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Figura 73 - Giuseppe Penone. Modelado da boca do vaso.
Figura 72 - Giuseppe Penone, “Soffio” Terracota. 178 x 98 x 86 cm. 1978.
Figuras 74 e 75 - Giuseppe Penone, “Souffle de Feuilles” – Instalação. 1979.
Figura 76 – Anônimo, “Máscara mortuária de Gotthold Ephraim Lessing”. 1781.
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4.6 O CORPO NA ARTE
A presença do corpo na pesquisa em questão foi tomando espaço, tendo sido
necessário um aprofundameno investigativo nesse assunto, sobretudo no que diz
respeito à contextualização e conceituação de estéticas como os happenings,
performances, ações, aqui apresentados, resumidamente, ressaltando a participação
de artistas tomados como referência.
A palavra corpo tem origem na palavra latina corpus, e, segundo a visão de
alguns teóricos, ainda está ligada à influência da dualidade corpo–alma da
modernidade, um pensamento do racionalismo cartesiano que concebia corpo e alma
como elementos não-integrados. Tendo sido esquadrinhado pela ciência da
modernidade – e continua sendo até hoje – o corpo é passível de diversas
intervenções humanas. Tratado como material, é banalizado nas relações sociais e
isso se reflete, também, na arte. No caso das artes, o corpo é visto como uma matéria
e suporte com o qual o artista trabalha, podendo ser um corpo alheio ou, até mesmo,
o seu próprio corpo.
As formas de percepção do corpo têm revelado mudanças significativas desde
o passado idealista clássico, passando por rompimentos, transgressões e inovações
no modernismo, até a atualidade. Além de ser mostrado nos meios considerados
convencionais, como pintura, desenho, gravura e escultura, o corpo também está
presente em ações, performances, trabalhos sensoriais, fotografias, vídeos e
realidade virtual. Convenções artísticas e sociais têm sido questionadas, tendo-se o
corpo como tema, referência e veículo da arte. Voltando à história da arte, pode-se
lembrar o nu, belo e idealizado, da Grécia Antiga, que procurava valorizar o corpo
“perfeito”. Ele deveria ser harmônico, ter equilíbrio e ser base e referência para todas
as coisas, seguindo um cânone que dava à figura humana proporções atléticas e
maiores do que as de um ser humano comum. Vale lembrar, também, que os deuses
gregos tinham forma humana. A arte no início do século XX deformava e fragmentava
esse corpo, antes total, “perfeito”, passando a explorar suas características efêmeras,
imperfeições e dores. A partir dos anos 1950, a materialidade e a animalidade
ganharam ênfase, revelando visões do corpo antes reprimidas, como a sexualidade.
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Rubens Sá (2003), analisando o corpo como um dos principais temas da
história da arte, afirma: “Voltar-se ao corpo é voltar-se às origens. Pois o corpo como
representação devolve ao homem aquilo que lhe foi retirado, ou seja, o seu
significado simbólico. Assim, ao mesmo tempo em que ele quer significar algo, ele é”
(SÁ, 2003).
Uma influência decisiva para esses e muitos outros artistas de vanguarda foi a
atuação do Black Mountain College, fundado em 1933, em Black Mountain, nos
Estados Unidos da América. Essa instituição ficou conhecida como a mais
experimental no estudo e na prática da arte, a partir dos anos 1960, trazendo ainda
contribuições para o cenário científico. O seu pioneirismo nas artes experimentais,
poesia e fotografia deveu-se à sua proposta de um novo tipo de educação, baseado
em um currículo que era composto por artes visuais, literatura, e artes da
performance, nitidamente voltado para um trabalho interdisciplinar. Essa instituição,
que teve no seu conselho nomes como William Carlos Williams e Albert Einstein,
contou com artistas e pensadores para integrar seu corpo docente, alguns deles
vindos da Bauhaus. Foram professores do Black Mountain College: Robert
Motherwell, Merce Cunningham e John Cage, entre outros. John Cage, músico norte-
americano, considerado precursor do happening, destacou-se pela inserção da
estética do cotidiano nesse tipo de linguagem artística, realizando experimentos com
ruídos e sons do cotidiano.
A nova sociedade de consumo, do pós-Segunda Guerra Mundial à década de
1970, estimulou os experimentos na pop art. Artistas norte-americanos, a exemplo de
Claes Oldenburg e Andy Warhol, criaram environments como sátira e crítica dessa
sociedade consumista, enquanto um novo grupo, denominado Neo-Dada, composto
por John Cage (músico), Jasper Johns e Robert Rauschenberg (pintores) e Merce
Cunningham (dançarino e coreógrafo) surgia com a proposta de trabalhar a estética
do cotidiano, arte e vida. Estes foram alguns dos responsáveis pela inserção do corpo
na arte contemporânea.
Somente nos anos 1970 é que a palavra performance surgiu. Nessa época, a
performance passou a representar a anticultura e a crítica ao sistema de arte vigente.
Renato Coehn, pesquisador, trata da performance como uma ação plástico-cênica
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não limitada, não ensaiada, necessariamente. É considerada uma arte híbrida por
poder integrar-se com várias linguagens como dança, teatro, artes visuais, música e
poesia. Além de conter características rituais e de cristalização de gestos, as
performances podem incluir envolvimento do público, aspectos lúdicos e de forte
ironia. Trata-se de uma arte social que tinha como objetivo romper as barreiras entre
arte e vida, com abertura a outras áreas do conhecimento, proporcionando como
resultado outras possibilidades de expressão artística.
No campo das experimentações com o corpo, na arte contemporânea,
percorre-se um caminho através de espetáculos e ações que deram origem a
happenings, performances e ações. Jorge Glusberg (1932) trata de uma pré-história
em que essas ações supracitadas estavam presentes nos rituais tribais, com
escarificações34 e pinturas corporais, junto a adereços, indumentárias e dança.
Nesses casos, o corpo é tratado como território, suporte, superfície, a exemplo das
tatuagens, passando pelas representações da Paixão na Idade Média, como também
por alguns espetáculos organizados por Leonardo da Vinci no século XV e por Bernini
no século XVII, nos quais havia uma intenção de integração entre dança, música,
figurino, cenário e literatura. Os movimentos modernistas, como o futurismo na Itália,
na França e na Rússia; o dadaísmo, o surrealismo e a Bauhaus, foram os pioneiros
do happening e da performance que conhecemos hoje.
As performances ou protoperformances organizadas pelos futuristas e pelos
dadaístas, de acordo com Glusberg, misturavam dança, teatro, poesia, música e
pintura. Tudo isso poderia ser usado, simultaneamente, como uma colagem, como
em um exercício de improvisação. O cinema, recurso novo na época, começava a ser
experimentado, assim como a fotografia. Além de chamar a atenção do público,
essas ações tinham por objetivo, também, ser um campo de experimentação dos
grupos de artistas dos dois movimentos, além de integrar as artes, rompendo com o
tradicional, impondo novas formas de arte e buscando a interação do público com os
artistas, que se tornavam mediadores de um processo estético-social.
34 Incisões superficiais na pele, semelhantes a queimaduras.
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Nos anos 1950, Jackson Pollock (1912-1956) abriu novas perspectivas que
vão além de questões formais com sua action painting (Figura 77), ao espalhar tinta,
fazendo uso do dripping, uma técnica por ele desenvolvida que consistia em, após
fazer furos na lata de tinta, respingá-la em grandes lonas esticadas no chão,
movimentando-se ao redor e no meio da pintura. Era uma inovação, na medida em
que deslocava os movimentos do ato de pintar das mãos para os ombros e os
quadris. Mesmo não sendo performer, abriu novos caminhos para o entendimento da
importância da ação do processo artístico. Dessa forma, o movimento passou a ser
tema em vez de simples ação para a construção da obra, dando, portanto, origem ao
quadro-ação e transformando Pollock em um dos precursores da performance. Mais
do que artista, ele colocou-se como ator, em busca do gesto criativo primordial. Como
esse corpo se comporta, movimentando-se e localizando-se dentro e fora da lona
esticada no chão, é a tônica do trabalho de Pollock.
Allan Kaprow, aluno de Jasper Johns, e considerado pai do happening,
insatisfeito com as limitações do espaço das galerias, procurou vencê-lo com o uso,
cada vez maior, do som, até que promoveu a abertura dos seus environments, com
uma colagem de acontecimentos acessível à participação dos espectadores, os quais
podiam apertar botões e mover coisas, numa importante transição do environment
para o happening. Em 1959, ele realizou um trabalho intitulado 18 Happenings, na
Rubem Gallery, em Nova York, com uma hora e meia de duração. Kaprow, com os
seus environments35 – colagens de impacto (Glusberg, 1987) – aliou a assemblagem
de Pollock ao acaso e indeterminação da obra de Jonh Cage, o que contribuiu
também para a origem do happening, sendo por isso considerado o pai dessa
linguagem.
O happening, que inicialmente tinha o objetivo de desprezar os métodos de
construção tradicionais da obra de arte e seu sistema, caracterizava-se pela
participação ativa do público em ações surgidas espontaneamente e sem
organização prévia ou tempo estipulado de duração. Trata-se de acontecimentos e
ações que não se repetem, os quais tiveram origem num conceito de colagem. Esse
conceito surgiu quando pintores que atuavam nos Estados Unidos, Alemanha e
35 Vindo da assemblage; em vez de apresentar caráter escultural, toma todo o espaço.
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Japão, ao começarem a adicionar e/ou remover, substituir e/ou alterar componentes
da obra visual, incluíram objetos do cotidiano em suas obras, realizando colagens,
que saíram do plano do quadro (assemblages), esvaindo-se pelo espaço e
envolvendo o espectador. Esses artistas, que logo denominaram as colagens de
environments (ambientes), passaram então a incluir pessoas nesses ambientes, o
que deu origem, mais tarde, ao happening. Não é possível estabelecer relações
comuns entre os artistas que desenvolveram essa modalidade artística, visto e sabido
que cada um deles a adaptava à sua forma pessoal, individual. Esse movimento, que,
segundo alguns autores, se originou e se desenvolveu principalmente nos Estados
Unidos da América, teve como seus maiores representantes John Cage, Allan
Kaprow, Jin Dine, Rauschenberg e Roy Lichtenstein. Fora da América, o happening e
a performance foram linguagens muito utilizadas por grupos como o Fluxus, da
Alemanha; o Gutai, de Osaka, no Japão; e o Xiamen Dada, grupo chinês da década
de 1980.
A performance não foi uma linguagem artística exclusivamente ocidental. O
grupo Gutai, a partir da década de 1950, desenvolveu propostas em land art,
merecendo também destaque como precursores da performance. Sua trajetória teve
início no campo da pintura, com a proposta de rompimento do plano bidimensional,
antes limitada pelas molduras para ganhar o espaço. Um dos seus componentes,
Kasuo Shiraga (1924), pintou quadros com os pés e realizou uma ação de mergulhar
e esfregar-se no barro, durante a performance, documentada por fotografia, Wresting
in the Mud (Figura 78), de 1935. Já Saburo Murakami realizou ações como perfurar
telas de papel, golpeando-as e atravessando-as, numa radicalização aos cortes e
furos feitos pelo argentino Lúcio Fontana. Esse grupo realizou um importante trabalho
de fotografia de ação, ao documentar suas performances. Uma boa fotografia de
ação deve ser seqüenciada, tornando-se, além de uma documentação da
performance, acessível para quem não pode assisti-la ao vivo, o próprio objeto
artístico, no âmbito de uma modalidade específica de foto-ação. A imagem do
trabalho efêmero, então, pode ser difundida de várias maneiras, como em postais,
folhetos, internet etc. A fotografia do acontecimento artístico, no caso da performance
com ou sem audiência, torna-se então uma foto que reinterpreta e que reconstrói
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significados. Pelo fato de ter esta forma artística um apelo predominantemente visual,
ao ser bem capturada, em bons ângulos, em momentos certos, acaba suplantando a
própria ação. Daí a importância da interação entre o artista e o fotógrafo (ou equipe)
que vai acessorá-lo na captação das imagens. Mesmo que o gesto de apertar o botão
da máquina seja de uma outra pessoa, o artista deve explicar a ela o que pretende
em termos de registro, estando, ao mesmo tempo, aberto a sugestões. Maria Beatriz
Medeiros36, em seu artigo Gutai Bitjutsu Kyokai, realiza um questionamento
pertinente sobre a anterioridade do grupo Gutai no âmbito das ações e performances,
pelo fato de ser a sua contribuição, em geral, renegada em detrimento da primazia
dos norte-americanos e europeus, quando se pesquisa sobre a anterioridade dessa
linguagem.
Ives Klein (1928-1962), com seu Salto para o Vazio (1960) (Figura 79), sendo
fotografado saltando de uma janela, é também um dos principais estímulos a uma
ação efêmera e, mais ainda, eternizada através do ato fotográfico. Em seu trabalho
Antropometria do Período Azul (Figura 80), realizado em 1960, na Galeria
Internacional de Arte Contemporânea, em Paris, exibia-se pintando de azul o corpo
de modelos nuas e comprimindo-o contra uma superfície branca, ao som de uma
orquestra de câmara, assistido por um público, na sua maioria, confortavelmente
sentado. Essa série de trabalhos com a impressão por contato – no caso, usando o
próprio corpo como “carimbo” – recebeu uma maior atenção.
Na mesma década, surgiram manifestações como a live art, com elementos
retirados da vida cotidiana, envolvendo participação, casualidade e trabalho com o
inconsciente.
Várias expressões foram criadas para designar o tipo de arte que começava a
surgir – performance (Oldenburg), event (Brecht), aktion (Joseph Beuys), décollage
(Wolf Vostel) –, todas com objetivos e significados semelhantes, mesmo
apresentando técnicas diferentes.
Na arte contemporânea, há obras que falam do corpo pela sua ausência. Esse
corpo é tomado indiretamente, não mais com a sua imagem em si, porém
aparecendo como um vestígio, uma marca, um rastro da ação humana, mas como
36 Professora Doutora da Unb, coordenadora do grupo de pesquisa Corpos.org.