Titulos de Credito

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  • TTULOS DE CRDITOPROFESSOR: CSSIO MACHADO CAVALLI

    2 EDIO

    ROTEIRO DE CURSO2010.1

  • SumrioTtulos de Crdito

    1. InTRODUO ..............................................................................................................................................................................3

    2. PlanO DE aUlaS .........................................................................................................................................................................5

    AULA 1. Caracterizao do mecanismo jurdico comum de financiamento da empresa pela mobilizao de crditos. ............................................................................................................ 6 BLOCO DE AULAS 2 Caracterizao do mecanismo jurdico cambirio de financiamento da empresa pela mobilizao de crditos ...........................................................................17 AULA 2. Identificao de ttulos de crdito tpicos e atpicos ....................................................... 18 AULA 3: A circulao dos ttulos de crdito como coisas mveis .................................................. 20 AULA 4: Direitos cambirios emergentes do ttulo ...................................................................... 27 AULA 5: A legitimao cambiria ................................................................................................ 32 AULA 6: A solidariedade cambiria ............................................................................................. 60 AULA 7: Caractersticas do mecanismo jurdico cambirio de financiamento da empresa pela mobilizao de crditos ........................................................................................................... 62 AULA 8: Caracterizao do mecanismo jurdico cambirio de financiamento da empresa pela mobilizao de crditos ........................................................................................................... 64 AULA 9. Classificao das declaraes cartulares .......................................................................... 68 AULA 10. Causalidade e abstrao das declaraes cambirias ..................................................... 70 AULA 11. Securitizao de ativos ................................................................................................. 82

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    TTulOs DE cRDITO

    1. introduo

    1.1. Viso geral

    O objeto da disciplina de ttulos de crdito consiste na investigao dos instru-mentos jurdico-dogmticos utilizados para o atendimento da necessidade econ-mica de mobilizao dos crditos como mecanismo de financiamento do exerccio da atividade empresria.

    1.2. objetiVos pedaggicos da disciplina

    a) Habilidades

    Desenvolverhabilidadesanalticasrelacionadascompreensocrticadate-oria geral dos ttulos de crdito.

    Desenvolverhabilidaderelacionadacompreensoeutilizaodosmecanis-mos jurdicos de mobilizao de crditos.

    b) competncias

    Elaboraodeanlisesjurdicas,depareceresepeasprocessuaisqueenvol-vam o tema de direito cambirio.

    Reflexoeanlisedadogmticacambiria. Identificaodettulosdecrdito. Identificaodosobrigadospelopagamentodeumttuloeosdiversosregi-

    mes obrigacionais aplicveis.

    c) atitudes

    Enfrentamentoproativodosdesafiosapresentados. Organizaodeagendaparadistribuioadequadadovolumedeleiturase

    tarefas.

    1.3. Metodologias

    De acordo com o objetivo pedaggico de cada aula e com as dinmicas prepa-radasparaaaula,seroadotadasdiferentesmetodologias,comomtodocaso,aulasocrtica,role playing,etc.

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    1.4. Mtodos de aValiao

    A avaliao ser realizada de acordo com os seguintes critrios:

    Preparaoeparticipaoemaula20%daprimeiranota. Exerccios30%daprimeiranota. Elaboraodeparecer50%daprimeiranota.Oparecercomearaser

    elaboradonaaula7,duranteadinmicadeaula,edeverserentreguenodiada aula 8.

    eMenta

    Ttulos de crdito: cesso de crditos; circulao dos ttulos de crdito. Identi-ficao dos ttulos de crdito: ttulos de crditos tpicos e atpicos. Fundamentos e caractersticas da circulao dos ttulos de crdito. A obrigao cambiria. Causa-lidadeeabstraonos ttulosdecrdito.Garantiascambiriasecambiariformes.Securitizao de ativos.

    Negotiableinstruments:transferofcredits;transferofnegotiableinstruments.Identificationofnegotiableinstruments:negotiableinstrumentstypical;negotiableinstrumentsatypical.Fundamentalsandcharacteristicsofthetransferofnegotia-bleinstruments.Obligationsinnegotiableinstruments.Causalityandabstractioninnegotiableinstruments.Guaranteesofnegotiableinstruments.Securitizationofassets.

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    2. Plano de aulas

    Bloco de aulas 1. MecanisMos jurdicos de financiaMento da eMPresa Pela MoBilizao de crditos

    introdUo ao bloco de aUlas 1

    Oblocoformadopelaaula1.

    objetiVo do bloco de aUlas 1

    Compreenso analtica e crtica das caractersticas da mobilizao dos crditos pela cesso civil de crditos.

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    aula 1. caracterizao do MecanisMo jurdico coMuM de financiaMento da eMPresa Pela MoBilizao de crditos.

    objetiVos pedaggicos da aUla 1

    a) competncias

    Reflexodogmtica.

    b) Habilidades

    GeraisConhecerodebatedogmtico.Compreender o impacto prtico do debate terico.

    EspecficasCompreender como ocorre o financiamento da empresa pela mobilizao dos

    crditos.Construir os contornos dogmticos da cesso civil de crditos.Construocrticadosbicesqueamobilizaodoscrditospelacessocivil

    pode acarretar ao financiamento da empresa.

    c) contedos

    1. Circulao comum dos crditos por cesso. 1.1.Regradalivrecessibilidadedoscrditos(CdigoCivil,art.286).1.2.Regraordinriadeteoriageraldodireitoprivadoacercadatransmissodas

    obrigaes:Nosepodecedermaiscrditosdoqueosdequesetitularnemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habeat eaaquisioderivadadoscr-ditos.Acessonegciojurdicopeloqualocedenteatribuiaocessionrioosseusdireitos,pretenseseaes.Osdireitos,pretenseseaescedidosaocessionriocontinuamlimitadospelasmesmasexceesqueeramoponveisaocedente(Cdi-goCivil,art.294)Acessodecrditoscomoumacaixadesurpresas.

    1.3.Regraordinriadeteoriageraldodireitoprivadoacercadalegitimao(art.6doCdigodeProcessoCivilc/cart.308doCdigoCivil).Oprincpiodare-latividadedoscontratoseocontratodecessodecrditos.Acesso,parasereficazemrelaoaodevedor,deveseraestenotificada(CdigoCivil,art.290),sobpenadeesteexonerar-sepagandoeficazmenteaocedente(CdigoCivil,art.292).Nacesso,alegitimaoordinria(CdigoCivil,art.308,c/cCdigodeProcessoCivil,art.6).Ocessionriodevedemonstrarasuatitularidadeeadaquelesquelheprecederamparaexercerodireito.Odevedorpodeoporaocessionrioafaltadetitularidadedequemlhetransmitiuocrdito(CdigoCivil,art.308).

    1.4.Regraordinriadeteoriageraldodireitoprivadoacercadaausnciadesoli-dariedade(CdigoCivil,art.265).Aplicaodestaregracessocivildecrditos:o

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    cedentenogaranteaocessionrioasolvnciadodevedor,masapenasaexistnciadocrditonomomentodacesso(CdigoCivil,arts.295e296).

    atiVidades de preparao do alUno (leitUra obrigatria)

    Leitura prvia de texto de apoio da Aula 1.

    pergUntas e proposies preparatrias

    Quaisosmecanismosjurdicosdequesepodedisporparafinanciaroexerccioda atividade empresria? Como a cesso civil dos crditos pode servir ao financia-mento da empresa? Quais as caractersticas dogmticas da cesso civil dos crditos? Quaisasconseqnciasqueestascaractersticasdogmticasacarretamnocustodofinanciamento da empresa pela mobilizao de crditos?

    Metodologia da aUla 2

    Aula socrtica.

    dinMica da aUla (atiVidade)

    Debate com a classe.

    atiVidade coMpleMentar (leitUra)

    GOMES,Orlando.Obrigaes.RiodeJaneiro:Forense.Captulo22Cessode Crditos.

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    texto de apoio da aUla 1

    necessidade de financiamento da empresa

    o instituto dos ttulos de crdito decorrente da necessidade econmica de realizarumaeficientealocaoderecursosprodutivos,medianteapossibilidadedeutilizao,nopresente,deriquezasfuturas.Aempresa,situaojurdicacomplexaformadaporumfeixedecontratospertinentesaummesmosujeitoque lhesddestinao unitria1,pressupe,paraquepossasubsistir,umadeterminadacadnciaentreasrelaesjurdicasqueaconformam.Nistoconsisteatarefadeorganizaodoempresrio.Assim,aovendermercadoriasouprestarserviosaprazo,realizaoempresriooperaesdecrdito,isto,realizaumesforoeconmicoatualmedian-teumacontraprestaofutura.Noentanto,enquantonorecebeopagamentodoquelhedevido,necessitaelecumprirnopresentediversasprestaesdecorrentesdeoutrasrelaesobrigacionais,como,porexemplo,pagarosalriodefuncion-rios,osfornecedoreseostributosgeradosemrazodaatividadeexercida.Setivesseoempresrioquefinanciarsuaatividadeapenascomrecursosprprios,certamenteteriaquereduziraquantidadedebensadquiridosparaofert-losnomercado,comaconseqentediminuiodovolumedesuaatividade.Teria,porconseguinte,maiordificuldadeemobterescalaparadiluiroscustosdasuaatividade,esuasmercadoriasseriamofertadasaummaiorpreo,commanifestoprejuzoaosclientes2e,acimadetudo,aodesenvolvimentoeconmico.

    Tome-se o seguinte exemplo para ilustrar a necessidade de financiamento da em-presa.AsociedadeempresriaXComrciodeAparelhosEletrnicosS.A.atuanomercadodevendaavarejodeaparelhoseletrnicos.Possuiemseuestoquequinhen-tos notebooks e oitocentos desktops,cujosvaloressomadosperfazemaimportnciadeR$2.300.000,00.Paraconseguircompetircomoutrasempresasqueatuamnomesmoramo,porocasiodasfestasnatalinas,pretendeaXComrciodeAparelhosEletrnicosS.A.organizarumagrandepromoo,pelaqualasmercadoriascom-pradaspoderoserpagasemdozevezesmensais,sementrada,sendoqueaprimeiraprestaodeverserpagaemtrsmesesdadatadacompra.

    Estima-sequeapromooserumsucessoeque,emmenosdeumms,terosidovendidostodososaparelhosqueaempresapossuiemestoque.Contudo,apsa promoo, a sociedade empresriaXComrcio deAparelhosEletrnicos S.A.necessitaradquirirmaismercadoriaspararevenda,mas,atqueos seusclientescomecem a realizar os pagamentos, a sociedade no ter recursos prprios parainvestir.Dessemodo,anteaprojetadaausnciademercadoriaspararevendereaimpossibilidadedeadquirirnovasmercadoriascomrecursosprprios,umaalter-nativaqueseapresentafecharasportasportrsmeses,atqueseinicieofluxodepagamentosdovalordasvendasrealizadas.Essaalternativa,noentanto,novivel,poistodososmesesdeveasociedadeempresriafazerfrenteacustosfixosevariveisnosquaisincorremesmosenoexerceraatividade,como,porexemplo,ossalriosdosfuncionrios,ostributosrelacionadossuaatividadeeascontasdeguaeluz.Poroutrolado,impe-seanecessidadedeserealizarumapromoomuito

    1 sobre a construo de um conceito jurdico de empresa a partir de uma anlise econmi-ca do direito, ver cssio cavalli, Reflexes sobre empresa e economia: o contedo jurdico da empresa sob uma anlise econmica do direito. Revista de Direito Mercantil Industrial, Econmico e Financeiro, v. 44, p. 250-256, 2006; e, tambm, calixto salomo Filho. O novo direito societrio. so Paulo: Malheiros, 1998, pp. 31 e ss.

    2 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: sa-raiva, 1943, p. 12.

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    atraenteparaosclientes,sobpenadeperder-seomercadoparaoutrosconcorren-tes,queestoadotandoestratgiasdevendasmuitoagressivas.Apresenta-se,aqui,portanto,anecessidadedeseobterrecursosparafinanciaroexercciodaatividadeempresria.

    Mecanismos jurdicos de financiamento da empresa

    Desponta,assim,otemadofinanciamentodaempresa:comopodeoempresrioquenodispederecursospresentesfazerfrentesobrigaesquecontraiuouquenecessitacontrairparaexerceraempresa?Paracumprirpontualmentesuasobriga-esoureunirgrandevolumederecursos,podeoempresriorecorreraexpedien-tesdediversanatureza,consistentesemnegciosjurdicosdefinanciamentopelosquaistomarecursosalheiosnecessriossatisfaodesuasnecessidades.

    Dessemodo,podeoempresrioadquirirdeseufornecedormercadoriasaprazo,obteremprstimobancrioouperanteinvestidoresprivados.Naprimeirahiptese,emqueoempresrioadquiremercadoriasaprazo,apenassetransfereanecessidadedefinanciaraatividadeaofornecedordoempresrio,quedever,porsuavez,en-quantonorecebeopagamentodopreocorrespondentevenda,obtermeiosparafinanciarsuasdespesas.Senodispuserderecursosprpriosenotiverquemlheforneainsumosacrdito,terasmesmasdificuldadesdescritasacimaparamanterouaumentarsuaescaladeproduo.Nasegundahiptese,dofinanciamentodaempresaporintermediaobancria,freqentementeoscustosdecaptaoeinter-mediao de recursos pelo banco tornam o valor das taxas de juros cobradas pouco atraentes para os empresrios.Na hiptese em que se viabiliza o financiamentodaempresaporemprstimosdiretosdeinvestidoresprivados,quantomaiorforoperododeduraodoemprstimo,menorseronmerodepessoasdispostasainvestir.

    evidentequetodasestasmodalidadesdefinanciamentodaempresasorele-vanteseconstituemimportantesinstrumentosjurdicosdisposiodosempres-rios.Sque,aqui,interessa-nosidentificarsuperficialmentesuasdesvantagens,paraquesepossadestacaraimportnciadamobilizaodecrditos,notadamentepelosttulosdecrdito,paraofinanciamentodaempresa.

    crdito

    Emtodososmecanismosjurdicosdefinanciamentodaempresaacimaindica-dos,encontra-sepresenteofenmenocreditcio.Umarelaodecrditopressupenecessariamenteoelementoconfiana,evidenciadonaprpriaraizetimolgicadapalavra3. Ademais, quem concede crdito realiza um esforo econmico presen-temedianteapossibilidadedeobterumacontraprestaofutura.Comefeito,hoperao econmica de crdito sempre que algum, por confiar noutro sujeito,entrega-lhe,nopresente,umdeterminadobemeconmicomedianteaconfianadequereceberumacontraprestaofutura.Dafalar-sequecrdito,emeconomia,consiste em uma dilao ou alargamento da troca.

    3 A palavra crdito encontra sua origem etimolgica no vo-cbulo latino creditum, credere, e assume o significado de con-fiana. Nesse sentido, confere crdito aquele que cr na pala-vra alheia.

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    Contudo,aquelequeconcedecrditonorealizaaoperaoapenasporconfiarqueodevedorrealizaraprestaoemummomentofuturo.Concedecrditopoissabequesuapretensotuteladajuridicamenteporumpliodeinstitutosjurdi-cos4queasseguramquelequeoconcedeapossibilidadederealizaofuturadocrditoconferido.Osignificadojurdicodocrditoconsiste,pois,navinculaodoativopatrimonialdodevedorsatisfaodointeressedocredor(CdigoCivil,art.391,eCdigodeProcessoCivil,art.591),quetitulardafaculdadedeagir(facultas agendi)sobreopatrimniododevedor,pormeiodoexercciodaao.Odireitotraa,assim,oscontornosdasrelaesdecorrentesdenegciosjurdicosou de outros atos jurdicos lato sensu,utilizadosparaarealizaodeoperaesdecrdito.Parareforar-seatutela jurdicadocrdito,sitambmvincular-seumdeterminadobemdo ativopatrimonial dodevedor satisfaodo crdito, pormeiodegarantiasreais,ouvincular-seoativopatrimonialdeumterceiro,quenoodevedororiginal,satisfaodaobrigao,pormeiodegarantiasfidejussrias.Damesmamaneira,muitasvezesutiliza-seumttulodecrditocomafunodegarantia do crdito5 para outorgar ao credor determinadas aes sobre o patrim-niododevedordequenodisporiacasonofosseaobrigaorepresentadaemumttulodecrdito.Nestaperspectiva,destaca-secomoumadasfuneseconmicasdos ttulos de crdito assegurar-se ao credor exercer aes mais enrgicas sobre o patrimniododevedor;funoestaque,noentanto,noexclusivaaosttulosdecrdito,masprpriaadiversosinstitutosjurdicosquecuidamdatutelajurdicado crdito.

    A realizao do crdito, porm, pressupe o elemento temporal6. Assim, pormaisenrgicasquesejamasaesconferidasaocredorpararealizarsuapretenso,devereleaguardarummomentofuturoemquepoderexerceraao.Esselapsotemporalquedeveaguardarocredordesestimulaarealizaodeoperaesdecr-dito,emrazodosriscosquepodemseconcretizarantesdadatadoadimplemento.Comefeito,aquelequeconcedecrditoficartantomaisvontadequantomaisfacilmentepuder,defuturo,encontrarquemeventualmentetomeseulugar7,demodoquedespontamparaasatisfaodaexignciaeconmicadofinanciamentodaempresaaquelesinstitutosjurdicosquecuidamdapossibilidadedemobilizao do crdito.

    Mobilizao do crdito

    Parafinanciaroexercciodaempresa,aoinvsdeadquirirmercadoriasaprazo,tomaremprstimobancrioouperante investidoresprivados,podeoempresriotransferir a terceiros o crditoquepossui contra seus clientes.Dessemodo, porexemplo,sepretendeadquirirmercadoriasperanteseufornecedor,poderemcon-traprestaooferecer-lheocrditoquepossuicontraclienteseu.Comisto,terob-tidoasmercadoriasdequenecessita,aopassoqueseufornecedorterrecebidoumbemconsistentenocrditoqueselhetransferiu,emcontraprestao.Quandodovencimentodaobrigao,onovocredorcuidardeexigirdodevedorovalorcorrespondente.Mas, se tiver a necessidade de obter recursos imediatamente, o

    4 Quanto tutela jurdica do crdito, ver Fernando Noronha, Direito das obrigaes. so Pau-lo: saraiva, 2003, p. 133 e ss.; e Juan carlos Palmeiro, Tutela ju-rdica del crdito. Buenos Aires: Astrea, 1975.

    5 Acerca da criao de cambial com funo de garantia, ver An-tonio Pavone la Rosa, La letra de cambio. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988, pp. 301 e ss.

    6 sobre o lapso temporal de durao do crdito disse com-parato: A importncia consi-dervel que assumiu o crdito na economia contempornea medida no somente em valor, mas tambm em durao pe-los prazos cada vez mais longos que vo sendo praticado em volume pelo nmero cres-cente de operaes a crdito concludas e em extenso pela sua aplicao a todos os setores da vida econmica, da produo ao consumo. Fbio Konder comparato, O seguro de crdito. so Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 9.

    7 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: saraiva, 1943, p. 12. No mesmo sentido, mas sob a tica do financiamento das sociedades annimas pela negociabilidade de aes, afirmou clark que a chief function of the free trans-ferability of corporate shares is to promote investor liquidity, and thus, indirectly to facilitate the capital formation process. Robert charles clark, Corporate law. Boston: little, Brown & company, 1986, p. 14.

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    novocredorpoderigualmentetransferirocrditoaterceiro,eassimsucessivamen-te.Poresteexpediente,osagenteseconmicospodemfinanciaroexercciodesuasatividadesacustosfreqentementeinferioresaosincorridosnasoutrasmodalidadesde financiamento da empresa.

    ,pois,daperspectivadamobilizaodocrditoi.,dacirculaodosdireitosquesehdeinvestigarateoriageraldosttulos,tendoemvistaqueaprimordialfunoeconmicadosttulosdecrditoconsisteemfacilitaraobtenodocrdito,pela possibilidade de sua rpida e segura mobilizao8.Servem,pois,osttulosdecrditoeconomiaparapossibilitararpidacirculao,comcertezaesegurana,doscrditoscertezaquantosuaexistnciaeseguranaquantosuarealizao9. quedireitoincerto,disseTullioAscarelli,direitoineficaz,elementoperturbadordasrelaesjurdicas,esoportantobenficososesforostendentesatorn-locertoe eficaz.10

    lei de circulao de bens

    Deregra,todososbens (sejammateriais,comoosbensmveisouimveis,sejamosimateriais,comoosdireitoscreditcios)sotransmissveis.Ouseja,sosuscet-veisdecirculaodeumpatrimnioparaoutro.Asregrasquedisciplinamatrans-misso de um bem do ativo patrimonial de um sujeito para o ativo patrimonial de outrosujeitoformamaquiloquesedenomina lei de circulao.Porlei de circula-oentenda-se,portanto,aqueleconjuntodeinstitutosjurdicosquedisciplinamatransmissodeumbemdaesferadetitularidadepatrimonialdeumsujeitoparaaesferadetitularidadepatrimonialdeoutrosujeito.

    A lei comum de circulao dos bens mveis consistenatradio(i.,naentrega)feitapeloproprietrio,conformearegrageralnemo dat quod non habet,isto,nin-gumtransfereaquiloquenopossui(CdigoCivil,arts.1.267e1.268).Alei de circulao dosbensimveisconsistenoregistrodottuloaquisitivonoRegistrodeImveis,consoantedispeoart.1.245doCdigoCivil.

    Os direitos creditcios constituem igualmente bens; portanto, so igualmentetransmissveis.Cumpre,destemodo,identificarqualalei de circulao quediscipli-na a transmisso dos crditos.

    a mobilizao de crditos pela cesso civil

    Atentosnecessidadeseconmicasdefinanciamento da empresa pela mobilizao de crditos,contemplanossoordenamentoasduasprincipaisformasjurdicasdecircu-lao de crditos: a cesso comum de crditos e a circulao cambiria dos crditos.

    Acompreensodoinstitutodacessodecrditosfundamentalparaquesepos-saentenderodireitodosttulosdecrdito,pois,nascidanodireitocomum,acessodecrditosengastouasbalizasapartirdasquais,porcontraposio,desenvolveu-seo direito cambirio11.

    Muitoantesqueogniodoscomerciantesmedievaisdesenvolvessegradativa-menteoinstitutodosttulosdecrdito,nasceunodireitoromanoomecanismo

    8 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: sa-raiva, 1943, p. 16, nota 1.

    9 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: sa-raiva, 1943, p. 5.

    10 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: saraiva, 1943, p. 5.

    11 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: saraiva, 1943, p. 18.

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    jurdicoda cesso civil de crditospara atender necessidade econmicadefi-nanciar a atividade econmica pelamobilizaode crditos. Por largoperodo,noentanto,noconheceuodireitoromanooinstitutodacessodecrditos,emrazodocartereminentementesubjetivoqueeraatribudoaocrdito,demodoavincular-sequasequeindissociavelmenteapessoadocredordodevedor12. Mes-moemRoma,noentanto,aexignciaeconmicadefinanciamentodaatividadeeconmica pela mobilizao de crditos estimulou o desenvolvimento de negcios indiretos13 como a procuratio in rem propriam ouocontratoemfavordeterceiro.

    Contribuiu para o desenvolvimento do instituto da cesso de crditos a obje-tivao da noo de crdito14, como que se afirmou gradativamente a regra dalivrecessibilidadedoscrditos,queestabeleceapossibilidadedeocredororiginriotransferirlivrementeocrditoaumterceiro,salvoseaistoseopuseremalei,ana-turezadaobrigaoouaconvenocomodevedor,regraatualmenteencontradano art. 286 do Cdigo Civil.

    Consisteacessodecrditosemnegciojurdicobilateral,peloqualocredororiginriochamadocedentecontratacomumterceirocessionrioatransfe-rnciaaestedocrditodequeeratitularcontraodevedor.

    So,fundamentalmente,trsosrasgoscaractersticosdacesso:aaquisioderi-vadadecrditos,alegitimaoordinriaeaausnciadesolidariedadedocedente.

    aquisio derivada de crdito

    Aaquisiodocrditoporcessod-sedeformaderivada. Isto significa dizer que,sendoformadaarelaojurdicaobrigacionalpordireitos,pretenseseaes,detitularidadedocredorprimitivo,epordeveresobrigaeseexcees,detitulari-dadedodevedor,otitulardocrditocedentetransfereouatribuiaonovocredorcessionrioosmesmosdireitos,pretenseseaesdequeeratitular,aosquaiscontinuamacorresponderosmesmosdeveres,obrigaeseexceesdetitularidadedo devedor. O crdito do cessionrio derivado do crdito do cedente consoante a regra nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habeat.Emoutraspalavras,nosepodecedermaiscrditosdoqueosdequesetitular.Nacirculaoporces-so,registrouWerterFaria,transfere-seocrditotalcomoexistianocedente15. Assim, se os direitos, pretenses e aes do credor originrio forempassveis desofrer exceesporpartedodevedor, o cessionrio,novo titulardo crdito,poradquirirderivadamenteestesdireitos,pretenseseaesqueanteseramdetitulari-dadedocredororiginrio,sujeitando-sesmesmasexceespreviamenteoponveisaocedente.Comefeito,odevedorpodeoporaocessionrioasmesmasdefesasqueeramoponveisaocedenteaotempoemquesedeucinciaaodevedordacessorea-lizada,deacordocomodispostonoart.294doCdigoCivil.Aquisiodecrditosporcessoequivale,pois,nafelizfiguradelinguagemutilizadaporTullioAscarelli,aumacaixadesurpresas16,poisodireitodocessionrioficarsubordinadoexis-tnciadodireitodocedenteepassveldeexceesoponveisaeste,exceescujoalcancee,algumasvezes,cujaprpriaexistnciaocessionriodificilmentepoderavaliar17.Comefeito,podeodevedoroporaocessionrioexceesdepagamento,

    12 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: saraiva, 1943, p. 9 e ss.

    13 sobre o significado de neg-cio indireto, ver Tullio Ascarelli, O Negcio Indireto, In: Proble-mas das Sociedades Annimas e Direito Comparado. so Paulo: saraiva, 1945. p. 99-175

    14 Tullio Ascarelli, Panorama do direito comercial. so Paulo: saraiva, 1947, p. 96 e ss. Para Rubens Requio, o crdito che-gou a ser na economia moderna um objeto de comrcio, um valor patrimonial suscetvel de troca, e que se retrocederia no processo histrico, que produziu esse resultado, se se devolvesse aos contratantes a faculdade de vincular o crdito pessoa do credor (Curso de direito comer-cial. 20. ed. so Paulo: saraiva, 1995, v. 2. p. 290).

    15 Werter Faria, Aes cambi-rias. Porto Alegre: sAFe, 1987, p. 37.

    16 Tullio Ascarelli, Panorama do direito comercial. so Paulo: saraiva, 1947, p. 97. Tullio As-carelli, Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: saraiva, 1943, p. 8.

    17 Tullio Ascarelli, Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: saraiva, 1943, p. 9.

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    TTulOs DE cRDITO

    compensao,deinadimplemento,adimplementoruim,etc.,queantesdacessoeramoponveisaocedente.Essacaractersticadacessodecrditosacabaporfazercomqueasexceesoponveisaocessionriosemultipliquemacadanovacessore-alizada,doquedecorreumagravedificultaodapossibilidadedecirculaodessescrditos,pois,quantomaisforumcrditotransferido,emmaiornmeroseroaspossveisexceese,nosendodadoacadacessionrioconhecertodasasexceeseventualmentejexistentes,teriaodireitocirculado,afinal,quasecomoumacaixadesurpresas,decontedodesconhecido.18

    Imagine-se o exemplo seguinte. A vende para B umaparelhodetelevisoacr-dito pelo valor x.Emrazodocontratodecompraevenda,A se torna credor do pagamentodopreo.Noentanto,oaparelhodetelevisoentreguepossuidefeitodefabricao,quefazcomqueapareanocantodireitodatelaumafaixaescura.Estedefeitonoretiraporcompletoautilidadedobem,masadiminuisensivelmente.Destemodo,B poder opor ao direito de A uma exceodeadimplementoruim,consistentenodefeitodefabricaodobem,demodoapagarx y; onde y o valor correspondenteexceo.Suponha-sequeA,antesdeterconhecimentodaexceodeadimplementoruim,cedaparaCocrditoquepossuicontraB.Ocessionrio,queadquiriuderivadamenteocrditodocedente,esperanovencimentoreceberx. Noentanto,quandoexerceaaocontraB,estelheopeaexceodeadimplemen-toruimquepossuicontraA,demodoapagaraC o valor x y.Agora,suponha-sequeC,aoinvsdecobrarovalordeB,cedaocrditoparaD.Suponha-seigualmen-tequeB era credor de C pelo valor z,emrazodeumcontratodemtuo.Onovocredor,D,quandoexerceraaocontraodevedor,B,paraobteropagamentodovalorx,correspondenteaocrditoqueadquiriuporcesso,sesujeitarsexceesqueB possua contra A e C.Noutraspalavras,B poder opor ao credor D as excees deadimplementoruim(novalordey)edecompensao(novalordez).Comore-sultado,D conseguir cobrar apenas x y z.Ouseja,quantomaiorforumcrditocedido,maioressoaspossibilidadesdeseacumularemexceesqueolimitam.

    legitimao ordinria e titularidade

    Uma dos problemas de maior relevncia no direito privado consiste no da titu-laridade e da legitimao. A titularidade diz respeito a uma relao de idoneidade entreumsujeitoedeterminadoobjetojurdico,enquantoalegitimaodizrespeitoaconsiderarquem,efrenteaquem,podecorretamenteconcluironegcioparaqueessepossa irradiarosefeitos jurdicosconformessuafunoecongruentescom a inteno prtica normal das partes.19Destemodo,diz-sequeocredorotitulardodireitodecrdito,queoproprietriotitulardodireitodepropriedadeequeoempresriotitulardoestabelecimentoempresarial.

    J a legitimao cuidade identificarquempode exercerdeterminadodireito.Normalmente,quempretendeexercerumdireitodevecomearporprovarquetaldireitolhecorresponde.20Ouseja,somenteselegitimaaexercerumdireitoquemdemonstrarserseutitular.Nestecaso,emquetitularidadeelegitimaocoincidememummesmosujeito,diz-sequehlegitimao ordinria.Pelobinmioformado

    18 Tullio Ascarelli, Panorama do direito comercial. so Paulo: saraiva, 1947, p. 97.

    19 Emilio Betti, Teora general del negocio jurdico. Madrid: Edito-rial Revista de Derecho Privado, 1959. p. 177

    20 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958. p. 17.

  • 14FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    pelosarts.6doCdigodeProcessoCivile308doCdigoCivilsintetiza-se,emnossodireitopositivo,aregradalegitimao ordinria,pelaqualseestabelecequem pode cobrar e a quem se deve pagar.L-se,noart.6doCdigodeProcessoCivil,aregrageraldequeningumpoderpleitear,emnomeprprio,direitoalheio,salvoquandoautorizadoporlei.Logo,somentesepodeexerceremnomeprpriodireitoprprio.Deregra,pois,quempretendeexercerumdireitodevecomearporpro-varquetaldireitolhecorresponde.21Poroutrolado,paraliberar-sedaobrigao,odevedordevepagarapenasaotitularouaquemdedireitoorepresente,consoantearegraatualmenteencontradanoart.308doCdigoCivil.Noutraspalavras,paga-mentofeitoaquemnotitularnoirradiaeficcialiberatriaaodevedor.

    Imagine-se o seguinte exemplo: A empresta o valor x para B.Porestarazo,B torna-se devedor de A,quetitulardodireitodecrdito.Dessemodo,umavezexi-gvelocrdito,apenasA se legitima a exercer a ao contra B; e B deve pagar apenas para A. Se pagar para C,opagamentonotereficcialiberatria,eB continuar obrigadoapagar.Da,inclusive,obrocardo:quempagamalpagaduasvezes.

    Aregradalegitimaoordinria,noentanto,acarretaalgunsembaraosquandose est a tratar da transmisso de direitos mediante a cesso de crditos.

    Emprimeirolugar,legitima-seaexerceraaoto-somenteaquelequeprovarqueocredor(i.,provarserotitulardodireito),e,comonemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habeat,seocedentenoeratitulardodireito(isto,notinhaodireito),ocessionrioigualmentenooser,demodoquepodeodevedor,inclusive,oporaocessionrioexceofundadanafaltadetitularidadedequemlhetransmitiu o crdito.

    Emsegundolugar,porsernegciocelebradoentrecedenteecessionrio,semaparticipaododevedor,acesso,emrelaoaeste,res inter alios acta.Manifesta-se,aqui,oprincpiogeraldarelatividadedoscontratos,peloqualocontratovinculaapenas aqueles que o celebraram,no aproveitandonemprejudicando terceiros.Dadecorrearegraencontradanoart.290doCdigoCivil,segundoaqualacessoineficazemrelaoaodevedorenquantonoforaelenotificada.Dessemodo,comodonegciodecessodecrditosparticipamapenascedenteecessionrio,odevedornoafetadodeimediatopelacesso;masnopodeodevedoropor-secesso,jquelivreacessibilidadedoscrditos(CdigoCivil,art.286).Ouseja,acessoapenasineficazemrelaoaodevedor,atqueeletenhacinciadesuaocorrncia,pelanotificao(CdigoCivil,art.290).Umaveznotificadoodevedor,saberelequenodevemaispagaraocredorprimitivojquehumnovocredoraquemdeverealizaropagamento.Enquantonofornotificadoodevedor,seracessoineficazemrelaoaele,demodoque,sepagaraocredororiginrioquenomaiscredorporquetransferiuocrditoaocessionrio,pagarcomeficcialiberatria.Aquiseexcetuaaregradalegitimaoordinriaparatutelar-seaboa-fqueodevedor,quedesconheceacesso,depositanaaparnciadetitularidadequeapresentaocedente.Poristo,nestecaso,alegitimao extraordinria.Ocedente,justamenteportercedidoocrdito,nomaiscredor,mas,aosolhosdodevedorignarodacesso,permaneceaparentementecomocredor.Ese,deboa-f,odevedorignarodacessopagaaocedente(i.,pagaaquemnomaiscredor),pagabem,

    21 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 17.

  • 15FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    comeficcialiberatria.Eestepagamentocomeficcialiberatriaconsisteemex-ceooponvelaocessionrio,consoantearegradoart.292doCdigoCivil.Distodecorreumduploriscoaocessionrio.Porumlado,ficasualegitimaoadependerdanotificaododevedor.Poroutro,enquantononotificadoodevedor,poderonascernovas excees em relaoao cedente,que serooponveis ao cessionrio(CdigoCivil,art.294),inclusiveaexceodepagamentofeitoaocedente(CdigoCivil,art.292).

    Anotificaododevedor,dispeoart.290doCdigoCivil,deveserrealizadaporqualquermeiopeloqualseproveinequvocadaodecinciaaodevedordaocorrnciadacessodecrditos.Noutraspalavras,exige-sequeseprovetersidoinequivocamenteinformadoodevedordeque,emrazodacessorealizada,humnovocredor.Comovistoacima,deinteressedocessionrionotificarimediatamen-te o devedor para evitar o surgimento de novas excees e para tambm legitimar-se acobr-lo.Destemodo,anotificao,aotornareficazacessoemrelaoaodeve-dor,cumpreumaduplafuno.Aprimeiraconsisteemdelimitarasexceesqueodevedorpodeoporaocessionrio,medidaqueaestesomentepodemseropostasaquelasexceesque,nomomentoemqueveioaterconhecimentodacesso,tinhaodevedorcontraocedente.Asegundafunoconsisteemdarcinciaaodevedordequehumnovotitulardocrdito,quedestemodoselegitimaraoexercciodestecrditopelafacilitaodaprovadesuatitularidade.

    ausncia de solidariedade

    Nodireitobrasileiro,hregraadisporacercadaausnciadesolidariedadenasobrigaes,encontradanoart.265doCdigoCivil,ondesel:Asolidariedadenosepresume;resultadaleioudavontadedaspartes.Estaregra,transpostaaombito da cesso de crditos, resulta no fato de que, salvo estipulao em con-trrio, o cedenteno garante ao cessionrio a solvnciadodevedor,mas apenasa existncia do crdito nomomento da cesso (CdigoCivil, arts. 295 e 296).Istoporque,comonacessodecrditosocorreumaatribuioaocessionriodocrditooriginalmentedocedente,aquelepassaaocuparaposiocreditciaantesocupadaporeste,demodoqueocorre to-somentecomoqueuma substituionoploativodarelaojurdicaobrigacional,quepermaneceinalterada.Noutraspalavras,retira-seocedenteeingressaocessionrionarelaoobrigacional.Dessemodo,ocessionrio,porseronovocredor,encontraapenasnoativopatrimonialdodevedoragarantiadesatisfaodeseucrdito.Seopatrimniododevedorforinsolvvel,ocessionriosertitulardeumcrditoquenocorrespondeabenssufi-cientesdodevedor.E,comoocedentenodevedor,nemgarantidordasatisfaodocrdito,noh,deregra,comocobr-lopeladvida.Paraqueocedentegarantaasolvabilidadedodevedoraocessionrio,assegurando-lhedireitoderegresso,hanecessidadederealizaodeumpactoacessriocessodecrditos,consistenteemclusuladepromessadeato-fatoi.,opagamentododevedor,terceiroemrelaocesso,pelaqualseestabeleaumaobrigaodegarantia.

  • 16FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    Formao da taxa de juros cobrada na aquisio de crditos por cesso civil

    Astrscaractersticasacimadescritasdocontratodecessodecrditos(aquisioderivadadecrditos,legitimaoordinriaeausnciadesolidariedadedocedente)refletemdiretamentenataxadejuroscobradapelosagenteseconmicosqueadqui-remcrditosporcesso.Osjuros,aqui,socobradospor dentro,nosentidodeque,seocessionrioadquirecrditodevalorx,pagaaocedentepelocrditoadquiridox-y,sendoyataxadejuroscorrespondenteaoperodofaltanteparaovencimento.Novencimento,cobrarocessionriododevedorx,comoqueembolsarvalorsuperioraoquedesembolsouparaadquirirocrdito.Nistoconsisteomecanismoderemuneraopelaaquisiodecrditos.

    Quantomaioresosriscossofridospelocessionriodeteroseudireitolimitadoouextintopordefesasquedesconhece,porseremfundadasnasrelaesdodeve-dorcomocredororiginrio,maioresseroastaxasdejuroscobradasnaaquisiode crditos por cesso, demodo a diluir, na pluralidade de crditos adquiridosporcesso,osriscoscorrespondentes.Osagenteseconmicosquehabitualmenteexercematividadedefomentoempresarialpelaaquisiodecrditosdispemdemecanismosestatsticosparadeterminaropercentualdedevedoresque,emmdia,nosatisfaroaobrigao.Estataxaderiscoacabaporcomporataxadejurosco-brada,comoconseqenteaumentodocustoparaofinanciamentodaempresapelamobilizao de crditos.

    Ademais, seumempresriopretendefinanciaro exercciode sua atividadepelamobilizaodecrditosmediantecessodoscrditosquepossui,ocessionriocuidardenotificarosdevedores.Noentanto,quantomaiorforonmerodecrditoscedidoseadquiridosporcessodecrditos,maiorseronmerodenotificaesquedeverre-alizarocessionrio.Enotificarpressupeorganizarinformaesacercadoendereododevedor,confeccionaroinstrumentodenotificaoecontrolarseelafoiconcretizada.Estaorganizaoacarretaumcustoaocessionrioquenecessariamenteserrepassadoao cedente por meio de sua incorporao na taxa de juros cobrada pela cesso.

    Porfim,anteofatodeque,viaderegra,ocedentenogaranteaocessionrioasolvabilidadedodevedor,hmaiorriscoaocessionriodenoobterasatisfaodeseucrdito,eestemaiorrisco,quantificadoeconomicamente,serincorporadotaxadejuroscobradapelaaquisiodecrditosporcessocivil.

    Quantomaiorforataxadejuroscobradapelocessionrioparaadquirircrditosporcesso,maiorseradificuldadedeosempresriosrecorreremaofinanciamentodaempresapormobilizaodecrditos.E,senohouverdisponibilidadedeoutrosmecanismosacessveisdefinanciamentodaempresa,necessariamenteteroempre-srioqueexercersuaatividadecomcapitalprprio,comconseqentediminuiodoritmodaatividade,aumentodosvalorescobradosaosconsumidoresedesest-mulo ao desenvolvimento econmico.

  • 17FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    Bloco de aulas 2 caracterizao do MecanisMo jurdico caMBirio de financiaMento da eMPresa Pela MoBilizao de crditos

    introdUo ao bloco de aUlas 2

    Oblocoformadopelasaulas2a8.

    objetiVo do bloco de aUlas 2

    Compreenso analtica e crtica d as caractersticas da mobilizao de crditos pelos ttulos de crdito.

  • 18FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    aula 2. identificao de ttulos de crdito tPicos e atPicos

    objetiVos pedaggicos da aUla 2

    a) competncias

    Reflexodogmtica.

    b) Habilidades

    GeraisConhecerodebatedogmtico.Compreender o impacto prtico de debate terico.

    EspecficasIdentificar documentos cambirios

    c) contedos

    1. Identificao do ttulo de crdito. Ttulos tpicos e atpicos. 1.1. Listagem dos ttulos de crdito previstos no ordenamento brasileiro. Ttulos

    obrigacionais,reaisesocietriosoudeparticipao.

    DuplicataLein5.474/68 DuplicataRuralDecreto-lein167/67 ChequeLein7.357/85 NotaPromissriaDecreton57.663/66 NotaPromissriaRuralDecreto-lein167/67 LetradeCmbioDecreton57.663/66 CdulaRuralPignoratciaDecreto-lein167/67 CdulaRuralHipotecriaDecreto-lein167/67 CdulaRuralPignoratciaeHipotecriaDecreto-lein167/67 NotadeCrditoRural-Decreto-lein167/67 ConhecimentodedepsitoDecreton1.102/1903 WarrantDecreton1.102/1903 CduladeCrditoIndustrialDecreto-lein413/69 LetradeCrditoImobilirioLein10.931/04 CduladeCrditoImobilirioLein10.931/04 CduladeCrditoBancrioLein10.931/04

    1.2.Identificaodottulodecrditotpico.Rigorformal.Modelagemlegaldottulo.Requisitosextrnsecos,ouformais,ouessenciais.Duplicata,Lein5.474/68,art.2,1(cf.Resoluon102,de07.11.1968,doBancoCentraldoBrasil).DuplicataRural,Decreto-lein167/67,art.48.Cheque,Lein7.357/85,art.1(cf.normasdoBanco

  • 19FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    CentraldoBrasilcompiladasnoManualdeNormaseInstruesMNI).NotaPromis-sria,Decreton57.663/66,art.75.NotaPromissriaRural,Decreto-lein167/67,art.43.LetradeCmbio,Decreton57.663/66,art.1.CdulaRuralPignoratcia,Decreto-lein167/67,art.14.CdulaRuralHipotecria,Decreto-lein167/67,art.20.CdulaRuralPignoratciaeHipotecria,Decreto-lein167/67,art.25.NotadeCrditoRural,Decreto-lein167/67,art.27.CduladeCrditoIndustrial,Decreto-lein413/69,art.14.Conhecimentodedepsito,Decreton1.102/1903,art.15,1.LetradeCrdi-toImobilirio,Lein10.931/04,art.12,1.CduladeCrditoImobilirio,Lein10.931/04,art.19.CduladeCrditoBancrio,Lein10.931/04,art.29.

    1.3.Acrtulacomodeclaraoassinada.Sanolegalemcasodeinfrao.Re-quisitosinsuprveisesuprveis.Conceitos.

    1.3.1.Cambial incompletaou embranco:LeiCambiria, art.3 (reservadoart.3doA-IIaoart.10doDecreton57.663/66).Smulan387doSTF:Acambialemitidaouaceitacomomisses,ouembranco,podesercompletadapelocredordeboa-fantesdacobranaoudoprotesto.

    1.3.2.PactodepreenchimentoLeidoCheque,art.16.1.4.Ttuloscambiriosettuloscambiariformes.

    atiVidades de preparao do alUno (leitUra obrigatria)

    Leituraprvia:noh.

    pergUntas e proposies preparatrias

    Como identificar se um documento um ttulo de crdito?

    Metodologia da aUla

    Socrtica.

    dinMica da aUla (atiVidade)

    Debate com a turma.

    atiVidade coMpleMentar (leitUra)

    CHATEAUBRIANDFILHO,Hindemburgo.Liberdadedecriaodettulosdecrdito atpicos e fattispecie cartular. Revista dos Tribunais,SoPaulo,v.723,p.99-106,jan.1996.

  • 20FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    aula 3: a circulao dos ttulos de crdito coMo coisas Mveis

    objetiVos pedaggicos da aUla 3

    a) competncias

    Reflexoeanlisedogmtica.

    b) Habilidades

    GeraisConhecerodebatedogmtico.Compreender o impacto prtico de debate terico.Aplicar conceitos dogmticos.

    EspecficasAvaliar o impacto prtico da circulao cambiria de crditos sobre os mecanis-

    mos econmicos de financiamento da empresa.

    c) contedo

    1. Circulao cambiria dos crditos. 1.1.Direitos reais sobre ttulos de crdito. 1.1.1.Coisificaoemobilizaodocrdito(entenda-sedeveres,obrigaese

    excees).Precednciadosdireitosreaisobrigacionaisnacirculaocambiria.Di-reitoaottulo(Recht am papier).Ttulodecrditocomodocumento.

    1.1.2.Circulao da propriedade cambiria.Aplicao, aoDireitoCambi-rio,daregramedievalEn fait des meubles, possession de bonne foi vaut titr. A regraposse+boa-f+ leide circulao=melhor ttulodepropriedade art.16,2alnea,doAnexoIdoDecreton57.663/66;art.24daLein7.357/85.Leisdecirculaodosttulosdecrditoaoportador,ordemenominativos.Incorporao desta regra pelo art. 1.268 doCdigoCivil, aplicvel s coisasmveisemgeral.Intransmissibilidadedosvciosnaaquisiodacrtula,apro-teoda aquisio anon domino, a irreivindicabilidadeda crtula facetadaautonomiaautonomiadotitulardodireitocartular(AnexoIdoDecreton57.663/66,art.16,2alnea;CC,art.896;CCitaliano,art.1.994;art.24daLein7.357/85).

    1.1.2.1.Atradioeaaquisiodapropriedadecartular.Anlisecrtica.1.1.2.2.Oendossoeaaquisiodapropriedadecartularart.8.doDecreton

    2.044/08,art.17daLein7.357/85,art.11doAnexoIdoDecreton57.663/66.Anlise crtica.

  • 21FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    atiVidades de preparao do alUno (leitUra obrigatria)

    Leitura prvia do texto de apoio da Aula 3.

    pergUntas e proposies preparatrias

    Pelamobilizaocambiriadoscrditos,oquesetransfere?

    Metodologia da aUla

    Aula expositiva e socrtica

    atiVidade coMpleMentar (leitUra)

    Noh.

  • 22FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    texto de apoio da aUla 3

    a mobilizao cambiria dos crditos

    Nasceuodireitodosttulosdecrditodentrododireitocomercial.Historica-mente,odireitocomercialcumpriuafunodeadaptarinstitutosdedireitocivilconformeasnecessidadeseconmicasdoscomerciantes;funo,esta,descritaporTullioAscarellicomosendoquasequedebandeirante22 dentro do direito privado. Porestarazo,paraatendernecessidadedefinanciamentodaatividadeeconmicapelamobilizaodecrditos,odireitocambirioabsorveuinstitutosdodireitocivileostransfigurouprofundamente.Paraafastarasdificuldadesdecirculaodedirei-tosinerentescessociviledotarodireitotransferidodesuficientecerteza,quantosuaexistncia,esegurana,quantosuarealizao23,foi-seconstruindogradativa-mente o direito cambirio como um meio de financiar a atividade econmica pela mobilizaodecrditos.Emboraoinstitutodosttulosdecrditocompartilhecoma cesso civil amesmafinalidade econmica, suas caractersticas dogmticas sodelineadas notadamente por um contrasteemrelaosregrasquecaracterizamacesso de crditos24.Comefeito,teveodireitocambirioquesuperarosembaraoseconmicosdecorrentesdecadaumadascaractersticasdacessocivildecrdito,quaissejamaaquisioderivadadecrditos,alegitimaoordinriaeaausnciadesolidariedadedequemtransmiteocrdito.

    AimportnciaparaaeconomiadodesenvolvimentododireitocambiriofoidetalmodorelevantequelevouPontesdeMirandaaafirmarqueotrficocambiriocomoosangueparaoorganismoanimal,eaevoluodas formaseconmicasobriga ao fluxo rpido do crdito, das remessas de numerrios sob a concepocambiria.25

    O instituto da cesso civil de crditos cuida da disciplina da circulao dos di-reitos creditcios. Sua primeira caracterstica consiste em que, por um lado, emrazo da regra nemo plus, ocedentetransfereaocessionrioexatamenteodireitoquepossuacontraodevedor(direitoeste,portanto,quecontinualimitadopelasmesmasexceesexistentesantesqueodevedortenhaconhecimentodacesso),e,poroutrolado,queocessionrioadquire derivadamenteodireitoqueanteseradocedente(oquefazcomqueocessionriofiquesujeitosexceesqueodevedorpossuacontraocedente).Estascaractersticas,sintetizadasnobinmionemo plus aquisioderivadadecrditos,nosoaplicveismobilizaocambiriadecr-ditos.Cumpre,portanto, identificar-seosexpedientesdogmticosquemarcamadisciplina cambiria de mobilizao dos crditos.

    direitos reais cambirios

    certoquepela circulao cambiria dos crditosnoocorreuma aquisioderivadadocrdito,masumaaquisiooriginria. Isto sedevepeculiar formapelaqualodireitocambirioregulaamobilizaodecrditos.Deve-se,portanto,delinear os contornos da lei de circulao aplicvel aos ttulos de crdito.

    22 Tullio Ascarelli, Panorama do direito comercial. so Paulo: saraiva, 1947, pp. 43-44.

    23 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, pp. 11 e 12.

    24 Ascarelli afi rma que o proble-Ascarelli afirma que o proble-ma dos ttulos de crdito , mais que qualquer outro, um proble-ma de tcnica jurdica, pois, com freqncia, a dificuldade no reside na interpretao da nor-ma ou na individuao do fim visado pelo legislador, mas na coordenao da norma no siste-ma geral. E justamente por isso lembramos que o problema dos ttulos de crdito tem origem no contraste entre as exigncias da circulao e as regras de direito comum. (Tullio Ascarelli, Teoria geral dos ttulos de crdito, so Paulo: saraiva, 1943, p. 18.)

    25 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, v. 34, 3.834, n. 2, p. 54. No mesmo sentido, Giorgi afirmou que os cambios son en el comercio lo que en el cuerpo humano la circulacin de la sangre; as como el cuerpo se sostiene por la circulacin y, cuando est interrumpida, lan-guidece y se corrompe, del mis-mo modo, tampoco los comer-cios, si se elimina la circulacin de los cambios, podrn florecer. Giorgio Giorgi, Teoria delle obli-gazioni, vol. VI, p. 246, Turn, 1927, apud Giuseppe Gualtieri e Ignacio Winizky, Titulos circu-latorios, Buenos Aires: Victor P. de Zavala, 1974, p. 16.

  • 23FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    Osttulosdecrdito,compreendidoscomodocumentos,consistemembens m-veis,nosquaisseencontraincorporado um direito26,medianteassinaturadeprpriopunholanadapelodevedor.Ouseja,ocorreoquesedenominoudecoisificaooumaterializao dos crditos27.Destemodo,conquantocontenhaottulodecrditoumdireito,oquecirculaottuloemsi,enquantobemmvel.Comefeito,emdireitocambirionohatransmissodecrditospropriamenteditos,masacircu-lao de coisasmveis.ConformePaoloGuida,nestecaso,acirculaodizrespeitodiretamente ao ttulo como coisa e indiretamente ao direito nela incorporado28. NomesmosentidoaliodePavoneLaRosa:Aleidecirculaodosttulosdecrdito,comosesabe,assemelha-sequegovernaacirculaodosbensmveis.Aextensodetalleitransfernciadosdireitoscartularessefezpossvelpelafunoinstrumentalqueaessefimcumpreodocumento.Entreottuloearelaonelemencionada existe um vnculo jurdicoemrazodoqualatransfernciadosegundoseoperamediantea transfernciadoprimeiro.Emvirtudedesse fenmenocon-corrente, chamadode incorporaode crditonodocumento,obtm-se aquelasegurananacirculaoqueprpriadaleidecirculaodosmveis,isto,deumaleiqueparasuaaplicaopressupeapresenadeumaentidadematerialsuscetvelde entrega e posse.29

    A regra comum de circulaodas coisasmveis aquela encontradanos arts.1.267 e 1.268 do Cdigo Civil: nemo dat quod non habet.Ouseja,hanecessidadede tradio feita pelo proprietrio para transferir-se a propriedadede uma coisamvel ao adquirente, pois, feita por quemno seja proprietrio, a tradio notransfereapropriedade.Portanto,emnossodireito,deregranohcomoalgumadquirirapropriedadedeumbema non domino,isto,mediantetradiofeitaporquemnoproprietrio.

    Imagine-se o seguinte exemplo: A proprietrio de um relgio. B furtaorel-gio de A.ComonohouvetradiodacoisafeitaporA,proprietrio, para B,estenoadquiriuapropriedade.Dessemodo,A continua a ser o proprietrio da coisa mvel.Suponha-sequeB venda este relgio para C,quedesconheceofurto.ComoB noeraproprietrio,atradiofeitaporelenotransfereapropriedade,ouseja,C noadquiriuapropriedade.Aquemcontinuaasertitulardodireitodepro-priedade.Comoconseqnciadisso,A tem o direito de reaver o bem objeto de sua propriedade de C,medianteoexercciododireitodeseqela,quesedpelaaoreivindicatria(CdigoCivil,art.1.228).

    Noentanto,existeumadisciplinaespecialdecirculaodascoisasmveis,apli-cadaexcepcionalmenteemnossodireito, sintetizadanaregraen fait des meubles, possession de bonne foi vaut titr.Estaregra,surgidanasfeirasmercantis,tinhaporobjetivo promover a pax mercatorum30,abaladapelofatodeque,muitasvezes,fur-tadoresdemercadoriasiamvend-lasnasfeiras,demodoqueoadquirentea non domino sujeitava-searestitu-lasaoproprietrioespoliado,que,combasenodireitodeseqela,legitimava-seaoexercciodaaoreivindicatria.Dessemodo,orien-tadopeloespritoprticoquesemprenorteouaatividadedoscomerciantes,comopropsitodeestimulararealizaodetrocas,criou-searegraqueatribuimelhorttulodepropriedadequelequeadquirisse,deboa-f,apossedemercadoriacom-

    26 A rigor, no deveria falar-se em coisificao de crditos, pois, como consubstanciam as decla-raes cambirias de vontade negcios jurdicos unilaterais, no ttulo materializam-se os deveres, obrigaes e excees cambirios. Ou seja, os ttulos de crdito, vistos da perspectiva do plo obrigacional que neles se consubstancia, so ttulos de dbito.

    27 O ttulo de crdito visa justa-mente transformao do cr-dito e coisa mvel, mercadoria, para o fim de circulao. Da a preponderncia do elemento real, que no deve, no entanto, ser exagerada a ponto de sacri-ficar a declarao de vontade que o ttulo consubstancia. Este contraste entre o direito real e a declarao de vontade justamente o que empresta ao direito cambirio um carter especfico a requerer disciplina original. (Paulo J. da silva Pinto. Direito cambirio Rio de Janeiro: Forense, 1948, p. 3.)

    28 Paolo Guida, comentrio ao art. 1994 do Codice Civile, In: Giancarlo laurini (org.), I titoli de credito, Milo: Giuffr, 2003, p. 40.

    29 Antonio Pavone la Rosa. La letra de cambio. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988, p. 301-302.

    30 Paul Rehme. Historia universal del derecho mercantil. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1941, p. 90.

  • 24FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    prada emuma feiradequem se apresentassepublicamenteproprietrio,mesmoqueproprietrionofosse31.Aregramedieval,emsntese,asseguraaaquisiodapropriedademesmoaoadquirentea non domino.Estaregra,queatoadventodoCdigoCivilde2002,tinhasuaaplicaorestringidaaosttulosdecrditoordemenominativos,tornou-se,porinflunciadodireitoitaliano,regraaplicvelscoisasmveisemgeralnodireitobrasileiropeloart.1.268doCdigoCivil,deseguinteredao:Feitaporquemnosejaproprietrio,atradionoalienaaproprieda-de,exceto se a coisa, oferecida ao pblico, em leilo ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstncias tais que, ao adquirente de boa-f, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.Estedispositivoestabelece,emsuasegundaparte,hi-ptesedeaquisiooriginriadapropriedade,poisfazcomqueoterceirodeboa-fadquira apropriedade independentementedo fatodeo alienanteno ser titulardapropriedade.Aaquisiodapropriedadedoadquirentedeboa-fnodecorredatradioouseja,noderivadadapropriedadedoanteriorproprietrio,quetradionorealizou,masdaposseobtidadeboa-femrazodaaparnciadepropriedadedoalienanteouseja,d-seoriginariamente.

    Adisciplinadosttulosdecrditovoltadafacilitaodamobilizaodoscrditos. Isto se obtm mediante a tutela do terceiro portador de boa-f,que,pre-cisamente por ser tutelado, predispe-semais facilmente a adquirir ttulos decrdito,comoqueseestimulaamobilizaodoscrditos.Dessemodo,entreasduasregrasdecirculaodascoisasmveisacimaindicadas,acomum e a especial,odireitocambirioadota,viaderegra,estaltima.Comefeito, irrelevanteaocorrncia da tradio feita pelo proprietrio para a aquisio da propriedadedeumttulodecrdito.Noentanto,odireitocambirioadotouaregraposse de boa-f vale ttuloadaptando-asualgica32.Assim,adquireapropriedadedeumttulodecrditoaquelequereneposse,deboa-f,consoantea lei de circulao do ttulo.Nessesentido,estabeleceoCdigoCivil,emseuart.896,queottulodecrditonopodeserreivindicadodoportadorqueoadquiriudeboa-fenaconformidadedasnormasquedisciplinamasuacirculao.33 A mesma regra tambmencontradanoart.16,2alnea,daLeiUniformedeGenebra(Decreton57.663/66,AnexoI,doravantedenominadadeLUG),enoart.24daLeidoCheque(Lein7.357/85).Afirma-se,dessemodo,aregraqueprotegeoadqui-rente a non domino,pelaintransmissibilidadedosvciosnaaquisiodacrtula.Aconseqnciadaproteodoadquirentea non domino consiste na irreivindicabi-lidadedacrtulapeloproprietrioespoliado,emrazodaqueletermelhorttulodepropriedade.Estanormarelaciona-seaodenominadoprincpiodaautonomiaou,maisprecisamente,consoanteaexpressodeAscarelli,autonomia do titular do direito cartular34.

    classificao dos ttulos de crdito de acordo com suas leis de circulao

    Quantoleidecirculao,classificam-seosttulosdecrditoemttulosor-dem,nominativoseaoportador.

    31 Relevante parcela da doutrina cambiria, contudo, entende que o princpio a posse de boa-f vale ttulo tem um regime muito mais recente. Tal princpio se vem consolidando, segundo as opinies mais acreditadas, por efeito da elaborao qual submetido o instituto da Gewere na literatura alem dos 800. (Antonio Pavone la Rosa. La letra de cambio. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988, p. 25).

    32 la ley de circulacin del cr-la ley de circulacin del cr-dito cambiaria resulta, entonces, de la combinacin de las reglas de derecho comn, que discipli-nan la circulacin de los bienes muebles, con las disposiciones particulares dictadas para la transferencia de los ttulos a la orden. (Antonio Pavone la Rosa. La letra de cambio. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1988, p. 302.)

    33 A redao do dispositivo da lei brasileira inspirada no art. 1994 do cdigo civil italiano, que dispe: chi ha acquistato in buo-na fede il possesso di un titulo di credito, in conformit delle norme che ne disciplinano la circolazione, non soggetto a rivendicazione.

    34 Tullio Ascarelli (Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: sa-raiva, 1943. p. 279) afirma que nesta acepo que, a meu ver, se deve entender a autonomia do titular de um ttulo de crdito, pois no em razo do princpio da autonomia que se restringem as excees subjetivas indiretas, mas em razo da abstrao do direito cartular, face constitui-o desse direito pela declarao cambiria de vontade, distinto do direito fundado na relao fundamental, que eminente-mente causal. contudo, o reno-mado mestre italiano afirma que evidente que o problema da autonomia do titular do direito cartular, que, por seu turno, se prende ao da proteo do ad-quirente no caso de aquisio a non domino, diferente do da autonomia (se, acaso, se quiser usar a mesma palavra) do direito cartular, isto , da sua distino com as convenes extra-car-tulares (op. cit., p. 283), admi-tindo, claramente, que o voc-bulo autonomia, feita a devida distino entre autonomia do direito cartular e autonomia do titular do direito cartular, possa ser utilizado para descrever tanto a proteo do adquirente a non domino como da proteo do portador a excees estranhas ao ttulo.

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    TTulOs DE cRDITO

    ttulos ordem

    Soexemplosdettulosordemocheque(Lein7.357/85),aduplicata(Lein5.474/68),anotapromissriaealetradecmbio(LUG).Osttulosordemsoaquelesquecontmaclusulaordem;ttulosquesedevepagaraumsujeitodeterminadoousuaordem,ouseja,aquemosujeitodeterminadoordenar.Pelanotapromissria,porexemplo,osubscritorprometequepagardeterminadaquan-tiaaobeneficirio,ouaquemeleordenarquesejafeitoopagamento.Estaordemrealizada por meio do endosso,declaraocambiriaque,lanadanoversodottulo,representa a transfernciada crtula aonovoproprietrio.Comefeito, dispeoart.8doDecreton2.044/1908queoendossotransmiteapropriedadedaletradecmbio.Nomesmosentido,dispeoart.17daLeidoChequequeochequepagvelapessoanomeada,comousemclusulaexpressaordem,transmissvelporviadeendosso,eoart.11daLUG,quetodaletradecmbiotransmissvelporviadeendosso.Porm,nosepodedizerqueoendosso,porsis,quetrans-fereapropriedadecrtula.Oendossoumdoselementosintegrantesdosuportefticonecessrioaquisiodapropriedadedottulo,juntamentecomaposseeaboa-f35.

    Assim,lanadooendossonacrtula,onegciojurdicodeendossopassaaexistir,masatransfernciadapropriedadedacrtulasomenteocorrersetam-bmestiverempresentesaposseeaboa-fdoendossatrio.Seoproprietriodacrtulalanaroendossoepermanecernasuaposse,poderelecancelar,riscar,apagaroendosso,ouseja,revogaradeclaraounilateraldevontadecambiriaqueoendosso36enotransferirapropriedade.E,casooproprietrioquelan-ouoendossonottulodemonstrarqueonovopossuidorestdem-f,poderelereivindicarottulo(art.16,2alnea,daLUG;art.24daLeidoCheque;art.896doCdigoCivil).Essasduasltimasassertivascomprovamqueoen-dosso,semqueaelesesomem(a)aposse(b)deboa-fdonovopossuidor,notransfere a propriedade da crtula; ele somente, como integrante do suportefticodatransfernciadapropriedadedacrtula,indicaapessoaaquemseirtransmiti-la.

    Oendossoqueintegraosuportefticodaaquisiodapropriedadedeumttulodecrditoordemdeveserinseridoemumasrieininterruptadeendossos.Dao princpio da continuidade dos endossos37,asignificarquealeidecirculaodosttulosordemconsistenumasrie ininterrupta de endossos.Destemodo,seA cria umttulodecrditoemfavordeBousuaordem,estepoderendossarottulopara C.Este,porsuavez,poderendossarottuloparaD,eassimsucessivamente.Adeclarao cambiriade endossodeve ser atribuda quele quefigura comooltimodestinatriodottulo.Noentanto,asrieininterruptadeendossosdeveseravaliadaexclusivamenteemseuaspectoextrnseco,nosentidodequebastaasuaregularidadeformal.porestarazoqueaincapacidadedealgumdosendossantes,atransmissofraudulenta,ouafalsidadedasassinaturas,noafetaaregularidadedos endossos.38

    35 O endosso no transfere, o endosso elemento do suporte ftico para que a transferncia se opere. (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. 33, 3.797, n. 2, p. 275.)

    36 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. 33, 3.797, n. 2, p. 275.

    37 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 31.

    38 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 31.

  • 26FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    ttulos nominativos

    Conformedispeoart.921doCdigoCivil,ttulonominativooemitidoemfavordepessoacujonomeconstenoregistrodoemitente.Soexemplosdettulosnominativos as aes nominativas das sociedades annimas. O capital de uma so-ciedadeannimadivididoemfraes,representadasporaes.Umavezcriadas,impe-seoregistrodestasaesnolivrodeRegistrodeAesNominativas(Lein6.404/76,art.31c/cart.100,I).Paratransferir-seumaaonominativa,deve-selavrartermonolivrodeTransfernciadeAesNominativas,consoantearegraencontradano1doart.31daLei6.404/76.Destemodo,acirculaodosttulosnominativosocorrepelaposse,deboa-f,deacordocomumregistronoslivrosdoemitente.

    ttulos ao portador

    Soexemplosdettulosaoportadorosttulosdadvidapblicaeosbilhetesdeloteria.Aocontrriodosdemaisttulosdecrdito,circulamosttulosaoportadorpelatradiofeitapeloproprietrio,conformeselnoart.904doCdigoCivil:Atransfernciadettuloaoportadorsefazporsimplestradio.AtaentradaemvigordonovoCdigoCivil,regia-seacirculaodosttulosaoportadorpelodis-postonoart.622doCdigoCivilde1916,que,emsuaprimeiraparte,dispunhafeitaporquemnosejaproprietrio,atradionoalheiaapropriedade.

  • 27FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    aula 4: direitos caMBirios eMergentes do ttulo

    objetiVos pedaggicos da aUla 4

    a) competncias

    Reflexoeanlisedogmtica.

    b) Habilidades

    GeraisConhecerodebatedogmtico.Compreender o impacto prtico de debate terico.Aplicar conceitos dogmticos.

    EspecficasAvaliar o impacto prtico da circulao cambiria de crditos sobre os mecanis-

    mos econmicos de financiamento da empresa.

    c) contedo

    1.1.Direitoscambiriosemergentesdottulo(Recht aus dem Papier)1.1.1.Ottulodecrditocomodocumentoconstitutivodoprpriodireito

    por isso, asobrigaes cartulares,quedecorremdedeclaraes cartulares, viaderegra,sorealizadasnottuloseparaoentrearelaocausalearelaocartularaaquisiooriginriadodireitocartular,por issosedizautnomoodireitodoproprietriodottulonoderivadododireitodosanterioresportadoresaliteralidade comodelimitadordo contedoe extensododireito constitudoouemergentedottulo.Nessesentido,consistemnaautonomiadodireitocartularainoponibilidadedeexceespessoaisindiretas(art.17doAnexoIdoDecreton57.663/66;art.25daLein7.357/85)eaabstraocambiriainaplicabilidadeaos ttulos de crdito da regra nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habeat.

    atiVidades de preparao do alUno (leitUra obrigatria)

    Leitura prvia do texto de apoio da Aula 4.

    pergUntas e proposies preparatrias

    Pelamobilizaocambiriadoscrditos,oquesetransfere?

  • 28FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    Metodologia da aUla

    Aula expositiva e socrtica

    atiVidade coMpleMentar (leitUra)

    Noh.

    texto de apoio da aUla 4

    direitos cambirios emergentes do ttulo o direito cartular

    Amobilizaocambiriadoscrditos,comoseviu,caracteriza-seporumpecu-liarexpedientedogmticoquecuida,primeiramente,dacirculaodapropriedadedos ttulos de crdito enquanto coisasmveis. S indiretamente que ocorre atransfernciadedireitoscreditcios.Daarazopelaqualseafirma,emdireitocam-birio,aprecednciadosdireitosreaissobreosobrigacionais.Maisprecisamente,istosignificadizerque,emprimeirolugar,deve-severificarquemoproprietriodeumttulodecrdito,enquantocoisamvel,parasomenteapsdeterminarquemotitulardodireitocreditcioincorporadoaottulodecrdito.queosttulosdecrditosodocumentosconstitutivosdoprpriodireito.Ou,noutraspalavras,sodocumentosdosquaisemergeoprpriodireito.Destemodo,atitularidadedodireito constitudo pelo ttulo decorre do direito real de propriedade exercido sobre ottulo,enodeumcontratoouumnegcio39. precisamente em razo deste mecanismodogmticoqueosttulosdecrditonosesubmetemaobinmionemo plus aquisio derivada de crditos e, portanto, possibilitamumamobilizaosegura dos crditos.

    Tome-se o seguinte exemplo: A compra de B uma fazendade1.000hapelopreodeR$1.000.000,00.Ovendedor,B,torna-secredordopagamentodopreodoimvelvendido.Noentanto,aorealizarumlevantamentotopogrfico,ocom-prador,A,descobrequeafazendaadquiridapossuiapenas850ha.Assim,emrazododispostonoart.500doCdigoCivil,assisteaocompradoraexceodeabaterproporcionalmentedopreoamedidafaltante,demodoqueovendedor,B,rece-berapenasR$850.000,00.

    Pararepresentarsuaobrigaodepagaropreo,A subscreve e emite uma nota promissriaemfavordeBnovalordeR$1.000.000,00.SeB exercer a ao contra A,sejacombasenocontratodecompraevenda,sejacombasenanotapromiss-ria,A poder opor exceo ex empto,demodoapagarapenasR$850.000,00.Maisprecisamente,ocredortitulardeumdireitodereceberR$1.000.000,00menosovalor correspondente ao abatimento.

    Noentanto,seovendedorB endossar a nota promissria a um terceiro portador deboa-f,oquetercirculadoanotapromissria,enquantocoisamvel,eno

    39 Giuseppe Gualtieri e Ignacio Winizky. Titulos circulatorios. 4. ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavala Editor, 1974, p. 67.

  • 29FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    odireitodereceberestaouaquelaquantia.Oterceiro,sereunirposse de boa-f de acordo com a lei de circulao,tornar-se-oproprietriodottulodecrdito.Epre-cisamenteporadquirirapropriedadedottulodecrditoquesetornartitulardodireito creditcio emergente do ttulo.

    Odireitocartularnoderivadododireitodosanteriorestitulares,demodoqueumdireitoconstitudooriginariamentepelottulo.Nestesentido,diz-sequeodi-reitoconstitudopelottuloumdireitoautnomo.Ademais,odireitoconstitudoporumttulodecrditocorrespondequeleliteralmentemencionadonotextodoprpriottulo.Nestesentido,diz-sequeodireitoconstitudopelottuloliteral.Refere-se, aqui, aosprincpiosda autonomia eda literalidade, ambos voltados aemprestar maior segurana na mobilizao cambiria dos crditos.

    Oexpedientedogmticopeloqualoterceiroportadordeboa-fdeumttulodecrditoadquireumdireitoquenoderivadododireitodosportadoresante-rioresodireito,portanto,originriorelaciona-seaodenominadoprincpiodaautonomia.Adquire-seatitularidadedodireitocreditciomencionadonottulodecrditopelaaquisiodapropriedadedottulodecrditoenquantobemmvel.oquantoensinamGiuseppeGualtierieIgnacioWinizky:odireitocartularincor-porado no ttulo est destinado a encontrar seu titular em um sujeito determinvel em virtude da relao [de direito] real existente entre este sujeito e o documento.40 Destemodo,odireitoconstitudopelottulonoderivadododireitodosante-rioresportadores,poisemergedoprpriottulo.Diz-se,assim,queodireitoconsti-tudoporumttulodecrditoautnomo.Comisso,seobtmisolarodireitodoterceiroportadordeboa-fdodireitodosanterioresportadores,quepoderiaestar,eventualmente,sujeitoaexceesquelhereduzissemocontedoeaextenso.

    Jqueodireitodoterceiroportadordeboa-fnoderivadodireitodosportado-resanteriores,cumpredelimitarem-lheocontedoeaextenso.Aclaradelimitaododireitomencionadoemumttulodecrditofundamentalparafacilitarqueseatendanecessidadedemobilizaodosdireitos41.Enquantoacessodecrditosconstituiuma caixade surpresas,no sentidodequeo cessionrio sujeita-se sdefesasqueodevedorpossuicontraocedente,semquelhesejadadoconheceratodas,acirculaocambiriadoscrditos,peloprincpiodaliteralidade,asseguraaoterceiroportadordeboa-fquenolheseroopostasdefesasqueeledesconhea,ouseja,quenoresultemdoteorliteraldottulo.ConformeensinaTullioAsca-relli,aexplicaodaliteralidade,queadoutrinaelevaacaractersticoessencialdottulodecrdito,estnaautonomiadadeclaraomencionadanomesmottulo(declarao cartular)enafunoconstitutivaque,arespeitodadeclaraocartularedequalquerdassuasmodalidades,exercearedaodottulo;essadeclaraoest,pois,submetidaexclusivamentedisciplinaquedecorredasclusulasdoprpriottulo.42

    Afirma-se a literalidade com o propsito de se proteger o terceiro portador de boa-f,pelaproibiodeoposiodedefesasextracartulares,ecomopropsitodeprotegerodevedor,peladelimitaodeseudever.Noprimeirosentido,pelaliterali-dadetutela-seaboa-fqueoterceiroportadordottulodepositanaaparncialiteraldottulo,nosentidodeque,aoadquiri-lo,acreditaqueaquelesqueosubscreveram

    40 Giuseppe Gualtieri e Ignacio Winizky. Ttulos circulatrios. 4 ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavala Editor, 1974, p. 66.

    41 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos ttulos de crdito so Paulo: saraiva, 1943, p. 53.

    42 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos ttulos de crdito, so Paulo: saraiva, 1943, p. 56.

  • 30FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    pagaroaquantiaalimencionada.Comestatutela,empresta-semaiorseguranaaoterceiroportadordeboa-f,quesabequenosersurpreendidopordefesasquenolhesodadoconhecer,emquepeseaopiniodeAscarelli,paraquemnosepodejustificaraliteralidadecombasenoprincpiodatuteladoterceiroqueconfianaaparncia43,pois,seseinvocaaaparnciacomofundamentodaliteralidade,elasomentepoderiaatuaremfavor,enuncacontra,oterceiro44.

    Oprincpio da literalidade, ademais, consiste em um importante critrio deinterpretao das declaraes cambirias de vontade. Ao contrrio da regra geral encontradanodireitocivil,segundoaqualnainterpretaodasdeclaraesdevon-tade deve-se levar em conta a inteno subjetiva do declarante em detrimento do sentidoliteraldalinguagem(CdigoCivil,art.112),nodireitocambirioaregrainvertida.Ouseja,aointerpretar-seumadeclaraocambiriadevontadeleva-seem considerao o sentido literal da linguagem em detrimento da inteno subje-tiva do declarante. Desta regra interpretativa pode-se abstrair uma regra mais geral aplicvelaosttulosdecrdito,consistentenaquelaemquenosepodeoporater-ceirosportadoresdeumttulodecrditodefesasextracartulares,ouseja,defesasquenoresultemdoteorliteraldottulo.Oprincpiodaliteralidadequersignificarqueodireitodecorrentedottuloliteralnosentidodeque,quantoaocontedo,ex-tensoesmodalidadesdessedireito,decisivoexclusivamenteoteordottulo.45 Ou,consoanteafrmulasintticadeFranMartins,porliteralidadeentende-seofatodesvalernottulooqueneleestescrito.46

    Nessesentido,acaractersticadaliteralidadeexerceumaduplafunonosttu-losdecrdito:delimitarocontedoeextensododireitoconstitudooriginaria-mentepelottulo,nosentidodequeelementosextracartularesnointerferem,ouaomenosnodeveminterferir,nodireitoconstitudopelottulo.Poroutrolado,a literalidadecumpretambmafunoprobatria,nosentidodequeelementosextracartularesnofazemprovadodireitocartular.

    Aos princpios da literalidade e da autonomia assoma-se o da inoponibilidade dasexceespessoais indiretas,positivadonoart.17daLUG:Aspessoasacio-nadasemvirtudedeumaletranopodemoporaoportadorasexceesfundadassobreasrelaespessoaisdelascomosacadoroucomosportadoresanteriores,amenosqueoportadoraoadquirir a letra tenhaprocedidoconscientementeemdetrimentododevedor.Nomesmosentido,l-senoart.25daLein7.357/85:Quemfordemandadoporobrigaoresultantedechequenopodeoporaopor-tadorexceesfundadasemrelaespessoaiscomoemitente,oucomosporta-doresanteriores,salvoseoportadoroadquiriuconscientementeemdetrimentododevedor.Adoutrina italiana, a exemplodeTullioAscarelli47 e de Giuseppe Gualtieri e IgnacioWinizky48, fundamenta a inoponibilidade de excees fun-dadas em elementos extracartulares ao proprietrio ignaro de tais excees com base na caracterstica da literalidade49.Adoutrinabrasileira,noentanto,preferederivar o princpio da inoponibilidade das excees pessoais indiretas do princpio da autonomia50.Neste sentidoa liodePontesdeMiranda,queafirmousertpicadacirculaocambiriaaatribuio,acadaumdospossuidoressucessivosdo ttulo cambirio,dosdireitos respectivos,pormcom inteira autonomia,de

    43 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos ttulos de crdito, so Paulo: saraiva, 1943, p. 59 e ss.

    44 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos ttulos de crdito, so Paulo: saraiva, 1943, p. 59.

    45 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos ttulos de crdito, so Paulo: saraiva, 1943, p. 51. Em igual sentido, ver Giuseppe Gualtieri e Ignacio Winizky. Ttulos cir-culatrios, 4. ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavala Editor, 1974, p. 65.

    46 Fran Martins, Ttulos de cr-dito, 3. ed. v. I, Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 8.

    47 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos ttulos de crdito, so Paulo: saraiva, 1943, p. 51.

    48 Giuseppe Gualtieri e Ignacio Winizky. Titulos circulatorios . 4. ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavala Editor, 1974, p. 66.

    49 Neste sentido, a literalidade constitui o aspecto passivo da autonomia, afigurando-se uma categoria suprflua, que diria respeito apenas s defesas ditas objetivas fundadas em relaes mencionadas no ttulo. Giuse-ppe Gualtieri e Ignacio Winizky. Titulos circulatorios. 4. ed. Bue-nos Aires: Victor P. de Zavala Editor, 1974, p. 66.

    50 Ver, por exemplo, Rubens Re-quio. Curso de direito comercial. 20. ed. so Paulo: saraiva, 1995, v. 2. p. 296.

  • 31FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    modoquenohsomenteaautonomiadasobrigaescambirias,existetambmaautonomiadosdireitoscambirios,donderesultaoprincpio da inoponibilidade das objees ou excees.51

    51 Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Ja-neiro: Borsoi, 1972. v. 34, p. 18.

  • 32FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    aula 5: a legitiMao caMBiria

    objetiVos pedaggicos da aUla 5

    a) competncias

    Reflexodogmtica.

    b) Habilidades

    GeraisConhecerodebatedogmtico.Compreender o impacto prtico de debate terico.

    EspecficasAvaliar o impacto prtico da legitimao cambiria sobre os mecanismos econ-

    micos de financiamento da empresa.Compararosdiferentesmecanismosdelegitimaoparaoexercciodeao.

    c) contedos

    1. Titularidade e legitimao. 1.1.Titularidaderelaodeidoneidadeentreosujeitoeoobjetojurdico.1.2.Legitimaoposiodeumsujeitoparaconcluirumnegciojurdico.1.2.1.Problemadalegitimao.1.2.2.Espciesdelegitimao(a)ordinria,emquecoincidemnamesmapessoa

    otitulardodireitoeolegitimado,eparaquehajalegitimaoaoexercciododirei-tohanecessidadedeprovadatitularidade;(b)indireta,emqueolegitimadoatuaem virtude de um poder de representao convencional ou legal outorgado pelo titular;ashipteses(a)e(b)soasprevistasnoart.6doCdigodeProcessoCivilc/coart.308doCdigoCivil;e(c)extraordinria,emqueolegitimado,combasenaaparnciadetitularidade,atuaemnomeprpriocomeficcianaesferajurdicado titular; exemplo: arts. 309 e 1.268 do Cdigo Civil.

    1.3. Dissociao entre titularidade e legitimao. 1.3.1.Relaoentreapropriedadedottuloeatitularidadedodireitoconstitu-

    do pelo ttulo. 1.3.2.Oprincpiodacartularidade,ouincorporao,oulegitimaocambiria

    relaoentreapossequalificadaealegitimaoaoexercciododireitomencio-nadonottulo,ainvestiduraformalnapossedottulooupossequalificadapelaleidecirculaodottulo(art.16,1alneadoAnexoIdoDecreton57.663/66;art.22daLein7.357/85),arelaoentrea legitimaoeaaparncia.Apossecomofatodeapropriaoexclusivasobreacoisaealegitimao(art.32,1,doDecreto-lein413/69;art.31,1,doDecreto-lein167/67).Eficcialiberatriadopagamentofeitopelodevedoraoportadorlegitimado(art.40,3alnea,doAne-

  • 33FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    xoIdoDecreton57.663/66;art.39daLein7.357/85).Contudo,obancoquepagachequeendossadoporpessoajurdicadeveconferirseapessoaqueendossouocheque tinhapoderesprevistosnoestatuto social:REsp280.285-SP, rel.Min.Slvio de Figueiredo Teixeira,EREsp2080.285,rel.Min.NancyAndrighi e REsp171.299-SC,rel.Min.SlviodeFigueiredoTeixeira.

    1.3.3.Alegitimaocedefacedemonstraodafaltadetitularidade.Humainversodonusdaprovaquantopresunodapresenadeboa-f,queconduzaumapresunodetitularidade.Porisso,diz-setitularidadeaparente.

    atiVidades de preparao do alUno (leitUra obrigatria)

    Leitura prvia obrigatria de:TextodeapoiodaAula5.EREsp280285/SP,queseencontranoAnexoIdestaaula.

    pergUntas e proposies preparatrias

    Namobilizaocambiriadoscrditos,quempodeexercerodireitoeaquemse deve pagar?

    Metodologia da aUla

    Aula expositiva e socrtica

    dinMica da aUla (atiVidade)

    Debate com a classe.

    atiVidade coMpleMentar (leitUra)

    FARIA,WerterR.Aes cambiriasPortoAlegre:Safe,1987.pp.31-35.

  • 34FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    texto de apoio da aUla 5

    titularidade e legitimao

    Osconceitosdetitularidadeelegitimaosodistintos.Enquantoatitularidadeconsisteemumarelaodeidoneidadeentresujeitoeobjetojurdico,alegitima-oresultadeumaposio,isto,deummododeserparacomosoutros52. No entanto,deregra,alegitimaoaoexercciodeumdireitopressupe,porpartedosujeitoquepretende exerc-lo, aprovadeque titulardestedireito.Verifica-se,assim,aregradalegitimaoordinria ou comum,pelaqualsomenteotitulardodireito legitima-se a exerc-lo. A legitimao ordinria evidencia que, conformeensinaTullioAscarelli,umdosproblemasmaisdelicadosdosistemajurdicooda demonstrao da identidade do titular de um direito subjetivo ou de um poder jurdico.53

    Conquantoseja,atodaevidncia,amaisfreqente,alegitimao ordinriaisto,aquelaemquecoincidemnamesmapessoaotitulardodireitoeolegitimado54,eparaquehaja legitimaoaoexercciododireitohanecessidadedeprovadatitularidade,noconsistenanicaespciedelegitimao.Existemduasoutrashiptesesemqueselegitimaaoexercciodeumdireitosujeitodiversodotitulardestedireito.Naprimeirahiptese,ocorreachamadalegitimaoindireta,emqueo legitimado atua em virtude de um poder de representao convencional ou legal outorgadopelotitulardodireitoouemrazodalei;nasegundahiptese,hale-gitimao aparente, extraordinria ou excepcional55,emqueolegitimado,combasena aparnciadetitularidade,atuaemnomeprpriocomeficcianaesferajurdicado titular.Tantona legitimaoordinria comona indireta,humnexocomatitularidade.Contudo,enquantoalegitimaoordinriaocorreapenasseosujeitoquepretendeexercerodireitodemonstrarquetitular,a legitimao indireta,ealiodeFrancescoCarnelutti,funda-senopropriamentenasituaoinicial,masnumasituaoconexaouaelaligada,resolvendo-se,porisso,nacoincidnciaentreoagenteouopacienteeosujeito,nodasituaoinicialmasdeumasituaoconexa com a situao inicial.56

    Interessa-nos,aqui,emespecial,ainvestigaoacercadalegitimaoaparente,queaespciedelegitimaoaplicvelaosttulosdecrdito.Oordenamentojur-dico,emcircunstnciasexcepcionais,concedeaquemnotitulardodireitoapos-sibilidadedelegitimar-seaoexercciodestedireito.oquantoocorre,porexemplo,comalegitimaoparadispordapropriedadedeumbemmvel.Enquantoaregrageral de circulao das coisas mveis representada pelo brocardo nemo dat quod non habet,ouseja,somenteselegitimaaalienarapropriedadedeumbemmvelpelatradioquemforoseuproprietrio,existehipteseemquesepermiteaquemnoproprietriotransferirapropriedadedebemmvelpelatradio,desdequeoalienantenoproprietrio,emdeterminadascircunstncias,aparente,aosolhosdoadquirentea non domino edacoletividade,serproprietriodacoisatransferida,consoantearegracontidanoart.1.268doCdigoCivil,segundaparte.Damesmaforma,enquantoopagamento,para irradiareficcia liberatriadodevedor,deve

    52 Francesco carnelutti, Teoria Geral do direito, so Paulo: sa-raiva, 1942, p. 364.

    53 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: saraiva, 1943, p. 223.

    54 Emilio Betti. Teoria general del negocio jurdico. 2. ed. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, p. 177.

    55 Emilio Betti. Teoria general del negocio jurdico. 2. ed. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, p. 178.

    56 Francesco carnelutti. Teoria geral do direito. so Paulo: sa-raiva, 1942, p. 367.

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    TTulOs DE cRDITO

    serfeitosomenteaotitulardocrdito,hhipteseexcepcionalpelaqualsepermitequeopagamentofeitoaquemnosejaproprietriolibereodevedor.Estaltimahipteserespeitaaochamadocredorputativo,cujaprevisolegalseencontranoart.309 do Cdigo Civil.

    Todasashiptesesemquesedalegitimaoaparentepossuememcomumofatodequeaquelequeselegitimaaoexercciododireitonootitulardodireito,masaparentaserotitulardodireitoaosolhosdeterceiros.Assim,apossibilidadedeumno-titular legitimar-se ao exercciodeumdireito cuida, emverdade,detutelaraosterceirosdeboa-fquedepositaramsuaconfiananalegitimaoapa-rente do autor do negcio.57 A legitimao aparente relaciona-se diretamente com ateoriadaaparncia58,pois,comoensinaFrancescoCarnelutti,alegitimaodosinstitutosemquemelhorseapreciaovalordoprincpiodaaparnciajurdica,dequenosltimostempossetemfaladomaisdoqueasuasimplicidadepedia.Nadamaissetratadoquedeatribuir,paratuteladaboa-f,osefeitosdasituaojurdicasituaomaterialque lhecorresponde,prescindindodaexistnciarealdosseuselementosjurdicos,desdequedelesexistapelomenosaparncia.Poroutrolado,comoamaispersuasivaaparnciadopoderjurdicoadadapeloprevalecimentoefetivodointeresseacujatuteladopodersedestina,somanifestososlaosqueunemoprincpiodaaparnciaaoinstitutodaposse,aqualporexcelnciarepresen-taasituaodefatoquemaisaparnciatemdesituaodedireito.59

    legitimao cambiria

    a legitimao aparente a espcie de legitimaoquemarca a disciplina dosttulos de crdito60,sintetizadanoprincpiodacartularidade,tambmchamadodeprincpio da incorporao61.Esteprincpioafirmacomoumtraocaractersticodacirculaocambiria,equeadistinguedacirculaopelacessocomumdedireitos,justamente,apossibilidadedeumterceiroportador(ouosimplesdetentordeumaletra,nadicodoart.16,1alneadaLUG.),quenoooriginaltitulardodireitocartular,exercerodireitocartularemrazodasimplespossequalificadapelaleidecirculaodottulo.Assim,enquantoatitularidadedodireitoconstitudoporumttulodecrditopressupeapropriedadedestettulo,aqualporsuavezdecorredapossedeboa-fdeacordocomaleidecirculao,alegitimaocambiriaprescin-dedaprovadatitularidadedodireito(edapropriedadedottulo,portanto),paracontentar-seapenascomaaparnciadetitularidade,queseverificapelaaparnciadepropriedadedottulo.Maisprecisamente,paraalgumexercerodireitomen-cionadoemumttulodecrdito,dispensa-seaprovadatitularidade,poisbastaaaparnciadetitularidade.Cumpre,pois,determinarquaisoselementosqueconfor-mamestaaparnciadetitularidade.

    A titularidade do direito constitudo por um ttulo de crdito decorre da pro-priedade do ttulo. A propriedade do ttulo de crdito decorre da reunio da posse deboa-fdeacordocomaleidecirculao.Destestrselementos,apenasaposseealeidecirculaosoaparentes,umavezqueaboa-f,aquientendidasubjetiva-mente,nopossuimanifestaoexterior.Dessemodo,soelementosaparentesda

    57 Emilio Betti. Teoria general del negocio jurdico. 2. ed. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, p. 180.

    58 Francesco carnelutti. Teoria geral do direito. so Paulo: sa-raiva, 1942, p. 362 e ss., Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 18 e ss., e Emilio Bet-ti. Teoria general del negocio jurdico. 2. ed. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, p. 166 e ss.. Todos esse autores explicam o princpio da legitimao com base na teoria da aparncia. Tullio Ascarelli (Teoria geral dos ttulos de cr-dito, pp. 223 e ss., notadamente na p. 230), contudo, critica a vinculao da explicao do princpio da legitimao teo-ria da aparncia, pois, conforme entende, para que se possa explicar a legitimao com base na aparncia, seria necessrio que o documento de legitima-o fosse reconhecido por nor-ma legal, concluso que no se coadunaria com o pacfico reconhecimento da funo de legitimao em muitos docu-mentos (p. ex., fichas de vesti-rio de teatro, etc.) ignorados por qualquer disposio legal. (op. cit., p. 231, nota 1)

    59 Francesco carnelutti. Teoria geral do direito. so Paulo: sa-raiva, 1942, p. 373-374.

    60 Emilio Betti. Teoria general del negocio jurdico. 2. ed. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1959, p. 180; e Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 19.

    61 Eunpio Borges, Ttulos de crdito, Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 12.

  • 36FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    propriedade de um ttulo a posse de acordo com a lei de circulao. Quem as tiver aparentarserproprietriodottulo,logotambmaparentarsertitulardodireito.Daporquesedizquelegitimadoaoexercciododireitomencionadoemumt-tuloquemestiverformalmenteinvestidonapossedottuloou,emoutraspalavras,tiverapossequalificadapelaleidecirculaodottulo(art.16,1alneadoAnexoIdoDecreton57.663/66;art.22daLein7.357/85).Dadizer-sequeosttulosde crdito so documentos de apresentao62,poissomenteaquelequeestiveremcondiesdeapresent-loaodevedorqueselegitimaraoexercciodaao.Porestarazo,acpiacomum(documentoprobatrio)nuncasubstituiacpiacambi-ria(documentolegitimador).63Somentequemtiverapossedooriginaldottulodecrditoselegitimar,portanto,aoexercciododireitomencionadonottulodecrdito.

    Alegitimaoaoexercciododireitocartularcombasena investidura formalnapossedo ttulo,portanto,distintadahiptesede legitimaoordinria,emquesomenteselegitimaaoexercciododireitoquemdemonstrarseroseutitular.Ocorre,pois,emdireitocambirio,umadissociaoentretitularidadeelegitima-o,pois,conformealiodeWerterFaria,atitularidadedodireitodecrditoealegitimaooracoincidem,orano,poisaquelaserelacionacomapropriedadedodocumentoeesta,comaposse.Oproprietrioe,porconseqncia,titulardodireito,podecarecerdelegitimaoparaexigiraprestao.64

    Partedadoutrinacambiriaentendeua legitimaoextraordinriaqueocorrenos ttulos de crdito como um fenmeno processual em que h uma inversodo nus da prova65quantopresunodapresenadeboa-f,queconduzaumapresuno de titularidade. Por isso, diz-se titularidade aparente emque h umapresuno iuris tantum atitularidade,comoqueselegitimaoportadoraoexercciododireito.Istoquerdizerquealegitimaocedefacedemonstraodafaltadetitularidade.ParaTullioAscarelli,noentanto,encontrarofundamentodalegitima-ocambirianainversodonusdaprovacaptamaisoresultadoprticodotema,semevidenciarosfundamentospelosquaisainversodonusdaprovadecorreriada legitimao cambiria66.que,emverdade,ofundamentodalegitimaoresidenapossibilidadedeexoneraododevedorquepagasemfraudeouculpaaolegiti-mado,semprequeessaexoneraoforprevistaporlei67.

    Destemodo, enquantoa regradedireito comum indicaqueodevedor,parapagarcomeficcialiberatria,deverealizaropagamentoaocredorleia-setitu-larouaquemdedireitolherepresente,nodireitocambirio,aregrainverte-se,poisbastaaodevedorpagarquelequeaparentasertitulardodireito.Comefeito,porumlado,legitima-seativamenteaoexercciododireitoaquelequeseencontraformalmenteinvestidonaposse,independentementedeserotitulardodireito,poroutrolado,odevedorque,deboa-f,pagaaquemaparentarsertitular,pagacomeficcialiberatria,consoanteodispostonoart.art.40,3alnea,daLUGenoart.39daLein7.357/8568.Contudo,obancoquepagachequeendossadoporpessoajurdicadeveconferirseapessoaaquemseatribuioendossonochequetinhapo-deresprevistosnoestatutosocial,conformereiteradosarestosdoSuperiorTribunaldeJustia69.

    62 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Ja-neiro: Borsoi, 1972. v. 34, p. 11.

    63 Werter R. Faria. Aes cambi-rias. Porto Alegre: safE, 1987, p. 12.

    64 Werter R. Faria. Aes cambi-rias. Porto Alegre: safE, 1987, p. 31.

    65 Ismael E. Bruno Quijano. El endoso. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1958, p. 21.

    66 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: saraiva, 1943, p. 228.

    67 Tullio Ascarelli. Teoria geral dos ttulos de crdito. so Paulo: saraiva, 1943, p. 228 e ss.

    68 REsp 60.088-MG, rel. Min. carlos Alberto Menezes Direito e REsp 21.024-PR, rel. Min. Dias Trindade.

    69 REsp 280.285-sP, rel. Min. slvio de Figueiredo Teixeira, EREsp 2080.285, rel. Min. Nancy Andrighi e REsp 171299-sc, rel. Min. slvio de Figueiredo Teixeira.

  • 37FGV DIREITO RIO

    TTulOs DE cRDITO

    anexo i eresp 280.285/sp

    eMbargos de diVergncia eM resp n 280.285 - sp (2001/0122422-7)RELATORA:MINISTRANANCYANDRIGHIREL.P/ACRDO:MINISTROANTNIODEPDUARIBEIROEMBARGANTE:BANCOITAS/AADVOGADO:GUILHERMEPIMENTADAVEIGANEVESEOUTROSEMBARGADO:FAZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.ADVOGADO:LUIZANTNIOSAMPAIOGOUVEIAEOUTROS

    EMENTADireitocomercialedireitoprocessualcivil.Cheque.Irregularidadedosendos-

    sos.Responsabilidadedobancointercalar.DivergnciaentrejulgadosdasTurmasquecompemaSegundaSeo.

    IObancoapresentantedochequecmaradecompensaotemodeverdeverificara regularidadedasucessodosendossos.Deve,pois, tomaracauteladeexigirprovadalegitimidadedoendossante,como,porexemplo,cpiadocontratosocialdaempresa,quandoottulofornominalapessoajurdica.

    IIEmbargosdedivergnciaconhecidos,masrejeitados.

    ACRDOVistos, relatados e discutidos os autos emque so partes as acima indicadas,

    acordamosMinistros da SEGUNDASEOdo SuperiorTribunal de Justia,prosseguindonojulgamento,apsovoto-mritodoSr.MinistroCesarAsforRo-cha,rejeitandoosembargosdedivergncia,ovotodoSr.MinistroAriPargendler,recebendo-os emparte,o votodoSr.MinistroCarlosAlbertoMenezesDireito,acolhendo-os,eovotodoSr.MinistroAldirPassarinhoJnior,rejeitando-os,pormaioria,vencidososSrs.MinistrosCesarAsforRochaeAldirPassarinhoJnior,conhecerdosembargos;nomrito,vencidosaSra.MinistraNancyAndrighieosSrs.MinistrosCastroFilho eCarlosAlbertoMenezesDireito e, emparte,oSr.MinistroAriPargendler,osrejeitar.

    LavraroacrdooSr.MinistroAntnioePduaRibeiro.Napreliminar,foramvotosvencedoresaSra.MinistraRelatoraeosSrs.Minis-

    trosCastroFilho,AntniodePduaRibeiro,SlviodeFigueiredoTeixeira,RuyRosadodeAguiar,AriPargendlereCarlosAlbertoMenezesDireito.

    Nomrito,foramvotosvencedoresosSrs.MinistrosAntniodePduaRibeiro,SlviodeFigueiredoTeixeira,CesarAsforRocha,RuyRosadodeAguiareAldirPassarinhoJnior.

    NoparticipoudojulgamentooSr.MinistroFernandoGonalves(art.162,2,doRISTJ).

    Ausente,justificadamente,aSra.MinistraNancyAndrighi.Braslia,25dejunhode2003(DatadoJulgamento).MinistroAntniodePduaRibeiroRelator

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    TTulOs DE cRDITO

    eMbargos de diVergncia eM resp n 280.285 - sp (2001/0122422-7)RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    RELATRIOCuida-sedeembargosdedivergnciaemfacedeacrdoproferidopela4Tur-

    maqueproveuorecursoespecialparareconheceraresponsabilidadedainstituiofinanceirapelaverificaodaregularidadedasriedeendossos,nostermosdoart.39daLein.7.357/85,emchequedeemissodeterceiro,nominalempresaFA-ZENDASREUNIDASBOIGORDOLTDA.,quefoiendossadoirregularmenteporex-gerentedesta,emseubenefcioeemdetrimentodaempresaautora.

    Aementadoacrdoembargadofoilavradanosseguintestermos:

    DIREITOPROCESSUALCIVILECOMERCIAL.NEGATIVADEPRES-TAO JURISDICIONAL. AUSNCIA. CHEQUE. ENDOSSO VICIADO.

    RESPONSABILIDADEDOBANCO,QUERECEBEOCHEQUEPARADE-PSITOSEMCONFERIRALEGITIMIDADEDOENDOSSANTE.PRECE-DENTEDATURMA.DOUTRINA.RECURSOPROVIDO.

    IConsoante jproclamouprecedentedaTurma (REspn171.299-SC,DJ

    5.10.98),oestabelecimentobancrioestdesobrigado,nostermosdalei(art.39da

    LeidoCheque),averificaraautenticidadedaassinaturadoendosso.Poroutrolado,

    todavia,talnosignificaqueainstituiofinanceiraestariadispensadadeconferira

    regularidadedosendossos,aincludaalegitimidadedoendossante.

    IIObanco,aoaceitarchequesendossados,devetomaracauteladeexigirpro-vadalegitimidadedoendossante,como,porexemplo,cpiadocontratosocialda

    empresa,quandonominalapessoajurdica.Seassimnoseentender,estar-se-a

    permitirqueterceirospossamendossaremseuprpriofavor,emmanifestolocuple-tamento indevido. ...

    AdivergnciasuscitadacomamparonoREsp21024,Rel.Min.DiasTrindade,DJde22-06-1992enoREsp43.510,Rel.Min.CludioSantos,DJde05-02-1996,cujasementasso,respectivamente,asseguintes:

    COMERCIAL.CHEQUE.ENDOSSO.PAGAMENTOAOPORTADOR.

    Oestabelecimentobancrioestadispensadodeconferiraautenticidadedaassi-naturadeendossantedechequenominal,parapagamentovista,masapenasasua

    regularidadeformal(art.39-lei7.357/85).

    RESPONSABILIDADECIVIL.BANCOAPRESENTANTEDOCHEQUE

    ACOMPENSAO.ENDOSSOFRAUDULENTO.

    I.Obancoapresentantedochequeacompensaoestobrigadoapenasacon-feriraregularidadedaseriedosendossos.Noaautenticidadedasassinaturasdos

    endossantes.II.Aexignciadeendossoempreto,nominativo,no temrelevncianocaso

    dosautos,considerando-sequeoschequesforamdepositadosnacontacorrentedo

    prprioagentefraudadordoendosso.

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    TTulOs DE cRDITO

    III.Divergnciajurisprudencialnocomprovada.

    IV.Recursoespecialnoconhecido.

    Narraoembargante,BANCOITAS/A,queosacadoestobrigadoaverificararegularidadedasriedeendossos,masnotemodeverlegaldeanalisaraauten-ticidadedaassinaturadosendossantes,nostermosdoart.39daLein.7357/85,dianteda teoriadaaparnciacambiria;quea responsabilidadedobanco,nostermosdaSmulan.28/STF,pelopagamentodechequefalsooualterado,quenoahipteseexaminada.

    Alegaque:

    Ov.arestoembargado, todavia,peumadistinoentrea aut