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Displacement in the former Soviet region 193 A desintegração da União Soviética em Dezembro de 1991 desencadeou movimentos maciços de população nos países que depois vieram a formar a Comunidade de Estados Independentes (CEI). As disputas entre etnias e os conflitos por resolver vieram à tona e o seu desenrolar teve consequências devastadoras. O erguer de novas fronteiras nacionais deixou milhões de russos e de outros fora da sua “terra natal”. Muitas dessas pessoas pretendiam ser repatriadas, mas surgiu uma série de questões complexas em matéria de cidadania. Certos grupos que tinham sido deportados nos anos 40 podiam agora, finalmente, regressar aos seus locais de origem, mas novos influxos de refugiados e de requerentes de asilo estavam a chegar de outras regiões mais longínquas. Calcula-se que, ao longo da década, deslocaram- -se para cima de nove milhões de pessoas, sobretudo devido a tumultos políticos, fazendo deste movimento um dos maiores na região desde 1945. 1 Na primeira metade da década, centenas de milhar de pessoas foram desenraizadas por força de conflitos inter-étnicos e separatistas no Sul do Cáucaso. Neles englobam- -se o conflito Arménia-Azerbeijão pelo enclave Nagorno-Karabakh e os conflitos nos territórios autónomos da Geórgia da Abcásia e Ossétia do Sul. Ao mesmo tempo, a guerra civil no Tajiquistão força centenas de milhar de pessoas a fugir de suas casas. O Norte do Cáucaso torna-se também palco de deslocações forçadas em larga escala. Em 1992, dezenas de milhar de inguches foram expulsos da Ossétia do Norte para a vizinha Ingúchia. Posteriormente, houve deslocações em larga escala no interior e em redor da Chechénia primeiro em 1994-95 e, depois, novamente, a partir de Setembro de 1999. Acresce que, ao longo de toda a década, inúmeras pessoas, em particular de etnia russa, mas vivendo fora da Federação Russa, viram-se numa situação de “es- trangeiros” em diversas partes da antiga União Soviética, tendo de deixar essas áreas em direcção a locais onde se sentiam mais seguras ou tinham melhores perspectivas de futuro. As complexas interligações entre deslocação forçada e migração em massa tor- nam-se cada vez mais evidentes. Para clarificar estas questões, em 1996, foi convo- cada uma importante conferência internacional pelo ACNUR, em cooperação com a Organização Internacional para as Migrações (OIM) e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Estas organizações trabalharam em estreita colabo- ração com os governos dos países da CEI no sentido de se identificar os problemas de deslocação que precisavam de ser resolvidos e definir uma terminologia e uma estraté- gia comuns. Além dos termos de uso generalizado, como “refugiados” e “pessoas deslocadas internamente”, criaram-se novas categorias para descrever os diferentes tipos de situação próprios da região: “povos antigamente deportados”, “repatriados” e “pessoas reinstaladas contra vontade”. O ACNUR enfrentava numerosos desafios na elaboração de programas regionais, especialmente no interior dos territórios da Federação Russa - membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O ambiente era altamente politizado, até porque, 8 Deslocações na ex-União Soviética Por falta de alojamento, muitos azeris, deslocados no início dos anos 90 por força da guerra pelo controlo de Nagorno- -Karabakh, viveram durante vários anos em carruagens desactivadas. (ACNUR/A. HOLLMANN/1999)

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Displacement in the former Soviet region

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A desintegração da União Soviética em Dezembro de 1991 desencadeou movimentosmaciços de população nos países que depois vieram a formar a Comunidade deEstados Independentes (CEI). As disputas entre etnias e os conflitos por resolvervieram à tona e o seu desenrolar teve consequências devastadoras.

O erguer de novas fronteiras nacionais deixou milhões de russos e de outros forada sua “terra natal”. Muitas dessas pessoas pretendiam ser repatriadas, mas surgiu umasérie de questões complexas em matéria de cidadania. Certos grupos que tinham sidodeportados nos anos 40 podiam agora, finalmente, regressar aos seus locais deorigem, mas novos influxos de refugiados e de requerentes de asilo estavam a chegarde outras regiões mais longínquas. Calcula-se que, ao longo da década, deslocaram--se para cima de nove milhões de pessoas, sobretudo devido a tumultos políticos,fazendo deste movimento um dos maiores na região desde 1945.1

Na primeira metade da década, centenas de milhar de pessoas foram desenraizadaspor força de conflitos inter-étnicos e separatistas no Sul do Cáucaso. Neles englobam--se o conflito Arménia-Azerbeijão pelo enclave Nagorno-Karabakh e os conflitos nosterritórios autónomos da Geórgia da Abcásia e Ossétia do Sul. Ao mesmo tempo, aguerra civil no Tajiquistão força centenas de milhar de pessoas a fugir de suas casas.O Norte do Cáucaso torna-se também palco de deslocações forçadas em larga escala.Em 1992, dezenas de milhar de inguches foram expulsos da Ossétia do Norte para avizinha Ingúchia. Posteriormente, houve deslocações em larga escala no interior e emredor da Chechénia primeiro em 1994-95 e, depois, novamente, a partir de Setembrode 1999. Acresce que, ao longo de toda a década, inúmeras pessoas, em particular deetnia russa, mas vivendo fora da Federação Russa, viram-se numa situação de “es-trangeiros” em diversas partes da antiga União Soviética, tendo de deixar essas áreasem direcção a locais onde se sentiam mais seguras ou tinham melhores perspectivasde futuro.

As complexas interligações entre deslocação forçada e migração em massa tor-nam-se cada vez mais evidentes. Para clarificar estas questões, em 1996, foi convo-cada uma importante conferência internacional pelo ACNUR, em cooperação com aOrganização Internacional para as Migrações (OIM) e a Organização para a Segurançae Cooperação na Europa (OSCE). Estas organizações trabalharam em estreita colabo-ração com os governos dos países da CEI no sentido de se identificar os problemas dedeslocação que precisavam de ser resolvidos e definir uma terminologia e uma estraté-gia comuns. Além dos termos de uso generalizado, como “refugiados” e “pessoasdeslocadas internamente”, criaram-se novas categorias para descrever os diferentestipos de situação próprios da região: “povos antigamente deportados”, “repatriados”e “pessoas reinstaladas contra vontade”.

O ACNUR enfrentava numerosos desafios na elaboração de programas regionais,especialmente no interior dos territórios da Federação Russa - membro permanentedo Conselho de Segurança da ONU. O ambiente era altamente politizado, até porque,

8Deslocações naex-União Soviética

Por falta de alojamento, muitos azeris, deslocados no início dos anos 90 por força da guerra pelo controlo de Nagorno--Karabakh, viveram durante vários anos em carruagens desactivadas. (ACNUR/A. HOLLMANN/1999)

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historicamente, a União Soviética fora sempre muito hostil em relação ao ACNUR.Este capítulo descreve o processo através do qual o ACNUR estabeleceu uma presençana região e como foi desenvolvendo uma abordagem global, nomeadamente comacções de capacitação das instituições destinadas a ajudar na prevenção de futurasdeslocações forçadas.

O legado soviético

No princípio dos anos 20, a União Soviética sucede ao império dos czares, umimpério etnicamente heterogéneo. Foi o fluxo maciço oriundo do antigo ImpérioRusso que levou a Sociedade das Nações a designar Fridtjof Nansen como AltoComissário, em 1921, e lhe confiou a enorme responsabilidade de tratar deste pro-blema. As missões para avaliação das condições de vida dos retornados no sul daRússia, como as levadas a cabo pelos representantes de Nansen em 1923, não se iriamrepetir nesta região até aos últimos dias da União Soviética.

A União Soviética procurou moldar os indivíduos, as populações e a sociedade àimagem da sua ideologia comunista. A transferência e a mistura de populações - vo-luntária ou involuntária - são medidas utilizadas para atingir um fim utópico. Dezenasde milhões de pessoas foram desenraizadas. Este movimento é ainda ampliado pelasdeslocações maciças provocadas pela Segunda Guerra Mundial. As transferênciasforçadas orquestradas por Estaline de nações inteiras ao longo dos anos 30 e 40 cons-tituem exemplos clássicos de “limpeza étnica”, muito antes da expressão ter sidoinventada.2 Os seus sucessores continuaram a servir-se activamente dos movimentosde população em prol de objectivos políticos e económicos.

Quando na segunda metade dos anos 80, os controlos políticos começaram gra-dualmente a abrandar, as tensões e aspirações étnicas e nacionalistas, que se encon-travam reprimidas e ocultas na União Soviética, libertaram-se. Logo, a desintegraçãopolítica da União Soviética fez-se acompanhar de uma “depuração étnica” e da afir-mação de uma vontade de autonomia em cada território objecto de discórdia.3

Um dos primeiros indícios do declínio da autoridade de Moscovo coincidiu como início, nos primeiros meses de 1988, do conflito entre a Arménia e o Azerbeijão. Oterritório em contenda era Nagorno-Karabakh, situado no Azerbeijão, e cuja maioriaarménia desejava a unificação com a Arménia. A fuga de arménios do Azerbeijão, evice-versa, deu origem às primeiras vagas de bezhentsi (termo russo que engloba refu-giados e deslocados internamente, tal como a comunicação social soviética e o públicoem geral se lhes referia).4 Em Junho de 1989, surgiu uma outra explosão de violên-cia inter-étnica no Usbequistão, no Vale Fergana, de onde a população local expulsoudezenas de milhar de meskhets. Estes pseudo “imigrantes” tinham sido deportadosem massa durante a época de Estaline da Geórgia do Sul e forçados a instalar-se na ÁsiaCentral.5

Estes exemplos dramáticos de choques étnicos e de expulsões alimentavam medos,tanto dentro como fora da União Soviética, de que a sua desintegração fosse espoletarainda maior violência e derramamento de sangue e gerar fluxos maciços de refugiados,de pessoas deslocadas internamente e de migrantes. É certo que os resultados do últimorecenseamento soviético, realizado em 1989, pareciam corroborar esta possibilidade:muitos indivíduos corriam o risco de serem considerados estrangeiros se emergissem

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Estados independentes. Dependendo da definição usada de terra natal, entre 54 mi-lhões e 65 milhões de pessoas (aproximadamente um quinto da população soviéticanum total de 285 milhões de pessoas) viviam fora das respectivas entidades nacionaise administrativas. Destas, cerca de 25,3 milhões eram russos que, como nação pre-dominante responsável por metade da totalidade da população soviética, estava habi-tuada a sentir-se em casa em toda a União Soviética.6

Estabelecer a presença do ACNUR na região

No início dos anos 90, o contínuo declínio económico e o ressurgimento do nacio-nalismo na União Soviética motivou um receio generalizado de que pudesse movi-mentar-se uma “vaga de leste para oeste” de migrantes soviéticos. Na EuropaOcidental, o sistema de asilo já estava saturado. Na Europa Central, que só recente-

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Polacos/Judeus (1940–41) 380.000

Alemães do Volga (Fev. 1941) 366.000

Chechenos (Fev. 1944) 362.000

Meskhets (Nov. 1944) 200.000

Tártaros da Crimeia (Mai. 1944) 183.000

Coreanos (1937) 172.000

Inguches (Fev. 1944) 134.000

Kalmyks (Dez. 1943) 92.000

Karachai (Nov. 1943) 68.000

Polacos (1936) 60.000

Finlandeses (região de São Petersburgo, 1942) 45.000

Balkars (Abril 1944) 37.000

Moldavos (1949) 36.000

Gregos do Mar Negro (1949) 36.000

Outros alemães soviéticos (1941–52) 843.000

Outros grupos da Crimeia (1944) 45.000

Outros grupos do Mar Negro (1949) 22.000

Outros grupos do Cáucaso do Norte (1943–44) 8.000

Total 3.089.000

Fonte: ACNUR (Secção de Informação), Commonwealth of Independent States Conference on Refugees and Migrants, 30–31 Maio 1996.Nota: Todos os dados estatísticos sobre as primeiras deportações, com excepção dos Meskhets, foram fornecidos por A. Blum do Institut Nationald’Études Démographiques de Paris. Os pormenores históricos foram fornecidos por Blum ou retirados do livro Les Peuples Déportés d’Union Soviétiquede J.-J. Marie. As transferências de população (atingindo vários milhões de pessoas) associadas à colectivização e os campos de trabalho do Gulag,antes do “regime especial para colonos”, não são tidos em conta. Outras deportações em grande escala tiveram lugar nos Estados Bálticos,República da Moldávia e Ucrânia entre 1944 e 1953.

Deportações soviéticas em massa nos anos 40 Figura 8.1

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mente saíra da esfera de influência soviética, o regime de asilo ainda mal se tinhacomeçado a instaurar. O ACNUR, que gradualmente lá se fora implantando, sentiuclaramente a necessidade de reforçar os mecanismos embrionários de protecção dosrefugiados e, assim, consolidar a edificação do sistema global de asilo europeu, emplena revisão.

Durante muitos anos, a União Soviética encarara o ACNUR com desconfiança,considerando a Organização como um instrumento da Guerra Fria. Contudo, na se-gunda metade dos anos 80, após a instauração das políticas de perestroika (restrutu-ração) e glasnost (abertura) pelo novo líder soviético Mikhail Gorbachov, a atitudesoviética perante a Organização começou a mudar. Confrontada com tão grandesdesafios, como a resolução dos conflitos no Camboja e no Afeganistão, ambos impli-cando o regresso de grande número de refugiados, a liderança soviética reconhecia,cada vez mais, o interesse de cooperar com o ACNUR.

Não foram só as exigências da política externa que impeliram a União Soviética adesenvolver uma cooperação com o ACNUR. Os novos problemas internos, rela-cionados com a deslocação forçada no interior da União, também constituíram umfactor determinante. Após décadas de arregimentação interna e de restrições apertadasnos contactos com o exterior, a União Soviética não estava em condições de gerir nema deslocação em larga escala gerada por conflitos étnicos no seu território, nem oaparecimento de um fluxo crescente de requerentes de asilo na sua capital, Moscovo.

Quando começaram a tratar destes problemas a nível prático, as autoridadessoviéticas reconheceram a necessidade de integrar o país no sistema internacional deprotecção de refugiados e viraram-se para o ACNUR em busca de assistência e orien-tação. Em Setembro de 1990, a União Soviética enviou uma delegação de obser-vadores à reunião anual do Comité Executivo do ACNUR em Genebra. Esta delegaçãoinformou o Alto Comissário Thorvald Stoltenberg que o governo soviético tencionavaaderir à Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados e que tinha começadoa elaborar nova legislação para fazer face à migração e à gestão de um número “avali-ado em 600.000 deslocados internamente”.7

Inicialmente, o ACNUR não estava muito inclinado a operar em solo soviético. Aescala e complexidade dos problemas de deslocação eram enormes e as pessoas desen-raizadas ou deslocadas internamente não pareciam enquadrar-se necessariamente noâmbito do mandato da Organização. Além disso, o ACNUR debatia-se com problemasde financiamento. Porém, perante as rápidas mudanças ocorridas na União Soviética, oACNUR revê a sua posição. Como resultado dos múltiplos contactos bilaterais em 1991,o ACNUR realiza as suas primeiras missões na União Soviética e a necessidade de estabe-lecer uma presença permanente no país é oficiosamente reconhecida. Num documentointerno de estratégia do ACNUR sobre a “desintegração da URSS”, elaborado emSetembro de 1991, advertia-se que “dada a dimensão histórica sem precedentes damudança, este Comissariado deveria adoptar uma abordagem mais pragmática do queformal e, na sua área de competência, ser mais pró-activo que reactivo”.8

O conceito de protecção preventiva

Em Setembro de 1991, a nova Alta Comissária, Sadako Ogata, aprovou a abertura deuma delegação regional em Moscovo. No mês seguinte, o ACNUR organizou a suaprimeira acção de formação em Moscovo no domínio das intervenções de urgência.

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Caixa 8.1 A apatridia e a cidadania contestadaApós a desintegração da União Soviética,da Jugoslávia e da Checoslováquia, mi-lhões de pessoas precisaram de validar oseu novo estatuto de cidadania. Umantigo cidadão checoslovaco era agoracheco ou eslovaco? Um indivíduonascido em Belgrado, criado emSarajevo, casado com alguém de Zagrebe que vive em Ljubliana é cidadãojugoslavo, bósnio, croata ou esloveno?Os novos Estados que emergiram destasdecomposições estabeleceram os seuspróprios critérios de cidadania. Nalgunscasos, as pessoas que não preenchiam oscritérios tornaram-se “apátridas”;noutros casos, não conseguiram adquirira nacionalidade do país onde viviam.

Estas questões não se confinam de modoalgum à Europa, nem a apatridia decorreapenas da dissolução dos Estados. Porvezes, pode também resultar de falhas nalegislação e nos procedimentos que regu-lam o casamento e os registos de nasci-mento. Noutros casos, são as políticasdiscriminatórias dirigidas contra certasminorias ou certos grupos ou indivíduosque conduzem à apatridia. Há governosque adoptaram leis da cidadania quemarginalizaram segmentos inteiros dasociedade. Ora, os indivíduos afectadospor problemas de cidadania ou denacionalidade duvidosa encontram-sefrequentemente desprovidos de umestatuto jurídico claro, tendo, por con-seguinte, dificuldades em contrairmatrimónio, em mandar as crianças paraa escola, em trabalhar, em viajar ou emadquirir bens. Daí que a apatridia seja,muitas vezes, a causa de deslocações depopulação.

Não é possível elaborar uma lista detodas as populações apátridas nomundo, já que a cidadania ou a naciona-lidade são frequentemente motivo decontrovérsia. O problema da apatridiaafecta em certa medida todos os países,pois todos eles têm leis que determinamos critérios da cidadania de uma maneiraque nem sempre se harmoniza com osoutros Estados.

As mudanças políticas na Europa duranteos anos 90 ilustram bem os problemasque podem surgir em caso de desacordoquanto à nacionalidade. Quando osEstados Bálticos readquiriram a inde-pendência, as suas leis da nacionalidadeexcluíam centenas de milhar de pessoasde etnia russa que já lá viviam hádécadas. Quando os tártaros da Crimeia,deportados por Estaline nos anos 40,regressaram à Ucrânia, muitos chegaram

após a data de concessão automática danacionalidade ucraniana, tendo tido difi-culdade em encontrar trabalho e aloja-mento. O desmembramento violento daJugoslávia deslocou mais de quatro mi-lhões de pessoas e, como muitos dos re-gistos comprovativos da cidadaniatinham sido destruídos, surgiramnumerosos problemas. Quando aChecoslováquia se dividiu em duasrepúblicas, foi atribuída a cidadaniaeslovaca a muitos que viviam no ladocheco, tornando-se assim estrangeirosno seu local habitual de residência.

Na Ásia, os biharis (muçulmanos nãobengalis que saíram da Índia para o queera, no final dos anos 40, o PaquistãoOriental) consideravam-se nacionaispaquistaneses e recusaram adoptar anacionalidade do Bangladeche quandoeste se tornou independente em 1971.Desde então, o governo do Paquistãotem-se mostrado relutante em procederao seu “repatriamento”, continuandoainda mais de 200.000 biharis em cam-pos no Bangladeche. No Myanmar, asrestritivas leis da nacionalidade conti-nuam a impedir que muitos residentes,como os rohingyas, sejam consideradosnacionais. No Butão, as leis da cidadaniaadoptadas nos anos 80 excluíram efecti-vamente muita gente de etnia nepalesada nacionalidade butanesa. Cerca de100.000 pessoas de etnia nepalesa doButão ainda estão a viver em campos noNepal.

Em África, cerca de 75.000 pessoasforam expulsas da Mauritânia em conse-quência de conflitos entre etnias em1989-90. Apesar da maior parte já terregressado, cerca de 30.000 mantêm-seno Senegal, e os seus pedidos de cidada-nia continuam a ser postos em causapelas autoridades mauritanas. No Zaire,após a legislação adoptada em 1981,milhares de banyarwanda perderam a suacidadania de jure. Na Etiópia, em conse-quência da guerra com a Eritreia, queteve início em 1998, as autoridadesexpulsaram 68.000 eritreus por seremnacionais de um Estado inimigo. Emboraambos os países tivessem emitido docu-mentos para estas pessoas, em Dezembrode1999 nenhum deles estava disposto aassumir todas as suas responsabilidadesperante estes refugiados.

No Médio Oriente, mais de 120.000 cur-dos que viveram toda a sua vida nonordeste da Síria não conseguiramadquirir a nacionalidade síria. No Kuwait,pelo menos 250.000 bidoons residem lá

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como uma minoria não possuindo umanacionalidade efectiva. Muitos foramforçados a deixar o Kuwait durante aGuerra do Golfo de 1991, vivendo agorano Iraque e em outros países do Golfo.Finalmente, apesar dos palestinianos nãoserem considerados como apátridas jáque, tecnicamente, existe um EstadoPalestiniano desde a aprovação daResolução 181 (1947) da AssembleiaGeral das Nações Unidas, são cerca detrês milhões que não puderam regressar asuas casas e o seu estatuto jurídico temsido objecto de discórdia permanentecom o governo israelita.

Existe uma ligação entre a apatridia epotenciais fluxos de refugiados, embora,evidentemente, nem todas as pessoasapátridas sejam refugiados. O ACNURapoia a adesão e aplicação da Convençãode 1954 relativa ao Estatuto das PessoasApátridas, bem como da Convenção de1961 sobre a Redução da Apatridia. Estesinstrumentos constituem o quadrojurídico para evitar e reduzir os casos deapatridia e se resolverem os conflitosentre Estados.

Em 1995, o Comité Executivo do ACNURe, posteriormente, a Assembleia Geral dasNações Unidas, solicitaram ao ACNUR quese debruçasse sobre o problema da apa-tridia. Desde então, a Organização têm--se dedicado de forma crescente a pro-mover a prevenção e redução da apa-tridia, divulgando informação, dandoformação a funcionários do governo efomentando a cooperação com outrasorganizações que trabalham em assuntosafins. O ACNUR tem encorajado osEstados no sentido de criarem estruturasnacionais onde os apátridas se possamfazer representar e, quando apropriado,tem colaborado com os Estados parainstaurarem procedimentos que permi-tam às pessoas apátridas a aquisição dacidadania. Alguns Estados têm feito pro-gressos significativos nos últimos anos,procurando resolver os problemas decor-rentes da apatridia e da cidadania con-testada. De qualquer maneira, até aqui,tem-se procurado resolver os problemascaso a caso. Situações de perda denacionalidade por inadvertência ou dediscriminação implicando a perda danacionalidade e a expulsão, continuam aestar, muitas vezes, na origem dos fluxosde refugiados. O desafio do ACNUR nestedomínio é criar um enquadramento inter-nacional harmonizado capaz de reco-nhecer e de dar, sistematicamente,resposta aos problemas da apatridia.

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Com base na experiência adquirida na Europa Central, o ACNUR procurou prosseguiruma política de reforço da sua capacidade operacional que lhe permitisse desempe-nhar um papel preventivo e de alerta antecipado.9

No princípio de Dezembro, o ACNUR enviou uma missão para a região a fim de“determinar a oportunidade ...(de uma) presença permanente na URSS”. Os membrosdesta missão acabaram por testemunhar a desintegração da União Soviética e o nasci-mento da CEI, a 8 de Dezembro de 1991. A atitude do ACNUR na região pós-soviéticairá ser largamente moldada pelas conclusões desta emblemática missão. Estas realçavamo facto de “a abordagem clássica de reagir aos acontecimentos ex post facto, aplicando asmedidas tradicionais do mandato exclusivamente no interior do país de asilo, correr orisco de se revelar inadequada”. Valendo-se dos ensinamentos “da experiência actualdo ACNUR em situações de conflito étnico, como no Sri Lanca e na Jugoslávia”, a mis-são recomendava “um papel privilegiando a protecção e a prevenção, apoiando-se emmedidas de alerta antecipado e numa abordagem pragmática no sentido de diminuir apressão sobre as populações afectadas impelidas a partir”. Foi também recomendado oestabelecimento de uma “presença permanente” no Transcáucaso (daqui em diantereferido como Sul do Cáucaso) e na Ásia Central.10

Durante os primeiros meses de 1992, o ACNUR enviou missões para apuramentodos factos a muitos dos novos Estados independentes que emergiram na Europa deLeste, no Sul do Cáucaso e na Ásia Central, estabelecendo assim relações directas com

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0 200 400

Quilómetros

ARMÉNIATURQUEMENISTÃO

GEÓRGIA

TURQUIA

MOLDÁVIA

CHINA

QUIRGUIZISTÃO

TAJIQUISTÃO

UCRÂNIA

ROMÉNIA

IRÃOAFEGANISTÃOIRAQUE

LETÓNIA

LITUÂNIA

ESTÓNIA

USBEQUISTÃO

BIELORRÚSSIA

RÚSSIA

BULGÁRIA

CAZAQUISTÃO

FINLÂNDIA

Fronteira internacionalLEGENDA

Mar Mediterrâneo

Mar Báltico MarCáspio

Comunidade de Estados IndependentesCHIPRE

SÍRIA

GRÉCIA

Marde

Aral

ARZEBEIJÃO

Comunidade de Estados Independentese países vizinhos, 1999 Mapa 8.1

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os novos governos. Em Março, a Alta Comissária convocou uma reunião para elabo-ração de uma estratégia do ACNUR na região pós-soviética. Isso vinha de encontro ànecessidade de medidas mais sistemáticas no sentido de dar aconselhamento jurídicoe apoio com vista a reforçar a capacidade de resposta dos governos e das organiza-ções não governamentais (ONG) na abordagem das questões relacionadas com adeslocação forçada. O conceito geral de “protecção preventiva” foi também san-cionado nesta ocasião. No contexto da CEI, isso significava o estabelecimento de umapresença do ACNUR, monitorização e alerta antecipado, adequação a padrões huma-nitários internacionais, acções de formação e campanhas de informação pública parapromoção dos direitos humanos, com especial incidência nas minorias e pessoasdeslocadas.11

Criar novas parcerias

Esta estratégia emergente incluía a necessidade, reconhecida desde o início do envol-vimento do ACNUR na região, de uma cooperação mais estreita com outras agênciase organizações do sistema das Nações Unidas, assim como com a OIM.12 Duranteeste período inicial, o ACNUR trabalhou com a Cruz Vermelha Russa e com osMédicos Sem Fronteiras na assistência aos requerentes de asilo em Moscovo. Efectuavamissões conjuntas de apuramento dos factos com a UNICEF e o Programa AlimentarMundial (PAM) em que divulga documentação sobre os direitos humanos prove-niente do Centro das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

No entanto, face à amplitude dos problemas de refugiados e, mais extensamente,da migração forçada na CEI e na Europa Central, o ACNUR precisava também de esta-belecer parcerias com outros actores nacionais importantes envolvidos nestasquestões, em particular com o Conselho da Europa e a Conferência para a Segurançae Cooperação na Europa (CSCE), antecessora da OSCE.

Por ocasião da Conferência sobre as “dimensões humanas do problema”, reali-zada em Moscovo, em Setembro de 1991, sob a égide da CSCE, a Alta Comissária su-blinha a complementaridade existente entre as preocupações da sua Organização e asda CSCE. Sugere a inscrição da questão das populações deslocadas na agenda CSCE eapela a um diálogo mais directo entre os Estados-membros da CSCE e o ACNUR.13

Esta iniciativa e outras subsequentes revelaram-se eficazes e contribuíram para chamara atenção sobre as questões dos refugiados e da migração. Assim, num encontro pos-terior da CSCE em Helsínquia, em Junho de 1992, dez Estados, incluindo a FederaçãoRussa e o Quirguizistão, membros da CEI, submeteram um projecto de resolução quetestemunhava a sua inquietação face “ao agravamento do problema dos refugiados edas pessoas deslocadas”. Declaravam que “as deslocações decorrem frequente-mente de violações aos compromissos assumidos nos termos da dimensão humanada CSCE ... tratando-se, portanto, de uma preocupação directa e legítima de todosos Estados participantes e não do domínio exclusivo dos assuntos internos do Estadoem causa”.14

O ACNUR começa a ser visto como tendo um importante papel a desempenharno interior do processo CSCE, assim como paralelamente ao mesmo. A participaçãodo ACNUR numa missão conduzida pela CSCE a Nagorno-Karabakh, em Março de1992, constituiu a primeira experiência prática de interacção entre as Nações Unidase a CSCE, de uma forma geral, e entre o ACNUR e a CSCE, em particular.15

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Quando, mais tarde, o ACNUR começa a operar no Sul do Cáucaso, vai-se envol-vendo cada vez mais nos esforços mais amplos a favor da paz conduzidos pelas NaçõesUnidas e pela OSCE. A título de exemplo, citam-se as consultas do “Grupo Minsk” daOSCE sobre Nagorno-Karabakh, as negociações patrocinadas pela ONU entre a Geó-rgia e a Abcásia e o processo de reconciliação conduzido pela OSCE entre a Geórgia ea Ossétia do Sul. No Tajiquistão, o ACNUR também cooperou estreitamente com aOSCE na organização do programa de repatriamento.

Conflitos no Sul do Cáucaso e no Tajiquistão

A luta entre a Arménia e o Azerbeijão por Nagorno-Karabakh, que se intensificou nofinal dos anos 80, foi apenas um dos vários conflitos que degeneraram em guerrapouco depois da desintegração da União Soviética, em Dezembro de 1991. NaGeórgia, a confrontação armada que tinha começado em 1989 com os ossétios do sul,que exigiam a independência, foi piorando até à negociação, nada fácil, de cessar--fogo, em Maio de 1992. Semanas depois, um novo conflito estala na Geórgia, destavez no território autónomo da Abcásia. Na Moldávia, no princípio de 1992, rebentauma crise violenta, mas de breve duração, entre as forças moldavas e as da auto-proclamada “República Transdniester”. Na Ásia Central, começa uma sangrentaguerra civil no Tajiquistão, em Maio de 1992.

Na segunda metade de 1992, o número de pessoas deslocadas por estes conflitosaumenta vertiginosamente. Por essa altura, a necessidade de ajuda humanitária deemergência era largamente reconhecida e o ACNUR abandona as suas anteriores reser-vas e decide ir para o terreno. A dificuldade agora era, tal como o representante doACNUR na região a descrevera, “transpor a lassidão dos doadores”. E, em Agosto,numa recomendação sobre a política a seguir, afirmava que “mesmo que a comu-nidade internacional actualmente possa estar obcecada com a Jugoslávia, não pode, sereflectir, ignorar por mais tempo a situação no Transcáucaso”.16

O ACNUR desempenha a partir de então um papel-chave, em conjunto com oDepartamento da ONU dos Assuntos Humanitários (futuro Gabinete para a Coordenaçãodos Assuntos Humanitários), lançando um programa de ajuda humanitária internacional.

O conflito entre a Arménia e o Azerbeijão em torno de Nagorno-Karabakh

Mesmo antes da desintegração da União Soviética, já as lutas por Nagorno-Karabakhtinham desenraizado cerca de 300.000 arménios e 350.000 azeris. A declaração deindependência da Arménia, em Outubro de 1991, e a dissolução da União Soviéticaem menos de dois meses, conduziram depois a uma escalada de violência e a novasdeslocações. Em Agosto de 1993, as forças de Nagorno-Karabakh e as forças arméniascontrolavam cerca de 20 por cento do território do Azerbeijão, tendo estabelecidodois “corredores” que ligavam o enclave à Arménia.

Neste contexto de violência contínua, o ACNUR não queria iniciar sozinho umaoperação humanitária de grande envergadura. Preferiu afectar e testar a sua novacapacidade de resposta a situações de emergência. As equipas de emergência doACNUR chegaram às capitais da Arménia e do Azerbeijão, Yerevan e Baku, respecti-vamente, no dia 3 de Dezembro de 1992.

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Quando em Maio de 1994 se chegava finalmente a um cessar-fogo, mais de meiomilhão de azeris foram forçados a sair de vastos territórios do Azerbeijão pelas forçasarménias Karabak. Embora o cessar-fogo se mantivesse, não se vislumbrava umacordo político e muitos dos desenraizados permaneciam reféns de um conflito esta-gnado. Apesar do beco sem saída, o ACNUR trabalhava em estreita parceria com oBanco Mundial, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e asONG, ajudando o governo do Azerbeijão a reabilitar e reconstruir as áreas para ondeas populações desenraizadas podiam regressar em segurança.

Os conflitos nos territórios geórgios da Abcásia e da Ossétia do Sul

Na Geórgia, as populações dos territórios autónomos da Ossétia do Sul e da Abcásiacomeçaram a pressionar para a cisão logo em 1989. Os habitantes originários daOssétia, cuja parte norte agora pertence à Federação Russa, representavam dois terçosda população da região em 1979. Os ossétios do sul estavam a favor de uma maiorautonomia e da unificação com a Ossétia do Norte, sendo mal vistos pelos geórgiosdevido à sua posição tradicionalmente pró-russa. Os abcásios, um povo maioritaria-mente muçulmano, tinham beneficiado de uma quase independência no interior daGeórgia nos anos 20. Sob o domínio de Estaline, contudo, os geórgios instalaram-seneste território e, em 1989, os abcásios só constituíam 18% da população, enquantoque os geórgios representavam quase metade da população.

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Esta viúva de etnia azeri, deslocada por força do conflito entre a Arménia e o Azerbeijão, viveu neste depósito de gásmais de 10 anos. (ACNUR/A. HOLLMANN/1999)

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A Situação dos Refugiados no Mundo

Caixa 8.2 Organizações não governamentais

A expressão “organizações não governa-mentais” (ONG) aplica-se a um vastoleque de organismos sem fins lucrativos.Entre estes contam-se, em particular, asorganizações humanitárias e as organi-zações de defesa e fiscalização dos direi-tos humanos. Desde que iniciou a suaactividade, o ACNUR tem trabalhado comum grande número de ONG, nomeada-mente, com ONG internacionais queoperam em numerosos países, ONGnacionais que operam unicamente no seupróprio país, e com certas “famílias” deONG descentralizadas, como a CAREInternational, World VisionInternational, Oxfam e a Aliança Savethe Children.

Estas organizações cobrem um vastocampo de acções, nomeadamente no tra-balho de ajuda de emergência, de desen-volvimento a longo prazo, e de defesa emonitorização dos direitos humanos. AAlta Comissária Sadako Ogata descreveuas ONG como “um factor importante dedemocratização no espectro interna-cional das Nações Unidas”.1 O crescentereconhecimento internacional pelo seuimportante contributo está tambémpatente no facto de o Prémio Nobel daPaz de 1999 ter sido atribuído aosMédicos Sem Fronteiras.

Estatísticas globais sobre o número deONG e sobre os recursos que movimen-tam são difíceis de obter. Certos obser-vadores estimam que o financiamentototal canalizado através das ONG emtodo o mundo exceda os 8,5 mil milhõesde dólares EUA, por ano.2 Em situaçõesde emergência, em particular, a pro-porção da ajuda pública ao desenvolvi-mento atribuída às ONG aumentouvertiginosamente nos últimos 15 anos.

O ACNUR tem trabalhado em estreitacolaboração com as ONG desde a sua cri-ação. Na realidade, o seu Estatuto prevêexpressamente que a assistênciaprestada aos refugiados seja feitaatravés de organizações públicas ou pri-vadas. Nos primeiros anos, em parte de-vido aos limitados fundos de quedispunha, o ACNUR funcionou sobretudocomo órgão de coordenação e super-visão. Durante esse período, as ONGtornaram-se parceiros importantes para aOrganização. Em resposta aos fluxosmaciços de refugiados em África, nosanos 60, o ACNUR e as ONG desen-volveram uma nova relação de trabalho,mais dinâmica, operando em particularatravés do Conselho Internacional de

Agências Voluntárias (CIAV), uma orga-nização charneira, fundada em 1962, eque continua a desempenhar um papelimportante.

Nos anos 70, as ONG multiplicaram-se etornaram-se os principais parceiros deimplementação do ACNUR em todos osaspectos do seu trabalho. Por exemplo,no final dos anos 70, estavam a trabalharem Khao-I-Dang, um campo de refugia-dos cambojanos na Tailândia, 37 ONGdiferentes. No decorrer dos anos 80, asONG continuaram a proliferar, intervindonas grandes emergências de refugiadosno Corno de África, na Ásia e na AméricaCentral. No final dos anos 80, mais de100 ONG internacionais estavam a tra-balhar nos campos de refugiados afegãose nos aldeamentos de refugiados noPaquistão.

Os anos 90 testemunharam o maiorcrescimento de sempre das ONG em ter-mos de número, dimensão, capacidadeoperacional e recursos. Em 1994, cal-culava-se que houvesse mais de 100 ONGa operar nos campos ruandeses do entãoZaire, 150 em Moçambique, 170 noRuanda e cerca de 250 na Bósnia-Herzegovina. A crise do Kosovo, em1999, veio confirmar de novo a quanti-dade e a diversidade de ONG com acessoa fundos públicos e privados.

Os governos, mais do que os doadoresprivados, são os grandes responsáveispelo recente aumento de financiamentoàs ONG. Em 1970, os fundos do sectorpúblico para o orçamento das ONG repre-sentavam uns meros 1,5 por cento. Emmeados dos anos 90, tinham subido para40%, tendendo a aumentar.3 Esteaumento de financiamento da parte dosgovernos e da ONU fez com que certosobservadores se interroguem se algumasdestas organizações devam ainda, defacto, ser chamadas organizações nãogovernamentais. Em muitos destes pro-jectos, as ONG actuam essencialmentecom subcontratos dos governos ou dasNações Unidas. Não obstante e contradi-toriamente, em muitos casos, as ONGnão hesitam em criticar abertamente osgovernos e as Nações Unidas.

Cada vez mais, os governos financiamONG nacionais, eliminando o papel inter-mediário tradicional das ONG interna-cionais. Muitas destas ONG nacionais sãoorganizações pequenas. Algumasbaseiam-se na comunidade, dispondo depouco pessoal e operando apenas numa

pequena cidade ou povoação. Tem-severificado uma proliferação de ONG destetipo. Por exemplo, em 1999, só noAfeganistão havia mais de 200 ONGnacionais a trabalhar.

O ACNUR tem estabelecido parcerias detrabalho cada vez mais estreitas com asONG nacionais. Durante a crise daBósnia, mais de 90% da ajuda humani-tária do ACNUR foi distribuída por orga-nizações locais como a Merhamet, aCARITAS, e representações locais da CruzVermelha. Em 1999, estavam a trabalharem parceria com o ACNUR 395 ONGnacionais - três vezes mais do que cincoanos atrás. Em 1999, estas ONGnacionais executaram perto de 20% dosprojectos do ACNUR. As ONG desempe-nham um papel importante na cimen-tação de uma sociedade civil e, alémdisso, mantém-se invariavelmente maistempo após a saída das organizaçõeshumanitárias internacionais.

Desde 1994, a consulta e a cooperaçãoentre o ACNUR e as ONG têm-seexpandido através do que ficou conhe-cido como o processo Partnership inAction (PARinAC). O ACNUR e as ONGrealizam encontros regulares em muitosdos países onde operam. Isso ajuda acriar estruturas de parceria e permite queas ONG participem no próprio desen-volvimento político e no planeamento doACNUR. O processo PARinAC revelou-separticularmente útil em situações deemergência repentinas e de larga escala.

A importância que o ACNUR atribui àsONG manifesta-se no facto de, em 1999,ter canalizado 295 milhões de dólaresEUA para 544 ONG parceiras de imple-mentação. Cerca de 50% do total de pro-gramas do ACNUR são agora executadospor ONG internacionais e, destas, 34receberam, cada uma, mais de 2 milhõesde dólares EUA em 1999.

A Carta Humanitária e os PadrõesMínimos a Observar em Caso deCatástrofe, conhecidos como “ProjectoEsfera”, procuram melhorar a eficácia daajuda humanitária e tornar mais respon-sáveis as organizações humanitárias.Lançado em 1997, este quadro de princí-pios e de práticas para a acção huma-nitária é fruto do esforço conjunto demais de 200 organizações, nomeada-mente de ONG, da Cruz VermelhaInternacional e Movimento do CrescenteVermelho, de instituições académicas,das Nações Unidas (incluindo o ACNUR) ede órgãos governamentais.

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Os combates rebentaram em 1989 na Ossétia do Sul entre os ossétios e os geór-gios que aí se fixaram. Apesar da presença das tropas soviéticas e, depois, das tropasgeórgias, só em Maio de 1992 é alcançado um cessar-fogo duradouro. Por esta altura,tinham atravessado a fronteira para a Ossétia do Norte, na Federação Russa, cerca de50.000 ossétios, e aproximadamente 23.000 geórgios tinham sido empurrados daOssétia do Sul para a Geórgia propriamente dita.

Quando terminava um conflito na Geórgia, logo outro começava. Os combatesestalaram na Abcásia em meados de 1992, quando a República proclamou a sua inde-pendência e são enviados 2.000 efectivos geórgios para restabelecer a ordem. Aolongo do ano e meio que se seguiu, este conflito provocou a deslocação e a expulsãoda Abcásia de cerca de 250.000 geórgios.

Em Julho de 1993, foi acordado um cessar-fogo e, no mês seguinte, o Conselhode Segurança da ONU decidiu criar uma pequena Missão de Observação das NaçõesUnidas na Geórgia (UNOMIG). Esta foi a primeira missão deste tipo na ex-UniãoSoviética. A princípio, o cessar-fogo não era respeitado, mas, em Dezembro, as con-versações sob a égide das ONU conduziram à elaboração de um memorando deentendimento entre os dois lados e à integração de forças de manutenção da paz noseio da UNOMIG. A situação começava a estabilizar-se e o ACNUR, que abrira umadelegação na capital da Geórgia, Tiblisi, em Junho de 1993, participava activamentena negociação de um acordo quadripartido com o geórgios, os abcásios e a FederaçãoRussa com vista ao regresso voluntário dos refugiados e das pessoas deslocadas.Finalmente, é assinado um acordo em Moscovo, em Abril de 1994, prevendo umaforça de manutenção da paz da CEI de 2.500 homens, constituída essencialmente portropas russas, e atribuindo ao ACNUR a responsabilidade da fiscalização do processode repatriamento.

Se bem que não isento de imperfeições, este acordo quadripartido afigurava-seuma tentativa credível, embora ambiciosa, no sentido de inverter um processo deexpulsão por motivos étnicos de toda uma população. A implementação do acordoseria posteriormente obstruída, dada a insistência dos abcásios de que a questão doestatuto político da Abcásia fosse definida antes do repatriamento. O ACNUR foi assimobrigado a suspender o programa de repatriamento.

Apesar de prosseguirem as negociações e conversações de proximidade sob aégide da ONU, a situação permanecia explosiva. Dezenas de milhar de geórgios deslo-cados regressavam espontaneamente para o distrito de Gali, o mais próximo daGeórgia propriamente dita, não obstante o perigo que representavam, entre outrascoisas, as minas anti-pessoal. A falta de garantias de segurança numa área que não seencontrava sob o controlo do governo fez com que o ACNUR hesitasse em promoverou facilitar o repatriamento voluntário para a Abcásia. Preferiu encetar negociaçõescom as partes abcásia e geórgia para poder entrar em contacto com os retornados naregião de Gali e com as vítimas do conflito noutras regiões da Abcásia, principalmentena capital regional, Sukhumi. Na sequência disso, o ACNUR irá fornecer às pessoasque regressaram espontaneamente para Gali materiais de construção, sementes egasóleo a fim de as ajudar na reconstrução. É prestada assistência semelhante noutrasregiões da Abcásia.

Em Maio de 1998, reactivaram-se as hostilidades entre os partidários geórgios eas milícias abcásias no distrito de Gali, constituindo um enorme revés nos esforços demanutenção da paz aos níveis local e internacional. Em consequência disso, cerca de

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40.000 pessoas das 50.000 já retornadas tiveram mais uma vez de partir e muitas dascasas e escolas reabilitadas pelo ACNUR foram pilhadas e incendiadas.

Os esforços envidados para uma solução pacífica do conflito entre a Geórgia e aOssétia do Sul foram mais frutíferos. O impasse político, que durava desde Maio de1992, foi quebrado em Fevereiro de 1997 numa reunião realizada em Vladikavkaz,na Ossétia do Norte. Uma comissão de controlo conjunta, operando sob a égide daOSCE, tomou três decisões, uma delas sobre o repatriamento voluntário dos refugia-dos e das pessoas deslocadas. O ACNUR instalou-se em Tskhinvali, na Ossétia do Sul,tendo aí lançado um modesto programa de assistência em que se forneciam materiaisde construção aos retornados cujas casas tinham sido destruídas ou danificadasdurante o conflito. Esta cooperação entre o ACNUR e a OSCE, procurando resolver oconflito entre geórgios e ossétios, foi alargada, em 1998, ao Conselho da Europa evisava ajudar o governo geórgio a instituir procedimentos judiciais e jurídicos quefacilitassem a restituição dos bens às vítimas do conflito.

A guerra civil no Tajiquistão

A guerra civil no Tajiquistão rebentou em Maio de 1992, menos de seis meses após odesmantelamento da União Soviética. O conflito girava à volta de questões políticas,étnicas ou de clã e, em menor grau, ideológicas. Grupos de usbeques, khojandi ekulyabi, que detinham tradicionalmente o poder político e económico durante a erasoviética, foram desafiados por grupos marginalizados provenientes de outras regi-ões (Garm e Pamiris) com concepções políticas anti-comunistas, pró-islâmicas enacionalistas. As tropas russas, que permaneciam no país após o desmantelamento daUnião Soviética, apoiaram o governo a controlar a situação e a impedir as forçasrebeldes de penetrarem no país através da fronteira sul. No espaço de meses, os com-bates forçaram cerca de 600.000 pessoas a abandonar as suas casas. Destas, cerca de60.000 tajiques fugiram para o sul do Afeganistão, ao passo que muitas outras pes-soas de etnia russa, usbeque e tajique fugiram para outras regiões da CEI ou paralugares mais distantes.

Enquanto a ONU elaborava uma abordagem integrada para o conflito no Taji-quistão, o ACNUR prestava assistência de emergência a refugiados tajiques no nortedo Afeganistão. Em Janeiro de 1993, uma equipa do ACNUR chega à capital tajique,Dushanbe. No mesmo mês, o Conselho de Segurança da ONU destaca uma pequenaMissão de Observação das Nações Unidas para o Tajiquistão (UNMOT). Ao longo dosmeses que se seguem, o pessoal do ACNUR encontrava-se a operar num ambienteextremamente instável. Nesse período, enceta negociações difíceis, mas finalmentefrutuosas, com os senhores da guerra responsáveis pelas expulsões, visando ganhar aconfiança de todas as partes e criar as condições necessárias para o regresso dos refu-giados e das pessoas deslocadas.

A guerra civil terminou efectivamente no princípio de 1993, apesar de algumasinsurreições continuarem a criar desestabilização no país depois disso. A partir deAbril de 1993, o ACNUR, trabalhando em colaboração com outras agências da ONUe ONG, e com o apoio do governo do Tajiquistão, ajudou a organizar o repatriamentode refugiados e o regresso das pessoas que se encontravam deslocadas internamente.Para conseguir isso, o ACNUR estende a sua presença a todo o território a fim de fis-

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calizar os regressos e assegurar a protecção das pessoas. O ACNUR, conjuntamentecom os seus parceiros, prestou assistência aos retornados na reconstrução das casasdestruídas e de outras infra-estruturas vitais.

Em meados de 1995, já tinha regressado a maioria das pessoas deslocadas inter-namente, assim como os cerca de 40.000 refugiados, tendo sido reconstruídos pertode 19.000 abrigos. O ACNUR transfere as suas actividades de supervisão para a OSCE.Depois, em Junho de 1997, foi assinado em Moscovo um novo acordo de paz patroci-nado pela ONU de que resultou uma nova vaga de repatriamentos. Ao longo dos doisanos que se seguiram, regressaram mais 17.000 tajiques, tendo o ACNUR tambémimplementado programas educativos, agrícolas e geradores de rendimentos a fim defacilitar a reintegração no sul do país. Desde então, o Tajiquistão tem sucumbido a no-vos acessos de violência que têm gerado mais deslocações internas. Embora a oposiçãotenha sido integrada no governo, a situação política mantém-se tensa.

Novos desafios nos países da CEI

Nos anos que se seguiram à desintegração da União Soviética, os Estados recentementecriados debatiam-se com a necessidade de instaurar procedimentos jurídicos e adminis-trativos adequados que permitissem gerir os problemas complexos relacionados comrefugiados e migração. Entre 1992 e 1993, muitos dos países da CEI ou introduziram

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Crianças refugiadas que regressaram para a província de Khation, no Tajiquistão, assistem a uma aula ao ar livre: a guerradestruiu todas as escolas. (ACNUR/A. HOLLMANN/1995)

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legislação temporária ou adoptaram leis em matéria de refugiados. A Federação Russa eo Azerbeijão foram os primeiros dos países da CEI a aderir à Convenção de 1951 re-lativa aos Refugiados e ao Protocolo de 1967 em Fevereiro de 1993, seguidos poucodepois pela Arménia e pelo Tajiquistão no final desse mesmo ano.

Contudo, era cada vez mais evidente que os países da CEI estavam sobretudo preo-cupados com as suas próprias populações deslocadas e pouco dispostos a assumirresponsabilidades no que respeita às questões clássicas de refugiados. O ACNUR con-frontava-se com dificuldades consideráveis no esforço de promover as ideias interna-cionalmente aceites em matéria de asilo, inclusivamente a introdução de procedi-mentos de determinação de estatuto justos e fiáveis e a aceitação de uma definição uni-forme de refugiado.

Em 1991-92, o ACNUR, em parceria com as ONG, viu-se perante um dilema:como dar resposta às necessidades dos requerentes de asilo retidos no aeroporto deMoscovo e às dos cerca de 10.000 requerentes de asilo não provenientes de países daCEI? Estes últimos eram sobretudo afegãos, somalis, iraquianos e etíopes, e a maiorparte encontrava-se na capital russa. O representante do ACNUR em Moscovo comu-nicou em Janeiro de 1993 que “os refugiados e os requerentes de asilo não são bem--vindos; do ponto de vista da Rússia, são pessoas em trânsito e prestar-lhes aquiassistência constituiria um factor de atracção.”17 Acrescentava que, com um orça-mento para 1992 de apenas três milhões de dólares EUA para um milhão de desloca-dos, o Serviço Federal Russo das Migrações não possuía sequer meios financeiros paradar resposta às necessidades dos deslocados russos. Os outros países da CEI debatiam--se com problemas semelhantes. O ACNUR começa assim a prestar assistência aos refu-giados e requerentes de asilo mais vulneráveis, avalia as necessidades dos afegãosretidos na Rússia e lança campanhas de sensibilização pública.

Uma outra complicação era a confusão de terminologia e de conceitos em certospaíses da CEI. A Rússia e alguns outros países introduziram, em particular, a expressão“migrante forçado” na sua legislação para definir russos e russófonos que estavam aser repatriados das antigas repúblicas soviéticas, agora países independentes. Esta le-gislação confundia a definição internacionalmente reconhecida de refugiado e refor-çava a distinção entre refugiados do interior da CEI e os outros fora da CEI. Issotraduzia-se com frequência em discriminação contra estes últimos.18

“Migrantes forçados” russos e outros movimentos de população

Para a Rússia, a questão-chave da gestão das migrações era o influxo maciço de russose de russófonos. Muitas destas pessoas sentiam-se isoladas e vítimas de discriminaçãonos novos Estados, em particular, na Ásia Central e nos Estados Bálticos. A questão naglobalidade torna-se altamente politizada, pois estes milhões de russos repatriadospesavam no orgulho nacional. A protecção dos direitos dos russos nos “paísesestrangeiros próximos” torna-se uma prioridade da política externa da Rússia.

O movimento de “repatriamento” a partir das Repúblicas da Ásia Central já estavaem curso na última década do domínio soviético, mas agora a intensidade e a visibili-dade política destes fluxos aumentaram repentinamente. Entre 1992 e 1996, aproxi-madamente três milhões de pessoas migraram para a Rússia, embora só um milhão seregistasse junto das autoridades. Trata-se do maior movimento de população no seioda CEI durante o período pós-soviético.

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A Rússia qualificava estes cidadãos ou pretensos cidadãos russos que estavam achegar das antigas repúblicas soviéticas como “migrantes forçados”. Os outros paísesda CEI, pelo contrário, viam sob esta definição uma conotação política e defendiamque o que estava a acontecer era, de certa forma, uma rearrumação pós-imperial daspopulações, que não afectava apenas os russos. Consideravam que muitos estavam avoltar para a pátria dos seus antepassados, de livre vontade, por motivos culturais,sociais e económicos. Para ajudar ainda mais a confusão, a expressão “migranteforçado” aplicava-se também às pessoas deslocadas internamente.

Os Estados da CEI enfrentavam outros problemas de deslocação e de migração emlarga escala, nomeadamente os tártaros da Crimeia que, tendo sido deportados nosanos 40, foram impedidos de voltar para a sua terra natal até ao colapso da UniãoSoviética. Assistia-se também a fluxos de repatriamentos étnicos para os Estados deorigem, como os de etnia cazaque que vindos da Mongólia, do Tajiquistão e doAfeganistão regressavam ao Cazaquistão. Acrescem certas reinstalações motivadas pordesastres ecológicos e, cada vez mais, um caudal em direcção ao Ocidente demigrantes ilegais que utilizavam os países da CEI como corredor de passagem para aEuropa Ocidental. Além disto, milhões de pessoas originárias dos países da CEI procu-ravam trabalho noutros Estados. Esta migração económica, em particular de paísesafectados pela guerra, era geralmente de natureza anárquica.

Para fazer face a estas questões, os países da CEI trabalharam conjuntamente, tantoao nível bilateral e sub-regional como no âmbito da própria CEI. Logo em Outubrode 1992, os dez Estados da CEI assinaram um acordo em Bishkek, no Quirguizistão,

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50

“Migrantes Forçados” registados naFederação Russa por local anterior de residência1993-98* (Total = 978.000)

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Outros

*O número total de “migrantes forçados” registados e não registados que chegou à Federação Russa durante os anos 90 éestimado em mais de três milhões.Fonte: Serviço de Migração da Federação Russa.

Figura 8.2

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referente às populações antigamente deportadas.19 Um ano mais tarde, nove paísesda CEI assinaram também um acordo sobre a assistência aos refugiados e migrantesforçados. Este acordo dava definições de “refugiado” e de “migrante forçado” maislatas do que as contidas na Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados,abrangendo as pessoas que fogem de conflitos. De acordo com esta definição, umrefugiado é uma pessoa que não é nacional do país de asilo, ao passo que um“migrante forçado” o é.20

Estes acordos da CEI e outros semelhantes adoptados neste período pareciam seriniciativas sólidas, mas, na prática, não passavam de letra morta. Não só por falta demeios financeiros, mas também, e sobretudo, por causa das tensões existentes entreEstados da CEI: a Rússia estava a favor de uma maior integração, ao passo que outrospaíses, como a Ucrânia, o Azerbeijão, a Moldávia e a Geórgia opunham-se à transfor-mação da CEI numa estrutura supranacional. Nestas condições, cada vez mais se reco-nhecia a necessidade de uma qualquer forma de enquadramento neutro no âmbito doqual os países da CEI possam tratar dos seus problemas de deslocação e de migração.

A Conferência da CEI

Com o objectivo de chamar a atenção da comunidade internacional para o problemados “migrantes forçados”, as autoridades russas voltam-se para a Assembleia Geral daONU. Em Dezembro de 1993, a Assembleia Geral aprovou uma resolução, patroci-nada pela Federação Russa, para a realização de uma conferência da ONU sobre “oproblema dos refugiados, retornados, pessoas deslocadas e migrantes”.21 Dois mesesdepois, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Andrei Kozyrev, solicita ofi-cialmente ao Alto Comissário a organização de uma conferência.22

Inicialmente, o ACNUR reagiu cautelosamente, consciente do carácter politica-mente delicado da proposta e das suas implicações financeiras e operacionais. Nãoobstante, também reconhecia as limitações inerentes a uma abordagem fragmentadados vastos problemas da região e o facto de, neste ambiente não tradicional, os moldespara uma acção eficaz e relevante não se poderem basear unicamente numa estratégiacentrada em torno do asilo. O ACNUR decidiu integrar as iniciativas da CEI na suaprópria estratégica e promover a ideia de uma abordagem multilateral e global dosproblemas da região. Aqui, a Organização inspirou-se na experiência adquirida como processo CIREFCA, na América Central, dez anos antes.

Durante as conversações havidas em Moscovo, em Maio de 1994, a FederaçãoRussa aceitou a abordagem geral proposta pelo ACNUR. Foram então convidados aparticipar os outros países da CEI e organizações e Estados interessados. O ACNUR, aOIM e a OSCE, representada através do seu Gabinete para as Instituições Democráticase os Direitos Humanos (ODIHR), aceitaram organizar conjuntamente esta ambiciosainiciativa multilateral. Em Dezembro de 1994, uma nova resolução da AssembleiaGeral veio reforçar o seu apoio a esta iniciativa.23 .

O intenso trabalho de preparação, que se prolongou por quase dois anos, reforçouo consenso segundo o qual convém tratar os problemas actuais e potenciais de deslo-cação no quadro de um fórum internacional de cooperação e diálogo. Através de umasérie de reuniões sub-regionais, os Estados da CEI foram encorajados a identificar commais precisão os problemas e as necessidades nos respectivos países. Uma primeirareunião de especialistas, em Maio de 1995, permitiu integrar um vasto leque de po-pulações deslocadas no domínio de competência da conferência.24

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A Conferência da CEI realizou-se finalmente em Genebra, a 30 e 31 de Maio de1996. A sua designação completa era “Conferência Regional para Analisar os Proble-mas Referentes aos Refugiados, Pessoas Deslocadas, Outras Formas de DeslocaçãoInvoluntária e Retornados nos Países da Comunidade de Estados Independentes eCertos Estados Vizinhos”. Ao procurar uma estratégia para resolver os problemashumanitários e reforçar a estabilidade regional, a conferência possuía uma dimensãopolítica subjacente, integrando as questões da deslocação e da migração nas preocu-pações de segurança. Representava, portanto, o ponto mais próximo a que a comu-nidade internacional chegara, embora sob a égide humanitária, para tratar directa-mente alguns dos problemas mais graves decorrentes da dissolução da UniãoSoviética.

Os participantes passaram em revista os movimentos de população observados naregião e definiram mais claramente as diferentes categorias de pessoas envolvidas.Entre elas incluíam-se refugiados, pessoas deslocadas internamente, repatriados eantigos deportados, bem como migrantes ecológicos, económicos ou em trânsito. Emvez da expressão “migrantes forçados”, adoptou-se a terminologia mais neutra de“pessoas reinstaladas contra vontade”.25 A clarificação desta questão das definiçõesconstituía o ponto de partida desta conferência e o seu principal alcance. A identifi-cação do tipo de movimentos em causa ajudava a despolitizar estas questões. A con-ferência adoptou um Programa de Acção que, com base nos princípios acordados,traçava uma estratégia global e integrada para tratar as questões da migração e dadeslocação. Ao fazê-lo, procurava impedir a emergência de situações que pudessemprovocar novamente deslocações involuntárias.26

Seguimento da Conferência da CEI

O processo da Conferência da CEI ajudou a trazer os países envolvidos para a correntede normas e práticas internacionais em vigor em matéria de refugiados e de popu-lações deslocadas e contribuiu para chamar a atenção dos doadores para a região.Nessa sequência, o programa de acção da conferência deu o impulso para a adopçãode uma nova legislação praticamente em todos os domínios, nomeadamente emmatéria de direitos humanos e de refugiados.

A conferência ajudou o ACNUR a aperfeiçoar e a dinamizar as suas actividades naregião ao permitir-lhe que as estendesse a um leque mais vasto de populações deslo-cadas. Depois disso, o ACNUR abriu delegações em todos os países da CEI e tem tra-balhado também estreitamente com os governos, no sentido de desenvolver eimplementar legislação sobre o asilo e a cidadania em conformidade com os padrõesinternacionais. Na Ásia Central, o ACNUR ajudou a estabelecer o Centro de Gestão deMigrações de Bishkek vocacionado para formação, pesquisa e diálogo inter-regionalsobre as questões de refugiados e de migração na região. De um modo mais geral, temministrado programas de formação não só sobre as questões de refugiados, mas tam-bém sobre questões relativas aos direitos humanos, assuntos humanitários, legislaçãosobre a migração e os estrangeiros, e prevenção de situações de emergência.

O ACNUR, juntamente com os seus parceiros, promoveu activamente o reco-nhecimento do papel das ONG na sociedade civil e a elaboração de um quadrojurídico que lhes permitisse definir o seu estatuto. O Conselho da Europa foi assu-mindo, gradualmente, a condução do processo, proporcionando um quadro norma-

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tivo em matéria de legislação sobre as ONG. Por intermédio de um fundo para as ONGcriado em 1977, o ACNUR concedeu pequenos subsídios a ONG locais para refor-çarem a sua capacidade ao tratarem das questões da migração e dos refugiados.

Graças a este processo de seguimento, o ACNUR e os seus parceiros, em especialo Alto Comissário da OSCE para as Minorias Nacionais e o Conselho da Europa, procu-raram abordar questões politicamente delicadas e cruciais, nomeadamente a questãoda apatridia [ver Caixa 8.1] e a das autorizações de residência de instituição soviética(propiska), que restringiam a liberdade de circulação e de escolha do local de residên-cia. Apesar de alguns países da CEI terem abolido formalmente o sistema propiska, naprática, era com frequência perpetuado tacitamente ou mantido sob uma designaçãodiferente.

Antigos deportados

Entre as pessoas deportadas por Estaline nos anos 40, os tártaros da Crimeia, osmeskhets e os alemães do Volga não foram autorizados a regressar às suas regiões deorigem em número significativo antes do final dos anos 80, até que o sistema de con-trolo no seio da União Soviética começasse a abrandar. Os alemães do Volga foramautorizados a emigrar para a República Federal da Alemanha ao abrigo das disposiçõesda Constituição alemã. Cerca de 850.000 foram para a Alemanha entre 1992 e 1999,embora somente alguns milhares tenham voltado para a região do Volga durante essemesmo período.

No caso dos tártaros da Crimeia, cerca de 250.000 regressaram à Crimeia, naUcrânia, entre 1988 e 1999. Calcula-se que tenha ficado um número semelhante forada Crimeia, principalmente no Usbequistão. O regresso dos tártaros da Crimeiragerou tensões no seio dos residentes da Península, tensões estas agravadas pelas difi-culdades económicas que afectavam a totalidade da população. Os tártaros que regres-saram também tiveram problemas na aquisição da cidadania ucraniana, bem comodificuldades em encontrar habitação, levando alguns deles a fazer ocupações.

Em 1977, o governo ucraniano pediu ajuda internacional para a reintegração dostártaros. Ao mesmo tempo, a mediação efectuada pelo ACNUR e pelo Alto Comissárioda OSCE para as Minorias Nacionais possibilitou que os governos da Ucrânia e doUsbequistão firmassem um acordo que facilitava a aquisição da cidadania ucranianapor parte dos tártaros regressados. O ACNUR empreendeu ainda uma campanha desensibilização pública na Ucrânia sobre a questão dos tártaros. Pelo final de 1999, oproblema da apatridia entre os antigos deportados da Crimeia encontrava-se emgrande parte resolvido.

A questão dos meskhets era mais complexa. Trata-se de uma comunidade turca hete-rogénea, oriunda do sudoeste da Geórgia que só adquiriu uma identidade nacional claraapós a sua deportação nos anos 40. Contrariamente a outros grupos deportados, nuncaforam acusados de terem colaborado com as forças invasoras nazis. No entanto, tendo emconta a importância estratégica da sua região de origem junto à fronteira com a Turquia,as autoridades soviéticas impediram-nos de para aí voltar. No final dos anos 80, a vio-lência entre comunidades na área onde se instalaram (o Vale Fergana, entre o Usbequistãoe o Quirguizistão) forçou cerca de 90.000 a fugir. Mais de metade foram para oAzerbeijão. Desde então, os meskhets continuam a debater-se com problemas de estatuto,de cidadania e de integração em vários países da CEI.

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Em Setembro de 1998, reuniram-se, pela primeira vez, todas as partes envolvidasno âmbito de consultas oficiosas. A reunião em Haia foi organizada por iniciativa doAlto Comissário da OSCE para as Minorias Nacionais, em cooperação com o ACNURe com o Open Society Institute, no quadro dos seus projectos de migração forçada. 27

Outros actores, nomeadamente o Conselho da Europa, foram também sendo envolvi-dos em seguida. Em Abril de 1999, o Conselho da Europa apresenta como uma dascondições prévias para a adesão da Geórgia o repatriamento gradual dos meskhets quedesejassem voltar para este país.

Conflitos no Norte do Cáucaso

As primeiras lutas entre etnias no território da Federação Russa tiveram lugar no Nortedo Cáucaso, em Outubro e Novembro de 1992, um ano após a desintegração daUnião Soviética. Tensões de longa data entre os inguches, antigos deportados e osossétios do Norte degeneraram em violência, forçando entre 40.000 a 50.000inguches a fugir do disputado distrito de Prigorodny na Ossétia do Norte para aRepública autónoma da vizinha Ingúchia. Em Outubro de 1994, as autoridades rus-sas convidaram o ACNUR a investigar a situação no local. Porém, pouco depois dapartida da missão de apuramento de factos, irrompe um conflito militar em largaescala na vizinha Chechénia.

Guerra na Chechénia

A Chechénia declarou a sua independência em Novembro de 1991, o que provocoua partida de cerca de 150.000 não chechenos, sobretudo para outras regiões daFederação Russa. Os combates eclodiram no final de 1993, quando os opositores aogoverno rebelde checheno lançaram uma primeira série de ofensivas fracassadas. EmDezembro de 1994, as forças russas intervieram directamente contra a República se-paratista, alterando drasticamente a situação política e de segurança em toda a região.Bairros inteiros da capital, Grozny, e as aldeias em redor, foram destruídos pelos bom-bardeamentos e ataques de artilharia, forçando a fugir de suas casas mais de 250.000pessoas numa população total de 700.000 chechenos. Estas pessoas refugiaram-se naIngúchia, no Daguestão e na Ossétia do Norte, assim como noutras zonas daChechénia.

No final de Dezembro de 1994, o governo russo solicitou ao ACNUR para prestarajuda humanitária aos deslocados, pouco depois da entrada das tropas russas naChechénia. Tendo recebido o aval do Secretário-Geral da ONU para se ocupar destaenorme e nova população de deslocados internamente, o ACNUR lançou a suaprimeira operação de ajuda humanitária de emergência na Federação Russa. Esta ope-ração de assistência no Norte do Cáucaso foi realizada em cooperação com oMinistério russo para as Situações de Emergência, o Comité Internacional da CruzVermelha (CICV), outras agências da ONU e ONG. Foi muito graças a esta operaçãoque se contiveram as tensões sociais e étnicas decorrentes dos influxos maciços derefugiados, evitando a desestabilização na Ingúchia e no Daguestão, bem como o alas-trar do conflito militar na própria Chechénia.

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Em Agosto de 1996 estava praticamente assegurado um cessar-fogo, que previa aretirada das tropas russas, mas não resolvia a questão do estatuto da Chechénia. Nodecurso do ano seguinte, muitos dos deslocados regressaram a suas casas naChechénia, permitindo a redução progressiva da operação de emergência interagên-cias da ONU. Mais uma vez, a atenção virava-se para a questão do repatriamento dapopulação inguche deslocada internamente no distrito de Prigorodny.28

Porém, a situação na Chechénia permanecia caótica. Os raptos e as mortes eramfrequentes. Em Dezembro de 1996, seis membros da equipa do CICV foram brutal-mente assassinados enquanto dormiam no hospital onde trabalhavam. Na Ossétia doNorte, Vicent Cochetel, chefe da delegação local do ACNUR em Vladikavkaz foi rap-tado em Janeiro de 1998, levado para a Chechénia e libertado 11 meses depois. Osriscos de segurança em que incorriam os trabalhadores humanitários fizeram com queo ACNUR, no princípio de 1999, mandasse sair o seu pessoal de Vladikavkaz paraStavropol, a 300 quilómetros para noroeste.

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0 50 100

Quilómetros

NAKHICHEVAN(AZER.)

GEÓRGIA

TURQUIA

IRÃO

RÚSSIA

Daguestão

Ossétia do Norte

Ingúchia

Chechénia

Ossétia do Sul

Abcásia

Adjaria

Limite do antigoterritório autónomo

de Nagorno-Karabakh

BAKU

TBILISI

YEREVAN

MarCáspio

Mar Negro

LEGENDA

Fronteira internacional

Limite administrativo

Capital

Movimento de refugiados/pessoas deslocadasinternamente

ARMÉNIA AZERBEIJÃO

Principais deslocações de populaçãona Região do Cáucaso durante a década de 90. Mapa 8.2

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As contínuas tensões na região obrigaram o ACNUR a abandonar o seu projectode promoção do repatriamento. Em 1997, o ACNUR prestou assistência a mais de90.000 pessoas deslocadas internamente oriundas da Chechénia que estavam a vivernas Repúblicas vizinhas da Rússia e da Geórgia. A assistência transfronteiriça foi tam-bém levada a pessoas deslocadas dentro da própria Chechénia. Além disso, foi dadaassistência a mais de 35.000 pessoas desenraizadas do distrito de Prigorodny naOssétia do Norte que ainda estavam a viver na Ingúchia. Na Ossétia do Norte, oACNUR começou a organizar o repatriamento de 29.000 refugiados registados para aOssétia do Sul e para a Geórgia propriamente dita.

As hostilidades armadas irromperam de novo na Chechénia na segunda metade de1999. A princípio, os combates no vizinho Daguestão entre grupos armadoschechenos e as forças russas obrigaram cerca de 30.000 pessoas a fugir. Depois, emOutubro, rebentou uma nova guerra entre as forças russas e as forças da Repúblicaseparatista. Outra vez, mais de 200.0000 pessoas fugiram para as Repúblicas vizinhas,em particular para a Ingúchia e vários milhares passaram a fronteira internacional paraa Geórgia. O ACNUR e outras organizações humanitárias forneceram comida e ou-tros produtos de emergência a essas pessoas, muitas das quais se encontravam abri-gadas em acampamentos, e tentaram salvaguardar os seus direitos mais fundamentais.

Famílias na Chechénia choram os seu mortos depois das suas casas terem sido destruídas pelosbombardeamentos aéreos. (ACNUR/K. GAUGLER/1995)

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Caixa 8.3 Ataques armados contra o pessoal humanitário

Os perigos incorridos pelo pessoalhumanitário não são de agora. EmJulho de 1964, François Preziosi, umfuncionário do ACNUR a trabalharnos campos de refugiados ruandesesna então República do Congo,descreveu alguns desses perigos numdos seus relatórios de campo: “Separece que corro alguns riscos indofrequentemente às linhas da frente,não é por mera curiosidade, mas parapoder, quando chegar a hora, intervire tentar evitar qualquer acçãoimprudente contra os refugiados,tanto no terreno como nos centrosde reinstalação. Para conseguir fazerisso, tenho de me tornar uma pre-sença familiar entre os oficiais esoldados e, portanto, tenho de osvisitar frequentemente.”1 Seis se-manas depois, a 18 de Agosto de1964, Preziosi e um funcionário atrabalhar para a OrganizaçãoInternacional do Trabalho foramassassinados no campo de refugiadosde Mwamba, na região Kivu doCongo Oriental, ao procurarem prote-ger os refugiados ruandeses.

Por todo o mundo, o pessoal huma-nitário tem-se deparado comsituações de trabalho em que a suavida corre risco. Porém, até ao finalda Guerra Fria, o ACNUR e muitasoutras organizações humanitáriasevitavam operar em zonas de guerraactiva. Só o Comité Internacional daCruz Vermelha (CICV) e um punhadode organizações não governamentais(ONG), como os Médicos semFronteiras, operavam normalmenteem pleno conflito.

Perigos acrescidos

No decurso dos anos 90, as organi-zações humanitárias - incluindo oACNUR - foram-se envolvendo maisactivamente em situações de conflitoarmado e o número de trabalhadores

humanitários feridos ou mortos nocumprimento do dever foi aumentan-do proporcionalmente. Em muitoscasos, o pessoal humanitário é víti-ma de minas anti-pessoal ou deataques indiscriminados contra aszonas civis. Durante a guerra naBósnia-Herzegovina, por exemplo,mais de 40 trabalhadores humani-tários de diversas organizaçõesforam mortos e muitos outrosficaram feridos em bombardeamentose emboscadas, especialmente emSarajevo, uma cidade que, no princí-pio de 1994, era alvo de 1.200bombas por dia.2 Nessa altura, epela primeira vez na sua história, oACNUR passou a utilizar regular-mente veículos blindados e adistribuir coletes à prova de bala aoseu pessoal.

As organizações humanitárias aoperar em situações de conflito têmprocurado diferenciar-se, usandoveículos brancos, claramente identifi-cados com bandeiras e símbolos, afim de serem poupados. Mas, emmuitos casos, isso não garante pro-tecção suficiente. Em locais ondereina a violência fortuita e a crimi-nalidade está generalizada, onde ossenhores da guerra e os coman-dantes militares não têm queresponder perante ninguém, onde oscontrolos são montados por soldadosalcoolizados ou por crianças-solda-dos que transportam armas maioresdo que elas, aí ninguém está emsegurança. Pelo contrário, as organi-zações de ajuda humanitária, comreluzentes jipes brancos, equipadoscom antenas de rádio e outrossofisticados e dispendiososacessórios são, frequentemente, osprimeiros alvos.3

Mas o pessoal humanitário não estásó exposto à criminalidade e à vio-lência cega. A presença de

organizações humanitárias é muitasvezes mal vista por uma ou outraparte beligerante e esta hostilidadepode transformar-se em ameaças. Asoperações de ajuda de emergênciaem situações de pleno conflito arma-do são muitas vezes encaradas pelaspartes beligerantes como obstáculosaos seus objectivos militares, políti-cos ou estratégicos. O pessoalhumanitário pode ser alvo de suspei-ta de transmitir informações secretasou delicadas ou mesmo de vir a sertestemunha incómoda de crimes queos beligerantes gostariam de ocultar.Por vezes, os combatentes tentameliminar ou intimidar testemunhasreais ou potenciais de atentados aosdireitos humanos ou de outras vio-lações do direito internacional,criando um ambiente demasiadoinseguro para que o pessoal huma-nitário possa aí intervir. Asorganizações que operam nos doislados de uma linha da frente podemtambém ser objecto de ressentimen-to por prestarem assistência ao“inimigo”. Muitas situações há emque o pessoal humanitário recrutadolocalmente corre ainda maior riscodo que o pessoal internacional devi-do às suas ligações locais, religiosasou étnicas.

Ataques directos

A agressão directa ao pessoalhumanitário tem-se tornado inqui-etantemente num lugar comum. EmFevereiro de 1993, Reinout Wanrooy,um funcionário do ACNUR a trabalharno Afeganistão, viajava na estradade Peshawar para Jalalabad com doiscolegas da ONU e dois motoristasafegãos. Quando se aproximavam deJalalabad, três homens armados eencapuçados numa carrinha ultrapas-saram-nos e começaram a atirarsobre os dois veículos claramenteidentificados das Nações Unidas.

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Depois de forçarem os dois carros aparar, os dois homens armadossaltaram da carrinha e abriram fogosobre as vítimas. Três dos homensmorreram instantaneamente e umdos motoristas afegãos ficou ferido,tendo morrido pouco depois no hos-pital. Só Wanrooy conseguiuescapar, saltando do carro e corren-do o mais que pôde, sob os tiros derajada.

Numerosos trabalhadores das maisdiversas organizações têm perdido avida em situações semelhantes. Sóna região dos Grandes Lagos deÁfrica, desde 1996 foram mortaspelo menos 23 pessoas que traba-lhavam para a Cruz Vermelha. Oassassínio brutal de seis membrosdo CICV na Chechénia, em Dezembrode 1996, foi particularmentechocante: eram sobretudo médicos eenfermeiras e foram mortos duranteo sono no hospital onde traba-lhavam. No Burundi, nesse mesmoano, foram assassinados três traba-lhadores do CICV num outro ataqueabominável e premeditado. Dezenasde outros trabalhadores perderam avida em agressões directas, apa-nhados no fogo cruzado de armasligeiras ou vítimas de bombardea-mentos indiscriminados, de ataquescontra aviões que os transportavamou devido às minas anti-pessoal.Muitos foram feridos e sofrem, aindahoje, dos efeitos do trauma.

O pessoal humanitário tem sidotambém, cada vez mais, tomadocomo refém. Uma dessas vítimas foiVincent Cochetel, responsável peladelegação do ACNUR emVladikavkaz, na Federação Russa,quando supervisionava um programade ajuda a dezenas de milhar depessoas deslocadas pelos conflitosna Chechénia, na Ossétia e naIngúchia. Em Janeiro de 1998,

quando abria a porta do seu aparta-mento num sétimo andar, trêshomens mascarados e armadosforçaram-no a ajoelhar-se no chão eapontaram-lhe uma arma à cabeça.Nos 317 dias que se seguiram, foimantido prisioneiro na Chechéniaem condições terríveis. Foi metidona bagageira de um carro durantetrês dias, aprisionado em diversascaves, espancado e sujeito a exe-cuções simuladas, até quefinalmente o libertaram.

Entre 1 de Janeiro de 1992 e 31 deDezembro de 1999, 184 membros dopessoal local e internacional daONU, na sua maioria envolvido emoperações humanitárias, perderam avida no cumprimento do dever.Durante este mesmo período, ocor-reram mais de 60 incidentes comtomada de reféns da ONU, dos quaismais de metade abrangendo pessoalhumanitário. Desde o início dosanos 60 foram mortos 15 fun-cionários do ACNUR em ataquesarmados deliberados e premedita-dos; alguns foram atingidos nacabeça à queima-roupa. Se aindaforem contabilizados os mortos eferidos entre o pessoal das ONG,então o cômputo total desta sinistraestatística aumenta significativa-mente.

Medidas de segurança

Antes dos conflitos na ex-Jugoslávia, o ACNUR empregavaapenas um conselheiro, em part--time, para as questões relacionadascom a segurança do pessoal. Em1992, o ACNUR introduziu um sis-tema de segurança completamentenovo, envolvendo a admissão deconsultores especializados, um pro-grama de formação para o pessoal euma melhor coordenação no seiodas Nações Unidas e com as ONG.

No final da década, o ACNUR conta-va com 21 consultores em matériade segurança, cobrindo 15 países deÁfrica, da Ásia e da Europa. Estesespecialistas prestam apoio e acon-selhamento ao pessoal do ACNUR noque respeita a questões de segu-rança, fazem o acompanhamento daevolução local da segurança, esta-belecem a ligação com asautoridades locais qualificadas, ou-tros organismos das Nações Unidas,ONG e embaixadas, e dão formaçãono terreno sobre como minimizar osriscos e optimizar as respostas facea ameaças e ataques.

No Norte do Iraque, na Somália, nosBalcãs, em Timor Leste e na Libériatêm sido destacadas forças demanutenção da paz da ONU e outrasforças de segurança internacionaisou regionais visando aumentar asegurança do pessoal humanitário efacilitar o acesso às populações vul-neráveis. Estas forças escoltam ascolunas da ajuda de emergência,removem as minas anti-pessoal,reabilitam estradas e pontes, eadministram os aeroportos. Todavia,no que respeita a muitos outroslocais, os governos têm-se mostradomenos dispostos a enviar tropas ououtros recursos destinados a melho-rar a segurança do pessoalhumanitário. Assim, em alguns doslugares mais perigosos do mundo,longe da atenção dos media interna-cionais, muitos trabalhadoreshumanitários, sem armas, continuama trabalhar sozinhos, arriscando aprópria vida, na tentativa de prote-ger e socorrer os outros.

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A segunda crise chechena tomou uma dimensão política extrema no plano inter-nacional. Nenhum país ocidental punha em dúvida o direito da Federação Russa levara cabo o que o governo designava como uma campanha antiterrorista no seu próprioterritório. Mas numerosos países criticavam os meios utilizados e a força despropor-cionada empregue pelos militares russos contra as populações civis.

Os desafios do futuro

A desintegração da União Soviética despertou uma quantidade de antagonismos inter--étnicos e de aspirações nacionalistas e separatistas na região. Muitos dos conflitos quesurgiram no final dos anos 80, princípios dos anos 90, continuam por resolver, e mi-lhares de pessoas continuam deslocadas internamente. A maior parte destas pessoasnão conseguiu regressar às suas casas em segurança, nem se integrar satisfatoriamentenos lugares onde encontrou refúgio. Algumas fronteiras ainda são disputadas, com-plicando o processo de formação dos Estados. O beco sem saída em que se encontrao processo de paz no Sul do Cáucaso e a existência prolongada de uma situaçãopolítica sem guerra nem paz só tem criado mais angústia e incerteza às populaçõesafectadas. Apesar de se ter chegado a um acordo no Tajiquistão, a paz continua frágil.Existem também tensões noutras regiões da Ásia Central. Na Chechénia, os combatesprosseguem e grande parte das infra-estruturas e da habitação encontra-se destruída.A capital, Grozny, tornou-se palco de destruição a uma escala a que não se assistia naEuropa desde a Segunda Guerra Mundial. Milhares de pessoas continuam deslocadasna Chechénia, na Ingúchia e no Daguestão, e o seu futuro parece bastante incerto.

No decurso da última década, muitos países da CEI fizeram progressos significa-tivos em matéria de legislação sobre a migração e os refugiados, e a maior parte delesjá aderiu à Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados. Não obstante, a

Refugiados e PDI na Comunidade de EstadosIndependentes, 1999

0

200

300

400

500

600M

ilhar

es

100

FederaçãoRussa

Arménia Azerbeijão Geórgia Cazaquistão Quirguizistão Tajiquistão Turquemenistão Outros

Refugiados Pessoas deslocadas internamente

Figura 8.3

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implementação dos princípios de protecção dos refugiados continua problemática,sendo o sistema de asilo na região ainda rudimentar e fragmentado. O uso generali-zado da noção de “país terceiro seguro” e a existência de acordos de readmissão, semas garantias adequadas de protecção dos refugiados, tem perpetuado graves lacunas nosistema emergente de asilo regional e internacional.

Para muitos cidadãos da CEI, a ideia de conceder asilo a refugiados comproveniência fora da CEI ainda é difícil de digerir. Num clima de tensões socio-económicas extremas, a xenofobia acentuou-se, em vez de regredir. Na população emgeral, também aumentou a desconfiança entre os eslavos e os caucasianos no seio daCEI, desconfiança esta agravada pela guerra na Chechénia e pela perspectiva deameaças terroristas. A este respeito, as ONG podem desempenhar um papel crucialfomentando a tolerância contra a xenofobia e desenvolvendo a confiança entre todasas comunidades que se restabelecem dos conflitos. O sector ONG tem sido grande-mente impulsionado pelo processo da CEI, mas há muito por fazer para se criar umambiente em que as ONG possam operar eficazmente.

Além dos numerosos problemas por resolver no seio da antiga região soviética, ossistemas cada vez mais restritivos de controlo das fronteiras e de asilo da UniãoEuropeia colocam os países da CEI na obrigação de serem uma barreira contra amigração clandestina para o Ocidente. Os governos dos países da CEI defendem queos países da Europa Ocidental e Central deveriam ter um visão integrada do problema.Consideram que estes países deveriam ajudá-los a estabelecer sistemas de asilo justose eficazes e a combater a migração e o trânsito ilegais, que constituem também umagrande preocupação em toda a região.

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A Situação dos Refugiados no Mundo

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Caixa 7.31 Comité Permanente Interagências , "Global Humanitarian

Assistance 2000", 23ª sessão, projecto de relatório final,Março de 2000.

2 Comité de Ajuda ao Desenvolvimento, 1999 DevelopmentCooperation Report, Organização para a Cooperação eDesenvolvimento Económico, Paris, 2000, Quadro 19;Earthscan, The Reality of Aid,publicação anual, Londres.

Caixa 7.41 Sale v.Haitian Centers Council, Inc, et.al.,113 S.Ct. 2549 (1993);

Ver também "Cases and Comment"; International Journal ofRefugee Law, vol. 6, nº 1, 1994, pág. 69-84.

2 Nota do Alto Comissariado das Nações Unidas para osRefugiados como amicus curiae no caso de interdição doshaitianos, 1993, ver International Journal of Refugee Law, vol. 6,nº 1, 1994, pág. 85-102 na pág. 97.

3 Haitian Refugee Cases,Caso nº 10.675, ComissãoInteramericana dos Direitos Humanos,OEA/Ser/L/V//II.93.Doc.36, 17 Out. 1996; InternationalHuman Rights Reports, pág. 120-165.

4 Haitian Centers Council, Inc.v.Sale, 8 de Junho de 1993, 823 F.Supp. 1028, 1042.

Capítulo 81 ACNUR, Sector de Informação Pública, "CIS Conference

on Refugees and Migrants", 30-31de Maio de 1996,Genebra, pág. 3.

2 Ver R. Conquest, The Nation Killers:The Soviet Deportation ofNations, Macmillan, Londres, 1970;A. M. Nekrich, ThePunished Peoples:The Deportation and Fate of Soviet Minorities at the Endof the Second World War,W.W. Norton and Co., Nova Iorque,1978; J.-J. Marie, Les peuples déportés d’Union Soviétique, EdiçõesComplexe, Bruxelas, 1995.

3 R. Brubaker, "Aftermaths of Empire and the Unmixing ofPeoples: Historical and Comparative Perspectives", Ethnicand Racial Studies, vol. 18, nº 2,Abril de 1995, pág. 189-218;B. Nahaylo e V. Swoboda, Soviet Disunion:A History of theNationalities Problem in the USSR, Hamish Hamilton, Londres,1990.

4 Human Rights Watch/Helsínquia, Bloodshed in the Caucasus:Escalation of the Armed Conflict in Nagorno-Karabakh, HumanRights Watch, Nova Iorque, 1992.

5 Ver N. F. Bugai, Turki iz Meskhetii:dolgii put k reabilitatsii [Turcos deMeskhetia:O Longo Caminho para a Reabilitação], Ross, Moscovo,1994, pág. 131-135; H. Carrere d’Encausse, The End of theSoviet Empire:The Triumph of the Nations, Basic Books, NovaIorque, 1992, pág. 98-99, 103-104.

6 Gosudarstvennyi komitet SSSR po statistike [Comité deEstado de Estatística], Natsionalnyi sostav naseleniia:Chast II [AComposição Nacional da População:Parte II], Moscovo, 1989, pág.3-5.

7 A.-M.Demmer, Director do Bureau Regional do ACNURpara a Europa e América do Norte, "Meeting of theDelegation of the USSR to Excom with the HighCommissioner, 17.09.90", Nota de arquivo, 18 deOutubro de 1990, 010. RUS, F/HCR 11.3.

8 A.Verwey, Subdirector do Bureau Regional do ACNURpara a Europa e América do Norte, "UNHCR and theDisintegrating USSR", Nota de arquivo, 15 de Setembrode 1991, Russia Development, 1988-06/93, F/HCR 19.4.

9 Bureau Regional do ACNUR para a Europa e América doNorte, "UNHCR Strategy for the Commonwealth ofIndependent States" documento elaborado para umareunião presidida pela Alta Comissária na Sede do ACNUR,5 de Março de 1992, Russia Development, 1988-06/93,F/HCR 19.4.

10 W. D. Clarance, "Report on Mission to the Soviet Union 5-18 December 1991", Nota de Arquivo, 9 de Janeiro de1992, 010.RUS, F/HCR 11.3.

11 O.Andrysek, Chefe do Sector IV do Bureau Regional doACNUR para a Europa e América do Norte, Nota deArquivo, 12 de Março de 1992, 600.CIS, F/HCR 11.3;Bureau Regional do ACNUR para a Europa e América doNorte, "UNHCR Strategy for the Commonwealth ofIndependent States".

12 Andrysek, Nota de Arquivo, 12 de Março de 1992,600.CIS, F/HCR 11.3.Ver também "The Commonwealthof Independent States: UNHCR’s Approach andInvolvement", documento elaborado para a reunião deConsultas Intergovernamentais em Genebra, no dia 26 deFevereiro de 1992, Russia Development, 1988-06/93,F/HCR 19.4.

13 Carta da Alta Comissária Sadako Ogata para B. Pankin,Ministro dos Negócios Estrangeiros da União Soviética, 26de Setembro de 1991, CSCE.General, F/HCR 17.

14 Fax de D. Petrasek da Amnistia Internacional para E. Fellerda Divisão de Protecção Internacional, 12 de Junho de1992, com proposta sobre "Refugiados e PessoasDeslocadas" e a Delegação da Federação Russa e as daAlbânia, Áustria, Bulgária, Grécia, Quirguizistão,Roménia, Eslovénia, Suíça e Jugoslávia para a Reunião deSeguimento da Conferência da CSCE de Helsínquia em1992, CSCE/HM/WG3/17, Helsínquia, 5 de Junho de1992, CSCE.General, F/HCR.17.

15 Carta de J.Dienstbier, Presidente titular da CSCE, para a AltaComissária Ogata, 24 de Abril de 1992, CSCE.General,F/HCR.17.

16 Documento de W. D. Clarance, Delegação Regional doACNUR, Moscovo, "CIS: Some Realities andResponsabilities", 14 de Agosto de 1992, CIS, F/HCR19.4.

17 Fax de A.Akiwumi.ACNUR-Moscovo para a Sede doACNUR, "Project Proposal 1993 – Interim Response", 22de Janeiro de 1993, 600.CIS, F/HCR 11.3.

18 Secretariado da Conferência CEI, "Note on the Concept ofthe ‘Forced Migrant’", documento de trabalho, Setembrode 1995, reproduzido no ACNUR, OIM, OSCE, "The CISConference on Refugees and Migrants", European Series, vol.2, nº 1, Janeiro de 1996, pág. 161-166.Ver também,V.Tishkov (ed.), Migratsii i novye diaspory v post-Sovetskih gosudarst-vakh [Migrações e Novas Diásporas nos Estados pós-Soviéticos],Aviaizdat, Moscovo, 1996;V.Tishkov (ed.), Vynyzhdennyemigranty:Intergatsiya i vozvraschenie [Migrantes Forçados: Integração ouRegresso],Aviaizdat, Moscovo, 1997.

19 Acordo sobre Questões Relacionadas com a Restituiçãodos Direitos dos Indivíduos, Minorias Nacionais e PovosDeportados.Ver "The CIS Conference on Refugees andMigrants", European Series, vol. 2, nº 1, Janeiro de 1996, pág.167-170.

20 Este documento e outros acordos relacionados com osrefugiados e a migração, juntamente com a legislação per-

Page 27: Deslocações na ex-União Soviética · interno de estratégia do ACNUR sobre a “desintegração da URSS”, elaborado em Setembro de 1991, advertia-se que “dada a dimensão

Notas

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tinente dos vários países da CEI, encontram-se compiladosem V.Mukomel e E. Pain (eds.), Bezhentsy Ivynuzhdennye perese-lentsi v gosudarstvakh SNG [Refugiados e Migrantes Forçados nos Estadosda CEI], Centro de Pesquisa Etnopolítica e Regional,Moscovo, 1995.Ver também, R. Plender, Basic Documents onInternational Migration Law, 2ª ed.; Kluwer Law International,Haia, 1997, pág. 882.

21 Doc. ONU. GA/RES/48/113, 20 de Dezembro de 1994.22 Carta de A. Kozyrev, Ministro dos Negócios Estrangeiros da

Federação Russa, para a Alta Comissária Ogata, Fevereirode 1994.

23 Doc. ONU. GA/RES/49/173, 23 de Dezembro de 1993.24 "Summary of the First Meeting of Experts, Genebra, 18-

19 May 1995" em ACNUR CIS Conference on Refugeesand Migrants, pág. 51-58.

25 Ver C. Messina, "Refugee Definitions in the Countries ofthe Commonwealth of Independent States", em F.Nicholson e P.Twomey (eds), Refugee Rights and Realities;Evolving International Concepts and Regimes,Cambridge UniversityPress, Cambridge, 1999, pág. 136-150.

26 ACNUR, OIM, OSCE, "report of the Regional Conferenceto address the problems of refugees, displaced persons,other forms of involuntary displacement and returnees inthe countries of the Commonwealth of Independent Statesand relevant neighbouring States", Genebra, 30-31 deMaio de 1996.

27 "Document of the Hague Meeting on the Issues Relating tothe Meskhetian Turks," em ACNUR, Bureau para a Europa,"Report on the Consultation on the Meskhetian Turk Issue,The Hague 7-10 September 1998", Novembro de 1998.

28 L. Funch Hansen e H. Krag, "On the Situation in thePrigorodny District", relatório de consultores pedido peloBureau do ACNUR para a Europa, Genebra, Outubro 1997– Abril 1998.

Caixa 8.21 Alta Comissária S. Ogata, comunicação na Conferência

Mundial Partnership in Action, Junho de 1994.2 J.Bennet e S. Gibbs, NGO Funding Strategies, International

NGO Training and Research Centre (INTRAC)/ICVA,Oxford, 1996.

3 P. Ryder, Funding Trends and Implications:Donors,NGOs andEmergencies, INTRAC, Oxford, 1996, pág. 7.

Caixa 8.31 Memorando de F. Preziosi, Encarregado de Missão do

ACNUR em Bukavu, Kivu, para o Alto Comissário"Situation in Central Kivu", 1 de Julho de 1964, 15/81KIVU, F/HCR 11.1.

2 M. Rose, "Field Coordination of UN HumanitarianAssistance, Bosnia, 1994", em J.Whitman e D. Pocock(eds), After Rwanda:The Coordination of United NationsHumanitarian Assistance, Macmillan, Basingstoke, pág. 158.

3 M. Cutts, "Prime Targets", The World Today,Agosto –Setembro 1998, pág. 220-221.

Capítulo 91 E. Morris: "The Limits of Mercy: Ethnopolitical Conflict

and Humanitarian Action", Centro de EstudosInternacionais, Instituto da Tecnologia de Massachusetts,1995, pág. 54.

2 New York Times, 17 de Abril de 1991.3 N. Morris,A.Witschi-Cestari, "Meetings at US European

Command", relatório de missão, Estugarda, 3 de Maio de1991.

4 A. Roberts, Humanitarian Action in War:Aid,Protection andImpartiality in a Policy Vacuum,Adelphi Paper 305, InstitutoInternacional de Estudos Estratégicos/ Oxford UniversityPress, Dezembro de 1996, pág. 41.

5 C. Faubert, "Repatriation in Situations of Armed Conflicts– The Case of Northern Iraq",ACNUR, 20 de Fevereiro de1992.

6 Memorando da Alta Comissária S. Ogata para o pessoal, 6de Maio de 1991.

7 Carta da Alta Comissária S. Ogata dirigida ao Secretário-Geral J. Pérez Cuellar, 17 de Maio de 1991.

8 D. McDowall, The Kurds:A Nation Denied, Minority RightsPublications, Londres, 1992.

9 D. Keen, The Kurds in Iraq:How Safe is Their Haven Now?, Save theChildren, Londres 1993.

10 Ver na generalidade, N. Malcolm, Bosnia:A Short History, 2ªed., Papermac, Londres, 1996; L. Silber e A. Little, The Deathof Yugoslavia,Penguin Group e BBC Worldwide Ltd.,Londres,1995; M. Glenny, The Balkans 1804—1999:Nationalism,War andthe Great Powers, Granta Publications, Londres, 1999.

11 A maioria dos que não se identificavam a si próprios comocroatas, muçulmanos ou sérvios, identificavam-se comojugoslavos.

12 Carta da Alta Comissária Sadako Ogata dirigida aoSecretário-Geral Pérez de Cuellar, 14 de Novembro de1991.

13 Secretário-Geral, "Report of the Secretary-GeneralPursuant to Security Council Resolution 721 (1991)", 11de Dezembro de 1991, Documento ONU S/23280.

14 S. Ogata, "UNHCR in the Balkans: Humanitarian Action inthe Midst of War", in W. Biermann e M.Vadset (eds), UNPeacekeeping in Torouble:Lessons Learned from the Former Yugoslavia,Ashgate,Aldershot, UK, 1998, pág. 186; L. Minear e al.,Humanitarian Action in the Former Yugoslavia:The UN’s Role 1991 -1993,Thomas J.Watson Jr. Institute for InternationalStudies and Refugee Policy Group, Occasional Paper No.18, Universidade de Brown, Providence, RI, 1994.

15 Entrevista com F. Fouinat, Coordenador,Task Force doACNUR para a ex-Jugoslávia, Outubro de 1993, citado emMinear et al., Humanitarian Action in the Former Yugoslavia, pág. 7;Ver também S.A. Cunliffe e M. Pugh, "The Politicization ofUNHCR in the Former Yugoslavia; Journal of Refugee Studies,vol. 10, nº.2, 1997, pág. 134.

16 Resoluções chave do Conselho de Segurança da ONUincluindo as resoluções 758 (8 de Junho de 1992), 770(13 de Agosto de 1992) e 776 (14 de Setembro de 1992).

17 Alta Comissária Ogata, "Refugees:A HumanitarianStrategy", comunicação no Instituto Real de RelaçõesInternacionais, Bruxelas, 25 de Novembro de 1991.

18 Entrevista com J.M.Mendiluce,Abril 1993.Ver também,Silber e Little, The Death of Yugoslavia, pág. 296-7.

19 Relatório do ACNUR sobre a situação em Srebrenica, 19de Fevereiro de 1993, "BH West",Arquivo do FuncionárioSuperior dos Assuntos Externos, F/HCR31/1.

20 Carta da Alta Comissária Sadako Ogata dirigida aoSecretário-Geral Boutros Boutros-Gali, 2 de Abril de 1993,Doc. ONU S/25519.