CORRENTES TEORICOS- METODOlOGICAS EM GEOGRAFIA …

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CORRENTES TEORICOS- METODOlOGICAS EM GEOGRAFIA URBANA Este texto pretende identificar as Erincipais correntesque discutem 0 fenomeno urbano, a partir das posturas teorico-metodologicas de diversos auto res, fruto dainser~aodos mesmos em contextos diferenciados. Considera- se, sobretudo, 0 estudo dessas propos tas a luz das transforma~oes por que vempassandoa Geografia. Os trabalhos aquitornados como re ferenciais sac de Harold Carter~ Davia Clark 2 e Fany Rachel Davidovich 3 , de quem foram considerados os ~esmos tlt~ 105 sob os quais tentar-se-a agrupar os estudos sobre 0 fenomeno urbano. "FenomenoUrbano" sera entendido neste texto como qualquer manifesta~ao que diga respeito ao urbano, seja ao processo de urbaniza~ao, seja ao cres- cimento das cidades, sejaao estudo da estrutura interna das cidades pu ao ur banismo. A "cidade moderna"e urn fato rela tivamente novo na historia do homem e por esta razao, so~ente_h~ pouco temp~, surgiram estudos s1stemat1cos a respe~ to. Isto naoquer dizer que muitos es tudiosos, desde a Antiguidade, nao se tenham preocupado com a cidade, mas seus trabalhos tinham 0 cunho essen cialmente descritivo, como aponta Car ter 4 . A perspectiva analltica para 0 fenomeno urbano e a procura de urn refe rencial explicativo so vao aparecer no fim do seculo passado, quando a vida urbana passa a ser a tonica da civliza ~ao, urn caminho cada vez mais sem vo! ta, surgindo a cidade como urn espa~o que cresce cada vez mais e que precisa ser explicado, e "cirganizado". *Professorade Geografia da UFPI. GEONORDESTE, Ana II, n9 2, 1985, pp. 60/62. A mudan~a na qualidade dos estu dos urbanos - "La sustitucion de des cripcion por interpretacion de la loca lizacion estabelecio los principios pa ra que lageografia urbana progresase como un estudio especial"S. corres ponderiaaquele per logo que Antonio Carlos Robert Moraes chama de "racio nalismo geografico", cuja caracterlstT ca principale a possibilidade de ado ~ao do racioclnio dedutivo, ao lado do racioclnio indutivo. Tudoisso ocorre dentro da perspectiva maisampla de transforma~ao da ciencia,pelas deca- das de 20/30 deste seculo,caracteriza da por varios elementos. Urn destes e a constata~ao de que ha urn mundo em mu dan~a, de que ha umaaltera~aona base social. £ premissa geral a de que nao se pode deixar a sociedade a revelia, e preciso que nela haja uma interven ~ao do Estado, atraves do planejamento economico paraque "nao se perca 0 seu controle" Ha igualme·nteuma realida- de que se torna mais complexa, onde se destacam 0 crescimento das cidadese a moderniza~ao das atividades agrarias, ouseja, surge uma rede intrincada de rela~oes que teorias locais ja nao con seguem explicar satisfatoriamente. A mudan~a da sociedade,a comple- xiza~ao do espa~o de rela~oes,vao, por sua vez,tornar frageis e cada vez mais questionaveis os fundamentos posi tiv~stas.em qU 7 se a~sent~m as expli~ ca~oes C1ent1f1cas ateentao, e, por essa via, a explica~ao geografica tam bem se torna questionavel. £ nesse contexto que surge a pers pectiva neo-positivista na ciencia co mo urn todo e na Geografia, em particll lar. Sao substituidas as analises do concreto pelos dados que representam 0 concreto; sac adotados instrumentais (0 computador e similares •..) que per mi tern a interpreta~ao 5 imultanea de muI tos dados, de-muitas realidades. Essa

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CORRENTES TEORICOS- METODOlOGICASEM GEOGRAFIA URBANA

Este texto pretende identificaras Erincipais correntes que discutem 0fenomeno urbano, a partir das posturasteorico-metodologicas de diversos autores, fruto da inser~ao dos mesmos emcontextos diferenciados. Considera-se, sobretudo, 0 estudo dessas propostas a luz das transforma~oes por quevem passando a Geografia.

Os trabalhos aqui tornados como referenciais sac de Harold Carter~ DaviaClark2 e Fany Rachel Davidovich3, dequem foram considerados os ~esmos tlt~105 sob os quais tentar-se-a agruparos estudos sobre 0 fenomeno urbano.

"Fenomeno Urbano" sera entendidoneste texto como qualquer manifesta~aoque diga respeito ao urbano, seja aoprocesso de urbaniza~ao, seja ao cres-cimento das cidades, seja ao estudo daestrutura interna das cidades pu ao urbanismo.

A "cidade moderna" e urn fato relativamente novo na historia do homem epor esta razao, so~ente_h~ pouco temp~,surgiram estudos s1stemat1cos a respe~to. Isto nao quer dizer que muitos estudiosos, desde a Antiguidade, nao setenham preocupado com a cidade, masseus trabalhos tinham 0 cunho essencialmente descritivo, como aponta Carter4. A perspectiva analltica para 0fenomeno urbano e a procura de urn referencial explicativo so vao aparecer nofim do seculo passado, quando a vidaurbana passa a ser a tonica da civliza~ao, urn caminho cada vez mais sem vo!ta, surgindo a cidade como urn espa~oque cresce cada vez mais e que precisaser explicado, e "cirganizado".

*Professora de Geografia da UFPI.

GEONORDESTE, Ana II, n9 2, 1985, pp. 60/62.

A mudan~a na qualidade dos estudos urbanos - "La sustitucion de descripcion por interpretacion de la localizacion estabelecio los principios para que la geografia urbana progresasecomo un estudio especial"S. corresponderia aquele per logo que AntonioCarlos Robert Moraes chama de "racionalismo geografico", cuja caracterlstTca principal e a possibilidade de ado~ao do racioclnio dedutivo, ao lado doracioclnio indutivo. Tudo isso ocorredentro da perspectiva mais ampla detransforma~ao da ciencia, pelas deca-das de 20/30 deste seculo, caracterizada por varios elementos. Urn destes ea constata~ao de que ha urn mundo em mudan~a, de que ha uma altera~ao na basesocial. £ premissa geral a de que naose pode deixar a sociedade a revelia,e preciso que nela haja uma interven~ao do Estado, atraves do planejamentoeconomico para que "nao se perca 0 seucontrole" Ha igualme·nte uma realida-de que se torna mais complexa, onde sedestacam 0 crescimento das cidades e amoderniza~ao das atividades agrarias,ou seja, surge uma rede intrincada derela~oes que teorias locais ja nao conseguem explicar satisfatoriamente.

A mudan~a da sociedade, a comple-xiza~ao do espa~o de rela~oes, vao, porsua vez, tornar frageis e cada vezmais questionaveis os fundamentos positiv~stas.em qU7 se a~sent~m as expli~ca~oes C1ent1f1cas ate entao, e, poressa via, a explica~ao geografica tambem se torna questionavel.

£ nesse contexto que surge a perspectiva neo-positivista na ciencia como urn todo e na Geografia, em particlllar. Sao substituidas as analises doconcreto pelos dados que representam 0

concreto; sac adotados instrumentais(0 computador e similares •.. ) que permi tern a interpreta~ao 5imultanea de muItos dados, de-muitas realidades. Essa

61transformacao da Geografia vai ter que apresenta uma proposta mais amplamais enfase nos Estados Unidos, onde, e mais acabada, especie de sintese dereflexo das alteraeoes e da tentativa todos os trabalhos elaborados sobre 0de equilibrio das forcas politicas, fenemeno urbano sob a otica comportavai se situar 0 centro balizador do mental, e Louis Wirth7, que escreveu~mundo ocidental. Ali vao aparecer duas em 1938, 0 classico "Urbanismo como mo"escolas geograficas" de destaque: a do de vida". Wirth tenta ver como seEscola de Geografia Cultural e a Esco comportam as pessoas nos centros urbala de Geografia do Meio Oeste. ~ des nos, dizendo que "El volumen de la po':ta ultima que surgem os estudos tidos blacion anexionada afectara las relacomo "modernos" ou "sistematicos" so ciones entre 105 miembros aumentandobre a cidade, f~zendo emergir.um novo l~s diferencias q~~ mfs tarde conduciramo da Geografla - a Geografla Urba ran a la segregaclon" .na - que vai buscar seus fundamentosna Ecologia Humana, na Sociologia Funcionalista e na Economia.

Sao creditados a Karl Hassert(1907) e Raoul Blanchard (1911) os primeiros estudos urbanos desse tipo, centrados na analise do sitio e situacaodas cidades.

A partir dessas consideracoes, mesmo sob pena de incorrer em alguma generalizacao imprecisa, tentar-se-a agru':par aqui os autores mais significativos que discutem 0 fenemeno urbano, emdois segmentos: 0 primeiro chamado de"teoT'iza~oes neo-positivistas" e 0 se-gundo, chamado de "teoT'iza~oes alteT'nativas If.

Consideram-se teorizacoes neo-positivistas aquelas que tratam 0 fenameno urbano de modo sistematico, que usamfrequentemente instrumental interpretativo moderno (uso de metodos matematIcos e/ou estatisticos e ate da informatica), que ainda ternnas ciencias danatureza 0 seu modelo de interpretaca~que se distinguem, sobretudo, por naocontextualizarem 0 estudo do fenamenourbano, esquecendo-se do processo historico que 0 viabilizou.

As teorizacoes neo-positivistasainda podem ser agrupadas: em 1) teorias comportamentais; 2) teorias estruturais 3) teorias demograficas.

As teorias comportamentais sao asque dizem respeito essencialmente aocomportamento das pessoas com relacaoao fenameno urbano, tendo como parame-tro dois tipos de sociedade diferenciadas: a rural tradicional e a modernaurbana (ja identificadas por Durkheim,em 1893).

De modo geral as teorias comportamentais tendem a considerar 0 fenomenourbano como urn"modo de vida", tornan-do-se este uma base no padrao interpretativo: 0 que distinguiria as coloca':coes dos diversos autores comportamentais seria a maneira diferente de encarar 0 "modo de vida urbano".

Antes de Wirth, Reissman9 ja afirmava que havia duas sociedades perfei':tamente diferenciadas e que 0 comportamento dos campesinos (folks) era nitIdamente contrastante do comportamentodos citadinos (urbanos). Dai a proposta de Reissman ser denominada de teo':T'ia dos eontT'astes.

Redfield (1944) e outro autor comportamentalista. Para ele que analIsou ... "uma aldeia (populacao de 101habts), uma aldeia camponesa (pop. de2~0 habts), uma pequena cidade (popul~cao de 1200 habs) e uma cidade (populaeao de 100.000 hbts)"lO - representatIvas de variacoes de povoamentos encon':trados em Yucata, Mexico - existe umagradacao continua de comportamentos, daeconomia, da espacialidade, enfim dasociedade mexicana, entre 0 rural e 0urbano.

As concepcoes estruturais dizemrespeito a interpretacao econamica dofenomeno urbano. Referem-se ... "al movimiento de la poblacion desde las co':munidades agricolas hacia otras comunidades, generalmente mas grandes"ll. Aideia que dirige este grupo de teoriasse refere a organizacao diferencial dotrabalho, isto e, as sociedades se diferenciariam uma das outras com relacao ao fenameno urbano, em funeao desua posicao no desenvolvimento econamico. Quanto mais etapas econamicas umasociedade tiver superado au vencido,mais urbanizada ela sera. Aqui a ideiade urbanizacao esta claramente identi-ficada com os graus de desenvolvimentoeconamico. a fenameno urbano ... "es,par 10 tanto, un producto de la espe-cializacion economica en aumento y dela tecnologia en progreso"12.

Brian Berry e urnautor que podeser identificado com esta proposta. Emseu trabalho de 1962 "Algunas relaciones de la urbanizacion y los patronesbasicos del desarrollo economico"13Berry conclue dizendo ..• "que el crecimiento de la ciudad es simplemente laconcentracion de especializaciones diferentes, pero funcionalmente integradas en localizaciones adecuadas. Laciudad moderna es un modo de organiza-cion social que fomenta la eficaciade las actividades economicas"14,

A terceira proposta das teoriza-

~oes neo-positivistas baseia-se naideia de que 0 fenomeno urbano e urnprocesso de concentra~ao espacial depopula~ao. A urbaniza~ao e considerada como ... "el componente de organiza:-cion de la capacidad de adaptacion alcanzado por una poblacion"lS, isto e-;a maior ou menor capacidade que uma popUla~ao demonstra para obter seguran~ae subsistencia, num determinado meio.

Por teoriza~6es alternativas chamam-se as proposi~6es a respeito do fenomeno urbano que fogem as interpreta~6es positivistas. Muito recentes, seinserem, quase todas, numa linha analltica que entende 0 fenomeno urbano como processo historico, que se diversi:-fica segundo a forma~ao economico / social de cada espa~o.

Uma dessas manifesta~6es refere-se a preocupa~ao de distinguir, com rela~ao ao fenomeno urbano - e mais especificamente a cidade - 0 que e ideolo:-gico e 0 que e cientifico.

Urn dos autores dessa corrente eManuel Castells que discute a questaoda ideologia do urbano dizendo que naotern sentido as dualidades campo/cidade,rural/urbano, porque isto so desvia osestudos do fundamental, .isto e, da a~aodo capital, que homogeneiza espa~os.Castells discute tambem a ideia de urbane tornado somente como espa~o flsi:-co, lembrando sua dimensao social.

Harvey e Lojkine evidenciam estaproposi~ao de Castells, cada urn a suamaneira, na interpreta~ao do papel doespa~o urbano no desenvolvimento do capitalismolb. -

Jean Lojkine ... "da enfase parti-cular a importancia da concentra~ao urbana para as condi~6es gerais de produ~ao, na medida em que atende a necessIdade de socializa~ao dos meios de produ~ao, na medida em que favorece a circula~ao e que propicia condi~oes paraa reprodu~ao da for~a de trabalho, atrayeS dos meios de consumo coletivos"17-:

D~vid Harvey referindo-se a cidade ... recupera a no~ao de meio flsicoconstruldo"18.

Ja Henri Lefebvre diz~ao do espa~o e a produ~aosac fatores seguros para acia do capitalismo.

que a ocupado espa~o

sobreviven

Dentro dessa perspectiva alterna-tiva de interpreta~ao do fenomeno urbano, deve-se lembrar ainda 0 trabalhode Milton Santos que, dentro do mesmoesplrito crltico, discute este fenomeno no 39 mundo.

A referencia aqui somente a essesa~ores nao significa que neles se es-gote a produ~ao do assunto sob 0 enfoque alternativo: sac considerados neste trabalho pela expressao de suasideias. Deve ser lembrado tambem queem se tratando de postura teorico/metodologica recente rta Geografia Urbana-;ha muitas propostas "alternativas" emelabora~ao. Como ficou antes igualmente expresso os estudiosos desta corrente tern a preocupa~ao de inserir seusestudos num contexto. Nisto reside apossibilidade de agrupa-los sob 0 mesmo rotulo.

1CARTER, Haro ld. El es tudio de lageografia urbana. Madrid, Instituto de Estudios de AdministracionLocal, 1974, 318 p.

2CLARK, David. Introdu~ao a Geografia Urbana. SP, Difel, 1985, 286-;p.

3DAVIDOVICH, Fany Rachel. Focalizan-do conceitua~oes no urbano. Revista Brasileira de Geografia, 45(]): 137-148 jan/mar. 1983.

4CARTER, Harold, op. cit. p. 9-25.

5Id. Ibid., p. 11.

6MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena historia critica-;SP, HUCITEC, 1981, 138 p.

?WIRTH, Louis. Urbanism as a way oflife. American Journal of socioly, 44, 1-24, 1938.

8 CARTER, Harold, op. cit. p. 37

9REISSMAN, Leonard. The Urban process,New York, Free Press, 1964, 255p.

10CLARK, David. op. cit. p. 107.

11CARTER, Harold. p. 39.

12 .Op. C7-t. p. 40.

13CARTER, Harold, p. 40, nota bibliogrcifica 33.

14Id. ibid. p. 41

15Id. ibid. p. 43

16DAVIDOVICH, Fany Rachel. op. ci~ 14~1?Id. ibid. p. 143.

lBId. ibid. p. 143.