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Alceu Amoroso Lima |Almeida Jnior | Ansio TeixeiraAparecida Joly Gouveia | Armanda lvaro Alberto | Azeredo Coutinho
Bertha Lutz | Ceclia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy Ribeiro
Durmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan FernandesFrota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos
Helena Antipoff | Humberto Mauro | Jos Mrio Pires AzanhaJulio de Mesquita Filho | Loureno Filho | Manoel Bomfim
Manuel da Nbrega | Nsia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo FreireRoquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio Dria | Valnir Chagas
Alfred Binet | Andrs BelloAnton Makarenko | Antonio Gramsci
Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | Clestin FreinetDomingo Sarmiento | douard Claparde | mile Durkheim
Frederic Skinner | Friedrich Frbel | Friedrich HegelGeorg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich
Jan Amos Comnio | Jean Piaget | Jean-Jacques RousseauJean-Ovide Decroly | Johann Herbart
Johann Pestalozzi | John Dewey | Jos Mart | Lev VygotskyMaria Montessori | Ortega y Gasset
Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud
Ministrio da Educao | Fundao Joaquim Nabuco
Coordenao executivaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari
Comisso tcnicaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)
Antonio Carlos Caruso Ronca, Atade Alves, Carmen Lcia Bueno Valle,Clio da Cunha, Jane Cristina da Silva, Jos Carlos Wanderley Dias de Freitas,
Justina Iva de Arajo Silva, Lcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque Fvero
Reviso de contedoCarlos Alberto Ribeiro de Xavier, Clio da Cunha, Jder de Medeiros Britto,
Jos Eustachio Romo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia
Secretaria executiva Ana Elizabete Negreiros Barroso
Conceio Silva
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Candido Alberto Gomes
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Fundao Joaquim Nabuco. Biblioteca)
Gomes, Candido Alberto.Darcy Ribeiro / Candido Alberto Gomes. Recife:
Fundao Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.152 p.: il. (Coleo Educadores)Inclui bibliografia.ISBN 978-85-7019-527-2
1. Ribeiro, Darcy, 1922-1997. 2. Educao - Brasil Histria. I. Ttulo.CDU 37(81)
ISBN 978-85-7019-527-2 2010 Coleo Educadores
MEC | Fundao Joaquim Nabuco/Editora Massangana
Esta publicao tem a cooperao da UNESCO no mbitodo Acordo de Cooperao Tcnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a
contribuio para a formulao e implementao de polticas integradas de melhoriada equidade e qualidade da educao em todos os nveis de ensino formal e no
formal. Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidosneste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as
da UNESCO, nem comprometem a Organizao.As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo desta publicao
no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO
a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regioou de suas autoridades, tampouco da delimitao de suas fronteiras ou limites.
A reproduo deste volume, em qualquer meio, sem autorizao prvia,estar sujeita s penalidades da Lei n 9.610 de 19/02/98.
Editora Massangana Avenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540
www.fundaj.gov.br
Coleo EducadoresEdio-geralSidney Rocha
Coordenao editorialSelma Corra
Assessoria editorial Antonio Laurentino
Patrcia LimaReviso
Sygma ComunicaoIlustraes
Miguel Falco
Foi feito depsito legalImpresso no Brasil
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SUMRIO
Apresentao, por Fernando Haddad, 7
Ensaio, por Candido Alberto Gomes, 11Quem foi Darcy?, 11Darcy e seus tempos, 14
A formao de Darcy, 24Darcy naturalista, 26Darcy educador, 33
A educao no perodo de Ansio e Darcy, 36Darcy ministro, 42Darcy semeador, 46O sopro da redemocratizao, 50O construtor de Cieps, 51Utopia de Darcy?, 57Prs e contras, 58
A filha caula, 66A Lei Darcy Ribeiro, 73A educao distncia, 85
Textos selecionados, 91Dirios ndios, 92
Novo Caderno, 96Migo, 96UnB: inveno e descaminho, 97Enfrentamentos, 105
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O novo padro estrutural, 113Dr. Ansio, 122
Fala aos moos, 126
Cronologia, 133
Bibliografia, 137
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O propsito de organizar uma coleo de livros sobre educa-
dores e pensadores da educao surgiu da necessidade de se colo-
car disposio dos professores e dirigentes da educao de todoo pas obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeram
alguns dos principais expoentes da histria educacional, nos pla-nos nacional e internacional. A disseminao de conhecimentos
nessa rea, seguida de debates pblicos, constitui passo importantepara o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas ao
objetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e da
prtica pedaggica em nosso pas.Para concretizar esse propsito, o Ministrio da Educao insti-
tuiu Comisso Tcnica em 2006, composta por representantes doMEC, de instituies educacionais, de universidades e da Unesco
que, aps longas reunies, chegou a uma lista de trinta brasileiros e
trinta estrangeiros, cuja escolha teve por critrios o reconhecimentohistrico e o alcance de suas reflexes e contribuies para o avano
da educao. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-leo Penseurs de lducation, organizada pelo International Bureau of
Education(IBE) da Unesco em Genebra, que rene alguns dos mai-ores pensadores da educao de todos os tempos e culturas.
Para garantir o xito e a qualidade deste ambicioso projeto
editorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto PauloFreire e de diversas universidades, em condies de cumprir os
objetivos previstos pelo projeto.
APRESENTAO
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Ao se iniciar a publicao da Coleo Educadores*, o MEC,em parceria com a Unesco e a Fundao Joaquim Nabuco, favo-
rece o aprofundamento das polticas educacionais no Brasil, comotambm contribui para a unio indissocivel entre a teoria e a pr-
tica, que o de que mais necessitamos nestes tempos de transio
para cenrios mais promissores. importante sublinhar que o lanamento desta Coleo coinci-
de com o 80 aniversrio de criao do Ministrio da Educao e
sugere reflexes oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, emnovembro de 1930, a educao brasileira vivia um clima de espe-
ranas e expectativas alentadoras em decorrncia das mudanas quese operavam nos campos poltico, econmico e cultural. A divulga-
o doManifesto dos pioneirosem 1932, a fundao, em 1934, da Uni-versidade de So Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em
1935, so alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tobem sintetizados por Fernando de Azevedo noManifesto dos pioneiros.
Todavia, a imposio ao pas da Constituio de 1937 e do
Estado Novo, haveria de interromper por vrios anos a luta auspiciosado movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sculo passa-
do, que s seria retomada com a redemocratizao do pas, em1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-
bilitaram alguns avanos definitivos como as vrias campanhas edu-
cacionais nos anos 1950, a criao da Capes e do CNPq e a aprova-o, aps muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases no
comeo da dcada de 1960. No entanto, as grandes esperanas easpiraes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e to bem sintetiza-
das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambm redigido por
Fernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidasem 1964 por uma nova ditadura de quase dois decnios.
* A relao completa dos educadores que integram a coleo encontra-se no incio deste
volume.
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Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estgio daeducao brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-
festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com otempo presente. Estou certo de que o lanamento, em 2007, do
Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), como mecanis-
mo de estado para a implementao do Plano Nacional da Edu-cao comeou a resgatar muitos dos objetivos da poltica educa-
cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que no ser
demais afirmar que o grande argumento doManifesto de 1932, cujareedio consta da presente Coleo, juntamente com oManifesto
de 1959, de impressionante atualidade: Na hierarquia dos pro-blemas de uma nao, nenhum sobreleva em importncia, ao da
educao. Esse lema inspira e d foras ao movimento de ideiase de aes a que hoje assistimos em todo o pas para fazer da
educao uma prioridade de estado.
Fernando HaddadMinistro de Estado da Educao
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DARCY RIBEIRO(1922 1997)
Candido Alberto Gomes1
Quem foi Darcy?2
Para incio de conversa, Darcy no era um s, eram vrios.
Como a singularidade pobre, constitua uma pluralidade de seres
em apenas um. Por isso, certa vez, num discurso, comparou-se auma cobra com vrias peles (Ribeiro, 1992). Ao longo da vida
vestiu vrias delas, algumas ao mesmo tempo: foi pelo menoseducador, antroplogo, indigenista, escritor de fico e poltico.
Por dentro dessas peles, ele era singular: apaixonado por tudo oque escrevia e fazia, sonhador, orador que sacudia coraes e men-
tes, idealista que no ficava s nos ideais, construtor de sonhos naprtica. Quando falamos no seu nome, podemos nos lembrar doedificador de Centros Integrados de Educao Popular (Cieps)
no Rio de Janeiro, do criador de universidades (a ltima das quais,a Universidade Estadual do Norte Fluminense) e do exilado que
viveu longo tempo fora do Brasil.
1 Candido Alberto Gomes titular da Ctedra Unesco de Juventude, Educao e Socie-
dade da Universidade Catlica de Braslia. Autor de mais de 200 trabalhos, publicados ao
todo em dez idiomas, tem como livro mais recente A educao em novas perspectivassociolgicas. Foi assessor legislativo concursado do Senado Federal e da Assembleia
Constituinte. Tem prestado consultoria a numerosas entidades pblicas nacionais e inter-nacionais. Entre outras atividades junto a instituies cientficas, foi presidente da
Sociedade Brasileira de Educao Comparada e coordenador da Comisso de Pesquisa
do Conselho Mundial de Sociedades de Educao Comparada.2 Agradeo a leitura e os comentrios do ex-aluno e orientando da Universidade Catlica
de Braslia, professor Wellington Ferreira de Jesus. Como a aprendizagem um processorecproco, o discpulo pode e deve superar o mestre, o que constitui a realizao deste
ltimo. O comentarista, entretanto, no tem qualquer responsabilidade sobre o texto.
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No era um homem comum. At a, como dizia NelsonRodrigues, o bvio ululante. Sabia desfrutar da vida como pou-cos. Antroplogo afeito s diversidades, para ele a singularidadeparecia pobre, enquanto a pluralidade era rica. Muito antes deEdgar Morin (2001) falar em sociodiversidade Darcy a abraavae praticava. Provavelmente por isso, no ficou satisfeito apenascomo antroplogo, escritor ou educador. Se usasse uma s des-sas peles de cobra ficaria famoso. Inquieto, mexia em tudo, era
um eterno buscador. Procurava sempre. No era um intelectualque ficasse somente pensando e escrevendo. Exigia-se realizar.Por isso, se tornou educador e poltico. Assim, concebia a educa-o como caminho para a mudana, conforme lhe estava entra-nhado na alma e conforme o que aprendeu do Dr. Ansio, ouseja, o grande f ilsofo Ansio Teixeira, que no se contentava emfilosofar. Por isso mesmo, antes e durante a carreira de Darcy,
Ansio mudou a face da educao brasileira.Retornando do exlio, voltou poltica, se que algum dia
deixou de ser poltico. Com a abertura e a anistia, fundou o Parti-do Democrtico Trabalhista (PDT), com Leonel Brizola e antigose novos companheiros. Darcy e Brizola candidataram-se a gover-nador e vice-governador do Estado do Rio de Janeiro nas elei-es diretas de 1982. Eleitos, fizeram dos Cieps a bandeira donovo governo, que passou a ser uma espcie de vitrina a atrair aspedras da oposio. Ao trmino do quadrinio, o governo passouaos oposicionistas, que, por uma srie de razes e de no razes,desmontou como invivel a rede de Cieps. No entanto, em 1990Brizola novamente se candidatou a governador e Darcy a senador.
Ambos eleitos, em 1991 Darcy ocupou a sua cadeira no SenadoFederal, em Braslia. Ele cumpria o seu mandato com dedicao,mas um cargo legislativo no era suficiente para a sua energia. Nocabia no seu gabinete, uma comprida sala retangular, onde OscarNiemeyer, com o seu traado numa parede, havia recordado so-
nhos comuns, como Braslia e a sua Universidade.
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Com o correr dos anos, Darcy preferiu voltar ao Estado doRio de Janeiro, para levar adiante a segunda etapa de construo e
reconstruo dos Cieps. Como resultado, o territrio fluminense,ao fim de quatro anos, ficou pontilhado por esses Centros. Alm
disso, tornou-se construtor de uma nova e inovadora universida-
de, a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), depoisdenominada Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro, desta vez no Brasil e no fora dele. Nesse interstcio, assu-
miu a cadeira o seu primeiro suplente, o Sr. Abdias Nascimento,um dos lderes do movimento negro.
Feliz com o seu papel de construtor, buscava colocar em prticaa educao como processo emancipador e redentor de iniquidades
sociais. Esta felicidade, aparentemente, nunca se apagou. Retornouao Senado depois de algum tempo frente da Secretaria Extraordi-
nria de Projetos Especiais e, depois, se ausentou por causa do cn-cer. Anos antes, ainda no exlio, havia tido um no pulmo direito. Fez
a cirurgia aqui no Brasil, sob licena politicamente negociada, ainda
no governo militar. Sua voz se tornou um pouco ofegante porques vivia com o pulmo esquerdo. Anos depois o cncer voltou em
outra parte do corpo e, depois, se generalizou. A quimioterapia erapara ele um tormento. Queria morrer aqui no Brasil e assim aconte-
ceu, com festa e papel picado. Algum tempo antes havia dito: se
Deus existir, eu me entendo com ele de homem para homem. Notendo acreditado em Deus ao longo da vida, prudentemente, como
cientista social, admitiu essa possibilidade... Aproveitou a vida ao mximo, tinha fome e sede de viver.
Honrando o seu mandato at o fim, pretendia vestir-se para ir a
uma sesso do Senado apresentar um dos seus projetos, quandoentrou em coma. Considerando-se menos vitorioso que vencido,
escreveu esta joia, como uma espcie de testamento espiritual:
Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando e lutando, comoum cruzado, pelas causas que me comovem. Elas so muitas, de-mais: a salvao dos ndios, a escolarizao das crianas, a reforma
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agrria, o socialismo em liberdade, a universidade necessria. Na ver-dade somei mais fracassos que vitrias em minhas lutas, mas istono importa. Horrvel seria ter ficado ao lado dos que nos venceramnessas batalhas (Ribeiro, 1994).
Esta disposio testamentria ilustra a certeza de estar no ca-minho certo e a perseverana de nele continuar, uma expresso do
que os opositores chamavam, at em parte com razo, de teimo-sia do Darcy. E assim ele terminou a sua carreira poltica no
Poder Legislativo, que certamente no era o seu preferido, massem o qual o estado democrtico de direito no pode subsistir.No por acaso, quando Lcio Costa e Oscar Niemeyer pensaram
a Praa dos Trs Poderes, traduziram em urbanismo e arquiteturaa concepo da separao e independncia dos poderes, de
Montesquieu. A Praa um tringulo de lados iguais, com o
Legislativo no seu vrtice mais destacado. Do Eixo Monumentalo que se v primeiro o Legislativo. Depois de descer uma suave
rampa, se descortinam o Executivo e o Judicirio.
Darcy e seus tempos
De acordo com Ortega y Gasset (1947, pp. 17-20), Eu sou eue minha circunstncia. Isso quer dizer que o entorno, o tempo e o
espao em que vivemos se entretecem com o eu de cada um epassam a fazer parte da personalidade individual, intervindo na or-
ganizao desta. O primeiro eu (eu sou) significa minha persona-lidade, que inclui a minha circunstncia como um dos seus compo-
nentes. O segundo eu (eu e minha circunstncia) exprime a unidade
invarivel do sujeito, isto , expressa um dos componentes da vida
humana, ou seja, o sujeito que convive com o mundo (RecasnsSiches, 1964). Por isso mesmo, no podemos compreender Darcyou qualquer pessoa sem conhecer a sua circunstncia.
Darcy nasceu em Montes Claros, MG, em 1922, e faleceu em
Braslia no ano de 1997. Foram 75 anos do eu e sua circunstnciahistrico-social. Em quase um sculo de Brasil, viveu muitos fatos,
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foi influenciado por eles, enquanto o seu eu se projetou sobre ahistria brasileira, modificando a sua circunstncia. neste dina-mismo de dentro para fora e de fora para dentro e novamentede dentro para fora que podemos entender o personagem. Nesseperodo Darcy cresceu, estudou, tornou-se ativista do Partido Co-munista em So Paulo, deixou o Partido porque incompatvel comum rebelde, tornou-se antroplogo, indigenista, educador apaixo-nado, passou a atuar na poltica, ocupou altos cargos pblicos, foi
para o exlio, nele trabalhou, voltou ao Brasil, retornou poltica eocupou o seu ltimo posto pblico como senador. Ao voltar doexlio, ele, que bem sabia viver a vida mesmo em condies adver-sas, no era um amargurado, cheio de ressentimentos, como po-deria haver sido. Ao contrrio, a sua cabea se havia atualizado, serevoltado contra muitos lugares-comuns correntes no pas. O ex-lio lhe fez muito bem e pouco mal. Foi a oportunidade que elesoube aproveitar para conviver ainda mais com o mundo, paraabandonar a canga do minrio (quem sabe, minrios de MinasGerais) e ficar com o mineral precioso.
Esta juventude, esta capacidade de mudar, de manter a sua edu-cao continuada, foi fundamental para as suas aes. Essa interaopermanente com o seu entorno se manteve o tempo todo. E, paracompreendermos a sua biografia, precisamos da histria e, em vri-as partes da histria, necessitamos da sua biografia que, em parte, amodelou. Houve um momento quase trgico: afirma-se que ele, nodia 1 de abril de 1964, esperava as tropas invadirem o Palcio doPlanalto (era ento Chefe da Casa Civil da Presidncia da Repbli-ca), com uma arma que no sabia manejar muito bem e que algum
lhe ofereceu para a resistncia. L ele ficou at que a lucidez de al-guns o aconselhou a ir para o exlio. Imaginemos se ele resistisse efosse morto. Ele e a histria muito perderiam.
Afinal, em que Brasis Darcy viveu? interessante que o seuano de nascimento, 1922, foi o da comemorao do primeiro
centenrio da Independncia e tambm da revolta do Forte de
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Copacabana. Este foi um antecedente da Revoluo de 1930, lide-rada por Getlio Vargas, cujo suicdio teria profundo impactosobre a trajetria de Darcy, que logo ingressou no trabalhismo,como veremos depois. 1922 tambm foi o ano da Semana da
Arte Moderna e da formao do Partido Comunista, em queDarcy, jovem, ingressaria, antes do trabalhismo. Foi um ano derebeldia, como o rebelde de Montes Claros.
No caso de existirem apenas dois Brasis (Lambert, 1976), agr-
rio e urbano-industrial, ele passou do velho ao moderno Brasil econviveu com ambos ao mesmo tempo: de um lado, as grandescidades, como Belo Horizonte, So Paulo e Rio. De outro lado,enfronhou-se na rea rural, conhecendo e passando para a literaturaa rea rural em torno de Montes Claros (Ribeiro, 1981), e aindaimergiu em sociedades indgenas, acompanhando as transforma-es provocadas pelo homem branco, na sua transfigurao tnica(cf. Ribeiro, 1979), uma das interpenetraes entre os dois Brasis.Desse modo, transferiu para os trabalhos cientficos e a literatura ainspirao dessas vivncias (cf. Ribeiro, 1980, 1982, 1993).
Em 1922, no primeiro centenrio da Independncia, o Brasilera uma nao predominantemente rural, que vivia do caf, cheiravaa caf e vendia o caf para troc-lo pelos produtos do exterior deque necessitava. Em consequncia, o poder poltico era empolgadopor uma aliana entre produtores rurais, resultando na poltica docaf com leite isto , a associao entre So Paulo e Minas Gerais.Era caf como o que Minas tambm plantava. O predomnio dosfazendeiros vinha desde a colonizao, mantendo a estrutura latifun-diria. A dimenso do senhorio escravocrata fora substituda pelo
coronelismo (Leal, 1993), que transformava o cidado em gadopor meio dos currais eleitorais e do voto de cabrestro. Estasforam manchas ignominiosas da histria do Brasil que Darcy consi-derava intolerveis, sempre preocupado com o ndio e o negro.
Despontavam, entretanto, as indstrias, ainda concentradas no
Rio de Janeiro, para substituir importaes, mais tarde formando
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uma grande constelao em So Paulo. Nessa poca o mundo nose dividia claramente entre quem detinha e gerava conhecimento equem no o detinha nem gerava. A fronteira era traada entre pasesexportadores, dedicados principalmente minerao e agricultura,e pases industrializados ou em vias de industrializao. Desse modose projetava o cosmos desenhado pelas Grandes Navegaes e pelaRevoluo Comercial, dos sculos XV a XVII, diferenciado emcolonizadores e colonizados. Os ltimos, em particular a inesperada
Amrica, que se queriam ndias, eram considerados entes vazios,desconhecidos, indefinidos, que deveriam ser preenchidos pelo serdo colonizador em tudo, na produo, na sociedade, no domniopoltico e na identidade cultural (cf. OGorman, 1958). A medula dadominao estava talvez na perda do prprio ser e na cpiaindiscriminada de culturas superiores. Esta etapa da globalizaofoi superada pela Revoluo Industrial, a partir do sculo XVIII.Depois, as contradies da economia do lado capitalista, mantendoabertas as feridas da Primeira Guerra Mundial, conduziram Gran-de Depresso de 1929, que, comeando pelos Estados Unidos, es-palhou-se pelo mundo quase todo.
Foi desse modo que, no Brasil, em 1929-30 houve uma duplaviragem, a queda dos preos do principal produto de exportao(Furtado, 1968, 1970; Prado JR., 2000), o caf, e a Revoluo de1930, conduzida por Vargas, sob certos aspectos conciliatria, quereduziu o poder das elites rurais (Fausto, 1971). Admirava-se, comoexpresso gloriosa da modernidade, que as vielas se transformas-sem em avenidas, que as cidades crescessem com a migrao docampo, que as indstrias tivessem as suas chamins fumegantes.
So Paulo, onde Darcy se tornou antroplogo, j cosmopolita, deportas abertas ao mundo, se transformava em metrpole, ondecirculavam muitas ideias. Muitas contradies j existiam e o nossoeducador pde v-las ampliando-se cada vez mais. As cidades in-chavam, as favelas conviviam com a urbanizao, era ainda uma
espcie de pequeno Brasil extraoficial (que at tentavam ignorar ou
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transfigurar numa imagem romntica) e, como desde o princpio,as desigualdades sociais eram mais aceitas e legitimadas do que
hoje. As classes mdias urbanas se alargaram, tornaram-se menosdependentes do servio pblico e do paternalismo-filhotismo. A
natureza era explorada impunemente e a fumaa, de to volumo-
sa, veio sujar os cus embaixo dos quais pobres e ricos viviam.Rios lmpidos aos poucos viraram lodo, recursos naturais foram
dizimados, inclusive na poca da Segunda Guerra Mundial, e os
ndios sofriam com os invasores civilizados, que os fascinavam,especialmente com os seus equipamentos, porm que devoravam
os recursos das suas terras, desintegravam as suas culturas e ostransformavam em mo de obra barata.
Antes mesmo do fim da Segunda Guerra Mundial, o estadodemocrtico de direito comeou a restabelecer-se, com a queda
de Getlio Vargas e a Assembleia Constituinte de 1946, aps qua-se uma dcada de governo ditatorial, o Estado Novo (1937-1945).
Num pas desigual, o estado de direito mais parecia uma planta
mirradinha, que tenta medrar numa dobra das pedras, buscandoesticar as suas razes por aqui e por ali. Entre crises de vrios lados,
o eixo dinmico do Brasil mudou das exportaes para o merca-do interno. Foi assim que cresceu a indstria substitutiva de expor-
taes, em simbiose com o poder pblico, que a protegia da com-
petio internacional por meio de vrias polticas, em especial comos elevados impostos de importao. Essa aliana foi um pilar
fundamental para o nacional-desenvolvimentismo, que encontroua sua melhor expresso, depois do governo de Vargas (1951-54),
no de Juscelino Kubitschek (1956-1961), prometendo fazer e
at fazendo 50 anos em cinco. Esta perspectiva foi aberta porGetlio, o divisor de guas, que, antes da crise final, culminando
com o seu suicdio, criou a Petrobrs e a Eletrobrs. Nela se inse-riram, por chegarem depois, entre outros, Juscelino, Brizola e Darcy,
cada qual com a sua prpria fisionomia. Os dois ltimos ficaram
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na vertente urbana da aliana partidria, o Partido Trabalhista Bra-sileiro (PTB), que sustentava o poder de Getlio e assim o fez com
a presidncia de Juscelino.Darcy, que era naturalista, no governo do ltimo tornou-se
tambm educador ao lado de Ansio Teixeira, no Inep de ento,
Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos. Entre as suas mo-destas preocupaes estava a escola pblica para todos, inclusive
para os pobres, coisa suspeitosa para muitos quela poca. Pes-
soas que assim pensassem s podiam ser comunistas. Entretan-to, o Brasil tinha um norte claro, afirmava a sua identidade nacio-
nal e lutava rumo ao desenvolvimento. A ideia modernista de pro-gresso era viva como uma tocha e havia amplo otimismo, com os
indicadores sociais e econmicos crescendo ano a ano.Como no se compreende o todo sem a parte e a parte sem o
todo, tudo isso se inseria num mundo de dois blocos, ocidente eoriente, conforme o mapa da guerra fria, blocos esses encabea-
dos, respectivamente, pelos Estados Unidos e pela Unio Soviti-
ca. A Segunda Guerra Mundial terminara numa paz armada, numacorrida armamentista, cujo pavor da guerra atmica, total, era o
maior limite para as superpotncias. Nessa falsa paz, cada blocobuscava expandir-se. O bloqueio de Berlim, a Guerra da Coreia, a
Revoluo Cubana, a crise dos msseis em Cuba e a Guerra do
Vietnam, da segunda metade dos anos 40 at ao decnio de 70,estenderam os limites do medo. Ao mesmo tempo, acentuava-se a
conscincia da ilegitimidade das diferenas sociais e entre os pasesdesenvolvidos e em desenvolvimento. Pairavam, pois, nuvens es-
pessas sobre o mundo e ocorriam furaces aqui e ali.
O caminho claro e otimista do Brasil foi interrompido por essetoldo de nuvens cor de chumbo e pelo acmulo das nossas contra-
dies socioeconmicas e polticas, que muitos preferiam no ver.O hbil e maneiroso Juscelino havia estabelecido uma aliana parti-
dria to eficaz que conseguiu conter as situaes crticas por cinco
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anos, inclusive tentativas de golpe de estado. Para isso, procurouatender a foras sociais diversas, estabelecendo um consenso provi-
srio. Ao assumir em condies difceis, talvez tivesse tampado umrombo no casco do navio, que depois veio a alargar-se. Do otimis-
mo se passou ao pessimismo quando a produo industrial princi-
piou a cair, reduziram-se as oportunidades de investimento, declina-ram os salrios reais e a capacidade de importao se limitou. Cons-
tatou-se com dificuldade que o modelo de industrializao substitutiva
de importaes estava esgotado: chegava o momento em que nose podia mais substituir importados com as tecnologias e o pessoal
existentes. Ao lado disso, o tradicional papel de arbitramento dasForas Armadas se transformou na ascenso dos militares ao po-
der, em plena tenso da guerra fria e do aumento da turbulnciapoltica no Brasil. Essa estratgia do arbitramento tem relaes com
uma mstica de salvao nacional, originria do final do sculo XIX(vejamos a proclamao da Repblica). Enquanto antes eles intervi-
nham e devolviam o poder aos civis, o cntaro tantas vezes foi
fonte que um dia se quebrou: decidiram assumir o poder e o man-tiveram por 21 anos (cf. Skidmore, 1969; Fausto, 2007, entre muitos
outros). Com isso, intelectuais como Darcy, Ansio Teixeira, PauloFreire e muitos outros tiveram de deixar os seus cargos. Foi o caso
de Darcy. Mas no o de Ansio, mais uma vez considerado comu-
nista, que permaneceu em ostracismo interno.Sucederam-se diversos acontecimentos, como a retomada do
desenvolvimento brasileiro, com a participao do capital pblicoe privado, nacional e internacional. Do ponto de vista poltico, o
regime se tornou ainda mais fechado a partir do Ato Institucional
n 5, de 1968. Enquanto o movimento estudantil na Frana esta-belecia, com grande vigor, novos padres de liberdade e no bus-
cava o poder, que chegou a ficar quase sua disposio, promo-vendo uma espcie de revoluo cultural (Castells, 2002), aqui os
estudantes faziam veementes protestos polticos, que se apagariam
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a fora a partir do fim de 1968. Como a primavera de Dubcek, naento Tcheco-Eslovquia, o Brasil mudou de clima. Enquanto isso,
o sonhador Darcy l fora semeava universidades, ao mesmo tem-po em que a sua primeira universidade, a de Braslia, mudava de
rumo, de cara e at de corpo.
O milagre brasileiro veio no bojo de nova onda de otimismonacionalista e, mais uma vez, durou pouco. Foi uma expresso cu-
nhada para descrever o rpido crescimento econmico, sob o con-
trole dos governos militares. Os anos 70 foram marcados por duascrises do petrleo, que deixaram grande parte do mundo em
polvorosa, mundo este que j caminhava a passos largos para aglobalizao, em detrimento do nacionalismo. A estagnao e a in-
flao vieram no rastro desses furaces. A Nova Direita, com assuas ideias relativamente neoliberais (nem tanto), ascendeu em pases
desenvolvidos, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Em facedas mudanas e dificuldades, a sua opo foi eficaz economicamen-
te, mas talvez tenha aprofundado a concentrao de riqueza em
duas espirais, uma para cima e outra para baixo: para uma parte dosricos, mais riqueza; para os pobres, mais pobreza e, para ao menos
uma parte das camadas mdias, os novos pobres.A persistente industrializao voltada para dentro, no Brasil e na
Amrica Latina, levou a modestos nveis de competitividade
tecnolgica e econmica, alm de problemas de balano de paga-mentos. O apoio estatal indstria, inclusive com muralhas impor-
tao, havia degenerado numa promiscuidade entre poderes pbli-cos e empresas, desembocando em relaes ambguas de controle e
apoio. Era muito mais cmodo industrializar produtos com tecno-
logias obsoletas, vendidos no mercado interno por alto preo, aopasso que os importados melhores tinham a sua entrada dificultada
ou impossibilitada em nome da grandeza nacional. Tentava-se con-tinuar a crescer com o apoio dos emprstimos externos: a iluso
dos abundantes petrodlares, a juros mveis razoavelmente baixos,
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o que conduziu ao endividamento irresponsvel. Quando os jurossubiram essa dvida se tornou um pesadelo: a maioria dos pases
latino-americanos passou de importadora a exportadora de capitalpara os pases desenvolvidos. Nos anos 80 o continente remeteu
cerca de 200 bilhes de dlares para os seus credores. Foi a chama-
da dcada perdida. Com isso, o crescimento econmico foi substi-tudo em certos anos pelo recuo do produto interno bruto, o de-
semprego aumentou, os salrios reais desabaram e as despesas p-
blicas, inclusive em educao, foram cortadas para dar lugar ao itemmais importante, o pagamento da dvida, alis, das dvidas externa e
interna (Gomes, 1993). Ao desabar o pilar econmico, agravou-se aeroso do regime militar. A abertura poltica, a anistia e outros fatos
desaguaram na volta ao poder civil, em 1985, com a sua transiosuavizada (cf. Skidmore, 1994; Couto, 1999, entre outros).
Antes disso, Darcy e outros exilados retornaram ao Brasil paraassumir de novo a vida poltica. Dessa maneira, as eleies diretas
para governador em 1982 constituram um divisor de guas. A opo-
sio venceu em vrios estados, inclusive no Rio de Janeiro, ondeLeonel Brizola e Darcy conquistaram os cargos, respectivamente, de
governador e vice-governador. A situao socioeconmica no pashavia se degradado e o crime organizado articulava-se com rapidez,
mais depressa do que o encolhimento do estado. Foi nessa conjun-
tura que o governo de Brizola buscou na educao de tempo inte-gral um remdio para fazer face ao empobrecimento e formao
humana, com desdobramentos vistos adiante.L fora do pas soprava um vendaval: alm da ascenso da
Nova Direita, caa o muro de Berlim sem um modesto piparo-
te. A Unio Sovitica se desmantelou, no por uma guerra, masporque no se sustentou antes as transformaes do mundo. Suas
pesadas burocracias no acompanharam a compresso do tempoe do espao e a consequente acelerao da histria, provocada
pela articulao cada vez maior das sociedades em rede. Apesar
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disso, os dogmas econmicos de competio, eficincia, entre ou-tros, bem como os formulrios para pases em desenvolvimen-
to, a exemplo do Consenso de Washington, tiveram o brilho deum meteoro riscando o cu no meio da noite. Discutia-se at o
fim da histria. Porm as solues no resolveram sacrifcios sem
resultados, ou com resultados para poucos (cf. Furtado, 2001).Os anos 90 foram pontilhados pela exausto do Brasil em face
de diversos planos econmicos fracassados, incapazes, desde os anos
80, de debelar a inflao galopante, cujas razes se conheciam muitobem, mas cuja maioria era intocvel, a comear pela indisciplina dos
gastos pblicos. A abertura econmica veio antes do Plano Real e daestabilidade financeira. Em seguida, a desestatizao e outras medi-
das foram aplicadas. O perverso imposto inflacionrio, que vitimaem especial os menos privilegiados, havia acabado. Na globalizao
ainda mais avanada as crises externas se sucederam. E o Brasil bus-cava eleitoralmente um leque de novas opes, uma aps outra,
carregando o nus das desigualdades sociais.
Nessa conjuntura, em 1990 Leonel Brizola se elegeu outra vezgovernador do Estado do Rio de Janeiro e Darcy obteve a cadeira
de senador. Em meio torrente de mudanas, desenrolou-se o seumandato na Cmara Alta, com diversas iniciativas legislativas, das
quais a mais importante foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional, chamada Lei Darcy Ribeiro. Como foi assinalado, ele es-tava no Legislativo, mas no perdia a tentao executiva, dedicando-
se principalmente aos Cieps e Universidade Estadual do NorteFluminense. Andava como um pndulo para l e para c, sobretudo
entre Braslia e Rio, at o agravamento das suas condies de sade.
Seu mandato se encerrou com a morte em 1997. E o Brasil, emmeio a crises econmico-financeiras externas, uma aps a outra,
procurava equilibrar-se como casca de noz no mar encapelado.
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A formao de Darcy
Darcy Ribeiro nasceu em Minas Gerais. Filho de professora
primria, Dona Fininha, foi criado sem o pai, falecido quando tinha
trs anos de idade. Em seu lugar, ficou um tio como tutor. Inquietoe rebelde, contava orgulhosamente que, na infncia, com um colega,
colocou a sua cidade em apuros, quando ambos jogaram azul demetileno no reservatrio de gua da cidade. Traquinagens maiores
viriam depois.
Tendo completado a educao primria e secundria na cidadenatal, a biblioteca do seu tio, fazendeiro, era uma torre para o mun-
do, que a sua curiosidade logo perscrutou. Em 1939 foi para BeloHorizonte, chegando a frequentar o curso de Medicina, para aten-
der ao sonho de sua me. O sonho do seu tio era outro, faz-locontinuador do seu trabalho como fazendeiro, o que seria cmodo
para ganhar dinheiro e obter posio social sem sair do seu meio. O
rapaz, porm, no cabia em esquemas. Assim, no atendeu ao so-nho materno e muito menos ao do tio, que, aborrecido, o deserdou.
Apesar disso, a capital mineira exerceu o seu papel intelectual, aoinici-lo no seu tempo histrico, nas angstias da poca. Multifa-
cetado, fez contatos com os comunistas e com a Igreja Positivista. Ocurso de Medicina lhe era muito estreito e foi mau aluno. Em com-
pensao, frequentava cursos na Faculdade de Filosofia, Cincias e
Letras, para abrir os seus horizontes.Como Belo Horizonte ainda era pequena para as suas inquietudes
e aspiraes, transferiu-se para o ambiente mais cosmopolita de SoPaulo. Valendo-se de uma bolsa de estudos, matriculou-se na Escola
Livre de Sociologia e Poltica, a convite do seu diretor, o eminente
socilogo Donald Pierson. Era a poca da Segunda Guerra Mundial,quando Getlio Vargas teve que se decidir por uma posio: ou o
Eixo ou os Aliados, com a liderana dos Estados Unidos. Em 1942os Acordos de Washington selaram a posio brasileira, no sem a
obteno de recompensas, em especial a fundao da indstria de
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base, com a Usina Siderrgica de Volta Redonda. Reforada pelosnovos laos, ou mesmo antes deles, a sociologia norte-americana se
difundiu, com a abertura de novas perspectivas cientficas, num pasde tradies intelectuais europeias.
A Frana, em especial, era a grande fonte inspiradora, tanto que
a Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de SoPaulo USP representava o humanismo de origem europeia, mes-
clando literatura e cincias sociais. Pelo seu projeto original, essa Fa-
culdade deveria ser o corao da universidade, formando inicial-mente os seus alunos, que prosseguiriam nas suas carreiras (Fvero,
1977). Inspirava-se na raiz da Universidade de Berlim, concebidapor Humboldt para a formao integral (Bildung) do homem de
cultura e cincias, cujo centro envolvia a filosofia, as cincias e asartes (Azevedo, 1963). Apesar de a USP ter essa rebeldia e haver
nascido da derrota de So Paulo na Revoluo Constitucionalista,como aposta no papel transformador da educao, Darcy procu-
rou outro caminho. Parece que no lhe agradava a erudio enciclo-
pdica do Brasil, em especial a que se cultivava em Minas Gerais.A Escola de Sociologia e Poltica era sistemtica e rigorosa, reunia
grandes crebros, numa viso plural e disciplinada, que estava sob ainspirao terica da famosa Escola de Chicago. Em lugar da erudi-
o, a pesquisa apresentava maiores perspectivas prticas. Darcy no
era de ficar por longo tempo pensando, mas considerava que, numpas independente, o intelectual deve fazer poltica. L ele fez o cur-
so de cincias sociais, com especializao em Antropologia, gradu-ando-se bacharel em 1945 e mestre em 1947. Os alunos mergulha-
vam no s na cultura importada, mas tambm na bibliografia bra-
sileira, alm de terem contato com famosas pesquisas de campo,levadas a efeito pela Escola e que mudaram o panorama brasileiro
nas reas de sociologia, antropologia e etnologia.Excelente aluno, porque afinal havia se encontrado, saiu da
Escola com bolsa de estudos para o doutoramento em cincias
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sociais na Universidade de Chicago. Para quase todos isso era comouma musa descer do Parnaso e aparecer em pessoa na capital
paulista: seguir carreira acadmica, completar os mximos estudosps-graduados numa das maiores universidades do mundo, viver
no exterior e, quem sabe, voltar ao Brasil para amplas oportunida-
des, j que quela poca era to difcil achar doutores como agu-lhas num palheiro. Para Darcy, no. A carreira acadmica lhe pare-
cia uma roupa muito apertada, muito sisuda, estreita e bem-com-
portada demais. Ao sair da Escola deixou clara a sua imagem derebelde como orador da turma de formandos, quando pronun-
ciou um discurso burlando a censura do Estado Novo, encabea-do por Vargas, e criando a sensao de que o diretor havia sido
trado, ou seja, que ouvira previamente um discurso posteriormentemodificado. Alis, Darcy, bem como Oracy Nogueira, eram alu-
nos brilhantes, mas, para desgosto de Donald Pierson, o diretor,eram militantes do Partido Comunista. quela poca Darcy orien-
tava uma clula de motorneiros em So Paulo, isto , profissionais
que dirigiam bondes (Bomeny, 2001). Mais tarde, ele verificou queo Partido era hierrquico e rgido demais e o deixou. Confinar-se
em ambientes restritos era para ele um tormento.
Darcy naturalista
Ao sair da Escola, precisava comear a vida profissional nummundo logo marcado pela bipolaridade da guerra fria, entre os
blocos dos Estados Unidos e da Unio Sovitica. Tendo vividonas metrpoles e se formado antroplogo, fez o percurso inver-
so: foi para o interior pesquisar as culturas indgenas. Com isso,
descobriu uma das razes ou matrizes do Brasil, os ndios consu-midos nos moinhos de gastar gente (Ribeiro, 1995).
O inspirador desta pele de Darcy foi o Marechal CndidoMariano da Silva Rondon. Este o admitiu em 1947 na Seo de
Estudos do Servio de Proteo aos ndios (SPI). No havendo
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concluiu que continuamos sendo ndios nos corpos que temos ena cultura que nos ilumina e conduz (Ribeiro, 1996, pp. 12-13).
Dessa fase resultaram numerosos ensaios publicados e o seuprimeiro livro Religio e Mitologia Kadiwu (1950), com o qual ga-
nhou o prmio Fbio Prado de Ensaios. No entanto, Darcy no foi
antroplogo de continuar na mesma trilha, fazendo pesquisa de cam-po e ocupando-se apenas dos pormenores das genealogias, estrutu-
ras de parentesco e temas afins. O inquieto de sempre tinha uma
viso ampla, capaz de integrar os fragmentos e ver o Brasil comoum todo, com os diversos circuitos que o incluam. As sociedades
indgenas foram a grande fonte inspiradora para a sua obra literriae antropolgica, em grande parte desenvolvida no exlio, especial-
mente os seus estudos de antropologia da civilizao. Da partiu umfilo cientfico, com notveis repercusses internacionais, de que um
dos pontos mximos As Amricas e a civilizao, publicado pela pri-meira vez em 1969. Nele Darcy investiga os fatores sociais, culturais
e econmicos que presidiram formao das etnias nacionais ame-
ricanas, tendo em vista identificar os fatores do desenvolvimentodesigual dos povos do continente. Para isso tomou como ponto de
partida as teorias do atraso e do progresso, abordou a expansoeuropeia, a transfigurao cultural americana e os diferentes povos,
para ter na linha de chegada os modelos de desenvolvimento aut-
nomo e os padres de atraso histrico. Escrito em 1967 e revistoposteriormente, um clssico, porm ainda no inclui os fatos e
impactos mais recentes da globalizao (sentido predominantemen-te econmico) e da mundializao (sentido predominantemente cul-
tural), sobre os quais Darcy estava bem ciente nos ltimos anos.
Alm dessa obra, vrias outras focalizaram os povos indgenas,como Os ndios e a civilizao, tambm integrante dos Estudos de Antro-
pologia da Civilizao (Ribeiro, 1979). Nesta examina, com base emfontes valiosas e diversificadas, a situao das reas culturais indge-
nas do Brasil em face das intervenes dos brancos e a consequente
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transfigurao tnica. Entre as suas concluses, ressalta que comouma formao capitalista de carter neocolonial que a sociedade
brasileira mais afeta os grupos indgenas, pela apropriao de suasterras para a explorao extrativista ou para formar novas fazendas
agrcolas e pastoris e pelo seu aliciamento como mo de obra barata
para ser desgastada na produo de mercadorias (Ribeiro, 1979, p.445). Nada mais atual, num processo ainda mais complexo, com as
referidas globalizao e mundializao. Em face disso, ressaltou que
aos grupos tribais sobreviventes abriam-se certas perspectivas deassimilao ou de persistncia como minorias tnicas em novo con-
texto nacional multitnico.Alm do filo da cincia, as experincias com essas razes do
Brasil levaram Darcy Ribeiro a outro filo: o da literatura. Pessoa demltiplas faces e talentos, revelou sua sensibilidade tambm em v-
rios romances. Na sua obra ficcional destaca-se Uir procura de Deus(Ribeiro, 1980). O personagem principal um ndio urubu, da re-
gio entre o Par e o Maranho, que, confuso com tantas influncias
mtico-religiosas, entra em desespero aps a morte de um dos seusfilhos, vitimado por uma epidemia de gripe, originada do homem
branco, a que os indgenas so vulnerveis. Por isso, ornamenta-secomo para uma grande festividade, sai pela floresta, acompanhado
da mulher e dois filhos, para apresentar-se casa de Mara e identi-
ficar-se ante esta divindade. Nessa busca, Uir acaba por alcanar acidade, onde maltratado pelos no ndios. Falando apenas a sua
lngua, acaba preso por policiais e solto por interveno do Servi-o de Proteo aos ndios. Humilhado e decepcionado com o mun-
do, Uir, sem conseguir apresentar-se a Mara, se suicida, lanando-
se ao rio Pindar, onde devorado por piranhas.A fico foi tecida a partir de fatos concretos que o autor co-
nheceu de perto, ouvindo o relato da famlia, e nas lendas e mitos,como as sobre Mara e a cosmologia tupi. Este um dos smbolos
do relacionamento entre ndios e civilizao, que custou aos urubus,
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fora da fico, a perda de cerca de dois teros da sua populao.Retomando o fio em O povo brasileiro, Darcy refere-se ao arquiplago
cultural do pas, embebido nas culturas indgenas, e s suas redesaglutinadoras: a identidade tnica, no mais ndia, mas protobrasileira;
a estrutura mercantil colonial e a nova tecnologia produtiva. Con-
forme a sua expresso, havia uma incipiente cultura erudita, sobretu-do religiosa, de padro bsico. E trata da busca de identidade em
meio s mudanas. Da mesma forma que Uir, ao identificar-se
ante a divindade, afirma que eu sou de seu povo, o que comefarinha, todos ns, brasileiros, podemos dizer o mesmo: Ns
somos o povo que come farinha de pau (Ribeiro, 1995, p. 271).Desse modo, o ndio real, cientificamente pesquisado, de Darcy
se contrape ao ndio da literatura romntica brasileira, aquele quecontribura para a formao da identidade nacional e que, no
raro pelos modos e atitudes, parecia um europeu no cenrio dafloresta. srie de perspectivas acrescentou-se o ndio de Darcy, o
ndio em aculturao, marginalizado, protegido (quer dizer, do-
mesticado), dotado de cultura riqussima, porm sofredor do avan-o das fronteiras econmicas e das doenas fsicas e morais do
homem branco. Era um ndio investigado pela razo da pesquisa,mas tambm um ser percebido nas emoes, nos sentimentos de
Darcy por eles e vice-versa. Inesquecveis no exlio e na cidade, ele,
o homem branco amigo, lembrado quando a morte se aproxi-ma daquele que tinham conhecido dcadas antes. Pelo amigo e
antroplogo beira do desenlace fazem pajelanas, com o quesobrou da originalidade da sua religio e magia. Deram o que
estava no fundo das suas existncias por aquele que registrou, ana-
lisou e lutou pela sua autenticidade. O cncer avanava, mas a lem-brana mtua era imarcescvel. Quantos cientistas, mesmo vendo
os fatos sociais como coisas, gostariam da liberdade de construiresse elo, sem medo de abrir reciprocamente a alma com os seus
pesquisandos-pesquisadores, sujeitos, no objetos...
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Significativamente, emMara(Ribeiro, 1993), nome da divin-dade criadora, heri-civilizador do povo tupi, a quem os indge-
nas atribuem a criao do mundo, o autor conta a vida do povomairum, da tribo Urubu-Kaapor, cuja vida e identidade foram afe-
tadas pelo contato com os brancos. A obra narra a perda de iden-
tidade indgena do personagem Isaas, em retorno tribo. Prepa-rado para o sacerdcio catlico, ele se encontra na rea cinzenta de
interpenetrao entre dois mundos, sem pertencer de verdade a
nenhum deles: nem pode ser padre dos brancos, nem mais ondio de antes, embora os seus o esperem como novo tuxaua. O
livro desfere crticas sutis falta de tica dos brancos, em geral, noscontatos com os indgenas, incluindo igrejas e o prprio Servio
de Proteo aos ndios. Estas duas formas de interveno prote-cionista so cientificamente analisadas, por exemplo, em Os ndios e
a civilizao (Ribeiro, 1979). Desse modo, os dois files cientficoe literrio apresentam intersees, cada um com a sua linguagem
peculiar, tendo como interesse comum o drama e, em certos ca-
sos, a tragdia dos contatos entre brancos e ndios, isto , entre oque se afigura serem os fortes e os fracos.
Por sua vez, Utopia selvagem(Ribeiro, 1982) uma fbula sobreum tenente do Exrcito capturado na selva amaznica por uma
tribo guerreira, formada s por mulheres, que utilizavam os ho-
mens apenas como reprodutores, por elas possudos. Darcy re-futa a viso eurocntrica do Pe. Manoel da Nbrega e outros,
segundo a qual essas tribos eram compostas por lsbicas. Pitum,como o tenente foi chamado pelas ndias, bem tratado para
cumprir estritamente o seu papel. Depois de muito tempo, levado
para um passeio, reencontra o lugar onde fora capturado anterior-mente. Dois ndios so levados no lugar dele e Pitum aprisiona-
do por outra tribo, de homens e mulheres. Acusado do sumio deoutros indgenas, duas missionrias brancas conseguem desfazer o
mal-entendido. Mantido com a outra tribo, o relacionamento en-
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tre ele e as missionrias se torna cada vez mais difcil. Ele fala doperodo vivido na comunidade tribal de mulheres e as missionrias
contam sobre o mundo delas, que nada tem a ver com o quePitum conhecia antes de ser feito cativo. Por isso, ele considera que
elas so loucas e vice-versa. A histria termina com uma festa,
onde todos os participantes ingerem um mingau alucingeno edanam sem parar. Transformam-se em animais e tm relaes
sexuais entre si. Tanto danam que fazem a terra tremer ao ponto
de soltar-se da mata como uma ilha flutuante, percorrendo vrioslugares. Num local o Exrcito entra numa batalha area com a ilha
voadora. O tuxaua vence a guerra e parte para conferir a terra dasbrancas. Com isso, a fbula faz vrias referncias crticas ao mode-
lo de sociedade existente, evidenciando que as experincias comos indgenas perpassam a vida de Darcy Ribeiro: de um lado, ele
naturalista e ficcionista; de outro, naturalista e poltico.Foi desse modo que o nosso biografado atuou aps a convi-
vncia com os povos do interior do Brasil. Saindo de l, passou a
trabalhar no Rio de Janeiro, ento Capital da Repblica, onde, em1952, organizou o Museu do ndio, ainda no mbito do Servio de
Proteo aos ndios. Com o seu esfuziante carisma e os seus eternossonhos, conseguiu elevar os indgenas a questo nacional. Em 1954,
elaborou o plano de criao do Parque Indgena do Xingu, aprova-
do por Getlio Vargas, precisamente no ano do seu suicdio. Umano mais tarde organizou o primeiro curso de ps-graduao em
Antropologia Cultural, iniciativa pioneira e de grande vulto no pas.A fase de naturalista se fechou em 1957, em virtude de conflitos
crescentes com o Servio de Proteo aos ndios, este marcado pela
excessiva formalizao burocrtica, e tambm com antroplogos.Contudo, as disputas com esses setores no o impediram de ser
eleito presidente da Associao Brasileira de Antropologia (1959),embora as polmicas tivessem sido reacesas na volta do segundo
exlio. A porta de naturalista abrira-se para a literatura, onde esta-
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beleceu tnues limites discursivos entre o ficcional e o real (Rosa,2002). Abrira-se tambm para a poltica e, agora, para a educao.
Darcy educador
Etnlogo e antroplogo, Darcy lana a ponte para a aplicao
das cincias sociais educao, novamente em atitudes ousadas. Corriaa presidncia de Juscelino Kubitschek quando encontrou outro grande
mestre, alm de Rondon: Ansio Teixeira, diretor do Instituto Naci-
onal de Estudos Pedaggicos Inep desde 1952 (at 1964). Esteera um dos luminares do movimento da Escola Nova, presente no
ensino brasileiro desde os anos 20 do sculo passado. Darcy, mem-bro de outra gerao, abraou ideais e posies da Escola Nova, ao
ponto de fazerem parte intrnseca da sua viso. Isso o tornaria oltimo expoente do movimento, refletindo-se sob muitas faces na
concepo dos Cieps, na Universidade Estadual do Norte Fluminense
e na segunda Lei de Diretrizes e Bases (Bomeny, 2001).Entre os dois personagens, Ansio e Darcy, havia guas que os
separavam e os uniam. Ambos haviam tido formao cientfica deorigem norte-americana, que mudara as suas perspectivas sobre o
mundo. Ansio havia sido discpulo do grande filsofo John Deweyno prdio, hoje mais que secular, de tijolos vermelhos escurecidos
pelo tempo, do Teachers College da Columbia University, ao norte
da cidade de Nova Iorque. L encontrara a Lincoln School, umaescola laboratrio para experimentao de mtodos educacionais
progressivistas. Tendo funcionado de 1917 a 1940 como escola ex-perimental de aplicao do Teachers College, esta era uma das esco-
las mais cuidadosamente observadas nos Estados Unidos. Ela foi
palco da produo e testagem de mtodos e materiais didticosque, segundo a filosofia abraada, facilitava as relaes entre os alu-
nos e o seu meio. Em sua volumosa bagagem intelectual, ao voltarde Nova Iorque, Ansio trouxe a proposta das escolas experimen-
tais tanto ao nvel mdio quanto ao nvel superior da formao
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docente. Por meio do Inep, ele conseguiu implantar vrias delas,enquanto as Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras em geral pro-
curavam associar teorias e prticas, na formao do magistrio.Durante o mestrado em educao na Columbia University, a
formao jesutica de Ansio (os jesutas queriam-no padre da
Companhia) fora revolucionada pelos novos mestres, ainda maispor Dewey, cuja obra teve impactos no Ocidente e at na Rssia
Sovitica. Assim se tornou admirador da escola pblica e demo-
crtica dos Estados Unidos e do entrelaamento entre teorias eprticas. Darcy, por sua vez, como vimos, recebera a formao de
antroplogo por uma Escola que modificava tambm a visobrasileira erudita e tradicional. Aprendera a fazer pesquisa e, tam-
bm, a relacion-la com as prticas. Ambos, cada um a seu modo,tinham profunda preocupao com o povo brasileiro.
Ansio era um liberal que trabalhava to denodadamente pelatransformao da escola e da sociedade brasileiras que foi silenci-
ado como perigoso intelectual esquerdista, tanto pelo Estado Novo,
de Vargas, quanto pelo movimento militar de 1964. Depois, namais recente redemocratizao do pas, foi difamado por uma
parte da esquerda como pessoa de direita, tal como Darcy chegoua ser criticado por defender uma avanada Lei de Diretrizes e
Bases. Quanto a Ansio, tambm sofreu postumamente interpreta-
es acadmicas equivocadas da sua obra, considerando-o algumde direita e at reacionrio. Tudo isso tem como raiz o
apequenamento da viso, que, na nsia de simplificar a complexi-dade, afixa rtulos em pessoas que largamente os transcendem.
Por sua vez, Darcy, ao contrrio de Ansio, havia sido militante do
Partido Comunista, em cujas rgidas doutrina e hierarquia no pu-dera se enquadrar por muito tempo, como rebelde que sempre
foi. Amadurecido pelas vivncias tanto no interior brasileiro quan-to na sua face urbana, o naturalista estava ligado ao trabalhismo
getulista e a Juscelino Kubitschek, candidato do Partido Trabalhis-
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ta Brasileiro e do Partido Social Democrtico (PTB e PSD), que vencera as eleies presidenciais de 1955, em parte significativa
graas reviravolta causada pelo suicdio de Getlio.As posies polticas de ambos os educadores lembram a pa-
rbola do homem e do burro: como quer que conduzisse o burro
e a carga, desagradava a opinio pblica. Ansio seguia o iderioliberal-democrtico e pregava a escola para o povo, uma modesta
escola primria de no mnimo quatro anos para o rico e para o
pobre, a fim de formar brasileiro e cidado. Num ainda obscuropas emergente, isso equivalia a um grito revolucionrio e subver-
sivo. O que era lquido e certo nos pases ocidentais industrializa-dos, aqui era uma ameaa s elites. Dessa maneira, por duas vezes
pelo menos levou a fama de comunista sem proveito. Darcy, aocontrrio, havia sido comunista quando estudante e a fama o acom-
panhou, para alguns, at o fim do seu mandato de senador, talvezat o seu esquife, velado no Salo Negro do Congresso Nacional.
Seria divertido, se no fosse srio, ver, numa votao no Senado, a
sbita e meterica aliana entre setores bem direita e bem es-querda para derrubar a Lei de Diretrizes e Bases: para os primei-
ros, Darcy, mesmo canceroso, ainda era um subversivo de altapericulosidade; para os ltimos, era tambm um perigoso doido
que, depois de virar a casaca, propunha uma Lei para eles
direitista ou neoliberal. Enfim, Ansio e Darcy pareciam sub-versivos aos olhos de uns e superversivos aos olhos de outros.
No se pode agradar a todos ao mesmo tempo. Por isso, ambospagaram alto preo.
Apesar dos denominadores comuns, havia l as suas diferen-
as entre Ansio e Darcy. Um desconfiava do outro pelo que era epelo que tinha sido (cf. Bomeny, 2001), mas terminaram por se
dar bem na riqueza das suas diversidades. Para Ansio, com umaponta de ironia, Darcy tinha a ousadia por no saber tanto; para
Darcy, Ansio era um mestre, meu filsofo da educao:
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Ansio foi a inteligncia mais brilhante que conheci. Inteligente equestionador, por isso filsofo. Era tambm um erudito, at demais.S conseguiu entender meus interesses pelos ndios, quando o fizcomparar alguns deles com os atenienses e espartanos. Tamanho e tofrondoso era o saber de Ansio, que ele, muitas vezes, parava, incapazde optar entre as linhas de ao que se abriam sua inteligncia. Nessasocasies, eu, em minha afoiteza, optava por ele, que, malvado, dizia: Darcy tem a coragem de sua incincia (Ribeiro, 1994).
No profcuo contato com Ansio, Darcy, segundo uma das
suas bigrafas, pde confirmar as suas suspeitas a respeito do Brasilou dos fundamentos por que o pas deu errado (Bomeny, 2001).Se os ndios lhe desvelaram um Brasil desconhecido, a influncia
de Ansio acentuou a sua preocupao com um pas manchadopela escravatura, cuja Repblica fracassara, no por acaso, em alfa-
betizar e educar o povo, numa certa continuidade da escravaturaque, ao ser abolida, derrubara o Imprio. o que se refletiria,
inclusive, em O povo brasileiro (Ribeiro, 1995).
A educao no perodo de Ansio e Darcy
O que era, afinal, a educao brasileira decnios antes do com-promisso de Educao para Todos, da Unesco e seus pases-mem-
bros, em 2000? Em primeiro lugar, este documento pareceria a
muitos uma estrondosa revoluo no mundo da guerra fria. Emsegundo lugar, os indicadores educacionais eram sofrveis. Os Cen-
sos de 1950 e 1960 mostram que o Brasil tinha, respectivamente,51,5% e 39,7% de analfabetos de 10 anos e mais. No meio do
sculo passado pouco mais da metade das crianas, apesar da
distoro idade-srie, estava matriculada na escola primria. Para
uma populao total de 51,9 milhes em 1950, havia apenas 4,4milhes de matrculas no ensino primrio comum, ao passo que, em1960, para 60,9 milhes de habitantes, tnhamos apenas 7,5 milhes
de estudantes no mesmo nvel de ensino. Isso tudo com um rpidocrescimento populacional, segundo o IBGE, de 43,5 nascidos vivos
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por 1000 em 1950 e 39,7 por 1000 em 1960. O ensino mdio erapior ainda, apesar da corrida das matrculas frente da populao:
em 1950, havia pouco mais de meio milho de matrculas; em 1960,eram 1,2 milho. O ensino superior, como se denominava, tinha
pouco mais de 44 mil estudantes. Apesar de o ensino primrio co-
mum ter crescido cinco vezes entre 1968 e 1993, pode-se dizer queeram todos privilegiados, numa sociedade onde a populao rural
era elevada e migrava cada vez mais para as cidades (cf. Hasenbalg,
2003). Por isso mesmo, Ansio escreveu Educao no privilgio(Teixeira, 1994) e, em seguida, Educao um direito (Teixeira, 1996).
Representada em grfico, a distribuio dos alunos por srie nose parecia com uma pirmide: pior ainda, tratava-se de um fino e
ignominioso obelisco, com os tradicionais abandono, evaso erepetncia. A educao primria rural encontrava-se na pior situao
frente aos outros nveis e reas, seguida pela educao nas grandescidades, nos locais onde moravam os migrantes do campo e onde
a escola de alvenaria, com o mnimo de professores e equipamentos,
demorava a chegar.Do ponto de vista legal, a educao brasileira seguia ainda as leis
orgnicas do Estado Novo (1937-45). A reforma de FranciscoCampos, em 1931, havia oferecido organicidade ao ensino mdio,
que antes disso ainda refletia as aulas rgias dos tempos de Pom-
bal, quando os alunos faziam cursos desagregados na medida dassuas possibilidades: a Primeira Repblica (1889-1930) havia oscilado
de reforma em reforma sem apagar os vestgios da educao colo-nial. O ensino primrio tinha muitas escolas de um s professor e
uma sala de aula, muito mais que hoje. Nas regies mais populosas
estas salas se associavam para formar os grupos escolares. O ensinonormal, preparando professores para o primrio, tinha ilhas de ex-
celncia, sobretudo nos institutos de educao, porm a matrculaera insuficiente e a interiorizao das professoras e professores mais
ainda. Como o ensino primrio era predominantemente a educao
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do povo, seu grau de descentralizao era maior, aos cuidados dasburocracias estaduais (cf. Azevedo, 1963). Quanto ao ensino mdio,
especialmente o secundrio, destinado em princpio preparaodas elites, havia o rigor do poder da Unio. A inspeo federal che-
gava a rubricar as provas parciais e finais dos alunos, entre ou-
tros ritos solenes. Traava-se um dualismo entre a educao de massae a educao das elites.
Do ponto de vista formal, o ensino secundrio, preparatrio
para o superior, destinava-se aos mais privilegiados, enquanto o en-sino profissionalizante, at 1953 sem permitir acesso ao superior,
era destinado aos alunos da massa que sobreviviam mortandadeda reprovao e evaso do primrio. Eram as escolas para os nos-
sos filhos e para os filhos dos outros, conforme a expresso deAnsio Teixeira. De acordo com o velho gradualismo brasileiro, na-
quele ano de 1953, a Lei de Equivalncia deu meio passo frente epermitiu o acesso dos ramos profissionalizantes a certos cursos su-
periores do mesmo campo de conhecimento. Bem antes, nos anos
40, quando os filhos dos outros perceberam que o ensino secun-drio era mais valorizado, trataram de matricular nele os seus filhos,
ainda que em escolas particulares. Com isso, as matrculas ao nvelsecundrio se expandiram mais depressa e o ensino profissionalizante
ficou com uma pequena proporo do total do nmero de alunos
do ensino mdio. Enquanto isso, a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cao Nacional era discutida desde 1947 e s viria a ser aprovada
em 1961, pouco antes de Darcy tornar-se ministro da Educao.Esta descentralizou a educao bsica e, ao menos na letra, acabou
com o dualismo entre ensino secundrio e profissionalizante (cf.
Romanelli, 1978; Gomes, 2000), j que todos os ramos do ensinomdio davam formalmente acesso a todos os cursos superiores.
A maior herana renovadora da educao nacional era a Es-cola Nova, que ganhou corpo e consistncia ao fundar-se a Asso-
ciao Brasileira de Educao, em 1924, na Capital da Repblica,
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o Rio de Janeiro. O arco profissional e ideolgico dos seus associ-ados era muito amplo. Talvez o seu mais importante denomina-
dor comum, que os unia, era a luta contra o conservantismo. En-tre a ascenso de Getlio Vargas ao governo provisrio, depois da
Revoluo de 1930, e a Assembleia Constituinte de 1933/4, este
movimento deu origem ao histrico Manifesto dos Pioneiros daEducao Nova, elaborado por Fernando de Azevedo e assinado
ao todo por 26 educadores, entre eles Ansio Teixeira (Azevedo et
al., 2007). Como grande divisor de guas, o documento, atual at osdias de hoje, considerava a educao um direito e exigia que o esta-
do financiasse a escola para todos, pblica, laica, obrigatria, gratui-ta, sem segregao de gnero (isto , fazendo a coeducao de me-
ninos e meninas) e adotasse um programa completo de reconstru-o educacional do Brasil, em lugar de reformas remediativas. Foi
tambm proposto o ensino primrio nico como base para o sis-tema educacional, alm de maior diversificao dos outros nveis,
inclusive o ensino superior.
Num pas em que o caf agonizava como maior produto para oexterior, o Manifesto era semelhante a um terremoto, pois no s
considerava a educao um direito humano, dever do estado, comotambm atingia os interesses das escolas particulares, j que as escolas
pblicas deveriam ser substancialmente expandidas para se tornarem
os sustentculos da educao brasileira. Com isso, aqueles que assina-ram e apoiaram o Manifesto podiam ser considerados de esquer-
da, elementos perigosos, que poderiam desmantelar a ordem socialtradicional, o que acabaram fazendo mesmo, para salvao do pas.
Apesar disso, a Assembleia Constituinte de 1933-1934, muito avana-
da para a poca, incorporou diversas ousadias dos Pioneiros. Entreelas, conforme Wellington de Jesus (2006), a vinculao de recursos
para a educao, proposta por Miguel Couto, membro da Associa-o Brasileira de Educao, para que o estado assumisse efetivamente
as suas responsabilidades. Alm disso, previu a elaborao do Plano
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Nacional de Educao, um planejamento de estado e no simples-mente de governos. E mais ainda: o regime de colaborao entre
esferas governamentais foi enfatizado pelo prprio Getlio Vargas,no seu discurso de abertura da Assembleia Constituinte.
Aps as trevas do Estado Novo, com o alvorecer da demo-
cracia, em 1945, voltaram muitas destas disposies. Apagadas esufocadas pela ditadura, foram inscritas na Constituio de 1946.
O prprio Ansio e outros proscritos e exilados retornaram, quan-
do, a essa poca, Darcy ainda completava o seu curso superior emSo Paulo.
Desse modo, com o convite de Ansio Teixeira para assumir adireo da Diviso de Estudos e Pesquisas Sociais do Centro Bra-
sileiro de Pesquisas Educacionais, do Inep (1957), Darcy passava aaplicar as cincias sociais educao e convertia-se pele de edu-
cador, em que se manteve at ao fim da sua vida.L, com o apoio especialmente da Unesco, organizou um cur-
so de ps-graduao para formar pesquisadores sociais e educa-
cionais e participou da revista Educao e Cincias Sociais (Cunha,1991). Tornou-se depois vice-diretor do Inep e, com Ansio, to-
mou a firme defesa da escola pblica na luta pela primeira Lei deDiretrizes e Bases (cf. Romanelli, 1978).
Deve-se recordar que, sem exagero, o Inep constitua um rgo
de alto nvel de excelncia, mais influente do que o ento Ministrioda Educao e Cultura, dotado de rgida e poeirenta burocracia.
Com os recursos do Fundo Nacional do Ensino Primrio, o Ineppassou a construir escolas nas zonas rurais, de fronteira e de coloni-
zao estrangeira, segundo a tica nacionalista de ento. Como parte
das verbas desse fundo era, no por acaso, vinculada ao aperfeioa-mento de professores, o rgo criou um sistema de cursos e bolsas
de estudo para o magistrio e, tambm, para habilitar e aperfeioarpessoal para as funes de administrao, documentao, inspeo,
orientao e pesquisa (BRASIL, 1956). Era de certo modo um
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teachers college incomensurvel,ramificado por todo o pas-conti-nente, a fim de assegurar no s a expanso das vagas, mas a demo-
cratizao do ensino de qualidade. Assim, formou uma elite de co-nhecedores e decisores em educao, com importante massa crtica
de conhecimentos e experincias, que marcou a vida brasileira. Ten-
do o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais como sede, espa-lharam-se pelas regies brasileiras os centros regionais de pesquisas
educacionais, atrevimento notvel para os anos 50, unindo cincia,
sobretudo social, e educao, num processo temerrio de renova-o, para alguns, em que predominava o explosivo entendimento
da educao como questo social. Em meio guerra fria, com asmtuas suspeitas dos blocos encabeados pelos Estados Unidos e
pela Unio Sovitica, percebe-se que a gesto de Ansio e Darcyandava numa corda bamba, por defender interesses pblicos, em
detrimento de interesses privados. Se havia encorajamento da edu-cao pblica, isso poderia resultar na sua estatizao completa, nos
moldes comunistas, uma distopia (oposto da utopia) muito alegada
pelos opositores. Para garantir razovel equilbrio dessa corda sum presidente moderado e moderador como Juscelino, com ouvi-
dos atentos ao clamor do povo e dos intelectuais.Embora as dimenses quantitativas fossem menores, para um
Brasil muito menos populoso que o de hoje, era de causar inveja,
na perspectiva dos dias atuais, ver a efervescncia da pesquisa dequalidade e os talentos formados pelo Inep, muitos inseridos na
carreira do servio pblico, produzindo frutos, guardando me-mrias e constituindo elos entre diferentes administraes, como
cabe precisamente ao servidor pblico.
Situado na ponte de comando de um rgo de proa, Darcyfoi convidado por Juscelino a organizar a Universidade de Braslia,
na direo da Comisso de Estudos da Universidade, cargo emque foi confirmado por Jnio Quadros (1961), seu sucessor. Ao
mesmo tempo, colaborava com Ansio Teixeira e Paulo de Almeida
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Campos no plano educacional de Braslia, que deveria dar luzuma utopia, a fim de superar tudo aquilo em que o Brasil falhara
antes e realizar a escola de tempo integral, semelhana do CentroEducacional Carneiro Ribeiro, em Salvador. J que se construa,
aparentemente do nada, uma nova capital, era uma imperdvel
oportunidade histrica de passar o Brasil a limpo e implantar so-lues para o futuro do pas, capazes de resgatar os erros do velho
Brasil. Tambm por essa concepo, a ideia da nova capital foi
frequentemente associada de utopia.
Darcy ministro
Entre setembro de 1962 e janeiro de 1963, Darcy Ribeiro foi o
ltimo ministro da Educao do parlamentarismo, no gabinete pre-sidido por Hermes Lima. Para isso contriburam poderosamente a
sua trajetria no Inep, a sua participao no Plano do Distrito Fe-
deral e a fundao da Universidade de Braslia. Tendo esses trunfose o alinhamento partidrio com o trabalhismo, ele exerceu a chefia
da pasta por este curto perodo at que, com base no plebiscito,fosse restabelecido o presidencialismo, no governo de Joo Goulart.
Ao assumir o cargo, Darcy logo apresentou ao Conselho de Mi-nistros o Programa de Emergncia do Ministrio da Educao e
Cultura para 1962, relativo ao ensino primrio e mdio.
Por que esse Programa de Emergncia? Como Darcy repetiaem suas comparaes internacionais, a situao educacional do Bra-
sil ficava muito atrs da Amrica Latina. De um lado, era baixo onmero de matriculados: menos de metade das crianas de sete a 11
anos se encontrava na escola primria. De outro lado, como se isso
fosse pouco, as tradicionais reprovao e evaso, altas em geral emais elevadas ainda nas primeiras sries, reduziam esse j pequeno
efetivo discente. Quanto ao ensino mdio, s nove entre cada 100jovens nele estavam matriculados. Era o que Darcy chamava repe-
tidas vezes de fruto da pedagogia tarada ou pervertida.
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No entanto, o evento de maior importncia foi o recebimentopelo ministro, em 21 de setembro de 1962, do Plano Nacional de
Educao, regulador da aplicao dos Fundos Nacionais de Ensi-no Primrio, de Ensino Mdio e de Ensino Superior, elaborados
pelo Conselho Federal de Educao. Como titular da Pasta, deter-
minou logo que, ao Plano, fossem adicionados os elementos bsi-cos da sua elaborao e os trabalhos consequentes, incluindo a
Proposta de Emenda ao Projeto de Lei Oramentria, para que
fossem encaminhados ao presidente da Repblica, ao Conselhode Ministros e ao Poder Legislativo. O planejamento era indito
para o Brasil: alm de cobrir o perodo de 1963 a 1970, estenden-do-se a mais de um governo, associava metas e recursos. Em ou-
tras palavras, era um plano de estado que fixava metas com di-nheiro previsto. Nem o vigente Plano Nacional de Educao (Lei
n 10.172, de 9 de janeiro de 2001) chegou a esse nvel, limitando-se a dispor sobre o aumento de recursos para a educao em face
do Produto Interno Bruto. A Carta de 1934, na poca a mais
avanada que o Brasil teve, determinava a elaborao de um planonacional de educao, no de governo, mas de estado, pois reco-
nhecia que no se podiam fazer planos imediatistas se os retornoseducacionais demoram muitos anos: preciso semear paciente-
mente, passar por todas as etapas, para, afinal, colher os frutos.
Cabe recordar que a implantao do Estado Novo em 1937,com uma Constituio outorgada e no promulgada (o poder a
entregou pronta nao, ao invs de elabor-la democraticamen-te), anulou aquela Constituio. Quando novo cenrio se descer-
rou, ao fim da Segunda Guerra Mundial, o Brasil aprovou uma
Carta Magna que estatua como competncia da Unio legislarsobre as diretrizes e bases da educao nacional. Mais ainda, trata-
va de um sistema educacional binrio, composto pelos sistemas deensino federal e estaduais. Era o sopro da democracia e da
descentralizao. Quinze anos depois se aprovou a Lei de Dire-
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trizes e Bases (n 4.024, de 20 de dezembro de 1961), que sepulta-va de vez o centralismo da Reforma Capanema, criava o Conse-
lho Federal de Educao (vejamos bem: federal, porque o estadoera federativo e no unitrio) e vinculava recursos aos Fundos Na-
cionais do Ensino Primrio, Mdio e Superior. A Lei havia sido
um grande passo, o desembocar de um longo rio, justamente noano anterior sua gesto. Ansio e Darcy haviam participado in-
tensamente do debate, em defesa da escola pblica. Desse modo,
Darcy comungou mais uma vez com as propostas da Escola Novae parcialmente honrou o que fora disposto na Lei Maior de 1934.
Constitudo o Conselho Federal de Educao, um colegiado deverdadeiros conhecedores da rea, logo ps mos obra no Plano
Nacional de Educao. Consta que o presidente da Repblica, nofogo cruzado de numerosas indicaes polticas, resolveu nomear para
comp-lo somente pessoas que detinham notrio saber, conforme aLei de Diretrizes e Bases. Entre os conselheiros estava Ansio Teixeira,
que se tornou o relator do Plano. Esse primeiro Plano Nacional de
Educao se preocupava pioneiramente com o custo por aluno, aoestabelecer que os salrios dos professores, no ensino primrio, com
turmas de 30 alunos, deveriam obedecer ao salrio mnimo regional,correspondendo a 70% da despesa total com esse nvel de ensino.
Onde os salrios estivessem abaixo, a Unio os complementaria, por
meio da sua colaborao financeira e tcnica. Alm do alcance socialdo salrio-mnimo, ele servia como um indexador num perodo de
inflao crescente e, depois, galopante. Os estados deveriam apresen-tar os seus planos de aplicao de recursos, que seriam calculados em
30% diretamente proporcionais populao escolar e em 70% inver-
samente proporcionais sua rendaper capita.Ao mesmo tempo, sepromovia a qualidade e a igualdade de oportunidades do ponto de
vista geogrfico. O ensino primrio tinha como meta, at o fim doPlano, matricular 100% das crianas de sete a 11 anos de idade e 70%
da populao escolar de 12 a 14 anos, visto que o Brasil havia assinado
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compromissos internacionais de estender o ensino primrio para adurao de seis anos. O ensino mdio previa matrcula de 30% da
populao de 11 e 12 a 14 anos nas duas primeiras sries do cicloginasial; matrcula de 50% do grupo etrio de 13 a 15 anos nas duas
ltimas sries do ciclo ginasial, e matrcula de 30% da faixa de 15 a 18
anos de idade no ciclo colegial.J nas metas qualitativas, alm da acentuada preocupao com
o aperfeioamento e a formao de professores, vinha o sonho da
perigosa dupla: a quinta e a sexta sries (que o Brasil acrescentaria escola primria), pelo menos, deveriam oferecer dia completo de
atividades; ao ensino mdio caberia incluir o estudo dirigido e dila-tar o dia letivo para seis horas de atividades escolares, compreen-
dendo estudos e prticas educativas (PLANO..., 1994) e o ensinosuperior teria o dever de contar, no mnimo, com 30% de professo-
res e alunos de tempo integral, conjunto de ousadias sociopolticasavanadssimo para a poca. interessante notar que, trinta e pou-
cos anos depois, Darcy utilizava grande parte dessa terminologia e a
integrou, com o sonho da escola de tempo completo, tanto no seuProjeto de Lei de Diretrizes e Bases (Ribeiro, 1992), como no seu
substitutivo, na qualidade de relator, votado no Senado.Quanto ao primeiro Plano Nacional de Educao, foi homo-
logado em outubro de 1962. Dirigindo-se ao Conselho Federal
de Educao, Darcy, o libertrio de sempre, revelou clara pers-pectiva do alcance histrico de dois momentos da educao nacional
(PLANO.., 1994, pp. 202-203):
O primeiro foi a promulgao (...) da Lei de Diretrizes e Bases daEducao, que devolveu aos educadores brasileiros a possibilidade
de errar e, com ela, de acertar tambm [referia-se descentralizao].At ento, o Ministrio da Educao deveria funcionar como umcartrio de verificao de exigncias que as escolas eram obrigadas acumprir docilmente, at o ponto em que muitas acabaram por teramor a essa condio de docilidade. A verdade, entretanto, que, poresse sistema, no se acertava, mas se errava sempre. (...)
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Com as supostas expectativas de redemocratizao do pas,retornou ao Rio de Janeiro no ano de 1968, quando o movimento
estudantil bradava nas ruas abaixo a ditadura. Considerou queno podia se omitir numa conjuntura como essa. No entanto, como Ato Institucional n 5, baixado ao fim do ano, em 13 de dezem-bro, foi preso por nove meses, primeiro na Fortaleza de SantaCruz e, depois, na Ilha das Cobras (1968-1969). Novamente foiabsolvido, dessa vez por um tribunal militar, por falta de provas
da sua suposta elevada periculosidade. No entanto, sentindo-sepressionado, teve que voltar ao exlio (1969-1974), transferindo-separa a Venezuela e mudando de pas em pas, medida que gover-nos de esquerda deixavam o poder, como no Chile e no Peru, emmeio ao cruel jogo de domin da guerra fria.
Esta saga de cores tristes foi luminosamente pontilhada de
trabalhos acadmicos. Darcy j era um autor de renome na etnologiae na antropologia. Elaborado com o respaldo de Ansio, o PlanoDiretor da Universidade de Braslia passou a ser visto como cons-trutor de uma instituio avanada, sem o rano das velhas estru-turas, o que era uma aspirao de numerosos grupos em pases da
Amrica Latina. Efetivamente, as transformaes propostas e in-
terrompidas em sua realizao, superando distores seculares, tra-ziam significativos avanos.
A participao de Darcy no corpo docente de nvel superiorcomeara ao assumir a cadeira de etnografia brasileira e lnguatupi, na ento Faculdade Nacional de Filosofia da Universidadedo Brasil (1955). L conhecera bem as grandezas e mazelas da
nossa educao superior, em particular numa entidade quase feu-
dal, um agregado de faculdades existentes.Em Montevidu, Darcy foi contratado como professor de
antropologia da Faculdade de Humanidades e Cincias da Uni-versidade da Repblica Oriental do Uruguai (1964), onde maistarde recebeu o ttulo de doutor Honoris Causa(1968). Era a pri-
meira etapa do exlio. Na segunda, aps a priso e a absolvio,
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seguiu para a Venezuela, onde foi contratado como professor daUniversidade Central da Venezuela. Em 1971 o presidente socia-
lista Salvador Allende pediu a sua presena no Chile, onde ocupouo cargo de professor do Instituto de Estudos Internacionais da
Universidade do Chile e tambm assessorou o presidente. Antes
de ocorrer mais um conflito, isto , a deposio de Allende em1973, Darcy se mudou para o Peru, onde dirigiu o Centro de
Estudos de Participao Popular. Nesse caso, o presidente Juan
Velasco Alvarado (1968-1975) encabeou uma Junta Militar quedeps o presidente Belande Terry. Sua orientao, ao contrrio
de outros governos militares do Continente, era de esquerda, naci-onalista e estatizante.
Foi quando, em 1974, Darcy detectou um cncer pulmonar. Noquerendo fazer a cirurgia fora do Brasil e temendo morrer longe da
sua ptria, foram entabuladas difceis negociaes com o governomilitar, para que ele pudesse viajar em segurana. Ainda assim, che-
gou a ser preso no aeroporto. Perguntado pelos jornalistas sobre o
fato de ter convivido na priso com dependentes de drogas e outraspessoas situadas fora da lei, respondeu que era antroplogo e apro-
veitava para observaes e conversas interessantes.Uma vez realizada a cirurgia, as presses sobre ele aumenta-
ram. Teve ento que retornar a Lima em 1975, ltimo ano do
governo de Velasco Alvarado, onde reassumiu a direo do refe-rido Centro de Estudos da Participao Popular. Comeava a ter-
ceira etapa do exlio. Nesse interregno, a pedido do presidenteMax Lus Echeverra Alvarez, do Mxico, elaborou o plano para a
Universidade do Terceiro Mundo.
Nesse exlio, dividido em trs tempos, alm de escrever gran-de parte da sua obra, com relevante repercusso no exterior e no
Brasil, Darcy ficou conhecido como construtor de universidades. Alm de propostas de mudanas na Universidade da Repblica
Oriental do Uruguai, na Universidade Central da Venezuela e ou-
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tras, em 1972 publicou plano para a Universit des SciencesHumaines dAlger. L, associado tambm a Oscar Niemeyer, bus-
cou mais uma vez utilizar a arquitetura para consolidar uma novaproposta pedaggica e administrativa, similar em grande parte
do mestre Dr. Ansio.
Na verdade, Darcy foi mais semeador que construtor de uni- versidades. Algumas sementes germinaram; outras, no, e ainda
outras geraram rvores tortas, que cresceram no sentido oposto
ao do sol. Pela acomodao ou por fatos histricos incontornveis,buscaram a treva em lugar da luz. Em vrios casos, no competiu
a ele executar os planos. Em outros, teve a possibilidade de execut-los, de modelar a realidade, como um escultor cria a sua obra a
partir de estudos prvios; no entanto, os resultados ao menos emparte se afastaram do intencionado. O diapaso da personalidade
e da obra de Darcy envolvia o sonho e a persistncia (at teimo-sia
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