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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI MERCÊDES LUIZA DA COSTA E SILVA O DECORATIVISMO NA CONTEMPORANEIDADE COMO MANIFESTAÇÃO DO REENCANTAMENTO DO DESIGN PELA PRÁXIS CRIATIVA DO USUÁRIO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO MESTRADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU São Paulo, Agosto/2008

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

MERCÊDES LUIZA DA COSTA E SILVA

O DECORATIVISMO NA CONTEMPORANEIDADE COMO MANIFESTAÇÃO DO REENCANTAMENTO DO DESIGN PELA PRÁXIS CRIATIVA DO

USUÁRIO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGN

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

São Paulo, Agosto/2008

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

MERCÊDES LUIZA DA COSTA E SILVA

O DECORATIVISMO NA CONTEMPORANEIDADE COMO MANIFESTAÇÃO DO REENCANTAMENTO DO DESIGN PELA PRÁXIS CRIATIVA DO

USUÁRIO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade

Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design.

Orientadora: Profa. Gisela Belluzzo de Campos

São Paulo, Agosto/2008

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

MERCÊDES LUIZA DA COSTA E SILVA

O DECORATIVISMO NA CONTEMPORANEIDADE COMO MANIFESTAÇÃO DO REENCANTAMENTO DO DESIGN PELA PRÁXIS CRIATIVA DO

USUÁRIO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design. Aprovada pela seguinte Banca Examinadora:

Profa. Gisela Belluzzo de Campos Orientadora

Mestrado em Design Anhembi Morumbi

Prof. Dr. Washington Dias Lessa Escola Superior de Desenho Industrial - UERJ

Profa. Dra. Ana Mae Tavares Barbosa Mestrado em Design Anhembi Morumbi

São Paulo, Agosto/2008

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da Universidade, do autor e do orientador.

MERCÊDES LUIZA DA COSTA E SILVA

MA in International Journalism, City Univeristy, Londres

Especialista em Arquivologia pelo IEB-USP

Graduada em Ciências Econômicas pela FEA-UFJR

Ficha Catalográfica

DA COSTA E SILVA, Mercedes L. O decorativismo na contemporaneidade como

manifestação do reencantamento do design pela práxis criativa do usuário

. Universidade Anhembi-Morumbi, Programa de Pós-Graduação em Design, 2008. 154 pags.

Dissertação: Mestrado em Design – Orientadora: Gisela Belluzzo de Campos, Dr.

1 Design 2 Decorativismo 3 Composição visual 4 Cultura material 5 Relação projeto-execução-uso

I. Universidade Anhembi-Morumbi

CDD:

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AGRADECIMENTOS

Não podem ter passado dois anos de minha vida sem que eu tenha abusado de

muita gente boa. Agradeço a todos. Mas, antes de todos, devo agradecer à minha

orientadora, Profa. Dra. Gisela Belluzzo de Campos.

Agradeço ao professor Dr. Jofre Silva as vezes em que me apoiou.

À nossa primeira turma de alunos e professores do mestrado em Design da

Universidade Anhembi-Morumbi, sou grata pelo esforço conjunto para trilharmos no

bom caminho. Em especial, agradeço aos meus anjos-help-desk-on-line-full-time:

Eloize Navalon que, com amizade firme e positiva, foi meu eco e espelho (muito

melhorado) durante o curso; e Ravi Passos, não só pelas palavras-chave, dicas

teóricas e práticas, referências bibliográficas fundamentais, e todas as dicas de

informática; ou pelos livros emprestados; ou por ter, nesta primeira experiência do

programa, aberto caminhos o tempo todo; muito mais pela amizade generosa, que não

poupa nem tempo nem conhecimento, nem crítica nem afeto. Ao Geraldo Lima

agradeço todas as perguntas e os eloqüentes movimentos de sobrancelha que jamais

puderam ser suficientemente calados. Ao José Neto, agradeço a oferta generosa e a

ajuda concreta para discutir o texto e fazer a formatação final, além da bibliografia

sugerida, de suma importância para a minha pesquisa.

À Miriam Levinbook, agradeço a atenção e ajuda gentil, com direito a chá e bolo

de milho, na revelação inicial do universo do projeto em design de estamparia e de

padronagem. À Junia Meirelles, agradeço os esclarecimentos sobre hipermídia; ao

pessoal da Biblioteca e dos laboratórios de informática do Campus Morumbi, a eterna

boa-vontade. À minha irmã Luisa Mercedes, por tudo, o tempo todo.

Ao amigo e professor Dr. Mauro Baptista Vedia, agradeço a sugestão de que

eu ingressasse no curso - foi apenas o primeiro entre muitos bons conselhos que me

soube dar ao longo do processo. E foi ele quem um dia me chamou atenção para o

fato de que o design, como atividade profissional constituída, é um coetâneo da

alienação do trabalho. Desde então, minhas idéias sobre o conflito ‘forma X função’ só

fizeram mudar e aceitar mudanças. Se foram exatamente aquelas as palavras dele, eu

não sei. O que sei e entendi é o que usei neste trabalho.

Mercedes.

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Movimento que arranca o ser do não ser, a forma do amorfo, o ato da potência, o cosmos

do caos. Techné chamavam-na os gregos. (Alfredo Bosi, in Reflexões sobre a arte)

Pois Deus não é um Deus de desordem, mas de Paz. I Cor 14:33

Estou bem ciente de que a coleção está muito longe de ser completa. (Owen Jones, A gramática do ornamento.)

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RESUMO

O presente trabalho investiga a ocorrência de um tipo particular de

composição visual no design neste início do século XXI, que aponta para uma

presença marcante do decorativismo; e busca compreender este fenômeno

tomando como parâmetro as relações que se estabelecem a partir do trinômio

design-execução-uso. Toma-se por base que o design é uma atividade que

surge a partir da Revolução Industrial, quando os termos daquele trinômio se

separaram em definitivo, com o crescimento da especialização das tarefas e a

definitiva alienação do trabalhador com relação aos meios de produção da sua

subsistência e ao controle do resultado final do seu trabalho. Variações de

ênfase ou equilíbrio entre tais termos, determinadas pelas condições de

produção vis-à-vis a busca do lucro, por sua vez, determinam os métodos de

produção dos objetos, e têm suas correspondentes expressões formais.

Concomitantes a essas variações, surgiram discussões sobre as relações

entre forma e função. O estudo faz uma revisão da história do design à luz da

combinação dos termos daquele trinômio e observa que, nas instâncias em

que as atividades de design e execução têm primazia, a função se fortalece;

e, nas instâncias em que a relação usuário-objeto tem primazia, a forma se

fortalece, com variações de valorização do traço espontâneo ao longo do

espectro. Na contemporaneidade, é permitida ao usuário a participação direta,

ainda que de maneira limitada, no projeto. Neste processo, há a ‘religação’

dos termos do trinômio e a possibilidade de significação do objeto pelo

usuário, ao que chamamos de ‘reencantamento’. A possibilidade de

participação do usuário manifesta-se muitas vezes pela elaboração decorativa

e se expressa através de repertório visual tal que incorpora formas do léxico

pós-moderno, além de outras já consagradas na história da arte e do design,

e que é parcialmente apresentado aqui.

Palavras-chave:

Design. Decorativismo. Composição visual. Cultura material Relação projeto-execução-uso

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ABSTRACT

This work investigates the occurrence of a particular type of visual composition

in the field of design, in the beginning of the XXI century, in which there are

evidences of a remarkable decorative practice, and for which the project-

execution-use relation is the basic parameter to observe the phenomenon. It is

assumed that the activity of design has emerged with the Industrial Revolution,

when the three terms of that expression were eventually separated, along with

the progressive division of labour in specialized tasks, until the total separation

between labour, its means of reproduction and its final product. The various

instances in which those terms in the trinomial are combined, as determined

by varying operational conditions vis-à-vis the quest for profit, have determined

the various methods by which objects are produced, and have had their

corresponding formal expressions, which are, in their turn, responses to the

disputes concerning the relation ‘form Vs function’. This study reassesses the

history of design under the light of the various combination of the terms in the

trinomial and has observed that, whenever the activities of design and

execution (or production) lead decisions, ‘function’ holds stronger; and,

whenever the relation user-object is stronger, there is a possibility to signify the

object, thus, ‘form’ is the main issue, with particular attention to the occurrence

of spontaneous or accidental traits along the spectrum. In this time and age,

the user has been given the possibility to take part, however limited, in

projecting design products. Thus, those terms, once separated, are re-linked

and may signify the object, by means of what is named ‘re-enchantment’. The

possibility of the user partaking in the project is often actualized by decorative

elaboration, expressed by such a visual repertoir, partially explored here, such

that concerns a post-modern lexicon as well as other forms already known

from art and design history.

Key words:

Design. Decorativism. Visual composition. Material culture. Project-execution-use

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SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS..........................................................................................11

Introdução..........................................................................................................13

1 – O decorativismo e a relação designer-usuário-objeto .................................20 1.1 – Design e alienação .......................................................................................... 26 1.2 - Desencantamento ............................................................................................ 31 1.3 - Fetiche.............................................................................................................. 37 1.4 – Religação......................................................................................................... 41

2 – Da era dos objetos à era dos projetos.........................................................43 2.1 – Euforia produtiva e 1ª Depressão.................................................................... 46 2.2 – A euforia consumista e a Grande Depressão.................................................. 52 2.4 – Afluência, estética kitsch, crise........................................................................ 57 2.3 – O pós-guerra ................................................................................................... 63 2.5 - Período da paz relativa .................................................................................... 65 2.6 - A contemporaneidade e a era do projeto ......................................................... 68

3 – O objeto como expressão formal do trinômio design-execução-uso...........73 3.1 - O movimento Artes e Ofícios e a união artista-patrão-trabalhador: o trabalhador

designer .................................................................................................................... 75 3.2 - O Art Nouveau e a união artista-designer-arquiteto: o arquiteto designer ....... 88 3. 3 - As Omega Workshop e a união artista-intelectual-trabalhador: o artista

designer .................................................................................................................... 92 3.4 – O Art-Déco e o apogeu kitsch; o styling e o streamlining: o designer decorador

................................................................................................................................ 101 3.5 – No caminho da standardização, a Deutsche Werkstatten, a Werksbund, a

Bauhaus e as variações da união artista-cientista-trabalhador: o designer operário, o

designer engenheiro e o designer coordenador..................................................... 106 3.6 – O design pós-moderno e o designer artista .................................................. 114 3.7 – A nova mutação do design: o usuário designer ............................................ 116

4. O decorativismo na contemporaneidade.....................................................120 4.1 – Composições híbridas ................................................................................... 124 4.2 – Superposição de imagens ............................................................................. 125 4.3 – O palimpsesto, o sujo, o velho, o inacabado. ................................................ 126 4.4 – A espiral e o meio fluido ................................................................................ 128

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4.5 – O mosaico, o caleidoscópio, a dobra ............................................................ 130 4.6 – O fractal, o rizoma e o contágio.................................................................... 131 4.7 – A metalinguagem........................................................................................... 132 4.8 - Elementos decorativos ................................................................................... 133

Considerações Finais ......................................................................................144

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LISTA DE FIGURAS Figura 1: A vida na era vitoriana – 1(a) - a rainha Vitória; 1 (b) - sua sala particular; 1 (c) – sala típica de residência de trabalhadores durante a época vitoriana ......................................................................................................................... 43 Figura 2 – (2a) Passagem (Paris) Véro-Dodat; e (2b) Henri Matisse - Figura decorativa em fundo ornamental, 1925.................................................................... 49 Figura 3 - Edouard Vuillard - L’intimité, 1896. .......................................................... 51 Figura 4 - Charleston Farmhouse - Vanessa Bell e Duncan Grant ..................... 56 Figura 5 - O kitsch: um processo de empilhamento e sedimentação ................. 57 Figura 6 – W. Bouguereau, O nascimento de Vênus, 1879 6 (a) - e 6 (b) Pablo Picasso, Les demoiselles d' Avignon, 1907. ........................................................... 59 Figura 7 - A indistinção entre figura e fundo na contemporaneidade ................. 72 Figura 8 - Cristopher Dresser – chaleira , 1878...................................................... 73 Figura 9 – c.1890: Eclético X Arts and Crafts – (a) vestíbulo da casa da cortesã francesa La Païva e da casa de William Morris (b)................................................ 78 Figura 10 - Arts and crafts - a busca das origens da alegria do trabalho no artesanato. .................................................................................................................... 86 Figura 11 - Art Nouveau - a valorização do trabalho – 11 (a) e (c) Horta e 11 (b) Gaudí – portão em ferro. ............................................................................................ 91 Figura 12 - Omega Workshops - assinatura Ômega; capas para livros de Virgínia Wolf. ................................................................................................................ 94 Figura 13 - Art Nouveau e Art Déco - padrões ..................................................... 103 Figura 14 - (a e b) Peter Behrens, fábrica e capa de catálogo para AEG (1907); e (c) sala de estar de vila operária (Weissenhof) de J.J.P. Oud (1927). .......... 113 Figura 15 – Design pós-moderno; estante Carlton – Ettore Stottsass.............. 115 Figura 16 - Design Pós-moderno: Cadeira Proust – Alessandro Mendini........ 115 Figura 17 – As imagens representativas do usuário designer. .......................... 118 Figura 18 - Design contemporâneo - formas, composições e configurações.. 123 Figura 19 – Contemporâneo - estratégias de significação - híbridos................ 124 Figura 20 – Contemporâneo - a tatuagem, a mandala e a falha na realidade.126 Figura 21 - Contemporâneo - o palimpsesto, o ruído, o sujo, o inacabado. .... 127 Figura 22 – Contemporâneo – Havaianas - o movimento em espiral, a animação ..................................................................................................................... 128 Figura 23 - Contemporâneo - o meio fluido........................................................... 129 Figura 24 - Contemporâneo – mosaicos – múltiplas narrativas justapostas. .. 130 Figura 25 – Contemporâneo - o fractal, o rizoma e o contágio .......................... 131 Figura 26 - Contemporâneo - o espaço em construção – a evidenciação do projeto .......................................................................................................................... 133 Figura 27 - Contemporâneo - elemento decorativo - arabesco ......................... 134 Figura 28 - Contemporâneo - elemento decorativo clássico .............................. 135 Figura 29 - Contemporâneo - elemento decorativo popular - contas e flores . 135 Figura 30 - Contemporâneo - elemento decorativo popular - filetes - lameiros de caminhão Mestre Bebiano – Lameiros de caminhão, 1987 – madeira – 64 cm....................................................................................................................................... 136 Figura 31 - Contemporâneo - elemento decorativo - o respingo ....................... 136 Figura 32 - Contemporâneo - elemento decorativo – ícones ............................. 137

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Figura 33 - Contemporâneo – elemento decorativo - traço espontâneo ......... 138 Figura 34 - Contemporâneo - elementos decorativos medievais - mandalas e rosáceas ...................................................................................................................... 140 Figura 35 - Contemporâneo – elemento decorativo - a falha no real................ 141 Figura 36 - Contemporâneo - elemento decorativo - Kitsch e Art Nouveau – peacock ....................................................................................................................... 142 Figura 37 - Contemporâneo - elemento decorativo - o broto e a borboleta ..... 143

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Introdução Este estudo tem seu início na verificação da ocorrência de composições

visuais, na contemporaneidade, que emprestam do decorativismo boa parte de

suas referências formais, seja este decorativismo oriundo ou fundado na arte

primitiva ou de inspiração oriental direta, ou seja ele derivado de segunda

ordem, a partir de estilos típicos de diversas épocas da arte ocidental, como o

Barroco, o Arts and Crafts britânico, o Art Nouveau ou da arte Pop e seus

correlatos do design (como o Banal ou o Memphis).

O conceito de ‘decorativismo’ usado aqui, como explicado no capitulo 1,

considera a valorização de elementos não construtivos da estrutura física dos

objetos, que deve ser vista como uma categoria ampla, cujo significado deve

ser tomado de acordo com a função do objeto. Neste sentido, uma peça de

publicidade usa elementos meramente decorativos, uma vez que não sejam

elementos que venham a acrescentar informação à mensagem. Este é um

julgamento sempre arriscado, uma vez que, no caso de produtos estritamente

de comunicação, é de se esperar que todos os elementos visuais tomem parte

na mensagem e, portanto, da estrutura do objeto.

Com relação à forma, especificamente, as composições visuais aqui

selecionadas não devem ser tomadas como sendo as únicas manifestações

(ou soluções) estéticas da cultura material desta época, assim como também

não pode ser apontado um fator como o único que condicione sua aparição. A

complexidade do momento definido por ‘contemporaneidade’ se dá em

diversos níveis e parte da visualidade estudada aqui se deve exatamente a

esta complexidade de fenômenos.

Dentre os principais fatores aqui considerados importantes, estão: a

estrutura móvel, cambiante, da cultura; a adoção de tecnologias que reduzem

tempo e espaço necessários à produção, com conseqüências profundas para a

maneira de viver e pensar na contemporaneidade; o fato de a imagem ser

elemento símbolo da época; e o esgotamento do paradigma moderno. No

entanto, a intenção deste trabalho não é discutir esses fatores, que são

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tomados por base. O que se pretende é observar uma correlação entre o

fenômeno do decorativismo ao longo da história do capitalismo recente e os

diversos momentos1 da relação entre o usuário e o objeto, no que toca a

possibilidade de o primeiro interferir na forma final que assumirá o último.

As discussões sobre forma e função ao longo da história do design têm

sido uma constante. Posições diversas, muitas vezes, apoiaram-se em ideários

similares, da mesma maneira em que posições similares partiram ou de

ideários contraditórios, ou mesmo de leituras contraditórias de um mesmo

ideário. A questão é quem professava a defesa e quem professava o repúdio

ao ornamento e, daí, de uma mesma origem, pode ver-se o surgimento de

duas vertentes, que foram se justificando e aumentando em clareza, ao longo

do tempo: a ornamental/ornamentada e a não ornamental/estandardizada.

Todos os interessados na discussão tinham em mente a relação entre a

indústria, o trabalho e o uso, sendo que, a cada momento, essa relação

assumiu características diferentes, de acordo com a filosofia que regia a busca

de cada iniciativa. E todos tinham uma reflexão sobre a relação entre forma e

função, sendo que muitas vezes o significado de função pendia mais para uma

leitura de uma funcionalidade sob a ótica da produção. E ainda que em outras

circunstâncias indústria e trabalho possam ser bem entendidos como produção

e suas implicações tecnológicas, adotar estes termos, aqui, seria fazer com

que o processo de fetichização mais uma vez esconda as relações sociais que

estão na base do modo de produção.

Muitas têm sido as iniciativas de combinação dos termos do que pode ser

chamado um trinômio descrito pelas relações entre as atividades de projeto,

execução e uso dos objetos.

A escolha dos casos abordados aqui se justifica a partir da

representatividade de cada um na construção da vertente em que se insere, se

bem que a seleção ficou bastante extensa.

Nos últimos anos a ocorrência de motivos (visuais) emprestados ao

decorativismo de toda sorte tem sido muito freqüente, chamando atenção para

1 O que seria melhor denominado “instância”, pois trata-se de diversos discursos que, muitas vezes, aconteciam num mesmo ponto no tempo.

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o surgimento – ou, ainda, ressurgimento – no design, de um interesse por

formas e configurações visuais com características muito especificas. A partir da observação de que o decorativismo toma força sempre que o

usuário tem primazia nas decisões de produção, nossa hipótese é que o

decorativismo recente se deve a mudanças tecnológicas e metodológicas que

permitem que ele (o usuário) passe a ter poder decisório na produção, ainda na

fase do projeto.

Tomamos emprestadas algumas idéias de três matrizes conceituais que,

juntas, parecem apontar para um caminho para a abordagem do decorativismo

no design da contemporaneidade. Estes conceitos podem ser associados para

a observação do processo de produção do objeto, se bem que nem sempre

exploramos as fontes de onde os emprestamos, mas restringimo-nos a

algumas poucas e suficientes referências. Os conceitos de alienação do

trabalho e de fetichismo da mercadoria, como em Marx, aqui derivados, já, das

análises desenvolvidas por Rafael Cardoso e Anamaria de Moraes; o conceito

de desencantamento, como em Max Weber, mas aqui derivado da crítica que

fez Suzi Gablik à arte do que ela denominou modernismo tardio; e a idéia de

religação, apontada por Klaus Krippendorf, que englobaria o processo de

reinserção do usuário no processo de produção, em particular, na etapa do

projeto.

Por fim, discutimos como a visualidade alcançada em determinados

trabalhos produzidos na contemporaneidade está alinhada com a tradição da

produção decorativista.

Acreditamos que a visualidade destes trabalhos é uma alegoria das

mudanças nas condições de produção, que envolve tanto tecnologia, como

metodologia, como padrões estéticos. Admite-se, aqui, que sua configuração é

rizomática, que se refere tanto a mudança, como a acúmulo, e que não

apresenta hierarquia; segue o mesmo padrão de “sedimentação” seguido pelo

kitsch, como apontado por Abraham Moles e discutido no capitulo 2, e que

incorpora formas anteriores que ainda não se mesclaram o suficiente para

estabelecer uma nova ordem ou forma homogênea.

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Com estes objetivos em mente, no primeiro capítulo apresentamos uma

discussão relativamente recente que aponta para a incorporação do usuário na

função de projetista, na contemporaneidade, e vemos como essa função pode

ser interpretada em termos do processo de significação na produção da cultura

material.

Nesta discussão, evocamos Max Weber, através da crítica de Suzi Gablik

ao desencantamento da arte no pós-modernismo.

O desencantamento em Max Weber se refere a um processo de

separação entre as religiões do Ocidente e do Oriente, com o conseqüente

estabelecimento de formas culturais ‘receptivas’ ao capitalismo e à

burocratização da vida. Segundo Gablik, ao estender-se para o âmbito das

artes, este desencantamento teria seu correspondente na burocratização da

atividade do artista como produtor de bens de arte, para um mercado de arte.

O reflexo sobre a arte seria sentido no abandono do conteúdo, a

supervalorização da forma e da autonomia da arte, e de uma visão, no

“modernismo tardio”, da arte como modo de expressão do artista isolado, em

detrimento da arte como expressão de uma cultura, na qual o artista está

inserido e a qual reverencia. Por sua vez, este mesmo desencantamento

parece estar refletido na forma final dos objetos, a partir do desenvolvimento da

produção de bens em massa e do conseqüente distanciamento entre uso e

criação do objeto, com a institucionalização do design enquanto atividade

exclusiva de um grupo que passa a dominar o poder de atribuição de

significado aos objetos.

É do debate sobre a questão do fetiche do objeto, revisitada por Rafael

Cardoso (2003 e 2006) 2, que derivam as associações entre a necessidade de

atribuir significados aos objetos e a estética - hoje renascida com tanta força -

decorativista. Cardoso propõe que o designer seja visto como aquele que

opera sobre a forma e o conteúdo do objeto: um feiticeiro, que opera a mágica

que faz o objeto surgir diante dos nossos olhos, não apenas o objeto material,

mas o objeto que carrega um significado. Este processo de fetichização pode

2 Primeiramente suscitada por Karl Marx, Sigmund Freud e praticada pelos povos animistas, e retomada por Rafael Cardoso.

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ajudar a compor uma resposta para o ressurgimento do decorativisimo, como

uma forma de ‘ocupação’ do objeto pelo usuário, que passa a ter acesso ao

projeto com o advento de novas tecnologias e metodologias que permitem a

individualização da produção.

No segundo capítulo, traçamos um histórico das condições culturais e

materiais da produção de bens sob o modo de produção capitalista, e o

contexto em que se dá a relação entre o objeto e o usuário que vem definir sua

visualidade, até o momento em que o objeto de consumo passa a ser o projeto

em si. Sob as condições apresentadas no início do século XXI, estas relações

são tais que condizem com o ressurgimento do decorativismo como forma de

expressão de identidade pessoal.

Formas cambiantes, como já apontado por Rudinei Kopp em Design

gráfico cambiante (2003), apontam para um design que não se fixa e que muda

entre as diversas edições de um mesmo produto que, a princípio, estaria

vinculado a uma identidade. Na pós-modernidade, não só se começa a admitir

uma identidade também cambiante, como o poder de comunicação desta

identidade aumenta, se ela é cambiante, uma vez que as chances de

identificação com o usuário ou o consumidor aumentam, se a identidade do

produto não é rígida, fixa.

No terceiro capítulo separamos as escolas e os movimentos ligados ao

design em termos da relação/inclusão do fator humano no processo, seja ele

como usuário seja ele como artista, técnico ou planejador e os relacionamos às

formas obtidas/produzidas na época, e à presença maior ou menor de

ornamentos ou do decorativismo na cultura material.

O marco inicial deste capítulo é o movimento Arts and Crafts porque é a

primeira tentativa de “religação” ou de retomada de um estado de coisas

anterior ao processo de alienação do trabalho. Vale frisar que a presença de

ornamento e decoração durante o capitalismo industrial não começa com este

movimento, que é, na verdade, uma reação à estética decorativista em vigor.

Por outro lado, é mais ou menos a partir daí que começa a produção dos bens

de consumo de massa e, com ela, toda a controvérsia forma versus função.

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Grosso modo, as variações da união artista-cientista-trabalhador são as

que vão tentar adequar técnica e economia industrial, com a intenção de

baratear custos e ampliar o acesso aos bens de consumo; uns, interessados na

democratização do acesso, outros, preocupados com a competitividade e os

lucros; e ambos estariam de alguma forma em oposição às combinações que

permitem uma certa “religação fetichizante”, que valorize o emprego de

elementos decorativos (com o Arts and Crafts).

Completando o quadro, há o caso do “designer decorador”, que não se

encaixa exatamente em qualquer dos outros dois casos – nem dos que

priorizam a função (ou a produção), nem dos que buscam os objetos únicos,

religando usuário e objeto a partir de uma significação direta, isto é, a partir da

intervenção criativa, a não ser, talvez, sob o argumento de que estes

“movimentos” marcam um outro processo que é exatamente o de produção de

bens de consumo de massa de caráter mais simbólico. É onde o designer faz o

seu papel fetichista mais acentuadamente e o usuário é incorporado como

parte do projeto e o marketing começa a ser uma prática mais geral.

A última parte do capítulo fala do usuário designer e de como as novas

tecnologias vêm permitir ao usuário intervir no projeto e o que se observa é

uma explosão do decorativismo na contemporaneidade.

A forma que assume este decorativismo é discutida no capítulo 4, que

também apresenta uma tipologia inicial para os elementos decorativos usados

na contemporaneidade, alguns dos quais que se tornaram muito freqüentes.

Assim, ao longo do trabalho tentamos estabelecer uma relação entre

significação, processo produtivo e forma, para, enfim, observar este novo

decorativismo como fenômeno não apenas estético, mas também cultural e

tecnológico. A evolução da relação projeto-execução-uso desde a separação

advinda da alienação do trabalho na produção de bens sob o modo capitalista,

separou usuário, trabalhador e designer; e afastou o trabalhador da

possibilidade de expressar-se e significar os objetos com os quais convive,

como parece ser o caso em situações de interferências diretas, em outros

tempos e culturas.

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Novas tecnologias trouxeram a possibilidade de uma retomada desse

canal de expressão para o usuário, diante das novas possibilidades de lucro e

das demandas da sociedade por uma atitude de aproximação. Como

conseqüência disso, todo o sistema de produção de bens tem voltado sua

atenção para o usuário como soberano na criação.

Na contemporaneidade, tanto elementos como procedimentos de diversas

épocas vêm contribuir para a sedimentação de uma visualidade marcada por

uma ordem híbrida, uma forma que reflete movimento, mudança e falta de

hierarquia, e uma configuração rizomática.

Em tempo: todas as traduções são nossas, sempre que os originais

constarem na bibliografia, ao final, em outro idioma que não o português.

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1 – O decorativismo e a relação designer-usuário-objeto Após um estudo junto a diversos grupos humanos, de diversas regiões do

´mundo, todos em situação de dissociação cultural com relação ao que ele

chamou de “homem civilizado”, Franz Boas concluiu que a necessidade

humana de expressão artística seria universal; e quanto à necessidade de

embelezar a vida cotidiana e seu entorno, ele observou que está presente mais

fortemente entre aqueles grupos sociais aos quais ele chama de sociedades

primitivas (BOAS, 1968) 3.

Darcy Ribeiro chamou de “vontade de beleza” (RIBEIRO, 1980) o impulso

humano que estaria presente em todos os grupos, sendo uma preocupação

mais comum “naquelas sociedades não mercantilizadas, onde cada indivíduo,

ou cada grupo familial, produz, ou mesmo cria, os objetos de que necessita [e]

serão mais freqüentes entre elas as obras de arte e os artistas” (Idem, p. 257;

grifo do autor).

Citando Boas, Ribeiro concorda que a arte seria fruto do desenvolvimento

da técnica. Enquanto a técnica é desenvolvida nas áreas às quais cada grupo

mais dedica seu tempo e interesse, a arte é alcançada a partir da aplicação da

vontade de beleza (Idem, ibidem ), durante a repetição da técnica.

Ribeiro ainda lembra que, nas sociedades tradicionais, a forma estará

sempre restrita aos limites rigidamente marcados pela tradição e sua qualidade

será julgada a partir dos padrões estabelecidos. Nestes grupos, todos são

conhecedores dos padrões, ainda que nem todos sejam “artistas criadores”.

Mas é deste conhecimento, ou reconhecimento dos cânones, que é feito o

valor da arte numa determinada cultura e, por isso, é no seu contexto cultural

que a arte é bem sucedida.

Diversos autores afirmam que os desenhos que aparecem em objetos,

sejam eles de uso ritual ou cotidiano, não são simples formas decorativas, mas

respondem a formas concretas, a convenções sobre significados 3 Sobre o termo “primitivo”, o autor se estende logo no início de seu Primitive Art, para esclarecer que está ciente, já em meados do século XIX, de que estas sociedades não se colocam num extremo de uma linha evolutiva em relação à sociedade ocidental, ‘Sociedades tradicionais’ seria uma expressão alternativa mais abrangente e útil, que incorpora o sentido do isolamento e da permanência das tradições.

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(SONDEREGUER, 1997; GONZALES, 2007; LEITE, 2007; RIBEIRO, op.cit;

BOAs, op cit). No entanto, a significação de muitos dos símbolos abstratos se

perdeu com a história. Seja porque seus referentes foram perdidos, seja por

que a significação já não encontra eco na cultura sobrevivente.

Se, inicialmente, os trabalhos aparentemente apenas decorativos sobre a

superfície dos artefatos tinham função simbólica, isto não descarta a

possibilidade de a impressão destes signos sobre a superfície dos objetos ter

uma certa origem compulsiva, uma vez que todas as culturas terminaram por

elaborar sua experiência sob forma gráfica, fartamente espalhada ao longo da

história por todo o mundo (RIBEIRO, 1980). Ou seja, a prática de decorar e

ornamentar artefatos acompanha o ser humano em toda a sua história.

Segundo Boas, é um hábito observado entre todos os grupos sedentários. Ele

comenta que se esta mesma compulsão não se faz presente no seio da

sociedade ocidental, deve ser por que a existência nessa sociedade não o

permite, por falta de tempo para a dedicação necessária. Assim, grupos

nômades teriam falhado em deixar um registro cultural material mais farto. A

vida nômade (especificamente os caçadores), segundo ele, não permite o

tempo necessário para a criação plástica. Entre esses grupos, a literatura, a

música e a poesia seriam meios de expressão artística mais comuns, porque

não exigem instrumentos e sua produção pode ser facilmente carregada (na

memória, na tradição oral etc.) (BOAS, 1968).

O processo de “significação”, ou de atribuição de significado aos objetos

vai além da elaboração formal das superfícies, como veremos, mais adiante,

neste capítulo, numa breve discussão sobre o fetiche. Mas, além deste

aspecto, há a relação entre a elaboração formal/decorativa do mundo material

(objetos, arquitetura e outros) e o processo de significação do mundo de forma

geral. Em seu estudo sobre os mosaicos árabes do complexo da cidade-

palácio de Alhambra, na Espanha, Sylvia Leite (LEITE, 2007) concluiu que não

só o ornamento é a própria linguagem a partir da qual o significado é passado,

como tal linguagem visual está associada ao idioma, às idéias e à própria

escrita árabe.

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Se no mundo atual a decoração tem função meramente estética, ou de

embelezamento, de forma geral, nas sociedades tradicionais, a significação

não se perdeu porque, ali, mantém-se a relação de integração representada

pelo trinômio projeto-execução-uso, isto é, de maneira geral, as pessoas que

concebem, executam e usam os objetos são as mesmas. Assim, o processo de

produção dos objetos não passou por uma dissociação dos termos

representados por aquele trinômio, na qual se dá o processo de alienação,

como apontado por Karl Marx, decorrente da divisão do trabalho em tarefas

mecânicas isoladas e, ainda, em tarefas conceitualmente diferentes. Como

veremos adiante, o que caracteriza a alienação não é a divisão do trabalho em

si, mas a redução das tarefas produtivas em parcelas sem significado ou sem

relação com o todo ou seja, com o produto final do trabalho (BRAVERMAN,

1981; LEITE, 2007; MARX, 1980).

Bernd Löbach (LOBACH, 2001) afirma que o fato de o artesão dominar todo

o processo de produção do objeto sob seu controle, induzia a uma “relação

personalista” com o objeto. Mesmo o baixo preço era compensado pela

possibilidade de atender necessidades “emocionais” do próprio artesão, pois,

ao não ter que se prender a detalhes de repetição de um determinado projeto,

gozava de liberdade de intervenção. No entanto:

Isto já não é mais possível na produção industrial seriada de

dezenas de milhares de peças de objetos de uso. Os produtos

precisam ser estudados racionalmente em todos os seus

detalhes pelos projetistas. Todas as unidades produzidas se

igualam, sem nenhuma variação em relação ao protótipo, a

não ser pequenas oscilações inerentes ao próprio processo

produtivo, (Idem, p. 37)

Com relação à semântica das formas, Gilberto Paim (PAIM, 2000), ao

discutir o surgimento do ornamento durante o processo de criação da obra,

reforça com seu depoimento de artesão as conclusões de Ribeiro e de Boas.

Lembra, também Paim, que a dimensão ornamental da arquitetura moderna

evidencia o papel e a importância do ornamento na vida humana. Essa mesma

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dimensão ornamental é mais amplamente discutida por Marcos Moraes de Sá,

em Ornamento e Modernismo (2005). Inserir o objeto no mundo, adequando-o

ao espaço e ao convívio com outros objetos, promovendo o conforto é uma das

funções do ornamento, aponta Giulio Carlo Argan (2000).

Do ponto de vista simbólico, a decoração, historicamente, tem a função de

adequar o objeto também semanticamente à sua função. Segundo o

Diccionário de termos de Arte e Arquitectura (SILVA e CALADO, 2005), o termo

‘decoração’ vem do latim ‘decoro’ e está ligado à adequação de objeto a

função, a partir de sinais visíveis ou elementos simbólicos. Decorar o objeto é

dar-lhe estes sinais, de tal modo que sua forma e sua função se correspondam.

Assim, as formas dos palácios e das igrejas têm sido reconhecíveis ao longo

do tempo (SÁ, op.cit).

Mas a aplicação da decoração vai além da arquitetura. A arte decorativa,

hoje, está sempre associada à produção de objetos para a decoração

doméstica ou de ambientes internos, abrindo outra divisão de significado para a

decoração.

Em Arts and crafts of South América, Lucy Davies e Mo Fini (DAVIES e

FINI, 1994) apontam a diferença entre o que chamam de artesanato nativo e o

popular a partir da relação que o primeiro estabelece com a vida cotidiana,

enquanto o segundo é produzido para o comércio. Segundo eles:

o artesanato nativo revolve em torno de simples necessidades,

muitas vezes necessidades domésticas, sem grandes

aspirações: decoração para a casa, roupas, para o preparo da

comida ou [instrumentos] para música, atividades que são

inseparáveis da experiência de estar vivo e ser parte de uma

‘comunidade. No máximo, há neles uma qualidade especial

que transcende o tempo, o lugar e o ‘gosto’, e que fala

diretamente à alma. (op. cit., p.8)

Por sua vez, o artesanato popular (voltado para o comércio) é mais

atraente, mas também tende a perder muito da sua característica inicial de

utilitário, e seu papel passa a ser mais decorativo que funcional (Idem). Esta é

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uma diferença marcante entre o ‘decorativo espúrio’ e o decorativo decorrente

da atividade criativa. Paim (op.cit.) também aponta uma separação entre o

ornamento e o decorativo, apoiando-se na longa tradição da controvérsia

‘forma X função’, começada pelo inglês John Ruskin, que criticava a

reprodução mecanizada dos ornamentos; e que vai culminar com o arquiteto

Adolf Loos, que renegava qualquer ornamento, por entender que seria uma

forma de exploração do trabalho, ao mesmo tempo em que seria um retrocesso

ao período pré-industrial da humanidade.

Desta forma, o significado do termo ‘decorativo’ hoje, muitas vezes tem

conotação pejorativa, sempre que o que se pretende é a pureza do desenho,

com intenção de enfatizar a função meramente operacional do objeto ou

construção, ou quando esta decoração não vem do trabalho rico e variado do

artista ou artesão na estrutura, mas aplicada sobre ela.

Apesar das discussões quanto às diferenças entre arte, ornamento e

decoração, alguns livros igualam os dois últimos, enquanto outros acreditam

que os dois primeiros são indissociáveis 4.

O dicionário de Borrás e Fatás (2000) assim define ‘decoração’:

Decoração – ornamentação – o conjunto dos elementos de

uma obra de arte que se dirigem diretamente aos sentidos, tais

com a cor e o tom. Ou que diretamente suscitam sensações

imaginativas, como a forma e o movimento.

Quanto aos termos ‘decorativo’ e ‘decorativismo’, ‘ornamental’ e

‘ornamentação’, as definições são, respectivamente:

Decorativismo – predomínio, em uma escola ou obra de arte,

do ornamental sobre o estrutural.

Decorativo – que contém decoração, que decora

- que não tem papel construtivo.

4 Ver em PAIM, (2000), um bom apanhado das discussões acerca da evolução das formas dos ornamentos, a relação e as propostas de diferenciação entre arte, ornamento e decoração ao longo do tempo e pelo discurso dos maiores estudiosos e comentaristas sobre o assunto.

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Ornamental – elemento ornamental é aquele que

desempenha um papel embelezador, sem exercer funções

arquitetônicas de descarga, suporte etc.

Ornamentação – conjunto de elementos secundários que

contribuem para o embelezamento de algo.

E do dicionário de Silva e Calado (2005):

Decoração – ato de decorar. Ornamentação que completa o

ambiente arquitetônico. Compreende cor de paredes,

escultura, móveis, cortinas, tapetes etc, que integram a

arquitetura como espaço organizado.

Artes decorativas – em oposição à arte que não visa senão

criar uma beleza sem qualquer preocupação utilitária, é a arte

aplicada à dimensão da vida. Chama-se também arte

industrial. Compreende a indústria do mobiliário, trajes,

ourivesaria, cerâmica etc., que se classificaram outrora com o

tempo pejorativo de artes menores.

Arte aplicada – designação dada às artes decorativas, ou

seja, aos objetos que conjugam funcionalidade com uma

intenção estética (bronze, ferros, mobiliário, jóias etc.) 5.

Ornato – elemento decorativo usado para valorizar

esteticamente uma obra de arquitetura. Ornamento.

O termo ‘arte decorativa’ pode admitir duas leituras: é uma arte usada

para a decoração de ambientes – como mobiliário, objetos, revestimentos; e

uma arte usada para decorar estes artefatos empregados na decoração. Isto é,

pode ser uma arte aplicada sobre os objetos, como também uma arte que não

é voltada para si, ou cujo fim é ela mesma, voltada para a produção de objetos

de uso cotidiano, portanto, com aplicação no sentido prático.

5 No verbete ‘artes’ estão como ‘artes menores’ (Silva e Calado, op.cit.)

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Portanto, ornamento e decoração são termos intercambiáveis, que

descrevem elementos não estruturais numa obra de arquitetura, arte ou design,

usados para o embelezamento ou para complementar o todo de uma obra,

artefato ou ambiente, no sentido de produzir sensações (movimento, alegria,

conforto visual etc.). Adotaremos aqui estas definições, com uma ressalva:

consideraremos que ‘estrutura’ e ‘construção’ nem sempre estarão

relacionadas apenas à constituição material do artefato. Em particular, quando

se fala em comunicação, todo elemento envolvido na obra ou mensagem é

parte da estrutura e construção; sem o qual, o produto final perderia sua razão.

1.1 – Design e alienação

A produção de bens manufaturados ao longo da história seguiu de perto o

processo de criação e concentração dos meios de produção artificiais - as

ferramentas. Na medida em que essas ferramentas foram substituindo o

trabalho e a metodologia de divisão do trabalho em tarefas atomizadas e

destituídas de complexidade foi se tornando mais rigorosa, o conhecimento

passou a ser cada vez menos necessário para o trabalhador treinado (WEBER,

1968; HUBERMAN, 1976). Ao longo desse processo, o trabalhador perde o

controle sobre os meios de garantir sua sobrevivência e se separa em definitivo

do resultado do seu trabalho, num processo denominado, por Karl Marx, de

'"alienação do trabalho" (HUBERMAN, 1976; MARX, 1980).

No que concerne à metodologia, observa-se que a produção de objetos

tem contado com a divisão social do trabalho desde tempos imemoriais e varia

de cultura para cultura. Ao mesmo tempo, de acordo com Rafael Cardoso,

Se é difícil precisar a data em que teve início a separação

entre projeto e execução, é bem mais fácil determinar a época

em que o termo designer passou a ser de uso corrente como

apelação profissional. O emprego da palavra permaneceu

infreqüente até o início do século 19, quando surgem

primeiramente na Inglaterra, e logo depois em outros países

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europeus, um número considerável de trabalhadores que já se

intitulavam designers, ligados principalmente, mas não

exclusivamente, à confecção de padrões ornamentais na

indústria têxtil (DENIS, 1996, p. 62).

Em fases sucessivas, desde o período medieval, o trabalho passou do

sistema de subsistência ao emprego assalariado da Revolução Industrial 6.

Enquanto as necessidades de consumo de utensílios dos grupos mais

abastados podia ser feito por especialistas, para a população em geral,

portanto, para o usuário comum, primeiramente, o que se tinha era o sistema

familiar, com o trabalho sendo feito em casa pelos membros da família, para

subsistência. Com a consolidação do sistema de corporações, há uma

hierarquização do trabalho, de acordo com o tempo e a experiência do artesão.

No sistema doméstico 7, já havia um mercado organizado e controlado

por um mercador, que dominava esta relação, desde a ponta da compra de

matérias-primas até a venda da mercadoria. O trabalho já era assalariado,

mas, até então, os trabalhadores ainda detinham a propriedade das

ferramentas de trabalho e conhecimento dos processos, relativo ao nível

hierárquico no qual se inseriam.

No sistema de manufaturas, já no século XVI, começaram a surgir as

primeiras fábricas, onde os trabalhadores eram reunidos num local específico,

sob o comando de um diretor de fábrica. Não eram mais trabalhadores

independentes como nas oficinas que, geralmente, eram parte de suas casas.

No entanto, mesmo com a existência de máquinas, como tear e prensa, esta

última já bastante desenvolvida, neste período, o trabalho ainda era feito sem a

ajuda de energia não humana (Idem).

Assim, a manufatura era uma combinação de "ofícios autônomos" em

que

6 Isto é observado, sem interrupções, em países como Inglaterra e Bélgica, apenas. Outros países foram sendo incorporados ao sistema capitalista, por meio de “queima de etapas”, muitas vezes passando da economia agrária diretamente para a indústria. 7 Ou putting out. Diferente da produção familiar do trabalho mencionada antes, neste caso, o trabalho era feito em casa, para o atendimento de uma demanda externa.

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[...] uma carruagem era o produto global do trabalho de grande

número de artífices independentes, tais como segeiro, seleiro,

costureiro, serralheiro [etc] (Idem, p. 267).

Além disso, o trabalho era feito num sistema de cooperação 'simples'.

Os artesãos (ou artífices) trabalhavam fazendo o que sabiam fazer por

completo, ou seja, ainda que passassem a fazer apenas parte do todo, se

tivessem que fazê-lo por inteiro, saberiam fazê-lo. Seriam capazes de produzir

uma peça inteira, uma carruagem completa, por exemplo.

Por volta do século XVIII, surgiu o sistema fabril, propriamente. A divisão

do trabalho se aprofundou e, a partir de então, o trabalhador perdeu o controle

sobre o produto final, se encontrando numa situação de alienação: já não mais

detinha a posse dos meios de produção de sua subsistência, seja dos

instrumentos de trabalho, seja do conhecimento necessário à produção.

À medida que o sistema manufatureiro se desenvolvia, o trabalho se

descaracterizava como uma atividade exclusivamente humana. Da mesma

forma, o homem se descaracteriza nele. Se assumirmos que antes o ser

humano dominava o produto do seu trabalho e nele se projetava, a partir de

agora ele se projeta em partes, ou seja, apenas na parte do produto que faz e

domina (MARX, 1983).

Na história da Inglaterra, eventos cruciais de natureza econômica,

política, tecnológica e cultural determinaram que fossem criadas as condições

necessárias para o desenvolvimento do sistema de trabalho fabril, isto é, em

regime de fábrica. Esta reunião de trabalhadores em um lugar especializado

para a produção culminou no que se conhece como a 1ª Revolução Industrial.

Como vimos, a produção, até então, era primordialmente caseira e, com a

transformação nas relações de trabalho, a partir do que foi chamado de putting-

out, a Inglaterra entrou no período da 1ª Revolução Industrial. Houve uma

distribuição do trabalho pelas casas, sendo que o controle deste produto

passou a ser feito por um capitalista que fornecia a matéria prima e ficava com

toda a produção, que ele mesmo iria distribuir/comercializar.

A substituição do trabalho caseiro por aquele concentrado em fábricas

aconteceu, portanto, mais tarde, primordialmente quando as ferramentas

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começaram a ganhar tamanho e complexidade, tornando-se mais caras e

definitivamente alijando o trabalhador do controle das suas condições de

trabalho. As máquinas/ferramentas passaram a se concentrar nas fábricas e

tornaram-se propriedade do capitalista. Assim, o trabalhador, aos poucos,

perdeu o controle sobre as condições em que produzia sua subsistência.

Como foi comentado, o final do século XVIII trouxe a disseminação da

fabricação em série sob o modo de produção capitalista, com o final da

manufatura e a adoção da fábrica como sistema de trabalho.

Se a tecnologia permitiu um melhor acabamento para os produtos, e

aumentos da produtividade (ou seja, aumento da produção por unidade ideal

de trabalho - medida em tempo ou em salários), é pela metodologia que o

designer começou a surgir.

À medida que o sistema manufatureiro se desenvolvia, o trabalho se

descaracterizava como uma atividade exclusivamente humana. Num

movimento duplo, dá-se a alienação do trabalhador com relação ao produto do

seu trabalho - a máquina deixa de ser um auxiliar no trabalho e passa a ser um

substituto-, ao mesmo tempo em que tarefas cada vez mais simples passam a

não permitir ao trabalhador uma visão, ou mesmo controle, integral do

resultado da sua ação. Assim, o homem também se descaracteriza: se

assumirmos que antes o ser humano dominava o produto do seu trabalho e

nele se projetava e, a partir de agora, ele se projeta em partes, ou seja, apenas

na parte do produto que faz e domina (MARX, 1983). À medida em que o

trabalhador manual, ou aquele empregado na "execução", vai perdendo uma

visão do produto acabado, crescentemente vai surgindo a necessidade de

alguém que venha a ter esta função: surge o espaço para a ação do designer.

O exemplo, segundo Rafael Cardoso Denis, da Wedgwood, bem serve aqui:

Em 1750 já era comum nas fábricas de cerâmica empregar

modeladores, ou seja, indivíduos responsáveis apenas pela etapa de

configuração formal de peças, [o que] centralizava o controle sobre os aspectos

mais decisivos do processo produtivo (CARDOSO, 2000, p. 23).

Aquele processo aprofundou o distanciamento entre o trabalho e seu

produto, pois parte do resultado final estará definitivamente fora do controle do

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trabalhador e, neste caso, estamos falando da função de acabamento, de

identidade. Segundo Cardoso, o próprio Wedgwood, à época, teria percebido

que "o maior fator de diferenciação dessas peças estava nos motivos

ornamentais que ostentassem".

Se for verdade o que diz Villém Flusser (FLUSSER, 2007), a saber, que

o sapateiro não faz apenas sapatos, mas faz-se sapateiro no seu ofício, vale

concluir que, com a divisão social do trabalho e a crescente especialização, o

trabalhador cada vez menos percebe em quê se tornou, após concluir seu

processo produtivo.

Annamaria Moraes, em artigo sobre a relação do usuário com o objeto,

aponta uma separação histórica entre dois aspectos do objeto: o objeto técnico

e o objeto estético. Esta separação levaria a uma perda do significado do

objeto no cotidiano do usuário e teria surgido a partir de um isolamento

deliberado da arte com relação à produção, com vistas à simplificação da

produção e conseqüente obtenção de lucro maior 8. Assim,

a estética funcionalista do design presume que a produção

individual satisfaça sempre melhor as necessidades sempre

mais diversificadas. Reduzindo a forma do objeto ao

significado de sua função utilitária e sua eficácia técnica, a

estética individual reduz os compromissos pessoais e os

enfoques simbólicos aos quais os objetos estéticos estavam

ligados. Por outro lado, ao fazer os jogos variados de uma

combinação onde se reorganizam sem fim os signos de uma

funcionalidade técnica que se pretende rigorosa e sempre em

progresso, o design faz entrar a renovação das formas no

processo econômico e ideológico da moda. O ideal de um

aperfeiçoamento ao mesmo tempo técnico e formal passa a

ser álibi da lei do aumento dos rendimentos e da aceleração

da produção (MORAES, 1999).

8 Com a separação entre a arte e o trabalho se dá a separação entre o belo e o útil, entre o objeto estético e o objeto técnico. (MORAES p. 162.)

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Após discutir as diferenças entre metodologia, tecnologia, ciência e técnica,

Moraes conceitua o design como tecnologia projetual, que objetiva o desenvolvimento de

produtos, com uma configuração definida, para produção em

pequena ou grande série, considerando questões de uso,

significação, desempenho, funcionamento, custo, produção,

comercialização, mercado, qualidade forma e estética, impacto

ambiental, urbano e ecológico (MORAES, 1999).

Nesta argumentação de Moraes podem-se localizar questões muito comuns no

campo do design em geral. Uma, é a perda do controle sobre a elaboração

simbólica no processo de produção industrializado, que tem o designer como

intermediário da elaboração formal. Outra é a pressuposição de que a

finalidade última do trabalho de produzir objetos se realiza no objeto. Essa

definição tem mascarado outra necessidade humana que os objetos vêm para

cumprir: a de atribuir e elaborar significados através do trabalho. Vale dizer, o

objetivo do design se materializa no objeto, mas também se completa no

trabalho.

1.2 - Desencantamento

No auge da época vitoriana, Max Weber, (1864-1920 – sociólogo, economista e

teórico da cultura) fez uma pesquisa bastante completa da evolução das

formas econômicas através dos tempos e regiões e investigou as raízes éticas

do capitalismo. Após compreender “a ânsia de lucro [como um sentimento

universal]”, se propõe a investigar

em que circunstâncias [a ânsia do lucro] se torna legítima e

suscetível de moldar, a ponto de criar estruturas racionais,

como são as empresas capitalistas (WEBER, 1968, p. 311).

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Segundo seus estudos, de todas as religiões, o cristianismo é o único a

ter a capacidade de engendrar o grande empresário capitalista. Seus preceitos

e ritos continham as limitações e possibilidades do desenvolvimento do lucro

tal qual ele é conhecido no capitalismo9 moderno: um lucro racional, baseado

na atividade “burocratizada” dos agentes.

A ética protestante seria, assim, parte da cultura capitalista. A

racionalização, a ascese e a abdicação ao prazer seriam as práticas da vida

cotidiana que se combinariam na criação das condições para o trabalho

metódico, como um fim último (em si mesmo), de acordo com o espírito do

capitalismo.

Num processo que Weber chamou de desencantamento (ou perda da

magia, para alguns tradutores)10, a religião protestante se despoja da magia, da

contemplação e dos rituais (que sempre teriam algum caráter místico), num

passo de distanciamento com relação à tradição dita oriental. Esta última

guardaria sempre espaços reservados para determinadas práticas, de acordo

com proibições “mágicas”.

Ao contrário desta, na cultura ocidental, o divino está em outra dimensão

que não a da vida. A vida diária se burocratiza e os atos levam a

conseqüências previsíveis, reguláveis, quantificáveis. O sentido religioso é

dado pela rotina e não pela magia.

Ao comparar Max Weber com outros dois estudiosos das religiões 11,

Lízias Negrão discute um ponto de discórdia de Antônio Flávio Pierucci, quanto

ao argumento de Weber. Considera uma explicação para as diferenças entre

duas sociedades ocidentais que guardam, entre si, diferenças muito grandes

9 Observe-se que o lucro, segundo Weber, sempre foi aceito e buscado, se bem que sob formas variadas com relação à limitação e natureza. Sobre esse assunto específico, em História geral da economia, ele afirma que: ”Os titulares do capitalismo moderno não estão animados de um interesse maior do que um mercador do Oriente” (WEBER, 1968, p. 311). 10 José Flávio Pierucci observa no glossário à nova edição de a Ética protestante e o “espírito” do capitalismo (In WEBER, 2004) que a tradução ao pé da letra do termo original Entzauberung ( do termo completo ...der Welt,, ou ‘desencantamento do mundo’) é ‘desmagificação’ e pretenderia para o termo “o sentido específico de repressão/supressão da magia como meio de salvação” (In: WEBER, 2004, verbete “desencantamento do mundo”). 11 Peter Berger (El dosel sagrado: elementos para una sociología de la religión) e Antonio Flavio Pierucc Secularização em “Max Weber: da contemporânea serventia de voltarmos a acessar aquele velho sentido". Revista Brasileira de Ciências Sociais, 13; e O desencantamento do mundo. Tese de livre docência, USP, 2001.

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com relação aos papéis que tiveram no mundo contemporâneo. Na passagem

seguinte está a questão central do conceito de desencantamento.

É deveras intrigante observar como a noção de um

sentido metafísico que transforma o mundo em

cosmos ordenado, quando considerado do ponto de

vista do desencantamento de mundo, tem em Weber

uma dupla entrada e, mais importante, uma dupla

direção. O judaísmo profético, quando desencanta o

mundo, confere-lhe um sentido homogêneo, tal como

explica Weber, longamente, no final da seção de

Economia e sociedade dedicada ao profeta; em

compensação, a ciência empírica moderna, quando

desencanta o mundo, retira-lhe o sentido,

transformando este mundo num mero mecanismo

causal, em cosmos da causalidade natural, conforme

dito e repetido nA ciência como vocação e na

Consideração intermediária.[...] Pode-se desencantar

o mundo ordenando-o sob um sentido que unifica,

como fez a profecia ético-metafísica, e pode-se

desencantá-lo estilhaçando este sentido unitário,

como tem feito a ciência empírico-matemática

(Pierucci, apud NEGRÃO, 2005, grifos no original).

É com relação ao que Weber aponta como os ‘fins últimos’ que se dá o

estilhaçamento de um sentido unitário. Derivam daí os argumentos de Suzi

Gablik (GABLIK, 1995), ao criticar o papel de artistas modernos ‘tardios’12 no

processo de desencantamento da arte.

No modernismo, segundo a autora, a arte teria rompido com o passado,

como um protesto em relação aos caminhos que a humanidade tomava. Gablik

acredita que deste modo a arte ou os artistas terminaram por se isolar da

12 O termo original ‘late’ é também traduzido como ‘recente’.

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realidade, abrindo mão da prerrogativa de interferir e, o que é pior, fizeram-se

simples eremitas.

Vários são os exemplos citados pela autora: Vassily Kandinski,

comentando que a arte se isolara sob a proteção da autonomia absoluta, pois

já não suportava mais um mundo em que tudo deveria ter uma razão de ser ou

uma utilidade; Robert Motherwell diria que os artistas modernos teriam

substituído os valores sociais (que já não lhes podiam servir) por valores

puramente estéticos; em instâncias ainda mais radicais, Arnold Shönberg

(1874-1951) diria que qualquer coisa que tivesse qualquer utilidade não

poderia ser arte; e Theo van Doesburg, seguindo Malevitch na reverência à

forma do quadrado 13, teria dito: “o quadrado é para nós o que a cruz foi para

os primeiros cristãos” (GABLIK, 1995, p. 21).

A diferença entre este grupo e os artistas modernos tardios (do período

entre 1960 e 1970) é que, segundo Gablik, os últimos começaram a produzir

exemplos cada vez maiores de um formalismo auto-referenciado, que nega à

arte abstrata qualquer papel de dissidência ou de sentido dentro do quadro da

sociedade.

Com relação aos pintores de sua época, em particular os que conseguiam

alguma expressão no mercado e “rodeavam” o crítico Clement Greenberg, ela

afirmava, ainda, que não “guardam qualquer pretensão revolucionária.”

(GABLIK, 1995).

O que mais interessa aqui é a afirmação de Gablik de que a relação de

comunicação entre o pintor e o observador (ou a audiência) deixou de ter

importância. Essa produção que se satisfaz na ausência da comunicação,14

termina por ser individualista, e vai ocupar o centro da sua crítica, quando a

autora explicitamente estabelece uma relação entre seu pensamento e a idéia

de “desencantamento” em Weber:

Segundo a interpretação de Gablik, a função da arte é esvaziada junto

com o seu conteúdo, e sua crítica é cooptada, quando o objeto de arte vira

13 Malevitch colocou uma tela, cuja única figura era um quadrado negro (Quadrilátero negro sobre fundo branco) na posição geralmente ocupada pelo ícone na casa tradicional russa. 14 Em oposição a “social” ou grupal, como na arte primitiva ou na arte comunitária que ela vai defender mais adiante, no seu livro.

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mercadoria, uma vez que “a cultura de massas burocrática assimila as formas

subversivas de arte e as despe de sua força antagônica.” (Idem, 1995, p. 46).

Numa recaída ruskiniana15, Gablik comenta que na sociedade medieval a

arte que servia à religião, e mesmo a arte primitiva, nunca seria pessoal: “ela

não reflete um ponto de vista privado, não é inovadora ou produzida para um

mercado.” (Idem, 1995, p.47).

Estes sistemas de produção de arte (na falta de uma expressão melhor)

teriam o papel de exaltar sua cultura, sua sociedade, que, por sua vez,

reconhecer-se-iam representadas e este seria o papel da arte: reafirmar a

ordem social. Qualquer preocupação com a “ordem” social teria sido

abandonada ou desprezada pela arte ocidental na produção mais recente.

Enquanto para a arte, até o modernismo, havia o papel de projeção de

uma identidade da sociedade, para os primeiros modernos ainda havia um

papel de transcendência para a arte. E, até os expressionistas abstratos, os

artistas “ainda se consideravam pertencentes a um subterrâneo espiritual que

os ligaria a Malevitch ou a Kandinsky” (Idem, p. 22). A sociedade

contemporânea estaria apoiada num vazio absoluto de valores, muito além de

já não possuir valores comuns.

A preocupação inicial de Gablik é menos com o fato da arte não mais

representar a sua época ou lugar ou cultura, mas com o fato de que,

deliberadamente, a arte do modernismo tardio causava “desconfiança.”

Por que, na sociedade moderna, a arte cultiva desconfiança –

por que parece ser calculada para provocar e desconcertar, e

fazer com que as pessoas se sintam incomodadas? (GABLIK,

1995, p.14).

Segundo ela, isto deve estar associado a determinados padrões de

funcionamento do mercado da arte na sociedade capitalista, ou seja, o artista

aceita seu papel de mercadoria ao aceitar ser dominado pelo sistema da arte,

que determina um processo para a inserção no mercado.

15 Relativo ao crítico inglês John Ruskin e suas idéias de revivalismo medievalista, que serão discutidas em maior detalhe mais adiante, nos outros capítulos deste trabalho.

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A única exceção seria o chamado “artista da comunidade”, que atende ao

grupo em vez de “esperar ser descoberto” no seu sono de “Bela Adormecida.”

(GABLIK, 1995, p. 29).

Assim, os valores materiais e racionalistas, como os descreveu

Weber, teriam prevalecido sobre os valores espirituais e a arte, como

uma das atividades 16 na sociedade ligadas ao culto destes valores

(produção, preservação, transmissão) teria perdido sua razão de ser.

A partir daí, Gablik defende o retorno do “impulso religioso” e da

transcendência como um meio para resolver a falta de comunicação da

arte com o público, com a sociedade, com o vazio do seu conteúdo e

superar a “terrível limitação da secularização moderna.” (GABLIK, 1995, p.93).

A autora busca uma visão sagrada que seja de uma arte “sacramental”.

Ela sugere que se reconquiste o ritual de produção do sagrado através da arte,

em

“um estilo visionário de conhecimento, distinto de um que seja

teológico ou factual, um tal que permita “ver” o divino no

humano, o infinito no finito, o espiritual no material. Essa visão

sacramental, que suporta nossa visão do Absoluto, nunca

poderá ser completamente extirpada […]; pode apenas ser

diminuída. Por mais que a ignoremos, camuflemos ou

degrademos os elementos sagrados da arte, eles sobreviverão

no inconsciente.“ (Idem, 1995, p. 32).

Aqui, Gablik clama pelo uso ou aplicação de sinais sagrados, o que

seria “uma tarefa ainda mais urgente para um artista em tempos de

estranhamento do símbolo e do sacramento”.

A falta do que Gablik chama ‘sinais de significação última’ seria

conseqüência da desvalorização da arte, na nossa “cultura dos objetos

transitórios e comerciais”.

Talvez seja possível o reencantamento da arte a partir de uma forma

específica – como a narrativa ou a simbólica; ou de um modo de produção 16 Junto com a religião e os demais rituais.

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específico – em que o artista seja independente, assim produzindo uma arte

independente, com seu afastamento do mercado das artes. Mas, talvez, ainda

seja possível buscar a função da arte menos no objeto feito e mais no processo

da sua feitura. Assim, o reencantamento na arte seria função menos do

conteúdo ou em alguma mensagem analisável pela semiótica ou por qualquer

outro instrumento hermenêutico. Seria muito difícil explicar porque um quadro

de Rothko, que é uma obra de arte abstrata, é de fato comovente17, sem apelar

para os elementos formais da composição. Até porque, por motivos diferentes

e para pessoas diferentes, são comoventes outros trabalhos de linguagens

diferentes. Mesmo a absoluta indiferença provocada por alguma outra obra

pode ser o real significado do seu sucesso. A arte engaja o artista e o

observador num processo que, tudo indica, vai além do contato e da

imaginação. Mas não se podem separar procedimento.e forma.

1.3 - Fetiche

O termo fetiche remonta à palavra feitiço, que quer dizer “coisa feita” e refere-

se à adoração de objetos: “adoração de objetos [...] aos quais se atribuem

poderes sobrenaturais[...]”, designação de artefatos supostamente imbuídos de

poderes mágicos e espirituais (CARDOSO, 1998). Daí se pode concluir: o

fetiche nada mais é que um resultado da relação diária e mundana com todos

os objetos.

Segundo Rafael Cardoso, três são os mais conhecidos sentidos para o

emprego da palavra fetichismo: 1) um tipo de culto religioso em que se atribui

aos objetos poderes sobrenaturais; 2) um aspecto da teoria econômica que

explica a atribuição de um valor transcendental a certos objetos

(mercadorias)18; 3) um comportamento. Deles se percebe a relação do fetiche

com a atribuição de significado ao objeto:

17 Segundo a autora, o artista Mark Rothko contou que observadores já se declararam comovidos diante de seus quadros (GABLIK, op.cit., p. 22). 18 Em Karl Marx, o conceito de fetichismo da mercadoria revolve em torno do fato de ‘esconder’ que sua finalidade última é o lucro e não o uso. De forma análoga, a finalidade última de todas

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É evidente o que essas três acepções têm em comum: em

todas, fetichismo é o ato de investir os objetos de significados

que não lhes são inerentes (grifo do autor). É a ação

respectivamente espiritual, ideológica e psíquica de

acrescentar valor simbólico à mera existência concreta de

artefatos materiais, ou seja, de dar uma outra vida, estranha,

às coisas [incluí-las] na nossa humanidade e, ao mesmo

tempo, de conectarmo-nos à sua natureza essencial e ao que

supomos que seja a sua essência mística.

[...] a atividade do design dá continuidade ao processo [...] de

investir os objetos materiais de significados alheios à sua

natureza essencial (CARDOSO, 1998, p. 29).

Assim, Cardoso pretende chegar à definição das diversas funções do

objeto, entre as quais está incluída “a especial função de ser signo”.

Indo além na sua análise, Cardoso desdobra o significado do termo

‘feitiço’: se relaciona ao particípio passado ‘feito’, no sentido de ‘coisa

feita’ [...] relação feitiço, arte , design e artefato: feito com arte,

com a idéia de enganar a alguém

Então, para um esboço de definição:

o design é, em última análise, um processo de investir os

objetos de significados, significados estes que podem variar

infinitamente de forma e de função, e é nesse sentido que ele

se insere em uma ampla tradição de “fetichista”.

as atividades humanas sob o modo de produção capitalista é a produção do lucro e a reprodução do sistema. Assim, relações sociais em operação no processo estão escondidas. Nas trocas, o que se vêem são relações entre coisas, quando, na verdade, o que se têm são relações sociais.

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Cardoso chega então no ponto a partir do qual desenvolveremos nossa

própria trajetória no sentido da discussão do decorativismo e seu significado na

relação sujeito-objeto:

Se o fetiche é atribuído aos objetos, isso não deve se dar apenas

por uma necessidade religiosa mística, mas talvez por uma

habilidade anterior, que é aquela de relacionar-se, ou ainda, de

atribuir valores.

Segundo Cardoso, o papel “artificioso” da atividade do design

não deve ser esquecido.

O que eu quero enfatizar é que o esforço histórico do

design para afastar-se do sentido artesanal e

individualista da tradição artística ocidental e acercar-se

de uma pretensa objetividade científica e tecnológica,

acarretou [...] uma relativa perda de consciência do teor

artificioso do campo, [...] não quero dizer que não passa

de uma espécie de artifício, [...] mas recuperar o sentido

mais primitivo da palavra artifício [...] O artifício

consistiria em “dar forma às idéias: em gerar o fato

material e concreto a partir de um ponto eminentemente

imaterial e abstrato. O que distingue o design de grande

parte do artesanato, da arte e – presumo eu – da magia,

é que no design o fato material (factum) que se pretende

gerar não é feito (factus) pelo mesmo indivíduo que deu

início ao processo ao conceber a idéia. Quero sugerir,

portanto, que a atividade do design caracteriza-se mais

como um exercício de processos mentais

(artifício/engenho) do que de processos manuais (artes

aplicadas ou plásticas, propriamente ditas) e, tanto

assemelha-se ao fetichismo, que também forja uma

ligação entre o imaterial e o material, sem passar

necessariamente pela feitura (CARDOSO, 1998, p. 30).

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Se Cardoso aponta para este aspecto da atividade do design

para discutir a função que esta tem de atribuir significados aos

objetos, também seria o caso de discutir-se o fato de que atribuir-lhe

significado, no sentido que apontou Gablik, também é trazer o objeto

para perto do usuário.

O que é de interesse, aqui, é exatamente o fato de que, com a

alienação, aprofunda-se a separação que já existia entre aquele que

usa e aquele que faz. E com a separação entre aquele que faz e

aquele que projeta – e pode-se dizer deste último que coloca de si,

projetando-se no objeto - há uma perda de significação autêntica/de

autenticidade, de identidade do autor, em que este não fala de si, não

comunica nada de si para aquilo que o identificaria.

Portanto, no ato de projetar, o indivíduo que o faz não somente projeta

uma forma ou um objeto, mas necessariamente também se projeta naquela

forma ou naquele objeto. Inevitavelmente, a coisa projetada reflete a visão de

mundo, a consciência do projetista e, portanto, da sociedade e da cultura às

quais o projetista pertence. Aí está a questão chave da cultura material: toda

sociedade projeta (investe) na cultura material a sua história, portanto, os seus

anseios ideológicos e/ou espirituais. Se aceitamos esta premissa, podemos

dizer que é possível conhecer uma cultura, pelo menos em parte, através do

legado de objetos e artefatos que ela produz ou produziu.

O fetiche também pode ser considerado como um resultado natural da

“habilidade” humana de atribuir significado: é da natureza humana. Em A oleira

ciumenta, Claude Lévi-Strauss sugere que a estrutura mental humana está

aberta para este tipo de ‘relacionamento’ com o mundo. A ausência desta

habilidade, por fim, impossibilitaria a cultura, de maneira extensiva. Por seu

turno, a cultura seria uma decorrência desta faceta natural da maioria dos

humanos: uma predisposição para travar relações.

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1.4 – Religação

O mesmo processo pelo qual se dá a alienação do trabalho com relação a

seu produto ou a perda da possibilidade da sua projeção em um objeto é o que

dá margem à separação entre o designer, o trabalhador e o usuário.

Uma das conseqüências observáveis desta separação é a perda de

sentido da produção da arte, o afastamento da arte da vida cotidiana e,

portanto, da arte com relação à cultura, tendo esta o sentido de um sistema de

valores (materiais e imateriais) de uma sociedade. A esta perda Max Weber

chama ‘desencantamento’.

O designer é um fetichista na medida em que atribui significado aos

objetos. A fetichização dos objetos, no entanto, ao ser feita pelo designer na

sociedade secular capitalista, isto é, numa sociedade que atribui valores sem

sentido cultural (se aceitarmos as conclusões de Weber para aqueles que vão

interagir com ele).

O processo de produção com as novas tecnologias, ao aproximar o

usuário do papel de designer e trabalhador, cria oportunidades de

transformação do perfil de cada um dos fatores do trinômio designer-

trabalhador-objeto, tanto por aproximação como por religação.

A religação (que possivelmente está na base da palavra ‘religião’, a partir

do latim ‘re-ligare’)19 é uma das conseqüências da religião: a religação com o

divino, de quem nos teríamos separado, seja pela desunião entre homem e

Deus, seja na idéia de separação tempo-espaço, ou qualquer outra situação de

separação com relação a uma condição original, total ou una.

Esta situação de religação é aquela pela qual clama Gablik: para que o

artista reencontre a ligação original entre arte e vida. Neste processo, situações

e ritos originais se repetem, em particular nas artes, estabelecendo e

renovando o vínculo entre a idéia e a práxis.

Segundo Gilberto Paim (2000), num processo de

‘reencantamento’, os ornamentos.

19 Para uma discussão sobre a etimologia do termo, ver Comte-Sponville, verbete ‘religião. Ali, o autor comenta que duas das possivels origens do termo são ‘duvidosas’, sendo esta (renascimento-ligare) uma delas..

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deixam de ser ‘belezas livres’ - formas puras

emancipadas da representação – que lhes foi

prometido pela filosofia de Kant, para participar

intensamente da vida humana e reconquistar a sua

dimensão material (Op.cit., p.11),

Assim, seguem seu caminho e surgem como a manifestação do

contato direto entre o ser humano e o objeto. O ornamento seria uma

forma de reencantamento do mundo, que se realiza pela via da fruição, do

convívio com a arte e pela elaboração no trabalho.

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2 – Da era dos objetos à era dos projetos

Figura 1: A vida na era vitoriana – 1(a) - a rainha Vitória; 1 (b) - sua sala particular; 1 (c) – sala típica de residência de trabalhadores durante a época vitoriana Fontes: 1 (a) – Retrato da rainha Victoria (Alexandrina Victoria, 1819-1901), rainha da Inglaterra (1837-1901). Fonte:http://en.wikipedia.org/wiki/Victoria_%28name%29 1 (b) - “A vida em torno de objetos: A sala de estar particular da Rainha Vitória, no Castelo de Windsor”. Fonte: HOBSBAWN, 1979. 1 (c) - “Quadro familiar do proletariado em 1861”. Fonte: Id.loc.cit..

Ao apresentar uma foto (fig.1-b) de uma sala da rainha Vitória (fig. 1-a)20

em seu livro A era do capital (1979), o historiador inglês Eric Hobsbawn

chamou-a de “A vida em torno de objetos”. Este título poderia ser estendido

para o resto do seu livro, caso o autor se deixasse levar pela ilusão fetichista,

que atribui aos objetos a finalidade última da existência do capitalismo 21 (ver

20 A Rainha Vitória da Inglaterra reinou durante o auge da Revolução Industrial. O período de seu reinado é conhecido como Era Vitoriana, durante a qual o império britânico se expandiu, tornando a Inglaterra a grande potência mundial do seu tempo, tanto militar, como economicamente.

21 Ver nota anterior, no. 18.

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nota nº.18) . Um engano assim não seria difícil para um observador menos

atento.

A sala da rainha Vitória é um exemplo eloqüente do modus vivendi da

classe dominante no final do século XX, e a rainha era, e continua a ser,

emblema da Revolução Industrial. Hobsbawn descreve com detalhes a importância dos objetos no “mundo

burguês”:

No “mundo burguês”, como foi descrito por Hobsbawn em detalhes, para

que se pudesse entender a importância dos objetos para aquele grupo social

a impressão mais imediata do interior burguês de meados do

século [XIX] é a de ser demasiadamente repleto [de] uma

massa de objetos, frequentemente escondidos por cortinas,

toldos, tecidos e papéis de parede, e sempre muito

elaborados, fosse o que fosse. Nenhum quadro sem uma

rebuscada moldura, nenhuma cadeira sem tecido de

proteção... (HOBSBAWN, 1979, 242).

Portanto, não era apenas a sala da Rainha Vitória que exibia a opulência

da época; isto era necessário, como analisa o historiador, porque

os objetos eram mais do que meramente utilitários ou

símbolos de status e sucesso. Tinham um valor em si mesmo

como expressões de personalidade, como sendo o programa e

a realidade da vida burguesa, e mesmo como transformadores

do homem (Ibem, ibidem).

Rafael Cardoso afirma que o design, neste processo, contribuiu para

“projetar a cultura material e visual da época”. No entanto, não havia, segundo

ele “uma consciência do design como campo profissional”, o que teria

acontecido aos poucos, por conta do que descreveu como o ”reconhecimento

proporcionado pelo consumidor moderno que projetou o designer para a linha

de frente das considerações industriais” (CARDOSO, 2000, p. 64).

Mais adiante, na história do design e à medida que esta “consciência” do

campo se aprofunda, o design passa a ser motivo da cobiça pelos objetos, até

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que, finalmente, o próprio projeto passa a ser uma mercadoria em oferta no

mercado. Primeiro, o produto deixa de ser apenas um objeto e passa a

incorporar serviços, sempre que possível (MANZINI, 1993). Esse processo de

reinvenção da mercadoria se dá continuamente e é necessário à sustentação

do sistema.

Como lembrou Cardoso, a Revolução Industrial foi um processo de

mudanças tecnológicas e metodológicas, que redundou na

criação de um sistema de fabricação que produz em

quantidades tão grandes e a um custo que vai

diminuindo tão rapidamente que passa a não depender

mais da demanda existente mas gera o seu próprio

mercado (CARDOSO, 2000 p. 18).

Parte do processo de retro-alimentação entre oferta e demanda vai

depender, primeiramente, daqueles mesmos objetos que começaram a

abarrotar a vida cotidiana. Aos poucos, os objetos passarão a contar com ajuda

destes novos ingredientes (do design) no processo de ‘aliciamento’ do

consumidor.

Observe-se que, inicialmente, as camadas populares não são

incorporadas a este mercado emergente. Hobsbawn afirma que em 1857,

a economia de massa ainda repousava no futuro, exceto

talvez nos Estados Unidos (...) o mercado doméstico dos

pobres, ainda não engrossado por camponeses e pequenos

artesãos, era desdenhado como base para qualquer avanço

econômico espetacular que fosse (HOBSBAWN, 1979 p. 53).

A tecnologia até então desenvolvida era responsável por baratear

produtos manufaturados, processo auxiliado por descobertas de novas fontes

de matérias-primas e de alimentos. No entanto, o custo de vida ainda não caía

na mesma razão: os salários eram demasiado magros para que se fizesse

perceber algum benefício. Desta forma, o poder de compra dos trabalhadores

ainda não servia como mola propulsora da produção. Assim, só algumas

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décadas adiante, com a incorporação dessa população ao consumo, sua ávida

demanda por objetos baratos virá a ter um efeito determinante sobre a

valorização da atividade do design.

2.1 – Euforia produtiva e 1ª Depressão

Eric Hobsbawn apresentou diversas estatísticas significativas do

desenvolvimento econômico do período Vitoriano (1837-1901). O primeiro

período de industrialização propriamente dito foi chamado por ele de “A grande

expansão”, a qual ele descreve com expressões superlativas como “desmedido

avanço econômico”, “boom espetacular” e “expansão extraordinária” (1979).

Assim, entre os anos de 1848 e 1870, “o mundo tornou-se capitalista e uma

minoria significativa de países ‘desenvolvidos’ transformou-se em economias

industriais” (ibid., p. 49).

Com relação às máquinas, em particular, o crescimento do seu emprego

foi considerável em praticamente todos os países europeus, sendo um exemplo

impressionante o da Áustria, que teve um aumento de 1500% no período entre

1852 e 1875. Outra medida elucidativa daquele desenvolvimento é o uso do

vapor, que na Holanda, por exemplo, cresceu 30 vezes no mesmo período

(ibid., p.60).

Outra estatística interessante é o das representações nas feiras

industriais, que começavam a acontecer, levando informações sobre os novos

produtos a todas as partes do globo (ibid., p.296). Segundo avalia Hobsbawn:

se a Europa estivesse vivendo a era dos príncipes barrocos,

teria então sido soterrada por [carnavais] espetaculares,

procissões e óperas distribuindo representações alegóricas do

triunfo econômico e progresso industrial aos pés de seus

governantes...(ibid., p. 52).

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Os números relativos a essas feiras são impressionantes, mesmo para o

século XXI: 14 mil firmas exibiram em Londres, em 1851; 24 mil em Paris, em

1855; 29 mil em Londres, em 1862; 50 mil em Paris, em 1867. A maior de

todas foi a feira do centenário da Filadélfia, em 1876, “com a presença do

imperador e da imperatriz do Brasil (...) 10 milhões de visitantes (...) pagaram

tributo naquela ocasião ao ‘progresso da época’” (HOBSBAWN, 1979, p. 52).

Segundo o historiador, as grandes exibições internacionais eram

gigantescos rituais de auto-congratulação, as grandes

exibições internacionais, cada uma delas encaixada num

principesco monumento à riqueza e ao progresso técnico

(ibid., loc.cit).

A afluência da sociedade burguesa era imediatamente absorvida em

compras, investimentos em bens e artigos de luxo em proporções inéditas, por

conta do poder de reprodução do sistema capitalista, movido a lucro e

alimentado pelo gasto (em consumo e investimentos) que ele mesmo

promovia, com pagamento de rendas e salários.

Este processo foi providencialmente alimentado pela descoberta massiva

de ouro, em meados do século XIX, e que trouxe grande liquidez para o

comércio, forçou uma baixa dos juros e expandiu o crédito.

As áreas onde o ouro foi descoberto (Califórnia, Austrália e outros

lugares) viraram grandes novos mercados, cuja população crescente, por força

de imigrações constantes, chegava a somar três milhões de pessoas, com

poder aquisitivo ímpar para a época (ibid, p. 59.).

Melhorando ainda mais as condições de comércio, barreiras institucionais

foram retiradas.

A liberação da iniciativa privada também respondeu com parte do

progresso da indústria:

Nunca houve um consenso mais esmagador entre

economistas e políticos e administradores inteligentes, no que

toca à receita para o crescimento de sua época: o liberalismo

econômico (HOBSBAWN, 1979, 55).

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As maiores indústrias do período ainda eram as de base. O tamanho das

operações era tal que, segundo Hobsbawn, “a indústria pesada produziu a

região industrial da mesma forma que produziu a companhia que englobava as

cidades”. O poderio econômico de uma empresa como a alemã Krupp 22, dá a

dimensão da economia da época. Entre 1848 e 1873, a empresa cresceu de 72

para quase 12 mil trabalhadores.

Também segundo Hobsbawn, em 1850, enquanto a Inglaterra e a Bélgica

se adiantavam economicamente à frente de seus vizinhos, em pouco tempo

foram passados para trás pelos Estados Unidos. Por volta de 1871, o quadro já

era distinto, com a Alemanha se estabelecendo como potência econômica em

toda a Europa, posição que buscou manter até o início da 1ª Grande Guerra

Mundial. De um lado, a disputa entre estas nações pelos mercados crescentes

terá conseqüências funestas para a Europa, mas por outro, serão interessantes

para o desenvolvimento da história do design como campo de conhecimento e

atividade econômica, por outro.

Desde meados do século XIX, grupos de artesãos e artistas vinham

tentando discutir o modus vivendi burguês e sua estética inadequada aos

novos tempos, pois ainda atendia ao gosto herdado do Ancien Régime.

Enquanto a nova classe afluente tinha ambição de identificação com a antiga

classe dominante, diversos movimentos vêm exigir uma nova estética e uma

nova atitude com relação ao trabalho e aos trabalhadores. É o período das grandes lojas e da pequena arte. Diz Abraham Moles:

Pequenos acontecimentos, pequenas coisas, pequenas

vontades, e pequenos pintores alemães do século XIX, dentre

os quais Moriz von Schwind e A. Menzel23 (...) no próprio lugar

de nascimento do ‘Biedemaier Stil’, do móvel decorativo que,

na falta de um estilo, propõe uma dúzia deles, todos

‘inspirados’ em alguma coisa (MOLES, 1975, p. 89).

22 A Krupp é uma empresa com quase 400 anos de existência, à época era uma empresa siderúrgica e de armamentos. Durante as guerras imperialistas, viu seu poder crescer enormemente, o que aumentou ainda mais durante as duas Grandes Guerras. Hoje é uma das grandes empresas siderúrgicas do mundo. 23 Refere-se aos pintores alemães Moritz Von Schwind (1804-1871), romântico, e Adolf von Menzel (1815-1905), realista.

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Figura 2 – (2a) Passagem (Paris) Véro-Dodat; e (2b) Henri Matisse - Figura decorativa em fundo ornamental, 1925. Figura 2a - À esquerda, foto de loja na ‘passagem’ (como eram chamadas as galerias de Paris), Véro-Dodat, s.d. (a galeria foi aberta em 1826). Fonte: Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 set. 2006. MAIS! p. 4. Figura 2b - À direita - Henri Matisse (1869-1954) - Figura decorativa em fundo ornamental, 1925. Óleo sobre tela, 131 x 98 cm, Museu nacional de Arte Moderna, Centro Georges Pompidou, Paris. Fonte: NÉRET, 2005, p.114.

O período era de deslumbramento social, com a rapidez das novidades e

o influxo de renda. Na França, as ‘passagens’ (fig.2) ou galerias que ligavam

ruas, com lojas dos dois lados, davam dinamismo ao ritmo consumista da vida

urbana24.

24 Há um grande contraste entre o ambiente das ‘passagens’ do século XIX, em que as pessoas se entregavam à confusão do meio, formado de objetos e todo o novo ambiente urbano, em que a individualidade se perde com a excitação da cidade (BAUDELAIRE, 1988); e a disputa entre a figura e o fundo no quadro de Matisse, em que a figura moderna se sustenta “hierática e quase cubista, no meio das volutas decorativas, que estão quase que esmagadas, sem profundidade” (NÉRET, 2005), prenunciando o conflito entre as a forma pura e o ornamento, ao mesmo tempo, mostrando a origem da arte moderna,

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Do ponto de vista econômico, o período entre 1840 e 1870 seria um

“interlúdio”, segundo Hobsbawn, ao fim do qual tanto a idéia de liberalismo

econômico absoluto cairia por terra, como a noção de mundo passaria a ser

muito mais abrangente, para admitir todos os pontos do planeta. “História, a

partir dali, passava a ser história mundial” (HOBSBAWN, 1979, p. 66).

Do ponto de vista político e cultural, Mário de Micheli apresenta o século

XIX como um século unido em torno das revoluções de 1848, ano em que se

deu o “ápice dessa unidade”. Toda uma geração de pessoas se sublevou

contra os valores vigentes até então, representados pela monarquia absolutista

(DE MICHELLI, 2004). A segunda metade do século XIX, para ele, foi o

interregno entre a unidade em torno da Primavera dos Povos, em 1848, e a

grande decepção, devido ao seu rápido fracasso.

Antes de tornar-se uma decepção, o liberalismo econômico havia lançado

as bases da decepção política. Segundo Hobsbawn, no período entre 1848 e

1875

... a revolução política recuou, a revolução industrial

avançou...

Tudo falhou, universalmente, rapidamente (...) A súbita, vasta

e aparentemente inesgotável expansão da economia

capitalista mundial forneceu alternativas políticas aos países

‘avançados’. A revolução industrial (inglesa) havia engolido a

revolução política [francesa] (Op.cit, p 22).

A relação entre a arte decorativa e as “belas” artes, no período, era

inevitável. Um exemplo que representa a época é o caso dos artistas Nabis 25:

a fuga da modernidade e o medo da perda da identidade eram retratados por

meio de cenas íntimas, voltadas sempre para a vida dos artistas.

que vem de uma busca da pintura não representativa, a partir do decorativismo oriental (PAIM, 2000, p. 48)

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Figura 3 - Edouard Vuillard - L’intimité, 1896. Pettit Palais, Paris. A questão da alienação se coloca nas artes numa tentativa de retomada

do controle sobre a vida. É interessante observar como o fundo do quadro

Intimidade (fig. 3) de Vuillard “engole” as figuras, que são pessoas que perdem

sua pessoalidade ao mesmo tempo em que ganham nova identidade, ao

escolher a intimidade da casa como padrão com o qual se confundirão.

A arte deste período foi considerada medíocre até pelos artistas da

época. A decepção de Van Gogh (1853-1890) com os impressionistas, que ele

considerava amesquinhados e dignos das críticas formuladas por Gauguin (de

que haviam se amansado pelo conforto de um mercado de arte que tudo

consumia), para quem a arte impressionista é “puramente superficial, toda feita

de coquetismos, meramente material, onde não reside pensamento” (DE

MICHELI, 2004, p.25).

Portanto, toda a revolução da arte moderna ainda estava por começar.

Paul Cézanne, Vincent Van Gogh e Paul Gauguin estariam digerindo a recente

derrota ideológica que, conforme descreve Mario De Micheli, foi não menos

que crucial para a formação desses três artistas e as correntes expressivas que

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concorreram para a fundação da arte moderna. Uma “partiria” do

expressionismo e outra, do cubismo (DE MICHELI, 2004). A arte já via a necessidade de unir-se ao povo. Esse é o momento em

que o artista começa a se transformar no depositário do espírito revolucionário,

mas, por outro lado, a arte era vendida como mais um símbolo de status.

Portanto, segundo De Micheli, a sucessão de decepções, a começar pelo

próprio desfecho da Revolução Francesa, com os trágicos acontecimentos que

marcaram a derrota de 1871 da comuna de Paris26, e as sucessivas crises e

guerras que se arrastaram até o meio do século seguinte, viria, aos poucos,

isolar este herói moral em um amargo desprezo pelas questões da vida

mundana. Mais algumas décadas adiante, este sentimento culminaria no

cinismo pós-moderno, a questionar, finalmente, o papel do artista como o

representante da vanguarda social.

Em 1873, precipita-se a primeira grande crise da nova era. Uma longa

depressão econômica, que durou 23 anos, entre 1873 e 1896, redesenhou o

perfil dos negócios, colocando a Alemanha à frente da economia (lugar que

ocuparia até a 1ª Grande Guerra Mundial) e definindo um novo rumo para as

artes e o design.

Essa primeira crise foi basicamente financeira. Não se compara à outra

que ocorreu já no século XX, causada pelos excessos de produção e pelo

otimismo ingênuo quanto ao sistema, seguido de um pânico inédito.

2.2 – A euforia consumista e a Grande Depressão

Nos anos que se seguiram àquele primeiro tropeço do sistema, as indústrias

passaram por um novo período de euforia global, recebendo os bons ventos da

recuperação. A economia da indústria de base começa a ceder espaço para as

26 A comuna, primeiro governo proletário, instaurado em 1871, foi derrotada de maneira cruel e violenta, e levou à morte por fuzilamento cerca de 25 mil partidários da comuna, entre eles, artistas de todas as áreas.

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indústrias ligeiras, de peças e consumo e o design vai assumir projetos cada

vez mais complexos e completos. Estudiosos, industriais e profissionais do

design buscavam uma linguagem estética que fosse a expressão da época.

A empresa comercial de bens de consumo Sears garantia que os bens

chegassem aos lugares mais ermos por meio de seus catálogos, e suas

grandes lojas maravilhavam o público nas cidades. Foi um período de paz

duradoura, ainda que houvesse conflitos entre trabalhadores e patrões. Os

objetos davam a sensação de propriedade onde quer que estivessem e a Belle

Époque trazia alegria e felicidade, dando margem aos caprichos. A pintura

imitava os ornamentos e os ornamentos a pintura.

O período entre 1875 e 1900 foi marcado pelo surgimento de escolas de

design em todos os países. A integração mundial numa economia global se

completavam e a discussão em torno de questões que envolviam aplicação de

tecnologia, maximização dos lucros, integração de massas de consumidores a

um mercado otimista passaram a integrar o discurso político dos dirigentes das

nações, diante da necessidade de não perder a corrida progressista da

economia mundial em expansão.

A busca por uma linguagem estética que correspondesse ao espírito dos

novos tempos e, principalmente, a suas novas técnicas e materiais continuava

e o Art Nouveau surgiu como um estilo de caráter internacional, com a

vantagem de atender a questão das expressões e materiais locais e, com isso,

partindo da França, se expandiu e encontrou eco em muitos países. Não só o

Art Nouveau é a arte do espírito da época, como é apontada por Abraham

Moles (a partir dos critérios que levantou), como, na sua versão alemã, o

Jugendstil, o único estilo que pode ser considerado kitsch por excelência.

É um momento marcado por grande abundância de oferta de bens de

consumo, em que o gosto do consumidor vai ser influenciado pela exuberância

da sociedade afluente da época. Eletrodomésticos começam a se tornar bens

de presença mais corriqueira no mercado, enquanto o modus vivendi caminha

para a criação de uma nova era do consumo. Adrian Forty mostra como novos

hábitos cotidianos vão ser estimulados pela cultura de

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consumo (2007), e esta, por sua vez, estimulada para atender à expansão do

lucro.

Por outro lado, Abaham Moles (1975) chama a atenção para a

importância que os objetos passaram a ter para a cultura, ao analisar o que

chamou de cultura kitsch, que iniciou seu apogeu no final do século XIX,:

As relações do indivíduo com o meio social passam, a

partir de agora e fundamentalmente, pelos objetos e

produtos transformados nas expressões mais tangíveis

da presença da sociedade em seu ambiente (ibid.,

p.12).

Em contrapartida, “cultura” passa a englobar também

todo um inventário de objetos e serviços que levam a

marca da sociedade, que são produtos do homem e

nos quais ele se reflete. A forma do prato ou da mesa

é a própria expressão da sociedade, objetos

portadores de signos assim como as palavras da

linguagem, devendo ser considerados também neste

sentido (Idem, ibidem).

O capitalismo tinha agora o mundo inteiro a seu dispor, com o apoio de

uma atitude cultural, numa sociedade que cultuava objetos que se impunham

como realidade transformadora. O que se pode chamar de uma “paixão” pelos

objetos resultou na idéia de que qualquer coisa vendável podia ser negociada.

Roger Fry, no artigo Arte e socialismo (FRY, 2002), descreve sua

experiência “estética” num café de uma estação de trem. Ele relata com

“dolorosa acuidade”, o “horrível esforço envolvido [na] ostentação” com relação

à decoração do ambiente, numa passagem que se estende longamente, e

termina antes de conseguir descrever todos os detalhes do ambiente, por

declarada pena de si de o leitor:

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Não é grande o espaço que percorro com o olhar, mas fico es-

pantado com a quantidade de "arte" que ele abriga. A parte

inferior da janela que estou fitando é um vitral; no interior de

uma borda muito elaborada [de acordo com as] convenções

do século XVIII, há um padrão de folhas de parreira amarelas

e avermelhadas com cachos de uva e, esvoaçando ao redor,

muitos passarinhos. Diante dela, há uma cortina rendada com

padrões originários de pelo menos quatro séculos e de um

número equivalente de países. As paredes, até uma altura de

12 m, há um revestimento de lincrusta walton 27 estampado

com um complexo padrão de duas cores, com dois falsos

medalhões de prata. Acima, um friso com não mais de uma

polegada de largura e, no entanto, completamente recoberto

por um descendente degenerado de um padrão guilloche

greco-romano28; obviamente este foi recortado na madeira por

uma máquina ou extraído de alguma composição, cuja

natureza permanece tão bem dissimulada que é difícil

identificar com precisão. Acima dele há um papel de parede

cuja aparência de brocado acetinado do século XVIII é obtida

pela tonalidade sombreada do papel. Cada uma das pequenas

mesas possui duas toalhas, uma delas acompanhando a

simetria da mesa; a outra, de algodão com uma complexa

decoração estampada, disposta ‘artisticamente’ em diagonal.

No centro de cada mesa, um grande vaso no qual todas as

belas características do material e de sua manipulação foram

meticulosamente obliteradas por métodos que, todos eles, im-

plicam profundo conhecimento científico e grande talento

inventivo. Em cada vaso há uma planta com grandes folhas

verde-escuras, aparentemente feitas de borracha. Esse

penoso catálogo constitui apenas uma pequena parte do

inventário da "arte" existente na lanchonete. Se prosseguisse

falando das pernas das mesas, das instalações de iluminação

27 (Nota do editor nº. 10) Uma cobertura de parede inventada em 1977, pelo fabricante de linóleo F. Walton. Era usada como imitação de lambri de madeira e couro estampado. 28 (Nota do editor no. 11) Padrão guilloche: grinalda formada por duas ou mais cintas entrelaçadas de modo a criar uma trança.

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elétrica, dos assentos de madeira das cadeiras, nos quais

uma tremenda força mecânica imprimiu profundamente um

grande e distorcido anthemion29 (Idem, p. 95).

Esta passagem está num artigo escrito publicado em 1906. A vida em

torno dos objetos também atingiu Fry, que neste mesmo período planejava as

Omega Workshops, oficinas onde artistas usariam as artes aplicadas como

meio de vida, e que ele fundaria em 1913, com o casal Vanessa e Clive Bell ,

ela, pintora e ele crítico de arte.

Figura 4 - Charleston Farmhouse - Vanessa Bell e Duncan Grant

Ambiente em Charleston Farmhouse, Inglaterra, residência de Vanessa Bell e seu marido não oficial, o pintor Duncan Grant, e onde ocorriam encontros do grupo de intelectuais de Bloomsbury (lLondres)30. O ambiente é todo decorado com objetos produzidos por artistas associados das Omega Workshops, segundo os hábitos de arranjo de objetos e decoração de interiores do grupo.

Fonte: http://www.tourismes.co.uk/business/uploads/20050705162922_charleston_farmhouse.jpg.

29 (Nota do editor no. 12) Anthemion: padrão de madressilva em forma de palmette. O termo significa “flor” em grego. 30 Ver nota nº. 27.

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2.4 – Afluência, estética kitsch, crise

Todos os grandes momentos de afluência da história foram acompanhados de

um processo de aumento do acesso às artes por meio dos bens de consumo

(HAUSER, s.d.; MOLES, 1975).

Moles aponta uma tendência à “arte do empilhamento”, toda vez que a

sociedade encontra um ponto de afluência, momento este em que há uma

democratização do acesso à arte, que “alcança” o público em geral por meio

dos objetos. Em conseqüência, há sempre uma reação a este processo e o

funcionalismo do início do século XX não foge a esta regra.

Figura 5 - O kitsch: um processo de empilhamento e sedimentação “Diagrama qualitativo da evolução do avanço kitsch nas épocas históricas: observa-se sua correlação com a noção de empilhamento ou de carregamento na arte” Fonte: MOLES, 1975, p. 85 Em movimento semelhante, o apelo ao cúmulo de ornamentos na época,

seria, depois, contrarrestado por uma reação em favor de linhas simples ou do

“primitivo”, como foi apontado por Gombrich, tanto em seu Preference for the

primitive (2006), como, principalmente, em The sense of order (1979):

A polêmica sobre o ornamento e a decoração (...) surgiu do

que se chamou de lapsos do gosto, exemplificados pelos

produtos industriais a clamarem por uma reforma no design

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decorativo, nos quais os valores de trabalhos artísticos tribais

ou exóticos foram enfatizados (GOMBRICH, 1979, p. 205).

Isso explicaria tanto os movimentos que surgiram no design a partir desse

período, como nas artes plásticas.

Na arte, houve o que Gombrich chamou de “bifurcação do século XIX”,

que ele associou às mudanças sociais que se sucederam à Revolução

Industrial. Mas era, de fato, uma mudança que dizia respeito tanto ao gosto em

geral, quanto à função da arte e sua relação com o design. A democratização

da arte estava sendo forçada:

agora, a classe média – a burguesia – achou por bem que seu

gosto e predileções deveriam ser aceitos pelo mercado. A

divisão entre os conhecedores de arte e o público em geral,

que resultou daí, dominará a história da arte do século XIX

(GOMBRICH, 1979, p. 205).

Aí se coloca a crítica de Roger Fry, junto com todo o seu grupo de

artistas-artesãos, inspirados no que ele mesmo chamou de pós-

Impressionismo31, que se desenvolvia na França.

31 Neste mesmo grupo ele incluía Cézanne, Van Gogh, Gauguin, Dufy, Derrain e outros, cujas linhas de trabalho se adiantavam já em sentidos que diferiam do impressionismo.

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Figura 6 – W. Bouguereau, O nascimento de Vênus, 1879 6 (a) - e 6 (b) Pablo Picasso, Les demoiselles d' Avignon, 1907. Fonte: 6 (a)- Museu d’Orsay, Paris. 6 (b) – The Museum of Modern Art, New York.

Os quadros acima são os mesmos apresentados por Gombrich para

comentar sobre seu ponto de vista acerca do primitivo e do decadente, ou do

clássico e do barroco (sendo estes últimos “tipos” e não estilos). Acima,

representando o estilo “doce”, fácil, “meretricioso” (meretricious), está

Bouguerau, representante típico do estilo eclético do século XIX, ao qual se

referia Fry. À direita está Picasso, numa das obras inaugurais do modernismo,

em uma reação frontal aos padrões herdados do passado (GOMBRICH, 1979,

p. 203 et seq.).

Para explicar porque considerava decadente a arte do final do século,

Gombrich evoca Cícero, e Ruskin, Platão, entre outros, para comentar que “um

excesso de doçura é considerado enjoativo” e que tudo o que é facilmente

sedutor levanta nossas barreiras defensivas (Id., loc.cit.).

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Este levantar de barreiras levaria a um retorno ao ascético. No caso do

programa da época, o ascético seria o moderno, que veio se instalar após o

último ‘surto eclético’, com a busca por funcionalidade tanto pela arte como

pelo design. Uns concentrados em buscar as reações internas que determinam

a razão de ser de uma obra de arte, outros, eliminando tudo o que não levar à

objetividade do objeto.

Roger Fry considerava grande parte do que era produzido na época como

“pseudo-arte”. Preocupava-o com o gosto do “homem comum”, cujo poder

aquisitivo, argumentava, podia ser decisivo quanto a determinar qual arte (ou

mesmo artista) deveria sobreviver. O homem comum, explica ele, faz parte da

multidão cuja vida emocional foi narcotizada pela peçonha

adocicada da pseudo-arte, uma multidão saturada de

esnobismo, e que valoriza a arte sobretudo como símbolo de

distinção social (FRY, op.cit, p. 93).

Esta “pseudo-arte” não estaria só. Aos que produzem os objetos de uso

cotidiano, Fry chamava de “indivíduos que têm como função na vida estimular

essa erupção eczematosa de padrões sobre a superfície das modernas

manufaturas” (Ibid, loc.cit.). Assim, o design estava associado ao pior dos

mundos: se era um meio de democratização da arte, a partir da possibilidade

de barateamento e reprodução mecânica de objetos comuns (ou de arte), por

outro lado, criava um mundo soterrado de quinquilharias sem nexo, utilidade ou

gosto.

Se diversos estilos lotaram a história e as residências do período

Vitoriano, todos se encontraram na casa do burguês médio e o “modo” kitsch

de vida foi o resultado dessa mélange32 no apogeu da era burguesa.

Portanto, toda a oposição dos movimentos estéticos do final do século

XIX ao ecletismo Vitoriano redundou em que cada tentativa veio apenas somar-

se às anteriores e às novas que vinham surgindo no início do século seguinte.

32 Sendo que, se houve um estilo kitsch por excelência, segundo Moles, este terá sido o

Jungendstil.

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Apesar de eleger o Jungenstil como estilo kistch por excelência, este

último se estabeleceu a partir do “interesse” no objeto e acabou sendo mais

uma “ordem” do que uma característica específica do objeto: o que Moles

chamou de “critério de autenticidade kitsch” é o fato de que ele não se

organizou por si, ele foi um processo de “sedimentação” dos elementos

tomados de outras manifestações culturais (MOLES, 1975, p. 61).

O Kitsch distingue-se das demais escolas de arte, mas delas

se alimenta, extraindo elementos da pintura ultrafigurativa das

épocas 1840-1880, do Modern Style e do Jugend Still, de

Gaudí e de Horta; impregnam a vista com suas formas mais

do que as transcende. Caracteriza-se pelo sincretismo: os

cristais de Tiffany, as gravuras de Beardsley, as jóias de

Ashbee, as decorações de Sullivan, os móveis de Van de

Velde, as florações tipográficas de Eckmann (Idem, p. 139).

Moles observa que, apesar de ser eminentemente eclético por

formação e vocação, nem tudo será aceito tão facilmente pelo kitsch, assim

aconteceria com o Impressionismo e o Expressionismo, e, em situação de

oposição extrema, o Funcionalismo. O que se explica pela aversão do

kitsch à racionalidade. O kitsch é uma busca hedonista pelo conforto,

estando à “altura do homem” e não das grandes obras de arte ou do que

quer que exija muita reflexão. Se a era moderna é inaugurada na

Renascença, com o homem (idealizado) sendo a medida de todas as

coisas, agora, a era pós-moderna começa sua dominação, e o homem

comum torna-se a medida de todas as coisas (MOLES, 1975).

O apogeu deste período culminou com a Grande Depressão de 1929.

Referindo-se à crise de 1929-1940, Hobsbawn disse que a “Grande

Depressão confirmou a crença de intelectuais, ativistas e cidadãos comuns de

que havia alguma coisa fundamentalmente errada no mundo em que viviam”

(HOBSBAWN, 1995, 106). E o que era pior: ninguém conseguia apontar um

caminho seguro para seguir adiante.

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O que era difícil aceitar é que os tempos liberais chegavam ao fim, uma

vez que os grandes monopólios já dominavam a economia e a livre-

concorrência era um jogo entre poucos. Mas, desta vez, o governo teria que

interferir gerindo a demanda que o sistema, até então, tinha conseguido

garantir por sua própria capacidade reprodutiva; ou não haveria meios pelos

quais colocar a roda do sistema de volta nos trilhos.

John Maynard Keynes, então um jovem economista idealista, membro do

grupo de intelectuais de Bloomsbury33, foi a liderança desse movimento que

terminou por influenciar a política econômica governamental de vários países

desde então, e se tornou o mais influente economista do século XX, sendo o

mentor do New Deal, um programa de estímulo governamental à economia de

mercado, por meio do emprego direto da força de trabalho e redistribuição de

renda oficial.

Também os tempos de “catástrofe” exigiam esta preocupação material e

moral. Este é o período de instalação das escolas de design mais racional. A

engenharia tomou conta do projeto e a arte, que fazia parte da composição

inicial das primeiras escolas, eventualmente se subordinou à técnica.

Se a competição entre Inglaterra e Alemanha por mercados levou a

Europa à 1ª Grande Guerra, a crise econômica “abriu os portões” para a 2ª

Grande Guerra, favorecendo regimes autocráticos e nacionalistas de direita,

que porventura eram liderados por homens de grande agressividade política

(HOBSBAWN, 1995).

O período do pós 2ª Guerra, sob o ponto de vista da produção de bens,

foi um período em que certo ascetismo se fazia necessário. No entanto, os

esforços de reconstrução logo foram acelerados pelo Plano Marshall34, e tanto

os aliados que mais sofreram com a guerra, como os países derrotados foram

beneficiados com grandes aportes de empréstimos que levaram ao

desenvolvimento que marcou a integração desses mesmos países ao grupo

33 O grupo de intelectuais de Bloomsbury voltará a ser mencionado quando falarmos dos Omega Workshops, que fecharam em 1916 e foram reativados por Keynes sob o nome de London Artists´ Association. 34 O Plano Marshall destinou cerca de US$13 bilhões em planos de recuperação econômica para as principais nações derrotadas e para os aliados, com o intuito de conter a internacionalização do comunismo.

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dos 7 mais ricos35, em fins da década de 70. O efeito de retro-alimentação

destes empréstimos sobre a economia mundial, em particular a americana,

foram logo sentidos.

2.3 – O pós-guerra

No 4º volume da série que escreveu sobre a história moderna, Hobsbawn

(1995) chama os períodos de 1914-1945 e 1945-1991, respectivamente, de

“era da catástrofe” e “era de ouro”. O primeiro período inclui a 1ª Grande

Guerra, em meio à qual se deu a Revolução Russa, seguida das duas grandes

depressões econômicas. Esta última depressão levou à Segunda Grande

Guerra, que terminou com a bomba atômica. O segundo período era sobre os

anos de recuperação no imediato pós-2ª Guerra e, depois, a paz armada entre

as duas grandes potências do pós-guerra – EUA e USSR - durante o período

da guerra fria.

Ao final deste período, o que há, segundo ele, é “a destruição do

passado, ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência

pessoal à das gerações passadas”. Se as guerras e depressões econômicas

trouxeram sofrimento real a grandes populações, ou mesmo marcaram

gerações inteiras, o fato de “todos os jovens de hoje [crescerem] numa espécie

de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público

da época em que vivem” é para ele “um dos fenômenos mais (...) lúgubres do

final do século XX” (id., p.13).

Mas o início do século XX foi menos que um prenúncio das

transformações que viriam a ocorrer na sua virada para o século seguinte.

Aumento da participação de toda a população no consumo de bens; o

avanço das tecnologias de transporte e comunicação; mudanças nas relações

sociais e familiares; adoção definitiva e em grande escala da máquina e do

trabalho assalariado no processo produtivo, com conseqüente deslocamento

35 Grupo dos 7 – G7: Estados Unidos, Inglaterra, França, Japão, Itália, Alemanha e Canadá.

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de populações do campo para a cidade. Guerras, crises econômicas e

reestruturações, tanto no nível superestrutural quanto infra-estrutural,

marcaram aquele período, que engendrou o choque entre a realidade concreta

e a utopia moderna36.

Aprofundando aquele processo de mudanças estruturais e culturais

(superestruturais), o período em que vivemos vem primar pelas inovações nos

campos da comunicação e da informática, seguidas pela disseminação da

telemática – a combinação de informática e telecomunicação. Com a adoção

da tecnologia digital na produção, distribuição e administração de produtos e

serviços, aliada ao aumento do porte do setor de transportes, estabeleceu-se

um novo paradigma tecnológico para a economia, com o qual se deu a

integração de todos os mercados nacionais em um grande mercado global.

Desse processo advieram grandes mudanças para a dinâmica da vida de

comunidades: tanto em seu próprio seio quanto na sua convivência com grupos

estrangeiros; da mesma forma que as diferenciam em muito de si mesmas, em

todas as épocas anteriores.

Além das mudanças apontadas acima – que redundaram no que já foi

descrito como uma perda de referências com relação ao passado enquanto

espelho, ou ao futuro, como possibilidade e projeto – na contemporaneidade, a

velocidade e a variedade de aspectos com que as mudanças e novidades vêm

ao encontro do presente, fazem com que este passe a ser reconhecido como

um contínuo devir (VATTIMO, 2002; JAMESON, 2004; TASSINARI, 2001;

ANJOS, 1999; AGRA, 2006; CAUDURO, 2000). Some-se à rapidez e

variedade, a simultaneidade dos eventos. Esta simultaneidade é relativa não só

ao tempo, mas também à relevância dos fatos, que não é mais determinada a

partir de um centro produtor de significado ao qual outras instâncias de

produção estejam subordinadas hierarquicamente.

Nas palavras de Gianni Vattimo:

A contemporaneidade é a época em que, enquanto, com o

aperfeiçoamento dos instrumentos de coleta e transmissão da

36 Mario de Michelli (2004), Lúcio Agra (2006), Gianni Vattimo (2002) tratam, sob aspectos diferentes, esta mesma fratura.

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informação, seria possível realizar uma “história universal”,

precisamente essa história se tornou impossível (2002, p.XV).

Aqui, o autor refere-se à impossibilidade de tratar-se a “história como tal”,

uma vez que a categoria de pensamento “história” deveria referir-se a um

“momento condicionado e sustentado por um curso unitário dos eventos (...)”

(Ibid., p.XVI), no entanto, a falta de um “centro da história” impede esse tipo de

abordagem da experiência humana. É interessante lembrar que se trata de

uma discussão acerca de uma categoria do pensamento e não da experiência

humana em si. Ainda assim, nessa nova forma de se ver, o ser humano passa

a tratar seus demais instrumentos e ferramentas, “informado” por uma nova

visão de si e do mundo. 37

A perda da identidade, que acompanha a perda do sentido de história,

terá profundas conseqüências no modo de expressão e será fundamental no

processo de mudança do perfil do indivíduo, que se engendra na cultura que

passaria a ser chamada pós-moderna.

Assim como modernismo era uma maneira de ver a modernidade, o pós-

modernismo também é definido de acordo com uma referência múltipla, mas

ainda mais potencializada: ele se refere e se define por ser uma época (pós-

modernidade), um estilo (pós-moderno) e uma lógica cultural (pós-modernismo)

(JAMESON, 2004).

2.5 - Período da paz relativa

Com o plano Marshall e a situação de relativa equiparação bélica entre as duas

maiores potências do pós-guerra (Estados Unidos e União Soviética),

estabelece-se um período de paz relativa e a positiva atmosfera econômica

37 Valendo, aqui, um conceito de “informação” que inclui o pensamento de Villén Flusser, para quem ela é “a matéria do design [...] é o modo como as formas aparecem” (pg.28), e que frisa que “informar” quer dizer dar forma (2007, pag. 31 et passim.), ação que deu sentido à cultura humana: “O que se debate aqui é o conceito de informar, que significa impor formas à matéria” (Ibidem, l.21-22).

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afastará os tempos de restrições, permitindo a seguinte relação entre o

indivíduo e o bem de consumo:

Uma pessoa bem alimentada, bem vestida, bem abrigada e

em tudo mais bem cuidada pode ser convencida a escolher

entre um barbeador e uma escova de dentes elétrica.

Juntamente com preços e custos, a demanda do consumidor

se torna sujeita a administração (John Kenneth Galbraith,

1967, apud, HOBSBAWN, 1995, p 253).

Estendendo-se esta observação para toda a produção industrial de bens

de consumo e objetos, pode-se dizer que o consumidor, agora, é parte do

projeto dos objetos.

Voltando à curva do “fator de empilhamento” de Moles, observe-se que

seus três picos correspondem a momentos de grande desenvolvimento

econômico e afluência percebida por um número maior de pessoas nas

sociedades38 em questão. Vale observar, ainda, que os anos 60 correspondiam

à época de ouro de Hobsbawn e nota-se que se encaminhavam para um

possível pico, levando à psicodelia visual dos anos da contracultura. Ainda que

tenha sido um período de revolta contra a sociedade de consumo, seu espírito

irreverente foi devidamente co-optado pelo contra-movimento eclético,

capitaneado pelo grupo Memphis. Em breve, seria criada uma estética para o

período, que permitia uma leitura inovadora das novas tecnologias de

materiais, aliada aos avanços da informática, da cibernética e da liberação de

todo um conhecimento desenvolvido durante a guerra, para a produção de

bens de consumo em tempos de paz.

A arte, neste período, ainda se encontrava no embate com a utopia

moderna, buscando um sentido para sua existência, após ter abandonado seu

status e ter-se unido definitivamente ao design, assumido a abstração e

38 Moles chama atenção para o fato de que, neste gráfico, há que se considerar que nem todas as sociedades devem estar representadas aqui, e ele nomeia apenas a Europa Central, partes da Alemanha e o que ele chamou de “países do aconchego do lar e da intimidade doméstica”. Mas vale uma investigação, ao menos no que diz respeito à era moderna, isto é, desde a Renascença, quando áreas cada vez maiores do globo passam a fazer parte do “mundo ocidental”.

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abandonado o figurativismo. Sua proposta em vigor, de rigor geométrico, em

nada combinava com o momento eufórico que se delineava no horizonte.

O novo surto econômico será subitamente interrompido pela crise do

petróleo. Aqui, começam a surgir sinais evidentes de um esgotamento dos

recursos naturais não renováveis. Se algumas tentativas de incorporar

questões sobre sustentabilidade no design não conseguiram vingar

imediatamente, o impacto de marketing e a visualidade dos projetos

começaram a ser sentidos e as formas orgânicas definitivamente voltaram a

vigorar.

Nova retomada econômica surge no horizonte, com o fim da guerra fria39,

seguida pela universalização do uso dos microcomputadores e a reunião que

levou o nome de Consenso de Washington40.

Assentava-se a pós-modernidade, com o fim de uma era onde nações

estariam isoladas em suas idiossincrasias regionais. China e Índia passariam a

integrar a economia globalizada e um novo período de afluência logo se

anunciaria.

Foi anunciado, também, o fim da história. O capitalismo da 3ª Revolução

Industrial finalmente teria atingido seu estado máximo, com a informatização, a

total despersonalização da direção do capital e o fim da luta de classes. A

oposição dicotômica entre patrão e trabalhador seria dissolvida. Neste

momento, caminhamos para uma retomada do trabalho individual. O

Downsizing, o home office, a globalização, são conseqüências do acesso aos

computadores, trazendo o projeto para o primeiro plano da existência. O objeto

lógico, o computador, o logiciel, passará a dominar o modus vivendi do novo

sujeito.

Talvez aqui já se pudesse perceber um novo pico na curva kitsch, com um

período de “sedimentação” de costumes, de estilos e de objetos. No entanto,

os objetos já não são necessariamente materiais e o “fator de empilhamento” é

muito mais evidente no campo onde a imagem domina: nos anteparos. A pele

39 Com a inserção dos países do Leste Europeu no mercado capitalista. 40 Encontro, em 1991, entre dirigentes de todo o mundo, sob os auspícios do FMI e Banco Mundial, em que foram discutidos parâmetros e metas políticas e econômico-financeiras a serem seguidos/adotados pelos países em desenvolvimento, para se ajustarem a um plano de integração da economia mundial num mercado único, global.

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(que passa a receber tatuagens), os projetos de design gráfico, a moda, as

artes visuais e os projetos de hipermídia se acumulam de mensagens visuais

que mais se assemelham às paisagens artificiais, com algum teor de

“empilhamento”.

A ordem que se alcança é, por um lado, kitsch, por outro, maneirista, uma

vez que organiza o kitsch, cuja função inicial era um “depoimento” ingênuo a

partir do “empilhamento” por “sedimentação”.

Como apontou Moles, o kitsch “abrange um determinado número de

fatores”:

- o empilhamento ou fator frenesi

- o romantismo fantástico

- o conforto

- a cultura-mosaico (op.cit, p. 85).

Esses fatores são comumente presentes em conjunto, ainda que não

sejam absolutamente necessários para que se “encaixe” determinado “objeto”

ou cultura na ”tipologia kitsch”. No entanto, a ocorrência simultânea de todos é

que diferencia o kitsch de outros estilos históricos. O Maneirismo e o Rococó,

que atendem ao critério “frenesi” ou “acumulação”, não chegam a ser

exatamente kitsch.

2.6 - A contemporaneidade e a era do projeto

O crescente barateamento das tecnologias da informação permitiu, a partir da

década 80 do século XX, um correspondente aumento da democratização do

acesso ao uso de computadores pessoais. Unindo-se este fato ao avanço das

telecomunicações em fins dos anos 90, o quadro dos hábitos culturais começa

a apresentar características totalmente diferentes das que vinham sendo

observadas até então: o design passa a centrar-se nos serviços, enquanto o

objeto passa a ser cada vez menos um bem de uso que um bem simbólico.

Segundo Klaus Krippendorf, o design centrado no objeto

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foi resultado da era industrial, da produção em série e dos

lucros de um mercado em expansão, e se fundou em noções

de ciência originadas no renascimento (2003, p.89).

A possibilidade de relacionar-se com o mundo a partir de um meio ubíquo

e pervasivo como o computador pessoal, acoplado a um meio de comunicação

mudou as relações tempo-espaço, e o afluxo anterior de objetos passou a vir

acompanhado de um afluxo ainda maior de informações.

Além disso, as mudanças de costumes e a disseminação da informação,

sobretudo da informação visual, somadas aos novos meios de comunicação

disponíveis, criaram sistemas de significação complexos: se antes o indivíduo

se confundia com o meio material, agora se perde na trama dos eventos, das

idéias, das informações.

Aumentando este imbricado labirinto de relações, os anos 90

estabeleceram as bases para a integração entre conglomerados de mídia, a

partir da fusão dos serviços de notícias com os grandes serviços de

entretenimento (Disney e ABC News; Fox e News Corporation). A elaboração

da mensagem com elementos cada vez mais integrados de uma linguagem

passível de espetacularização, como apontado por Guy Debord (1997), ficou

mais comum.

Visualmente, isto pode ser percebido pela maneira como se confundem os

códigos de apresentação de realidade e ilustração nos meios de comunicação.

A confusão entre espetáculo e realidade é mostrada no quadro da figura

7. Na primeira coluna, uma matéria de jornal comenta a adaptação de uma

história em quadrinhos (fig. 7 (a)) para o cinema (fig. 7(b)). No mesmo jornal,

na página ao lado (ver fig 7 pag 71 deste trabalho), um anúncio de uma

orquestra sinfônica é decorado com “respingos” vermelhos, sobre fundo preto.

A estética do sangue é confirmada na figura 7 (e), de um atentado terrorista em

Jerusalém. Na 1ª página da Folha de São Paulo, é usada uma “estética”

semelhante à dos quadrinhos de “Volta ao horror”.

A imagem do vidro estilhaçado do atentado, por sua vez, “joga” com a

linguagem estética contemporânea, onde um dos elementos constantes é a

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dobra (ou mosaico), usada no mesmo jornal, em data anterior: na figura 7(e), o

desenho de uma fachada de loja em São Paulo41 é aproveitado pelo jornalista

que usa a imagem numa matéria sobre o emaranhado de fios de eletricidade.

Em tom menos macabro e caótico, na figura 7 (c), numa mesma página, o

cenário de um espetáculo de dança “dialoga” com a pintura Torrone (Beatriz

Milhazes, 2007), que passa a integrar visualmente a página num todo, mas faz

com que notícia se confunda com ilustração do jornal42. Abaixo, a artista Bjork

tem uma pintura aplicada sobre si, tornando-se, ela mesma, suporte de

ilustração, enquanto o fundo do anúncio comercial embaixo parece ser parte da

mesma matéria. Na figura 7 (g), a fachada da loja de departamentos

Selfridge´s, em Manchester, decorada com trabalho em acetato da artista

Beatriz Milhazes, mostra o cenário ornamentado da realidade, enquanto o

anúncio comercial (fig. 7(h)) evidencia a função “real” do ornamento.

A mesma visualidade, absorvida na observação constante da realidade,

vai ser incorporada à estética corrente, enquanto o desenvolvimento das novas

tecnologias de informação e comunicação também tiveram como conseqüência

a crescente possibilidade de emulação das imagens do real na criação em

série. Afinal, a linguagem depende da técnica disponível para expressá-la e

isso é particularmente verdade no caso do design (MANZINI, 1993).

41 Fachada Rock´n Love para Melissa, projeto Love Foxxx, 2006. 42 Este expediente parece ser uma “evolução” da linguagem de edição de jornais iniciada, nos anos 50, com o novo Jornal do Brasil, por Amílcar de Castro (ver LESSA, 1995; AGUILERA, 2005 ). Vale comentar que, neste caso, a imagem confunde realidade e ilustração. Já o trabalho de Amílcar integrava esteticamente a página, sem fazer com que se perdesse o limite entre notícia, anúncio, ornamento (praticamente inexistente), e a decoração praticamente se limitava às páginas de cultura e arte.

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Figura 7 - A indistinção entre figura e fundo na contemporaneidade Figura 7 (continuação) Fontes: 7 (a) - 1ª coluna: Ilustrada, FSP, 6 dez. 2007, “Raimi volta ao horror com ‘30 dias’”. 7 (b) - 2ª coluna, 1ª linha:, FSP, 01 dez. 2007, Ilustrada, capa. 7 (c) - 2ª coluna, 2ª linha:, FSP, 29 out. 2007, Ilustrada, capa 7 (d) - 3ª coluna, 1ª linha: FSP, 01 dez. 2007, Viver São Paulo. 7 (e) - 3ª coluna, 2ª linha: FSP, 9 dez. 2007, 1ª página, “Morte em Israel”. 7 (f) - 4ª coluna, 1ª linha: Fachada Selfridges, Manchester. Beatriz Milhazes, 2003. (HERKENHOFF 2007). 7 (g) - 4ª coluna, 2ª linha: FSP,encarte de jornal com anúncio de empreendimento imobiliário, s.d.

A mesma tecnologia que permite a expressão, em tempo, vai permitir a

democratização do acesso às condições de criação. Assim, o usuário passa a

ter acesso, ainda que limitado, aos projetos de alguns dos bens que vai adquirir

no mercado.

Hoje, é possível participar de fases do projeto de um produto (carro,

roupas, apartamentos)43, a partir de escolhas de certas características. Ainda

que isso seja muitas vezes muito mais uma idéia que uma possibilidade real, o

design busca se recolocar diante das novas possibilidades de consumo: o

avanço das tecnologias de produção e distribuição somadas ao acesso aos

bens de produção (uma vez que a informação e o computador passam a

integrar a tecnologia em uso corrente) exigem que o design repense o seu

papel, pois o consumidor começa a comprar um lugar do projeto.

Se no auge do projeto capitalista do início do século XX, Ford realizou sua

meta de oferecer carros de todas as cores com a mesma cor, agora ele pode

oferecer diferentes modelos do mesmo modelo.

43 A empresa Fiat, de automóveis e o projeto de personalização online de apartamentos (arquitetura e decoração) Max Haus, são exemplos recentes (2007-2008)

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3 – O objeto como expressão formal do trinômio design-execução-uso Os princípios do design, que até os dias de hoje norteiam a melhor

prática da profissão, podem ter suas origens traçadas até menos de

duzentos anos atrás e ser resumidos numa descrição sobre ao obra

(fig.8) de Christopher Dresser (1834-1904), um contemporâneo dos

‘pioneiros do design moderno’, A. Pugin, John Ruskin e William

Morris:

A obra de Dresser está longe de ser limitada a uma

preocupação com simplicidade e utilidade, e inclui

expressão, originalidade, assim como um interesse em

questões como possibilidade de troca, substituição e

redução de trabalho manual no processo de

manufatura (RAIZMAN, 1990, p.68).

Figura 8 - Cristopher Dresser – chaleira , 1878.

Fonte: KAPLAN, 1991.

Todas as escolas e movimentos que se sucederam nessa nova

fase da Revolução Industrial, que havia mudado as relações técnicas

envolvendo toda a produção econômica, beberam de uma mesma

fonte, acorde C. Fiell:

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O Movimento Moderno tem seus primórdios estabelecidos na

ideologia progressista, em meados do século XIX, por W. Morris, A.

Pugin e J. Ruskin. Esta ideologia valorizava a supremacia do

utilitário, a simplicidade e adequação e negava o luxo.

Posteriormente, a eliminação do ornamento leva ao funcionalismo

que propicia a estandardização e a maior eficiência de produção,

acreditando ser esta a linguagem universal do design: a

simplicidade associada à racionalidade que possibilitava utilizar o

melhor da tecnologia e dos materiais para a produção Industrial

(MOURA, p.35, nota 8).

No entanto, nem todas seguiram estritamente os princípios ou

mesmo professavam um mesmo tipo de afiliação. Vale dizer, dentre

os princípios, algumas escolas elegiam aqueles com os quais se

identificassem mais, para seguir mais atentamente, ainda que não

necessariamente chegassem a negar os outros, mas houve casos de

grande contradição.

Nos extremos do espectro estão os exemplos das Wchutemas44

soviéticas e das Omega Workshops inglesas.

As primeiras foram criadas pelo estado soviético em 1920, com a

incumbência de “redefinir fundamentalmente a função da arte na

sociedade socialista e reorganizar completamente as instituições

artísticas” (Wick, apud MOURA p. 65). Contando com um grupo inicial

de grandes artistas, cuja contribuição para a arte tem sido avaliada

como sendo de importância seminal, entre eles Kazimir Malevitch

(19778-1935) e El Lissitizky (Lazar Marcovitch Lissitzky – 1890-1941),

as oficinas começaram propondo um curso com base na criação

plástica e terminaram melancolicamente, dissolvidas em diversas

escolas para formação técnica especializada, voltadas para a

estandardização, em que o artesão se descaracterizava totalmente.

No extremo oposto estariam as Omega Workshops, da

Inglaterra, criadas com recursos e patrocínio de amigos pertencentes

44 Altas Oficinas Técnicas e Artísticas do Estado Soviético.

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a classe dominante, por iniciativa do crítico de arte Roger Fry, e cujo

objetivo era fazer com que as artes aplicadas garantissem um meio

de sobrevivência para os artistas jovens da vanguarda inglesa, que

viviam em dificuldades nos tempos fúteis da era Vitoriana.

Arte, design e tecnologia são elementos sempre constitutivos de

qualquer bom projeto. No entanto, nem sempre estão em equilíbrio,

particularmente com o controle do processo que passa, ora às “mãos”

da máquina, ora às mãos do planejador, ou do designer45 (cuja

atividade se redesenha ao longo do processo), ora às mãos do

trabalhador, e muito recentemente, tem passado também pelas mãos

do usuário, onde foi deixando de estar, gradativa e definitivamente,

desde o início da Revolução Industrial.

É importante ressaltar que o usuário, antes da Revolução

Industrial, era muitas vezes o trabalhador e o patrão, isto é, ele

dominava os meios de produção, técnica e economicamente, e

certamente era também o artista: com maior ou com menor talento,

era ele quem engajava energia criativa no processo tanto de

elaboração conceitual/projetual, quanto na execução do trabalho

produtivo. Portanto, ele dominava.

Descrever a configuração das relações e observar seus efeitos é

o objeto deste capítulo.

3.1 - O movimento Artes e Ofícios e a união artista-patrão-trabalhador: o trabalhador designer

O movimento Arts and Crafts (Artes e Ofícios) surgiu na Inglaterra num

contexto de produção industrial em expansão, caracterizada já pela

organização do sistema fabril e pela divisão do trabalho em franca instauração.

Foi contemporâneo, ainda que com alguma defasagem de tempo, do

45 Vale dizer, o projeto estará mais ou menos subordinado a decisões de ordem tecnológica, gerencial, funcional ou estética.

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desenvolvimento da administração com base científica e da organização

racional do trabalho. Esta última previa a divisão do trabalho em tarefas

reduzidas ao limite da padronização, para que se a pudesse isolar,

quantificar e controlar.

Frederick Winslow Taylor (1856-1915) foi um operário americano

que decidiu usar sua experiência profissional e desenvolveu o

método de aumento da eficiência fabril, que hoje leva seu nome - o

“Taylorismo”. Em nome do aumento da eficiência, estudou o trabalho

com o apoio de um marcador de tempo.

Além da sua preocupação com a economia de recursos para a

indústria (desde o tempo, até espaço e materiais), Taylor declarava

que pretendia melhorar a vida do trabalhador, a partir de um maior

engajamento no trabalho obediente, que seria recompensado em

termos de salários melhores.

Os esforços que Taylor empreendeu na América tornaram o

trabalho uma atividade cada vez mais maçante e repetitiva. Quanto

mais simplificadas as tarefas, maior a distância entre o trabalho

produtivo e seu resultado, isto é, menor seria a visão do trabalhador

sobre o todo e seu contato com resultado final.

As idéias de Taylor só vieram a ser amplamente conhecidas no

início do século seguinte, mas o uso de métodos de racionalização do

trabalho, com linhas de produção mecanizadas, já vinham sendo

realizadas “crescentemente após a década de 1860”, escreveu Rafael

Cardoso. Em contraposição ao discurso de Taylor, ele comenta que nas

manifestações primitivas, a ergonomia surgia não para

melhorar a vida do trabalhador, mas para espremer dele uma

maior produtividade. (CARDOSO, 2004, p.35)

A Inglaterra era um país de economia mais madura e que vinha tentando

se adaptar às novas condições de produção.

Ligados às condições materiais de existência, arquitetos e

designers tomaram para si a discussão tanto das condições de vida

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nas cidades, quanto do ambiente em que as pessoas viviam em

geral, como a situação da qualidade da produção industrial.

No discurso de alguns contemporâneos, as condições de vida e

de trabalho estavam ainda associadas à necessidade criativa do

trabalhador.

Condições de higiene nas moradias, nas ruas e de insalubridade

geral nos locais de trabalho concorriam para uma qualidade de vida

particularmente degradada46. Aos ambientes que promoviam a

desvalorização da vida, em si, somava-se o trabalho que remunerava

mal e desqualificava o trabalhador - que perdera sua autonomia e seu

poder de interferência no produto final, de qualidade inferior ao que

se estava alcançando em outras regiões. Além disso, como

consumidor, os produtos que o trabalhador inglês encontrava no

mercado também não lhe serviam de alento para a vida sacrificada

pelas condições de trabalho oferecidas pelas fábricas.

Auguste Welby Northmore Pugin (1812-1852)47 foi o primeiro

arquiteto a se rebelar contra a invasão de produtos de má qualidade

injetados no mercado pela produção em massa, de acordo com as

especificações e as limitações técnicas e estéticas das máquinas.

Pugin e o crítico de arte John Ruskin, colaboraram para o revivalismo

gótico na Europa, com base em pressupostos morais sobre a arte, cuja

essência espiritual encontraria sua melhor expressão no passado gótico,

devotado à arte moral religiosa.

46 Ver fig.1(c), em particular, e seu contraste com as figs. 1(b) e 9(a). 47 Pugin foi o arquiteto responsável por toda a ornamentação (em estilo neo-gótico, bem ao seu gosto e de acordo com a sua formação) do conjunto arquitetônico do Parlamento Britânico (Westminster Palace), inclusive decoração de interiores e desenho de mobília, como arquiteto assistente de Charles Barry.

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Figura 9 – c.1890: Eclético X Arts and Crafts – (a) vestíbulo da casa da cortesã francesa La Païva e da casa de William Morris (b).

Fontes: 9 (a) – Philip Webb, Red House, 1859-60. Vestíbulo. CUMMING e KAPLAN, 1995. 9 (b) – “Decoração da riqueza feminina: residência da cortesã La Paiva, em Paris”. HOBSBAWN, 1979.

A “metodologia” dos tempos góticos ou “medievais” do trabalhador

artesão operando na sua oficina, senhor de seus projetos, permitiria uma

criação mais intensa de expressão espiritualizada, elevando a qualidade moral

e estética do trabalho. Assim, Ruskin fala (1992, p.129) do “poder infinito (do

gótico) sobre os corações”, pelo fato de haver uma integração entre moral e

prática no reduto da oficina medieval, e pela realização do trabalho ser

devotada ao espírito.

Andrew Martindale, sem fazer menção específica a Ruskin,

comenta em seu Gothic Art (1967): sobre “os absurdos sentimentais sobre o

‘anonimato’ dos artistas medievais que é melhor que sejam relegados às

páginas da ficção romântica”. Segundo Martindale:

Na prática, os patrões medievais parecem ter abordado a arte

à maneira comum aos negócios. A partir da metade do século

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treze, os contratos começaram a sobreviver [com fonte

material da história] e às vezes especificam outros trabalhos

para serem usados como modelo para o serviço a ser

realizado (MARITNDALE, p. 10).

A separação entre projeto e execução estava entre as

preocupações de Ruskin. Em uma célebre passagem do capítulo

Sobre a Natureza do Gótico, em que discute a separação entre “o intelecto”

e o “trabalho manual”, ele aponta a necessidade de o trabalhador usar o

intelecto enquanto produz e vê no trabalho integrado uma razão de felicidade.

A razão da infelicidade na sua época é menos uma função dos maus salários e

das más condições de vida, que do fato de o trabalho ter perdido seu

significado (LIRA, 2006). Ele organizou uma oficina de acordo com o conceito

de uma corporação medieva (guilda)l. Seus colaboradores tinham que

viver de acordo com os preceitos morais religiosos de Ruskin,

contribuir com os fundos da corporação; em recompensa, eles

receberiam um salário justo, e teriam participação nas

fazendas e indústrias (PEVSNER, p. 18).

Uma das críticas de Ruskin ao produto industrial está na aplicação de

acabamentos.

Não conheço nada mais humilhante do que ver um ser

humano, com braços e pernas intactos, a aparência de uma

cabeça e a certeza de uma alma, entre cujas mãos puseram

uma paleta e que dela não consegue tirar nada mais que a

imitação de um pedaço de madeira! (RUSKIN, 1992)

Sua crítica está baseada no fato de este ser um trabalho que explora o

artesão e não lhe dá chances de criação.

Sob o aspecto social e artístico, é este o contexto do surgimento de um

grupo de criadores - William Morris (1834-1896), Edward Burne-Jones (1833–

1898), William Michael Rossetti (1829–1919) - que se une em torno de um ideal

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de sociedade e vem fazer a apologia às antigas corporações de artesãos e à

estética da Idade Média, em particular o gótico. Este estilo passou a ser

considerado o estilo “local” da Inglaterra, numa rejeição às formas

exageradas do maneirismo inspirado na tradição Romana.

Para os proponentes do Arts and Crafts, a Revolução Industrial

separava os humanos da sua criatividade e individualidade; o homem

seria apenas uma peça na roda do progresso. Buscavam

restabelecer a ligação entre a beleza do trabalho e o trabalhador,

voltando para uma honestidade no design que não seria encontrada

nos produtos feitos em massa. Segundo Cumming e Kaplan (1991),

eles estavam mais motivados por esta busca de uma “moralidade do

design” que por uma “reação à fealdade da sociedade industrial”.

Morris e Bourne-Jones eram colegas em Oxford e, ao iniciarem

seus estudos em arte com Rossetti, entraram em contato com as

idéias de um grupo de jovens pintores rebeldes autodenominado

“Irmandade Pré-Rafaelita”, ao qual Rossetti pertencia e que

reverenciava as propostas de Ruskin. Ali, deram início a uma nova

linha de atuação para os princípios dos pré-Rafaelitas, ao se

interessarem particularmente por motivos decorativos. Em 1861,

uniram-se em uma firma de design de mobiliário, que Morris já havia

fundando: a Morris, Marshall & Faulkner. Esta firma resgatava as

práticas medievais de organização e método de trabalho das

corporações, tidas por eles como aquelas que garantiam condições

espirituais e artísticas ideais.

Eles defendiam o retorno ao trabalho artesanal, numa busca da

retomada de motivos locais, de uma vida mais simples e contra o

estilo dominante à época (Vitoriano), que carregava os ambientes de

objetos e decoração: a casa da chamada classe média inglesa

refletia um gosto voltado para o passado, mas que era facilmente

reproduzido pelos novos métodos e tecnologias da indústria. Porém,

tal reprodução não garantia a qualidade e também não era acessível

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à grande maioria da população. Além disso, ameaçava a tradição do

artesanato, que não podia competir com os preços da indústria.

Muito por força da militância de Morris, o exemplo da sua firma

veio a ser copiado e disseminado em toda a Europa, mas, em

particular, como modelo na Inglaterra. O hábito do artesanato foi tão

difundido que chamou a atenção para a participação não só de gente

que pretendia viver dele, mas de cooperativas e de um grande

número de amadores. No final de 1880, muitos eram os seguidores

deste movimento. No entanto, os métodos em muito encareciam o resultado do

trabalho e este foi o lado mais frágil da proposta do movimento: o fato de não

ter conseguido prover as classes trabalhadores com bens de consumo com a

alta qualidade que pretendiam.

Muitos líderes do Arts and Crafts britânico, [...] eram socialistas

mas, enquanto compartilhavam [de um] desejo de unir vida e

trabalho, preferiam atuar dentro do arcabouço social e

educacional de classe média existente. Eles também estavam

ansiosos pela promoção de uma integração profissional, pela

abolição das divisões entre arte e indústria, e entre arte e

artesanato. De fato, eles viam que só seria possível uma

salvação para a indústria e para os produtos48 britânicos com a

intervenção da arte (CUMMING e KAPLAN, 1991, p.10).

Já Jan Mukarovski definiu as intenções do “artesanato artístico”

de outra forma, quando comentou as bases da relação entre a arte e

o artesanato:

um fenômeno histórico cuja determinação temporal

precisa corresponde aos finais do século XIX e

princípios deste [século XX]. O artesanato dedicado

ao fabrico de objetos de uso quotidiano teve desde

sempre, na maior parte dos seus ramos, certo matiz

estético e costumava mesmo estar em estreita

48 No original: “the salvation of British industry and design”.

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coexistência exterior com a criação artística

propriamente dita (recordemos que o grêmio dos

pintores era uma das organizações artesanais). Mas,

ao aparecer o artesanato artístico, surge uma relação

mútua totalmente diferente da suave coexistência em

paralelismo: o artesanato tenta agora transpor a

fronteira e converter-se em arte.

Por parte do artesanato, era a tentativa de

salvar a produção manual, que perdia o sentido

prático na competição com a produção industrial; a

função estética hipertrófica deveria suprir a

degenerescência das funções práticas do artesanato

- melhor desempenhadas pela produção industrial

(MUKAROVSKI, 1981, p.31).

Portanto, na visão retrospectiva do estudioso, haviam razões

tanto culturais quanto econômicas, enquanto que, na visão do

praticante, a estética estava ligada ao prazer, associada tanto ao

uso quanto à execução do trabalho.

Desde o início de sua ‘cruzada’ pró-valorização do artesanato,

o designer William Morris defendia a estética como meio de

valorização do trabalho e do dia-a-dia da população, que “fazia a

riqueza” daqueles tempos. Maior ideólogo e também praticante,

tanto como criador quanto como educador, do que se constituiu um

movimento propriamente dito, o Arts and Crafts, Morris defendia a

criação artística tanto quanto também atacava o esteticismo

exagerado, herdado historicamente de um passado monárquico,

que poluía ambientes e afrontava as condições de pobreza em que

vivia a grande maioria da população. Além de desprezar o

historicismo (ou o uso e a reprodução de uma estética pertencente a

um outro período), por seu significado de valorização de uma classe

ociosa, que pertencia a um tempo passado e decadente, ele

pretendia fazer valer o trabalho que surgia com uma nova

sociedade.

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Portanto, a elaboração formal dos objetos e dos ambientes não

dependia apenas dos motivos decorativos ou ornamentação. Dentre os

princípios do Arts and Crafts, figuravam também preceitos de contenção

com relação à forma, com base na função. Segundo Cumming e Kaplan,

desde meados da década de 1890, a aplicação do design Arts and Crafts

em edifícios, mobília e cerâmica voltava-se para uma ênfase maior nas

superfícies limpas quanto à forma e textura. Um manual de treinamento da

época recomendava que:

A madeira dos móveis não mais seria camuflada: nas

cadeiras, os efeitos de escurecimento seriam substituídos

por madeiras cruas, e os assentos e costas seriam feitos

em couro e palha. Em cerâmica [seria usada] terracota, na

maneira mais natural, pintada e, às vezes, pura.

(CUMMING e KAPLAN, p. 72)

Muitos outros preceitos determinavam o bom senso e o bom

gosto da época. Assim, a idéia do bom design estava aliada à idéia

de uma boa sociedade, onde trabalhadores não seriam brutalizados

por tarefas maçantes, que produziriam resultados sem valor para

quem as executava. Morris pretendia que o trabalhador/ artesão que

executasse a tarefa de produzir um objeto pudesse se orgulhar do

seu trabalho e da sua habilidade.

Com seu discurso e prática, Morris pretendia atingir adeptos tanto do lado

dos que trabalhavam, quanto do lado dos usuários, que algumas vezes eram

um só, e outras tantas, pertenciam ao mesmo grupo social.

Afinal, sua intenção era reviver os tempos da Idade Média, com suas

corporações, onde o trabalhador controlava suas tarefas, por isso Morris

“odiava as grandes cidades” (PEVSNER, p. 18). Seu ódio se devia às

condições de vida da maioria da população da Inglaterra no final do século XIX.

Descrevia Londres, em termos físicos, como um “condado coberto de barracos

medonhos”, e sociais, como “uma congregação bestial de trapaceiros

defumados e seus escravos” (apud. PEVSNER, op.cit, p.20).

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Por força das condições de trabalho na Inglaterra à época e das

conseqüências sociais de um capitalismo emergente, Morris identificava a má

qualidade de vida com o uso da máquina pela indústria. Para ele, a produção

por máquina era a própria encarnação do mal49.

Segundo Pevsner, o projeto de Morris teve como ponto fraco o fato de

que seus objetos não poderiam ser produzidos para as camadas populares,

uma vez que se tornavam caros no processo, cujos custos ficavam muito mais

altos que o industrial. “Se você se nega a aceitar a máquina, você não pode

produzir barato” (PEVSNER, op.cit, p. 21). No entanto, Pevsner ressalta que

ele foi bem sucedido no seu intento:

Ele fez jovens artistas e arquitetos em todos os países se

voltarem para o artesanato e para o design; isto é, ele os

dirigiu para ajudarem as pessoas nas suas vidas diárias (Ibid.,

loc.cit.).

Esteticamente, havia no estilo de Morris uma constante referência à

natureza, que embora fosse menos estilizada que em outras épocas, admitia

frescor e liberdade. Seu interesse nos pré-rafaelitas derivou do fato de

aqueles terem encontrado na Renascença os elementos de valorização

humanista. Da mesma forma, outros designers adeptos dos preceitos de

Morris, segundo o crítico especialista em Renascença Bernard Berenson,

buscavam identidade com a

... curiosidade intelectual e a apreensão da energia da vida

como um todo ... o romance das imagens, as cores luminosas,

não menos, seus experimentos com a pintura e as técnicas

artesanais (apud. CUMMINGS, op.cit, p. 79).50

Cummings comenta que, a despeito do desprezo de arquitetos

“goticistas”, como Ruskin e Pugin, pela arquitetura renascentista, o design era 49 Nas palavras de Morris: “As a condition of life, production by machinery is altogether an evil.” (PEVSNER, op.cit, p. 21) 50 Este crítico é o mesmo que será acusado, mais tarde, por autenticações questionáveis de quadros da Renascença (ver nota 10 adiante).

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admirado por seus pares. Por trás desta referência visual, havia uma razão

também ideológica, pois estes interesses vinham do fato de

Designers da virada do século [XIX], apoiados e encorajados

pelos novos escritos de historiadores da arte, viam a

Renascença tanto como uma era do humanismo, como o

clímax máximo da última fase da civilização medieval (loc.cit.)

Morris criou uma legião de trabalhadores ‘livres’ e por volta de

1880 já havia muitas oficinas em toda a Europa seguindo seu

exemplo.

O que Jean-Claude Garcias, na introdução a Pedras de Veneza,

chamou de “elogio da imprecisão”, era “completada pela ‘teoria do

operário feliz’”: Ruskin repetiu sem cessar – e, depois dele, William

Morris e todo o movimento Arts and Crafts – que um

objeto feito à mão é belo na medida em que é

imperfeito; a precisão da máquina é um mal e a

imprecisão relativa da mão é um bem (GARCIAS, in

RUSKIN, 1992).

Esses argumentos se justificam na idéia de Ruskin de que:

de uma criatura humana você pode fazer uma

ferramenta ou um homem. Mas não pode ter os dois

ao mesmo tempo (Ruskin apud GARCIAS, Idem,

ibidem.).

Ainda que esta passagem mereça melhor contextualização, não

seria equivocado dizer que o movimento Arts and Crafts esperava

promover a autonomia e a liberdade do artesão. A metodologia de

trabalho nos Arts and Crafts resultava numa forma final que se

diferenciava em muito dos produtos do processo industrial,

primeiramente, por uma busca da inovação que era premissa da

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própria proposta do movimento. Além disso, o procedimento manual,

por si só, impede a perfeita cópia.

Figura 10 - Arts and crafts - a busca das origens da alegria do trabalho no artesanato. Figura 10 (a) (1ª linha): ambiente Arts and Crafts, projeto M.H. Baillie, design para a sala de musica, Winscombe House, Crowborough, Sussex, Inglaterra, c. 1900 (detalhe). Fonte: CUMMING e KAPALAN, 1991. Figura 10 (b) (2ª linha, esquerda): aparador de fogo. Ernest Gimson, fabricação Algred Bucknell, 1904. Ibid. Figura 10 (c) (2a linha, centro): Tapete do catálogo da Grande Exibição de 1851. Fonte: GOMBRICH, 1979. Figura 10 (d) (2ª linha, direita): W. Pugin. Papel de parede, c. 1848. Ibid.

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O explícito revivalismo do gótico, em Pugin (fig. 10 (d)), cede

para formas atualizadas no Arts and Crafts, tanto na arquitetura como

na decoração e ornamentação (figura 10 (a) e (b)).

A simplicidade buscada pelo movimento se opõe frontalmente à

estética Vitoriana em voga no início da segunda metade do século

XIX (fig. 10 (c)). O acabamento, tanto nos detalhes como nos

materiais, valoriza o local e o vernacular.

Adrian Forty (2007, pp.151 et.seq.) apresenta uma discussão detalhada

da moralização estética durante o final do século XIX. Ele inclui, ali, uma

demonstração da evolução do gosto, em particular no que concerne a

decoração doméstica, desde os exageros ‘desonestos’ de meados do século

XIX, quando se imitavam materiais, até a aplicação mais completa do que se

chamou ‘mobília de arte’ 51:

Os móveis pesadamente estofados foram deixados de lado,

em favor de cadeiras de estrutura de madeira e canapés com

almofadas soltas. Moveis escuros, dourados e cores como

escarlate foram banidos em favor de tons pastéis e trabalhos

de marcenaria pintados de branco. Tapetes sobre assoalhos

de madeira ou tacos eram preferísseis a carpetes. Em todas

as dependências buscava-se um ar de informalidade [e] o

mais importante de tudo: imitações e tapeações estavam

proibidas. Mobília que disfarçasse o modo como fora feita, ou

seus materiais, era considerada desonesta (Ibid., p. 154).

51 O exemplo extremo da aplicação da mobília de arte, e apresentado em fotografia por Forty, é datado de 1920. Apesar de ser este o período apontado por moles como o auge do kitsch,uma solução para esta contradição deve estar no fato de, como o próprio Forty coloca logo adiante: “A profusão de móveis e ornamentos e as cadeiras estofadas com franjas enfeitadas com borlas são alheiras aos princípios declarados da mobília de arte, embora fossem encontrados com freqüência em interiores considerados belos” (FORTY, op.cit.p.154).

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3.2 - O Art Nouveau e a união artista-designer-arquiteto: o arquiteto designer

Ao Art Nouveau, que surgiu inicialmente na França, por volta de 1880 e depois

se espalhou por todo o mundo 52, interessava valorizar tanto o material quanto

a estrutura. Por sua vez, o ornamento deveria ser um complemento

da estrutura e nunca um meio de escondê-la.

Sob grande influência do movimento Arts and Crafts inglês e

ciosos dos avanços técnicos e científicos que a sociedade alcançara,

arquitetos e designers experimentavam uma nova e mais vasta gama de

materiais, nas mais diversas áreas.

Designers, artistas e arquitetos desenvolveram desde

objetos, dos mais simples aos mais complexos, a

parques, atuando no campo bidimensional,

tridimensional, espacial. O urbanismo, a arquitetura, a

pintura, a escultura, o design gráfico, o design de objetos,

o design de jóias, a moda, a publicidade foram

contemplados. Podemos afirmar que praticamente todas

as manifestações e produções de arte e de design

ocorreram no Art Nouveau. (MOURA, 2003, p.42)

O rápido avanço econômico recente permitia a todos esperar mais que

apenas trabalho árduo. Diante das diferenças sociais observadas, o

trabalhador poderia usufruir dos benefícios que o avanço técnico, científico e

econômico, enfim, material, poderia proporcionar. Em suma, era a apologia do

trabalho que surgia na arte, na arquitetura e na estética da época, desta vez,

sob a forma da exposição deste mesmo trabalho, seja ao expor a estrutura,

52 Por todo o globo, houve manifestações da influência do Art Nouveau, e em cada local ele recebia uma denominação diferente. Por exemplo, na Espanha, assume o nome de “modernismo”.

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seja ao expor as elaborações decorativas que evidenciavam o prazer de

trabalhar.

Quanto à forma, o Art Nouveau importava o traço suave e a estruturação

espacial das gravuras japonesas em voga na época, além do emprego de

elementos do vernáculo, exportando para todos os seus similares locais uma

estética típica, marcada por linhas curvas e elementos da natureza. Quanto ao

conceito, a idéia de expor o material da estrutura também trazia em si um

elemento associado à localidade.

Materiais diversos eram pesquisados em países diferentes. O vernacular

era não só uma questão cultural, mas econômica. A racionalidade do Art

Nouveau estava em dar um status cultural aos objetos, como arte e como

referência local, ainda que houvesse grande influência oriental nos motivos,

como já acontecia desde a estética das oficinas do Arts and Crafts.

Exemplo da expressão da cultura local do Art Nouveau está no trabalho

do catalão Antoní Gaudí (1852-1926). As formas herdadas da influência

mourisca na Espanha ficam claras nas suas composições. Seu trabalho foi

muitas vezes comentado por sua habilidade e interesse especial no que

concerne o trabalho de artesão e ferreiro, como é notório no portão na casa

Vincenz, Barcelona, Espanha (fig.11(b)).

No entanto, se a riqueza e o deleite nos detalhes aos quais se

entregavam os criadores do Art Nouveau renderam resultados em termos

estéticos e de pesquisa, também estabeleceram os limites da longevidade do

estilo como arte aplicada. Ao comentar sobre a obra de Gaudí, Pevsner nos dá

uma definição do tipo de trabalho buscado pelos mestres do Art Nouveau e

mostra seus limites em termos comerciais:

É importante dizer, pois recentemente Gaudí foi saudado

como um pioneiro das estruturas do século vinte, um

predecessor de Nervi.53 Mas, enquanto no campo de

novas formas e materiais ele aponta para frente, de fato,

seu uso de modelos complexos para experimentar com 53 Pier Luigi Nervi ( 1891-1979): engenheiro e arquiteto italiano, respeitado por seus trabalhos em engenharia de estruturas e uso inovativo do concreto armado.

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forças e tensões, não é aquele de arquitetos-engenheiros

do nosso tempo de jeito algum. Ao contrário, é ainda

aquele do artesão individualista, o recluso, solitário,

inventor independente (PEVSNER, p.112).

Pevsner comenta, ainda, que o amor ao detalhe foi até certo ponto a ruína

do Art Nouveau, pois tirava-lhe a possibilidade de comercialização.

O estilo da Escola de Belas Artes poderia ser ensinado e

usado com impunidade a todo mundo. Comercializar van

de Velde e Tiffany é um desastre. Comercializar Gaudí era

raramente tentado. Este individualismo atrela o Art

Nouveau ao século em cujo fim ele surge. Isso é que faz

sua insistência na artesania e sua antipatia pela indústria.

Isso é o que lhe faz o deleite no material precioso ou

mesmo distinto. (Ibid., p.113)

No entanto, observa Pevsner, isso não tirou a importância da contribuição

do Art Nouveau para o design, uma vez que conseguiu levar a cabo sua

ambição de produzir objetos também para uso e não só para enfeite.

Mas o Art Nouveau vai a passos largos pelos limites entre

dois séculos, e sua significância histórica está naquelas

suas inovações que apontaram para avante. Elas são,

como já disse nessas páginas mais de uma vez, sua

negação a continuar com o historicismo do século

dezenove, sua coragem de continuar confiando na sua

inventividade, e sua preocupação com objetos de uso mais

que com quadros ou estátuas. (Ibid., loc.cit.)

Neste sentido, o Art Nouveau ficou entre os dois séculos e, a partir de

suas postulações, permitiu o avanço do design na colaboração para uma

produção, em muito melhorada, a partir de uma concepção de mundo que

valorizava a vida cotidiana, ao trabalhar objetos de uso comum.

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Portanto, em termos da relação entre plano-execução-uso na produção

de objetos, o Art nouveau se caracterizava por ser uma corrente estilística que

buscava o artesanal, o que a aproxima do Arts and Craft sob o ponto de vista

da adesão ao decorativismo. Sua tendência à padronização não só era mínima,

como seu insucesso comercial se deu, em parte, devido à busca incessante

por novos materiais e expressões, em que empregava o vernacular, tanto na

forma como na aplicação de materiais.

Figura 11 - Art Nouveau - a valorização do trabalho – 11 (a) e (c) Horta e 11 (b) Gaudí – portão em ferro. 11 (a) – em cima, à esquerda: Escadaria, Hotel Tassel, rua Paul–Emile Janson, Brussels, 1893. Fonte: GOMBRICH, 2001, p. 536. 11 (b) – embaixo, à esquerda: Portão da Casa Vicens, Barcelona; serralheria (em fero). Antoní Gaudí, c. 1880. Fonte: PEVSNER, 1995, p. 64. 11 ( c) – à direita: Detalhe do livro Entretiens sur la architeture, do arquiteto Eugène-Emmanuel Viollet-Le-Duc (1814-1879) mostra a integração entre ornamento e estrutura. Fonte: PEVSNER, op.cit., p.65.

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Com relação ao ornamento, Torrent e Marín comentam que

Apesar de ser um estilo fundamentalmente decorativo, o

modernismo54 teve o mérito de considerar o ornamento como

algo integrado na mesma estrutura construtiva do objeto. E

ainda que a princípio se possa crer que a decoração foi seu

leitmotiv, também é verdade que ainda que este seja o fato

dominante, o estilo corresponde mais secretamente às

possibilidades oferecidas pelos materiais novos, como ferro e

a fundição que, aptos para o jogo da curvatura, recolocam o

problema das estruturas tradicionais. De fato, sob formas que,

na aparência resultam arbitrárias, se escondem, muitas vezes,

traços inovadores e resoluções idôneas, ainda que também é

verdade que em ocasiões se adota uma mera decoração

superposta aos objetos, que, neste caso, não se podem

subtrair do qualificativo do que chamamos arte decorativa

TORRENT e MARÍN, 2005, p. 111).

De todo modo, foi um período marcado pela expressão pessoal dos

criadores.

3. 3 - As Omega Workshop e a união artista-intelectual-trabalhador: o artista designer

A história de todas as escolas estilísticas de design que surgiram na Europa e

nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século XX sempre estará mais

ou menos relacionada aos desdobramentos dos princípios apontados pelo

movimento Arts and Crafts na Inglaterra.

Na discussão acerca da relação entre arte e design, alguns movimentos

decorativistas são considerados parte de um terceiro campo. Não está em

54 Ver nota 47.

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questão aqui se estilos, como o Art Déco, ou iniciativas de associações de

trabalho, como as Omega Workshop, são mais ou menos ligadas às artes

aplicadas.

Desta forma, nosso interesse se restringe ao fato de que são

manifestações concretas das relações que concernem o trinômio plano-

execução-uso e ao papel histórico de cada uma dessas atividades no contexto

social da época, sob o aspecto da sua importância do ponto de vista da cultura

material.

As Omega Workshops foram uma experiência de implantação de oficina

de artesanato inspirada nas teorias estéticas de intelectuais ingleses

conhecidos como o “grupo de Bloomsbury”, o qual congregava amigos e

parentes com a peculiaridade de todos serem grandes nomes da vida cultural e

intelectual inglesa, como Virgínia Woolf, John Maynard Keynes e Lynton

Stratchey e, mais tardiamente, Roger Fry.

As Omega tiveram vida curta e começaram por plano e iniciativa do crítico

de arte (e pintor) Roger Fry, um curador de renome e homem já de certa

estatura no cenário cultural londrino. Abertas em 1913, com o apoio de

eminentes membros da cultura e da sociedade inglesa, a oficina fechou as

portas seis anos mais tarde, por força não só da eclosão da Primeira Grande

Guerra, mas também por indisposição dos seus membros a uma continuada

luta para manter a proposta inicial de trabalho constante, produtivo e anônimo,

em paralelo à criação artística individual.

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Figura 12 - Omega Workshops - assinatura Ômega; capas para livros de Virgínia Wolf. 12 – (a) assinatura Omega que ficava sobre o pórtico do endereço das oficinas em 33 Fitzroy Suare, Londes. 12 (b e c)– capas desenhadas por Vanessa Bell. Fonte: ANSCOMBE, 1984.

A idéia central (de Fry) era de que jovens artistas poderiam sobreviver a

partir das artes aplicadas, enquanto o mercado não fosse receptivo às suas

criações no plano das Belas Artes, como resume John Lehman, na

apresentação de Omega and after: Bloomsbury and the decorative arts (In:

ANSCOMBE, 1981).

Além das telas, os artistas passaram a se dedicar à produção de “objetos,

mesas, cadeiras, jarras, tigelas, vasos e caixas, para harmonizar com pinturas

de paredes, cortinas, móveis e estofados criados especialmente para um novo

e estimulante efeito conjunto”. (Idem, ibidem, p. 29).

Apesar de Lehman qualificar a experiência como uma “explosão nas artes

decorativas tal como não se via desde o movimento liderado por William

Morris” (op.cit., p.6), a inspiração estética dominante entre os artistas que

colaboravam nas Omega Workshop era fundamentalmente impressionista e

tributária das investigações artísticas que se desenvolviam na França, numa

linguagem até então estrangeira para os ingleses.

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Da mistura destes dois movimentos (o pós-impressionismo francês e o

Arts and Crafts), resultou a liberdade alcançada em termos de expressão

artística e estética, que se popularizou e perdura até os dias de hoje, em

alguns redutos do artesanato inglês. A tradição do artesanato certamente é a

força por trás disso. Essa seria a tradição que remonta a William Morris.

O modelo “mais próximo provável”, de acordo com Isabelle Anscombe

(ANSCOMBE, 1991), teria sido o Wiener Werkstätte, um outro workshop aberto

por artistas e arquitetos, em Viena, em 1903. Mas seu contato com aquela

experiência distante teria ocorrido de maneira indireta, como conseqüência das

freqüentes colaborações do grupo inglês com gente da França.

Anscombe conta que as Omega surgiram tanto por falta de

patrocinadores das artes, à época, quanto pela percepção de Roger Fry de que

seus conhecimentos e gosto pela arte eram “principalmente mercadorias

exploráveis num mercado em expansão” (Idem, p. 9). Fry havia largado seu

posto de diretor do Museu Metropolitan, de Nova Iorque, devido a uma disputa

com um dos membros do conselho acerca da “compra de um Fra Angélico”, e

vindo para Londres, onde, depois de algumas tentativas frustradas de integrar

o mundo institucional vinculado às artes (museus e universidades), passou a

viver de escrever para revistas e organizar exposições. Neste período, o pós-

impressionismo começou a despontar e o interesse de Fry pelas investigações

e propostas radicais de Paul Gauguin e Paul Cézanne levou-o a cometer o que

foi considerado um “crime”: montar uma exposição com os novos pintores da

França55 e, nas suas teorias, compará-los aos artistas da tradição pictórica.

A constatação de Fry de que ele tinha “acertado nos interesses

emocionais” da classe culta levou-o a refletir, mais tarde, que

...essas pessoas sentiram instintivamente que sua cultura mais

especial era aquela dos seus recursos sociais. Ter a

competência para falar facilmente sobre T’ang and Ming, de

Amico dei Sandro e Baldovinetti56, trouxe-lhes reconhecimento

55 A exposição, de 1910, intitulava-se “Manet e os Pós-Impressionistas” e incluía trabalhos de Cézanne, Van Gogh, Gauguin, Matisse, Picasso, Derain, Seurat, Rouault, além de outros. 56 Amico di Sandro: pintor sabidamente inventado pelo historiador de arte americano, Bernard Berenson, lituano de nascimento, como suposto amigo de Sandro Botticcelli, para explicar quadros de origem

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social e uma certa marca de distinção. Isso me mostrou que

temos todo o tempo trabalhado sob um equívoco mútuo, i.e.

que temos admirado os primitivos italianos por razões bastante

diferentes. (Apud. ANSCOMBE, p. 110)

Se a disputa com o velho conhecimento isolou-o do círculo antigo do

“mundo respeitável da arte” (Ibid., loc.cit), trouxe-lhe novos vínculos, dentre

eles, com o casal Clive e Vanessa Bell. Mais tarde, os três seriam as figuras

principais no estabelecimento das Omega Workshops.

Anscombe considera possível que, ao apresentar os novos artistas

ingleses na exposição que seria uma contrapartida daquela de 1910, dois anos

depois 57, em Paris, Fry tenha conhecido Paul Poiret, costureiro francês que

esteve no Weiner Werkstätte, de cuja “rigidez das doutrinas [Poiret teria

desgostado” (ibid., p.13.).

Poiret tinha um curioso método de investigação para suas criações,

inspirado parcialmente no workshop vienense, mas que “encorajaria a livre

criação que ele admirava”.

Poiret juntava quinze garotas adolescentes, estudantes do

curso básico, vindas das classes trabalhadoras, pagava-lhes

um pequeno salário e dava-lhes duas refeições por dia.

Mandava-as para o zoológico, para o aquário, as feiras, as

estufas de criação de plantas de Paris, e para as fábricas de

Sèvres a as deixava por lá, sem qualquer treinamento formal,

para transcrever suas impressões em termos de designs de

tecidos, cerâmica pintada, murais e mobília pintada.

(ANSCOMBE, op.cit, p.14).

desconhecida. Grande conhecedor da arte renascentista, Berenson era consultor de colecionadores de posses e sua opinião sobre a autenticidade de obras e quadros refletia imediatamente no mercado; T’ang e Ming: dinastias que denominaram períodos e estilos das artes na China; Baldovinetti (1425-1499): pintor italiano renascentista. 57 “Quelques artistes indépendant anglais”, em julho de 1912, na Galerie Barbazanges, rue Saint-Honoré, Paris.

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O método de Poiret58 fazia sucesso entre seus amigos artistas que o

visitavam na sua galeria, a Martine, entre eles, Henry Matisse, Raoul Dufiy,

Segonzac e Van Dongen59, nomes de destaque no meio artístico independente

da época, todos eles pintores fauvistas. Ele chegou a montar um atelier para

Dufy imprimir tecidos à mão, com a ajuda dessas meninas.

O negócio de Poiret prosperou a ponto de tornar-se fornecedor de todo

tipo de peças de decoração, desde os tecidos de sempre, objetos, tapetes até

consultoria em geral.

Preocupado com a pobreza de alguns artistas, Fry pretendia dar uma

solução prática para a situação e, segundo carta sua ao grande dramaturgo

Bernard Shaw, estava encantado com o que denominou “École Martine”.

Contava que o trabalho a partir de um atelier como o de Poiret trazia novas

possibilidades que aduziam “alegria e encanto” aos ambientes interiores.

Portanto, ele pretendia estabelecer um atelier que fosse

conduzido por linhas similares e que provavelmente trabalharia

em conjunto com a École Martine, numa troca mútua de idéias

e produtos. (Apud ANSCOMBE, op.cit., p15)

Quanto à linguagem estética, ele comentou que, apesar de ter a

promessa de ajuda de vários artistas franceses, ele pretendia “desenvolver

uma tradição definitivamente inglesa”.

Dúvidas sobre a possibilidade de confiar no gosto genuinamente inglês

logo surgiram. Admiradores de certa suntuosidade e do estilo do século XVIII,

jamais dariam importância ao estilo renovador pretendido por Vanessa e Clive

Bell, Roger Fry e os franceses, e isso fazia com que fosse difícil mesmo atrair

artistas ingleses para o projeto. O máximo que conseguiam era o estilo Arts

and Crafts: elegante, equilibrado e discreto.

58 A importância de Poiret, à época, pode ser observada pelo fato de o vestido de casamento da pintora brasileira modernista Tarsila do Amaral (1886-1973), ter sido desenhado por Poiret, segundo texto da peça Tarsila , de Maria Adelaide Amaral. A autora agradece à atriz Marília Adamy por esta informação. 59 Henry Matisse (1869-1954; francês), Raoul Dufiy (1877-1953, francês), Andre Dunoyer de Segonzac (1884-1974, francês) e Kees van Dongen (1877-1968; holandês). Todos pintores fauvistas.

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A busca de Fry, clara nas suas formulações teóricas, era uma defesa da

realidade, da supremacia da forma sobre o conteúdo narrativo. Alguns artistas

não aceitariam expor com as Omega, outros teriam sido rejeitados. Para

William Rotehnstein, que havia declinado um convite, a dificuldade em

identificar-se com a proposta das Omega estava exatamente na tradição das

suas raízes.

Arte e literatura que não combinam forma com o drama

humano não podem satisfazer o ser humano... Interesse na

forma por si só nunca foi a marca distintiva dos pintores

ingleses. (William Rotehnstein, Apud ANSCOMBE, op.cit.,

p16)

Apesar das dificuldades para juntar fundos suficientes60, dar início às

operações da oficina, promover o trabalho do grupo e gerenciar a vida

administrativa da empreitada, as Omega começaram a funcionar. Mesmo

garantindo salários fixos aos artistas, era difícil levar a tarefa a cabo de acordo

com uma visão de negócio. A maior dificuldade declarada era colocar senso

prático na operação, pelo fato de os objetos competirem com cópias mais

baratas e com novos concorrentes no mercado. Talvez esta razão tenha sido

mais forte para o fechamento das Omega, em 1919, do que a guerra.

Tentativas de associar o trabalho das Omega ao dos ateliês do Arts and

Crats foram terminantemente refutadas por Fry, que discordava abertamente

tanto da proposta socialista de Morris, quanto da idéia de relacionar a produção

das oficinas com outra coisa que não fosse pintura. Este era o mote do grupo e

não lhes interessava a questão do design, tampouco a idéia de refletirem sobre

arquitetura de qualquer modo. Por outro lado, a valorização do trabalho está

presente nos princípios do grupo, como no texto de Fry para o prefácio do

catalogo das Oficinas:

As Oficinas Omega Ltda. é um grupo de artistas que

trabalham com o objetivo de permitir o livre jogo do deleite na 60 O atelier abriu com fundos de doações e dinheiro de herança da família de Roger Fry.

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criação ao fazer objetos comuns para uso diário ... satisfazer

necessidades práticas à maneira do trabalho operário, mas

sem [a] pretensiosa elegância do artigo feito pela máquina.

Eles tentam manter o frescor espontâneo do trabalho primitivo

ou camponês ao mesmo satisfazem necessidades e

expressam os sentimentos do homem moderno educado (Fry,

apud. ANSCOMBE, op.cit, p 32).

O atelier funcionava como uma pequena oficina, onde todos as obras

tinham a marca do grupo -- a letra ‘ômega’ (fig. 12(a)) --, e assinaturas de

artistas eram usadas. Também não poderiam dedicar mais que três dias

semanais nas oficinas, para não abandonarem “seu trabalho mais sério”

(ANSCOMBE, 1984, p. 27)). O anonimato tinha como objetivo garantir ganhos

eqüitativos entre os membros do atelier.

O atelier abriu em 8 de julho de 1916. A crítica do Times revelou todo o

segredo da tradição inglesa que o trabalho das Omega encerrava, como o da

alegria no trabalho pregada por Morris. Se a alegria não estava, de fato, no

exercício das tarefas, certamente já tinha sido incorporada ao discurso sobre o

tema:

...o que agrada mais em todo o trabalho desses artistas é sua

alegria. Eles parecem ter trabalhado, não triste ou

conscienciosamente a partir de algum princípio artístico, mas

porque eles gostam de fazê-lo. Eles não são farisaicamente ou

agressivamente artísticos, mas ao fazer o que gostam de fazer

eles conseguiram esquecer toda a arte ruim de que eles não

gostam (apud. ANSCOMBE, op.cit. p.27).

Este esforço de transportar para o trabalho de fabricação de objetos as

crenças, não místicas, mas que se referiam a certa metafísica ligada a uma

filosofia de vida, localizava as Omega Workshops no seu tempo, como uma

articulação ética entre o passado humanista, que se dissolveria com os

horrores da guerra que começava a se anunciar no horizonte da história da

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humanidade e um futuro cético, em que a racionalidade passaria a determinar

os tons sobre os quais toda criação deveria se pautar.

A relutância de Fry em identificar-se com o movimento de Morris tanto

tinha motivações declaradamente ideológicas quanto estéticas. No entanto, o

princípio mais importante que ele seguiu foi o da aproximação do criador com a

obra, no fazer. Esse purismo, ao entreter uma preocupação não conteudística,

mas apenas formal, foi observado por Eric Hobsbawn como tendo um fundo

“religioso”:

Não há como compreender as artes do final do século XIX

sem este sentido da necessidade social delas deverem agir

como fornecedoras do conteúdo espiritual da mais materialista

das civilizações. Poder-se-ia até dizer que eles tomavam o

lugar das religiões tradicionais entre os cultos e emancipados,

isto é, das classes médias bem-sucedidas...

A substituição da religião pela exaltação em relação à

natureza e às artes era característica apenas de setores

intelectuais das classes médias, como aqueles que iriam

formar mais tarde o Bloomsbury inglês, homens e mulheres

com renda privada proveniente de heranças, raramente

envolvidos em negócios. (HOBSBAWN, pp. 294-5)

Quando John Lehman escreveu sobre as Omega, na abertura de Omega

and after..., ele o fez em tom de testemunho. Ali, contou que, apesar de ser

muito jovem nos tempos das Omega, mais tarde, pode se deleitar nas visitas

aos bazares do London Artist´s Association 61. No entanto, seu depoimento

terminou num lamento, ao comentar que achava

uma pena que a geração mais jovem não teve a vontade, ou o

interesse, de reviver tais atividades decorativas mais uma vez:

agora, em tudo tem que faltar graça. (In: ANSCOMBE, op.cit. p

7)

61 Uma tentativa, posterior, do grande economista John Maynard Keynes de retomar a proposta das Omega Workshop.

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A origem das Omega Workshop num grupo ligado estritamente às artes,

vai se manifestar de uma forma que foge da escola dos Arts and Crafts.

Obviamente, seu caminho segue o mesmo da abstração e da investigação da

composição da cor e da decomposição do espaço, para o qual o continente

estava caminhando. No entanto, o interesse por imprimir significado pessoal ao

ambiente onde a vida “acontecia” - em particular, as casas e os ateliês - são

evidências da proximidade entre o usuário e o criador: nestes trabalhos surgem

a peculiaridade dos estilos, as idiossincrasias, que são ainda mais evidentes

que no caso do Art and Crafts, uma vez que a produção, aqui, ainda era muito

mais limitada, e a prática era reservada a um grupo ainda menor.

3.4 – O Art-Déco e o apogeu kitsch; o styling e o streamlining: o designer decorador

Apesar de o estilo emblemático do kitsch ter sido o Jungendstil, nome

alternativo para o Art Nouveau em vigor na Alemanha da década de 1890, foi

na de 1920 que ocorreu o auge do fenômeno kitsch, com o empilhamento

combinado aos fatores inutilidade, conforto e felicidade, como apontado por

Moles, e mencionado no capítulo anterior.

Fiell e Fiell lembram que o termo kitsch deriva de ‘verkitschen’, ou

‘regatear’, o que quer dizer ‘tornar barato’, e seria “a verdadeira antítese do

Good Design...

...o termo foi originalmente usado para descrever itens não

funcionais como souvenirs, bugigangas e novidades... (...) em

1939 [seu] significado foi alargado para definir elementos da

cultura popular contemporânea, como anúncios comerciais e

literatura ‘inferior’ (FIELL e FIELL, 2005, verbete ‘Kitsch’)62.

62 Ainda segundo os autores, o auge do estilo seria no ano de 1950, com a grande produção de

produtos ‘mal acabados’, baratos e mal feitos, em estilo maneirista, humorístico.

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O Art Déco (fig 13) foi o estilo que melhor viria a responder ao avanço

kitsch da sociedade do período, numa tentativa bem sucedida de reanimar a

produção francesa de artigos de luxo, depois do fracasso comercial do Art

Nouveau, e, ainda, uma resposta francesa ao avanço do design alemão. De

inspiração eclética, além de absorver rapidamente tendências

contemporâneas, o Art Déco aceita influências exóticas e extemporâneas do

Egito antigo e do México azteca. Refletiu a influência das vanguardas nas artes

plásticas – o expressionismo, o construtivismo, o cubismo, o futurismo, o Art

Nouveau, e o avanço das idéias do funcionalismo racionalista que iriam

culminar na criação da escola de design alemã Bauhaus, que se instalaria na

Alemanha, ao mesmo tempo em que, na França, surgiria o grupo de ‘Artistas

Modernos’ (TORRENT e MARÍN, 2005).

Também seria uma resposta esteticamente satisfatória à necessidade de

padronização dos produtos industrializados, particularmente no que significava

atualizar em linhas geométricas o luxo até então proposto com linhas sinuosas

pelo Art Nouveau.

Segundo Torrent e Marín, a discussão, na época, se polarizou entre os

chamados ‘contemporâneos’ e ‘modernos’:

Os contemporâneos são os tradicionalistas, ser

contemporâneo para Guillaume Janneau, administrador

adjunto do Móvel Nacional, é a constatação de um estado de

fato, mas não profissão de uma doutrina’ [enquanto] moderno

[...] define uma estética. [Modernos são os que ] valorizam a

noção de progresso, que contemplam como um bem a

produção em série e consideram as necessidades sociais

(Ibidem, p. 234, grifo no original). [Contemporâneos] ao

contrário, não rechaçariam uma tradição remoçada e uma

técnica artesanal (Ibidem, p. 234).

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Figura 13 - Art Nouveau e Art Déco - padrões Fonte: GOMBRICH, 1979, p. 118

Os tradicionalistas ‘ganharam’ a batalha pelo gosto do consumidor.

Objetos que pudessem fugir às exigências funcionalistas do uso - mesinhas

laterais, jóias, espelhos, relógios, vasos etc - foram arena para o

desenvolvimento pleno do Déco ‘tradicionalista’.

Após a 1ª Guerra, o estilo atingiu e foi acolhido localmente em todos os

grandes centros urbanos de todo o mundo; atendia à necessidade de retomada

do ritmo de crescimento econômico de antes da guerra e reafirmava os novos

valores que viriam surgir a partir das grandes mudanças, como a relativa

igualdade entre os sexos, a necessidade de produção mecanizada, a entrada

dos eletrodomésticos na rotina cotidiana e a nova estética que se inspirava

formalmente na máquina. Servia, também, à vontade geral de “esquecer,

mediante suas construções de celebração dionisíaca [a guerra, da qual] a

sociedade acomodada se recuperou rapidamente” (TORRENT e MARÍN, 2005,

p. 226), mostrando sua vocação de exaltação da felicidade, sempre a partir do

consumo e da idolatria ao modus vivendi dos que detinham o poder e o acesso

ao luxo. Expressões como glamour e luxo estão associadas ao Art Déco por

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causa dos materiais nobres usados, o excesso de decoração e a qualidade nos

acabamentos:

Mesmo que opte por uma simplificação formal, sobretudo no

que respeite o anterior ‘grande estilo’ do design francês, o Art

Nouveau, o certo é que apresenta opções que captam a visão

do espectador devido a sua sofisticação, luxo, ou

compromisso formal (TORRENT e MARÍN, 2005, p. 224).

No entanto, alguns projetos ainda pretendiam uma padronização. Um

exemplo é o edifício Empire State, nos Estados Unidos, construído em apenas

um ano e quarenta e cinco dias, por força da metodologia de padronização

adotada, que permitiu tanto o luxuoso acabamento quanto a execução em

tempo recorde. A exaltação da técnica vai andar de braços dados com a

exaltação da riqueza e renderá diversos e eloqüentes exemplos do início de

uma nova fase em que o símbolo passará a ser mais forte que a realidade.

Como expressões formais desse novo tempo, figuram o Chrysler Building,

como verdadeiro monumento pagão moderno, o cinema e suas estrelas

dominando as mentalidades e as imagens da pintora Tamara de Lempicka

(1898-1980), sobre as quais Torrent e Marín comentam:

Imagens frias e estilizadas [...]. Os homens e mulheres que

retrata transmitem sofisticação por meio de quadros que

manifestam beleza marmórea frente à impressão fugaz e

elegância contra o bom humor; ao fim e ao cabo, é o triunfo da

imagem sobre a pintura (TORRENT e MARÍN, 2005, p.238).

Por ter sido mais voltado para os aspectos decorativos, o Art Déco é

considerado, por alguns autores, “menos um movimento de design que um

estilo decorativo internacional” (FIELL, 2005, p. 49; MOURA, 2003).

O Art Déco reacende a discussão ‘forma X função’, pois retoma a

decoração com o intuito de venda, uma prática que sempre mereceu crítica de

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grande parte dos designers comprometidos com uma produção genuinamente

voltada para o atendimento das necessidades do usuário.

Mas, segundo Torrent e Marín, o extremo da forma impura, ou seja,

dissociada da função, vai surgir logo depois, nos Estados Unidos.

Deu-se a profissionalização do design, quando uma combinação do

desejo de um estilo nacional de design e a queda das vendas decorrentes da

crise da bolsa, em 1929, levaram ao surgimento do styling (estilismo) e do

streamlining (aerodinamismo). A adoção de linhas que representassem

dinamismo, novidade e modernidade (no sentido de sugerir uma identidade

com o tempo futuro e um desligamento do passado), sem que tivessem

qualquer efeito real sobre o desempenho ou função dos objetos, foi a solução

dada pelos desenhistas industriais.

Enquanto o Styling buscava fazer com que os objetos fossem desejáveis,

o streamline se preocupava em unir funcionalismo e eficiência, mas numa

forma tal que fosse indicativa deste esforço.

Duas novidades na área do design merecem atenção aqui. A primeira, é

que foi neste período que, pela primeira vez, surgiu a denominação ‘desenhista

industrial’; a segunda é que, também pela primeira vez, designers e publicidade

“passaram a atuar em conjunto para criar modas efêmeras e superficiais [e] dar

respostas às exigências das massas motivadas permanentemente pela moda”.

Os novos criativos se erigiram em consultores de desenho

industrial. As empresas os contratavam para remodelar os

produtos no mercado ou para lançar novos modelos, mas

sempre com a exigência de que os objetos fossem expoentes

de um tempo novo e diferente, ao que correspondiam linhas

novas e diferentes (TORRENT e MARIN, 2005, p. 254).

Com relação ao trinômio projeto-execução-uso e sua relação com a forma,

tanto os objetos do Art Déco como os do novo design americano começaram a

responder a um novo movimento na produção dos objetos: o interesse pela

identificação do usuário com o objeto.

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Tanto o glamour, no caso da associação do Déco com as estrelas do

cinema, como a associação do novo, moderno, ‘futurístico’, no caso do styling e

do streamline, passaram o design para um novo tempo, para além do simples

“embelezar” para vender. As associações de significado passaram a fazer parte

do projeto, assim como a criação de uma identidade para o consumidor.

Forty já observa como a venda por catálogos, inicialmente, já era uma

indicação dos grupos de consumo identificáveis, assim como os anúncios

comerciais, desde cedo na história da indústria. Mas este é o momento em que

isto começa a ser deliberadamente projetado.

Mais do que prerrogativa do designer, a forma, aqui, é prerrogativa do

Design, do departamento que vai olhar o produto não do ponto de vista do

usuário. Aqui, ocorre a alienação máxima do usuário: é ele quem passa a ser

‘vendido’. Essa criação das necessidades a partir de uma solicitação da

indústria, mais tarde, será descrita por Noam Chomsky (1999), ao afirmar que,

na era da comunicação de massas, é o espectador que é vendido pelos

anúncios, para o anunciante, e não mais o produto para o consumidor.

3.5 – No caminho da standardização, a Deutsche Werkstatten, a Werksbund, a Bauhaus e as variações da união artista-cientista-trabalhador: o designer operário, o designer engenheiro e o designer coordenador

Entre a criação das primeiras escolas técnicas63 até as escolas de design

propriamente ditas, muitas foram as tentativas de submeter a arte à técnica e a

técnica à arte.

63 Mônica Moura, em sua tese de doutorado, aponta o Royal College of Art, da Inglaterra, como a primeira escola constituída para este fim. Apesar de ter recebido o nome pelo qual é conhecido apenas em 1896, desde 1837 funcionava como uma “escola governamental (...) fundada para aplicar a gramática do ornamento na formação de profissionais para as indústrias de manufatura”. Em 1852, teria sido criado o departamento de artes práticas.

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Assim, da tradição do design moderno, que remonta a Ruskin, Pougin e

W. Morris, como já discutido, podemos derivar uma vertente voltada à busca da

forma limpa ou pura, sinônimo de economia, singeleza de acabamentos e

ausência de ornamento, restrita à funcionalidade da razão da sua criação –

seja esta razão prática (em relação ao uso) ou técnica (com relação á

produção).

Bürdek atribui a um engano o uso inadequado do termo ‘função’ como

relativa às “funções práticas dos edifícios”. Segundo ele, o termo deveria ser

entendido, como pretendia o arquiteto americano Louis H. Sullivann (1856-

1924) responsável pela expressão ‘forma segue função’, no contexto “das

dimensões semióticas dos objetos” e, neste sentido, estaria relacionado à idéia

de ‘decoro’ apresentada aqui, no primeiro capítulo.

Ainda assim, a defesa da simplicidade passou a ser justificada tanto pela

necessidade de uma estandardização, que favorecesse a produção

mecanizada, reduzisse custos e que ainda produzisse um estilo

correspondente a uma estética significativa daquela época, que traduzisse o

acesso mais democratizado aos bens, uma linha que tirasse proveito da

mecanização, incorporasse o futuro e descartasse o passado. Tal “vertente da estandardização”, por sua vez, já pode ser considerada

como uma tradição em si, e pode-se afirmar que tem sua origem na Deutsche

Werkstatten, criada em 1898, em Dresden, a partir da união de algumas

oficinas artesanais, também influenciadas pelas idéias de Morris e seu Arts and

Crafts. Isso parece uma contradição com a afiliação ideológica. Afinal, o Arts

and Crafts pregava a liberdade de criação. Contrapunha a ordem à criação, ao

afirmar que o estilo egípcio ordenava, enquanto o gótico criava. Louvava a

capacidade do ser humano de criar cada vez um projeto diferente, o que

parecia o oposto do projeto da escola alemã.

O questionamento do estilo alemão da sua época começou com uma

produção mais artesanal. Depois, introduziram a criação artística na produção

industrial, até chegar à estandardização, em 1906 (Fiell, apud. MOURA, 2003,

p. 45).

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No período de oito anos desde a fundação, revelaram seu perfil de

indústria para produção em massa, que se evidenciou na “1ª exposição de

mobiliário fabricado à máquina [...] sem enfeites, com elementos simples e

superfícies lisas envernizadas” (Heskett, apud. MOURA, loc.cit.).

“Pela primeira vez o problema do design foi explicitado em toda a sua

complexidade e contradição [...] foi reconhecido que sem a presença da

indústria e de seus interesses não há sobrevivência para o design” (Souza,

apud MOURA). Conclui-se que a estreita colaboração resultava em melhores

soluções.

Em 1906, “o espírito da máquina” foi interpretado, resultando no primeiro

mobiliário construído a partir das premissas da estandardização (PEVSNER,

1994). Como reação, Teodor Fischer, diretor da Werkbund, desmistifica a

máquina e alerta sobre a passividade diante dela: ela deve ser usada como

uma ferramenta, para atender necessidades específicas e não para limitar os

projetos (MOURA, 2003).

Em 1907, fora criada A Deutscher Werkbund (Confederação Alemã do

Trabalho, em um sistema de federação profissional, uma “liga de ofícios”), com

a participação de artistas, artesãos, industriais e publicitários, e sob os

auspícios do Ministério de Comercio da Prússia. Hermann Muthesius, um

influente funcionário do Ministério do Comércio alemão, que havia sido

nomeado professor de arte aplicada da Universidade Comercial de Berlim,

passou a fazer campanhas pela atualização e melhoria do design alemão, em

busca de maior competitividade internacional do produto nacional (CARDOSO,

2000).

Foi o caso de uma iniciativa que começou interessada em retomar os

princípios do artesanato, com vistas a melhorar a qualidade do produto, com

apoio na arte (por força do sucesso alcançado com o Arts and Crafts, de Morris

e as demais oficinas em operação na Inglaterra). Em 10 anos, havia adotado

um catálogo com designs recomendados e restrições à decoração e, em mais

seis anos, teria um catálogo sobre “forma sem ornamento” (BURDEK, p 25).

No entanto, desde o início, havia uma divisão entre duas correntes: de um

lado, a estandardização e a tipificação de produtos (defendida por Muthesius) e

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do outro, o desenvolvimento da individualidade artística, (como queria Henry

Van de Velde, professor da Escola de Artes e Ofícios de Weimar).

O que estava em jogo era o barateamento de custos e, ao mesmo tempo,

se pretendia “desenvolver” o gosto do público. Tentava-se fazer da casa uma

obra de arte total. Acreditava-se na mudança do ser humano a partir da

arquitetura e do design, se bem que Muthesius estava interessado em atingir o

gosto universal.

A proposta do Werkbund era educar o gosto de trabalhadores e usuários.

A idéia de um gosto concebido e ensinado a partir de juízos de valor, como se

pretendia durante aqueles primeiros anos do design, talvez só possa ser

justificada pela vontade de simplificar a produção, para atender a um número

crescente da população, fazendo uso dos novos recursos que a máquina

começava a colocar à disposição. No entanto, o discurso estético nem sempre

se fazia claro.

Nikolaus Pevsner era ainda jovem, em 1914, mas cresceu embalado

pelos princípios do funcionalismo. Ele abre seu livro The sources of modern

architecture and design afirmando sua opinião sobre o assunto:

Arquitetura e design para as massas deve ser funcional,

no sentido de que devem ser aceitáveis para todos e que

seu bom funcionamento é de primeira necessidade.

Uma cadeira pode ser desconfortável e ser um trabalho de

arte, mas apenas do eventual conhecedor [de arte] se

pode esperar que prefira suas qualidades estéticas às

utilitárias. O clamor pelo funcionalismo é a primeira das

nossas fontes. Augustus Welby Northmore Pugin, nascido

em 1812, filho inglês de pai francês, escreveu na primeira

página do seu livro mais importante: 'Não deve haver

traços num edifício que não sejam necessários por

conveniência, construção ou propriedade... o menor

detalhe deve servir a um propósito, e a construção,

mesmo, deve variar com o material empregado

(PEVSNER, 1995, p.9).

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No entanto, a busca da simplificação não poderia ser ignorada: é também

uma busca por maiores mercados. A forma abstrata se colocava como uma

solução de neutralização semântica. Em Modernism in Design Paul

Greenhalgh, diz que a abstração resolvia

a necessidade de uma simbologia e linguagem comuns que a

natureza ainda exigia...[A] abstração permitiria às várias

escolas que trabalhassem intuitivamente e chegassem a

soluções de design que se comparassem com aquelas de

seus pares no estrangeiro. Na exclusão da língua per se, a

abstração era a estética que permitia a realização do

internacionalismo ético (1990, p.12).

O internacionalismo era tanto uma questão de mercados como uma

questão de paz e empatia, alertou Greenhalgh.

A. Whitford aponta a experiência de Gropius durante a guerra, para

explicar porque a Bauhaus tinha como premissa investir no trabalho artesanal,

numa tentativa de superação da máquina:

Quando a Bauhaus de Weimar abriu suas portas, Walter

Gropius tinha apenas 36 anos, mas já era largamente

reconhecido como um dos mais importantes jovens arquitetos

alemães...

Ele já tinha estado em ação na guerra como oficial de cavalaria

e as aterrorizantes evidências do poder destrutivo das máquinas

o levaram a mudar o que antes fora sua visão otimista dos

benefícios da mecanização. Previamente um sujeito apolítico,

ele veio a simpatizar com a esquerda e a compartilhar do credo

em que apenas uma reforma social radical poderia curar a

Alemanha de todos os seus males (1986, p. 112).

Isso explicaria, ainda, a metodologia de trabalho, com o ensino em

workshops e não em estúdios. Decorreu desta metodologia o fato de que

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artistas lidariam com a forma e artesão/operários, com a oficina. Assim, a

Bauhaus aprofundava a divisão entre o trabalho que significava e o trabalho

que concretizava.

Gropius já havia reconhecido a ‘dívida’ da Bauhaus não só com

Ruskin e Morris, mas como todos os demais ditos ‘pioneiros’: Van de

Velde, Olbrich, Behrens e com a Werkbund, por terem, segundo ele,

“conscientemente buscado e fundado os primeiros caminhos para a

reunificação do mundo do trabalho com os artistas da criação”

(PEVSNER, p. 12).

Sem as contribuições anteriores, a Bauhaus não teria sido o que era. O

que pode parecer uma afirmação óbvia, na verdade encerrava o nível de

absorção da Bauhaus por todas as novas concepções que sugiram em um

curto intervalo de tempo, que lhe foi imediatamente anterior. Todos os

“fundadores” desse novo pensamento não estavam a mais de 50 anos de

distância no tempo.

Na fase de Dessau, duas conclusões foram necessárias.

A primeira é que o processo de formação do designer dependeu tanto do

projeto pedagógico, como concebido a priori, como da própria dinâmica da

formação de profissionais, que determinou que antes de formarem técnicos

capacitados de maneira mais completa, assumindo postos em que

comandariam diversas habilidades, o plano não se completaria (p.156).

A segunda é que mudanças naturais, ao longo do processo e decorrentes

dele, junto a outras de ordem política, determinaram alterações na metodologia

e na concepção do trabalho: a democracia de Weimar havia sido derrotada e

começariam a haver ingerências do governo sobre as decisões tomadas pela

diretoria da escola. Além disso, o antigo sistema de ensino também havia

mudado e a diferença entre professores e artesãos passou a ter um significado

hierárquico diferente do que se pretendia inicialmente. As exigências de

controle de qualidade sobre o curso também caíram em desuso e apenas uma

das mudanças veio ao encontro dos planos de Gropius. Uma vez que passou a

haver gente treinada pela Bauhaus, foi possível ter quem ocupasse o lugar

duplo de mestre tanto da forma quanto das oficinas, assim como seria possível

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treinar um tipo novo de profissional: o “colaborador para indústria, artesanato e

construção, que será um mestre tanto de técnica quanto de forma”.

Este “colaborador” representava mais um passo no sentido do designer

como coordenador e, no sentido oposto, ao trabalho ligado ao produto final,

pois a visão estratégica começaria a dominar o processo de decisão.

Esses novos mestres trouxeram uma dinâmica diferente para a

escola, pois eram mais jovens. Misturando-se melhor com os novos

alunos, não eram especializados e tinham uma visão integrada do

processo. Eles seriam importantes na criação de uma identidade entre a

escola e seus produtos durante os primórdios de Dessau.

Nas disputas por poder na Bauhaus, os papéis de designer,

operário/técnico e artista correspondiam a visões diversas tanto sobre a

função do objeto, como sobre a função do conhecimento. A racionalização

dos processos industriais, que naquele momento (final dos anos 1920)

inspiravam a produção industrial de forma crescente, impunha-se e tirava

o espaço de contribuições interdisciplinares, que exigissem uma

metodologia mais complexa e demorada.

O processo fez com que trabalhos de criação fossem,

paulatinamente, perdendo espaço nas pesquisas da Bauhaus, em favor

de estratégias cada vez mais voltadas para a aplicação de uma

metodologia que buscasse o melhor desempenho da produção, em escala

industrial.

A pesquisa nas oficinas da Bauhaus, até então, tinham o elemento

humano como interface, como interlocutor dos diversos projetos. Este

elemento humano era composto dos diversos colaboradores, cada um

totalmente ciente de sua área de atuação e de sua inserção no todo.

Na medida em que os projetos passaram a priorizar a produção, o

usuário virou um conceito a ser estudado como todos os demais

elementos (material, tempo, equipamento etc) e a pesquisa, que antes

integrava diversas áreas, numa troca que permitia uma visão globalizada

dos projetos, passou ao segundo plano.

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A discussão contra o ornamento então passou a encontrar respaldo

na Bauhaus, a busca do padrão, da normalização e da troca de elementos

ganhou peso e como resultado, passou-se a buscar soluções formais

cada vez mais simples.

Figura 14 - (a e b) Peter Behrens, fábrica e capa de catálogo para AEG (1907); e (c) sala de estar de vila operária (Weissenhof) de J.J.P. Oud (1927). Fontes: 13 (a e b) – acima, à direita, e à esquerda: PEVSNER, 1991.pp.174-5. 13 (c) – embaixo, à direita: BÜRDEK, 1994.

Apesar de a Bauhaus ter, em sua história, começado pela tentativa de integrar

arte, design e técnica, terminou por ser identificada com o funcionalismo

racionalista, até porque teve, em sua linhagem genealógica descendente,

o surgimento da escola da forma de Ulm, cujos princípios foram ainda

mais radicais, em favor da objetividade e da racionalidade.

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3.6 – O design pós-moderno e o designer artista

Após o fim da 2ª Guerra Mundial, em menos de quinze anos, o crescimento

econômico e o alargamento da classe média, em particular, no hemisfério norte

do globo terrestre, auxiliados pelo desenvolvimento de tecnologias de materiais

cada vez mais voltadas para objetos de uso pacífico e cotidiano, fundaram as

bases para o novo consumismo. John Kenneth Galbraith identificou uma

“sociedade afluente” (GALBRAITH, 1987) cujas necessidades colocavam

menos foco nas necessidades básicas e mais foco no poder de consumir.

Prover essa sociedade com bens passaria a ser mais e mais uma questão de

acabamento e forma, e menos de função. Variações determinariam o interesse

do consumidor. A oferta seria determinante e passaria mais e mais a ser

criadora de necessidades, até então inusitadas.

Torrent e Marín (2005 p.339) se referem ao período com o título

“Desenfado e heterodoxia”. Segundo estes autores, por força da integração de

uma nova geração de consumidores (e muitos deles, novos em idade) com

julgamento estético muito distinto do anterior, encontraram respostas nas

novas vanguardas, discordantes das vanguardas abstratas nas artes, e dos

princípios racionalistas e funcionalistas, no design (Ibid., loc.cit.).

Ao mesmo tempo, a arte Pop veio valorizar a cultura popular, a dos

objetos cotidianos, enquanto a investigação com novos materiais e as

possibilidades de produção de peças de design únicas fizeram com que estas

últimas adquirissem status de peças de arte.

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Figura 15 – Design pós-moderno; estante Carlton – Ettore Stottsass Design de 1981, fabricante: Memphis. Fonte: BÜRDEK, 1994.

A poltrona Proust (fig. 16), projetada por Alessandro Mendini, por

exemplo, era um objeto único, porque foi todo pintado à mão. Exemplar do que

se chamou Redesign, esta poltrona fazia parte de um discurso crítico acerca da

impossibilidade de se criar algo novo no design, seguindo a metodologia

preconizada pela indústria e pelo campo, na época.

Figura 16 - Design Pós-moderno: Cadeira Proust – Alessandro Mendini Design de 1978 Fonte:http://www.designboom.com/eng/interview/mendini.htm

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3.7 – A nova mutação do design: o usuário designer

Um híbrido é um cruzamento de duas espécies diferentes. Um mutante é um

surgimento espontâneo a partir do acaso natural, que diverge do meio, e que,

ao encontrar condições de sobrevivência e reprodução, vai render herdeiros

genéticos. Assim é o designer usuário, que surge com as novas tecnologias e

metodologias de projeto em design: é um mutante. Ele surge de uma entre

infinitas possibilidades, encontra ambiente propício para sua perpetuação e

começa a render frutos.

Durante os anos 90 do século XX, novas tecnologias disponíveis

mudaram as condições em que se dão as operações na economia em todos os

níveis. Os programas integrados de controle e gestão vêm permitindo uma

diversificação na oferta, de um lado, que a tecnologia de produção, de outro,

tem conseguido acompanhar. Condições de gestão de logística e negócios, por

sua vez, transformaram o modo como a economia de maneira geral passou a

operar, afetando todos os agentes.

Com essas mudanças, o usuário é trazidopara frente do processo de

decisão, durante a fase de projeto, ainda que isto se dê muito mais no discurso

publicitário. Novos produtos e serviços baseados na participação do usuário

vão surgindo, sob o conceito genérico de personalização ou de ‘customização’,

isto é, adequação do produto ou serviço ao consumidor (customer, em inglês).

A customização passa a incluir a possibilidade de o usuário ser designer.

Desta forma, o acesso à possibilidade de interferência no projeto tem sido uma

nova ferramenta na produção de bens e de lucros.

Na linha de produtos de consumo, tanto o acabamento quanto as funções

também podem ser passíveis de customização.

A Brastemp lançou, em 2004, a linha de geladeiras You (você), que

permite que os compradores escolham (dentro de uma lista de opções) a

decoração da porta do refrigerador (fig.17 (a)). Além disso, há um parque

industrial (em Joinville-SC, Brasil) capaz de imprimir a demanda dos

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compradores de You com um cardápio (paleta) de 19 milhões de cores; um

sistema metodológico preparado com horários especiais para a alocação de

pessoal, equipamento e logística para a produção, e gente dedicada para o

acompanhamento exclusivo e individual de cada um dos refrigeradores

encomendados (um funcionário-‘babá’) (FACHINI, 2006).

Um outro exemplo de implementação de customização, porém mais ligada

à função prática, foi a da inversão do lado de abertura da porta. Em 2007,

lançou um forno microondas cuja grande novidade é a tecla ‘do meu jeito’

(ADNEWS, 2007).

A ‘customização’ surge em um momento em que há forte apelo por

soluções alternativas ao modus vivendi e ao modus faciendi corrente. Clama-

se por um controle maior do uso de recursos não-renováveis e há uma

demanda por soluções baseadas em recursos renováveis, combinadas com

soluções originais, no que diz respeito à reutilização de material descartado. Ao

mesmo tempo, fala-se em uma participação mais intensa do cidadão na

sociedade. O termo ‘cidadania’ passou a justificar a ação de grupos do Terceiro

Setor, que, por definição, são iniciativas para intervenção da sociedade civil em

situações em que nem o estado, nem os negócios conseguem dar respostas.

Independentemente do fato da participação do usuário nos projetos ser

limitada a um menu pré-determinado e de representar uma cooptação desta

vontade generalizada de participação da sociedade, a tecnologia disponível

hoje, pode operar em favor desta cooptação.

Este recurso está disponível para negócios de todas as escalas. A

empresa Camisetaria é um empreendimento que lança mão da Internet para a

produção de estampas personalizadas para camisetas, ao mesmo tempo em

que pode operar a partir de encomendas, nos mesmos moldes e com as

mesmas vantagens de controle de estoque com que a Wedgwood operava no

século XIX. No site, a empresa se autodefine como ‘a última palavra em

democracia fashionista’ (CAMISETERIA, 2008).

Na outra ponta do espectro, o empreendimento imobiliário Max Haus

(fig.17 (c e d)), lançado em 2008 em São Paulo, tem sua promoção baseada no

projeto e leva ao máximo a relativização centrada no indivíduo, com o moto:

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“Seu tempo. Seu espaço”. É um empreendimento imobiliário que prevê a

possibilidade de o comprador/usuário definir detalhes do projeto, desde a

planta até o acabamento do imóvel. O site na internet anuncia “possibilidades

infinitas em cada canto do projeto”. A base deste empreendimento é o acesso

que os compradores têm ao computador como instrumento de trabalho e

coparticipação, além da possibilidade lógica (via software) de padronização

desta participação.

Figura 17 – As imagens representativas do usuário designer. 17 (a) – acima, à esquerda - Série de geladeiras customizadas You , Multibrás/Brastemp/Whirpool, 2007. Fonte: www.brastemp.com.br 17(b) – abaixo, à esquerda - Imagem sobre filhos de catadores e ex-meninos de rua ilustram capa para obras de autores que Incluem Haroldo de Campos e ex-sem-teto. Fonte: Folha de São Paulo Ilustrada, 24 de Dezembro de 2007. 17 (c e d) – anúncios do projeto Max Haus. Revista Domingo, Folha de São Paulo.

Para os consumidores, uma vantagem da customização é o fato de se

sentirem diferenciados, e outra, que atende ao lado ‘usuário’, é a autonomia

para decidir sobre o quê vão obter como resultado de uma compra.

As implicações deste novo sistema de abordagem nos negócios são

ainda imprevistas e não são objetos deste estudo. O que se pretende, aqui, é

acusar uma coincidência no tempo - para deixar a questão com caráter apenas

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de inquérito -, entre o acesso do usuário ao projeto, como co-autor 64, e a

crescente elaboração formal das propostas visuais desses produtos, na direção

de um ‘rebuscamento’ ou ‘empilhamento’ visual, tanto no sentido sintático (da

linguagem ou da articulação dos elementos visuais), como do semântico (a

relação dos elementos com a realidade). A valorização da participação do

usuário/consumidor é freqüentemente explicitada nos textos promocionais

associados a esses produtos/objetos.

A nova função do usuário surge de forma oportunista, a partir de

condições favoráveis no mercado. Surge como um mutante. O mutante é um

indivíduo que surge na natureza de forma “espontânea”, isto é, filho do acaso,

dentro de dadas condições de surgimento, de sobrevivência e de reprodução.

Ele difere de tudo o que encontra, quando começa sua existência. É fruto do

meio, mas dele difere.

64 Um conceito recente que vem sendo explorado por formadores de opinião – escritores, consultores, veículos de comunicação, empresários – é o de ‘co-design’.

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4. O decorativismo na contemporaneidade

Como definido anteriormente (cap.1), ‘decorativo’ seria o procedimento de

‘embelezamento’ ou de aplicação de ornamentos que não fazem parte da

estrutura do objeto, ainda que a referência estética não necessariamente

corresponda aos padrões de beleza comumente reconhecidos como tal.

Se a decoração não tem importância para a estrutura dos objetos (ou

produtos imateriais), isso pode ser debatido. O que é inquestionável é o fato de

a renovação dos produtos ter sido necessária na economia capitalista, com

vistas à renovação ou manutenção da sua razão última, que é o lucro.

Como observou Moles, a cada momento de pico da afluência da

sociedade, a produção de bens esteve associada a um auge nos indicadores

de “empilhamento” de bens, de busca por formas que correspondessem a este

empilhamento e de certa ‘felicidade’ decorrente disso (MOLES, 1975, passim.).

No pós-modernismo, diante do processo de transferência para as imagens do

modus vivendi e nas novas linguagens de representação da realidade

(CAUDURO, 2002 E 2005), este acúmulo termina por traduzir-se em um

empilhamento de narrativas, técnicas e elementos compositivos.

Com relação à visualidade, Flávio V. Cauduro (2007) chama atenção para

o fato do design pós-moderno ter uma produção que se confronta com “lemas

ou ideologemas” modernos65. Segundo ele, “pelo simples prazer de mudar e

sem ser penalizado pelos discursos fundamentalistas das instituições mais

antigas e conservadoras” (idem, p. 1). Afirma ainda que, nos layouts de

impressos e de muitas telas da Web, os graffitis, pichações, “erros de

diagramação”, “ruídos” e falhas de impressão compõem hibridações

ocasionais, “palimpsestos” etc, como recursos cada vez mais valorizados pelos

novos designers, representando tudo aquilo que a racionalidade, a lógica pura,

determinística e a repetitividade incessante dos meios automatizados não

pressupõem em sua lógica tecnicista (CAUDURO, 2002, p.2).

65 A saber: “’less is more, form follows function, ornament is crime, legibility always come first’” (CAUDURO, 2007, p.1, expressões em inglês, no original).

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Independentemente da pertinência da proposição de Cauduro, fato é que

há uma individuação da mensagem ou singularizarão da comunicação, que

passa a ser (ou parece ser) feita diretamente com o indivíduo, e que aponta

para um uso específico pelos mercados, agora, incrementado pelas tecnologias

que permitem um mínimo de participação do usuário no projeto. O produto que

antes parecia tão padronizado, agora parece individualizado. ‘Parece’

individualizado porque, anterior a qualquer variação ou diferença

aparentemente produzida pela tecnologia e oferecida pela indústria, ou no

mercado, há um programa a ser seguido, seja no limite extremo dos padrões

repetidos com falsos “erros” ou, no outro limite, em que as escolhas estão

limitadas a um “menu” de opções.

Assim, aquela “crítica” ao tecnicismo tem sido muito usada na

contemporaneidade para a aproximação entre objeto e usuário em projetos de

tipos variados, pelas novas possibilidades tecnológicas que vêm permitir a

emulação do acidental, aleatório e do “natural”, ou seja, aquilo que não pode

ser controlado. As tecnologias, tanto de projeto quanto de produção, têm-se

desenvolvido rapidamente para tentar “imitar” o que parece único até o nível do

próprio processo de criação, isto é, a possibilidade de criação de padrões

randômicos vem emular a própria natureza em seu processo de criação.

Afirma-se a autoria que marca a identidade do criador, cuja criatura é uma

projeção de si: original e única.

Por sua vez, o decorativismo na contemporaneidade tem acontecido

concomitantemente ao uso de “estratégias de significação” para o design pós-

moderno: hibridação e heterogeneidade; participação e interatividade; excesso

e indefinição; poluição e imperfeição; cambiamentos e metamorfoses;

vernaculares e vulgares; nostálgicas e ‘retrôs’ (CAUDURO e RAHDE, 2006).

A defesa desta tipologia tem sido feita e ampliada por Cauduro e aqui, foi

adaptada a um contexto tal que se refira a uma tipologia dos elementos

decorativos do design atual.

Observe-se que, entre os exemplos apresentados, há dois casos

especiais que merecem comentário, pois, a rigor, contradizem o princípio que

define o decorativo de forma negativa, isto é: o que não é parte da estrutura.

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Em ambos, o que seria decorativo é elemento construtivo e compõe a

própria estrutura. O primeiro caso diz respeito a um projeto de comunicação

visual. É frequentemente impossível separar decorativo de estrutural, sempre

que se pretende uma percepção do todo que seja dependente da visualidade

apenas (ou quase tão somente, pois ainda temos o caso dos projetos

audiovisuais). Na discussão proposta aqui, mais interessante do que

aprofundar uma investigação semântica,para separar o elemento informacional

e o decorativo e discutir a relevância do decorativo nas artes visuais, é apontar

como os elementos visuais, tradicionalmente decorativos, têm tomado parte

importante na constituição mesma da construção do design. Em particular,

entre os anúncios, temos aqui o caso dos ícones66 uol (fig. 32 (a)) e dos

serviços digitais da empresa espanhola de telefonia fixa Telefonica (fig. 32 (b)).

Em um (que usa o procedimento do meio fluido, a ser discutido mais adiante),

não só a mensagem, mas toda a imagem se constitui completamente pelos

ícones. No outro, o que seria a ‘decoração’ da imagem, é exatamente a

mensagem: os ícones são os serviços.

O segundo caso, talvez mais intrigante, é o exemplo da cadeira Cartoon,

dos designers brasileiros Humberto e Fernando Campana (fig. 36 (b)). Objetos,

que ora têm a função de brinquedos, ora de decoração, aqui constroem a

cadeira. Visualmente, o efeito decorativo e ornamental é inegável. Alusão a isto

é feita diretamente pelo próprio cenário que compõe a ocasião da exposição do

objeto, confundindo-o com o fundo. O todo alusivo do produto se completa pelo

fato de ter sido um projeto para a Disney.

O levantamento a seguir pretende não mais que ilustrar manifestações do

decorativismo na contemporaneidade. Cobrir as diversas combinações e

propostas correntes seria uma tarefa impossível e que extrapolaria a proposta

deste estudo. Além disso, seriam amostras de um universo conceitual que

parece cada vez mais repetitivo, mesmo na diferença.

66 Esta nomenclatura pede um comentário. Seguindo com rigor a semiótica, seria um símbolo, não fosse a representação icônica do símbolo do Uol.

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Algumas formas adotadas por este novo decorativismo estão presentes

em mais de um trabalho. Como já foi observado, este ‘empilhamento’ 67 visual

é característico do design contemporâneo e está na raiz do hibridismo pós-

moderno.

O procedimento mais característico no ‘empilhamento’ visual tem sido o

hibridismo.

A página da Internet do site Black Tie (fig. 18) dá exemplos de alguns

destes procedimentos. Desde fotos até um pequeno vídeo, emulações de

palimpsestos (superposições que permitem o vislumbre da camada de imagem

anterior ou inferior), aguadas, textos e ilustrações se encontram para compor

uma imagem que permita diversas leituras.

Figura 18 - Design contemporâneo - formas, composições e configurações. 18 (a) – Cartaz de festival de jazz em Cartagena. Neste cartaz, na figura à direita, tem-se a fusão dos elementos em uma figura única, ainda que híbrida em seu significado. Fonte: Disponível em: http://www.jazzacarthage.com/ Acessado em março de 2008. 18 (b) – página do site www.blacktie.com68. Aqui, os elementos estão aglomerados e não fundidos. Diversos procedimentos apontados por Cauduro podem ser vistos, com a adição de um vídeo na parte inferior esquerda (em p&b). Fonte: Disponível em: www.blacktie.com. Acessado em mar/2008.

67 Um termo muito útil na definição da ‘estratégia’ geral do pós-modernismo,é ‘inclusivista’, isto é, que tudo admite, nada exclui. 68 Imagem extraída do levantamento iconográfico de Passos, 2008, p. 72.

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Com relação à figura em si, também diversos elementos se fundem, num

processo de hibridização. Num procedimento ainda mais radical, o cartaz Jazz

en Carthage (Jazz em Cartagena) ostenta uma figura em que a fusão é

completa. O híbrido já não denuncia a diferença dos materiais, uma nova

pureza é alcançada. Já não temos uma composição híbrida, mas sim uma

forma híbrida.

4.1 – Composições híbridas

Os híbridos são produtos oriundos de fontes de natureza distinta. Na biologia,

são resultados genéticos de duas matrizes de espécies diferentes. O pós-

modernismo tem sido profícuo em produções desta natureza. Acima de tudo,

tem sido bem-sucedido na institucionalização do uso de recursos distintos na

consecução de resultados híbridos.

Uma sistematização de Udim (M. Saleh Uddim Apud CAUDURO, 2007)

para a “produção de ‘híbridos’”, divide-os em 3 categorias:

Figura 19 – Contemporâneo - estratégias de significação - híbridos 19 (a) – 1ª coluna, 1ª linha: cartaz de espetáculo de dança. Fonte: Folha de São Paulo. 12/11/2007. 19 (b) – 1ª coluna, 2ª linha – s. info. 19 (c) – 2ª coluna. Fonte: Revista da Folha. Folha de São Paulo, 14 de Janeiro de 2007. Moda. Foto de Stefan Zander por Joni Anderson 19 9d) – 3ª coluna – Mistura de suportes e elementos decorativos. Fonte: Revista da Folha. Dia 14 de Janeiro de 2007. 19 (e) – a moda híbrida: mistura da arte de rua com a loja de marca. Fonte: Revista da Folha. Folha de São Paulo. S.d.

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a) fusão e superimposição de idéias;

b) fusão e superimposição de mídias;

c) fusão e superimposição de técnicas (Idem).

No entanto, podem-se encontrar as três categorias combinadas em

grupos para a formação de híbridos.

Dentre os efeitos visuais produzidos pela hibridação, Cauduro aponta o

ecletismo como o que melhor atende uma contraposição ao Modernismo e a

adesão ao inclusivismo. Além deste efeito, tem-se o fim do purismo, da

hierarquização e o apelo simultâneo a mais de um sentido, além da sensação

de cinestesia (Idem).

A onipresença dos híbridos poderá ser observada nas figuras a seguir, no

entanto, há outras características, estratégias ou procedimentos que merecem

destaque e que serão comentados em separado,, ainda que não sejam as

únicas usadas em cada exemplo.

Nas imagens da figura 19 temos a combinação de fotografia com

grafismo; de ilustração realista, com impresso e carimbo; de superposição (em

montagem) de escultura sobre fotografia; de superposição. O bordado da roupa

decorada da moça, que está à frente de um painel eclético de azulejos, faz dela

a representante de um grupo de pessoas (conforme relata a matéria da qual

esta imagem é capa) que são híbridas: as “Dirces” - moças do século XXI, que

cultivam os hábitos tradicionais de usar rendas e receber convidados com bolo

de fubá etc. Há também a moda apoiada na arte de rua, com roupas vendidas

em lojas cujo preço é inacessívei para a maioria das pessoas.

4.2 – Superposição de imagens

Outro procedimento é a superposição de imagem, que vem surgindo de

diversas formas: a imagem superposta cobrindo a imagem de base; a imagem

superposta como tatuagem, transparente sobre a imagem de base; o

elemento ausente (fig. 20). Também aí observa-se uma forma de hibridismo,

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uma vez que técnicas diferentes se combinam para um efeito visual que

remonta sempre a muitas narrativas simultâneas.

Figura 20 – Contemporâneo - a tatuagem, a mandala e a falha na realidade. 20 (a) – Em cima Fonte: Folheto (frente e verso) “Ipê Rosa. Objetos de Charme: lustres, objetos e presentes”. 20 (b) – Em baixo – folheto promocional “Reserva Santa Maria”. S.d.

4.3 – O palimpsesto, o sujo, o velho, o inacabado.

Outro procedimento comum na contemporaneidade é o palimpsesto,

também mencionado por Cauduro (2000) como uma das estratégias de

articulação dos significados.,O palimpsesto era um recurso de economia de

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suporte (o pergaminho) para a escrita ou desenho, por meio da sua raspagem

e reutilização 69.

Segundo ele, o recurso de linguagem visual

não permite que se esgotem as possibilidades de geração de

sentido, e assim mantém presa a atenção dos sujeitos

interpretantes por muito tempo (mesmo que o designer

procure privilegiar a produção de certos sentidos mais que de

outros) (Idem, p.7).

Também se pode dizer que o palimpsesto é, a um só tempo, uma forma

de aceitar o passado e de interferir com ele.

Figura 21 - Contemporâneo - o palimpsesto, o ruído, o sujo, o inacabado70. 21 (a) – Site www.blacktie.com.br. 21 (b) – Folha de São Paulo. Revista da Folha. 21 (c) – caixa de presentes (CD), Livraria Cultura. 12,5 x 13 cm x 5 cm.

Entre os procedimentos que trazem resultados similares aos do

palimpsesto estão a velatura e a maculatura. A primeira, típica da gravura,

ocorre quando uma das máscaras ou telas não coincide com a(s) outra(s),

69 Esta é a definição mais comum do termo. ‘Palimpsesto’ quer dizer ‘raspado de novo’, informa Cauduro (2000, p.9).

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deixando evidências do processo. Já a maculatura é o resultado de uma

mancha (do latim ‘mácula’), propriamente, característica da tipografia, quando

se fazem provas de encaixe de chapas litográficas ou outros testes

(CAUDURO, 2000, p.8). Em princípio, a velatura é um erro, enquanto a

maculatura é um ruído causado por uma ação intencional, uma sujeira.

4.4 – A espiral e o meio fluido

Herbert Read, em O sentido da arte (1978), ao comentar sobre o uso dos

motivos em espiral, no Barroco, afirma que

Não foi por acaso que Rubens (...) tantas vezes adotou motivo

em espiral; era este o ritmo dinâmico característico do período

em que viveu. Esforçava-se ele por modificar as composições

arquitetônicas estáticas da primitiva tradição da Renascença

(READ, op.cit., p 29).

Figura 22 – Contemporâneo – Havaianas - o movimento em espiral, a animação Fonte: página inicial do site havaianas. Disponível em: www.havaianas.com.br. Acessado em agosto/2007.

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Também na contemporaneidade o movimento em espiral é retomado. Se,

durante o período das vanguardas artísticas, no início do século XX, o

movimento era ‘quebrado’, inspirado na nova mecânica da época, mais

característico da contemporaneidade, mas bastante associável à espiral e suas

metáforas, é o meio fluido, que como alegoria da pós-modernidade.

O conceito de ‘modernidade líquida’ vem com Zygmunt Bauman, segundo

quem, na pós-modernidade, vive-se um período em que o que era sólido e

imutável, como as tradições, se liquefez, trazendo a um só tempo fluidez e

mobilidade (Apud KOPP, 2003). Molécula deste novo meio, desordenado

como o líquido, o indivíduo é chamado ao papel central, antes desempenhado

pelas instituições:

Conforme Bauman, continuamos na modernidade, porém,

somos modernos de outra maneira (...) não espera-se mais

que a sociedade chegará a um final de caminho e ali a vida

será melhor (...) As mudanças não ocorrerão por conta do

coletivo social ou da razão humana, elas foram transferidas

para o indivíduo (KOPP, 2003, p. 34)

Figura 23 - Contemporâneo - o meio fluido 23 (a ) – Esquerda – anúncio do curso de idiomas Alumni – s.d. 23 (b) – Direita – anúncio Uol – s.d.

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4.5 – O mosaico, o caleidoscópio, a dobra

Os mosaicos também são usados, mas com uma inovação: cada peça remete

a um universo independente e o resultado final é de múltiplas narrativas

justapostas.

O mosaico, por si só, mereceria discussão à parte: ”mosaico”, “colcha de

retalhos” e “patchwork” são expressões usadas como metáfora para descrever

ordens culturais características de períodos de transição, mestiçagens e

intercâmbio econômico e cultural. Como durante o período colonial europeu

(com o apogeu Barroco) e na contemporaneidade, culturas diferentes se

encontram e, em vez de se amalgamarem totalmente, justapõem-se, como

forma alternativa de convívio e cooperação (ANJOS, 1999; SANT’ANNA, 2000;

PINHEIRO, 2007). Moles menciona o termo para descrever também o período

do apogeu do kitsch e, segundo ele, a “cultura mosaico” é uma das condições

para o surgimento do fenômeno.

Figura 24 - Contemporâneo – mosaicos – múltiplas narrativas justapostas. 24 (a) – Em cima, à direita. Fonte Revista da Folha. 10 de dezembro de 2006 24 (b ) – Em cima, à esquerda. Fonte: Folha de S. Paulo Ilustra. Dia 19 de dezembro de 2006 24 (c) – Embaixo: s.d.

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4.6 – O fractal, o rizoma e o contágio

Parece inevitável associar o helicóide (que é a forma da estrutura do DNA), o

fractal, o rizoma71 e o contágio com alegorias da natureza. Como

configurações, são um modo ostensivo de exibir o avanço da técnica, que

superou o movimento ‘quebrado’ da modernidade sólida e atingiu o limite do

funcionamento molecular, celular, químico, da representação da individualidade

pós-moderna.

Figura 25 – Contemporâneo - o fractal, o rizoma e o contágio 25 (a) – À direita: Athos Bulcão – Instituto Rio Branco-Brasília. Disponível em: http://www.fundathos.org.br/projetos.php Acessado em: mar/2008. 25 (b) – Centro: Fractal – s.d. 25 (c) – À direita: cadeira Transrock, Irmãos Campana, 2008. Fonte:

Se compararmos o trabalho de 1960 do muralista Athos Bulcão, vemos o

acaso em sua melhor versão. O arquiteto, para garantir a aleatoriedade do

resultado, deu aos operários azulejadores o arbítrio com relação à colocação

dos azulejos, conforme relata Grace Freitas (UnB)

71 Forma da natureza (botânica) tomada de empréstimo por Gilles Deleuze e Felix Guatarri como alegoria das diversas formas desenvolvidas em rede, em particular, na sociedade (cf. DELEUZE e GUATARRI, 2000).

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Athos Bulcão desenvolve, então, um sistema próprio para

os seus azulejos, ou seja, ele cria uma relação axiomática a

partir de formas retas ou curvas e cor primária (cor-energia),

para conceber suas variáveis possíveis, dentro de um

princípio de geração de combinatórias, que se expandem

em série. Com esse sistema, elabora uma estrutura

modular, e em muitos casos entrega-os à participação

criativa daqueles que os afixam, liberando-os para se

expressar dentro da lógica (FREITAS, 1997).

O que se pode ver é que o resultado é equilibrado, se bem que tenha

movimento; não hierárquico, no entanto, não é rizomático.

Os elementos mais naturais, hoje, em termos de constituição, estariam

neste grupo. No entanto, esta “natureza” está sob controle, no caso do fractal,

que é limitado a um algoritmo. No caso da parede de Bulcão, foi limitado no

próprio planejamento do desenho do azulejo. São “desvios” programados. A

idéia de nodos acompanha o conceito de rizoma, a partir dos quais se originam

possibilidades de evolução livre.

No caso do projeto da cadeira Transrock (fig. 25 (c )), o trabalho é híbrido:

uma mistura de plástico (cuja estrutura é industrial) e vime; montada

artesanalmente.. A idéia de contágio, aqui, se dá não só pela configuração que

se expande, mas também pela impressão da “tomada” do plástico pelo vime.

Na poética do trabalho, evidencia-se um resgate ou reconhecimento da força

da natureza.

4.7 – A metalinguagem

Um outro procedimento que se fez muito comum recentemente é a

metalinguagem.

Comum nas produções recentes, a auto-referência aparece de formas diversas e recebe nomes variados: o pastiche e a paródia são formas que, ainda que tenham a mesma origem (a partir de uma cópia do passado),,se

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diferenciam, pois o primeiro é uma apropriação acrítica, enquanto que a segunda traz, em si, um desafio aos conceitos modernos relativos a autoria e originalidade (HUTCHEON, 1991). Outro recurso é o que a teoria do cinema chama de ‘evidenciação do dispositivo’. Esta é uma forma de declarar que a simulação em toda arte é inexorável, com o fim do naturalismo. A metalinguagem tem sido muito utilizada no que concerne à presente tipologia, e diz respeito ao decorativismo, particularmente útil na superposição de forma final e forma em projeto.

Figura 26 - Contemporâneo - o espaço em construção – a evidenciação do projeto Muti Randolph, capa de disco. Mozart por Clara Sverner. Fonte: http://muti.cx/

4.8 - Elementos decorativos

O decoratitvismo na contemporaneidade tem lançado mão de diversos

elementos decorativos. Alguns, já comuns e tradicionais, têm sido resgatados. Outros, surgidos das novas poéticas e formas de pensar são característicos desta época. Assim, o arabesco, os elementos da arte popular e as mandalas passaram a ser freqüentes na moda, na decoração de objetos e nos projetos gráficos de modo geral, convivendo com os novos, de acordo com as “estratégias” já discutidas. Tais elementos, antes inusitados, insólitos e inéditos

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têm surgido e se configurado como elementos comuns na nova estética, como o palimpsesto, o ruído, a falha na realidade, o fractal, o mutante (híbrido ou fundido) e o ícone.

Apesar de alguns destes nomes já terem sido mencionados acima como estratégias ou como procedimentos, eles reaparecem aqui como elementos das composições.

Figura 27 - Contemporâneo - elemento decorativo - arabesco 27 (a) – À esquerda: aplique de parede; s.d. 27 (b) – À direita: Folheto “Quitanda”. S.d.

Os arabescos podem surgir na forma de moldura, como elementos compositivos dos motivos, ou mesmo como temas propriamente ditos. Com o motivo em espiral, também fazem alusão a movimento e à evolução no tempo e no espaço.

Alguns elementos são herdados do decorativismo clássico e recebem uma releitura, de acordo com a estética contemporânea, como a bandeira. No exemplo da estampa da Camiseteria, a bandeira está “contaminada” pelo sujo.

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Figura 28 - Contemporâneo - elemento decorativo clássico atualizado - a bandeira Estampa para camiseta, Camiseteria, 2008. Disponível em: www.camiseteria.com.br. Acessado em: mar/2008.

Figura 29 - Contemporâneo - elemento decorativo popular - contas e flores Fonte: falta indicar

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Figura 30 - Contemporâneo - elemento decorativo popular - filetes - lameiros de caminhão Mestre Bebiano – Lameiros de caminhão, 1987 – madeira – 64 cm. Fonte: FROTA, p.14.

Um elemento cada vez mais freqüente nos projetos gráficos é o ‘respingo’: um maneirismo que remete, ao mesmo tempo, ao artesanal e à aleatoriedade, como alegoria da realidade que se apresenta incontrolável na contemporaneidade.

Figura 31 - Contemporâneo - elemento decorativo - o respingo 31 (a) – À esquerda: anúncio da Sala São Paulo, concerto. Fonte: Folha Ilustrada, 06/12/2007 31 (b) - À direita, em cima: Ilustração de texto “Eletrônica se renova no cruzamento de gêneros” Fonte: Guia Especial, jornal Folha de S. Paulo. 05/05/2006.

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31 (c) – À direita, embaixo: Folheto “VRNG”. (frente e verso). s.d.

O termo ‘respingo’ é mencionado explicitamente por Bauman72, assim

como também é um elemento que faz alusão ao erro. De acordo com a

tipologia de Wucius Wong, esta forma é classificada como “elemento

acidental”.

Muito próximo à idéia de molécula conformadora da matéria está o ícone,

conformador da imagem, tanto no plano do conceitual quanto do material. No

caso das imagens da figura 32 (a), toda a imagem é composta de múltiplas

‘bolhas-uol’73, de diversos tamanhos e ‘densidades’. Já no caso do anúncio da

Telefonica (32 (b)), os ícones propriamente ditos representam os

serviços.

Figura 32 - Contemporâneo - elemento decorativo – ícones 32(a) – anúncio uol. S.d. 32 (b) – anúncio Telefônica

O traço espontâneo, ou feito à mão, também incorpora a aceitação do

erro e do acaso, mas que, sobretudo, remete à intervenção humana, ao ato

individualizado. Talvez o surgimento do traço espontâneo mais explícito e

original tenha a ver com a proposta da individualização.

72 “Os fluidos se movem facilmente: ‘Eles fluem, escorrem, esvaem-se, pingam’” (BAUMAN, 2001, p.8; apud KOPP, p.29). 73 O fato de este elemento ser um símbolo, mas aqui ser usado como ícone é argumento já apresentado acima.

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O anúncio (de duas páginas lado a lado; apenas a página esquerda está aqui) da Figura 33 (a), é de uma promoção do dia das mães da empresa (shoppings) Multiplan. Uma página inteira de jornal apresentava a imagem de uma mãe e um filho (supostamente). O anúncio está despido de qualquer mensagem que não fosse o momento de intimidade e isolamento dos dois, em que as flores na parede são elementos que aludem a uma ação espontânea, sem a interferência externa.

Figura 33 - Contemporâneo – elemento decorativo - traço espontâneo 33(a) – em cima: anúncio Multiplan “promoção dias das mães”. Fonte: Folha de São Paulo, 30 abr, 2008. Ilustrada. 33 (b) – website Multiplan disponível para usuários para o planejamento de decoração de ambientes com aplicação dos adesivos da promoção do anúncio em 33(a). Disponível em: http://www.maesmultiplan.com.br/

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Na página ao lado desta, estava o anúncio de adesivos de grandes formatos, para decoração de paredes. No site da empresa, o conceito: ‘monte seu ambiente’ (fig. 33 (b)). Vale alertar que este adesivo é, de todos, o que tem o traço mais espontâneo. Mesmo que seja único, é um indicativo da proposta da proximidade entre o usuário e projeto, talvez remetendo ao trabalho inexorável de elaboração da forma. Também é importante observar que foi este, e nenhum dos outros, o adesivo escolhido para promover a proposta de intervenção direta do usuário no projeto. Se ele tem como característica o traço espontâneo, ele também se liga à idéia de que qualquer um é capaz de decorar seu espaço.

Uma segunda idéia, a de humanização, parece bastante presente neste anúncio. Este princípio está presente em outros elementos decorativos que compõem o ‘léxico’ contemporâneo.

Ainda como alegoria da humanização, as mandalas74 têm sido freqüentes, com diversos usos e em diversos suportes: são elementos para tatuagem, no caso de impressos e decalques, apliques para paredes, vidros, vitrines etc.

É interessante a freqüência com que a mandala aparece, ao mesmo tempo em que são adotados diversos elementos culturais do Oriente, em meio a um apelo crescente do retorno a uma vida mais simples. De novo, volta-se à questão da proximidade entre o sujeito e o controle sobre a vida. Por sua vez, as tatuagens também têm um forte apelo à individuação ou identificação.

74 As mandalas são, em princípio, formas redondas dividas em quatro, segundo Read (1978), mas são comumente associadas a formas redondas em geral.

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Figura 34 - Contemporâneo - elementos decorativos medievais - mandalas e rosáceas 34 (a) - Em cima: Cartão comercial Mariana Lara Resende 34 (b) - Embaixo: Cartão da FarmRio

As rosáceas são elementos muito usados, desde a arte mais tradicional do Oriente até no Ocidente onde forma usadas extensivamente durante todo o período medieval.

Um elemento que se opõe aos herdados da tradição decorativa é a ‘falha’ no real. Ele guarda forte relação com a tecnologia digital e a realidade virtual, além de ser essencialmente pós-moderno, por ser uma forma de evidenciar o dispositivo, como comentado anteriormente. Em meio a um hiper-realismo plástico, a referência a uma ausência já não pode ser física, pois não passa de imagem, e não pode ocorrer se não como conseqüência da vontade do projetista, que simula um esquecimento. No caso em questão, é uma simulação de imagem digital, mas, de fato, é um impresso.

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Figura 35 - Contemporâneo – elemento decorativo - a falha no real Anúncio das sandálias Havaianas. Disponível em www.havaianas.com

Um elemento tradicionalmente ligado ao decorativismo e, em particular, ao kitsch, é o pavão (peacock 75 - figuras 36). De forte influência oriental, a imagem do pavão surge na Inglaterra a partir das reproduções chinesas e ganha importância com os trabalhos de Aubrey Beardsley (figura 36 (com )) e John Whistler. Na contemporaneidade, o peacock representa, muitas vezes, mais uma forma gráfica, similar aos recursos gráficos usados nas representações dos pavões comuns nas obras daqueles artistas, do que o uso da figura do animal propriamente dita, ainda que esta também possa surgir. No decorativismo tradicional, lembra a forma ‘imbricada’76.

75 O nome ‘peacock’ é dado aqui para que se mantenha a referência ocidental aos trabalhos do período o Art Nouveau. 76 A forma imbricada se assemelha a uma tela aramada ou a uma série de telhas intercaladas (SILVA e CALADO, 2005).

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Figura 36 - Contemporâneo - elemento decorativo - Kitsch e Art Nouveau – peacock 36 (a) – catálogo roupas íntimas Puket - 2006 36 (b) – Cadeira Cartoon. Irmãos Campana, 2006. 36 (c) – Aubrey Beardsley – Ilustração A saia de pavão (peacock skirt) para o livreto da peça Salomé, de Oscar Wilde, 1982. In: en.wikipedia.org/wiki/Aubrey_Beardsley. Acessado em 20/05/2008.

Da mesma forma que a natureza tinha sua importância no decorativismo

realizado entre os séculos XIX e XX, atualmente há um retorno aos elementos

da natureza como fonte de inspiração. No entanto, se no Art Nouveau as folhas

e pétalas, assim como os insetos de asas delicadas e membranas visíveis

(como as libélulas) eram amplamente utilizados para ressaltar a construção

estrutural e a beleza dos elementos na construção dos objetos, na

contemporaneidade, a borboleta e o broto de planta (figs. 37 (a) e (b)) são

presentes, possivelmente, como alegorias das mudanças constantes, muito

usadas em imagens animadas. Vale ainda observar que o broto é uma

variação do arabesco,, comumente retratado como forma em evolução,

enquanto que a borboleta mostra seu vôo errático.

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Figura 37 - Contemporâneo - elemento decorativo - o broto e a borboleta 37 (a) – Página de abertura do website blacktie. Disponível em: www.blacktie.com.br. Acessado em: mar/2008. 37 b) – Página “Fashion Innovation Attitude” da fabricante de automóveis Fiat, para a promoção de fidelização de clientes. Disponível em: http://www.fiat.com.br/br/afiat/fiatnews_1574.jsp. Acessado em jan/2008.

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Considerações Finais

A evolução da relação projeto-execução-uso, desde a separação advinda da

alienação do trabalho na produção de bens sob o modo capitalista, separou

usuário, trabalhador e designer,, afastando o trabalhador da possibilidade de

expressar-se e significar os objetos com os quais convive, como seria o caso

em situações de interferências diretas.

Novas tecnologias trouxeram a possibilidade de uma retomada desse

canal de expressão para o usuário, diante das novas possibilidades de lucro e

das demandas da sociedade por uma atitude de aproximação. Como

conseqüência disso, cada vez mais, indústrias têm seus sistemas de produção

voltados para a consideração da participação do usuário no projeto, enquanto

nas estratégias de comunicação, tenta-se passar a idéia de que o usuário

encontra seu momento como soberano na criação.

Revisitando formas passadas de produção de bens, onde o usuário

estava mais perto do projeto (o Arts and Crafts, a Art Nouveau e as Omega

Workshops), encontramos formas que têm inspirado as soluções estéticas de

hoje, como é o caso do decorativismo medieval revivido pelo movimento inglês

Arts and Crafts. Este movimento pregava uma retomada da relação

artesão/objeto, religando o ser humano com a essência do trabalho e

permitindo que novos ritos trouxessem um novo sentido à vida contemporânea.

Assim como na arquitetura, onde novas ordens podem se hibridizar até

chegar em outra ordem 77, pode-se observar, em diversos períodos recentes, a

“sedimentação”, como no caso do kitsch apontado por Moles, que resulta em

ordens híbridas.

Na contemporaneidade, tanto elementos como procedimentos de

diversas épocas vêm contribuir para a sedimentação de uma visualidade

77 Como na evolução entre as ordens jônica, dórica e coríntia.

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marcada por uma ordem híbrida, uma forma que reflete movimento, mudança e

falta de hierarquia, em uma configuração rizomática.

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