XXV BRASÍLIA DF ISSN 1517-6959 SAÚDE MENTAL E O TRABALHO DO MÉDICO-VETERINÁRIO: ENTREVISTA E ARTIGOS JOGAM LUZ SOBRE O TEMA Histórias de quem faz a diferença na profissão em áreas como sustentabilidade, gestão e nutrição ZOOTECNISTA, SINÔNIMO DE SUCESSO Dayanne Almeida trabalha com ovinocultura, na Nova Zelândia, tem milhares de seguidores nas redes sociais e promove maratona de palestras no Brasil

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NÚMERO 80 – 2019ANO XXV

BRASÍLIA DFISSN 1517-6959

SAÚDE MENTAL E O TRABALHO DO MÉDICO-VETERINÁRIO:

ENTREVISTA E ARTIGOS JOGAM LUZ SOBRE O TEMA

Histórias de quem faz a diferença na profissão em áreas como sustentabilidade, gestão e nutrição

ZOOTECNISTA, SINÔNIMO DE SUCESSO

Dayanne Almeida trabalha com ovinocultura, na Nova Zelândia, tem milhares de seguidores nas redes sociais e promove maratona de palestras no Brasil

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De 6 de maio a 4 de julho de 2019 cfmv @cfmvoocial

@cfmv cfmvoocial

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nº 80

CAPA10 Eficiência e sensibilidade que fazem a diferença

5 ENTREVISTARodrigo Rabelo, médico-veterinário, estuda depressão, síndrome de burnout e fadiga por compaixão

8 Novo Código de Ética do Zootecnista entra em vigor

16 Câmara Nacional de Presidentes inova no formato

18 Aberto o III Ciclo de Acreditação dos Cursos de Medicina Veterinária

20 Brumadinho deixa legado

CRMVS EM PAUTA24 Profissionais são capacitados para situações de desastre ou catástrofe

25 CRMV-GO investe na qualificação voltada a fábricas de alimentos para animais

26 Convênio auxilia profissionais a cumprir gerenciamento de resíduos

27 Fiscalização educativa é prioridade no CRMV-RS

ARTIGOS TÉCNICOS28 Qualidade e destinação adequada dos resíduos de frigoríficos: farinhas e gorduras animais

33 Saúde mental e trabalho: estresse, síndrome de burnout e suicídio em médicos-veterinários

38 Suplemento científico

78 Ética e legislação

SUMÁRIO

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Conselho Federal deMedicina VeterináriaSIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140Brasília-DF – CEP 71205-060Fone: (61) [email protected] ExecutivaPresidenteFrancisco Cavalcanti de AlmeidaCRMV-SP nº 1012Vice-PresidenteLuiz Carlos Barboza TavaresCRMV-ES nº 0308Secretário-GeralHelio BlumeCRMV-DF nº 1551TesoureiroWanderson Alves FerreiraCRMV-GO nº 0524ConselheirosConselheiros EfetivosCícero Araújo PitomboCRMV-RJ nº 3562Francisco Atualpa Soares JúniorCRMV-CE nº 1780João Alves do Nascimento JúniorCRMV-PE nº 1571José Arthur de Abreu MartinsCRMV-RS nº 2667Therezinha Bernardes PortoCRMV-MG nº 2902Wendell José de Lima MeloCRMV-PB nº 252/ZConselheiros SuplentesAntonio Guilherme Machado de CastroCRMV-SP nº 3257Fábio Holder de Morais Holanda CavalcantiCRMV-AM nº 41/ZIrineu Machado Benevides FilhoCRMV-RJ nº 1757Nestor WernerCRMV-PR nº 0390Paula Gomes RodriguesCRMV-SE nº 047/ZDiretora de ComunicaçãoFlávia LôboRevista do CFMVEditorCícero Araújo PitomboCRMV-RJ nº 3562Subeditora e Jornalista ResponsávelViviane MarquesMTb [email protected] EditorialEmanoel Elzo Leal de Barros CRMV-DF 240/ZLigia Maria Cantarino da Costa CRMV-DF nº 0981Marcelo Hauaji de Sá Pacheco CRMV-RJ nº 4034 Capa/DiagramaçãoFoto da capa: Ashley Trobridge Bonach Comunicação

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A Revista CFMV é trimestral e se destina a divulgar ações do CFMV, promover

educação continuada e valorizar a Medicina Veterinária e a Zootecnia. Distribuída

gratuitamente em repartições públicas, instituições de ensino e Conselhos Regionais

de Medicina Veterinária (CRMVs), encontra-se disponível em formato PDF para ser

lida diretamente on-line ou para download, no endereço cfmv.gov.br.

AGRIS L70 CDU619 (81)(05)

O conteúdo dos artigos técnicos e científicos é de inteira responsabilidade de seus autores e não representa, necessariamente, a opinião do CFMV e do jornalista responsável pela revista. Não há retribuição financeira pelos artigos enviados, cujas assinaturas configuram declaração de autoria. Parte ou resumo das pesquisas publicadas, quando enviados a outros periódicos, deverão assinalar, obrigatoriamente, a fonte original. As fotos enviadas, com os devidos créditos, serão indexadas ao banco de imagens do CFMV.

O VALOR DO TEMPO

Francisco Cavalcanti de AlmeidaPresidente do Conselho Federal de

Medicina Veterinária (CFMV)

EDITORIAL

Tempo é um conceito relativo, pois tem o tamanho da situação em que nos encontramos. Dez segundos podem ser uma eternidade ou um instan-te, depende da necessidade. O bom uso do tempo é uma arte com a qual a nossa gestão vem trabalhando para manter o compromisso de, depois de anos, valorizar e apoiar sem distinção a Medicina Veterinária e a Zootecnia.

De forma inédita, os zootecnistas estão amplamente representados dentro do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), por meio de Câmara Técnica e Comissão de Educação próprias. Zootecnistas compõem, ainda, comissões assessoras, o corpo de conselheiros e o Conselho Edito-rial da Revista CFMV, contribuindo ativamente para o processo decisório. A convivência saudável que sempre existiu entre profissionais do campo chegou, enfim, à nossa instituição.

Assim, após anos de tentativas, conseguimos renovar o Código de Éti-ca do Zootecnista, que não mais atendia às demandas atuais da profissão e da sociedade. Nesta edição, destacamos a importância da atuação dos zootecnistas na produtividade, sustentabilidade, nutrição, melhoramento genético e bem-estar animal.

Este número também traz a importância de os médicos-veterinários cuidarem da saúde mental. Segundo os especialistas, a pre-venção de doenças como síndrome de burnout e de-pressão passa pelo uso do tempo como aliado. Que sejamos bem-sucedidos nessa busca.

Boa leitura!

Erratas (edição 79)p. 8 – A Recomendação CNES nº 61 ainda aguarda ser acatada pelo Ministério da Saúde e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A reportagem pode dar a entender que ela já estaria valendo.p. 54 – A sigla da Universidade do Estado de Santa Catarina é Udesc e não Unidesc, como publicado.p. 57 – Na nota da subeditora, o texto indica erroneamente que o desabamento da barragem da Vale, em Brumadinho, superou Mariana em volume de rejeitos. No entanto, o desastre da Samarco, em 2015, derramou 43 milhões de metros cúbicos de rejeitos, contra 12,7 milhões em 2019.

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ENTREVISTA

Rodrigo Rabelo, médico-veterinário

intensivista

Publicado há cerca de dois anos, o Estudo de Bem-Estar

Veterinário (Merck Animal Health Veterinary Well-

being Study), conduzido pelo laboratório MSD, em par-

ceria com a American Veterinary Medical Association

(AVMA), mostrou que 30% dos profissionais tiveram

episódios de depressão após concluir o curso e, em 17%,

houve tendências suicidas. O que os torna vulneráveis?

No estudo americano, a sobrecarga de trabalho (over-load) revelou-se a causa mais importante para a doen-ça, bem como a necessidade de lidar com funcionários e clientes sob alto nível de estresse, a vivência com os erros médicos e o luto. Já em dois estudos que realiza-mos pela Intensivet – um em parceria com a Universi-dade de Santo Thomaz, em Concepción (Chile), e outro, ainda inédito, feito no Brasil –, a falta de reconheci-mento é algo importante na América Latina, associada a ter que lidar com o luto contínuo, carga de trabalho exagerada e remuneração mal ajustada ao nível de co-nhecimento exigido.

Outra pesquisa, inglesa, indica que a taxa de suicídio

de médicos-veterinários é quatro vezes maior do que

na população em geral. Como é no Brasil?

É parecido. Os últimos dados do Datasus são de 1980 a 2007 (Sistema de Informação de Mortalidade/Data-sus/Ministério da Saúde) e indicam que a taxa de suicí-dios de médicos-veterinários é de 10,6 vezes para um, frente à população em geral, enquanto a possibilidade de cometerem o ato é 2,25 vezes maior.

O termo “fadiga por compaixão” ainda é pouco conhe-

cido no Brasil. Como ele surgiu e de que modo ela se

manifesta? Há estatísticas sobre o tema?

Até 2017, o burnout não constava na Classificação Internacional de Doenças (CID), usada no mundo in-teiro. A fadiga por compaixão nem classificada está. Trata-se de uma condição experimentada por cuida-dores que estão em sofrimento ou estresse gigante, refletindo a tensão e preocupação com a dor do ou-tro, num nível em que se assume o estresse pós-trau-mático secundário. Essa síndrome foi descrita dez

Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) indicam que o médico-

-veterinário é o profissional com maior risco de suicídio no Brasil,

na proporção de dez atos cometidos para um realizado pelo

restante da população. Por trás desses números assustadores,

podem estar a síndrome de burnout (sensação de esgotamento

crônico por sobrecarga de trabalho) e a fadiga por compaixão,

que gera sintomas de estresse pós-traumático em cuidadores.

Essa é a avaliação do médico-veterinário intensivista Rodrigo

Cardoso Rabelo, gerente do Departamento de Pacientes Graves

do Intensivet Núcleo de Medicina Veterinária Avançada (DF).

Também consultor em medicina intensiva e gestão hospitalar

Lean health care, ele monitora preventivamente suas equipes

e alerta os empregadores. “Esse cuidado é importante, porque

dificilmente a pessoa percebe que está em burnout”.

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 80 55

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anos atrás, pelo médico Charles Figley, referente a enfermeiros que tratavam veteranos da Guer-ra do Iraque. Cuidar do outro sem cuidar de si pode levar a compor-tamentos autodestrutivos. Fadi-ga, isolamento, guarda das emo-ções e abuso de álcool e drogas são alguns sintomas. As principais causas de deflagra-ção das síndromes laborais nos profissionais do país são: lidar com a morte cinco vezes mais do que outros profissionais da saúde e a falta de definição de objetivos reais na vida pessoal e profissional. Medir o problema é essencial. No Brasil e em vários países, somos a profissão que mais se suicida. É um dado alar-mante.

Como diferenciar síndrome de

burnout de fadiga por compaixão?

A diferenciação é complicada e não sabemos se daí surgiu uma nova síndrome laboral, na qual o alto nível de cuidado se torna destrutivo, associado à carga pe-sada de trabalho e à falta de re-conhecimento profissional. Am-bas se misturam – o burnout está mais relacionado ao esgotamento emocional crônico por sobrecarga de trabalho, enquanto a fadiga, à exaustão emocional de trabalho por outra pessoa. Para medir a fadiga por compai-xão, o questionário de 12 per-

guntas é o mais clássico, com questões sobre se irritar ou cho-rar por estresse no trabalho e le-var situações profissionais para casa, entre outras. O questionário que se aplica ao burnout, sendo o Maslach o mais conhecido, ava-lia níveis de esgotamento emo-cional, realização profissional e despersonalização (grau de dis-tanciamento que o profissional mantém do paciente). Em brasileiros, há um alto grau de esgotamento emocional associa-do a um bom nível de realização e baixa despersonalização, indican-do um cruzamento entre fadiga da compaixão e burnout – toma-mos o paciente como nosso e nos emocionamos, o que são sinais claros de fadiga. É preciso cui-dado para não as confundir com depressão, síndrome do pânico e estresse pós-traumático, daí a importância de buscar ajuda de psiquiatra ou psicólogo envolvido com doenças laborais.

Idealizar a profissão pode ser um

fator de predisposição a distúr-

bios psíquicos?

Muitos colegas ingressam no curso porque amam os animais, mas deveriam fazê-lo porque amam as pessoas. Idealizar uma profissão pode ser, sim, um fator de risco. É importante entender que o curso forma um agente de saúde pública, que usa a saúde

dos animais como instrumento para salvar vidas humanas, seja cuidando deles, seja evitando zoonoses, mas sabendo que vai lidar com pessoas. A idealiza-ção vem da falta de treinamento para a futura realidade, por isso na graduação devia haver disci-plinas obrigatórias sobre ética, comunicação de más notícias, li-dar com o luto e gestão de recur-sos humanos.

É possível traçar um perfil do

médico-veterinário propenso ao

burnout?

É interessante perceber que, no estudo americano, o burnout afe-ta mais as mulheres de até 50 anos, formadas há mais de uma década, separadas ou solteiras, sem filhos. No Brasil, as vítimas são casadas, tiram poucas férias e não praticam atividade física nem um hobby, enquanto no Chile a prevalência é em solteiros. Tudo isso mostra que é preciso cau-tela com estudos de correlação, pois nenhum é de causa e efeito, randomizado nem duplo-cego, ou seja, não se propõem a descobrir a causa. Então, é complicado pen-sar em como reduzir a incidência sem gerar dados estatísticos mais apropriados.

Em que momento a necessidade

de buscar ajuda se torna percep-

tível? Como se cuidar?

ENTREVISTA

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 806

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Os locais de trabalho devem ter uma área ou pessoa responsável por monitorar o estado mental dos colaboradores. Na clínica, nossa função como gestores é monitorar e mapear, usando questionários. Esse tipo de cuidado é importante, porque é muito difícil a pessoa perceber que está em burnout.Aos profissionais, uso e recomendo alguns truques. Um: não trabalhar can-sado. É difícil, muitos são arrimos de família e assumem vários plantões noturnos, mas não é saudável. Outro ponto é manter a calma durante o atendimento e não priorizar a rapidez, mas o bom uso do tempo para rea-lizar os procedimentos. Conhecer as normas que regem a profissão ajuda numa atuação mais centrada. O que cada um pode fazer é impor-se limites, delegar funções, ter tem-po para descanso, se alimentar e até beber água. Escolha suas batalhas, eduque-se financeiramente e prepare-se para o futuro com a profissão que escolheu. Com persistência, paciência e resiliência, é possível alcan-çar seus objetivos.Essas medidas ajudam o profissional a se organizar e realizar uma comuni-cação de qualidade, gerando compromisso entre a equipe e com os clientes. Também é importante ter um hobby, praticar exercícios físicos ou mentais e seguir uma crença que represente um porto seguro. O fato é: não vamos salvar 100% dos animais nem ficar acordados 24 horas, todo dia.

Médicos-veterinários de determinadas áreas são mais vulneráveis?

Não conheço estudos, mas há uma percepção de que o profissional mais vulnerável é o clínico de animais de companhia ou aspirante a intensivis-

ENTREVISTA

ta que lida com internação, pois vive a morte e o baixo reconhe-cimento como rotina – mais até do que oncologistas, que tratam o animal, mas dificilmente estão no momento de sua morte.

É possível amparar de forma

ampla esses profissionais, inclu-

sive por meio de políticas públi-

cas de saúde?

Inserir a fadiga por compaixão na CID, tornando o suporte psi-cológico e psiquiátrico acessível via plano de saúde ou sistema público de saúde, seria um pri-meiro passo. Unir forças com profissionais de outras áreas da saúde para melhorar o potencial investigativo dessas doenças, envolver o Ministério da Educa-ção numa mudança curricular e promover melhores condições de estudo e trabalho seriam me-didas importantes.Será inevitável conviver com o excesso de escolas e as gradua-ções a distância. Um caminho, então, é buscar que as institui-ções insiram na grade curricular o preparo sobre doenças labo-rais e o mercado de trabalho, por exemplo. Sugiro também que clí-nicas com plantões de 24 horas e internação tenham algum pro-grama de controle que monitore a condição laboral de quem está no dia a dia dos cuidados inten-sivos com animais.

“Em brasileiros, há um alto grau de esgotamento emocional associado

a um bom nível de realização e baixa despersonalização, indicando

um cruzamento entre fadiga por compaixão e burnout.”

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ATUALIZAR

LEGISLAÇÃO EM PAUTA

Mais claro e abrangente, o novo Código de Éti-ca do Zootecnista foi aprovado em plenária pelo Conselho Federal de Medicina Veteri-

nária (CFMV), no dia 11 de abril, em Brasília (DF). Após 37 anos da primeira versão, o documento foi instituído pela Resolução nº 1.267/2019 e entrou em vigor no Dia do Zootecnista (13 de maio).

As mudanças visam acompanhar a evolução da profissão, bem como novas resoluções do CFMV e a le-gislação em geral. O juramento do zootecnista passa a figurar no documento, além de menções à importância do bem-estar animal e da genética, temas ainda inci-pientes na profissão 37 anos atrás.

O assessor técnico da Presidência do conselho, Fernando Zacchi, destaca as seguintes inovações no novo Código de Ética:

D Com uma visão de saúde única, ressalta a impor-tância do papel do zootecnista na promoção do desenvolvimento sustentável, preservação e con-servação dos recursos naturais, bem como na ma-nutenção e melhoria da qualidade da vida humana e animal.

D Reforça o compromisso de respeito à comunidade, ao cliente, ao paciente e a outros profissionais, dan-do ênfase à sua responsabilidade civil e criminal.

D Elenca os deveres do zootecnista quando assume o papel de responsável técnico, disciplinando tam-bém questões nas quais possa haver conflito de interesses para os profissionais que tenham atri-buição de fiscalização.

D Regulamenta a conduta profissional diante de pu-blicações científicas, na propaganda pessoal e nas divulgações em veículos de comunicação de massa.“O objetivo do novo código é preservar os bons

NOVO CÓDIGO DE ÉTICA DO ZOOTECNISTA ENTRA EM VIGOR

profissionais e atualizar as regras de conduta no exer-cício da Zootecnia. Trata-se de uma grande conquista para os oito mil zootecnistas atuantes no Brasil”, afir-ma Wendell José de Lima Melo, conselheiro efetivo do CFMV.

JURAMENTO E PREÂMBULOAlém de atualizar direitos e deveres, para ajustá-

-los à evolução da profissão, o novo código terá estam-pado o juramento do zootecnista (que não constava do documento) e um preâmbulo. A proposta desse texto inicial é apresentar os objetivos do documento – “re-gula os direitos e deveres do profissional em relação à comunidade, ao cliente, ao paciente, a outros profis-sionais, ao meio ambiente” – e a importância de sua observância no exercício da profissão – “Para o exercí-cio profissional com integridade, respeito, dignidade e consciência, o zootecnista deve observar as normas de ética profissional previstas neste código, na legislação vigente, e pautar seus atos por princípios morais, de modo a se fazer respeitar, preservando o prestígio e as nobres tradições da profissão” –, assim como reforçar que “a fiscalização do cumprimento das normas éticas estabelecidas neste código é da competência dos Con-selhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária”.

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T Sessão plenária que aprovou a Resolução nº 1.267,, realizada em abril de 2019

Aprovado em plenária, novo texto acompanha a evolução da profissão e substitui a versão publicada em 1982

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REPERCUSSÃO

"A aprovação do novo Código de Ética do Zootecnista reflete o atual momento de relacionamento institucional vivido entre a Zootecnia brasileira e o CFMV, na medida em que o processo de revisão do documento se arrastava há anos. Não bastasse a necessidade de atualização em si, uma vez que o código anterior era de 1982, o texto aprovado dá clareza a relações de comportamento e ação do zootecnista, apresenta maior conformidade ao juramento feito por ocasião da co-lação de grau, confere mais segurança à adoção das medidas legais, no caso de possíveis infrações éticas, e assegura à sociedade o cumprimento do dever institu-cional de prestar serviços calcados em parâmetros éticos."

“O Código de Ética do Zootecnista necessitava muito de uma atualização, visto que, como um código de postura, moral e honra, não refletia os anseios e as áreas que se incorporaram às nossas atividades profissionais. Sabemos que a ética se re-fere à reflexão crítica sobre o comportamento humano, a responsabilidade profis-sional, a busca da autonomia, do agir com competência, mobilizar conhecimentos para julgar e eleger decisões para a prática profissional democrática, princípios e comportamento moral. Foi o que se buscou na atualização desse importante documento, que passou por várias mãos, desde 2008, capitaneado pela Comissão Nacional de Educação em Zootecnia (CNEZ/CFMV) e por um grupo de trabalho constituído pela diretoria do CFMV, que ouviram e atenderam aos anseios da pro-fissão. Esperamos reverberar na sociedade bons costumes e boas práticas profis-sionais. Vale parabenizar toda a Zootecnia brasileira, os membros da CNEZ/CFMV, a diretoria e os conselheiros, pela condução, discussão e aprovação em plenário do novo Código de Ética do Zootecnista.”

“A publicação do novo Código de Ética do Zootecnista é um marco regulatório de extrema importância para a categoria. A resolução atribui aos zootecnistas brasileiros uma grande responsabilidade em seu vasto campo de atuação e esses profissionais continuarão a exercer sua profissão com o zelo, honestidade e com-petência que lhes são peculiares.”

Marinaldo Divino Ribeiro, presidente da Associação Brasileira

de Zootecnistas (ABZ)

Bruno de Souza Mariano, membro da

CNEZ/CFMV

Emanoel Elzo Leal de Barros, membro da Comissão

Nacional de Fiscalização (CNAF/CFMV) e do Conselho

Editorial da Revista CFMV

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Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 79 Outubro a Dezembro 201810

CAPA – ZOOTECNIA

EFICIÊNCIA E SENSIBILIDADE QUE FAZEM A DIFERENÇAZootecnistas renomados contam histórias de sucesso na vida e na profissão, na qual exercem papel fundamental na economia do país, sem perder o entusiasmo dos iniciantesMarcela Saad, Melissa Silva e Viviane Marques

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Imprescindíveis para a eficiência na produção de alimentos, os zootecnistas cuidam da nutrição e do bem-estar dos animais, bem como do uso sustentá-

vel dos recursos naturais, do melhoramento genético e da conservação e preservação das espécies, entre ou-tras atividades. Os mais de oito mil profissionais atuan-tes no país têm enorme importância para a economia brasileira, mas seu papel vai além.

Mais do que conhecimento técnico, fazem a dife-rença pela versatilidade e pelo brilho contagiante no olhar com que exercem a profissão. Nas próximas pá-ginas, será possível conhecer histórias de algumas pes-soas que influenciam o presente e o futuro da Zootecnia no Brasil, verdadeiras referências para os colegas pela competência e orgulho que sentem do ofício. São eles: Antonio Chaker, na gestão; Dayanne Almeida, na ovino-cultura; Gabriel Estivallet, na nutrição de cães e gatos; e Carlos Saviani, na sustentabilidade. No Portal CFMV, é possível ler os textos completos e conhecer as his-tórias de Mateus Paranhos, em bem-estar animal, José Ribamar Marques, no melhoramento genético, e Liliana Batista, na certificação.

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Antonio Chaker El-Memari Neto define o zootecnista como um agente de transformação. Graduado e mestre pela Universidade Estadual de Ma-ringá (UEM), destacou-se pelo desenvolvimento de métricas gerenciais – que reuniu no livro Como ganhar dinheiro na pecuária: os segredos da gestão descomplicada, lançado em 2018. Há 17 anos, atua em projetos de gestão agropecuária, com foco na ampliação da gerenciabilidade e lucro de fazendas. Também é fundador do Instituto Inttegra, franqueadora que monitora 420 fazendas no Brasil, Paraguai e Bolívia.

“A Zootecnia tem sido fundamental para a transformação que o Brasil vive no setor agropecuário, tornando-se a principal formação no que diz respeito à coleta, análise e processamento de dados, entregando cada dia mais informação”, avalia.

Chaker destaca outros aspectos nos quais o desenvolvimento do pro-fissional de Zootecnia vem avançando. O humano e tecnológico se unem na compreensão de ferramentas para a gestão de recursos humanos e desenvolvimento de equipes, estabelecendo processos de feedback que usam técnicas de automação e big data. O terceiro eixo seria a gestão em si. “Juntos, formam os fundamentos para realizar um plano estratégico plurianual, definir metas, construir um processo de gestão de produção integrado, para que seja possível respeitar o meio ambiente, produzir mais com menos, preservar o contexto da felicidade humana, respeitando naturalmente os animais”, explica.

Sua trajetória seguiu o roteiro: graduação, fazenda, mestrado, con-sultoria (na Terra Desenvolvimento, ao lado do professor Antonio Fer-riani Branco, em que permaneceu até 2015) e franqueadora. A vivência o credencia a ressaltar que o gestor do processo agropecuário só será eficiente se dominar o sistema de produção, que é técnico. Segundo ele, a Zootecnia conecta todos os aspectos da produção e, por isso, é muito comum que seu profissional lidere processos em fazendas, indústrias e, muitas vezes, cooperativas de produção. “Você não vê especialistas em gestão trabalhando diretamente na fazenda, onde a operação do dia a dia é fundamental para a tomada das melhores decisões gerenciais. Isso ex-plica também o tipo de formação e talvez de profissional que a Zootecnia atrai: pessoas com uma visão produtiva, de desenvolvimento e cresci-mento”, afirma.

Chaker enxerga a Zootecnia como missão. Em sua opinião, todo profissional deveria voltar à universidade para passar o que aprendeu na carreira aos que estão começando e, se possível, dar emprego ao zootecnista. “A Zootecnia virou um propósito de vida, o que me traz significado para acordar todo dia, cada dia mais cedo, e fazer cada vez mais”, declara.

ANTONIO CHAKERGESTÃO

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Em 2009, ao concluir o curso de Zootecnia na Universidade Estadual Pau-lista (Unesp), em Botucatu, Dayanne Almeida enviou mais de 500 e-mails a fazendas na Nova Zelândia para tentar um estágio no país, que é re-ferência mundial na ovinocultura. De lá, administra nas redes sociais o canal Sheepnutter, para compartilhar sua rotina e informações com pro-fissionais e estudantes. Passa um mês por ano no Brasil, promovendo a Maratona Ovinocultura em Foco, com palestras, debates e discussões, seguidos de dias de campo voltados ao aprimoramento da pecuária de ovinos no Brasil. O nome do canal é uma palavra que inventou, algo que em português significaria “louca por ovelhas”.

A história de Dayanne com a Zootecnia remonta a 2004, quando in-gressou na faculdade após abandonar o curso de Medicina. Sem nenhum histórico ou vivência no campo, viu-se assombrada pela “síndrome do impostor”, insegura em relação à própria capacidade, e compensou tra-balhando em todo tempo vago que tivesse. Ávida por destrinchar o uni-verso da Zootecnia, envolveu-se ainda no primeiro ano de faculdade com a empresa júnior de nutrição de ruminantes. Logo percebeu a carência da ovinocultura brasileira por técnicos qualificados e dispostos a trabalhar junto aos produtores. “Escolhi a ovinocultura pelo desafio diante de um potencial adormecido, pela eficiência produtiva da ovelha e pelo amor que a atividade desperta em mim”, afirma.

Há cinco anos, é contratada da Fazenda Wairere, maior provedora de genética ovina do “país das ovelhas”, que comercializa três mil reprodu-tores por ciclo produtivo. Para ela, o Brasil tem muito a aprender sobre o tema. “A Nova Zelândia produz 700 kg de carne (ovinos e bovinos) por

DAYANNE ALMEIDA OVINOCULTURA

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hectare, com 70% dos cordeiros provenientes de regiões de terre-nos montanhosos, em condições climáticas severas. Em 20 anos, o ganho genético geral produtivo por matriz foi de 86%, com me-nos da metade do rebanho inicial da década de 1970. Trabalham--se o manejo nutricional de forma exemplar e a seleção de animais orientada para a produtividade, com um dos sistemas de avaliação genética de ovinos mais renoma-dos do mundo”, conta.

Nas redes sociais, Dayanne compartilha sua rotina de trabalho na fazenda e projetos na ovinocultura, divulgando orientações, vídeos e gráficos. O canal Sheepnutter – Ovinocultura em Foco conta com 15 mil seguidores no Facebook e 7,5 mil no Instagram. No YouTube, seus vídeos já foram assistidos quase 30 mil vezes. “É um canal de discussão sobre produção de ovinos no Brasil e nos países onde a atividade é de excelência. Foi a maneira que achei para contribuir de forma voluntária com meu país”, diz.O sucesso on-line rendeu convites para vir ao Brasil, que resultaram na Maratona Ovinocultura em Foco, uma sequência de eventos (palestras, conferências, seminários e rodas de discussão, geralmente segui-dos de dias de campo) em que compartilha sua vivência e o que dela pode ser adaptado para o Brasil. Banca a passagem internacional e organiza uma logística que lhe permite ir a várias cidades num período de três a quatro semanas, em troca apenas de passagens domésticas, alimentação e hospedagem. Em 2018, as maratonas reuniram mais de 2,9 mil pessoas em 21 eventos no Brasil e em Ciudad del Leste (Paraguai). Às vezes, comparece a três cidades no mesmo dia. A Maratona Ovinocultura em Foco de 2019 será em agosto e deverá ocorrer em mais de 30 locais.

CANAL SHEEPNUTTER E MARATONA OVINOCULTURA EM FOCO

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Profissional eficiente na produção animal é aquele que mais cedo leva o boi, frango e porco ao abate. Mas, na nutrição pet, a lógica é inversa. “Quanto mais eficiente for o zootecnista nessa área, formulando uma dieta completa e balanceada para cães e gatos, mais saudáveis ficarão os animais. Por isso escolhi essa área”, explica o zootecnista Gabriel Estivallet, doutor em Nutri-ção de Cães e Gatos.

Ainda na graduação, em 2008, enxergou esse nicho de mercado e montou o Grupo de Estudos em Nutrição de Cães e Gatos, na Universida-de Federal de Santa Maria (UFSM). Acabou fazendo mestrado e doutorado sobre o tema, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – o último em esquema de intercâmbio na Universidade de Berlim (Alemanha).

Os números mostram que a análise de Estivallet estava correta. Hoje, o Brasil é o terceiro do mundo em faturamento na indústria pet, que fe-chou 2017 com saldo de mais de R$ 20 bilhões e cresceu 8%, compa-rado ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira das Indústrias para Animais de Estimação (Abinpet). Em 2013, o Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE) contabilizou a existência de 52,2 milhões de cachorros e 22,1 milhões de gatos nos domicílios.

“Pelo processo de antropomorfismo [humanização] por que os pets foram acometidos, o mercado tem muita demanda, o que nos permite trabalhar de forma multidisciplinar”, afirma. Na indústria, conduziu o de-senvolvimento de produtos que incluíam ingredientes frescos na dieta, uma novidade seis anos atrás.

Estivallet migrou para a área acadêmica e, atualmente, ministra aulas de nutrição básica e específica de cães e gatos, bromatologia, compor-tamento e bem-estar animal. Apesar de hoje ser obrigatória e específica da graduação em Zootecnia, a disciplina Nutrição de Cães e Gatos tem poucos grupos de pesquisa e docentes especializados. “Apenas nove ins-tituições têm professores especializados na área, com mestrado ou dou-torado”, afirma.

GABRIEL ESTIVALLET NUTRIÇÃO DE CÃES E GATOS

Durante o doutorado, Estivallet desenvolveu um projeto sobre o papel do mercado pet no fechamento do ciclo agropecuário, por meio de edital conjunto do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da organização alemã de intercâmbio acadêmico Deutscher Akademischer Austauschdienst (DAAD). Pesquisou o efeito da suplementação de ácidos graxos poli-insaturados na dieta de pets e percebeu que cães são super-resistentes a estresse oxidativo. “Isso permite reaproveitar os subprodutos gerados na agricultura e na pecuária”, relata. Provou que o mercado pet tem relevância para o ciclo da agropecuária, ao permitir que todos os resíduos ou subprodutos gerados na produção animal virem coprodutos, ingredientes e matéria-prima para a nutrição de cães e gatos, evitando o desperdício e o impacto do descarte no meio ambiente.

PETS NA CADEIA AGRO

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O paulistano Carlos Saviani chegou à Zootecnia como uma forma de re-unir a paixão pelo estilo de vida do campo e pela produção animal ao interesse pela área de gestão. “Entrei no curso de cabeça aberta. Estagiei em fazendas de gado de leite, corte, piscicultura, suinocultura e produção de mel, tudo para conhecer o máximo sobre a profissão”, conta.Já no primeiro emprego, começou a ganhar experiência na área de negócios e fez um curso de administração rural que o levou a um curso de gestão de marketing, nos Estados Unidos. Voltou ao Brasil para trabalhar nessa área, numa multinacional, e seguiu carreira em outras grandes empresas. Ao ela-borar estratégias globais de marketing, pôde conhecer a realidade da pro-dução animal nos quatro cantos do planeta. Sem perceber, muitas soluções que ajudou a desenvolver já tinham uma pegada de sustentabilidade, pois ela se conecta diretamente à melhoria da produtividade. Uma necessidade crescente para consumidores, processadores, varejistas e se tornava uma questão de sobrevivência para produtores também”, explica. A viabilidade econômica é um dos pilares da sustentabilidade, ao lado do social e do ambiental. “Sustentabilidade é produzir mais riqueza com me-nos uso de recursos naturais e desperdício. Tem a ver com gestão, técnica, marketing e possibilita desenvolver estratégias numa relação ganha-ganha para o consumidor, o produtor e o planeta”, resume Saviani, que, no desejo de unir marketing e sustentabilidade, deu uma nova guinada na carreira e, em 2014, foi para a World Wild Fund for Nature (WWF), nos Estados Unidos.

CARLOS SAVIANI SUSTENTABILIDADE

Na organização, foi o primeiro brasileiro a ocupar o cargo de vice-presidente de Mercados e Alimentos, e lá permaneceu por cinco anos. Implementou progra-mas colaborativos para a defini-ção, mensuração e aplicação de melhoria contínua em sustentabi-lidade, com apoio a produtores e demais elos da cadeia de proteí-nas animais.

Saviani destaca que a maior parte dos impactos ambientais na produção de alimentos ocorre na fazenda, justo onde a maior parte dos recursos é utilizada e o trabalho é menos profissionalizado. Ali se faz funda-mental o papel do zootecnista, que é capaz de adotar boas práticas de manejo, tecnologia, treinamento de funcionários e gestão que incrementem melhorias no uso dos recursos. “Hoje, a produção de alimentos usa 70% da água potável do planeta, emite 20% dos gases de efeito estufa e ocupa 40% das terras. Geramos um impacto enorme e o desafio do zootecnista é produzir mais com menos, sem destruir o planeta”, diz.Na WWF, integrou uma série de iniciativas que visam tornar mais sustentável a produção animal. Um exemplo é a produção de carne e soja livres de desmatamento. Em 2015, com lideranças de outras três organizações, idealizou, planejou e lançou a Iniciativa Florestas e Agricultura (CFA), um esforço de cinco anos que está trabalhando para ajudar a tornar a produção de carne bovina e soja sem desmatamento um padrão global. O resultado são compromissos sólidos de conversão zero de empresas líderes relevantes que compram, distribuem e processam soja e carne bovina nas regiões da Amazônia e Cerrado, no Brasil, e no Gran Chaco, na Argentina e Paraguai. “A sustentabilidade ajuda a proteger o meio ambiente, os ani-mais e os funcionários, assim como a lucratividade do negócio, em uma relação vantajosa para todos. É um papel mais nobre, mais amplo”, conclui o zootecnista.

ZOOTECNIA E SUSTENTABILIDADE

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CÂMARA NACIONAL DE PRESIDENTES TEM NOVO FORMATO

Reunião entre diretoria e regionais inova e divide participantes em grupos de trabalho para sugerir alterações em três resoluções do CFMV

Com a presença dos presidentes dos 27 Conse-lhos Regionais de Medicina Veterinária (CRMVs), o Conselho Federal de Medicina Veterinária

(CFMV) promoveu, de 13 a 15 de maio, a I Câmara Na-cional de Presidentes (CNP) de 2019. A novidade ficou por conta do formato do encontro, que dividiu os par-ticipantes em três grupos para, juntos, chegarem a um

INSTITUCIONAL

T Presidentes dos 27 Conselhos Regionais de Medicina Veterinária reuniram-se na sede do CFMV para discutir três resoluções

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consenso sobre a reformulação de três resoluções do federal: nº 875, que aborda o processo ético; nº 958, sobre eleições nos conselhos; e nº 1.015, que modifica as estruturas dos estabelecimentos veterinários.

Segundo a médica-veterinária Erivânia Camelo, chefe de gabinete do CFMV, as três resoluções precisa-vam se modernizar para abranger temas relacionados ao uso da internet, como o voto eletrônico e a emissão on-line de certidões, e se adequar a mudanças ocorri-das na legislação brasileira.

“Essas foram as resoluções que receberam mais pedidos de alteração pelos CRMVs, por estarem obso-letas. Assim, receberam contribuições das comissões assessoras do CFMV, posteriormente consolidadas pela Comissão Nacional de Ética e Legislação e pelo

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Departamento Jurídico, que elaboraram propostas. Esse texto foi enviado aos regionais, que mandaram suas contribuições antes do evento. Os principais pon-tos foram discutidos durante a CNP. Se não conseguir-mos fazer uma minuta única, a ideia é levar os pontos controversos à plenária do CFMV”, explicou.

A novidade foi bem recebida. Marcelo Weinsten Teixeira, do CRMV-PE, associou o formato à proposta da atual gestão do CFMV, de ouvir e estimular a parti-cipação efetiva dos regionais. “Esse novo modelo re-presenta uma mudança salutar. Dá a possibilidade de discutirmos e ouvirmos as experiências dos colegas presidentes, o que é muito enriquecedor, pois apren-demos e é uma oportunidade de conhecer melhor o sistema”, afirmou.

A presidente do CRMV-PA, Maria Antonieta Marto-rano, ressaltou a importância da contribuição dos con-

selhos para a atualização e construção de resoluções. “É importante que a gente faça parte disso, trazendo as experiências de cada regional, e, com a contribuição de todos, as resoluções sejam aplicáveis a todos os esta-dos”, assinalou.

Marcos Neves, presidente do CRMV-SC, comen-tou que o modelo de discussão em grupo é o ideal, pois torna possível debater os problemas apresen-tados e construir soluções. “Favorece a discussão, pois é melhor para cada um manifestar a sua opi-nião”, avaliou.

O presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti de Al-meida, considerou a iniciativa bem-sucedida e espera manter o formato. “O conselho é de todos! É funda-mental ouvir quem está na ponta para atuarmos com eficiência e celeridade, buscando as melhores solu-ções para nossas dificuldades”, disse.

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ABERTO O III CICLO DE ACREDITAÇÃO DOS CURSOS DE MEDICINA VETERINÁRIA

É possível aderir ao edital até o dia 4 de julho. Iniciativa atesta a qualidade das graduações em todo o país

Um selo de qualidade. É como se pode definir o Projeto de Acreditação dos Cursos de Me-dicina Veterinária, realizado pelo Conselho

Federal de Medicina Veterinária (CFMV). O edital do terceiro ciclo foi aberto no dia 6 de maio e está dispo-nível, até 4 de julho, no endereço http://acreditacao.cfmv.gov.br, a gestores e coordenadores de graduação interessados em verificar a qualidade de seus cursos. O anúncio foi feito na cerimônia de abertura do XXIV

EDUCAÇÃO

T Rafael Mondadori lança o III Ciclo de Acreditação dos Cursos de Medicina Veterinária no Seminário Nacional de Educação da Medicina Veterinária, em Brasília

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Seminário de Educação da Medicina Veterinária (Se-nemev), em Brasília.

Como explica o presidente da Comissão Nacio-nal de Educação da Medicina Veterinária (CNEMV/CFMV), Rafael Gianella Mondadori, o objetivo é es-timular o sistema de autoavaliação e a promoção de uma reflexão interna, inclusive, identificando po-tenciais melhorias. “O processo torna transparente a excelência desses cursos de graduação, dando-lhes credibilidade perante a sociedade e as próprias ins-tituições”, afirma.

A participação dos cursos de graduação é volun-tária. Todo o processo de candidatura e avaliação é sigiloso e não substitui o credenciamento pelo Minis-tério da Educação (MEC). “Temos que fazer uma polí-

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tica de melhoria do ensino, ao lado das faculdades e do MEC. O edital de Acreditação é parte disso. Nossa bandeira é a melhoria do ensino da Medicina Veteri-nária”, diz o presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti de Almeida.

Em abril, o Sistema de Acreditação do CFMV foi escolhido como exemplo, pelo Conselho Panameri-

T O psicólogo Cloves Amorim falou sobre a síndrome de burnout. Ele e Cláudia Menegatti (à direita) apresentaram-se no XXIV Senemev

cano de Educação em Ciências Veterinárias (Cope-vet). O grupo reuniu-se em San Jose, na Costa Rica, durante o 35º Congresso da Associação Mundial de Veterinária (WVA). O instrumento de avaliação dos cursos de Medicina Veterinária será traduzido para o espanhol e utilizado como contribuição aos países--membros do Copevet.

A pauta do XXIV Senemev foi inovadora e trou-xe novas discussões aos cerca de 120 participantes do evento, realizado nos dias 6 e 7 de maio, no Cen-tro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Além do debate de temas estritamente liga-dos ao dia a dia do ensino da Medicina Veterinária, como alternativa ao uso de animais, metodologias ativas de ensino-aprendizagem e Ensino a Distância (EaD), toda a programação do primeiro dia de even-to foi dedicada a palestras, debates e oficinas sobre saúde mental e o trabalho do médico-veterinário. Os psicólogos Cloves Amorim e Cláudia Menegatti abordaram fatores que causam estresse laboral e podem gerar doenças, como a depressão e a sín-drome de burnout.

Entre as novidades, o presidente da CNEMV/CFMV anunciou as novas diretrizes curriculares para os cursos de Medicina Veterinária, a partir do Parecer nº 70/2019, aprovado no dia 23 de janeiro

pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão consultivo ligado ao MEC.

Adolfo Firmino da Silva Neto, da CNEMV/CFMV, fez um alerta em sua palestra sobre o EaD: “Hoje, 47% das vagas ofertadas em Medicina Veterinária estão na modalidade a distância. Em junho, provavelmente, já haverá mais vagas EaD do que presenciais”.

Para Mondadori, chamaram atenção a renova-ção e o engajamento dos participantes nas ativida-des propostas. “Há uma expectativa de que levem o aprendizado dos assuntos discutidos, implementem em suas instituições e gradualmente modifiquem a situação da Medicina Veterinária no país”, assinalou.

A programação do XXIV Senemev foi construí-da toda a partir de sugestões dos coordenadores de cursos e membros de comissões regionais de educação. Um resumo da cobertura do evento está disponível nos destaques do Instagram @cfmvoficial.

XXIV SENEMEV TEVE DEBATES, NOVIDADES E DESAFIOS

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BRUMADINHO DEIXA LEGADO

Desastre motiva a elaboração de um protocolo para que o atendimento a animais em catástrofes seja incluído na rotina de órgãos oficiais

Foram 16 dias ininterruptos de trabalho e mais de 30 profissionais envolvidos no resgate de ani-mais em Brumadinho, município da região metropo-litana de Belo Horizonte (MG). Desde que se rompeu a barragem de rejeitos de mineração do Córrego do Feijão, no dia 25 de janeiro de 2019, uma equipe de médicos-veterinários, zootecnistas, biólogos e bom-beiros civis, entre outros profissionais, foi mobiliza-da pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais (CRMV-MG).

Além da solidariedade e valorização dos profissio-nais, patentes não só pelo volume dos que se pronti-

ESPECIAL

T Rompimento de barragem da Vale, na mina Córrego do Feijão, deixou rastro de destruição. Esforço para o resgate envolveu equipes multidisciplinares, inclusive a Brigada Animal de Minas Gerais

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ficaram a ajudar, mas também pela grande quantidade de produtos veterinários doados, Brumadinho deixa importante legado: a necessidade de aperfeiçoar os protocolos de prevenção de desastres, com planos de contingência de resgate de animais.

Com esse objetivo, a Comissão Nacional de Medi-cina Veterinária Legal (CNMVL/CFMV) trabalha, com a equipe do CRMV-MG, para construir esse protocolo e incluí-lo nos sistemas de comando de Defesa Civil e Corpo de Bombeiros, orientando resgate e primeiros socorros de animais sobreviventes, bem como a atua-ção em campo dos profissionais.

Uma semana antes do rompimento da barragem, no dia 18 de janeiro, o CRMV-MG havia se reunido com a Defesa Civil, o Corpo de Bombeiros e a Coordenado-ria Estadual de Defesa da Fauna de Minas Gerais do Ministério Público estadual (Cedef/MPMG). Na ocasião, foi criado o Comitê de Desastres para planejar ações de resgate de animais em situações de catástrofe. Esse

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foi o ponto de partida para a formação da Brigada Ani-mal, composta por profissionais com experiência em situações de desastres, inclusive, no rompimento da barragem da Samarco, em Mariana. A recente formação do comitê fez com que a resposta de atuação em Bru-madinho fosse tão rápida.

Entre veteranos e novatos, aos poucos a Brigada Animal em Brumadinho ganhou reforços. Todos tra-balharam de forma voluntária e quase sem descanso durante as duas semanas mais críticas de resgate. Sob a coordenação das médicas-veterinárias Ana Liz e Laiza Bonela, do CRMV-MG, a equipe atuou em parceria com os órgãos civis e militares que comandaram as opera-ções de resgate em toda a região, sempre respeitando as hierarquias e seguindo os protocolos de segurança.

Resultado: mais de 400 animais assistidos, de do-mésticos de pequeno e grande porte a silvestres. Al-guns resgates, especialmente os de bovinos, deman-daram trabalho articulado de um dia inteiro, incluindo alimentação e tratamento antes de retirá-los com se-gurança da zona quente, onde o ambiente era muito instável e de difícil acesso.

Todos os animais salvos foram encaminhados para tratamento ao hospital de campanha montado pela Vale. A empresa também ficou responsável pela destinação e devolução dos animais aos tutores. (Melissa Silva)

T Brigada Animal atuou em parceria com órgãos civis e militares que coman-daram as operações de resgate na região atingida

T Voluntários cuidam de cão resgatado da lama no hospital de campanha. Ao todo, 400 animais foram atendidos

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A atuação como uma das coordenadoras da Brigada Animal de Minas Gerais em Brumadinho foi um marco. Quanta história, vivência e verda-de! Nunca, em tão pouco tempo, experimentei os extremos da mente, do corpo, do psicológico, do físico e do emocional. O limite precisou ser ultra-passado para que o trabalho não cessasse. Em um universo de dor que pedia auxílio, definitivamen-te, o bem-estar próprio jamais foi prioridade, tudo pelo outro e para o outro: humano, canino, bovino, felino, passeriforme etc., a outra vida, qualquer que fosse. Foram dias de luta, de superação, de frustração e muita vitória. Por fim, percebo que há muito de Brumadinho em mim. Muita lembrança.

Cheguei a Brumadinho no exato dia do rompi-mento: 25 de janeiro, às 18h. A intenção era ofer-tar o meu melhor como ser humano e, se preciso, como profissional médica-veterinária. Quis ser hu-mana – e mais ser do que fazer. No entanto, muito maior do que a intenção foi a minha força, o fator determinante para que vencesse os 16 ininterrup-tos dias imersa naquela realidade. Ao chegar, me deparei com um cenário singular, permeado por desafios, incertezas, luta e dor. Eu precisava com-preender qual era a melhor forma de me encaixar para somar, contribuir, fazer a diferença, sendo que, muitas vezes, isso consistia em apenas ter o discernimento de saber esperar e silenciar. Nunca vi tantos profissionais de múltiplas áreas traba-lhando juntos de forma tão intensa e exaustiva. Gradativamente, entendi que não sairia daquela experiência da mesma forma que havia entrado. Minha vida seria transformada e, de fato, foi.

É estranho pensar que algo pode acontecer de forma inesperada em nossa vida, mudar tudo sem pedir licença. Chega sem avisar e, de repente, faz morada. Meu plano nunca foi coordenar equipe alguma, mas compreendi que, quando nos colo-camos a serviço, disponíveis para a vida e corajo-sos, tudo acontece. Sem perceber, assumi grandes

responsabilidades, me reuni com tantas autoridades, coordenadores e órgãos. Em Brumadinho, as decisões que impactariam semanas precisavam ser tomadas em frações de segundo. Precisei decidir muita coisa e pla-nejar tantas outras.

Lembro-me de que virei as duas primeiras noites ra-biscando papéis, desenhando protocolos e fluxos para analisar as melhores estratégias. Não existia um manual, um passo a passo sobre como proceder, apenas a expe-riência vivenciada por outros profissionais em desastres anteriores, como o da barragem de Mariana. Cada ação, cada designação precisou ser pensada, amadurecida e definida em pouquíssimo tempo, porque era urgência. A vida pedia socorro. Durante a trajetória, enfrentei um milhão de desafios, mas acredito que o maior deles era tentar, em instantes, confluir questões técnicas, sensa-tez, ética, equilíbrio e humanidade. Eu me questionava, muitas vezes, qual seria a chave do êxito. Quanto vale uma vida? Quanto preciso realizar para salvar aquela galinha? Precisei entender enfrentando os erros, enca-rando os obstáculos, para poder acertar.

O conceito de saúde única (one health) nunca fez tanto sentido quanto naqueles dias. Eu estava na gestão de uma equipe de 16 pessoas, que depois se transformaram em 40 ou 50, com a chegada do vo-luntariado e das empresas contratadas. Eu precisava gerir pessoas emocionalmente abaladas, muitas vezes exaustas, para atuar na assistência e salvamento de animais imunologicamente deprimidos, com as esfe-ras mentais, físicas e naturais comprometidas e em um ambiente ecologicamente desequilibrado, vulnerável, afetado. Nada era estável. Contornar cada uma dessas deficiências e transformar cada dificuldade em suces-so, por menor que parecesse, era vitória.

Tão importante quanto resgatar era assegurar a qualidade de vida de cada animal desde o salvamento, no transporte até as condições de sobrevida no des-tino final. O princípio da dignidade animal era nosso principal instrumento de trabalho. Cada vida tinha va-lor, pato, galinha, cachorro, gato, ouriço, sapo, cobra,

DEPOIMENTOCOMO LIDEI E O QUE APRENDI COM A EXPERIÊNCIA MAIS DESAFIADORA DA MINHA CARREIRA

LAIZA BONELA GOMES - MÉDICA- -VETERINÁRIA (CRMV-MG Nº 14858)

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Laiza Bonela Gomes é mestre em Epidemiologia e dou-toranda em Ciência Animal na Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É perita de-signada da Cedef/MPMG e membro da Brigada Animal de Minas Gerais. No CRMV-MG, preside a Comissão de Me-dicina Veterinária Legal e compõe o Comitê de Desastres.

cavalo, boi, pássaro, peixe, cágado, porco e por aí vai. Nossa vida tem valor. O ser humano é valioso demais. Eu não sei o que seria do resgate animal sem pessoas tão dedicadas, vocacionadas e determinadas a rea-lizar o seu melhor. Vi pessoas salvando pessoas com abraços, sorrisos, afeto e elogios sinceros. Pude salvar algumas assim e sou grata pelas tantas que me salva-ram em vários momentos. A força que mencionei no início do texto vem muito do interno, do espiritual, da fé. A nossa força é proporcional à nossa doação. Per-cebi que, quanto mais eu me doava e quanto mais me permitia ser desgastada pelo trabalho com os animais e pelas pessoas, mais eu me fortalecia.

Além disso, o suporte e apoio do outro foram fun-damentais. Todas essas questões são essenciais em um trabalho tão amplo e complexo. Acredito que o resulta-do de uma missão envolve aspectos que contemplam várias áreas, perpassando o campo da técnica profis-sional, valores pessoais, características intrínsecas aos indivíduos, caráter, questões éticas e interpessoais. A gestão de pessoas, por exemplo, foi uma habilidade que precisei consolidar durante os dias de trabalho.

Gerir pessoas é saber identificar potencialidades e destacá-las é exaltar o que o outro tem de bom, seus valores, suas habilidades. São técnicas que usei mui-tas vezes de forma instintiva, mas que fizeram toda a diferença na execução do trabalho. Foi extremamente difícil lidar com decisões com que não concordávamos, ouvir inverdades, presenciar equívocos midiáticos que tão pouco colaboravam e, sobretudo, nos reerguer

diante de injustiças e humilhações. O bom de tudo é que todas as experiências são frutuosas quan-do entendemos que tudo é aprendizado, força e superação. Hoje, estou mais madura profissional e pessoalmente para enfrentar as realidades que estão por vir.

Nem de longe consigo imaginar quanta dor ain-da habita naqueles que perderam seus entes que-ridos. É vazio. É atemporal. Sinto dor também, pelos que se foram, pelos que ficaram. O inesperado que chega não traz só dor. O “de repente” também vivifi-ca, inspira, encoraja, educa, edifica, ensina. Aprendi tanto! Aprendi com os erros e na assertividade tam-bém. Aprendi que a mudança abrupta que atropela tudo, em meio ao caos, traz esperança. Permaneço aprendendo. Sou extremamente grata pela oportu-nidade de ter presenciado a luta pela vida, pelo re-começo, por ter conhecido, nessa jornada, animais tão fantásticos e pessoas especiais. Sou grata por ter exercido minha profissão na intensidade. Um privilégio, o meu. Um orgulho. Nunca iremos per-der por aceitar os desafios. Que sejamos corajosos! Obrigada pela oportunidade de compartilhar expe-riências dessa jornada.

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PROFISSIONAIS SÃO CAPACITADOS PARA SITUAÇÕES DE DESASTRE OU CATÁSTROFE

Comissões do CRMV-AL treinam médicos-veterinários e zootecnistas para atuar em bairros de Maceió sob ameaça de fenômeno geológico

Cerca de 30 médicos-veterinários e zootecnistas alagoanos estão passando por uma capacitação do Conselho Regional de Medicina Veterinária

de Alagoas (CRMV-AL) para atuar no manejo e resga-te de animais em situação de desastre ou catástrofe. A iniciativa, idealizada pelas comissões técnicas do re-gional, foi motivada pelo agravamento da situação em bairros de Maceió que estão sob ameaça de afunda-mento, provocado por fenômenos geológicos.

A mobilização começou a ser articulada, em feve-reiro, pelo Grupo Técnico de Resgate Animal (GTRA), grupo de trabalho formado pelas Comissões Regionais de Ética, Bioética e Bem-Estar Animal (Cebea), de Saú-de Pública Veterinária (CRSPV) e de Animais Silvestres e Meio Ambiente (Crasma). Já foram realizadas visitas técnicas aos bairros atingidos, houve participação dire-ta no simulado de evacuação realizado pelas Defesas Civis Estadual e Municipal e foi elaborado um plano de contingência com ações voltadas à população animal, à saúde pública e ao meio ambiente.

“Consideramos essa ação muito importante, por demonstrar à sociedade que nosso papel vai além da orientação, supervisão e fiscalização da profissão. Te-

mos também responsabilidade com o aspecto social e, neste caso, o grupo tem dado uma grande contribuição no que se refere ao bem-estar animal, ao bem-estar da população e à saúde pública”, afirma o presidente do CRMV-AL, Thiago Moraes.

Em abril, foi promovido o primeiro treinamento articulado pelo GTRA. Na ocasião, os participantes – médicos-veterinários e zootecnistas voluntários, além de militares do Batalhão de Polícia Ambiental (BPA) da Polícia Militar (PM) alagoana – puderam conhecer as ações previstas no plano de contingência encaminha-do à Defesa Civil Municipal, além de técnicas de ma-nejo, contenção e resgate de animais, sejam eles do-mésticos, de grande porte, selvagens ou peçonhentos, estando íntegros ou com fraturas e ferimentos.

“No treinamento, nosso objetivo foi estabelecer uma padronização dos procedimentos, para que todos estejam preparados para qualquer eventualidade”, afirma o médico-veterinário Rael Almeida, da CRSPV. “Trabalhamos, principalmente, com a perspectiva de garantir a integridade e o bem-estar dos animais da área afetada, evitando que eles sejam deixados para trás”, reforça a presidente da Cebea, Carla Loureiro.

De acordo com o GTRA, estão previstas novas capaci-tações, em breve, inclusive com a participação de profis-sionais que já atuaram em situações de desastre seme-lhantes no país. Paralelamente, a equipe se articula para criar uma rede de assistência para atuar nessas situações. Nesse primeiro treinamento, o grupo contou com a par-ceria da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), da Asso-ciação de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de Alagoas (Anclivepa-AL), do BPA da PM de Alagoas e da Associação Brasileira de Zootecnistas (ABZ). O próximo passo é mobilizar clínicas e organizações não governa-mentais de proteção animal, assegurando o suporte para qualquer necessidade de atendimento. (Cássia Oliveira)

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T Membros do Grupo Técnico de Resgate Animal do CRMV-AL ministram treinamento

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CRMV-GO INVESTE NA QUALIFICAÇÃO VOLTADA A FÁBRICAS DE ALIMENTOS PARA ANIMAISGrupo de trabalho já promoveu seminário e planeja novas ações de divulgação e aprimoramento para profissionais e estudantes

O Conselho Regional de Medicina Veterinária de Goiás (CRMV-GO) lidera um grupo de trabalho que discute ações de melhoria na qualificação

de médicos-veterinários e zootecnistas que atuam nas cerca de 300 fábricas de alimentos para animais de Goiás. A iniciativa conta com representantes do Minis-tério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), da Organização das Cooperativas de Goiás (OCB-GO), de instituições de ensino, da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), da Cooperativa dos Médi-cos Veterinários de Goiás (Unimev) e outras entidades.

Formado em 2018, o grupo busca resolver a carência de profissionais qualificados no segmento de boas práti-cas nessas indústrias e o pouco incentivo a treinamentos durante a graduação. No fim do ano passado, realizou o I Seminário de Alimentação Animal Segura é Legal, em Goiânia, voltado a empresários de cooperativas e técni-cos. A segunda edição ocorreu no dia 29 de abril.

Várias ações de qualificação estão sendo plane-jadas, tais como: elaboração de material gráfico para

divulgar nas faculdades, a produtores, profissionais e empresários; organização de programas de boas prá-ticas agropecuárias, direcionados ao produtor rural; realização de seminários de boas práticas na alimen-tação animal, voltados a acadêmicos de graduação de Medicina Veterinária e Zootecnia; e formatação de um curso para profissionais, com periodicidade definida.

A fiscalização dos estabelecimentos de alimen-tação animal é feita pelo Mapa. As principais não con-formidades encontradas pelos agentes são: falta de re-gistro, implementação deficiente do programa de boas práticas de fabricação, uso de ingredientes vencidos ou proibidos na alimentação animal e erros de rotulagem.

O presidente do CRMV-GO, Olízio Claudino da Sil-va, ressalta que a entidade se preocupa com o nível dos profissionais que atuam ou desejam atuar no segmento, pois, dependendo dos erros encontrados, a autuação pode resultar na instauração de processos éticos contra o Responsável Técnico (RT) da fábrica de ração.

“Queremos que as não conformidades da fiscali-zação sejam reduzidas com o projeto de qualificação, evitando penalidades contra o profissional”, afirma, ressaltando a importância desse nicho de mercado, pela demanda mundial por alimentos produzidos de modo mais eficiente e seguro.

A alimentação animal é regulamentada pela Lei nº 6.198, de 26 de dezembro de 1974, e pelo Decreto nº 6.296, de 11 de dezembro de 2007. A Instrução Normativa nº 4, de 23 de fevereiro de 2007, aprova o Regulamento Técnico sobre as Condições Higiênico--Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Es-tabelecimentos Fabricantes de Produtos Destinados à Alimentação Animal. Todo profissional que atua na área deve ter pleno conhecimento dessas normativas. (Denise Duarte, texto e foto)

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T Presidente do CRMV-GO, Olízio Claudino da Silva, I Seminário de Alimentação Animal Segura é Legal, em Goiânia (GO)

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CONVÊNIO AUXILIA PROFISSIONAIS A CUMPRIR GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS

Parceria do CRMV-BA prevê desconto de 12% para novos contratos e 9% em casos de migração

Um convênio inédito assinado entre o Conse-lho Regional de Medicina Veterinária da Bahia (CRMV-BA) e a empresa de engenharia e meio

ambiente Artos 4 auxilia os proprietários de estabele-cimentos médico-veterinários a elaborar, implantar e monitorar a coleta de resíduos dos serviços de saúde. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), serviços que tenham atividades relacionadas à saúde humana ou animal – caso dos estabelecimen-tos médico-veterinários – são geradores de resíduos e devem seguir as instruções de boas práticas previstas na Resolução da Diretoria Colegiada nº 222/2018.

Profissionais adimplentes com o regional baiano terão descontos de 12% para novos contratos de gestão de re-síduos e de 9% caso tenham contrato com outra empresa e desejem mudar para a conveniada. Com a parceria, os interessados terão assessoria completa na elaboração do Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saú-de (PGRSS), documento que descreve as ações relativas à coleta do material produzido pelos estabelecimentos.

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O médico-veterinário José Eduardo Ungar, proprietá-rio de uma clínica, conta com um serviço de coleta de re-síduos. Embora não tenha encontrado dificuldades para elaborar o PGRSS, aponta alguns problemas nas exigên-cias previstas na resolução. “O espaço físico para arma-zenamento do material é uma das maiores dificuldades. Deve ser um local que não fique dentro da área técnica e muitos estabelecimentos não o têm, talvez por isso pos-sam ser considerados irregulares”, observa.

Para o diretor executivo da Artos 4, Felipe Bagues, o principal benefício da parceria é a assessoria gratuita na elaboração do PGRSS, que deve ser atualizado todos os anos. “Não é uma tarefa das mais fáceis e, por isso, fir-mamos a parceria. Assim como o conselho, nos preocu-pamos com a saúde da população e o meio ambiente”, explica. A empresa atua em todos os estados do Nordeste e do Sudeste, além do Rio Grande do Sul.

O presidente do CRMV-BA, Altair Santana, destaca que o convênio é mais uma ferramenta de proteção da sociedade e do meio ambiente. “Estamos sempre em busca de parcerias para fortalecer a Medicina Veterinária e seus profissionais. Não tenho dúvidas de que o cum-primento da legislação, com a garantia, promoção e ma-nutenção da saúde única, foi fator preponderante para a assinatura dessa parceria”, diz. (Lucas Figueredo)

T Empresa de engenharia e meio ambiente auxilia proprietários de estabelecimentos médico-veterinários da Bahia a cumprir instruções de boas práticas de coleta de resíduos estabelecidas pela Anvisa

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FISCALIZAÇÃO EDUCATIVA É PRIORIDADE NO CRMV-RS

Objetivo do regional é orientar profissionais antes de aplicar punição

Fiscalizar e orientar são as palavras de ordem da fiscalização do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul (CRMV-RS).

Além de verificar e exigir o cumprimento da legislação, a fiscalização tem o objetivo de orientar profissionais e empresas a respeito das necessidades de adequação, de forma que o fiscalizado conheça e entenda as re-gras das profissões.

“Funcionamos como um elo de informação para as empresas e de orientação a profissionais sobre o que devem fazer para se adequar”, explica Mateus Lange, coordenador técnico de Fiscalização e Orientação Pro-fissional do CRMV-RS.

Para ter uma ideia, somente no ano passado, os fiscais do regional gaúcho percorreram mais de 150 mil quilômetros em todo o Rio Grande do Sul, mais de 21 mil quilômetros por fiscal, em média, para levar in-formações e fazer cumprir a legislação no estado.

Em vigor desde fevereiro, a ferramenta Denúncia On-line vai ajudar ainda mais a agilizar o trabalho da equi-pe. Ela está disponível no novo site do CRMV-RS – basta digitar o endereço www.crmvrs.gov.br e clicar no botão Denúncias, no menu à direita. Somente no primeiro mês,

foram registradas 65 ocorrências. O princípio é o mesmo da fiscalização de rotina: com base nos dados registrados pelo denunciante no site, a equipe de fiscalização atua para verificar os fatos, bem como toma as medidas cabí-veis necessárias em cada situação. Os casos de infrações graves, como aqueles em que há risco ao bem-estar e à saúde dos animais ou da população, têm prioridade.

Também no site do CRMV-RS, a fiscalização dis-ponibiliza uma série de manuais de responsabilidade técnica, publicações, guias e notas técnicas para down-load gratuito. Basta acessar o link http://www.crmvrs.gov.br/fiscalizacao.php.

Quando a fiscalização identifica irregularidades que não são passíveis de autuação no momento, as in-formações são levadas a plenário, que delibera quanto a possíveis ações a ser tomadas, inclusive a instaura-ção de processo ético disciplinar. De 2013 a 2017, cer-ca de 40% dos processos instaurados tiveram origem em informações provenientes da fiscalização.

Os problemas mais comuns encontrados pela equi-pe de fiscalização dizem respeito a anúncios irregula-res de práticas veterinárias em clínicas, consultórios e hospitais, problemas estruturais e de funcionamento em estabelecimentos, que denotam o mau exercício da atividade de responsável técnico, e a realização de procedimentos veterinários em locais ou com métodos inadequados. (Cristine Pires, texto e foto)

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T Fiscais do CRMV-RS realizam trabalho de fiscalização no estado, com foco em orientação. Conselho disponibiliza, em seu site, manuais de responsabilidade técnica, publicações, guias e notas técnicas para download gratuito

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QUALIDADE E DESTINAÇÃO ADEQUADA DOS RESÍDUOS DE FRIGORÍFICOS: FARINHAS E GORDURAS ANIMAISProcessamento correto transforma partes como sangue, penas e vísceras em produtos seguros, contribuindo para a redução de custos e a sustentabilidade

A produção animal e a transformação de ani-mais em carnes, seguindo um conceito da ca-deia da carne, envolvem diferentes segmen-

tos e atores do cluster do agronegócio. Considerando a cadeia da carne de frango como padrão (poderiam ser abordadas outras, como a suína, bovina etc.), verifi-cam-se, nas Tabelas 1 e 2, as grandes regiões produto-ras que concentram cerca de três quartos de produção de frango. Nessas regiões, os Estados Unidos, a China e o Brasil são líderes em produção. Há certa estabilidade na América do Sul, uma redução na Ásia e um aumento na produção nos Estados Unidos e na União Europeia.

T Carcaças de aves não aptas para consumo humano e destinadas para produção de farinhas animais

ARTIGOSTÉCNICOS

O aumento da produção de carne no Brasil estimado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abasteci-mento (Mapa) (BRASIL, 2017), para o período de 2017 a 2027, será de 20,5%, 28,6% e 33,4%, para carne bovina, suína e frango, respectivamente. Todo esse au-mento de produção também pressupõe o aumento dos resíduos de abate, em termos de matéria-prima para processamento em farinhas e gorduras animais.

Na dependência da genética, idade de abate, sexo e local de produção, os resíduos são por volta de 30% do peso vivo total no abate. Penas, sangue, vísceras, ca-beça, gordura, as partes industrializadas resultantes de Carne Separada Mecanicamente (CMS) e ossos comple-tam os materiais a ser processados para a fabricação de farinhas e óleo. Considerando o valor global da carne produzida no mundo (91 milhões de toneladas), estima--se que haja uma produção de matéria-prima para a fa-bricação de farinhas e gorduras por volta de 35 milhões de toneladas. Esses resíduos devem ser processados

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preferencialmente na planta de processamento, resul-tando em farinhas de penas, sangue, vísceras, carne e ossos, óleo/graxa/sebo, conforme a espécie.

Uma boa estimativa para os padrões de composi-ção de gordura (Tabela 3) e farinhas de aves (Tabela 4) é originária do Compêndio de Alimentação Animal (SINDIRAÇÕES, 2017). Outra fonte de referência impor-tante é a Tabela Brasileira de Composição de Alimen-tos, editada por Rostagno (2017).

No universo da produção animal, um aspecto es-sencial é a alimentação dos animais, com alimentos e dietas que garantam a qualidade da carne do campo à mesa do consumidor. Além disso, para animais de es-timação, como pode ser encontrado no negócio bilio-nário, prioriza-se a qualidade dos alimentos (BOMEY; MEYER, 2018). Em rações para animais de estimação, assim como na alimentação humana, os consumidores buscam produtos mais naturais e premium, sendo ne-cessário grande respeito pelas necessidades de seus consumidores e animais de estimação. Em resumo, vale muito o esforço para produzir alimentos de qualidade, pois, além disso, a introdução de ração animal em die-tas não ruminantes proporciona ganhos de até 15% na fabricação de rações. Consequentemente, isso re-duz significativamente o custo de produção (até 10%), uma vez que dois terços do custo da produção animal devem-se à alimentação. É preciso notar que o uso de farinhas e gorduras animais de qualidade não afeta a segurança de animais e seres humanos e contribui significativamente para a sustentabilidade. O concei-to de qualidade de alimentos vai além de animais de estimação, envolvendo consumidores de carne, leite e ovos, os quais também querem produtos alimentares seguros, sem inadequação e falhas na conformidade das dietas dos animais de fazenda.

Outro conceito importante é a sustentabilidade, que se baseia no princípio de que se devem satisfazer

as necessidades do presente, sem comprometer a ca-pacidade das gerações futuras de satisfazer suas pró-prias necessidades. Portanto, a agricultura sustentável integra três objetivos principais, que são a rentabilida-de econômica de atividades, o cuidado ambiental e a equidade social, com geração de empregos e melho-rias na saúde. Todos os objetivos são simultâneos e os agricultores e consumidores compartilham essa visão, apesar da diversidade de pessoas e perspectivas de cada grupo.

No setor da transformação da cadeia da carne, há o segmento do processamento, que oferece destino al-ternativo para os resíduos do abate. Se os resíduos são subprodutos frescos do abate de animais, como vísce-ras, penas, ossos, gordura, sangue ou resíduos de carne industrializada devidamente inspecionados, consistem em material, preponderantemente, que será utilizado para a produção de farinhas e gorduras, que terão des-tino na fabricação de alimentos de origem animal. No entanto, se esses mesmos resíduos passarem por um inadequado período de espera (maior que 24 horas, por exemplo) para iniciar o processamento, interagindo com temperaturas e fatores ambientais, é preciso procurar alternativas que não sejam alimentos para animais, mas, sim, a destinação desses materiais para a fabricação de fertilizantes para o solo e/ou energia via biogás. Adicio-nam-se aos resíduos inadequados para a alimentação animal as mortalidades/cadáveres animais, os lodos fri-goríficos, os resíduos de incubação e todos os resíduos orgânicos que estão em estado de deterioração, com produção de concentrações inadequadas de aminas biogênicas, peróxidos e acidez derivadas de oxidações microbiológicas. Essa é a simbiose industrial, uma visão estratégica em que um resíduo permanece na economia circular para ser a matéria-prima de outro segmento da cadeia, sem comprometer a qualidade e sustentabilida-de dos produtos para a ração animal.

"No entanto, se esses mesmos resíduos passarem por um inadequado período de espera para iniciar o processamento, interagindo com temperaturas e

fatores ambientais, é preciso procurar alternativas que não sejam alimentos para animais."

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O trabalho realizado por Rangel et al. (2017), incluindo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindira-ções), foi apresentado no Workshop CBNA (2017), tendo concluído que 80% dos participan-tes no setor da alimentação animal não desejam farinha de origem animal produzida usando cadáveres de animais. Por outro lado, o Regulamento CE/CE nº 1.069/2009, na Seção 4, arts. 7 a 10, classifica de 1 a 3 os subprodutos animais e seus derivados. Para que uma farinha seja considerada na categoria 3 (adequada para alimentação animal), existem vários requisitos, entre os quais: os subprodutos resultem do abate de animais destinados ao consumo humano, sem usar animais mortos/cadáveres para a produção de farinhas, tampouco lodos industriais.

A fabricação de farinhas animais com o uso de cadáveres animais, resíduos de incubação, lodo DAF, é totalmente incompatível com a demanda de outros segmentos da cadeia da carne, consumidores, fabricantes de alimentos e animais de estimação. Dados científicos comprovam essa inadequação da fabricação de farinhas e gorduras de animais mortos coletados (cadáve-res). Para Alves et al. (2016), a duração do período de coleta tem um efeito marcante na produ-ção de aminas biogênicas em farinhas animais. Os autores mostram crescimento linear dessas aminas, de acordo com o tempo de espera dos cadáveres para o processamento das farinhas (Tabela 5) e o tipo de estabelecimento de coleta de resíduos (BEDENDO et al., 2018) (Tabela 6), sendo corroborados por Fernandes e Fracalossi (2011).

Produto Atributo Região 2015 2016 2017 (%)

Carne de frango

Produção

Ásia/China 16.213 15.179 14.427 (15,9)

União Europeia 10.890 11.560 11.840 (13,1)

América do Norte 22.258 22.687 23.296 (25,7)

América do Sul 17.849 17.066 17.421 (19,2)

Mundo 89.170 89.189 90.718 (100)

Exportação

Ásia/China 436 426 455 (4,1)

União Europeia 1.179 1.276 1.310 (11,9)

América do Norte 3.005 3.153 3.215 (29,1)

América do Sul 4.129 4.154 4.128 (37,4)

Mundo 10.285 10.706 11.039 (100)

Fonte: USDA (2018).

Região2017 (carne, peso total e farinhas)

Carne Peso total no abate Penas Sangue Óleo Vísceras

Ásia/China 14.427 22.195 621 93 666 1.665

União Europeia 11.840 18.215 510 77 546 1.366

América do Norte 23.296 35.840 1004 151 1.075 2.688

Estados Unidos 18.696 28.763 805 121 863 2.157

México 3.400 5.231 146 22 157 392

América do Sul 17.421 26.802 750 113 804 2.010

Brasil 13.150 20.231 566 85 607 1.517

Argentina 2.086 3.209 90 13 96 241

Mundo 90.718 139.566 3.908 586 4.187 10.467

Fonte: Adaptado de USDA (2018).

TABELA 1. PRODUÇÃO E EXPORTAÇÃO DE

CARNE DE FRANGOS, POR REGIÕES

GEOGRÁFICAS E NO MUNDO (VALORES X

1.000 T).

TABELA 2. PRODUÇÃO DE CARNE, FARINHAS E ÓLEO, POR REGIÕES

GEOGRÁFICAS E NO MUNDO (VALORES X

1.000 T).

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Variável UnidadeFarinhas de

Penas Vísceras Penas e sangue Resíduos de incubação

Umidade (máx.) % 10 8 8 8

Proteína bruta (mín). % 78 55 76 16

E. etéreo (mín./máx.) % < 5 > 10 < 7 8

M. mineral (máx.) % 4 15 3 65

Cálcio (mín./máx.) % - < 5 - > 16

Fósforo (mín.) % - 1,50 - 0,5

Dig. pepsina 0,02% (mín.) % 40 60 40 -

Dig. pepsina 0,0002% 1 % 20 50 20 -

Acidez (máx.) mg NaOH/g 6 3 6 6

Índice peróxido (máx.) Meq/kg 5 5 5 5

Ret. peneira 2 mm (máx.) % 5 5 5 5

Ret. peneira 3,4 mm (máx.) % 0 0 0 0

Salmonela Ausência em 25 g

Sensorial Cor, odor, textura, temperatura

Outras análises AOM, Nessler-NH3, éber-sulfetos, aminas biogênicas, dioxinas, microbiológico

Fonte: Sindirações (2017).

Notas: 1Digestibilidade em pepsina concentração de 0,0002% para a classificação de farinhas (BELLAVER et al., 2000).

Aminasbiogênicas (mg/kg)

Tempo de armazenamento (h)

0 24 48 72

Cadaverina 38,16±21,87 125,76±17,07 173,92±30,20 245,86±132,58

Histamina 0 0 2,50±7,07 12,50±10,35

Putrescina 20,00±0,00 20,09±0,26 65,14±81,23 136,13±96,76

Tiramina 17,01±11,88 35,54±8,66 111,03±40,49 148,47±55,53

Total AB 75,17 181,39 352,59 542,96

CV, % 44,90 14,33 45,09 54,37

Fonte: Alves et al. (2016).

TABELA 4. NORMAS DE ALGUNS

INGREDIENTES/SUBPRODUTOS DE

ABATE DE AVES.

TABELA 5. DINÂMICA DA PRODUÇÃO DE

AMINAS BIOGÊNICAS, DE ACORDO COM

O TEMPO DE ARMAZENAMENTO/

RECOLHIMENTO – CONCENTRAÇÕES

INDIVIDUAIS E TOTAIS.

Variável Unidade Óleo frango

Sebo bovino

Óleo peixes

Banha suína

Umidade, impurezas, insaponificáveis (máx.) % 4 4 4 4

EE total (mín.)1 % 96 96 96 96

Acidez (AGL) (máx.)2 % 6 6 6 6

Índice de peróxido (máx.) Meq/kg 5 5 5 5

Índice de iodo 70-90 35-50 140-200 55-70

Ponto de fusão oC 27-30 39-42 28-30 39-41

Fonte: Sindirações (2017).

Notas: 1Soma de todos os ácidos graxos (livres e triglicerídeos). 2Porcentagem de acidez (AGL) ajustada para ácido oleico.

TABELA 3. PARÂMETROS

ANALÍTICOS DE GORDURAS ANIMAIS.

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AUTOR

CLAUDIO BELLAVERMembro da Comissão Nacional de Meio Ambiente (CNMA/CFMV)[email protected][email protected]

OrigemCadaverina Feniletilamina Histamina Putrescina Tiramina Soma AB 1

(AB, µg/g, ppm)

Coleta de cadáveres (40)2

148,0±66,7 a 22,09±16,8 a 11,74±5,6 a 147,5±78,6 a 80,89±32,0 a 410 ± 180 a

Graxaria SIF (16)3 81,31±72,4 b 2,61±3,4 b 8,16±9,4 ab 67,35±71,7 b 38,15±32,9 b 198 ± 182 b

Graxaria própria (23)4 38,01±41,2 b 2,33±1,8 b 4,31±6,4 b 31,67±24,6 b 9,90±14,3 c 86 ± 81 b

P ≤ 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01

CV (%) 69,22 134,86 83,49 80,34 65,66 69

Fonte: Bedendo et al. (2018).

Notas: 1Somatório de todas as aminas analisadas. 2Obtidas no âmbito do projeto-piloto de SC. 3Indústrias com SIF produtoras de farinhas de origem animal (exceto farinhas de penas,

sangue ou pena e sangue). 4Unidades produtoras de farinhas anexas a frigoríficos.

TABELA 6. TEOR DE AMINAS BIOGÊNICAS

EM FARINHAS ANIMAIS COLETADAS: A)

PROJETO-PILOTO DE COLETA SC; B) GRAXARIAS COM

SIF; C) PRODUÇÃO PRÓPRIA (NÚMERO DE

GRAXARIAS).

REFERÊNCIAS

Alltech 2018. 7 puntos claves de la 7.a Encuesta Global Anual sobre Alimento Balanceado de Alltech. https://go.alltech.com/encuesta-global-sobre-alimen-to-balanceado-de-alltech#puntos Visitado em 30/07/2018.

Alves, D.A., Krabbe. E.L. et al. 2016. Dinâmica da formação de aminas biogê-nicas em carcaças de aves mortas, armazenadas em temperatura ambiente. V AVISULAT – Congresso e Feira Brasil Sul de Avicultura, Suinocultura e Laticínios.

Barnes et al. 2001. Effects of biogenic amines on growth and the incidence of proventricular lesions in broiler chickens. Poult Sci. 2001 Jul, 80(7):906-11.

Bedendo, G. C. et al. 2018. Levantamento do teor de aminas biogênicas em fari-nhas de origem animal provenientes de diferentes estabelecimentos. Comuni-cado Técnico 551 Concórdia, SC. Março, 2018. Embrapa Suínos e Aves.

Bellaver, C. 2011. Alternativa Sustentável para os Resíduos: Compostagem Ace-lerada. Graxaria Brasileira Ed. 17. Mar/Abr. pp 44-45

Bellaver, C. 2016. Processamento dos resíduos, coprodutos da cadeia de carnes. Conferência FACTA 2016. 18/5/2016, Campinas – SP

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SAÚDE MENTAL E TRABALHO:

ESTRESSE, SÍNDROME DE

BURNOUT E SUICÍDIO EM

MÉDICOS- -VETERINÁRIOSRevisão aborda fatores relacionados

a estressores ocupacionais específicos da profissão que podem desencadear

sofrimento psíquico

Este artigo é uma revisão sobre fatores relaciona-dos à saúde mental do médico-veterinário, es-pecificamente, a intrincada relação entre saúde

mental, trabalho e comportamento suicida.O sofrimento psicológico, bem como os trans-

tornos relacionados ao trabalho, pode ser objeto da psiquiatria, da psicologia e da medicina do trabalho. Nessas três áreas, concorda-se que a saúde mental, segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), não é simplesmente a ausência de doença, mas um estado de completo bem-estar físico, mental e so-cial (CAMARGO; NEVES, 2004).

De acordo com Silva Filho e Jardin (apud CAMAR-GO; NEVES, 2004), a psicopatologia do trabalho tem como objeto de estudo a dinâmica geradora de sofri-mento psíquico vinculada ao trabalho. Sancionado em 1999, o Decreto nº 3.048, do Ministério da Previdência e Assistência Social, apresenta uma lista de doenças relacionadas ao trabalho, entre elas, a síndrome de burnout, com o código Z.56.3.

As estimativas dos custos do estresse no trabalho são alarmantes, mas, consoante Tamayo, Lima e Sil-va (2004), muito mais alarmantes são as estimativas do custo humano, os prejuízos sobre as pessoas, sua

TEmpatia e sensibilidade com o sofrimento dos animais são fatores relacionados ao burnout, assim como a interferência do trabalho na vida pessoal, eutanásia e a administração de situações de emergência

ARTIGOSTÉCNICOS

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saúde, potencial, autoestima e aspirações à felicidade. Destacam que

os esforços realizados para a gestão das reações de estresse nas organizações são ainda insatis-fatórios e apresentam duas deficiências estru-turais básicas: primeiro, eles visam mais à dimi-nuição dos efeitos do estresse do que à redução da presença de fatores estressores no trabalho e, segundo talvez como consequência do primeiro, as intervenções promovidas por esses programas tem visado ao indivíduo e não à organização (TA-MAYO; LIMA; SILVA, 2004, p. 77).

Em 2012, Nardi e Raminger alertaram que as for-mas como as políticas públicas se debruçam sobre o tema da saúde mental dos trabalhadores remetem às clássicas questões que definem como se operam essas políticas, ou seja, quem obtém o quê, quando e como. Assim, ao pensar na promoção da saúde mental dos trabalhadores, devemos nos perguntar se essa é uma questão politicamente importante para o estado e qual compreensão de saúde mental guia as práticas de go-verno. Com uma lucidez extraordinária, esses autores afirmam que “os campos da saúde mental da saúde do trabalhador são arenas tensas de disputa política e epistemológica” (NARDI; RAMINGER, 2012, p. 375).

O estresse laboral se refere às interações que pertencem a essa arena de disputas concernentes ao ambiente de trabalho. Pensando no caso do médico--veterinário, há estressores ocupacionais próprios des-se ambiente, como a eutanásia, cuja decisão depende de uma avaliação do profissional, a despeito de seus próprios sofrimentos (LLOYD; CAMPION, 2017). Isso confirma que as características desse ambiente de tra-balho podem levar à síndrome de burnout.

Considerada um processo crônico de estresse, a síndrome de burnout é composta por três vertentes: exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal no trabalho (MASLACH; JACKSON apud WILL et al., 2018). A primeira vertente diz respeito à ausência de recursos emocionais para lidar com situa-ções presentes no contexto laboral e um sentimento de esgotamento. O segundo componente, despersonaliza-ção, é o desenvolvimento de sentimentos e comporta-mentos negativos com as pessoas do ambiente de tra-balho. As pessoas passam a perceber a si mesmas e as demais por meio de uma visão desumana, objetificada.

A última vertente se refere à autoavaliação pessimista e negativa, como também descrença do sentimento de competência e da capacidade no âmbito laboral.

Gracino et al. (2016), em revisão sistemática rea-lizada de 2005 a 2015, localizaram 57 artigos sobre a saúde física e mental de profissionais médicos e con-cluíram que os estudos analisados destacavam o es-gotamento profissional (síndrome de burnout) como a principal afecção daqueles profissionais. Ressaltaram ainda que a condição mental mais abordada nesses ar-tigos foi a síndrome de burnout, sendo definida como uma síndrome patológica resultante do estresse ocu-pacional prolongado.

Silva, Barbosa, Moser e Amorim (2017) analisaram os componentes dessa síndrome presentes em 130 pro-fessores universitários. Os dados foram levantados por meio de um questionário composto por 127 questões, sendo 113 questões fechadas e 14 questões abertas. O instrumento ficou disponível durante três meses para acesso on-line dos interessados. Entre os participantes que preencheram o instrumento, 49% afirmaram que no trabalho sentiam-se com força e vigor, bem como avaliavam que no seu ambiente de trabalho havia res-peito. Também, 67% relataram se identificar com o trabalho e 58%, que se realizavam profissionalmente. Quanto às queixas físicas, 33% eram hipertensos, 24% apresentavam colesterol elevado e 23%, cefaleia ou enxaqueca. Finalmente, 55% acreditavam que a profis-são estava sendo fonte de estresse.

Entre os médicos-veterinários, a empatia e sensibi-lidade em relação ao sofrimento dos animais são apon-

"Médicos-veterinários são vistos como profissionais benevolentes, que cuidam de animais doentes e oferecem suporte aos clientes. Há o risco de não se perceber a necessidade que têm de suporte emocional."

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tadas como fatores relacionados ao burnout (LLOYD; CAMPION, 2017), assim como a alta interferência do trabalho em sua vida pessoal, conflitos éticos e euta-násia, e a administração de situações de emergência com alta disponibilidade de tempo para o trabalho (HANSENZ; SCHINS; ROLLIN, 2008).

O médico-veterinário, no contato com animais e seus tutores, pode se sentir contagiado pelo sofri-mento deles. Isso aumenta o risco desses profissionais tanto em relação ao burnout quanto à fadiga por com-paixão, que é o esgotamento crônico atribuível ao ex-cesso de sentimentos de compaixão, por testemunhar o sofrimento de outrem (FIGLEY, 2002 apud BARBOSA; SOUZA; MOREIRA, 2014). Em função do extremo sofri-mento associado a essas condições, a saúde mental do médico-veterinário pode ser prejudicada, tendo como consequência o aumento do risco de comportamentos suicidas entre os profissionais.

O suicídio é observado nas diferentes épocas da história humana. Segundo a OMS (2017), em 2015 cerca de 800 mil pessoas se suicidaram e essa foi a segunda causa principal de morte entre as idades de 15 e 29 anos. No Brasil, foram registrados, entre os períodos de 2011 e 2015, 55.649 óbitos por suicídio (BRASIL, 2017). Ainda de acordo com a OMS (2000), os médicos-veterinários estão in-cluídos entre os grupos ocupacionais com taxas mais altas de suicídio quando comparados à população geral. As explicações desse dado ainda não são claras e possivelmente se re-lacionam ao acesso a meios letais, pres-sões no trabalho, isolamento social e dificuldades financeiras.

Médicos-veterinários são vis-tos como profissionais benevo-lentes, que cuidam de animais doentes e oferecem suporte aos clientes. Há o risco de não se perceber a necessidade que tais profissionais têm de su-porte emocional, o que é in-compatível com as estatísticas, que mostram que cirurgiões veterinários têm altos índi-ces de suicídio (KAHN; NUTTER, 2005; MELLANBY, 2005). Veteri-nários apresentam níveis maiores de depressão, estresse e burnout que

a população geral (HATCH et al., 2011). Johnson et al. (2005) verificaram que, dentre 26 profissões, veteri-nários apresentam o quinto pior bem-estar psicoló-gico, sendo a saúde mental debilitada comum entre eles (FRITSCHI et al., 2009). Profissionais menos expe-rientes (menos de cinco anos de prática) apresentam saúde mental pior que seus colegas mais experientes (dez ou mais anos de prática) (NETT et al., 2015). Gard-ner e Hini (2006) encontraram que, de 849 veteriná-rios, 16% pensaram seriamente sobre suicídio e que aproximadamente 2% o tentaram. Em uma pesquisa feita por Skipper e Williams (2012), com 701 vete-rinários, 66% admitiram ter tido depressão, 24% já consideraram suicídio e somente 11% afirmaram que suicídio é uma preocupação significativa para eles.

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Há estudos indicando que o risco de suicídio em mé-dicos-veterinários é três vezes maior quando compa-rado à população geral (FRITSCHI et al., 2009; PLATT et al., 2012).

Ao analisar a morte de 11.620 médicos-veteriná-rios nos Estados Unidos, entre os anos de 1979 e 2015, Tomasi et al. (2019) encontraram que 398 mortes fo-ram por suicídio, sendo 326 (82%) do sexo masculino e 72 (18%) do sexo feminino. Apesar da maior taxa de suicídio entre os homens veterinários, as mulheres veterinárias, em geral, apresentam escores piores nas questões de saúde mental (HEATH, 2002; REIJULA et al., 2003), assim como possuem maior índice de de-pressão e ideação suicida (FAIRNIE, 2005; GARDNER; HINI, 2006; FRITSCHI et al., 2009).

Sobre as relações entre estresse laboral e suicídio, no estudo de Reijula et al. (2003), o burnout encon-trou-se em 1,7% da amostra de médicos-veterinários, enquanto, no estudo de Hansez et al. (2008), a taxa foi de 14,4%. Entre os veterinários, os estressores laborais incluem longas jornadas de trabalho (GARDNER; HINI, 2006; MEEHAN; BRADLEY, 2007), relações com clientes (HANSEZ; SCHINS; ROLLIN, 2008), consultas e cirurgias (MEEHAN; BRADLEY, 2007) e exposição à eutanásia e conflitos éticos (WITTE; CORREIA; ANGARANO, 2013; SCOTNEY; MCLAUGHLIN; KEATES, 2015). Esses fatores não só influenciam negativamente o bem-estar físico/mental do veterinário, como também suas relações fa-miliares (MEEHAN; BRADLEY, 2007; HANSEZ et al., 2008).

Outros fatores de risco para o suicídio de veteriná-rios são as características de personalidade e acesso a meios letais. Em relação à personalidade, pessoas com níveis maiores de neuroticismo e conscienciosidade estão mais propensas a sofrer com o estresse (BREZO; PARIS; TURECKI, 2006; TYSSEN et al., 2007; DAWSON; THOMPSON, 2017). Como veterinários preferem traba-lhar com animais, isso pode levar ao isolamento social e aumentar o risco de depressão (BARTRAM; BALDWIN, 2008; STOEWEN, 2015). Sobre os meios de suicídio, envenenamento é o método mais comum entre es-ses profissionais (KELLY; BUNTING, 1998; PLATT et al., 2012), principalmente com agentes anestésicos (STER-KEN et al., 2004). Platt et al. (2012) indicaram que os fármacos utilizados para o envenenamento são adqui-ridos, em sua maioria, no trabalho, configurando situa-ção de risco aos veterinários (PLATT et al., 2010, 2012).

Médicos-veterinários podem sofrer estigma quan-do procuram cuidados para sua saúde mental (STOE-

WEN, 2015; FINK-MILLER; NESTLER, 2018), pois são vistos como cuidadores e não pacientes (STOEWEN, 2015), sendo desencorajados a procurar tratamento adequado (BARTRAM; BALDWIN, 2010).

A prevenção contra o suicídio é uma tarefa inter-disciplinar e social. Quando há um grupo com maior risco, deve ser dirigida prioritariamente a ele, criando condições para a abertura sobre o assunto e viabiliza-ção da assistência, mesmo em um campo repleto de tabus (BOTEGA, 2007). No caso dos veterinários, faz--se necessário promover o resgate das sensações de bem-estar relacionadas a cuidar de outros, ou seja, do exercício saudável da compaixão.

Destaque-se que as instituições são responsá-veis por cuidar do bem-estar dos veterinários (ALLI-SON et al., 2016) e que o investimento na saúde do trabalhador pode trazer benefícios, como melhor produtividade (GOETZEL; OZMINKOWSKI, 2006). Nesse sentido, a construção de espaços de escuta no ambiente de trabalho dos veterinários auxiliará, por exemplo, após eventos emocionalmente estres-santes em seu cotidiano (LLOYD; CAMPION, 2017). Esses espaços também podem atuar para desen-volver estratégias de enfrentamento, resiliência e competências emocionais, tão necessárias como medidas protetivas de saúde mental para médicos--veterinários.

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AUTORES

CHRISTIAN KENJI OLLHOFFAcadêmico de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)

CLAUDIA LUCIA MENEGATTI*Doutora em Saúde da Criança e do AdolescenteProfessora do curso de Psicologia da PUCPR

CLOVES ANTONIO DE AMISSIS AMORIM*Doutor em EducaçãoProfessor titular do curso de Psicologia da PUCPR

*Palestrantes do XXIV Seminário de Educação da Medicina Veterinária, realizado nos dias 6 e 7 de maio de 2019, em Brasília (DF).

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Suplementocientífico

39 Estresse ocupacional e a Medicina Veterinária

47 Como docentes e discentes de Medicina Veterinária

avaliam o uso de metodologias ativas na graduação?

59 Mielomalacia progressiva secundária à

discopatia em cão: relato de caso

64 Percepção de discentes de Medicina Veterinária sobre o

papel do médico-veterinário na saúde pública

71 Leishmania infantum em cães naturalmente infectados

nos biomas baianos, Brasil

A SUBMISSÃO DE NOVOS ARTIGOS ESTÁ TEMPORARIAMENTE SUSPENSA. EM BREVE, DIVULGAREMOS, EM NOSSO PORTAL E MÍDIAS SOCIAIS, NOVAS NORMAS PARA APRESENTAÇÃO.

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ESTRESSE OCUPACIONAL E A MEDICINA VETERINÁRIA OCCUPATIONAL STRESS AND VETERINARY MEDICINE

O trabalho tende a ocupar a maior parte do tempo da população e é com ele que o indivíduo pode se autor-realizar, exercer sua capacidade criativa e estabelecer relacionamentos interpessoais gratificantes, porém ele também pode ser fonte de estresse ocupacional. O crescimento do mercado veterinário e a mudança na vida social nos tempos modernos geram maior exigência ao profissional veterinário. O estresse ocupacional está cada vez mais frequente na rotina e gera impacto negativo na saúde e no bem-estar do trabalhador, prejudi-cando o funcionamento e a efetividade das instituições. Entre os profissionais veterinários, observam-se como principais sinais de estresse a ansiedade, burnout, irritabilidade, angústia, desânimo, dificuldade de concen-tração e maior risco de suicídio. O risco ocupacional para suicídio é proporcionalmente quatro vezes maior do que para a população geral e duas vezes em relação a outros profissionais da saúde. Assim, é importante que o indivíduo desenvolva autoconsciência e capacidade de resiliência, com o intuito de aperfeiçoar seu desem-penho e a segurança no atendimento aos pacientes.

Palavras-chave: Burnout. Estresse. Ansiedade. Depressão. Suicídio.

Working tends to take most of people's time. Through work, the individual might find self fulfillment, exert his creative capacity, and establish gratifying interpersonal relationships. Yet, work can also be a source of occupational stress. Higher pressure of the veterinary market and the changes in the modern social lifegenerate bigger demands. Occupational stress is becoming increasingly more frequent in the routine of veterinary medicine. It brings negative impacts in the health and welfare of workers and, consequently, in the effectiveness of the institutions. Among veterinary professionals, anxiety, burnout, irritability, angst, apathy, focusing issues and greater risk of suicide are the main signs of stress. The occupation risk for suicide is proportionally 4 times bigger than the general population and 2 times compared to other healthcare professionals. This fact is a powerful indicator of the high stress in the profession. Therefore, it is important that one develops self awareness and resilience, while refining performance and assuring safe treatment for his patients.

Keywords: Burnout. Stress. Anxiety. Depression. Suicide.

RESUMO

ABSTRACT

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

INTRODUÇÃO

O trabalho tem lugar central na sociedade e é res-ponsável por ocupar a maior parte do tempo, sendo fonte de renda para a maioria da população (SADIR et al., 2010). Apresenta um importante papel na saúde e na vida dos indivíduos, como instrumento de so-cialização, desenvolvimento pessoal e construção da identidade individual e coletiva. Dessa forma, pode interferir positiva ou negativamente na qualidade de vida do indivíduo (HIROSSE; BONDAN, 2015; SADIR et al., 2010).

A satisfação profissional é tida como o “estado emocional positivo resultante do prazer que se tem com as experiências do trabalho” (DUQUE et al., 2005). Por meio do trabalho, o indivíduo pode se autorreali-zar, exercer sua capacidade criativa e estabelecer rela-cionamentos interpessoais gratificantes. Entretanto, o trabalho também pode ser fonte de estresse ocupacio-nal (SADIR et al., 2010).

O crescimento do mercado veterinário e a mu-dança na vida social nos tempos modernos geraram alterações nas relações entre proprietário e veteri-nário. Uma vez que há maior proximidade dos seres humanos com seus animais de estimação, os clien-tes se tornaram mais exigentes e menos toleran-tes com os profissionais do setor, os quais, apesar de sua grande responsabilidade pela vida de seus pacientes, ainda não possuem perante a sociedade o devido reconhecimento, tampouco a devida re-muneração. Isso, somado às dificuldades técnicas encontradas na área, os expõe a uma alta carga de estresse (REIS, 2012).

Lacerda (2015) define como doenças contempo-râneas a tríade formada por estresse, ansiedade e de-pressão. No entanto, deve-se destacar que o estresse não é uma doença, mas um elemento que predispõe ao surgimento de diferentes formas de adoecimento (MARQUES; ABREU, 2013). Esses transtornos são cada vez mais frequentes entre os jovens que ingressam nas universidades, mostrando que, logo ao iniciar sua car-reira, o indivíduo já é exposto às pressões socioeconô-micas e ocupacionais (LACERDA, 2015).

Nos últimos anos, houve um aumento no interesse pelo estresse ocupacional. Uma das razões é o impacto negativo causado na saúde e no bem-estar do traba-lhador e, consequentemente, no funcionamento e efe-tividade das instituições.

ESTRESSEO estresse origina-se de um processo adaptati-

vo, que gera no indivíduo uma série de reações em resposta a um fator que exige modificações compor-tamentais para garantir sua integridade na interação com o ambiente (MARQUES; ABREU, 2013). O “dis-tresse” é definido como o estresse negativo, seguido de um estímulo de ameaça ou de longa duração, com mobilização energética para enfrentar as pressões. O “eustresse” é denominado o estresse positivo, em que o estímulo é visto como um desafio superável ou de curta duração, sendo responsável pela capacida-de adaptativa às novas situações (DUQUE et al., 2005; BACHION et al., 1998).

As reações fisiológicas ao estresse provêm de uma excitação geral do organismo, desencadeando rea-ções catabólicas iniciadas pela liberação de adrenali-na (MARQUES; ABREU, 2013). Não necessariamente o estresse é algo prejudicial ao indivíduo; o problema está na sua intensidade, frequência e continuidade dos fatores estressantes, que geram o desgaste e tor-nam o estresse patológico (LACERDA, 2015; MARQUES; ABREU, 2013).

A resposta ao estresse patológico repercute fí-sica e psicologicamente. Emocionalmente, pode produzir apatia, depressão, desânimo, sensação de desalento, dificuldade de concentração, perda de memória, dificuldade na tomada de decisões, sensa-ção de fracasso, hiperatividade, medo, sinais de can-saço, perturbação, angústia, hipersensibilidade emo-tiva, assim como raiva, agressividade, irritabilidade e ansiedade, além de ter o potencial de desencadear surtos psicóticos e crises neuróticas em pessoas pre-dispostas. Fisicamente, encontram-se os sintomas de dores de cabeça, palpitações, reações alérgicas, dores lombares, insônia, indigestão, polifagia, suor,

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gagueira, pigarro, aceleração do batimento cardíaco, perda de memória e hipertensão (LACERDA, 2015; MARQUES; ABREU, 2013).

As situações tidas como estressantes geram no indivíduo mecanismos para enfrentar tais circuns-tâncias, restabelecendo o equilíbrio psicológico e fisiológico. Esses mecanismos são chamados coping, sendo três principais considerados por Bachion et al. (1998): o evitamento (adiar o confronto, tentar es-quecer, minimizar o evento e bloquear emoções), o confronto direto (buscar informações, falar sobre o assunto, negociar ou aceitar a situação) e o indireto (atividades filantrópicas, se justificar, culpar outras pessoas etc.).

ESTRESSE OCUPACIONALDefine-se estresse ocupacional como um estado

desagradável decorrente de aspectos do trabalho, sendo a consciência do indivíduo de não ser capaz de lidar com as demandas e as considerar ameaçado-ras à sua autoestima e bem-estar (MARQUES; ABREU, 2013; GARDNER; HINI, 2006). Os valores de vida indi-viduais influenciam o potencial com que a profissão produz satisfação ou insatisfação pessoal (DUQUE et al., 2005).

A competência técnica não garante que o indiví-duo esteja preparado para o desgaste imposto pela atividade. O estresse ocupacional ocorre quando as exigências ultrapassam a capacidade do profissio-nal de enfrentá-las, sendo prejudicial tanto para o organismo quanto para a produtividade do indiví-duo (DUQUE et al., 2005). Atinge ambos os gêneros, porém vários estudos demonstram que a mulher, quando exposta a excessos de trabalho, apresenta maior ocorrência (CARDWEEL et al., 2013; JONA-THAN, 2005; ROCHA; DEBERT-RIBEIRO, 2001). Isso pode estar relacionado às diferenças nas respostas biológicas, nas situações de trabalho, na percepção subjetiva do trabalho em termos de gênero e na in-terseção entre os papéis exercidos pelas mulheres no trabalho e no lar, a qual se converte em uma jor-nada dupla e estressante. Soma-se a essa duplici-

dade de papéis a discriminação da figura feminina no ambiente corporativo (SADIR et al., 2010). Essa diferença entre gêneros é preocupante, visto que o número de mulheres na Medicina Veterinária tem aumentado (CARDWELL et al., 2013).

Os transtornos psicossociais são cada vez mais fre-quentes entre os jovens que ingressam nas universi-dades (LACERDA, 2015; BORINE et al., 2015). Entre es-ses transtornos, estão a ansiedade, baixa autoestima, depressão, dificuldades de relacionamento, estresse e preocupações excessivas com os estudos, gerando grande índice de evasões. Isso mostra que, logo ao ini-ciar sua carreira, o indivíduo já é exposto às pressões socioeconômicas e ocupacionais, situação que segue para a pós-graduação e, posteriormente, para sua car-reira profissional (BORINE et al., 2015).

Os elementos envolvidos nas situações de traba-lho podem agir como estressores e conduzir a reações de tensão e estresse (MARQUES; ABREU, 2013). Três importantes variáveis devem ser consideradas indu-toras do estresse: primeiramente, a demanda psicoló-gica, a forma como são exigidas as atividades, seguida pelo controle do trabalhador em relação ao trabalho executado, relacionado às habilidades para execução das atividades, e, finalmente, o suporte psicossocial fornecido em seu ambiente de trabalho (AMARAL et al., 2013).

Entre os agentes estressores ligados à profissão, podem-se citar: longas jornadas de trabalho, ativida-des cansativas e/ou em excesso, novas tecnologias, ambientes altamente competitivos, pressões por pra-zos, recursos insuficientes, insatisfação no trabalho, baixa remuneração, medo de demissão, falta de estí-mulo, relacionamento interpessoal, ambientes insalu-bres ou de alto risco e baixo crescimento profissional (AMARAL et al., 2013; MARQUES; ABREU, 2013; DU-QUE, 2005).

Os profissionais da saúde são expostos, ainda, à tensão e estresse gerados pela iminência de morte, frequentes oscilações entre sucesso e fracasso, poten-cializando os sentimentos de inadequação, impotência e insegurança (PULZ et al., 2011).

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

Entre veterinários, as principais fontes de estres-se são longas horas de trabalho, relacionamentos com colegas, gerentes e clientes, falta de recursos, proble-mas éticos e realização da eutanásia. Além destas, a alta complexidade do trabalho, ter que lidar com o sofrimento, tristeza ou insensibilidade dos proprie-tários, sensação de impotência por não poder tratar o paciente e preocupação com a constante atuali-zação de técnicas e conhecimentos são estressores em potencial, assim como o equilíbrio entre trabalho e vida privada, relacionamentos, saúde, finanças e preocupações de carreira (PULZ et al., 2011; HANZES, 2008; GARDNER; HINI, 2006). Outro fator que aflige os profissionais veterinários é o constante trabalho com fatores de risco ocupacionais, como os acidentes provocados por animais, acidentes de trânsito e zoo-noses (HANZES, 2008).

A prática da eutanásia na Medicina Veteriná-ria provoca questionamentos éticos e morais entre os envolvidos, mesmo quando é um procedimento justificável. É capaz de gerar efeitos colaterais psi-cológicos nos profissionais que a realizam, como in-satisfação com o trabalho e alienação, expressadas por agressividade, distrações e falta de cuidado com os animais, tristeza, pena ou arrependimento. Esses sentimentos podem afetar, além da capacidade de trabalho, o relacionamento interpessoal. Os sinais e a percepção, em relação à prática da eutanásia, va-riam com as características e resiliência de cada indi-víduo – profissionais mais experientes possuem uma dessensibilização em relação ao assunto, tratando--o com indiferença, enquanto alunos de graduação sentem-se desconfortáveis em debater o tema (PULZ et al., 2011).

Segundo Gardner e Hini (2006), entre os médi-cos-veterinários de pequenos animais, a prática da eutanásia é mais estressante, enquanto, entre os de grandes animais, são as longas jornadas em horários não convencionais. Em seu estudo na Nova Zelândia, verificaram que não há diferença entre os níveis de es-tresse e gênero, tipo de trabalho e número de pessoas no local de trabalho. Os autores observaram maior

ocorrência de estresse entre veterinários de pequenos animais que nas demais áreas. Nessa categoria, as mu-lheres foram mais afetadas.

Nett et al. (2015) e Gardner e Hini (2006), nos Es-tados Unidos e na Nova Zelândia, respectivamente, notaram que a saúde psicológica é menor entre os pro-fissionais mais jovens. Supõe-se que isso esteja rela-cionado ao fato de o campo veterinário ser mais profis-sional, socialmente isolante e tecnicamente exigente, sendo desafiador para veterinários menos experientes e mais jovens (NETT et al., 2015).

Katsurayama et al. (2011), analisando a residência médica, observaram que esta era tida como uma cau-sa relevante de estresse. A residência é um processo de desenvolvimento no qual o residente deve aprender a lidar com sentimentos de vulnerabilidade, encontrar o equilíbrio entre o desejo de cuidar e o desejo de curar e lidar com sentimentos de desamparo em relação ao complexo sistema assistencial. Além disso, deve estabe-lecer os limites de sua identidade pessoal e profissional. Uma característica inerente ao residente é a dualidade de funções, pois desempenha o papel de estudante e trabalhador. A privação de sono e a depressão são as principais consequências do treinamento.

"Segundo Gardner e Hini (2006), o estresse relacionado ao trabalho resulta em repercussões organizacionais, como aumento da rotatividade de profissionais, queda de produtividade, prejuízos financeiros, afastamentos e faltas no trabalho."

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

O estresse ocupacional inicia-se ainda na vida acadêmica dos indivíduos, pois nessa fase são expos-tos a uma alta, rigorosa ou obscura carga de trabalho, elevados requisitos acadêmicos, avaliações frequen-tes, preocupações financeiras e dificuldade de rela-cionamento interpessoal com colegas e professores. Um agravante dessa fase é a forma de enfrentamento utilizada pelos jovens, como o consumo excessivo de álcool e drogas (CARDWELL et al., 2013).

IMPLICAÇÕES DO ESTRESSE OCUPACIONALO estresse ocupacional interfere na qualidade de

vida do trabalhador, pois modifica a forma como o indi-víduo interage com as diversas áreas de sua vida. A qua-lidade de vida é um estado de bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença. A fe-licidade é vista como o sucesso em quatro áreas: social, afetiva, saúde e profissional. Ao sofrer de estresse em seu ambiente profissional, o trabalhador passa a ter uma relação desequilibrada entre essas áreas, o que gera um decréscimo de sua qualidade de vida (SADIR et al., 2010).

Segundo Gardner e Hini (2006), o estresse relacio-nado ao trabalho resulta em repercussões organizacio-nais, como aumento da rotatividade de profissionais, queda de produtividade, prejuízos financeiros, afasta-mentos e faltas no trabalho. Para os indivíduos, pode representar maior risco de doença cardiovascular e gástrica, comprometimento do funcionamento imuno-lógico, alteração do sono, distúrbios musculoesquelé-ticos, desequilíbrio familiar e acidentes de trabalho. Assim, a exposição aos estressores pode estar associa-da a sintomas depressivos, ansiedade e queixas psi-cossomáticas, burnout e até mesmo suicídio.

Em estudo com pós-graduandos em Medicina Ve-terinária, Duque et al. (2005) observaram a ansieda-de, irritabilidade, angústia, desânimo e dificuldade de concentração como os principais sinais de estresse.

AnsiedadeTida como uma consequência do estresse, a an-

siedade varia com a predisposição individual em res-ponder a eventos estressores (LACERDA, 2015), sendo

entendida como um estado de nervosismo, apreensão e preocupação sem causa (LACERDA, 2015; BACHION et al., 1998). Como processo adaptativo, desperta e motiva o organismo (LACERDA, 2015), porém, quando crônica, se torna improdutiva e impede a resolução do evento desencadeante (BACHION et al., 1998).

As manifestações da ansiedade são caracterizadas por sinais e sintomas inespecíficos e incluem: altera-ção dos batimentos cardíacos, da respiração e da pres-são arterial, inquietação, dores, palpitação, náuseas, estremecimento, tremores e aumento da sudorese, além de apreensão, medo, desconforto e insegurança (LACERDA, 2015; BACHION et al., 1998). A intensidade e duração destes são determinadas pela persistência da interpretação individual da situação como ameaça-dora e por respostas advindas do autoconhecimento (BACHION et al., 1998).

DepressãoTido como um transtorno de humor, considera-se

deprimido o indivíduo que apresenta um quadro longo de tristeza e desinteresse pela vida social (LACERDA, 2015). Caracteriza-se pela ocorrência de tristeza, per-da de interesse, ausência de prazer, oscilações entre sentimento de culpa e baixa autoestima, além de dis-túrbios do sono ou do apetite. Também há sensação de cansaço e falta de concentração (OMS, 2013).

A depressão exógena (depressão reativa) surge devido a fatores ambientais externos, como estresse, problemas profissionais, perdas, traumas, rupturas e circunstâncias adversas (BALLONE, 2005).

Skipper e Williams (2012), no Alabama, verificaram que 66% de seus entrevistados (n = 701) haviam pas-sado por um período de depressão clínica, desde que iniciaram a faculdade de Medicina Veterinária. Nett et al. (2015) expuseram que a ocorrência de depressão entre as mulheres, nos Estados Unidos e no Reino Uni-do, é maior que entre os homens.

BurnoutPara Amaral et al. (2013), burnout, denominado

“estafa” na década de 1970, é uma síndrome psicoló-

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

gica do trabalho, desenvolvida pela reação prolongada aos estressores interpessoais crônicos. Essa síndrome, segundo Azevedo (2008), pode ser definida como um estado de completa exaustão física, mental e emocio-nal, ocasionado pelo desgaste nas relações pessoais, sociais e educativas.

Para seu desenvolvimento, há três fatores impor-tantes: exaustão avassaladora, sensação de ceticismo e desligamento do trabalho e, finalmente, sensação de ineficácia e falta de realização. Esses fatores fazem re-ferência a estar além dos limites físicos e emocionais, sobrecarga de esgotamento emocional e sensação de incompetência e ausência de produtividade, respecti-vamente (ROSSI et al., 2007). Assim, o cansaço emocio-nal e os fatores de risco impostos pelo estresse ocu-pacional são a combinação para a eclosão de burnout (AZEVEDO, 2008).

Há três manifestações da síndrome: a exaus-tão emocional, caracterizada pela falta de energia, entusiasmo e um intenso esgotamento pessoal; a despersonalização, quando o indivíduo passa a tra-tar os clientes, colegas e organização como meios e não fins; e a baixa autoestima e realização pes-soal e no trabalho. Alguns sintomas apresentados pelo indivíduo com burnout são desmotivação ou desinteresse, mal-estar interno e insatisfação pro-fissional, aumento das condutas de risco, sensação de onipotência, paranoia, cansaço emocional, deso-rientação, uso de entorpecentes e inconstância de empregos (AZEVEDO, 2008). Além desses, o indiví-duo pode apresentar sinais físicos ligados ao es-tresse, a exemplo de transtornos psicossomáticos como fadiga crônica, dores de cabeça, alterações no sono, suscetibilidade a infecções, úlceras diges-tivas e outras desordens gastrintestinais, hiperten-são arterial, perda de peso, dores musculares e de coluna, alergias e outros (BALLONE, 2002; KATSU-RAYAMA et al., 2011).

Elkins e Kearney (1992), nos Estados Unidos, ob-servaram que dois terços das mulheres entrevistadas (n = 572) haviam apresentado sinais, mesmo que ini-ciais, de burnout.

Suicídio

O risco ocupacional para suicídio já foi avaliado entre veterinários em diversos locais do mundo. Kin-len, em 1983, e Blair e Hayes, em 1980, já demons-travam o aumento da taxa de suicídios entre esses profissionais, britânicos e americanos, respectiva-mente. A mortalidade por suicídio entre veterinários é proporcionalmente quatro vezes maior que da po-pulação geral e duas vezes em relação a outros pro-fissionais da saúde (HANG-COSTA, 2015; NETT et al., 2015). Essa ocorrência foi comprovada no Reino Uni-do (BARTRAM; BALDWIN, 2010; METZER et al., 2006; MELLANBY, 2005), nos Estados Unidos (BLAIR; HAYES, 1980) e na Austrália (JONES-FAIRNIE et al., 2008). Es-ses números sugerem má saúde mental na profissão, associada a altos níveis de ansiedade, depressão e ideação suicida (CARDWELL et al., 2013).

Hang-Costa (2015) verificou que as neoplasias são a principal causa de óbitos entre veterinários no Brasil, seguidas nos homens pelas doenças do siste-ma circulatório e nas mulheres pelas causas externas. Entre estas, em ambos os sexos, o predomínio é dos acidentes de transporte, seguidos do suicídio. Entre as mulheres, a taxa de suicídio foi três vezes maior em relação aos homens. Isso contrasta com a população geral, na qual a taxa de suicídio é maior entre os ho-mens (NETT et al., 2015).

TABELA 1. CAUSAS DE MORTALIDADE DE MÉDICOS- -VETERINÁRIOS, BRASIL, 2006-2012.

CausaMasculino

(%)Feminino

(%)

Doenças infecciosas e parasitárias 4,54 1,80

NeoplasiasCâncer de pulmãoCâncer de mama

24,5418,49

-

35,14-

28,21

Doenças endócrinas e metabólicas 4,03 3,60

Doenças do aparelho circulatório 25,88 17,12

Doenças do aparelho respiratório 6,55 3,60

Doenças do aparelho digestivo 3,36 8,11

Continua

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

CausaMasculino

(%)Feminino

(%)

Sinais, sintomas e achados anormais 4,37 8,11

Causas externasAcidentes de transporteSuicídio

21,5154, 6910,16

19,8245,4536,36

Outras 5,21 2,70

Fonte: Adaptado de Hang-Costa (2015).

Segundo Halliwell e Hoskin (2005), as causas de suicídio são diversas. Para eles, primeiramente, tem-se como fator de risco o elevado QI, uma vez que a profis-são exige alunos mais inteligentes e dotados, havendo evidências de que esse fator está ligado à taxa de sui-cídio dentro de um grupo. Secundariamente, verifica-se o fato de o curso de Medicina Veterinária ser altamente exigente, podendo inibir o desenvolvimento de habili-dades de comunicação e maturidade emocional. Soma--se a esses fatores a transição da vida acadêmica para a vida profissional, em que se passa a ter uma atuação mais isolada, o que é muito estressante. Além disso, há acesso facilitado às substâncias de autoextermínio, uti-lizadas na eutanásia de animais (HANG-COSTA, 2015; HALLIWELL; HOSKIN, 2005). Há ainda indícios de que a prática da eutanásia pode alterar a visão de santidade da vida humana (HALLIWELL; HOSKIN, 2005). Outros fatores envolvidos nos altos índices de suicídio entre veterinários são estresse ocupacional e depressão, cen-sura dos distúrbios de saúde mental na profissão veteri-nária, relutância dos veterinários em obter ajuda médica e isolamento profissional e social (MELLANBY, 2005).

PREVENÇÃOPara os veterinários, a doença mental é tida como

uma fraqueza, o que gera uma barreira para que pro-curem tratamento de saúde mental (NETT et al., 2015).

Medidas preventivas devem ser adotadas desde sua formação, uma vez que maiores taxas de estresse são en-contradas entre os profissionais mais jovens (GARDNER; HINI, 2006). Deve ser inserida no currículo veterinário uma grade que prepare o aluno com habilidades de en-frentamento das mudanças que irão ocorrer durante sua vida profissional. Faz-se necessário também o apoio du-

rante a tomada de decisões na vida acadêmica, de gra-duação e pós-graduação (HALLIWELL; HOSKIN, 2005).

Outro fator que pode ser trabalhado durante a formação profissional, para redução do estresse ocu-pacional, é a capacitação prática, pois está diretamen-te ligada à demanda de trabalho que será exigida do profissional. Como consequência, quando não domina-da, gera um agravamento do quadro de saúde mental (NETT et al., 2015).

Em relação à eutanásia de animais, mesmo sendo um tema que gera desconforto entre os graduandos, reflexões sobre o assunto devem ser estimuladas. Em ambientes em que a prática é realizada, é indicada a rotatividade de funcionários na função, assim como acompanhamento psicológico e supervisão dos traba-lhos (PULZ et al., 2011).

Algumas competências que podem auxiliar os veterinários na gestão do estresse incluem: mobilizar apoio social; solução de problemas; tomada de deci-são; habilidades de comunicação, como empatia, ne-gociação e mediação; prevenção e resolução de confli-tos; e gestão do sofrimento. Há ainda a necessidade de recursos para ajudar e apoiar o profissional que está enfrentando o estresse (GARDNER; HINI, 2006).

CONSIDERAÇÕES FINAISApesar dos poucos estudos na Medicina Veteriná-

ria em relação ao estresse ocupacional e suas conse-quências, ele claramente afeta os profissionais da área, repercutindo em seus pacientes, amigos e familiares.

Quando o estresse ocorre no ambiente ocupacio-nal, pode gerar um grande desgaste para o profissional e isso reflete na sua produtividade, ocasionando pre-juízos individuais e para a organização. Não é possível excluir o estresse, porém podem-se evitar seus danos. Para isso, o indivíduo deve desenvolver sua autocons-ciência e sua capacidade de resiliência.

O estresse está naturalmente presente no cotidia-no profissional. Os profissionais deveriam, assim, ser capacitados para utilizá-lo com o intuito de aperfei-çoar seu desempenho e a segurança no atendimento aos pacientes.

Continuação

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REFERÊNCIAS

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

JÉSSICA GUERRA DE OLIVEIRAMédica-veterináriaCRMV-MG nº [email protected]

IZABELA ASSIS ROCHAMédica-veterináriaCRMV-MG nº 17041

TATIANA DE CARVALHO CASTROMédica-veterináriaCRMV-MG nº 14852

MARISTELA SILVEIRA PALHARESMédica-veterináriaCRMV-MG nº 2746

RENATA DE PINO ALBUQUERQUE MARANHÃOMédica-veterináriaCRMV-MG nº 6386

AUTORES

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 8046

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COMO DOCENTES E DISCENTES DE MEDICINA VETERINÁRIA AVALIAM O USO DE METODOLOGIAS ATIVAS NA GRADUAÇÃO? HOW VETERINARY MEDICINE PROFESSORS AND STUDENTS EVALUATE THE USE OF ACTIVE METHODOLOGIES DURING THE COURSE?

Este artigo objetiva avaliar o conhecimento e a opinião de docentes e discentes em relação à utilização de Metodologias Ativas (MAs) de ensino. Foram aplicados questionários semiestruturados a 124 discentes e 28 docentes do curso de graduação em Medicina Veterinária de uma instituição de ensino superior privada. Ambos os grupos concordaram que as MAs aumentavam a interação estudante-professor, tornavam as aulas mais dinâmicas, favoreciam o aprendizado e seriam capazes de melhorar o processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, o despreparo dos professores, a falta de interesse dos discentes e a desorganização das turmas foram citados como dificuldades de utilizar tais estratégias. Além disso, 75,0% do professorado avaliado afirmou que os docentes, em geral, não estavam preparados para utilizar as MAs. Estes avaliaram de forma negativa o método tradicional de ensino e 58,9% afirmaram que os métodos de ensino deveriam ser modificados na universidade avaliada. Concluiu-se que, apesar de ambos os grupos reconhecerem as vantagens no uso das MAs, fatores como o preparo pedagógico dos docentes e o interesse dos discentes podem interferir na eficácia dessas metodologias, além de existir a necessidade de aprimoramento e treinamento dos envolvidos para o real domínio e uso adequado das MAs de ensino.

Palavras-chave: Aprendizagem ativa. Docência. Ensino superior. Pedagogia.

This paper aimed at assessing the knowledge and opinion of professors and students, regarding the use of Active Learning Methodologies (ALM). A total of 124 professors and 28 students, all members of the Veterinary Medicine course of a private institution, were asked to complete a semi-structured questionnaire on the topic. Both groups agreed that the ALM enhance the professor-student interaction, make classes more dynamic, and favor the understanding of the subject. They ultimately concurred that these methodologies have the potential to improve the overall teaching-learning process. Nevertheless, the insufficient practice from professors, the little interest from students, and the lack of organization in the classes were listed as hindrances for employing such strategies. Besides, 75.0% of the professors recognized that, in general, they were not prepared to apply the ALM. The students evaluated the traditional learning methods negatively, and 58.9% of them affirmed that it should be amended in the institution. Eventually, despite having advantages acknowledged by both study groups, the ALM face difficulties that compromise their effectiveness. Therefore, it is necessary to train the personnel involved, so they can have a full grasp of the methodologies and become capable of using them correctly.

Keywords: Active learning. Higher education. Pedagogy. Teaching.

RESUMO

ABSTRACT

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 80 47

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

INTRODUÇÃO

De acordo com informações do Ministério da Educa-ção (MEC), até o mês de fevereiro de 2019, o Brasil con-tava com 397 Instituições de Ensino Superior (IESs) ofe-recendo o curso de graduação em Medicina Veterinária (BRASIL, 2019). Todo ano, cinco mil novos profissionais são inseridos no mercado (DBO, 2015). Com mais de cem mil profissionais que atuam nas diversas áreas da profis-são e um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, torna-se fundamental que as IESs e os docentes estejam completamente envolvidos com a qualidade do ensino e a excelência da formação profissional (CRMV-RJ, 2009).

Nesse cenário, é crescente a demanda pela aplica-ção de metodologias de ensino que aumentem a ca-pacidade de aprendizagem e fixação do conteúdo por parte do estudante. Segundo Berbel (1998), embora a aula expositiva permaneça como principal estratégia de ensino utilizada em muitas IESs, existe o esforço de do-centes para aumentar a utilização de metodologias al-ternativas e de universidades para realizar inovações na maneira de pensar, organizar e desenvolver seus cursos.

O método tradicional de ensino ainda é o mais uti-lizado nas escolas de Medicina Veterinária brasileiras (CFMV, 2012). Segundo Libâneo (2013), nesse método, a atividade de ensinar é baseada no professor, que tem as ações de expor e interpretar a matéria, enquanto o estudante figura como receptor passivo do conteúdo. É caracterizado por aulas expositivas e relação pro-fessor-aluno vertical, sendo que o docente tem poder decisório em relação à metodologia, conteúdo e ava-liação (MAIA et al., 2009).

O processo de ensino-aprendizagem ativo contra-põe o modelo tradicional por utilizar técnicas didáticas que visam a favorecer a autonomia do estudante, des-pertar a curiosidade e estimular a tomada de decisão individual e coletiva (BORGES; ALENCAR, 2014). Com a utilização da didática ativa, o foco da atividade não está no professor nem na matéria a ser ensinada, mas no aluno ativo e investigador (LIBÂNEO, 2013). O do-cente, por sua vez, passa a atuar como facilitador e mo-derador desse processo (BARBOSA; MOURA, 2013). De acordo com Pecotche (2011), a utilização de Metodo-

logias Ativas (MAs) estimula o estudante a raciocinar, pensar, entender, refletir, observar e combinar conhe-cimentos prévios e novos. Varela et al. (2007) afirmam que a utilização de MAs de ensino promove o aumento do interesse, envolvimento e motivação dos alunos; aumenta a aquisição de conhecimentos; diminui a taxa de abandono dos cursos; desenvolve competências e habilidades; aproxima a teoria da prática; e promove maior interdisciplinaridade.

Em 2013, o Conselho Federal de Medicina Veteri-nária (CFMV) elaborou um documento intitulado Estra-tégias de ensino-aprendizagem para desenvolvimento das competências humanísticas, em que propõe a uti-lização de MAs de ensino para o desenvolvimento de competências humanísticas em discentes de Medicina Veterinária. Seguindo a proposta, a Universidade de Cuiabá (Unic) e a Faculdade Evangélica do Paraná (Fe-par) implementaram as MAs em disciplinas de gradua-ção. A avaliação final desse projeto demonstrou que tanto docentes quanto discentes concordaram que o emprego de MAs contribuiu para o desenvolvimento de competências humanísticas, aumentou o interesse e participação dos alunos e favoreceu a aquisição de conhecimento (LEMOS et al., 2015).

Lemos et al. (2015) citam alguns exemplos de MAs de ensino que vêm sendo aplicadas nos cursos de Me-dicina Veterinária, como aprendizado baseado em pro-blemas (PBL), dramatização, tempestade cerebral, semi-nários, estudo de textos, estudo dirigido, infográficos, mapa conceitual, fórum, fluxograma, estudo baseado em projetos, problematização e estudos de caso.

Nesse contexto, objetivou-se avaliar o conhecimen-to e a opinião de docentes e discentes do curso de Me-dicina Veterinária de uma IES privada em relação à utili-zação de MAs de ensino. Buscou-se também determinar as principais MAs de ensino utilizadas pelos docentes.

MATERIAL E MÉTODOS A pesquisa foi realizada em uma IES privada loca-

lizada em um município da Zona da Mata de Minas Ge-rais. Foram aplicados questionários semiestruturados a docentes e discentes do curso de Medicina Veterinária.

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

Participaram da pesquisa todos os professores que mi-nistravam disciplinas do ciclo básico e/ou profissiona-lizante do curso e estudantes aleatoriamente selecio-nados, de todos os dez períodos. Para tal análise, foram considerados o número total de alunos do curso em questão, margem de erro de 8% e nível de confiança de 95%. A coleta de dados foi realizada sempre pelo mesmo pesquisador.

A todos os indivíduos que participaram da pesqui-sa foram garantidos a manutenção da privacidade e o sigilo das informações. Antes do início da entrevista, o pesquisador prestou todas as informações solicitadas pelo entrevistado em relação ao estudo, de forma clara e acessível. Nos casos consentidos, foi disponibilizado o termo de consentimento livre e esclarecido para as-sinatura, autorizando a realização do questionário. Os dados foram coletados após sua assinatura.

Foram elaborados dois questionários, compostos por questões objetivas e discursivas, sendo um apli-

cado aos docentes e outro aos discentes. Ambos con-tinham dez perguntas, que podem ser visualizadas nas Tabelas 1 e 2. Após a coleta, os dados foram tabulados e analisados de acordo com suas frequências absoluta (N) e relativa (%), utilizando o software Microsoft Ex-cel®. A pesquisa atendeu às normas éticas de pesqui-sa com seres humanos, sendo o parecer submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da institui-ção em questão (protocolo número 079/2016-I).

RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados foram coletados no período de maio a

julho de 2016. A IES avaliada apresentava 28 docentes que ministravam disciplinas básicas e/ou profissiona-lizantes para o curso de graduação em Medicina Ve-terinária. Os questionários foram aplicados a 24 pro-fessores (85,7%), sendo que quatro (14,3%) optaram por não participar da pesquisa. Os resultados obtidos estão expostos na Tabela 1.

TABELA 1. QUESTIONÁRIO APLICADO AOS DOCENTES CONTENDO AS PERGUNTAS E RESPOSTAS OBTIDAS, IES PRIVADA, MINAS GERAIS, 2016.

Pergunta Resposta N %

1

Você sabe o que são metodologias ativas?

Sim 23 95,8

Não 1 4,2

2

Você utiliza metodologias ativas em suas aulas?

Sim 23 95,8

Não 1 4,2

2.1

Qual é a porcentagem de utilização das metodologias em suas aulas?

<50% 11 45,8

≥50% 12 50,0

Não utiliza 1 4,2

3

Quais metodologias ativas você utiliza em suas aulas?

Tempestade cerebral 13 19,4

Estudo de caso 9 13,4

Dinâmicas/jogos/dramatização 8 12,0

Seminários 6 8,9

Debates/júri simulado 6 8,9

Aprendizado baseado em problemas (PBL) 5 7,5

Estudo dirigido 4 6,0

Infográfico/mapa conceitual 3 4,5

Aulas expositivas dialogadas 3 4,5

Continua

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 80 49

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

Pergunta Resposta N %

3

Algoritmo 3 4,5

Projeto 3 4,5

Portfólio 2 3,0

Workshop 1 1,5

Aulas práticas on-line 1 1,5

4

Quais são os maiores benefícios ao utilizar uma metodologia ativa?

Aumenta o interesse dos alunos 12 44,4

Maior aprendizado dos alunos 10 37,0

Aula fica mais dinâmica 3 11,1

Melhor entendimento do conteúdo 1 3,7

Não soube dizer 1 3,7

5

Quais são as maiores dificuldades de utilizar uma metodologia ativa?

Falta de interesse dos alunos 6 27,3

Dificuldade na preparação das aulas 3 13,6

Adaptação do aluno 3 13,6

Tempo gasto elevado 2 9,1

Depende da disciplina 2 9,1

Despreparo dos professores 2 9,1

Preconceito dos alunos com metodologias ativas 1 4,5

Turma grande 1 4,5

Timidez dos alunos 1 4,5

Não soube dizer 1 4,5

6

Os professores, em geral, estão preparados para mudança no método de ensino na universidade?

Sim 6 25,0

Não 18 75,0

7

Por que não utiliza ou não utiliza mais vezes as técnicas de metodologia ativa em suas aulas?

Carga horária/receio de não cumprir o conteúdo 13 52,0

Falta de preparo/desconhecimento da metodologia ativa 4 16,0

Nem todos entendem 3 12,0

Nem toda disciplina favorece o uso 2 8,0

Não opinou 2 8,0

Não adaptação dos alunos 1 4,0

8

A qualidade do processo de ensino-aprendizagem melhora com a utilização de metodologias ativas?

Sim 24 100,0

Não 0 0,0

9

Qual foi a aceitação dos alunos quando você utilizou metodologias ativas?

Aceitação de mais de 50% dos alunos 22 91,6

Resistência dos alunos 1 4,2

Não opinou 1 4,2

10

Você possui alguma formação ou curso na área de didática ou pedagogia?

Sim 10 41,7

Não 14 58,3Nota: N = número de entrevistados.

Continuação

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 8050

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

De acordo com os dados coletados, 95,8% (23/24) dos docentes avaliados afirmaram conhecer e utilizar as MAs de ensino em suas aulas. Uma ex-plicação para esse valor foi o fato de a IES ter feito parte, nos anos de 2015 e 2016, do projeto do CFMV para o desenvolvimento de competências humanís-ticas a partir da introdução de técnicas e ferramen-tas ativas de ensino-aprendizagem em disciplinas oferecidas pelo curso de graduação em Medicina Veterinária. Os professores tiveram o apoio de mem-bros do CFMV, acesso a materiais didáticos e incen-tivo da própria IES, que favoreceram a utilização de diversas MAs de ensino. A grande diversidade de técnicas ativas de ensino utilizadas pelos docentes da IES avaliada, observada na pergunta três, pode refletir o fato de que esses professores estavam dis-postos a se deslocar do modelo tradicional de ensi-no em direção à participação ativa do discente no processo de ensino-aprendizagem. Outras IESs que também participaram do projeto do CFMV relataram a utilização de MAs de ensino semelhantes àquelas descritas neste estudo. Foram relatadas as técnicas de tempestade cerebral, estudo de texto, seminário, infográfico, fórum, mapa conceitual, dramatização, júri simulado, portfólio, entre outras (LEMOS et al., 2015; SOUSA et al., 2015).

Observou-se que 50,0% (12/24) dos docentes utilizavam MA em 50,0% ou mais de suas aulas, 45,8% (11/24), menos do que 50,0% e 4,2% (1/24) não utilizavam. O método tradicional de ensino es-tava bastante presente na realidade avaliada. Tal resultado relaciona-se ao pensamento de Roncati et al. (2013), que notaram que, embora grande parte do corpo docente das universidades mostrasse in-teresse pelas novas metodologias de ensino e pela aprendizagem ativa, ainda predominavam os méto-dos tradicionais de ensino. Além disso, a adequa-ção a esses métodos de ensino inovadores ainda é desafiadora e demanda dos educadores mudança de postura habitual e preparação adequada, como descreve Eimantas (2014, p. 15): “[...] a implantação de novas metodologias de ensino foi e sempre será

um imenso desafio, pois há muita resistência ao novo, às mudanças, ao desconhecido, principalmen-te pelos docentes e administradores mais antigos ou tradicionais”.

Os principais benefícios de utilizar as MAs de ensino mencionados pelos docentes avaliados fo-ram: aumento do interesse dos estudantes pelas aulas (44,4% – 12/24), maior aprendizado por parte dos discentes, capacidade de tornar as aulas mais dinâmicas e melhor entendimento do conteúdo das disciplinas pelos estudantes. Esses relatos demons-tram que os docentes reconheciam as vantagens de utilizar as estratégias ativas de ensino e não dife-rem daqueles evidenciados por outros autores (SIL-BERMAN, 1996; VARELA et al., 2007; LEMOS et al., 2015). Xavier et al. (2014) reforçam ainda mais tais benefícios, afirmando que essas estratégias de en-sino adaptam-se às necessidades atuais dos cursos na área da saúde e colocam o estudante no centro do processo educativo, aumentando seu interesse e aprendizado.

Além disso, 100,0% (24/24) dos docentes ava-liados reconheceram as MAs como sendo capazes de melhorar o processo de ensino-aprendizagem, porém tal resultado sugere que eles se embasaram em seu conhecimento teórico acerca dos métodos ativos, visto que mesmo aquele professor que afirmou não utilizar MA ou aqueles que as utilizavam em menos de 50,0% de suas aulas deram respostas positivas a esse ques-tionamento.

Segundo Eimantas (2014), os estudantes de hoje recebem muito bem os novos métodos de ensino, uma vez que não são mais receptores passivos de informa-ções. Entretanto, neste estudo, os docentes descreve-ram a falta de interesse dos alunos (27,3%) como a principal dificuldade de utilizar MA. Em adição, tal des-vantagem esteve entre as mais citadas pelos discentes (17,2% – Tabela 2), contrariando o benefício de as MAs aumentarem o interesse/participação dos estudantes relatado pelos dois grupos avaliados.

Para explicar tal incongruência, sugerem-se o fato de cada aluno ter um perfil diferente de aprendizado

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 80 51

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

e a falta de experiência teórica em docência no ensi-no superior dos professores. Portanto, conforme afir-mam Bordenave e Pereira (2001), não há um método de ensino que agrade todos os estudantes, que po-dem assimilar e se interessar em diferentes graus por cada um deles. De modo semelhante, Bacich e Moran (2018) relatam que cabe ao educador adequar as MAs utilizadas ao seu contexto educacional, levando em consideração as características de seus estudantes e as diferentes maneiras pelas quais cada um deles pode ser envolvido no processo de ensino-aprendi-zagem para que aprendam melhor, em seu próprio tempo, ritmo e estilo.

Apesar do relato de falta de interesse dos alunos, para 91,6% (22/24) dos docentes, houve aceitação de mais de 50,0% dos discentes quando utilizaram MAs de ensino em suas aulas. Os graus de aceitação e participação dos estudantes podem variar justamen-te pela individualidade de cada um deles. No entanto, ressalta-se que o professorado precisa atentar às ca-racterísticas de seus alunos e tentar buscar o diálogo constante com eles sobre a aplicação das estratégias ativas de ensino. Em complemento, para que a acei-tação ocorra mais facilmente, o amplo conhecimento do docente sobre a metodologia aplicada torna-se fundamental. A falta de formação didática/pedagógi-ca pode ser fator impeditivo para que apliquem de forma mais eficaz e ampla as MAs. Adicionalmente, se não aplicam de forma correta, o desinteresse dos alu-nos pode surgir.

Neste trabalho, observou-se que 41,7% (10/24) dos docentes entrevistados afirmaram possuir al-guma formação ou curso na área de didática ou pe-dagogia. Entretanto, ressalta-se a probabilidade de que o professorado em questão tenha considerado a participação em treinamentos, oficinas e/ou cursos livres nas áreas questionadas como justificativa para a resposta positiva, fugindo do enfoque pretendido no questionário. Ainda assim, o percentual de educa-dores que afirmaram não possuir formação em didá-tica ou pedagogia foi maior (58,3% – 14/24). Dada a natureza do curso de Medicina Veterinária, dificil-

mente se encontrariam professores que possuíssem curso superior em Pedagogia. Gil (1997) corrobora esses pensamentos ao afirmar que a preparação do professor universitário no Brasil ainda é bastante pre-cária, visto que a maioria daqueles que lecionam em estabelecimentos de ensino superior não passou por qualquer processo sistemático de formação pedagó-gica. De modo semelhante, Becerra (2010) afirma que a qualidade do ensino superior nas IESs brasileiras está comprometida, justamente pela falta de forma-ção pedagógica do corpo docente.

Quando questionados se os professores, em geral, estavam preparados para mudanças no processo de ensino-aprendizagem, como a maior utilização de MAs, 75,0% (18/25) dos docentes opinaram de forma nega-tiva, demonstrando que, apesar do interesse em mu-dar o paradigma tradicional de ensino e lançar mão de MAs, a equipe de docentes necessita de capacitação adequada e contínua sobre a utilização de métodos de ensino diferenciados, cabendo à instituição de ensino oferecer estímulos para que isso aconteça e aos pró-prios professores incentivar uns aos outros. Essa reali-dade também foi evidenciada por Roncati et al. (2013), que, ao avaliar os professores de um curso de Medicina Veterinária, perceberam que, apesar de utilizarem as estratégias ativas de ensino, 52,0% não se sentiam preparados para tal.

Foram citados, ainda, pelos docentes a dificulda-de de preparação das aulas (13,6%), a não adaptação de alguns alunos aos novos métodos (13,6%), o ele-vado tempo gasto para aplicação das metodologias (9,1%), as disciplinas que não favoreciam o uso dos métodos ativos (9,1%), o despreparo dos professo-res (9,1%) e turmas com grande número de alunos (4,5%). As dificuldades descritas não diferem daque-las apresentadas por Lemos et al. (2015), que tam-bém relataram alguns pontos críticos quando utiliza-ram as MAs de ensino. Para os autores, a execução e implementação dessas técnicas requerem domínio e preparo do professor, a escolha das estratégias deve ser baseada no espaço físico, recursos disponíveis e número de alunos por sala de aula e a aplicação é

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 8052

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

dificultada em disciplinas com pequena carga horária. Cobucci (2017), ao realizar uma pesquisa com docen-tes de graduação em Medicina Veterinária em duas IESs (pública e privada), também relatou que, apesar das várias vantagens em utilizar MAs, dificuldades e pontos negativos foram levantados pelos educadores avaliados. A falta de tempo, a grande quantidade de conteúdo, a imaturidade do estudante de Medicina Veterinária e sua falta de motivação/interesse em re-lação a novos métodos de ensino foram algumas das dificuldades citadas.

Os docentes relataram que não utilizavam ou dei-xavam de utilizar as MAs em suas aulas devido à carga horária curta de determinadas disciplinas, como tam-bém ao conteúdo extenso a ser ministrado (52,0%). Similarmente, Lemos et al. (2015) expuseram que as estratégias ativas podem consumir mais tempo, quan-do comparadas às aulas expositivas tradicionais. O modelo tradicional permite transmitir maior volume

de informações para muitos alunos mais rapidamente. Portanto, ao optar pela metodologia tradicional, o pro-fessor consegue cumprir o cronograma mais facilmen-te, mas incorre no fato de deixar de estimular o pen-samento crítico e reflexivo do estudante, uma vez que ele é mero receptor de informações. Outros autores também confrontam o método tradicional de ensino, como Borges e Alencar (2014, p. 125), que descrevem: “[...] a escolha por esse tipo de metodologia não con-tribui para uma formação crítica dos estudantes, pois centraliza na figura do professor todo o conhecimento, e menospreza, nos alunos, as qualidades e capacida-des que neles podem ser desenvolvidas”.

Em relação aos discentes, a IES apresentava 570 estudantes de graduação em Medicina Veterinária. O questionário foi aplicado a 124 deles (21,8%), distri-buídos entre o primeiro e o décimo períodos e selecio-nados aleatoriamente. A Tabela 2 permite observar as respostas obtidas.

TABELA 2. QUESTIONÁRIO APLICADO AOS DISCENTES, CONTENDO AS PERGUNTAS E RESPOSTAS OBTIDAS, IES PRIVADA, MINAS GERAIS, 2016.

Pergunta Resposta N %

1

Você sabe o que são metodologias ativas?

Sim 103 83,1

Não 21 16,9

1.1

Quais metodologias ativas você conhece?

Dramatização/gincanas/jogos 38 27,3

Estudo dirigido 30 21,6

Estudo de caso 15 10,8

Trabalhos em grupo/dinâmicas 15 10,8

Aprendizado baseado em problemas (PBL) 8 5,8

Aulas interativas 7 5,0

Aula expositiva dialogada 5 3,6

Aula prática 5 3,6

Seminários 4 2,9

Debates 4 2,9

Videoaula 3 2,2

Mapa conceitual/cartaz 3 2,2

Palestras 2 1,4

Continua

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 80 53

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

Pergunta Resposta N %

2

Quais são os maiores benefícios de participar de uma aula com metodologia ativa?

Maior aprendizado, com mais facilidade 63 45,3

Maior interação aluno-professor 25 18,0

Maior participação dos alunos 18 12,9

Não opinou 18 12,9

Aula torna-se mais dinâmica 11 7,9

Nenhum benefício 4 2,9

3

Quais são as maiores dificuldades observadas em uma aula com metodologia ativa?

Desorganização da turma Falta de interesse dos alunos

3021

24,617,2

Não opinou 14 11,5

Desenvolver o raciocínio 13 10,7

Timidez dos alunos 10 8,2

Não viu dificuldades 9 7,4

Falta de preparo dos professores 7 5,7

Tempo para a aplicação 6 4,9

Maior necessidade de estudo prévio 6 4,9

Cobrança do professor 3 2,5

Agradar a todos 3 2,5

4

Os professores, em geral, estavam preparados para utilizar as metodologias ativas?

Sim 97 78,2

Não 27 21,8

5

Você acha que as metodologias ativas são importantes para formar profissionais diferenciados?

Sim 112 90,3

Não 12 9,7

6

A qualidade do processo de ensino-aprendizagem melhora com a utilização de metodologias ativas?

Sim 116 93,5

Não 7 5,6

Não opinou 1 0,8

7

O que você acha do método tradicional de ensino?

Cansativo/desgastante/chato 37 29,6

Ótimo/bom 29 23,2

Ruim/fraco/ultrapassado 22 17,6

Nem todos assimilam o conhecimento 10 8,0

Importante/necessário 9 7,2

Razoável 6 4,8

Não estimula o aprendizado 4 3,2

Funciona para algumas disciplinas 3 2,4

Não opinou 3 2,4

Deveria ser mais prático 2 1,6

Continuação

Continua

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 8054

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

Continuação

Pergunta Resposta N %

8

Você acha que a utilização de metodologia ativa é uma perda de tempo?

Sim 6 4,8

Não 116 93,5

Não opinou 2 1,6

9

Você acha que os métodos de ensino devem ser modificados na faculdade?

Sim 73 58,9

Não 51 41,1

9.1

Se SIM para a pergunta anterior, por que os métodos de ensino devem ser modificados na faculdade?

Para que aumente o interesse do estudante 19 26,0

Aumentar interação estudante-professor 17 23,3

Melhorar a didática dos professores 8 11,0

Aumentar uso de metodologias ativas 7 9,6

Melhoras são sempre válidas 7 9,6

Ter mais aulas práticas 5 6,8

Ensino está fraco 4 5,5

Modificar método de cobrança 2 2,7

Ser menos rígido 2 2,7

Conteúdo grande em pouco tempo 1 1,4

Não opinou 1 1,4

10

Você gostaria de um curso com 100% de aulas com metodologias ativas?

Sim 41 33,1

Não 82 66,1

Não opinou 1 0,8Nota: N = número de entrevistados.

Pode-se observar que 83,1% dos discentes ava-liados afirmaram saber o que são MAs de ensino e ainda citaram 13 métodos diferentes. Entre as mais conhecidas pelos estudantes, estavam as técnicas lúdicas (27,3%), estudo dirigido (21,6%), estudo de caso (10,8%), trabalhos em grupo/dinâmicas (10,8%) e PBL (5,8%). As MAs citadas neste trabalho, tanto pe-los docentes quanto pelos discentes, também foram descritas por outros autores, que, inclusive, defen-dem sua utilização (ANASTASIOU; ALVES, 2001; BOR-DENAVE; PEREIRA, 2001; LEMOS et al., 2015; SOUSA et al., 2015).

Apesar do reconhecimento dos discentes sobre a existência de diversas MAs em seu contexto educacio-nal, nota-se uma diferença entre as respostas dos pro-fessores e estudantes. Os primeiros, como observado

na Tabela 1, apontaram “tempestade cerebral” e “estu-dos de caso” como as MAs mais utilizadas por eles; por sua vez, as estratégias ativas de ensino mais reconhe-cidas pelos alunos foram “dramatização/gincanas/jo-gos” e “estudo dirigido”. Essa divergência entre os gru-pos avaliados sugere a probabilidade de os discentes não reconhecerem certas estratégias de ensino como MAs, pelo fato de o professor não deixar isso claro ao iniciar a atividade. Com isso, podem ter em mente que as MAs seriam, principalmente, atividades de diversão, como jogos, dramatização e gincanas. Além disso, pres-supõe-se que essas atividades lúdicas produzem um maior impacto no estudante, permanecendo em sua memória, visto que, quando questionados, reconhe-ceram, em primeiro lugar, aquelas que possuíam uma forte lembrança.

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

Os estudantes opinaram a respeito dos benefícios de participar de uma aula com MAs de ensino e cita-ram a possibilidade de maior aprendizado (45,3%), au-mento da interação entre aluno e professor (18,0%), maior participação dos discentes (12,9%) e maior di-namismo nas aulas (7,9%). Silberman (1996) apoia os benefícios relatados ao afirmar que, com os métodos ativos, os alunos assimilam melhor o conteúdo, retêm a informação por mais tempo e aproveitam as aulas com mais satisfação e prazer.

Para mais de 90,0% dos discentes entrevistados, as estratégias ativas de ensino colaboram para a for-mação de profissionais mais qualificados e não de-veriam ser consideradas perda de tempo. Entretanto, neste estudo, 66,1% não desejavam um curso com a totalidade de aulas com MA. Percebe-se, então, que eles enxergam os métodos ativos como uma boa op-ção a ser utilizada durante sua formação acadêmica, porém não são adeptos à ideia de 100% das aulas serem baseadas neles, uma vez que existem estudan-tes que ainda preferem os métodos tradicionais. Isso é justificado por Fontanelli et al. (2015), que ressal-tam que o aluno universitário possui diferentes for-mas de abordar as atividades de aprendizado, assim como diferenças em como reagem frente aos variados métodos de ensino e percebem sua própria função no processo de aprendizagem.

Assim como os docentes, grande parte dos discen-tes avaliados (93,5%) considerou que a utilização de MAs de ensino seria capaz de melhorar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem. Além dessa capa-cidade, Tonin e Del Carlo (2015) enfatizam que essas estratégias de ensino favorecem o desenvolvimento das competências humanísticas nos estudantes de Medicina Veterinária e contribuem para a formação de profissionais mais completos.

Na visão dos estudantes, as maiores dificuldades observadas em uma aula com MA foram: desorgani-zação da turma (24,6%), falta de interesse dos alu-nos (17,2%), dificuldade de desenvolver o raciocínio (10,7%) e timidez dos alunos (8,2%). A desorganiza-ção da turma abre novamente um questionamento

sobre o preparo do professor. Visto que várias das MAs necessitam de trabalho coletivo, se os docentes não aplicam as estratégias ativas de ensino de for-ma adequada, não se organizam previamente para usá-las e não deixam explícitos seus objetivos e fun-cionamento para os alunos, a colaboração da turma pode ser comprometida. Anastasiou e Alves (2001) corroboram esses argumentos ao enfatizar que, em relação às estratégias grupais, são fundamentais a or-ganização, preparação e planejamento para evitar a desorganização da turma.

Os autores ainda relatam que, quando ocorre uma inibição no grupo, cabe ao professor mediar os alunos no sentido de que todos possam desenvolver habili-dades e atitudes de representatividade, lembrando a eles que a sala de aula é um lugar de treino, de apren-dizagem, em que erros são permitidos e devem ser

"Quando questionados sobre o que achavam do método convencional de ensino, os alunos citaram diversas características negativas. Da mesma forma, Freire (1982) critica a metodologia tradicional ao apontar que, nesse método de ensino, os discentes são considerados depósitos vazios a ser preenchidos por conteúdos de domínio exclusivo do professor."

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

trabalhados para superar dificuldades (ANASTASIOU; ALVES, 2001). A timidez dos discentes também pode estar relacionada à “falta de interesse dos alunos”, citada por ambos os grupos avaliados. Por vezes, o que pode parecer desinteresse sugere uma inibição do estudante em se pronunciar, participar mais ativa-mente das aulas.

Quanto à dificuldade de desenvolver o raciocínio no que era desejado pelo professor, percebe-se que, devido à individualidade dos estudantes, uns assimilam certos conteúdos e disciplinas da grade curricular com mais facilidade e outros não. Para Debald (2003), a di-ficuldade não está no conteúdo, mas, muitas vezes, no aspecto metodológico, ou seja, o professor tem domínio da temática, mas não consegue encontrar uma forma adequada de abordá-la e possibilitar a aprendizagem.

Apesar das dificuldades relatadas, para 78,2% dos estudantes, os professores, em geral, mostram--se preparados para utilizar MAs. Essa percepção foi diferente daquela feita pelos próprios docentes. Su-gere-se que diversos discentes, às vezes, têm a vi-são de que o professor, ao ter conhecimento sobre os conteúdos administrados, também está seguro e preparado pedagogicamente para lançar mão de de-terminadas estratégias de ensino. No entanto, estar preparado para utilizar métodos ativos de ensino vai muito além da formação técnica do professorado, exigindo conhecimentos pedagógicos e didáticos, paciência para entender as diferenças entre os es-tudantes, interesse em inovar a prática em sala de aula e estímulo entre os próprios educadores e da própria IES. Roncati et al. (2013) parecem concordar, ao relatar que o sucesso da introdução de métodos de ensino diferenciados depende tanto da afinidade quanto da competência do professor, do apoio das autoridades, da receptividade dos colegas e da cola-boração dos alunos.

Quando questionados sobre o que achavam do método convencional de ensino, os alunos citaram di-versas características negativas. Da mesma forma, Frei-re (1982) critica a metodologia tradicional ao apontar que, nesse método de ensino, os discentes são consi-

derados depósitos vazios a ser preenchidos por con-teúdos de domínio exclusivo do professor. Nesse pro-cesso, a autonomia e a curiosidade vão se perdendo, uma vez que o docente transmite as informações de forma acabada e estática e o discente as memoriza e repete, promovendo, assim, a “desumanização” do es-tudante (MENEZES; SANTIAGO, 2014).

As respostas negativas dos discentes justificam o desejo de 58,9% deles no sentido de que gosta-riam que os métodos de ensino fossem modificados. Justificaram que os métodos deveriam ser alterados para aumentar o interesse do estudante pelas aulas (26,0%), a interação entre docente e discente (23,3%) e o uso de MAs (9,6%), sugerindo que se referiam às mudanças relacionadas à metodologia tradicional de ensino, o que é apoiado pelas opiniões dadas pelos próprios alunos a respeito dessa metodologia. Adicio-nalmente, os discentes (11,0%) gostariam que os do-centes melhorassem a didática e 6,8%, que houvesse aulas mais práticas. De acordo com Cobucci (2017), as aulas práticas têm se tornado cada vez mais teóricas, com menos utilização de animais ou de laboratórios de ensino. Desse modo, a introdução das MAs no con-texto educacional dos alunos seria uma válida opção para atender ao desejo de mudança do alunado, visto que elas têm a capacidade de dinamizar o contexto da sala de aula, inserir o estudante como protagonis-ta no processo de ensino-aprendizagem e estimular “tomadas de decisões individuais e coletivas, advin-das das atividades essenciais da prática social e em contextos do estudante” (BORGES; ALENCAR, 2014, p. 119-120). Para isso, reforça-se que devem ser plane-jadas e aplicadas de forma correta e com contribuição mútua entre os envolvidos.

CONCLUSÕESO estudo evidenciou que tanto docentes quanto

discentes do curso de Medicina Veterinária avaliado consideram as MAs capazes de melhorar o processo de ensino-aprendizagem. Demonstrou também que tem-pestade cerebral e estudo de caso são MAs frequente-mente utilizadas pelos docentes.

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

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REFERÊNCIAS

DANIELLA VIVEIROS MEIRELLESMédica-veterinária CRMV-MG nº 17268Mestranda em Medicina Veterinária – Universidade Federal de Viçosa (UFV)[email protected]

GUSTAVO CARVALHO COBUCCIMédico-veterinário CRMV-MG nº 12166Mestre em Medicina Veterinária (UFV)

ADRIANO FRANÇA DA CUNHAMédico-veterinárioDocente de Medicina Veterinária (UFV)CRMV-MG nº 10065

AUTORES

A pesquisa ressaltou que, apesar de professores e alunos reconhecerem os benefícios das MAs, fatores como a preparação pedagógica do corpo docente e o interesse dos discentes podem interferir na eficácia dessas metodologias. No contexto avaliado, percebeu--se a necessidade de aprimoramento e treinamento dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem para que haja o real domínio das técnicas de ensino ativo e sua adequada utilização.

O método tradicional de ensino não foi bem avaliado pelos discentes. As estratégias ativas de ensino encai-xam-se, portanto, como opções viáveis para a utilização de novas metodologias no ensino superior. Entretanto, para que a didática ativa seja mais compreendida e domi-nada pelos educadores, é importante que mais pesqui-

sas e estudos sejam produzidos, visando a aumentar sua aceitação para o ensino da Medicina Veterinária.

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

MIELOMALACIA PROGRESSIVA SECUNDÁRIA À DISCOPATIA EM CÃO: RELATO DE CASOPROGRESSIVE MYELOMALACIA SECUNDARY TO DISCOPATHY IN DOGS: CASE REPORT

Nas discopatias, o trauma medular é oriundo do deslocamento dos discos intervertebrais para dentro do canal medular e a lesão resultante é responsável por uma desordem neurovascular local. Ocorre uma lesão mecânica inicial, que desencadeia lesões secundárias na medula, culminando na redução do fluxo sanguíneo medular, isquemia, lesão vascular, hemorragia e necrose progressiva, com progressão cranial e caudal ao foco da lesão inicial. A degeneração progressiva do parênquima medular é caracterizada como uma síndrome multifocal, denominada mielomalacia. Sinais clínicos relatados incluem dores intensas e sinais variados de paralisia com evolução progressiva do quadro em poucos dias até a paralisia diafragmática, levando ao óbito. O diagnóstico é feito pela análise do histórico, sinais clínicos, exames de imagem e acompanhamento da evolução do quadro. A doença tem prognóstico desfavorável e, como indicação, a eutanásia. O objetivo deste trabalho é discutir detalhes da mielomalacia e relatar um caso clínico da forma hemorrágica progressiva ascendente e descendente, secundária à discopatia toracolombar em cão.

Palavras-chave: Disco intervertebral. Paralisia. Dor. Malacia.

In the discopathies, the spinal cord injury originates from the displacement of the intervertebral discs into the spinal canal and the resulting lesion is responsible for a local neurovascular disorder. An initial mechanical injury triggers secondary lesions in the medulla, culminating in reduced spinal cord blood flow, ischemia, vascular lesion, hemorrhage and progressive necrosis, with cranial and caudal progression of the initial lesion focus. Progressive degeneration of the medullar parenchyma is characterized as a multifocal syndrome, called myelomalacia. Clinical signs are characterized by intense pain, various signs of paralysis with progressive evolution of the condition in a few days until diaphragmatic paralysis, culminating in death. The diagnosis is made by analyzing patient’s history, clinical signs, imaging tests and monitoring the evolution of the condition. In this way, the disease has a bad prognosis and has an indication of euthanasia. The objective of this study was to discuss details of myelomalacia and to report a clinical case of ascending and descending progressive hemorrhagic form, secondary to thoracolumbar discopathy in dogs.

Keywords: Intervertebral disc. Paralysis. Pain. Malacia.

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO E REVISÃO DA LITERATURA

Nas discopatias, o trauma medular é oriundo do des-locamento dos discos intervertebrais para dentro do ca-nal medular e a lesão resultante é responsável por uma

desordem neurovascular local. Ocorre uma lesão mecâ-nica inicial, que desencadeia lesões secundárias como inflamação e edema local, aumento de radicais livres de

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

oxigênio, alteração das concentrações de íons e aminoá-cidos, além de um desequilíbrio entre os neurotransmis-sores. Isso culmina na redução do fluxo sanguíneo medu-lar, isquemia e necrose, com progressão cranial e caudal ao foco da lesão inicial (SHARP; WHEELER, 2005).

Quando o trauma é agudo, geralmente por extrusão de disco intervertebral na coluna toracolombar, pode provocar a degeneração progressiva do parênquima medular, denominada mielomalacia. A mielomalacia hemorrágica é uma síndrome multifocal resultante de hemorragia e necrose isquêmica da medula espinhal, nas formas ascendente e descendente ao local do trauma. Em um primeiro momento, os animais sentem dores extremas e intratáveis, com evolução progressi-va do quadro de paralisia até a paralisia diafragmática, levando ao óbito (ZILIO; ARIAS, 2013).

A mielomalacia é uma lesão caracterizada por li-quefação do parênquima medular e lesão da vascu-latura. Ocorre como consequência da desordem neu-rovascular ocasionada por um trauma medular agudo, provocando isquemia, hemorragia, necrose, liberação de substâncias vasoativas pró-inflamatórias, de espé-cies reativas de oxigênio, radicais livres e enzimas ce-lulares, que contribuem para a degeneração do parên-quima medular. Isso leva a uma combinação de infarto isquêmico e hemorragia do parênquima da medula espinhal, que progride tanto cranial quanto caudal-mente – malacia progressiva ascendente-descenden-te, desencadeando lesões neurológicas irreversíveis no local da degeneração (ECCO et al., 2016).

Com a progressão da lesão medular, tanto ascen-dente quanto descendente, ocorre perda dos reflexos nos membros pélvicos e torácicos. A presença de tônus muscular, apesar da paraplegia, evolui para ausente, sendo característica a flacidez pela malacia progressi-va ascendente-descendente. A arreflexia total ocorre em dois a três dias após instalação da malacia, o ani-mal não apresenta tônus anal, há flacidez de cauda e membros, e ausência total de dor, mesmo no local da lesão inicial; por fim, paralisia diafragmática, seguida de paralisia respiratória e morte (BRAUND, 2003).

O diagnóstico é feito pelo histórico do animal, si-

nais clínicos, exames de imagem e evolução do quadro (ZILIO; ARIAS, 2013).

Na mielomalacia, recomenda-se a eutanásia. O dano medular é permanente e não há tratamento. Deve ser ressaltado que a condição pode se desenvolver mesmo após tratamento cirúrgico de descompressão medular nos casos de discopatias agudas (BRAUND, 2003).

Este trabalho tem como objetivo apresentar as-pectos gerais da mielomalacia e descrever um caso da forma hemorrágica progressiva, em consequência de uma discopatia toracolombar, afetando um cão da raça Poodle Toy.

RELATO DE CASOUma cadela inteira, da raça Poodle, de quatro anos de

idade e pesando 3 kg, foi encaminhada para atendimen-to no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Viçosa com sinais de paraparesia súbita há um dia, sem observação de ocorrência de traumatismo externo. Ao exame clínico, os parâmetros se encontravam dentro dos valores de referência. Apresentava dor intensa em região toracolombar e algia moderada à palpação abdominal da região mesogástrica. Ao exame neurológico, os reflexos nervosos referentes ao sistema nervoso central craniano estavam dentro da normalidade. Havia, porém, alterações nas respostas dos nervos medulares. Os membros torá-cicos se encontravam normais aos exames. Os membros pélvicos se encontravam em condição de plegia e não manifestavam resposta ao estímulo de dor profunda.

Em relação ao sistema nervoso periférico, notou-se propriocepção ausente em ambos os membros pélvi-cos, bem como ausência de reflexos de dor superficial ou reflexos de retirada. Os reflexos patelares e ciáticos estavam aumentados bilateralmente. Observaram-se, ainda, ausência de tônus de cauda e presença de tônus anal, além de presença de incontinência urinária por gotejamento. Havia ausência do reflexo de panículo cutâneo caudalmente, a partir da décima vértebra torá-cica, e algia intensa à palpação da região toracolombar.

Foram realizados eritrograma, leucograma, plaque-tograma e bioquímica sérica e foi identificado apenas aumento dos valores de referência da enzima asparta-

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

toaminotransferase (88 U/L). Foram solicitadas radiogra-fias simples da região da coluna torácica, toracolombar, lombar e lombossacra, nas projeções ventrodorsal e la-terolateral sob sedação e analgesia, utilizando 0,5 mg/kg de morfina, 0,3 mg/kg de midazolan e 0,03 mg/kg de acepromazina, por via intramuscular. As imagens ob-servadas foram compatíveis com diminuição do espaço intervertebral entre a primeira e a segunda vértebras lombares e presença de disco calcificado no canal me-dular entre a sétima vértebra lombar e a primeira sacral.

Devido aos achados radiográficos, foi indicado procedimento cirúrgico de descompressão medular das regiões L1-L2 e L7-S1, utilizando a técnica de la-minectomia dorsal (SHARP; WHEELER, 2005), que foi realizado com sucesso, sem intercorrências. O animal obteve alta clínica no dia seguinte, com prescrição de Tramadol 4 mg/kg, a cada oito horas, durante três dias, e Firocoxibe, na dose de 4,75 mg/kg, a cada 24 horas, durante dez dias, confinamento em caixa de transpor-te, fisioterapia e cuidados de enfermagem.

Cinco dias após a alta clínica, o paciente retornou com quadro de tetraplegia e ausência de nocicepção em todos os membros e no tronco, manifestada há dois dias, verificando-se, portanto, piora gradativa do quadro anteriormente estabelecido, apesar do nível de consciência preservado. No sexto dia após a cirurgia, a cadela estava debilitada e apresentava tetraplegia, com ausência de propriocepção e dor profunda e su-perficial nos quatro membros, além de ausência de tô-nus muscular e flacidez de cauda. Apresentava quadro de dispneia com movimentos respiratórios abdomi-nais, temperatura retal no valor de 36 °C e desidrata-ção estimada em 5%. O reflexo de panículo cutâneo estava ausente em toda a extensão da coluna. Nota-ram-se ausência de reflexo perineal e sinais de lesão de neurônios motores inferiores. Apresentava reten-ção urinária, com dificuldade de realizar o esvaziamen-to vesical, além de nível de consciência preservado e nervos cranianos normais.

O diagnóstico presuntivo foi mielomalacia hemor-rágica progressiva ascendente e descendente e foi in-dicada a eutanásia.

À necropsia, autorizada pelo proprietário, na aná-lise macroscópica, foram verificados edema ao longo da medula espinhal e áreas de consistência macia e de coloração vermelho-escura no parênquima medular, vistos mesmo com a presença de meninges. Áreas do ponto inicial do trauma foram consideradas as de maior concentração desse aspecto escurecido, compatíveis com necrose e hemorragia, e estavam presentes nas re-giões de T12-L2 e L6-S2 (Figura 1). Essas áreas tinham aparência de necrose em progressão cranial e caudal.

T Figura 1. Medula espinhal removida após necropsia. Segmento entre as vértebras torácicas e lombares (seta preta) com grande quantidade de ma-lacia visível no parênquima medular, acometendo tanto substância branca quanto cinzenta, partindo do interior para as bordas da medula. Segmento lombossacro (seta branca) com malacia difusa, em sua maioria na lateral esquerda, e áreas de hemorragia submeningeana.

O exame histopatológico realizado em fragmentos colhidos das áreas de maiores evidências de liquefação do parênquima evidenciou necrose multifocal acentua-da associada à hemorragia em região de substância cin-zenta, branca e submeningeana difusa. Havia áreas de

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

edema e necrose, envolvendo elementos neurais e cé-lulas da glia. Foram observadas: perda da definição das substâncias, tanto cinzenta quanto branca; vacuolização citoplasmática neuronal; degeneração da bainha de mielina dos axônios; degeneração das fibras de alguns neurônios que apresentaram vacuolização citoplasmá-tica; e presença de infiltrado inflamatório predominan-temente neutrofílico multifocal discreto (Figuras 2 e 3).

T Figura 2a. Corte transversal da medula espinhal normal. Definição entre a substância branca (seta branca) e a cinzenta (seta preta) no H medular. Parênquima de aspecto normal. Aumento 40x.

T Figura 2b. Corte transversal de parênquima de medula espinhal em nível de vértebras T12/T13, local com mielomalacia. Não é possível definir as substâncias branca e cinzenta, áreas de hemorragia (seta preta) e necrose multifocal acentuada generalizada.

siva (ZILIO; ARIAS, 2013), como no caso descrito, que cursou de forma aguda e teve piora progressiva, em poucos dias. No primeiro atendimento, o animal de-monstrava dores intensas, mesmo na ausência de ma-nipulação, provavelmente devido às lesões primárias e secundárias na medula, ocasionando degeneração do parênquima e compressão de raízes nervosas, confor-me citado por Selmi (2015) e Dewey e Costa (2016). Outras características clínicas, como ausência de dor profunda e superficial nos membros pélvicos e dimi-nuição dos reflexos de neurônio motor inferior, indi-cam que o processo de mielomalacia já estava instau-rado (DE LAHUNTA; GLASS, 2009; LAZO, 2012).

Nas lesões compressivas medulares, conforme comprovado nas radiografias disponíveis do paciente, uma das recomendações é o tratamento cirúrgico, cuja indicação e resultado positivo dependem do tempo decorrido entre a lesão e a intervenção. Na ausência de dor profunda, a cirurgia deve ser realizada até 48 horas após o trauma (FADEL, 2012), como no caso da laminectomia dorsal realizada, seguindo a técnica des-crita por Sharp e Wheeler (2005).

Segundo Braund (2003) e Lahunta e Glass (2009), a evolução do quadro de mielomalacia é aguda e se dá em poucos dias após a lesão medular inicial, semelhan-temente ao paciente descrito, que retornou poucos dias após alta clínica com quadro de tetraplegia, imobilidade de cauda e ausência total de nocicepção em todos os membros, cauda e tronco. Esses achados são condizentes com os descritos por Ecco et al. (2016), indicando pro-gressão da lesão parenquimatosa necrótica medular de forma ascendente e descendente. Como o animal não ti-nha reflexo panicular, anteriormente observado na altura do segmento torácico, isso é mais um indicativo da ins-talação da síndrome multifocal progressiva de mieloma-lacia, comprovando o diagnóstico. Além disso, o animal não tinha mais tônus dos esfíncteres urinário e anal, an-teriormente preservado, indicando que havia progressão descendente da malacia (BRAUND, 2003; LAZO, 2012).

Nesta descrição, provavelmente, a mielomalacia progrediu de forma ascendente, atingindo o segmen-to medular cervical, culminando no comprometimento

DISCUSSÃO

É frequentemente citado na literatura que cães jovens da raça Poodle são predispostos a apresentar discopatias, desenvolvendo paralisia aguda e, em ca-sos mais graves, mielomalacia hemorrágica progres-

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

respiratório, cinco dias após o procedimento cirúrgico, clinicamente caracterizado por dispneia e respiração agônica. Tratos descendentes a partir dos centros res-piratórios medulares atravessam a medula espinhal cervical para inervar os Neurônios Motores Inferiores (NMIs) do nervo frênico (C5-C7) e os NMIs de múscu-los intercostais na medula espinhal torácica. Os danos nessas extensões podem levar ao comprometimen-to respiratório e óbito (DE LAHUNTA; GLASS, 2009). Braund (2003) descreve processo similar, em que há paralisia do diafragma com as lesões medulares cervi-cais por malacia e, consequentemente, paralisia respi-ratória, seguida de morte.

Como o quadro neurológico indicava perda pro-gressiva do reflexo panicular cranialmente e altera-ções sistêmicas com comprometimento progressivo dos movimentos respiratórios, foi indicada a eutanásia, conforme recomenda Lazo (2012), mesmo não tendo sido realizado exame de imagem específico para eluci-dação do quadro ou mielografia, tornando a indicação suportada pela avaliação clínica.

Os achados no exame histopatológico do pacien-te foram condizentes com os descritos por Braund (2003), em que divisões anatômicas das substâncias branca e cinzenta são perdidas, reportando ao diag-nóstico definitivo de mielomalacia progressiva ascen-dente-descendente. Segundo Ecco (2016), no exame macroscópico na necropsia, fica evidente a lesão he-morrágica no parênquima da medula espinhal, tanto

ascendente quanto descendente, partindo do local do trauma inicial. Além disso, puderam ser vistas infiltra-ções de células inflamatórias e áreas de hemorragia no parênquima medular, conforme os achados reportados por De Lahunta e Glass (2009).

CONSIDERAÇÕES FINAISAs discopatias são a principal causa de mielomala-

cia em cães e a degeneração medular é consequência de isquemia e hemorragia do parênquima após o trau-ma inicial, cuja evolução estabelece o quadro. A necro-se ascendente-descente da medula acontece de forma progressiva e o diagnóstico da mielomalacia pode ser resultado do acompanhamento do paciente e de sua avaliação clínica.

MARCELA POLO COSTA MAFRAMédica-veterináriaCRMV-MG nº 16297Especialista em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais RICARDO JUNQUEIRA DEL CARLOMédico-veterinárioCRMV-MG nº 1759MSc, DSc, docente da Universidade Federal de Viçosa

THAIS DE OLIVEIRAMédica-veterináriaCRMV-MG nº 16302Especialista em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais

TATIANA SCHMITZ DUARTEMédica-veterináriaCRMV-MG nº 6092MSc, DSc

EVANDRO SILVA FAVARATOMédico-veterinário CRMV-MG nº 8836MSc, DSc, docente da Universidade Federal de Viçosa

AUTORES

BRAUND, K.G. Neurovascular disorders. In: BRAUND, K.G. Braund's clinical neurology in small animals: localization, diagnosis and treatment (2003). Ed: Vite C.H. (Ed.). Internacional Veterinary Information Service,  Ithaca NY Disponivel em: www.ivis.org/advances/Vite/braund1/chapter_frm.asp?LA=1). Acesso em Nov/2017.

DE LAHUNTA, A.; GLASS, E.; KENT, M. Veterinary neuroanatomy and clinical neurology. 3ed. Else-vier Saunders, St louis, MO, United States of Ame-rica. 2009. p.192-220.

DEWEY, C.W.; COSTA, R.C. Myelopathies: disorders of the spinal cord. In: DEWEY, C.W.; COSTA, R.C.

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ECCO, R.; VIOTT, A.M.; GRAÇA, D.L. et al. Sistema nervoso. In: SANTOS, R.L.; ALESSI, A.C. Patologia veterinária. 2ed. Roca, Rio de Janeiro, Brasil. 2016. Cap. 8. p.783-827.

FADEL, L. Trauma espinhal agudo. In: RABELO, R.C. Emergência de pequenos animais: condutas clíni-cas e cirúrgicas no paciente grave. Elsevier, Rio de Janeiro, Brasil. Cap.28. 2016. p.424-427.

LAZO, J.G. Paresia e paralisias. Em: RABELO, R.C. Emergência de pequenos animais: condutas clíni-

cas e cirúrgicas no paciente grave. Elsevier, Rio de Janeiro, Brasil. Cap.106. 2012. p.1067-1072.

SELMI, A.L. Discopatias. In: JERICÓ, M.M.; KOGIKA, M.M.; NETO, J.P.A. Tratado de medicina interna de cães e atos Roca, Rio de Janeiro. v.2, cap.232. 2015. p.2138-2144.

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REFERÊNCIAS

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PERCEPÇÃO DE DISCENTES DE MEDICINA VETERINÁRIA SOBRE O PAPEL DO MÉDICO- -VETERINÁRIO NA SAÚDE PÚBLICA PERCEPTION OF VETERINARY MEDICINE STUDENTS ABOUT THE ROLE OF THE VETERINARIAN IN PUBLIC HEALTH

A importância da Medicina Veterinária na saúde pública pode não ser muito clara para a sociedade. Muitas vezes, os próprios médicos-veterinários não estão cientes da relevância de seu trabalho para a saúde pública e nem sempre valorizam sua atuação nessa área. Para avançar na compreensão do tema, foi estabelecida uma pesquisa para a avaliação da percepção de discentes de Medicina Veterinária sobre a atuação do médico-ve-terinário na saúde pública. Foram aplicados questionários individuais a 91 discentes, cujos resultados eviden-ciaram que 94% afirmaram saber o que é saúde pública e 89% alegaram saber a importância do veterinário na saúde pública. Entre os discentes que responderam ao questionário, 99% souberam diagnosticar seu papel dentro da sociedade e 46% demonstraram ter interesse em trabalhar depois de formado na área de saúde pública. Em contrapartida, 54% responderam não, sendo que 84% destes deram como justificativa a falta de interesse na área. A análise dos dados revelou que os discentes de Medicina Veterinária, embora tenham afirmado conhecer a importância do médico-veterinário na saúde pública, desconheciam alguns conceitos e como se dá a atuação profissional nessa área. A valorização da área deve ocorrer durante o desenvolvimento do curso de graduação, por isso se faz necessário que os discentes adquiram o conhecimento durante a etapa de formação, para que a profissão ocupe o espaço devido no âmbito da saúde pública.

Palavras-chave: Veterinária preventiva. Interdisciplinaridade. Discentes.

The importance of Veterinary Medicine in Public Health may not be very clear to society. Often veterinarians themselves are not aware of the relevance of their work to public health and do not always value their work in this area. To advance in the understanding of the subject, a research was established for the evaluation of the perception of students of Veterinary Medicine on the performance of the veterinarian in public health. 91 individual questionnaires were applied to 91 students. The results showed that a percentage of 94% said they knew what public health was and 89% said they knew the importance of the veterinarian in public health. Among the students who answered the questionnaire, 99% were able to diagnose their role within society and 46% showed an interest in working after graduating in Public Health. On the other hand, 54% answered no, and 84% of them gave justification for lack of interest in the area. Data analysis revealed that the students of Veterinary Medicine, despite they affirmed to know the importance of the veterinarian in the public health, they did not know some concepts and how is the professional performance in this area. The valuation of the area must be given during the development of the undergraduate course, so it is necessary for the students to acquire the knowledge during the training stage, so that the profession occupies the space due in the area of health.

Keywords: Preventive veterinary. Interdisciplinarity. Students.

RESUMO

ABSTRACT

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

INTRODUÇÃOA Medicina Veterinária surgiu, em primeira instân-

cia, como promotora da saúde dos animais, tentando diminuir prejuízos causados pelas moléstias que os atingem. No entanto, com o passar do tempo e o sur-gimento da Medicina Veterinária preventiva, os médi-cos-veterinários começaram a atuar na promoção da saúde humana (FIUZA, 2007).

Um dos deveres do médico-veterinário para com a população diz respeito à saúde pública, assegurando medidas de segurança e fornecendo informações de cunho econômico, social e ambiental acerca de pro-blemas provenientes de enfermidades que venham a ocasionar possíveis riscos à população (CFMV, 2017). Seus conhecimentos específicos o capacitam a manter os níveis de saúde elevados, à medida que orienta a população humana quanto aos princípios básicos de saúde e proporciona melhores condições ambientais (BRITES NETO, 2006).

O ensino da Medicina Veterinária no Brasil abran-ge uma formação individual e curativa, dificultando a percepção do estudante sobre a importância do pa-pel do médico-veterinário na saúde pública (BÜRGER, 2010). Segundo Pfuetzenreiter e Zylbersztajn (2008), os discentes não possuem uma visão preventiva e po-pulacional. Menezes (2005) sugere que os cursos de Medicina Veterinária aprimorem o conteúdo da saúde pública, pois, de acordo com Napoli (2017), a redução da classe de Medicina Veterinária no serviço de saúde é causada pela falta de articulação social e política dos profissionais dessa categoria.

A partir de 2011, o médico-veterinário passou a integrar as equipes do Núcleo de Apoio à Saúde da Fa-mília (Nasf), que é gerido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e preconiza a conscientização da população pela perspectiva de consolidação da atenção básica, além de promover maior acesso à saúde e ações dentro da sociedade (JUNIOR; FONSECA, 2012). Sendo assim, é importante ressaltar a relevância da formação do mé-dico-veterinário e seu papel dentro da sociedade como promotor de ações de saúde pública, pois sua ampla formação permite que tenha a capacidade de assegu-

rar, manter e restaurar o equilíbrio entre o meio am-biente e os seres vivos que ali habitam (CRUZ, 2015).

O desafio do futuro não são mais conhecimentos técnicos, de que a atual geração de médicos-veteri-nários é ricamente dotada, posicionando-a na van-guarda da ciência e da tecnologia, mas ser capaz de aplicar a pletora de resultados de pesquisas dispo-níveis e conhecimentos para melhorar a disparidade social e contribuir para o desenvolvimento nacional. A comunidade ainda carece de plena conscientiza-ção, pois existem diferentes papéis que os veteri-nários podem assumir e contribuir dentro da saúde pública (SOUZA, 2010).

Dentro dessa perspectiva, este trabalho tem como objetivo avaliar os discentes do curso de Medicina Ve-terinária a respeito do seu conhecimento sobre a atua-ção do médico-veterinário na saúde pública, além de estabelecer dados acerca da evolução dos estudantes em relação ao período cursado, bem como das possí-veis interferências e influências que podem estar pre-sentes sobre saúde pública.

METODOLOGIAA pesquisa foi realizada por meio de questionário

baseado no livro Saneamento, saúde e ambiente: funda-mentos para um desenvolvimento sustentável, de Phi-lippi Júnior e Malheiros (2005), que aborda assuntos pertinentes à saúde pública e à importância do médi-co-veterinário nessa área de atuação, destacando suas principais funções, com o intuito de explorar seu co-nhecimento sobre a área.

Para a coleta de dados, foram aplicados 91 ques-tionários, contendo 13 questões, aos discentes do primeiro, terceiro, quinto e sétimo período do curso de Bacharelado em Medicina Veterinária. Antes de sua aplicação, foi feita uma abordagem do questio-nário e do porquê de sua realização, sendo obtido o consentimento dos discentes em relação à participa-ção e preenchimento, garantindo sigilo absoluto das identidades. Na sequência, os dados foram tabulados e, posteriormente, analisados sob forma de tabelas, gráficos e discussões.

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O espectro das atribuições profissionais do médi-co-veterinário é muito amplo. Esse profissional é uma das maiores expressões da múltipla atuação profissio-nal em três mundos: o vegetal, o animal e o humano. É da diversidade de seu campo de trabalho que se origi-nam a riqueza e a inegável contribuição ao desenvolvi-mento dos povos, incluindo tudo que se refere à saúde pública (DUTRA, 2006).

O questionário continha questões enquadradas em análises sobre o conhecimento da matriz cur-ricular do curso, as disciplinas necessárias à inte-gralização curricular, bem como assuntos sobre a importância e a função do médico-veterinário den-tro da saúde pública. Nesse contexto, 97% dos dis-centes participantes alegaram ter conhecimento de sua matriz curricular, bem como das disciplinas que a compõem.

Neste trabalho, abordou-se o conhecimento dos discentes a respeito das disciplinas que poderiam ter uma relação mais estreita com a saúde pública e foram mencionadas: Epidemiologia Veterinária, Doenças Bacterianas, Virais e Parasitárias, Clínica Médica de Grandes Animais (CMGA), Deontologia Veterinária, Introdução à Medicina Veterinária (In-trodução) e Histologia Veterinária. Apesar da afirma-ção do conhecimento da sua matriz curricular e das disciplinas, 54% dos participantes relataram que a disciplina Introdução à Medicina Veterinária teria, em comparação com as outras citadas, uma relação mais distante da saúde pública. No entanto, de acor-do com o Projeto Pedagógico do Curso, das discipli-nas citadas, a Histologia Veterinária é a que possui a ementa com o conteúdo mais distante, revelando a possibilidade de uma interpretação discutível sobre o conhecimento da matriz e disciplinas que os dis-centes expressaram ter.

Outro ponto abordado foi a quantificação de qual área seria mais rentável dentro da Medicina Veteriná-ria. Os resultados demonstraram que a concepção fi-nanceira das áreas de atuação apresentou divergência entre os períodos.

Segundo Tenório e colaboradores (2014), cerca de 60% dos discentes do primeiro período da Universi-dade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) alegaram que cirurgia é o campo de trabalho mais rentável para o médico-veterinário. Contudo, há uma redução desse percentual para 40% entre os discentes do décimo período. Esses resultados corroboram os encontrados neste trabalho, em que os alunos do primeiro perío-do afirmaram ser a área de cirurgia a mais rentável, observando-se uma redução desse percentual para 25% no sétimo período.

É interessante notar que, à medida que o curso avança e as disciplinas são integralizadas, a percep-ção dos discentes muda, uma vez que passam a enca-rar áreas como produção e inspeção, não conhecidas ou consideradas rentáveis no primeiro período, como novas possibilidades de atuação relevantes no campo da rentabilidade.

As percepções dos estudantes sobre o significa-do de saúde pública e sua definição foram comple-mentares, pois 95% afirmaram saber o que é saúde pública e outros 94% acertaram a definição, eviden-ciando que eles possuem o devido conhecimento sobre o que responderam. Por outro lado, apesar de 99% conseguirem diagnosticar funções do médico--veterinário na área da saúde pública, classificaram--nas de forma muito pontual, visto que as respostas ficaram limitadas a apenas uma opção, mesmo tendo a informação de ser permitido escolher uma ou mais apresentadas no questionário, revelando a possibili-dade da superficialidade com que essas informações estariam sendo tratadas dentro da formação desses futuros médicos-veterinários.

O Gráfico 1 revela que 89% dos estudantes de Medicina Veterinária alegaram saber a importância do médico-veterinário na saúde pública, atestando que a atuação mais relevante nessa área é no campo das zoonoses (66%), seguido de inspeção (18%), cons-cientização da população (10%), vigilância sanitária (5%) e produção de alimentos (1%).

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS 1%

5%

10%

18%

66%

VIGILÂNCIA SANITÁRIA

CONSCIENTIZAÇÃO

INSPEÇÃO

ZOONOSES

T Gráfico 1. Campos citados como abrangência de atuação do profissional médico-veterinário na saúde pública, segundo a percepção dos discentes de diferentes períodos do curso de Medicina Veterinária, no ano de 2017.

Armelin e Cunha (2016) demonstram que a atuação do médico-veterinário é representada em áreas diversas na sociedade, incluindo higiene de alimentos, sanea-mento ambiental, promoção da saúde animal, controle de zoonoses, controle e processamento de alimentos até sua comercialização, avaliação epidemiológica, entre ou-tras, uma vez que possui um conhecimento interdiscipli-nar que é importante no contexto da saúde pública, por atuar na prevenção e promoção da saúde humana. No SUS, o médico-veterinário pode trabalhar na vigilância em saúde, nas comissões intersetoriais e permanentes e na direção nacional, estadual e municipal.

Questionados sobre os conteúdos que recebem oriundos das disciplinas que cursam serem suficientes e bem distribuídos dentro de sua matriz curricular, as-segurando um adequado conhecimento da sua atuação dentro da saúde pública, um percentual médio de 41% dos alunos de diferentes períodos de Medicina Veteri-nária revelou que, apesar de as disciplinas constantes na matriz curricular serem suficientes para compreen-são sobre o que é saúde pública e qual é a atuação do médico-veterinário nessa área, poderia haver uma me-lhor distribuição delas dentro da matriz, contendo uma maior concentração no início do curso, para que os con-ceitos pudessem ser apresentados e aprofundados no decorrer da integralização curricular (Tabela 1).

Todavia, é de extrema relevância ressaltar que um percentual médio de 26% afirmou que as disciplinas

são insuficientes para essa compreensão, o que é um fa-tor preocupante, mas passível de solução, uma vez que o Projeto Pedagógico do Curso de Medicina Veterinária possui em seu conteúdo um tópico denominado “Siste-ma de Avaliação do Projeto do Curso”, em que consta que ele será avaliado de forma contínua, periódica e permanente, levando em consideração o planejamento e a avaliação dos processos, resultados, eficiência e efi-cácia institucionais. Para tanto, a coordenação do curso implantará mecanismos de avaliação anual, com a in-tenção de buscar melhorias e inovações que permitirão o surgimento de novas possibilidades, orientações, su-gestões, justificativas, escolhas e tomada de decisões. Salienta-se que, assim, essa avaliação possibilitará a fle-xibilidade do referido projeto, permitindo adequações às necessidades do curso e da comunidade acerca de questões sociais, técnicas e/ou científicas.

Essa situação não difere do que foi levantado no curso de Medicina Veterinária por Bürger (2010), num estudo que analisou matrizes curriculares de institui-ções de ensino superior situadas no estado de São Pau-lo, evidenciando que essas matrizes curriculares não contemplavam de forma adequada a área de atuação da saúde pública veterinária, direcionando os estudantes para uma formação individual e curativa, sem consciên-cia de seu papel na sociedade. Além disso, destacou que as disciplinas relacionadas à área de atuação na saúde pública veterinária têm cargas horárias reduzidas, além de ser oferecidas nos últimos períodos do curso, o que não favorece a aproximação com a área. Constatou tam-bém que as matrizes dão maior relevância aos conteú-dos de clínica veterinária, sendo insuficiente a atenção às disciplinas relacionadas à saúde pública.

Na tentativa de equalizar o conhecimento compar-tilhado nas disciplinas, do ponto de vista acadêmico, Carvalho e colaboradores (2015) relatam a importân-cia de a carga horária ser dividida igualitariamente entre as disciplinas contempladas na matriz curricular do curso de Medicina Veterinária. As instituições no estado de Goiás encontram certa dificuldade quanto à ênfase que é dada à disciplina Medicina Preventiva e Saúde Pública em âmbito institucional.

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

TABELA 1. PERCENTUAL MÉDIO REFERENTE AO CONTEÚDO E DISTRIBUIÇÃO DAS DISCIPLINAS NA MATRIZ CURRICULAR PARA COMPREENSÃO DA SAÚDE PÚBLICA, SEGUNDO A PERCEPÇÃO DOS DISCENTES DE DIFERENTES PERÍODOS DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA, NO ANO DE 2017.

1º Período

3º Período

5ºPeríodo

7ºPeríodo

Média

As disciplinas na matriz são suficientes e bem distribuídas no decorrer do curso.

15% 9% 27% 13% 13%

As disciplinas na matriz são suficientes, mas poderiam ser mais bem distribuídas, voltadas para o início do curso.

33% 27% 35% 41% 41%

As disciplinas na matriz são insuficientes. 44% 18% 23% 26% 26%

Não sabe. 4% 45% 15% 19% 19%

Entre os discentes que responderam ao ques-tionário, 46% demonstraram ter interesse em traba-lhar depois de formado na área de saúde pública. Em contrapartida, 54% responderam não, sendo que 84% deram como justificativa a falta de interesse na área.

Num estudo realizado por Castiel (2003), foi abordada a importância dos meios de comunicação e educação na veiculação de informações sobre saúde pública, concluindo-se que, por vezes, há falhas na tentativa de aprofundamento sobre o assunto a ser discutido, como a falta de pesquisa pela mídia ao vei-cular notas e problemáticas acerca do assunto. Notifi-ca-se que há muitos estudos publicados na área, mas o tema é pouco abordado quando se faz necessário levar informações coerentes adiante.

No Brasil, a queda da representatividade da Me-dicina Veterinária no serviço de saúde é causada pela falta de articulação social e política dos profis-sionais dessa categoria. Existem uma baixa expressi-vidade e participação dos médicos-veterinários nos Conselhos Municipais de Saúde, fato que deve ser corrigido o quanto antes, para permitir uma maior participação desses profissionais na construção das políticas e estratégias da saúde pública nacional (NAPOLI, 2011).

Uma das questões pertinentes à área da saúde pública e que ainda é pouco divulgada diz respeito à entrada do profissional médico-veterinário no campo da prevenção, controle de doenças e serviços de saúde pública. Em 2011, o médico-veterinário passou a inte-grar o Nasf juntamente a uma equipe multiprofissional (SANTOS et al., 2017). Após a aplicação do questionário e análise dos dados obtidos, percebeu-se que os pe-ríodos iniciais de formação do curso de Medicina Ve-terinária avaliado apresentaram conhecimento sobre a existência do Nasf e seu significado.

Um estudo realizado por Begali (2015), com a aplicação de um questionário para 38 discentes do primeiro período de Medicina Veterinária da Uni-versidade Estadual Paulista (Unesp), Campus Jabo-ticabal, que contemplava questões sobre a atuação do médico-veterinário no SUS e Nasf, encontrou apenas 2% dos discentes que afirmaram ter conhe-cimento sobre o Nasf, ao contrário deste estudo, que indicou um percentual de 67% dos discentes do primeiro período.

Esses resultados mostram que os estudantes in-gressantes no primeiro período encontram-se cons-cientes do papel do médico-veterinário na saúde pública, podendo ser um reflexo de uma adequação dos conteúdos abordados em disciplinas dessa etapa,

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

como Introdução à Medicina Veterinária, abrangendo as diversas áreas de atuação do profissional, aliada a uma maior divulgação em meio físico e digital dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veteriná-ria, da mídia, de órgãos como o Ministério da Agricul-tura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e até mesmo da própria instituição em dias de campo para a divulgação do curso.

Ratificando essa informação, os resultados encon-trados revelaram que uma média de 72% de todos os discentes que responderam ao questionário acham que o médico-veterinário pode trabalhar no Nasf, so-bressaindo entre eles os estudantes do primeiro perío-do – 93% destes afirmaram ser possível a atuação do veterinário nessa área.

Outro aspecto relacionado à saúde pública abor-dado no questionário foi referente aos problemas

de saúde pública vivenciados a todo momento na sociedade, ligados a fatores como doenças infeccio-sas, problemas de coleta de lixo, esgoto a céu aberto, abandono de animais de rua, entre outros, que po-dem ocasionar um desequilíbrio social e ambiental, e às metodologias que poderiam ser aplicadas a fim de mitigar esses problemas.

A Tabela 2 contém os percentuais dos principais problemas apontados pelos discentes de Medicina Ve-terinária. A incidência de animais de rua foi o problema de saúde pública no município com o maior percentual de relevância (45%) apontado pelos alunos, sendo a alternativa mais viável para a solução implementar campanhas de conscientização populacional como medida de prevenção. Ainda nesse segmento, proble-mas como o esgoto foram citados, porém não foram apresentadas possíveis soluções.

TABELA 2. PERCENTUAL MÉDIO DE PROBLEMAS DE SAÚDE PÚBLICA VIVENCIADOS NO MUNICÍPIO E POSSÍVEIS SOLUÇÕES, SEGUNDO A PERCEPÇÃO DOS DISCENTES DE DIFERENTES PERÍODOS DO CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA, NO ANO DE 2017.

Problema Média (%) Possíveis soluções Média (%)

Animais de rua 45% Campanha de prevenção 35%

Zoonose/leishmaniose 23% Canil/castração/posse responsável 30%

Coleta de lixo 11% Controle de vetores e coleta seletiva 14%

Fiscalização deficiente 7% Fiscalização e vigilância 20%

Esgoto 4%

Outros 10% 1%

CONCLUSÕESPor meio da aplicação do questionário sobre saú-

de pública e dos resultados obtidos, pode-se inferir que os discentes do curso de Medicina Veterinária apresentam percepção sobre o papel do médico-ve-terinário na sociedade e sua importância na saúde

pública. Contudo, podem ser notadas algumas res-postas que carecem de conhecimento mais sólido, por revelarem deficiências de informações, havendo necessidade de um enfoque mais acentuado voltado à área da saúde pública, com conteúdos trabalhados

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

VANESSA PAULINO DA CRUZ VIEIRAMédica-veterináriaCRMV-MG nº 12783Doutora em Ciências Veterinárias – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)[email protected]

ROMÁRIO ALVES RODRIGUESMédico-veterinárioCRMV-SP nº [email protected]

JÚLIA CORRÊA MATIAS PEREIRAMédica-veterináriaCRMV-MG nº 19296

THAYNÁ THAMIRES FREIREMédica-veterinária CRMV-MG nº 18830

LUANA DA SILVA FURINIMédica-veterináriaCRMV-MG nº 18802

MATHEUS BARBOSA DE JESUSMédico-veterinário CRMV-MG nº 20091

AUTORES

ARMELIN, N. T.; CUNHA, J. R. A.; O papel e a impor-tância do médico veterinário no

sistema único de saúde: uma análise à luz do di-reito sanitário. Cadernos Ibero-americanos de direito sanitário. v.1, n.5, p.60-77, Brasília, jan./mar., 2016.

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REFERÊNCIAS

de maneira interdisciplinar durante todos os períodos da matriz curricular.

Com base nisso, a formação do estudante deve ser direcionada para uma reestruturação das diretrizes de ensino, promovendo melhorias no processo de apren-dizagem em todos os campos, baseando essa formação na integração das áreas de atuação, incluindo a saúde pública. A mudança na forma de pensar e ensinar dos docentes, além do seu trabalho conjunto na formação do futuro médico-veterinário, aliada à divulgação do leque de atuação dentro dessa profissão, garantirá a formação de um profissional ciente e responsável ao desempenhar seu papel na sociedade.

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LEISHMANIA INFANTUM EM CÃES NATURALMENTE INFECTADOS NOS BIOMAS BAIANOS, BRASIL LEISHMANIA INFANTUM DIAGNOSIS IN DOGS NATURALLY INFECTED IN THE BIOMES OF BAHIA, BRAZIL

Cães infectados por Leishmania infantum representam potencial risco ao homem. Objetivou-se investigar a ocorrência de cães infectados naturalmente por L. infantum no estado da Bahia, utilizando técnicas sorológicas e moleculares. Foram analisadas 323 amostras de sangue de cães distribuídos em 13 municípios baianos. Amostras reagentes no ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA) foram analisadas por reação em cadeia da polimerase (PCR) com primers (RV1/RV2). Identificaram-se 45,5% de animais reagentes positivos no ELISA. L. infantum foi detectado em 21,8% dos cães de oito municípios e todos os animais apresentaram lesões de pele características da doença. Cães infectados por L. infantum foram frequentes em áreas de Caatinga e Mata Atlântica.

Palavras-chave: Leishmaniose canina. PCR. Sorologia. Zoonose. Bioma.

Dogs infected with Leishmania infantum are potential risk for humans. This study aimed to investigate occurrence of naturally infected dogs by L. infantum in the state of Bahia, using serological and molecular techniques. Were analyzed 323 blood samples from dogs distributed in 13 cities of Bahia were analyzed. Reagent samples in the Enzyme-Linked Immunosorbent Assay (ELISA) were analyzed by Polymerase Chain Reaction (PCR) with primers (RV1 / RV2). 45.5% positive animals were identified in ELISA tests. L. infantum was detected in 21.8% of dogs from eight municipalities and all the animals presented skin lesions characteristic the disease. Dogs infected with L. infantum were frequent in Caatinga and Mata Atlântica areas.

Keywords: Leishmaniasis. PCR. Serology. Zoonosis. Biome.

RESUMO

ABSTRACT

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

INTRODUÇÃO

Entre os tripanossomatídeos, as espécies do gê-nero Leishmania representam importantes zoonoses mundialmente distribuídas que afetam o homem e os cães. No Brasil, a espécie L. infantum é responsável pe-los casos de Leishmaniose Visceral (LV) em humanos e animais (BRASIL, 2014a; DANTAS-TORRES; OTRAN-TO, 2014). A incidência dessa doença em humanos no país é alta, com aproximadamente 3.289 casos ao ano (BRASIL, 2017), dos quais 54,9% ocorreram na região Nordeste. Estados nordestinos revelam, ainda, eleva-da ocorrência de cães infectados por Leishmania spp., com prevalência variando entre 20% e 59% (RONDON et al., 2008; DANTAS-TORRES et al., 2010).

Na Bahia, grande parte dos estudos envolvendo cães infectados por Leishmania spp. foi realizada por meio de técnicas sorológicas (JULIÃO et al., 2007), não sendo possível determinar as espécies existentes na região. O número de estudos envolvendo o uso de téc-nicas moleculares e identificação do parasito é limita-do (CARVALHO et al., 2015; LEÇA JUNIOR et al., 2015).

Cães infectados são considerados os principais reservatórios de L. infantum no ambiente urbano e representam um risco à saúde pública (DANTAS-TOR-RES, 2007; MEMBRIVE et al., 2012). Muitos desses cães, especialmente infectados por Leishmania spp., não apresentam sintomatologia clínica (MIRÓ et al., 2007; BANETH et al., 2008), dificultando a identifica-ção da doença nos animais. Esse problema pode ser minimizado quando utilizadas técnicas moleculares para detecção do parasito, pois são mais sensíveis, precoces e precisas (BANETH et al., 2008; MIRÓ et al., 2008). As técnicas de diagnóstico sorológicas são o padrão-ouro para suspeitas de infecção por tripanossomatídeos, mas podem ocorrer situações que comprometam a sua eficiência (LUCIANO et al., 2009), além de não permitir diferenciar as espécies de Leishmania spp. que infectam os cães (SOLANO--GALEGO et al., 2009).

Objetivou-se, com este estudo, verificar se há ocor-rência de L. infantum em cães infectados naturalmente no estado da Bahia, utilizando técnicas sorológicas e moleculares.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudoForam avaliados cães de 13 municípios do estado

da Bahia, que apresentam diferentes características geoclimáticas e possuem histórico de casos de leishma-niose em humanos (SUVISA, 2013). Para o cálculo da amostra, foram considerados um erro amostral de 5%, prevalência esperada de 25% (JULIÃO et al., 2007; RON-DON et al., 2008) e nível de confiança de 95%, sendo coletadas amostras de 323 cães (Figura 1). Os animais foram amostrados por conveniência, com base na dis-ponibilidade de instituições e proprietários que permi-tiram a coleta do material biológico dos cães, resultando em número variado de animais em cada localidade.

T Figura 1. Locais de coleta de amostras e etapas de processamento: 1) Ilhéus, 2) Itabuna, 3) Una, 4) Eunápolis, 5) Dias D’Ávila, 6) Vitória da Conquista, 7) Ipiaú, 8) Jequié, 9) Feira de Santana, 10) Brumado, 11) Conceição de Coité, 12) Irecê e 13) Barreiras.

COLETA DE AMOSTRAS

A coleta das amostras foi realizada entre 2013 e 2014, em Centros de Controle de Zoonoses (Cacos), em Organizações Não Governamentais (ONGs) de proteção de animais e em domicílios. Coletaram-se, aproxima-damente, 8 mL de sangue total utilizando tubos com e sem anticoagulante (EDTA), que foram refrigerados e conduzidos ao Laboratório de Genética Veterinária da Universidade Estadual de Santa Cruz.

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética no Uso de Animais (Ceua/Uesc), sob o protocolo 018/12, e seguiu as diretrizes estabelecidas pelo Colégio Brasi-leiro de Experimentação Animal (Cobea) – Lei Federal nº 11.794.

DIAGNÓSTICO SOROLÓGICOAs amostras foram centrifugadas a 850 g para ob-

tenção do soro ou plasma, que foram mantidos a -20 °C. A sorologia foi realizada com a técnica de ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA), utilizando kit EIE-L-VC (partida: 12PEL017Z, sensibilizado com antígenos de L. major like) da Bio-Manguinhos®, seguindo as recomendações do fabricante, e as placas, analisadas com o leitor de ELISA TP-Reader (Thermo Plate®).

DIAGNÓSTICO MOLECULAR

Extração de DNAPara a extração do DNA genômico das amostras, fo-

ram utilizados 500 µL de sangue total. As amostras fo-ram lisadas com tampão de extração (Tris 20 mM, EDTA 50 mM, 5µg/mL de proteinase K e SDS 1%), mantidas a 60 °C por 80 min e, para recuperação do DNA, foi utiliza-do fenol:clorofórmio:álcool isoamílico na proporção de 25:24:1 (Invitrogen®), centrifugadas a 16.000 g por 10 min. O DNA foi precipitado com etanol 100% e acetato de amônio 5M, eluído com água ultrapura e mantido a -20 °C (SAMBROOK, 1989). O DNA de cada amostra foi quantificado em NanoDrop2000 (Thermo Scientific®).

Reação em cadeia da polimerase (PCR)Foram utilizados os primers específicos para identi-

ficação de L. infantum RV1 (5´CTTTTCTGGTCCCGCGGG-TAGG3´) e RV2 (5´CCACCTGGCCTATTTTACACCA3´), que amplificam 145 pb (LACHAUD et al., 2002). A PCR foi realizada utilizando 1,0x de tampão da Taq DNA polimerase, 2 mM de MgCl2, 2 mM de cada dNTPs, 10 pmoles de cada primer, 1,25 U de Taq DNA polimerase (Invitrogen®) e 100 ng do DNA genômico. As condi-ções termocíclicas foram: 94 °C por 1 min, 59 °C por 1 min para anelamento dos primers e extensão final com 1 min a 72 °C, num total de 35 ciclos. Os amplicons

foram visualizados em gel de agarose 2% e corados com Syber safe®.

A integridade do DNA foi verificada em todas as amostras negativas, utilizando os primers GAP-DHF (5´CCTTCATTGACCTCAACTACAT3`) e GAPDHR (5´CCAAAGTTGTCATGGATGACC3`), que amplificam 400 pb do gene constitutivo dos cães.

As amostras de controle foram cedidas pelo Centro de Pesquisa Gonçalves Muniz (Fiocruz-BA) e pela Co-leção de Leishmania do Instituto Oswaldo Cruz (Clioc), sendo: L. infantum: MHOM/BR/2009/HU-UFS02 e MCAN/BR/2002/LVV-135.

RESULTADOSForam identificados 147 (45,5%) caninos so-

rorreagentes para Leishmania spp. (Tabela 1). Desse total, 32 (21,8%) cães foram PCR positivos para L. infantum (Figura 2), apresentando lesões cutâneas sugestivas de LV.

TABELA 1. DISTRIBUIÇÃO DOS CÃES E DOS CASOS DE L. INFANTUM NOS BIOMAS ESTUDADOS NO ESTADO DA BAHIA.

Bioma Nº de casosELISA PCR

Leishmania spp. L. infantum

Mata Atlântica 184 (56,9%) 82 (55,8%) 10 (31,2%)

Caatinga 111 (34,7%) 47 (31,9%) 17 (53,1%)

Cerrado 28 (8,8%) 18 (12,2%) 5 (15,6%)

Total 323 147 32

T Figura 2. Gel de agarose com resultados da amplificação de L. infantum: M = marcador 1 Kb DNA plus (Invitrogen®), 1 = controle positivo, 2 a 5 = amostras positivas, 6 = amostra negativa, 7 = controle negativo.

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

T Figura 3. Animais apresentando sinais clínicos sugestivos de infecção por L. infantum.

T Figura 4. Animais apresentando lesões cutâneas em orelha e focinho.

Dos 105 animais que apresentavam sinais clínicos sugestivos de infecção por L. infantum, 74 (70,5%) fo-ram sororreagentes e 28 (26,7%), PCR positivos (Figu-ras 3 e 4). No grupo de animais sem lesões, 73 (33,5%) foram sororreagentes e quatro (1,8%), PCR positivos para L. infantum.

Quanto ao sexo dos cães, foram avaliadas 161 fê-meas e 162 machos, sendo 138 domiciliados ou de ONGs e 185 provenientes de Cacos. O maior número de cães positivos na PCR – 21 (65,6%) – encontrava--se em Cacos. Animais positivos para L. infantum fo-ram identificados em oito dos 13 municípios baianos

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

avaliados: Barreiras, Brumado, Conceição de Coité, Dias D’Ávila, Eunápolis, Ipiaú, Jequié e Vitória da Con-quista. Os municípios de Ilhéus, Una, Itabuna, Feira de Santana e Irecê não apresentaram animais infectados por L. infantum. Todas as amostras negativas para L. infantum na análise molecular demonstraram apli-cação do gene GAPDH, evidenciando integridade do DNA nessas amostras.

DISCUSSÃOOs casos de leishmaniose canina confirmados no

diagnóstico molecular por meio da PCR estão distribuí-dos de maneira desigual entre os diferentes biomas e municípios baianos, sendo as áreas de Caatinga e Mata Atlântica as mais acometidas em relação aos ambientes de Cerrado. Apesar de a distribuição da amostragem ser aleatória e não obedecer aos critérios necessários aos modelos de estudo epidemiológico, esses dados são relevantes e podem auxiliar autoridades sanitárias estaduais e municipais, pois L. infantum é uma impor-tante antropozoonose que provoca graves problemas de saúde, com risco de morte para pacientes humanos e caninos. Cães infectados por espécies de Leishmania viscerotrópicas representam risco à população huma-na, uma vez que são considerados os principais reser-vatórios de L. infantum no ambiente urbano (DANTAS--TORRES, 2007).

Animais infectados por L. infantum foram mais fre-quentes em áreas de clima seco e com poucas chuvas, como Jequié, Brumado e Barreiras. Jequié está localizada em área de transição entre os biomas da Mata Atlântica e Caatinga, o que pode favorecer a ocorrência e o trânsito de diferentes espécies de vetores de Leishmania spp.

Os resultados negativos para cães infectados por L. infantum em Feira de Santana e Irecê não eram es-perados, tendo em vista que esses municípios são en-dêmicos para LV em humanos e registraram casos de cães sororreagentes para Leishmania spp. A realiza-ção anual de inquéritos epidemiológicos, a adoção de medidas de controle de cães reagentes nesses muni-cípios e o baixo número amostral podem ter influen-ciado tais resultados.

As características geoclimáticas de cada bio-ma, como altitude, relevo, pluviosidade e vegetação, também podem limitar ou favorecer a ocorrência de Leishmania spp. em determinadas áreas (APARICIO; BI-TENCOURT, 2004; ACOSTA et al., 2013; KARAGIANNIS--VOULES et al., 2013), embora possa haver, ao longo do tempo, processos adaptativos e de seleção natural que tornam os parasitos aptos a sobreviver em novos ambientes (GONZÁLEZ et al., 2014). Fatores como cres-cimento populacional desordenado, redução de áreas de preservação ambiental, assim como o risco de de-sertificação de áreas de Caatinga e Cerrado, podem in-fluenciar a manutenção e disseminação de importan-tes zoonoses, como L. infantum (ANDRADE et al., 2014; BRASIL, 2016).

A presença de diferentes espécies de vetores de Leishmania representa elemento importante na manu-tenção dos parasitos em distintos ambientes. Segundo estudo realizado por Rebêlo et al. (1999), as espécies de vetores mais frequentes nas áreas de Caatinga e Cerrado são Lutzomyia whitmani e Lu. longipalpis, esta envolvida na transmissão do agente causador da LV no Brasil (BRASIL, 2014a).

Não há registro de Lu. longipalpis em áreas do Sul da Bahia (CARVALHO et al., 2010). Sua ausência nessa região representa um dos fatores que podem justificar os resul-tados encontrados para os cães dos municípios de Ilhéus, Itabuna e Una. Lu. whitmani e outras espécies de dípteras também já foram identificadas em municípios baianos, porém parecem estar envolvidas apenas nos casos de leishmaniose tegumentar (CARVALHO et al., 2010).

"Animais infectados por L. infantum foram mais frequentes em áreas de clima seco e com poucas chuvas, como Jequié, Brumado e Barreiras."

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO

Além desses fatores ambientais e biológicos, há influência do status imunológico de cada animal no surgimento da doença. Caninos portadores dos parasi-tos podem permanecer sem sintomatologia clínica por longos períodos ao longo da vida, dificultando a reali-zação do diagnóstico, sendo um potencial reservatório e facilitando a disseminação. Segundo Solano-Gallego et al. (2009) e Brasil (2014a), o período de incubação da LV pode variar entre três e sete meses e alguns ani-mais nunca apresentaram doença clínica ao longo da vida. Nesses casos, a adoção do diagnóstico molecular é fundamental para uma resposta precisa e específica na identificação de L. infantum (BANETH et al., 2008; RAMOS et al., 2013).

O uso de marcadores moleculares desenvolvidos para a região do cinetoplasto (kDNA) tem permitido a obtenção de bons resultados na detecção das es-pécies de Leishmania spp. (DEBRUIJN et al., 1992; LACHAUD et al., 2002). No entanto, essa é ainda uma técnica relativamente cara, que requer laboratório equipado e pessoal qualificado para sua realização. Neste trabalho, as divergências identificadas entre os resultados do ELISA e da PCR podem se dever ao nível de sensibilidade e especificidade dessas téc-nicas. Os resultados falso-positivos dos testes de ELISA podem estar associados às respostas imuno-lógicas decorrentes de outros parasitas ou espécies de Leishmania spp. (PORROZZI et al., 2007) não estu-dados nesta pesquisa.

Outro fator a ser considerado em relação aos resul-tados identificados é a utilização de sangue circulante dos cães na análise molecular. Esse tipo de amostra biológica pode conter pouca quantidade de amasti-gotas circulante e dificultar o diagnóstico por PCR. Al-guns primers e protocolos moleculares necessitam de material biológico obtido diretamente de lesões cutâ-neas ou punção de linfonodos e de medula óssea dos animais, exigindo para coleta condições apropriadas e assépticas, pois são métodos mais invasivos. Segundo Lachaud et al. (2002), os primers RV1 e RV2 apresen-tam alta sensibilidade para detectar DNA de L. infan-tum em amostras de sangue periférico.

Além disso, o modo de vida dos cães pode in-fluenciar a distribuição e manutenção da doença no ambiente. A presença de animais errantes em ambientes urbanos é um fator complicador e pode favorecer a disseminação do parasito, bem como di-ficultar a implementação das medidas de controle. A realização de ações de controle da população canina pelos Cacos, o uso de testes rápidos de diagnóstico, além da implementação de inquéritos epidemiológi-cos nos municípios, são fundamentais para obtenção de resultados positivos. Fazem-se necessárias não só a captura e a eutanásia dos cães positivos – medida considerada ineficaz por muitos especialistas (RIBAS et al., 2013; MACHADO et al., 2016) –, mas a imple-mentação de um conjunto de ações que envolvam formação continuada dos profissionais e conscien-tização da população sobre os riscos e as respon-sabilidades de cada indivíduo para com seus cães e a sociedade. Ainda, devem ser mantidas as medidas de vigilância, prevenção e controle da leishmaniose e demais zoonoses.

CONCLUSÕESAs técnicas de diagnóstico empregadas permiti-

ram a detecção e identificação de cães infectados por L. infantum distribuídos nos diferentes municípios e biomas baianos, sendo registrada maior ocorrência de cães afetados nos biomas da Caatinga e Mata Atlântica. Sugere-se a adoção da PCR e primers específicos para a confirmação precisa dos casos de cães infectados por L. infantum.

AGRADECIMENTOSÀ Clioc (Dra. Elisa Cupolillo), por proporcionar os

controles positivos para as espécies de Leishmania spp. Aos proprietários de animais, coordenadores e veterinários dos Cacos e ONGs, por colaborarem com este estudo. À Universidade Estadual de Santa Cruz, por conceder o espaço físico, laboratório e equipa-mentos. À Bio-Manguinhos/Fiocruz, por ceder os kits ELISA utilizados. À Fapesb, pelo apoio financeiro ao projeto, sob o protocolo Pet 0034/2013.

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 8076

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FÁBIO SANTOS CARVALHOMédico-veterinárioCRMV-BA nº 3034Doutor em Genética e Biologia Molecular – Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc/BA) Autô[email protected]

RODRIGO ALVES BEZERRAMédico-veterinárioCRMV-BA nº 3295Professor da Faculdade de Ilhéus (BA) IVANILDO DOS ANJOS SANTOSMédico-veterinárioCRMV-BA nº 4134Doutorando em Ciência Animal – Uesc/BA

AMAURI ARIAS WENCESLAUMédico-veterinárioCRMV-BA nº 3767Professor do Depto. de Ciências Agrárias e Ambientais – Uesc/BA

AUTORES

SUPLEMENTO CIENTÍFICO

ANDRADE, I.M.; SANTANA, G.M.S; SACRAMENTO, R.V.O. Geoprocessamento em saúde: um estudo sobre a leishmaniose tegumentar americana no vale do Ji-quiriçá, Bahia, Brasil. Hygeia v.10, n.18, p.1-13, 2014.

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REFERÊNCIAS

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SUPLEMENTO CIENTÍFICO ATENDIMENTO EM DOMICÍLIO: CUIDADOS E REGRAS

Médicos-veterinários que prestam o serviço devem estar atentos ao Código de Ética e à segurança do animal

O atendimento médico-veterinário em domicílio é prática comum, princi-palmente no início da carreira ou por profissionais que buscam fideli-zar a clientela, enquanto obtêm ganhos extras.

A primeira regra para o exercício da Medicina Veterinária no ambiente do-miciliar é inscrever-se no Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) de seu estado, pois quem atua sem registro comete contravenção penal e está su-jeito às consequências. Ademais, todo médico-veterinário está obrigado a cum-prir o Código de Ética da profissão (Resolução nº 1.138/2016). Caso contrário, dependendo da gravidade do ato praticado, poderá sofrer desde advertência até a cassação do registro profissional.

Na prática domiciliar, os cuidados necessários guardam semelhança com os típicos de atendimentos em consultórios ou ambulatórios. Não são permitidos atos cirúrgicos, uso de drogas anestésicas ou controladas, excisões para biopsia de pele, mesmo que aparentemente sem riscos, assim como práticas invasivas, salvo aquelas naturalmente usadas no exame do animal, como medir tempera-tura retal e coletar sangue, fezes e urina para exames laboratoriais.

Em quase 20 anos acompanhando processos éticos no CRMV-RJ, vi raras reclamações envolvendo profissionais que atenderam no ambiente domiciliar. Entretanto, é de bom alvitre lembrar que o comportamento ético do profissional implica não adotar procedimentos que coloquem em risco a vida do animal, principalmente, se observado que há necessidade premente de remoção a local com recursos para o atendimento adequado. Também não é ético aproveitar o atendimento domiciliar para desviar para si clientes do estabelecimento vete-rinário em que está contratado, o que caracteriza mercantilismo, com previsão de condenação no Código de Ética.

O profissional deve ainda tomar cuidado com seu material publicitário, de modo a não informar preços nem confundir área de atuação profissional com especialidade, a qual requer reconhecimento expresso do conselho. Também não pode indicar terapias não reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV).

É importante lembrar que ninguém é obrigado a prestar atendimento do-miciliar quando não é de seu interesse e que o preço a ser cobrado é livre, combinado previamente entre as partes. Evitar denúncias é fundamental não só para o profissional, mas também para a imagem da classe, pois indica natural atendimento à expectativa da sociedade.

ÉTICAE LEGISLAÇÃO

Ismar Araújo de Moraes Presidente da Comissão

Nacional de Ética e Legislação (Conel/CFMV)

Revista CFMV Brasília DF Ano XXV nº 8078

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