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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO E DOUTORADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS Aline Burin Cella CONSÓRCIOS PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS COMO MECANISMOS DO FEDERALISMO: A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS TRIBUTÁRIAS DE COMBATE À GUERRA FISCAL BASEADAS NA SOLIDARIEDADE SOCIAL Santa Cruz do Sul, RS, dezembro de 2009

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO E D OUTORADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICA S PÚBLICAS

Aline Burin Cella

CONSÓRCIOS PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS COMO MECANISMOS DO

FEDERALISMO: A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS TRIBU TÁRIAS DE

COMBATE À GUERRA FISCAL BASEADAS NA SOLIDARIEDADE S OCIAL

Santa Cruz do Sul, RS, dezembro de 2009

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Aline Burin Cella

CONSÓRCIOS PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS COMO MECANISMOS DO

FEDERALISMO: A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS TRIBU TÁRIAS DE

COMBATE À GUERRA FISCAL BASEADAS NA SOLIDARIEDADE S OCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – Área de concentração em Políticas Públicas – da Universidade de Santa Cruz do Sul, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Hugo Thamir Rodrigues

Santa Cruz do Sul, RS, dezembro de 2009

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Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito

como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão

organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,

nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.

Bertold Brecht

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Aos meus pais, fontes de carinho,

inspiração, coragem e conforto. Com o amor de sempre.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus familiares pelo amor, incentivo e compreensão,

fundamentais durante todo o Mestrado e, especialmente, naquele momento em que

as adversidades pareciam insuperáveis, guiando-me pelos caminhos da serenidade.

Agradeço aos meus colegas de trabalho pela dedicação, apoio e tolerância nos

momentos em que estive ausente, que me permitiram concluir mais uma etapa de

aprendizado.

Agradeço ao professor Doutor Hugo Thamir Rodrigues, meu orientador, pelo

incentivo e seriedade na condução deste trabalho, qualidades que merecem respeito

e admiração.

Agradeço à professora Sandra Beatriz Koelling, pela criteriosa revisão do

trabalho.

Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito –

Mestrado e Doutorado, pelo aprendizado oportunizado.

Agradeço aos colegas, pelas amizades construídas e pelas experiências

vividas.

Agradeço à Coordenação e Secretaria do Mestrado, pela presteza e dedicação

durante todo o curso.

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RESUMO

O estudo objetiva verificar a possibilidade de criação dos consórcios públicos intermunicipais como instrumentos de cooperação do federalismo, visando o combate à guerra fiscal, no âmbito da Constituição Federal de 1988 e da Lei 11.107/05. A abordagem centra-se na posição dos municípios como entes autônomos e as suas políticas tributárias, especialmente as extrafiscais, que através de incentivos, isenções ou imunidades podem modificar comportamentos para atrair investimentos privados, mediante renúncias fiscais, sob a falsa idéia de desenvolvimento econômico. A pesquisa parte da análise da realidade social, de conhecimento preestabelecido, buscando-se inicialmente o contexto municipal e sua caracterização como ente que possui organização própria, com capacidade de administração, de receita e de legislação. Estes aspectos reforçam a posição dos municípios como entes capazes de contratar consórcios e de realizar políticas públicas cooperadas, sem a necessidade de intensas ofertas de benefícios fiscais. Todo o arcabouço defendido assenta-se sobre o pano de fundo da solidariedade prevista no artigo 3º., III da CF/88, aplicado à matéria tributária, baseado na idéia de que todos, guardadas as devidas exceções, devem contribuir, pagando impostos, para a realização do Estado fiscal, pois não há Estado sem tributação. Sem o financiamento fiscal não haverá realização dos direitos fundamentais, nem a devida prestação dos serviços públicos. Apresentam-se, então, os consórcios públicos, que podem ser criados entre os vários níveis da federação, como meios de realização de políticas públicas para combate à guerra fiscal e de desenvolvimento nacional cooperado e não competitivo.

Palavras-chave: Consórcios; políticas públicas; guerra fiscal

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RIASSUNTO

Lo studio ha per oggeto controllare la possibilità della contratazione pubblici consorzi dei comuni come strumenti della cooperazione alla federazione per la bataglia contro la guerra fiscale, davanti alla Constituzione Federale de 1988 e della Lege 11.107/05 che ha creato i pubblici consorzi. L’abbordo ha come punto centrale la posizione dei Comuni come ente autonomo ed le fiscale politiche especialmente quelle che non cercano risparmiare soldi, ma che sopratutto attraverso gli stimoli, dispensa o immunità puossono stigare condotta ed investimenti privati contro sacrificio fiscale. Il lavoro parte del contesto sociale ed premesse logiche, essendo, soltanto, oggeto d’affronto iniziale i Comuni ed sue carateristiche come enti che hanno le proprie organizazione, capacità amministrazione, ricette ed legislazioni. Questi aspetti fanno riforzare la posizione dei Comuni come enti in grado di contrattare consorzi ed effetuare pubbliche politiche di cooperazione, senza la necessità di offrire intensi benefici fiscali. Tutta questa costruzione ha come sfondo il principio della solidarietà che sta nell’articollo 3°., III della Costituzione della Repubblica Federativa del Brasile applicato sull’idea che tutti, con le sue eccezioni, dovrebbe contribuire con il pagamento delle tasse alla realizzazione dello Stato fiscale, perchè non ha Stato senza le tasse. Senza i finanziamenti non ci sarà la realizzazione fiscale dei diritti fondamentali, oppure l'effettiva fornitura di pubblici servizi. Sono presentati, così, i pubblici consorzi, che potrebbero crearesi tra i diversi livelli di governo, come mezzo per realizzare politiche pubbliche, con l'accento nei Comuni, come un meccanismo per la lotta contro la fiscale guerra ed nazionali sviluppo cooperativo e non competitivo.

Parole-chiave: consorzi; pubblici politici; guerra fiscale

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LISTA DE ABREVIATURAS

IE Imposto de exportação

II Imposto de importação

IRPF Imposto sobre a renda de pessoa física

IRPJ Imposto sobre a renda de pessoa jurídica

IPTU Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana

ITR Imposto sobre a propriedade territorial rural

ISS Imposto sobre prestações de serviços de qualquer natureza

ICMS Imposto sobre operações de circulação de mercadorias e prestações de

serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações

IPVA Imposto sobre a propriedade de veículos automotores

IPI Imposto sobre produtos industrializados

CIDE Contribuição interventiva no domínio econômico

COFINS Contribuição para financiamento da seguridade social

COSIP Contribuição para o custeio de serviços de iluminação pública

ITCMD Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e

direitos

ITBI Imposto sobre a transmissão de bens imóveis

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

CPMF Contribuição sobre as movimentações financeiras

IOF Imposto sobre operações financeiras

IGF Imposto sobre grandes fortunas

DF Distrito Federal

PPP Parcerias público-privadas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 11

1 O FEDERALISMO BRASILEIRO E A AUTONOMIA MUNICIPAL..................... 14

1.1 Um sistema jurídico de princípios e normas................................................... 14

1.2 Os princípios federativo e republicano............................................................ 17

1.3 Conceito e função social do município............................................................ 22

1.4 A competência tributária.................................................................................. 28

1.5 A repartição da competência e da receita tributária........................................ 32

1.5.1 Tributos federais........................................................................................... 35

1.5.2 Tributos estaduais........................................................................................ 36

1.5.3 Tributos municipais...................................................................................... 37

1.5.4 Tributos do Distrito Federal.......................................................................... 37

1.6 O espaço local e a participação dos atores sociais........................................ 38

2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS TRIBUTÁRIAS DE INCLUSÃO SOB A ÓTICA DA

SOLIDARIEDADE SOCIAL................................................................................... 45

2.1 As políticas públicas e o cenário mundial no fim do século XX...................... 52

2.2 Política e políticas públicas: conceito e formação........................................... 60

2.2.1 O conceito de política................................................................................... 60

2.2.2 A formação das políticas públicas................................................................ 61

2.2.3 As dimensões das políticas públicas em seus aspectos conceituais........... 63

2.3 As políticas públicas tributárias ...................................................................... 65

2.3.1 Funções dos tributos: fiscalidade, extrafiscalidade e parafiscalidade.......... 65

2.4 Solidariedade social e políticas tributárias...................................................... 70

2.5 Guerra fiscal: o aprisionamento dos municípios............................................. 76

3 OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS COMO VIA PROMOTORA DE POLÍTICAS

PÚBLICAS ............................................................................................................ 78

3.1 Consórcios públicos, convênios e operações urbanas consorciadas............. 80

3.2 A gestão associada dos serviços públicos: as dissidências sobre a

constitucionalidade da lei 11.107/2005................................................................. 84

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3.3 A personalidade jurídica nos consórcios públicos: uma abordagem sobre a

associação pública e a pessoa jurídica de direito privado.................................... 86

3.4 Consorciados, área de atuação e objetivos dos consórcios públicos............. 89

3.5 As figuras contratuais dos consórcios públicos............................................... 91

3.5.1 Breves anotações sobre a teoria geral dos contratos.................................. 92

3.5.2 A teoria geral dos contratos administrativos................................................ 93

3.5.3 Os contratos consorciais em espécie........................................................... 94

3.5.3.1 O protocolo de intenções.......................................................................... 94

3.5.3.2 O contrato de rateio................................................................................... 97

3.5.3.3 O contrato de programa............................................................................ 99

3.6 Os consórcios públicos e a responsabilidade fiscal........................................ 100

3.7 A participação social nos consórcios públicos................................................ 102

3.8 Os consórcios públicos intermunicipais como via promotora de políticas

tributárias de inclusão social, baseados no federalismo e na solidariedade

social..................................................................................................................... 104

CONCLUSÃO........................................................................................................ 111

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 116

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação tem a finalidade de estudar, limitada ao âmbito da

Constituição Federal de 1988, a formação de consórcios públicos intermunicipais

como instrumentos de combate à guerra fiscal mediante a ótica de federalismo

cooperativo, utilizando-se das políticas tributárias baseadas na solidariedade social

como dever de contribuir para a realização do Estado e dos direitos fundamentais.

Por muito tempo questionou-se, e ainda se questiona na doutrina, a inserção

dos municípios na estrutura organizacional da federação como entes autônomos e

federados. Essa celeuma deu-se sob os aplausos e constrangimentos da adoção da

federação trina no Brasil, por destoar do modelo federado tradicional.

Por terem sido contemplados pela Constituição, com a competência para

estabelecer suas próprias receitas, os municípios são considerados entes federados

dotados de autonomia para gerir os problemas no âmbito mais próximo dos

cidadãos. Entretanto, na consecução de tal autonomia, percebe-se a prática de

políticas tributárias incompatíveis com a ideia do federalismo, na medida em que os

municípios lutam entre si, egoisticamente, na busca de progresso econômico,

fomentando uma guerra fiscal.

Aparentemente, a guerra fiscal baseada na extrafiscalidade tributária favorece

a atração de investimentos econômicos através da instalação de empresas em

determinado município, onde as renúncias fiscais seriam superadas pela geração de

empregos que poderiam propiciar a redução das desigualdades e a melhoria na vida

dos cidadãos, o fortalecimento de empresas e arrecadação tributária. Porém, na

maioria das vezes, as consequências são evidentemente mais danosas que

benéficas. Economicamente, a guerra fiscal não passa de um artifício que, ao buscar

maior eficiência econômica, traz, sim, apenas custo social mais elevado, pois,

reflete-se na diminuição da qualidade dos serviços públicos.

Assim, a guerra fiscal deve ser combatida com mecanismos de ajuste e

cooperação entre os municípios, diminuindo as tensões regionais, eliminando a

necessidade de competição que prejudica os munícipes.

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Os consórcios intermunicipais resultam da articulação de interesses específicos

e localizados, e devem ter como objetivo uma política pública. Para sua formação, é

elementar a identificação de um fator carecedor comum a todos aqueles que

pretendem se consorciar, bem como a oportunidade e a conveniência da atuação da

Administração Pública. A lei 11.107/05 que criou esta figura dos consórcios públicos

e foi regulamentada pelo Decreto 6.017/07 pode viabilizar esse ajuste entre os

municípios e outros entes federados.

O trabalho desenvolve-se a partir da constatação da posição dos municípios

como entes federados, tendo como marco temporal a Carta Constitucional de 1988.

Segue ao abordar a solidariedade social como princípio para a construção de

políticas públicas tributárias inclusivas e de combate à guerra fiscal, por representar

retrocesso ao federalismo, que se entende, deva atuar de forma coordenada e

cooperada para a construção do Bem Comum.

Na parte final, o trabalho visa a apresentar os consórcios públicos como

possíveis instrumentos para a coordenação federada em todos os níveis,

especialmente na forma intermunicipal, bem como as fases de sua elaboração.

Esta pesquisa adota o método dedutivo, considerando, especialmente, que o

estudo não parte de meras conjecturas abstrativas, mas da observação do contexto

social e jurídico real e atual, ou seja, há uma prévia concepção formulativa como

ponto de partida.

A problemática central aqui desenvolvida reside na viabilidade da adoção dos

consórcios públicos como ferramentas de combate à guerra fiscal, através da

modificação do comportamento tributário dos entes federados, com vistas à

cooperação nacional.

Para fins didáticos e metodológicos este trabalho encontra-se estruturado em

três capítulos, destinando-se o primeiro a análise do município como ente autônomo

e integrante do federalismo, enquanto no segundo abordam-se as políticas públicas

tributárias e a solidariedade social como princípio de dever de todo cidadão em

contribuir para as despesas do Estado, como realização da cidadania e meio hábil

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ao controle da extrafiscalidade dos tributos. O último capítulo tem como objetivo a

análise da atual legislação sobre os consórcios públicos, suas modalidades e

especialmente, se podem servir mecanismos de combate à guerra fiscal pelo esforço

conjunto de diversos municípios através da modificação de políticas tributárias.

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1 O FEDERALISMO BRASILEIRO E A AUTONOMIA MUNICIPAL

Ao incluir o município como parte autônoma da República Federativa, o

primeiro artigo da Constituição Federal de 1988 trouxe nova coloração jurídica a este

ente, suscitando discussão sobre a autonomia e soberania e os princípios

republicano e federativo.

Como princípios básicos ao atual sistema jurídico brasileiro, que a partir de

1988 emergiram com nova fundamentação, ambas, federação e república estão

estampados na Carta Constitucional, como forma de Estado e de governo.

Antecedendo a pesquisa ora proposta, convém delinear o modelo de

interpretação constitucional que acompanhará o presente trabalho.

1.1 Um sistema jurídico de princípios e normas

Privilegia-se aqui a compreensão de Joaquim José Gomes Canotilho1, ao

estabelecer que o sistema jurídico é composto por um modelo onde há

predominância do gênero chamado norma, de onde fluem os princípios e as regras,

revelando que considera a Constituição um “[...] sistema normativo aberto de regras

e princípios”2.

Para justificar esse conceito, o jurista português investigou alguns aspectos do

sistema jurídico. O primeiro deles denomina de jurídico, porque é um sistema

dinâmico de normas. Em segundo lugar, acredita-o aberto, pois, as normas podem

se adaptar a outras realidades, modificando-se internamente para englobar outras

estruturas sobre aquelas travadas no seio da sociedade facilmente adaptáveis à

dinâmica social, admitindo e alargando parâmetros de verdade e de justiça3. A

seguir o define como “[...] sistema normativo, porque a estruturação das expectativas

referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas”4. E,

1 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina,

[199-], p. 1123. 2 Ibidem, p. 1123. 3 Ibidem, p. 1123. 4 Ibidem, p. 1123.

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por fim, o declara “[...] um sistema de regras e de princípios, pois as normas do

sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de

regras”5.

Salienta Canotilho que, na utilização desse sistema, dúvidas poderiam emergir

em caso de conflitos entre princípios que estão no mesmo grau de valor. A solução

encontra-se nas características diferenciadoras dos princípios e regras, posto que

princípios não exigem exclusividade, podendo determinada situação fática agregar-

se a mais de um princípio, prevalecendo o mais valoroso, ou seja, aquele que

sopesado, encontra-se mais próximo da carga de valor atribuída a dito princípio.

Entretanto, o princípio “rejeitado” pelo caso fático não é excluído do ordenamento,

não deixa de existir juridicamente, justamente porque os princípios não se excluem,

mas admitem a conflituosidade, “[...] podem ser objeto de ponderação, de

harmonização, pois contêm apenas exigências ou standards que, em primeira linha,

devem ser realizados”6, pois os princípios são os grandes indicadores de direção, o

norte do sistema normativo.

Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, precisamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.7

Sobre o assunto, Eros Roberto Grau define que independentemente do fato de

princípios carecerem de concretização pela edição da regra jurídica8, eles estão

inseridos no Direito Positivo e vão além, ao constituírem o núcleo essencial das

regras, pois, em última análise, o magistrado poderá atribuir-lhes materialidade ao

sentenciar9.

5 CANOTILHO, op. cit., p. 1123. 6 Ibidem, p. 1125. 7 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 34. 8 “[...] Regra é aqui tomada em sentido diverso daquele adotado por Hans Kelsen”. OLIVEIRA,

Antonia Terezinha. Políticas públicas e atividade administrativa. São Paulo: Fiúza Editora. 2005, p. 48.

9 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 147-149.

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De acordo com o prestigiado jurista10, carecem de verdade as afirmações de

que existem oposições ou contradições entre princípios e regras. Alerta, pois, que

compete ao juiz a análise da controvérsia, aplicando aquele que melhor se amolda à

situação concreta. Os princípios, exatamente pela sua condição de não

exclusividade, apenas cedem espaço àquele princípio considerado mais adequado

ao caso. Nesse diapasão, apregoa-se que a violação de um princípio,

[...] é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.11

As regras, por sua vez, quando conflitam dentro de um âmbito de validade,

causam a exclusão de uma delas, extirpam-na do sistema tornando-a inválida. Elas

“[...] não deixam espaço para a convivência antinômica. Se uma regra vale, deve

cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais, nem menos”12, pois

tornar-se-ia impraticável a credibilidade de um sistema em que regras contraditórias

permaneçam válidas. No entanto, lembra o respeitado autor português, que não é

possível o funcionamento de um sistema apenas constituído de princípios ou de

outro lado, um sistema só de regras, demonstrando essa inviabilidade no trecho

abaixo, que mesmo longo, merece ser transcrito.

Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa – legalismo – do mundo e da vida, fixando em termos definitivos as premissas e os resultados das regras jurídicas. Conseguir-se-ia um sistema de segurança, mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e o desenvolvimento de um sistema, como o constitucional que é necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um legalismo estrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das concordâncias, do balanceamento de valores e interesses de uma sociedade pluralista e aberta. [...] O modelo ou sistema baseado exclusivamente em princípios levar-nos-ia a conseqüências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de regras precisas, a coexistência de princípios conflitantes, a dependência do possível fático e

10 GRAU, 2002, p. 150. 11 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8. ed., São Paulo: Malheiros,

1996, p. 545-546. 12 CANOTILHO, [199-], p.1125.

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do jurídico, só poderiam conduzir a um sistema falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema.13

Assim, devem existir regras para organizar a convivência em sociedade,

definindo certos padrões como capacidade civil, eleitoral, putabilidade

inimputabilidade, para dar concreção aos princípios. Mas, também são necessários

princípios, aqueles modelos que permitem refletir os valores dessa sociedade

organizada em modelo constitucional. Tais valores são exemplificados através dos

critérios de liberdade, de igualdade, dignidade, democracia, dentre tantos outros,

próprios de um Estado de Direito e Justiça como largamente debatido por José

Joaquín Gomes Canotilho.14

E, as regras que dão suporte ao princípio desprezado - quando em conflito com

outro princípio, não serão válidas, não terão eficácia em relação àquela situação

diante da qual o conflito instalou-se, e pela qual o magistrado optou por outro

princípio.15

Assim, a interpretação constitucional, de acordo com Canotilho deve privilegiar

a leitura sistemática e aberta, em que nenhum princípio tem maior validade que

outro, onde todos devem ser interpretados conjuntamente.

1.2 Os princípios federativo e republicano

A definição do Estado brasileiro através do modelo federado foi inserto na

Carta Magna na condição de cláusula pétrea, ou seja, na qualidade daquelas

determinações que não podem ser modificadas ou excluídas, exceto em caso de

Revolução no País. Em razão disso percebe-se a rigidez16 da Constituição brasileira,

pois, especialmente rechaça qualquer forma de modificação no modelo federado e

da forma republicana. Por outro lado, ainda que “[...] o princípio republicano, embora

13 CANOTILHO, [199-], p. 1126. 14 Ibidem, p. 1127. 15 GRAU, 2002, p. 42. 16 “[...] Rigidez constitucional significa imutabilidade da Constituição por processos ordinários de

elaboração legislativa. Sob este aspecto, trata-se de problema de natureza puramente formal, jurídica: só as Constituições escritas entram nesse conceito.” SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 41.

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não tipifique mais uma "cláusula pétrea", continua a ser um dos mais importantes de

nosso direito positivo”17.

Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, precisamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico18.

No atual sistema constitucional, a forma de governo pode ser discutida e

alterada. Tanto é possível que o assunto foi objeto de plebiscito19 em passado

recente e consolidou-se como a forma de governo escolhida pelos brasileiros, donde

se recorda a agradável lição de Canotilho ao lecionar sobre a importância das

normas constitucionais.

Realizar a Constituição significa tornar juridicamente eficazes as normas constitucionais. Qualquer constituição só é juridicamente eficaz (pretensão de eficácia) através da sua realização. Esta realização é uma tarefa de todos os órgãos constitucionais que, na actividade legiferante, administrativa e judicial, aplicam as normas da constituição. Nesta ‘tarefa realizadora’ participam ainda todos os cidadãos - ‘pluralismo de intérpretes’ - que fundamentam na constituição, de forma direta e imediata, os seus direitos e deveres.20

Ao mencionar a federação, Ataliba define como “[...] a associação dos Estados,

para a formação de um novo Estado - o Federal21 -, com repartição rígida de tributos

e da soberania entre eles”22. O discurso federalista pressupõe o resguardo da

autonomia local, mas sempre com vistas à integridade territorial. O pacto federativo

deve respeitar a heterogeneidade, buscando através de uma soberania

17 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 27. 18 Ibidem, p. 34. 19 Foi realizado o plebiscito de 21.4.93 (Emenda Constitucional n. 2 de 25.8.92) que consagrou a

forma de governo republicana. Ibidem, p. 29. 20 CANOTILHO, [199-], p. 1164. 21 O termo federal tem origem no latim, foedus, que significa pacto, parceria. Uma espécie de divisão

de poder entre os parceiros, que buscam o reconhecimento de uma unidade entre eles. ABRUCIO, Luiz Fernando. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Coord.) Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 187.

22 ATALIBA, op. cit., p. 37.

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compartilhada, garantir um nível de autonomia e independência entre seus

membros, a tal ponto que não ameace o todo.23

Historicamente o Brasil, pela sua extensão territorial, teve problemas de

controle político sobre suas terras. Tal situação restou evidente na divisão de áreas

de solo no período das Capitanias Hereditárias, que marcou o início de uma

descentração de poder, a fim de garantir, ainda naquela época, a administração, as

finanças e os limites territoriais, tudo obviamente para assegurar a sagacidade da

metrópole portuguesa.24 Atualmente, o País tenta ser um aglutinador de variados

centros de poder político, através de uma estrutura federativa cuja base é o Estado

Federal, formado por um conjunto de estados-membros, com lastro jurídico na

Constituição, o que torna o federalismo brasileiro um dos casos mais complexos dos

modelos de federalismo existentes, face sua história política.25

Alijados em parte na sua soberania, os estados devem obediência à

Constituição Federal, que é o nascedouro das prerrogativas dos seus membros, bem

como a fonte de distribuição das competências que fixam as atribuições e os seus

limites. E os estados-membros não são soberanos, face o Estado Federal, que no

âmbito internacional aparece como um ente único. Já no plano interno, os centros

subnacionais26 mantém sua autonomia política, sejam eles os estados-membros, os

municípios ou o Distrito Federal, tendo em vista que atualmente não há Territórios no

Brasil.

A importância desses princípios traduz-se inclusive nas menores células

políticas autônomas, na base da federação, pois, é no município que a República

encontra o mais profundo e intenso grau de representação política por se refletir no

23 ABRUCIO, 2008, p. 17. 24 CINTRA. Marcos. Paradigmas tributários: do extrativismo colonial à globalização na era eletrônica.

In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Coord.) Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 17.

25 ABRUCIO, op. cit., p. 185. “[...] O federalismo brasileiro, conformando-se a partir do Estado Unitário erigido pela Constituição de 1824, acaba por criar o Estado-Membro, que surge com a construção exótica e artificial do constituinte e prossegue na história interna com insuperável déficit de legitimidade, o que repercute nas relações federativas.” PIRES, M. C. S.; NOGUEIRA, J. A. S. C. O federalismo brasileiro e a lógica cooperativa-competitiva. In: ______ BARBOSA, M. E. B. (Coord.) Consórcios Públicos. Instrumentos do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 33.

26 “[...] Sejam eles estados, províncias, cantões ou municípios.” ABRUCIO, op. cit., p. 189.

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grau mais próximo do seu povo. De igual forma, é baseado no conceito de federação

que os municípios asseguram sua participação nas relações entre os diversos níveis

políticos, tanto em relação aos estados–membros, como em relação à União.27

Os simpatizantes do Estado Federal destacam que além de favorecer a

democracia, esta forma de Estado28 propicia a integração regional promovendo a

solidariedade, que é um dos objetivos esculpidos no artigo 3º., I da Constituição

Federal. Aqueles que manifestam sua oposição, o consideram como um Estado

fraco, com ampliada possibilidade de conflitos jurídicos e políticos ante a quantidade

de centros autônomos. De toda sorte, a união soma forças e a federação, desde que

preserve características regionais, forma um Estado mais forte, ao mesmo tempo em

que exige cuidado e atenção, para não demonstrar apenas uma solidariedade

formal.29

A federação é a forma de realização da República e, tudo o que puder ser feito pelos escalões intermediários haverá de ser de sua competência; tudo o que o povo puder fazer por si mesmo, a ele próprio incumbe. Esta é a íntima relação entre república e federação. [...] a federação representa a descentralização política e assim melhor funciona a representatividade e de maneira mais enfática o povo exerce as suas prerrogativas de cidadania e autogoverno.30

O federalismo brasileiro mostrou suas primeiras nuances a partir do período

imperial, face às partições territoriais aplicadas pelos portugueses, que divididas em

capitanias hereditárias, obrigou certas descentralizações de poder, em face da

imensidão territorial. Para Maluf “[...] o federalismo brasileiro é o resultado fatal de

um movimento de força centrífuga, de dentro para fora, de origem natural e não

artificial”31. Talvez esse movimento tenha motivado Rui Barbosa a escrever em seu

discurso sobre a organização das finanças da república, na condição de Ministro da

27 ATALIBA, 1998, p. 47. 28 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 28. ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 255. “[...] O Estado Federal é fenômeno moderno, que nasceu definitivamente com a Constituição dos Estados Unidos da América em 1787. [...] A união faz nascer um novo Estado e, concomitantemente, aqueles que aderiram à federação perdem a condição de Estado. No caso norte-americano como no brasileiro e em vários outros foi dado o nome de Estados a cada unidade federada, mas apenas como artifício político, porquanto na verdade não são Estados.” Ibidem, p. 258.

29 Ibidem, p. 256. 30 ATALIBA, op. cit, p. 43. 31 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.180.

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Fazenda, ao dirigir-se ao Congresso, em 1890 “[...] eu era, senhores, federalista

antes de ser republicano”32.

A ideia de republicanismo assenta-se num movimento político que defende a

liberdade, a participação cidadã efetiva, protetora da res publica e divisada no

harmonioso convívio social. É um conceito inclusivo, que ostenta o cidadão ser

agente de uma coletividade, tornando-o igualmente responsável pelas decisões

políticas. É caracterizado por negar qualquer tipo de dominação. O republicanismo

tem apreço às virtudes cívicas, enaltecidas na sensação de pertencimento a

determinado lócus, pois, objetiva atingir um Estado de Direito onde a democracia

tenha a participação da sociedade civil, onde o governo seja legitimado e confirmado

pelos cidadãos e o desenvolvimento de todos seja alcançado mediante a elaboração

de políticas públicas voltadas à minimização de desigualdades sociais.33

As virtudes cívicas estão tão arraigadas como valores morais dos cidadãos em

respeito à coisa pública, que podem ser comparados à ideia de bem comum e de

participação nas decisões políticas para que sejam propiciadoras do máximo de bem

possível a cada cidadão. São esses ideais fortemente claros que deixam o interesse

individual em segundo plano e as decisões tomadas pelos mandatários públicos

eleitos, têm obrigação de considerar a coisa pública como algo sagrado ao exercitar

as suas funções voltadas ao atendimento das demandas coletivas. É através do

exercício eficiente da função pública que isso ocorre. As virtudes cívicas orientam-se

pela liberdade e pela dignidade, e busca na lei o elemento de regulamentação da

coletividade.34

Deveras, o princípio republicano não é meramente afirmado, como simples projeção retórica ou programática. É desdobrado em todas as suas consequências, ao longo do texto constitucional: inúmeras regras dando o conteúdo exato e a precisa extensão da tripartição do poder; mandatos; políticos e sua periodicidade, implicando alternâncias no poder; responsabilidades dos agentes públicos; prestação de contas; mecanismos de fiscalização e controle do povo sobre o governo, tanto na esfera federal como estadual ou municipal; a própria consagração dos princípios federal e da autonomia municipal, etc. Tudo isso aparece, formando a contextura

32 BARBOSA, Rui. Organização das finanças republicanas. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz (Coord.).

Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. Porto Alegre: Saraiva, 2008, p. 163. 33 AGRA, Walber Moura. Republicanismo. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado: 2005, p.18. 34 Ibidem, p. 60.

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constitucional, como desdobramento, refração, conseqüência ou projeção do principio, expressões concretas de suas exigências.35

Frente às características apontadas, não é exagerado afirmar que o Brasil,

embora tenha definido como forma de governo a república, ainda está distante do

ideal que o republicanismo exige, na medida de sua imensa desigualdade social. E,

baseado nessa realidade, o texto aqui produzido busca delinear uma ideia de

políticas públicas de cooperação entre os níveis da federação, passando a alinhar as

características do menor dos entes federados, o município.

1.3 Conceito e função social do município

O modo burocrático de administração adotado pelo Estado não têm sustentado

a viabilidade do sistema político como deveria, tanto que o federalismo brasileiro

segue na pauta dos estudiosos do direito e da ciência política. Aproveitando o

debate aberto, parece razoável considerar que, no momento, todos os “[...] desafios

e oportunidades para o Brasil implicam considerar a heterogeneidade do país, e

nesse aspecto pode-se também considerar equivocada a trajetória de políticas

públicas, por conta da visão centralizadora”36. A heterogeneidade deve ser vista e

trabalhada através da identificação dessas semelhanças, a fim de aproximar as

políticas públicas dos cidadãos de forma mais adequada, ou seja, aquelas políticas

capazes de atender o interesse coletivo. Nesse quadro, os municípios são peças

fundamentais da organização política e administrativa37 brasileira. São organizados

por normas próprias, bem como lhes cabe a organização das cidades38 aqui

compreendidas como “[...] a sede do governo, a área urbanizada e também a zona

rural, sendo que todas integram o Município”.39

35 ATALIBA, 1998, p. 27. 36 BACELAR, Tânia. As políticas Públicas no Brasil: heranças, tendências e desafios. In: SANTOS

JUNIOR, Orlando Alves. et al. Políticas Públicas e Gestão Local. Rio de Janeiro: Fase, 2003, p. 25. 37 O artigo 1º. da Constituição Federal expressa no caput que a República Federativa do Brasil é

formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal [...]. Da mesma forma o artigo 18 determina no caput que a organização político-administrativa da República compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios [...].

38 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Municipal Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 34.

39 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P. Convênios e Consórcios Municipais: instrumentos de harmonização das políticas públicas no Brasil. In: REIS, J. R.; LEAL, R. G. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Tomo 8. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2488.

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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 atribuiu aos

municípios - que são considerados “[...] como integrantes do sistema federativo”40 -

certas capacidades. Dentre essas capacidades pode-se referir a de

autoadministração41 com autonomia e competência específica para gerir e legislar

acerca das questões locais, que são de interesse comum dos munícipes.

Da leitura do mesmo texto legal, pode-se depreender que, aos municípios,

também se permitiu a autonomia política,42 ganhando importância a articulação local,

através da participação popular na determinação das demandas do interesse

público.

Então, o município como ente federativo43 mereceu destaque na lição de

Bonavides, ao escrever a “[...] relevância nova e decisiva da Constituição [...] a qual

elevou a um grau qualitativo muito acima daquele a que juridicamente esteve cingido

em quase cem anos de constitucionalismo republicano”44. Da mesma forma, o

pensamento de Bastos, ao afirmar a autonomia municipal como “[...] um dos centros

de polarização da competência constitucional a ser exercida de forma autônoma

[...]”45.

Assim, referindo-se expressamente sobre as capacidades dos Municípios, tem-

se que são “[...] entes federados de terceiro grau, portanto, pessoas jurídicas de

40 MEIRELLES, 2001, p. 66. 41 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros

Editores, 2001, p. 621. 42 Ibidem, p. 621. O autor estabelece que as “[...] quatro capacidades encontram-se caracterizadas: a

autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matérias de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração)”.

43 Autores como Carraza e Silva discordam dessa ideia. RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P., 2008, p. 2488.

44 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 318.

45 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 302.

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direito público interno, dotados das capacidades de auto-organização, autogoverno,

autolegislação e auto-administração”46.

Há que se anotar, todavia, como reconhece Rodrigues47 ao bem tratar do tema,

“[...] que os Municípios não possuem uma Constituição própria, mas sim Lei

Orgânica, assim como não possuem representação no Legislativo Federal nem

Poder Judiciário próprio”. Entretanto, tais circunstâncias não descaracterizam a

autonomia dos Municípios e sua importância no federalismo. Aliás, como bem

lembra Abrucio, compartilhar o poder dentro de uma federação – desde a sua

criação nos Estados Unidos – exige controles mútuos entre os níveis de governo.48

Nesse ponto, concorda-se com Rodrigues que acredita

[...] que o federalismo deva ter como fim o ser humano, seu bem-estar, e, se tal não ocorre, ou se para que alguns o tenham outros devem deixar de tê-lo, mister que seja adequado o modelo ao fim último que se entenda possui o Estado, ou seja, a busca do Bem Comum. [...] Pretende-se demonstrar que unidades federadas devem, para atingir seus fins constitucionais, valer-se da coordenação, da cooperação e da solidariedade, dispensando-se a concorrência entre pares49.

Difícil, no entanto, é a busca dessa “[...] interconexão e coordenação das ações

entre os níveis de governo autônomos, para compreender a produção de políticas

públicas numa estrutura federativa contemporânea”50.

E essa interdependência passa pelo município já que o mesmo é instituído

como organização administrativa, e que tem uma razão de existir, que

obrigatoriamente deve ser norteada, dentre outros, pelo princípio da dignidade

humana. Da mesma forma, para viabilizar a coordenação de ações, este ente

federado precisa orientar-se pela promoção de uma sociedade livre, justa e solidária,

46 RODRIGUES, Hugo Thamir. Harmonização solidária das políticas tributárias municipais: um

princípio constitucional geral, implícito, delimitador das ações tendentes ao cumprimento da função social do Município. 2003. 276 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Direito – Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003, p. 146.

47 Ibidem, p. 136. 48 Trata-se do conhecido sistema de checks and balances. ABRUCIO, 2008, p. 191. 49 RODRIGUES, 2003, p. 145. 50 ABRUCIO, op. cit., p. 190.

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com olhar voltado ao bem comum dos seus munícipes.51 E também porque o

município é dotado de uma função social - diversa daquela atribuída

constitucionalmente como a função social da propriedade e das cidades – porque

ultrapassa aqueles limites ligando-se a uma finalidade maior, que é a realização do

bem comum.52

Além disso, a intensa busca do bem comum e a finalidade precípua da

existência dos municípios é a possibilidade de “[...] realizar aquilo que fora

democraticamente deliberado”53.

Essa discussão sobre a função social do município agrega-se ao conceito de

Estado Contemporâneo destacado por Pasold54 ao mencionar a condição

instrumental do Estado, ou seja, de mecanismo para a satisfação de algo, porque

ele nasce da Sociedade e se mantém vivo para atender os reclames que esta

mesma sociedade deseja que sejam atendidos. Mais importante ainda é destacar

que esta condição instrumental apenas se concretizará no atendimento dos anseios

sociais. O Estado deve ser útil à sociedade e tal utilidade deve primordialmente

considerar o bem comum, o interesse da coletividade.

Notoriamente, a passagem do Estado moderno ao contemporâneo é

identificada por algumas características que permitem vislumbrar o momento

diferenciador e introdutor de um novo modelo estatal. É possível destacar que o

Estado contemporâneo além de manter os direitos individuais, insere no rol de suas

garantias, no âmbito dos direitos fundamentais, também, os Direitos Sociais e

Coletivos. Bem como, define a forma de concretização desses direitos ao regrar a

intervenção do Estado no domínio econômico e social.55 Essa intervenção está

clarificada no campo da tributação, de modo que a realização dos direitos sociais

51 RODRIGUES, Hugo Thamir. O município (Ente federado) e sua função social. In: LEAL, R. G.;

REIS, J. R. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Tomo 4. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004, p. 1027.

52 RODRIGUES, 2003, p. 146. 53 HERMANY, Ricardo. O Plano Diretor e a participação social na esfera pública municipal. In: REIS,

J. R.; LEAL, R.G. Direitos Sociais e Políticas Públicas – Desafios contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007, p. 1941.

54 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: Diploma Legal e OAB/SC Editores, 2003, p. 46.

55 Ibidem, p. 57.

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implica na necessidade de ingresso para os cofres do Estado, de periódicos tributos,

arrecadados junto aos cidadãos, a fim de viabilizar a criação de uma estrutura de

realização do bem comum.

Ao estudar o Estado contemporâneo, Pasold faz distinções prescritivas e

descritivas. Salienta que descritivamente, este modelo liga-se aos conteúdos

formais, juridicamente previstos nas Constituições dos diversos países em que

encontra semelhança. Tais conteúdos formais apresentam-se mais ou menos

correspondentes às realidades existentes, estreitando-se com a idéia de

democracia, pois suas disposições constitucionais - mesmo que com acentuadas

diferenças -, fundamentam-se na idéia de submissão à Sociedade, fixando-se que o

Poder Estatal emana do povo, garantindo-se um compromisso com o cumprimento

dos anseios da sociedade, perfectibilizado através de um aparato burocrático, a fim

de manter o funcionamento do Estado, cuja existência, custo social e financeiro tem

sido objeto de estudo da ciência política.56

Ao examinar a função social do Estado Contemporâneo, em relação às

características prescritivas, que são elaboradas a partir das características

descritivas antes comentadas, o autor traz a seguinte ponderação:

[...] sob o ponto de vista prescritivo proponho que tais características sejam compostas da seguinte maneira: a) as conformações jurídicas necessitam guardar relação fiel com a realidade que lhes cabe representar e regular; b) as colocações juridicamente estabelecidas quanto à submissão do Estado à Sociedade, pressupõem que sejam fixados e eficientemente operados os mecanismos políticos voltados para a realidade dos princípios que as sustentam; c) o reconhecimento constitucional e infra-constitucional dos compromissos do Estado para com a Sociedade que o mantém, não é suficiente quando desacompanhado do aparelhamento institucional e administrativo, necessário à sua consagração prática; d) os fundamentos e as modernas técnicas para um desempenho administrativo eficaz somente se justificam se todo o conjunto tentacular estiver submisso às demandas que, em função da realidade, a Sociedade reclama que sejam atendidas com presteza pelo Estado Contemporâneo; e) o Estado Contemporâneo deve comportar-se sob a égide da primazia do humano, submetendo o econômico à força social.57

Logo, a função social do Estado contemporâneo é atendida a partir da

interpretação de três fatores. O primeiro deles requer a existência de um sujeito

56 PASOLD, 2003, p. 62. 57 Ibidem, p. 62.

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capaz de direitos e obrigações perante o Estado, considerado de maneira individual

e inserido na sociedade. Já o objeto é o campo de atuação do Estado, em todos os

setores, estimulando ou desestimulando ações ou políticas necessárias. E objetivo,

que é o terceiro fator, é o Bem Comum, cujo conceito abarca tudo aquilo que for

ventilado e decidido de acordo com as prioridades eleitas pela própria sociedade.

Aludindo-se aos municípios, este mesmo enfoque também pode ser sugerido,

na medida em que, se por um lado são considerados autônomos58 e não

soberanos59 e estão subordinados à Constituição, bem como as políticas públicas

por ele criadas e desenvolvidas, por outro lado, “[...] o Município, deve buscar

através de planos e programas [...] o equilíbrio social, que exige tratamento

diferenciado entre as diversas classes sociais,”60 como a diminuição das

desigualdades sociais e, dentro de suas políticas tributárias, voltar-se para a

redistribuição de renda, dentre outras ações. Logo, a função social dos municípios

não deve se distanciar dos princípios fundamentais, estabelecidos pela

Constituição.61

Da mesma forma, quando a Constituição se refere à competência dos

municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, está se referindo à

predominância destes sobre os estados e a União, e não pontuando a exclusividade

da atuação do município face aos outros níveis da federação.62

Os Municípios, portanto, cumprem sua função social quando, determinando-se de acordo com a Constituição, levam a cabo a vontade dos cidadãos, expressadas através das manifestações políticas, que devem ser voltadas ao bem comum.63

58 Como bem lembra Carrazza, ao referir “[...] autonomia municipal e distrital, que as leis da União, aí

se incluindo as tributárias, não estão acima das leis dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, não há sobreposição. Para aclarar qualquer conflito de competência, deve-se verificar o que em primeiro lugar determinou a Constituição, pois os Poderes Legislativos estão em pé de igualdade não havendo hierarquia no Estado Federal”. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 402.

59 RODRIGUES, 2003, p. 168. 60 Idem, 2004, p. 1031. 61 Idem, 2003, p. 148. 62 MEIRELLES, 2001, p. 134. 63 RODRIGUES, 2003, p. 166.

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E, em matéria de competência tributária, já distribuída na Constituição, segue-

se o mesmo critério de autonomia dos entes federados, com a discussão de

eventuais exceções.

1.4 A competência tributária

Como alhures apresentado, em decorrência da Constituição, no artigo 150, I,

do princípio federativo e da autonomia dos Municípios e Distrito Federal64, todos os

entes políticos foram providos de receitas para gerir aos seus gastos.

Tanto a União, os estados, municípios e Distrito Federal têm competência

legislativa65 para exigir tributos. Esse poder de tributar66 encontra seu limite na

própria Constituição, bem como a autonomia de cada unidade federada para legislar

sobre suas competências. Mas não se olvide, essa determinação de competência

também representa um sistema de repartição daquilo que for arrecadado a fim de

custear os serviços públicos e os investimentos sociais em todos os níveis

federados, ainda que os tributos não tenham destinação específica.

A competência tributária engloba a criação, arrecadação e administração do

tributo, incluindo-se o ampliação ou encolhimento de alíquotas ou mesmo as

isenções através da não tributação de determinado fato gerador. A competência

tributária pode abarcar até o perdão de débitos e parcelamentos, em caso de uma

infração tributária, desde que consideradas as disposições constitucionais.67

E por mencionar a competência tributária Carrazza identifica a existência de

seis características. A primeira delas é a privatividade68, onde o renomado autor

socorre-se no magistério de Ataliba que a chama de exclusiva, ou seja, retira a

competência de todas as demais pessoas políticas, o que implica numa oposição

64 CARRAZZA, 2009, p. 501. 65 Doravante a expressão competência legislativa tributária será utilizada apenas como competência

tributária, como faz Carrazza, op. cit., p. 503. 66 Ao referir “poder de tributar” Carrazza ressalta “[...] a inadequação desta expressão, tendo em vista

tratar-se de um poder absoluto, incontrastável, enquanto que a expressão mais adequada seria “competência tributária” que é regrada e disciplinada pelo Direito, como de fato ocorre na nação brasileira.” Ibidem, p. 503.

67 Ibidem, p. 507. 68 Ibidem, p. 519.

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erga omnes. Aquele que detém a competência legislativa tributária pode opô-la

contra qualquer dos demais entes. A segunda é a indelegabilidade, pois aquele ente

político que recebeu essa competência da Constituição pode exercitá-la ou não, mas

não pode permitir que outro o faça em seu lugar. A pessoa política não tem a

disponibilidade da competência tributária69.

Como terceira característica tem-se a incaducabilidade, pois o decurso do

tempo não impede o exercício do direito de criar tributos por parte da pessoa política

competente. A incaducabilidade acompanha a perenidade da função legislativa e só

se extinguirá se assim for a vontade do constituinte70. Ao comentar a

inalterabilidade, que é a quarta característica indicada por Carrazza em relação à

competência tributária, lembra o referido jurista que a “[...] legitimação para criar

exações (aspecto positivo) e num limite para fazê-lo (aspecto negativo)”71, ou seja,

apenas é viável modificar, ampliar, restringir ou eliminar competência tributária

mediante emenda constitucional, pois, se de outra forma se der, certamente ocorrerá

uma invasão ao território das imunidades ou espoliará a competência de outra

pessoa política.

Não se olvide, porém, como bem o fez Carrazza72, ao alertar que se por meio

de emenda, a competência de um ser político for diminuída ou extirpada, que isso

não signifique a sua bancarrota, porque maculando sua autonomia estar-se–ia

fornecendo lastro para uma emenda constitucional em clara afronta ao artigo 60,

parágrafo 4º. da Constituição Federal, desconstituindo-se a forma federativa de

Estado. De outro lado, se a competência tributária extirpada se referir a um tributo

que não tem um significado financeiro maior, não haverá aviltamento de

competência, nem se ferirá o dispositivo constitucional citado73.

As duas últimas características são a irrenunciabilidade, que decorre

diretamente da indelegabilidade, porquanto só a “[...] reforma constitucional poderá

69 CARRAZZA, 2009, p. 669. 70 Ibidem, p. 673. 71 Ibidem, p. 674. 72 Ibidem, p. 675. 73 Ibidem, p. 676.

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alterar o perfil das competências tributárias das pessoas políticas”74, e a

facultatividade, que deixa livres as pessoas políticas competentes para exercitarem

ou não seu direito de exigir tributos, sendo possibilidade política discricionária, não

restando nenhum controle externo nesse sentido, exceto é claro, a opinião pública,

pois o não exercício da competência tributária não autoriza, nem transfere essa

competência para nenhum outro ente, sob pena de inconstitucionalidade. O exemplo

claro disso é o imposto sobre as grandes fortunas, previsto como competência da

União e, até o momento, não foi instituído. E em razão disso, nenhuma das outras

pessoas políticas tem competência para fazer75.

Por outro lado, Paulo de Barros Carvalho76, avaliando estas características

delineadas por Carrazza, apontou concordância com apenas metade delas,

explicitando que são características da competência tributária a indelegabilidade,

irrenunciabilidade e incaducabilidade. Ao tratar das duas primeiras, questiona o

referido autor a necessidade do legislador constitucional de definir e firmar

competências a cada pessoa política se lhe fosse permitido delegar ou mesmo

renunciar essa competência, tomando tais características como “[...] inafastáveis do

exercício competencial, no sistema brasileiro”, acenando Carvalho positivamente em

relação à Carrazza. Da mesma forma, em relação à caducidade, salienta que o texto

constitucional é perene, não se admitindo que essas competências sujeitem-se à

instabilidade momentânea da sociedade.

Em relação às outras três prerrogativas elencadas por Carrazza, Carvalho faz

questão de discordar e utiliza os seguintes argumentos: quanto à privatividade,

sustenta a possibilidade da União legislar sobre “[...] impostos ditos “extraordinários”,

compreendidos ou não em sua competência tributária”77 como prevê o artigo 154, II

da CF, pois mesmo tratando de exceção, abre-se a brecha que liquida a

privatividade alçada por Carrazza. Outra é a posição de Regina Helena Costa, ao

explicitar que [...] a privatividade constitui regra da competência tributária, porquanto

74 CARRAZZA, 2009, p. 677. 75 Ibidem, p. 679. 76 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.

216. 77 Ibidem, p. 217.

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a exceção contemplada é a competência extraordinária em matéria de impostos,

outorgada à União”78, concordando, assim, com Carrazza.

Quanto à alterabilidade, Carvalho sustenta que ela está desenhada na

possibilidade de reforma constitucional, salientando a riqueza de exemplos dessa

natureza no cenário brasileiro, em face do poder constituinte derivado79.

Por fim, no tocante à facultatividade do exercício, mesmo sendo a regra geral,

e considerando o imposto sobre grandes fortunas e o Imposto sobre serviços que

muitos Municípios deixaram de legislar a respeito, Carvalho chama atenção ao

Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, aduzindo a prescrição do artigo

155, parágrafo 2º., inciso XII, letra “g” da CF/88, que refere a “obrigatoriedade”80 da

legislação sobre o mencionado imposto, pelos Estados, sob pena de tornar-se

inviável a federação, não sendo assim, facultativo o seu exercício.

Por fim, Barreto, lançando nova luz sobre a discussão da facultatividade da

competência para instituir tributos, propõe o exame sob a ótica do princípio da

78 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 44. 79 “[...] A reforma da Constituição decorre do poder constituinte derivado ou instituído, ocupando

posição diversa do poder constituinte originário e do Poder Legislativo ordinário. Não dispõe da plenitude criadora do poder constituinte originário e se sobrepõe ao legislativo ordinário. Tendo por objeto de sua atuação a norma constitucional, o poder de reforma, na ampla acepção do termo, apresenta-se como constituinte de segundo grau, subordinado ao poder constituinte originário, que é responsável pela introdução no texto da Constituição e autor das regras que condicionam o seu aparecimento e disciplinam sua atividade normativa. [...] No Direito Constitucional Positivo reforma, emenda e revisão ora se apresentam individualizadas, recebendo matérias distintas e enquadradas em procedimentos destacados, ora aparecem unificadas, em regulação comum e igual, que extingue a pluralidade das formas do poder constituinte derivado. A boa técnica constitucional recomenda, no caso de adoção do processo unificado, o emprego do termo correspondente, em linguagem do mesmo nível unitário, para afastar ambigüidades terminológicas.” HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 107.

80 “[...] Acontece que este tributo, recolhido historicamente em países de estrutura unitária, onde gravam de forma não-cumulativa, operações sobre mercadorias e serviços, foi transportado pura e simplesmente para a realidade brasileira e entregue às ordens normativas estaduais. Tratou-se então de preservar a uniformidade indispensável para o bom funcionamento de um imposto que se pretendia sobre o valor acrescentado, técnica difícil de ser implantada fora das peculiares condições de um país de administração centralizada. Sucederam-se medidas generalizadoras, numa tentativa de padronizar o fenômeno da incidência e evitar que a autonomia das pessoas competentes colocasse em risco a sistemática impositiva. Isso explica a expressiva participação da União no processo de elaboração normativa do ICMS, mediante regras de legislação complementar, ao lado de preceitos emanados do Senado da República, igualmente órgão legislativo daquela pessoa política. Como se vê, tudo foi produto de um ingente esforço de adaptação, para atender às exigências de nossa particularíssima organização jurídico-constitucional. E o custo dessa movimentação veio em detrimento do poder das entidades federadas que, ao menos nesse setor, ficaram sensivelmente diminuídas.” CARVALHO, 2000, p. 221.

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isonomia traçando um paralelo ao questionar o fato de que se deixar de legislar

sobre o ICMS avilta o princípio federativo, da mesma maneira, se os municípios

deixassem de legislar sobre tributos de sua competência, a forma federativa também

não seria abalada?

Tome-se os impostos, será que relativamente a esta espécie de tributo, a Constituição tolera a chamada guerra fiscal, assim entendida a ampla liberdade, não apenas da instituição ou não de determinado tributo, mas da livre fixação de alíquotas, de molde a determinar êxodos significativos de contribuintes, com esvaziamento das receitas de certo Município em favor de outro? Seria possível, ainda nessa linha, que amanhã todos os Municípios Capitais (arrecadação mais expressiva) resolvessem livremente, autonomamente, não instituir ou revogar as normas instituidoras do IPTU, do ISS, das taxas de serviço, transformando estas comunas em verdadeiros “paraísos fiscais”, determinando, consequentemente um êxodo maciço de tantos quantos atuem nos demais Municípios brasileiros? Será que a Constituição tolera esta possibilidade? Ou, antes, é correto afirmar que a Constituição estabelece nos artigos 20 e 30, a autonomia municipal, especialmente quanto à decretação dos tributos de sua competência está a exigir a criação de tributos, como instrumento de viabilização da própria autonomia? Será que não está a impor que os Municípios obrigatoriamente instituam, criem os tributos cometidos à sua competência?81

O autor propõe um olhar especial sobre os municípios e a viabilidade

constitucional para - não se preocupando com os limites máximos da atuação

municipal - garantir uma exigência normativa mínima. Com este mínimo exercício da

competência tributária, deixa-se de falar em facultatividade de atuação e passa-se a

determinar uma obrigatoriedade82 de exercício, assemelhado ao dever-poder

comumente descrito por Celso Antonio Bandeira de Mello.

1.5 A repartição da competência e da receita tribut ária

É o direito financeiro que melhor trata da repartição de receitas tributárias,

posto que está ligado à atividade financeira do Estado e estuda como gerir os

recursos obtidos. Já o direito tributário se ocupa da distribuição de competências das

pessoas políticas, define os padrões gerais de incidência, classifica os tributos e

também cuida das leis complementares, mas é no campo das finanças que os

81 BARRETO, Aires F. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 17. 82 Ibidem, p. 18.

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recursos obtidos, mediante a via coativa83, são distribuídos entre os entes

beneficiários.

Como já definido, a Constituição brasileira tem um sistema misto84 de

repartição de competência para instituir tributos, bem como um mecanismo de

repartição daquilo que arrecada. Essa competência serve para organizar a

existência de cada ente federado, como um ser político, tendo em vista que de nada

adiantaria a existência da pessoa política dentro de uma ordem federativa, se não

lhe fossem assegurados os meios para o próprio custeio.

Então, ajustado que a competência tributária envolve “[...] aptidão para criar

tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – todos

também tem certos critérios de alcance do tributo e da divisão do produto”85. Mas é

preciso perceber, no entanto, que embora a criação de determinado tributo seja

função privativa, e de outra banda, o produto arrecadado seja divisível, não há

possibilidade de que o ente beneficiário da repartição do tributo arrecadado venha a

exercer a competência para instituir dito tributo, caso o ente competente não o faça.

Há, na lição de Carrazza, para o beneficiário apenas uma expectativa de direito à

arrecadação, que somente se concretizará após a “[...] criação in abstrato, do tributo

e de seu real nascimento, pois, não pode existir direito subjetivo à participação nas

receitas tributárias e a ocorrência de fato oponível”86se o tributo não foi sequer

gerado.

Os critérios de repartição da competência dos impostos estão nos artigos 153,

155 e 156 da Constituição. Já no artigo 154 encontram-se os pressupostos de

competência residual87 da União.

83 CARRAZZA, 2009, p. 692. 84 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 93. 85 Ibidem, p. 93. 86 CARRAZZA, op. cit., p. 688. 87 “[...] A chamada competência residual, para a instituição de outros impostos, traduz aplicação da

mesma técnica: arrolados os tipos atribuídos a cada um dos entes, os tipos remanescentes (residuais) são atribuídos à competência da União (art, 154, I). Disso resulta que a lista de situações materiais que ensejam a incidência de impostos da União (art. 153) não é exaustiva, dado que outras situações podem ser oneradas por impostos federais.” AMARO, op. cit.,p.97.

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Em relação às taxas, as competências já estão bem definidas, mas não são

enumeradas. Essa ausência de taxatividade é explicada pela impossibilidade de

quantificar as atividades decorrentes do poder de polícia administrativa e os serviços

públicos específicos e divisíveis que são geradores da taxa. Se houvesse a

enumeração, com brevidade seriam desatualizados frente à dinâmica social.

As competências administrativas também têm lugar na Constituição,

reservando-se à União aquelas dispostas no artigo 21. No artigo 23, estão

enumeradas as competências comuns a todos os entes federados e no artigo 25,

parágrafo primeiro, estão definidas as competências dos Estados-membros. E as

competências reservadas aos Municípios estão alocadas no artigo 30, III e IX da

Constituição de 1988.

Da mesma forma ocorre com a Contribuição de Melhoria, que não comporta

enumeração no texto constitucional, tendo em vista que sua cobrança é autorizada

toda vez que uma obra pública valorizar um bem imóvel.

Por serem tributos vinculados, as taxas e as contribuições de melhoria estão

indexadas a uma prestação de serviço, que será concreta e relativa ao próprio

contribuinte.

Por sua vez, o empréstimo compulsório tem seus pressupostos enumerados no

artigo 148, II, da Constituição Federal, sendo passível de instituição nos casos de

investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional,

calamidade pública e iminência ou guerra externa.88

No corpo do artigo 149 encontram-se as contribuições sociais que também são

espécies tributárias dotadas de critério finalístico, porque o produto da arrecadação

deve reverter para o critério ao qual foi arrecadado. Atualmente as contribuições

figuram como as grandes responsáveis pelo aumento da carga tributária, tendo em

vista que a Constituição de 1988, face à maior autonomia dos estados e municípios,

desinteressou-se pelos impostos que deveriam ser partilhados e passou a instituir as

88 COSTA, 2009, p. 126.

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contribuições cuja receita é exclusiva.89 A União pode instituir contribuições sociais,

nas modalidades: a) destinadas à seguridade social90; b) interventivas no domínio

econômico, conhecida como CIDE91; c) de interesse das categorias profissionais ou

econômicas.92 Assim, são considerados tributos os impostos, as taxas, as

contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições.93

1.5.1 Tributos federais

A União tem competência para estabelecer sete impostos e mais contribuições,

conforme os artigos 153 e 154 da Constituição Federal. São eles: o imposto sobre

importação e exportação – II e IE; Imposto sobre operações de crédito, câmbio,

seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários – IOF; Imposto sobre a renda e

proventos de qualquer natureza – IR; Imposto sobre produtos industrializados – IPI;

e o Imposto sobre propriedade rural - ITR e o Imposto sobre as grandes fortunas, até

o momento não criado. A união ainda pode instituir impostos novos, com base no

artigo 154, I, da Constituição Federal de 1988.94

A União também poderá instituir contribuições, que terão já finalidade definida,

como aquela que financia a seguridade social, cuja incidência projeta-se sobre a

folha de pagamentos, a conhecida COFINS e, a agora extinta, CPMF que se

destinava ao custeio da saúde, e incidia sobre as movimentações financeiras.

A Constituição, percentualmente, determina a divisão do produto arrecadado. O

IOF sobre o ouro, quando ativo financeiro ou instrumento cambial é totalmente

repassado e, trinta por cento destinado aos estados e DF. Ao município de origem

serão entregues os demais setenta por cento. No imposto de renda que ficar retido

na fonte, quando os rendimentos de qualquer natureza forem pagos pelos Estados

ou pelos municípios, suas fundações ou autarquias, o produto pertencerá totalmente

89 SANTI, E. M. D.; CANADO, V. R. Direito tributário e direito financeiro: reconstruindo o conceito de

tributo e resgatando o controle da destinação. In: _____. (Coord.) Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 611.

90 Que estão previstas no artigo 149, parágrafo primeiro e 195 da CF/88. 91 COSTA, 2009, p. 133. 92 Ibidem, p. 47. 93 SANTI, E. M. D.; CANADO, V. R. op. cit., p. 617. 94 Os artigos da CF/88 estão referidos no corpo do texto, razão pela qual não serão novamente

referidos aqui.

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a eles, como determinado pelo artigo 157 e 158, I da CF/88. Aquilo que remanescer

do IR, quarenta e sete por cento será destinado ao Fundo de participação dos

estados e do Distrito Federal, dos municípios e para programas de financiamentos

regionais.

Em relação aos impostos novos que a União pode criar pelo artigo 154, I serão

repartidos em vinte por cento para os Estados e o Distrito Federal. Em relação ao

ITR, os Municípios receberão cinquenta por cento do produto da arrecadação deste

imposto. Agora, há uma facultatividade dos Municípios em legislar sobre a

arrecadação e fiscalização deste imposto. Nesse caso, o artigo 153, parágrafo 4º.,

inciso III, permite que a totalidade deste imposto deverá ser repassada ao município.

Em relação ao IPI para produtos exportados, dez por cento voltará aos estados e

Distrito Federal.

Sobre a contribuição de intervenção no domínio econômico - que não é

imposto, mas uma espécie de tributo -, a regra da repartição de receita permite aos

estados receberem vinte e novo por cento da arrecadação desta contribuição, mas

desse montante, vinte e cinco por cento deverá ser repassado aos Municípios,

conforme determina o artigo 159, parágrafo 4º. da CF/88.

1.5.2 Tributos estaduais

Os estados têm competência privativa para instituir impostos sobre: a

propriedade de veículos automotores – IPVA; a circulação de mercadorias,

prestação de serviços de transportes interestadual e intermunicipal e de

comunicações – ICMS e sobre a transmissão de propriedade de imóveis causa

mortis e das doações – o ITCMD.95

Os estados devem ratear o produto da arrecadação do IPVA com os

municípios na proporção de cinqüenta por cento e, do ICMS, vinte e cinco por cento

se destina aos municípios, conforme artigo 158, III e IV da CF.

95 Conforme artigo 155 da CF/88.

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1.5.3 Tributos Municipais

Os municípios podem instituir, privativamente, tributos sobre a propriedade de

imóveis urbanos – IPTU, sobre a prestação de serviço – ISS e sobre a transação de

imóveis, ITBI, desde que feito entre vivos, pois se for causa mortis, é da

competência dos estados.96

Aos municípios se aplica a regra constitucional para a criação de taxas e

contribuições de melhoria. Também compete a este ente federado instituir a

contribuição previdenciária que é exigível dos servidores municipais, nos limites do

artigo 149A, da Constituição Federal. Da mesma forma, foi introduzida pela Emenda

Constitucional 39 de 2002, a legitimação dos municípios para a instituição da

contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, a Cosip.97

1.5.4 Tributos do Distrito Federal

A este ente federado aplicam-se as mesmas regras de competência tributária

relativas aos estados, pois a eles se equipara, nos termos do artigo 155 da CF. Além

disso, também se aplicam as competências permitidas aos municípios porque o

território do Distrito Federal não pode ser dividido98. Logo, o Distrito Federal poderá

instituir “[...] seis impostos, taxas, contribuição de melhoria em razão de sua atuação,

contribuição para custeio previdenciário dos seus servidores e a contribuição para

iluminação pública” 99.

De todo exposto, é possível perceber que a União detém vasta competência

para criar tributos. A ela são garantidas tanto as competências normais, ordinárias,

como lhe foi permitido a competência extraordinária e a residual. Possui ainda

possibilidade exclusiva para a criação de empréstimos compulsórios e

contribuições.100

96 Conforme artigo 156 da CF/88. 97 COSTA, 2009, p. 139. 98 Conforme artigo 32, caput da CF/88. 99 COSTA, op. cit., p. 47. 100 Ibidem, p. 47.

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A repartição de competências, por seu turno, enseja viabilidade de conflitos

pela disputa de receitas, prejudicando especialmente os municípios, tendo em vista

que a tributação do ITR e do IPTU é repartida com a União. As receitas percebidas

através da prestação de serviços é partida entre municípios e estados-membros,

assim como acorre com o ITCMD e o ITBI.101

Com essa estrutura jurídica de divisão das receitas tributárias, é possível

apurar que a partilha é procedida em 40% para a União, 40% para os estados e 20%

para os Municípios. Com o advento das contribuições sociais e a inexigibilidade de

repasse por parte da União, as percentagens têm participação muito maior da União

e menor em relação a estados e municípios.102 Com este desenho da repartição das

receitas tributárias, cabe uma singela análise sobre o espaço mais próximo dos

cidadãos, o Município e suas singularidades.

1.6 O espaço local e a participação dos atores soci ais

Na busca de um espaço local como fonte da democracia é necessário que os

integrantes de cada município exerçam a cidadania. Tal direito constitucional é

caracterizado pela interação dos indivíduos “em situações menos complexas,

capazes de permitir a participação dos cidadãos na esfera em que estão diretamente

vinculados, ou seja, o bairro, a cidade ou a região”103.

Há necessidade de que os atores sociais atuem em verdadeira “[...] cidadania

governante e não como simples destinatários das decisões públicas, tomadas pelo

corpo de tecnocratas”104 buscando a consecução dos interesses públicos e, por

conseguinte, a efetivação dos direitos fundamentais, através de decisões conjuntas

entre administração pública e sociedade, como forma de crescimento e

concretização do Bem Comum.

101 COSTA, 2009, p. 48. 102 PAIM, Antonio. Redirecionar o debate sobre federalismo. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de.

(Coord.) Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p.190. 103 HERMANY, Ricardo. (Re)discutindo o espaço local. Uma abordagem a partir do direito social de

Gurvitch. Santa Cruz do Sul: Edunisc/IPR, 2007, p. 252. 104 Ibidem, p. 197.

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Ao se discutirem as crises do Estado e suas alternativas, surgem apelos à

democracia participativa e, nesse sentido, afirma Hermany:

[...] provada a incapacidade dos modelos autoritários e totalitários e verificadas as deficiências da organização liberal do Estado, há que se reconhecer que a democracia social – ou seja, a realização dos direitos sociais – não pode constituir-se em democracia participativa – democracia participativa entendida como complemento, não como sucedâneo da democracia representativa. As decisões políticas têm que competir sempre aos órgãos baseados no sufrágio universal, únicos capazes de definir o interesse geral; mas sua mais perfeita legitimação depende de instâncias e procedimentos participativos.105

Da mesma forma, como aduz Sartori, não se pode deixar de concordar que a

democracia ainda nos dias atuais, não diverge muito do passado, em que muitos

cidadãos - no ato da eleição - não sabem o que significam as propostas de solução

de problemas que sustentam os programas dos candidatos, muito menos, quais

serão as consequências dessas propostas de políticas. De forma bastante sucinta,

no entanto precisa, leciona que “[...] as eleições não decidem sobre políticas

concretas; estabelecem, ao invés, quem vai decidir sobre elas. As eleições não

resolvem problemas; decidem antes, quem vai resolver os problemas.”106 De acordo

com o referido autor, a preferência de um candidato sobre os demais não revela a

preferência pela política do referido vencedor.

É a partir dessas concreções, que se deve buscar a real participação cidadã e

não apenas a aquiescência a determinado candidato, pois para realizar as

necessárias modificações sociais, o espaço local deve ter destaque como um

ambiente “[...] capaz de permitir a concretização da participação, haja vista tratar-se

de esfera menor em que se mostra simplificado e concreto o âmbito de atuação dos

cidadãos”107.

É neste contexto que devem ser avaliadas as potencialidades do espaço local em relação à construção de um direito social, ressaltando-se o caráter subsidiário que deve estar presente nas relações entre as esferas de poder, assim como na interface entre Estado e Sociedade.108

105 HERMANY, 2007, p.11. 106 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo.

São Paulo: Ática, 1994. p.152. 107 HERMANY, op. cit., p. 261. 108 Ibidem, p. 258.

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Quando se fala em alternativas às crises do Estado e o fomento do espaço

local, como forma de descentralização dos serviços públicos, surge a figura da

subsidiariedade “[...] definida como princípio segundo o qual as atribuições e

competências devem ser exercidas pelo nível da administração melhor colocado

para as prosseguir com racionalidade, eficácia e proximidade aos cidadãos”109.

A subsidiariedade pode proporcionar essa constatação, através de uma

harmonização nas relações entre os níveis de poder, uma lógica de coordenação,

além da ampliação do papel dos atores sociais no processo de formação das

decisões públicas.110

No exercício de suas atribuições, o governo das entidades federativas poderá promover ações que devem, pelo menos, mitigar a desigualdade social, criar condições de desenvolvimento e de qualidade de vida. A administração pública de qualidade, comprometida com as necessidades sociais e aberta à participação solidária da sociedade, pode melhorar as entidades federativas e os municípios. A partir desse nível, concretiza-se, necessariamente, a efetivação dos direitos humanos. A descentralização, nesse nível, deverá ser estímulo às liberdades, à criatividade, às iniciativas e à vitalidade das diversas legalidades, impulsionando novo tipo de crescimento e melhorias sociais. As burocracias centrais, de tendências autoritárias, opõem-se, muitas vezes, às medidas descentralizadoras, contrariando as atribuições da sociedade e dos governos locais. O melhor clima das relações entre cidadão e autoridades deve iniciar-se nos municípios, tendo em vista o conhecimento recíproco, facilitando o diagnóstico dos problemas sociais e a participação motivada e responsável dos grupos sociais na solução dos problemas, gerando confiança e credibilidade.111

Ao estabelecer-se este diálogo de participação ativa é possível pensar a

gestão compartilhada dos interesses públicos entre a Sociedade Civil e a

Administração Pública. No entanto, para implantar esta concepção de gerência, faz-

se necessário que “[...] a estratégia de fortalecimento do poder local esteja

associada a novas concepções de gestão, sem suplantar [...] estratégias

institucionais representativas,”112 que devem ter respaldo na Constituição, nos

princípios norteadores da Administração Pública que são principalmente a

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, nas formas de

109 MARTINS, Margarida S. D’Oliveira. O princípio da subsidiariedade em perspectiva jurídico-política.

Lisboa: Universidade de Lisboa, 2001, p.658. 110 HERMANY, 2007, p. 258. 111 BARACHO, José A. de Oliveira, O princípio de subsidiariedade.Conceito e evolução. Rio de

Janeiro: Forense, 1996, p. 19. 112 HERMANY, op. cit, p. 269.

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fiscalização deste modelo de gestão. Ao referir o assunto, Leal faz a seguinte

observação:

[...] a terceira fase da gestão compartida é a interlocução política de todos os atores que são afetados pela Administração. Há necessidade de abertura de campos de interlocução entre sociedade civil organizada e as tradicionais instituições existentes [...].113

O início dessa “interlocução” pode acontecer com a participação nos Conselhos

Municipais, na destinação dos orçamentos, pois, para gerir as capacidades antes

referidas, os municípios precisam de receitas, considerando-se que tais entes

federados são basicamente financiados pelos tributos que recolhem, sejam eles de

competência municipal, compartilhados com a União ou com os estados. Cabe aqui

um questionamento acerca da autonomia e da dificuldade de se autogerir dos

municípios.

Para estruturar melhor resposta ao questionamento é preciso aduzir que, no

Brasil, há uma relação de autonomia entre os entes federados. Autonomia, mas não

independência. Assim, há uma relação de atribuições para cada nível federativo, que

necessitam de políticas governamentais para ser cumpridas, face às demandas

sociais sempre crescentes. Quando se fala em desenvolvimento local, faz-se a

referência incluindo municípios e regiões. Cardoso114 apresenta o Brasil como “[...]

um país subdesenvolvido que apresenta muitas disparidades regionais e que são

ainda, acentuadas por problemas do federalismo”. Salienta a referida autora que há

um paradoxo que deve ser analisado com cuidado, ao perceber que houve aumento

de responsabilidade dos municípios brasileiros para o atendimento de demandas

públicas e, em contraposição, diminuiu o repasse de recursos financeiros que

deveriam atender tais políticas.

Ao mesmo tempo em que os municípios assumiram maior responsabilidade na

execução de políticas públicas, através da libertação da centralização e da

coordenação da União, procurando alavancar o desenvolvimento local, acabou por

gerar mais endividamento dos municípios e estagnação do desenvolvimento local e

113 LEAL, 2006, p. 54. 114 CARDOZO, Soraia Aparecida. Sistema federativo brasileiro e limites ao desenvolvimento local e

descentralizado. Disponível em <http://www.sep.org.br/artigo >. Acesso em: 12 set. 2009. p.4.

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regional.115 Isso, sem considerar as naturais diferenças regionais, sejam elas físicas,

culturais ou financeiras.

O problema da descentralização aparece no aumento da competência para

execução de políticas públicas, especialmente aquelas atinentes à saúde e

educação, onde os municípios têm assumido maiores responsabilidades.116

As receitas dos municípios são variáveis de acordo com uma série de fatores,

porque dependem da capacidade econômica, do tamanho do ente federado, do

quão desenvolvida é aquela região onde o município está inserido. Assim, a partir

dos anos 90 ampliou-se a possibilidade de gastos municipais, bem como da

participação da União na divisão de receitas.117

A situação dos anos 90 se deu em exata contradição àquelas reformas

perfectibilizadas nos anos 60118, época em que o sistema tributário era

absolutamente centralizador e a União detinha o poder de imposição de impostos e

de manipulação de alíquotas em todos os níveis, deixando os Estados e os

Municípios sem receita garantida, ferindo o sistema federativo, ao mitigar a

autonomia tributária dos entes federados. 119

Redemocratizado o país com a publicação de outra carta política em 1988, o

ponto de discussão voltou a ser a autonomia fiscal dos estados e municípios, a fim

de tornarem-se novamente aptos a criar impostos e alíquotas de seus próprios

tributos, já que ausente a receita, por experiência da década de 60, ressente-se

também de autonomia.

As mudanças introduzidas pela Constituição de 1988 institucionalizaram o aumento da participação dos estados na receita disponível do setor governo, o que vinha ocorrendo desde o início da década de 80, por intermédio das transferências negociadas. O governo federal detinha, então, o poder de alocar os recursos segundo as suas prioridades. Com a definição constitucional de critérios para a distribuição de recursos, as receitas de transferências adquiriram a conotação de receitas próprias.

115 CARDOZO, 2009, p. 5. 116 Ibidem, p. 6. 117 Ibidem, p. 6. 118 ABRUCIO, 2008, p. 185. 119 CARDOZO, op. cit., p.6.

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Assim, apesar de não ter ocorrido necessariamente um aumento de participação na carga tributária, o agregado dos estados assistiu a uma elevação dessa receita.120

Como definido anteriormente, “[...] a CF/88 buscou reforçar o sistema

federativo, com a autonomia dos municípios, diminuindo a ingerência da União e

transferindo recursos sem qualquer vinculação dos municípios”121. Com a “[...]

retomada da autonomia devolveu aos entes federados as possibilidades de receitas

fiscais que haviam sido extirpadas naquele período político autoritário”122.

No início da década de 90, a União - passa a criar contribuições sociais,

especialmente a recém extinta CPMF, que incidia sobre as movimentações

financeiras e, a COFINS que serve para o financiamento da seguridade social -

retoma a concentração de receitas, porque tais contribuições não estão sujeitas ao

repasse aos estados e municípios. Evidenciou-se então, que a Constituição Federal

de 1988 descentralizou as receitas tributárias e, os entes federados, buscando maior

descentralização, assumiram a responsabilidade pela execução das políticas

atinentes à saúde, habitação, educação, segurança, etc, e a União voltou a

centralizar receitas, ao criar contribuições sociais que não são necessariamente

repartidas com os municípios.123

Possivelmente, foi neste ponto que a solidariedade federativa cedeu espaço à

concorrência entre os entes federados. O engessamento124 das receitas municipais,

“[...] a Lei de responsabilidade fiscal”125 entre outros fatores, como as dívidas dos

entes federados, abrem margem à concorrência que alberga os Estados e

Municípios naquilo que se convencionou chamar de “Guerra Fiscal”.

Se o sistema federativo é capaz de apresentar estas disparidades,

especialmente a dependência econômica da União, ainda que lhe seja garantida a

autonomia, é evidente que as políticas descentralizadas e coordenadas nos espaços

120 MORA, Mônica. Federalismo e dívida estadual no Brasil. Disponível em <http://www.cipedya.com>

Acesso em: 12 set. 2009. p. 17. 121 CARDOZO, 2009, p. 6. 122 Ibidem, p. 6. 123 Ibidem, p. 6. 124 Ibidem, p. 7. 125 Ibidem, p. 7-8

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locais acabam não resultando no desenvolvimento aspirado, face às desigualdades

regionais.

A valorização do espaço local deve ser feito através do desenvolvimento

nacional. “[...] o Estado Nacional deve promover políticas de desenvolvimento que

incorporem todo o território nacional, considerando-se as disparidades e atuando no

sentido de sua redução.”126

A valorização do espaço local deve ser prestigiada como forma de participação

nas decisões políticas, como lócus de discussão de interesses a serem atendidos

mediante a execução de políticas públicas, mas sozinhos os municípios não são

capazes de proporcionar políticas públicas satisfatórias sem que antes haja a

retomada da cooperação entre os entes federados, pois a ideia de desenvolvimento

local autônoma e descentralizada apenas solidificará disputas que poderão levar à

ruína dos municípios ou do próprio sistema federativo.

Exatamente em atenção às políticas fiscais que devem ser cooperativas

evitando-se a concorrência entre os entes federados, é que serão abordadas a

seguir, as políticas públicas e políticas tributárias no âmbito brasileiro, com base no

cenário mundial do final do século XX e início do século XXI.

126 CARDOZO, 2009, p. 7.

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2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS TRIBUTÁRIAS DE INCLUSÃO SOB A ÓTICA DA

SOLIDARIEDADE SOCIAL

As questões sociais estão no ápice das discussões jurídicas atinentes às

Políticas Públicas, à Sociedade e à Administração Pública. Ao abordar o tema das

políticas públicas, faz-se necessário pontuar esta tríade para a correta compreensão

do assunto.

A preocupação com o coletivo direciona o debate para a necessidade da

atuação do Estado, aqui entendido como a Administração Pública e a orientação

para desenvolvimento de estratégias, programas ou ações que causem efetiva

transformação na sociedade. Não raro, o desconhecimento sobre a conceituação de

políticas públicas traduz-se em ideias circunscritas ao território das ações sociais ou

meramente educativas.

Da mesma forma, a atuação da sociedade é entendida como a participação

nas urnas e quase nada mais, onde o “algo mais”, quando ocorre, não se distancia

de um percentual muito pequeno de processos de participação. Um exemplo da

pequena participação social na construção da própria sociedade pode ser verificada

na oportunidade de escolher as prioridades através do orçamento participativo, onde

os dados decorrentes dessa participação ainda não são expressivos. Isso se deve,

na mesma escala das políticas públicas, pelo fato do Estado e a Administração

Pública não representarem uma versão uníssona aos olhos dos cidadãos, na

medida em que são percebidos de modos distintos, como se atuassem separados e

desconexos perante o seu povo, sem a compreensão da legitimação dos

representantes como mandatários desse mesmo povo. Esse afastamento torna-se

evidente especialmente na exigência da atuação do Estado através de políticas

públicas, em que parece prevalecer o comportamento de exigir atuação ignorando

que a criação, perfectibilização e execução das políticas públicas depende de

planejamento e de recursos públicos obtidos por meio da arrecadação fiscal.

Modernamente o conceito de governo ou de sociedade está vinculado a idéia que se tem de democracia. É necessário um espaço político, com regras e participação dos interessados (cidadãos), onde os interesses da maioria sejam atendidos através de ações governamentais. Certo é que para atingir este estágio, necessário o debate

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público voltado para as questões coletivas, garantindo-se o respeito aos direitos invioláveis conquistados até o momento.127

Partindo-se dessa ideia, a abordagem das políticas públicas pode ser

estabelecida de duas formas128: uma delas baseada na ordem jurídica e a relação

entre os deveres do Estado e os direitos dos cidadãos, associando-se as políticas

públicas aos direitos sociais e, de outro modo, é possível analisar as políticas

públicas em relação à avaliação e à efetivação dos serviços públicos prestados.129

O Constituinte de 1988, acolhendo as reivindicações dos movimentos organizados, consagrou amplos direitos fundamentais como condição de efetivação de igualdade, reconheceu garantia de acesso dos cidadãos aos serviços públicos sociais, consagrou a universalização dos benefícios da seguridade social, entre outros, traçando diretriz de participação da sociedade na concepção, na execução e no controle de políticas públicas. Propugnando, assim, pela superação do patamar de materialização de direitos, estabeleceu mecanismos de integração dos cidadãos na política e na processualidade administrativa, como forma de garantir crescente legitimidade às decisões.130

A Constituição Federal de 1988 garantiu materialmente em seu conteúdo, os

direitos e deveres individuais, alocando no artigo 5°, ao longo de 77 incisos as

garantias mínimas dos cidadãos individualmente considerados. Depois, atribuiu, no

artigo 7º, distribuídos em 34 incisos e ainda um parágrafo único, aqueles direitos

considerados coletivos.131

A nomenclatura utilizada para a definição de direitos humanos é bastante

vasta, utilizando-se como sinônimos “[...] direitos naturais, direitos do homem,

direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades

públicas, direitos da pessoa, direitos fundamentais do homem”132.

127 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 27. 128 Para efeito deste trabalho, considera-se uma outra via entre essas duas possibilidades,

abordando-se as políticas públicas relacionadas aos direitos sociais, sem, contudo, afastar a importância dos serviços públicos.

129 BONETI, Lindomar Wessler. Políticas públicas por dentro. Ijuí: Editora Unijuí, 2006, p. 7. 130 PIRES, Maria Coeli Simões; NOGUEIRA, Jean Alessando Serra Ciryno. O federalismo brasileiro e

a lógica cooperativa-competitiva. In: PIRES, M. C. S. BARBOSA, M. E. B. (Coord.) Consórcios públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 47.

131 HORTA, 2003, p. 211. 132 OLIVEIRA, 2005, p. 30.

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Mundialmente, os direitos individuais ganharam novo status a partir da edição

da Constituição do México de 1917 e da Constituição de Weimar em 1919. A alemã

é considerada a Constituição que separa o período do constitucionalismo liberal do

século XVIII e XIX do período do constitucionalismo social, gerado a partir do século

XX.133

No caso do Brasil, os direitos sociais vão se afastando dos individuais e

ganhando um espaço próprio dentro da Constituição. Eles desagregam-se dos “[...]

Direitos Fundamentais para situarem-se em novos títulos dedicados à Ordem

Econômica e Social, à educação e cultura, alargando a divisão material da

Constituição”134. Assim, na busca da efetivação destes direitos surgem conflitos e

dificuldades que merecem constante debate e aperfeiçoamento, especialmente

iniciando pelo conceito de cidadania que é marco inicial da participação dos

cidadãos voltados à organização de um Estado Democrático de Direito e da

efetivação dos direitos e garantias individuais e coletivos.

Ao estabelecer-se a análise da cidadania, é importante discuti-la pelo viés afeto

ao republicanismo135 como forma de governo através da qual se exaltam as virtudes

cívicas, “[...] que são o substrato de uma cidadania ativa, em que cada cidadão, além

de ser parte integrante da comunidade, é também ator das decisões políticas”136.

O Republicanismo democratiza o poder ao torná-lo acessível à população de forma indistinta, ao fazer com que cada cidadão se sinta co-responsável pelas decisões escolhidas e ao estabelecer o sentido da res publica como standard para a conduta dos agentes públicos. [...] Seus conceitos fundamentais, como res publica, virtudes civis, cidadania ativa, supressão de qualquer espécie de domínio, luta contra a corrupção etc., configuram-se como vetores, de conteúdo principiológico, para a regulamentação de uma forma de organização política que revalorize o homem como ser integral, esquecendo-se de sua vertente de homus economicus, que é uma das causas da sua opressão.137

133 HORTA, 2003, p. 220. 134 Ibidem, p. 221. 135 MARTÍN, Nuria Belloso. Os novos desafios da cidadania. Tradução de Clóvis Gorczevski. Santa

Cruz do Sul: Edunisc, 2005, p. 38. 136 AGRA, Walber de Moura. Republicanismo. Porto Alegre: 2005, p. 60. 137 Ibidem, p. 112.

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A ideia de cidadania é conhecida desde a origem da cultura ocidental e, foi

juridicamente definida no direito romano, com a especial proteção aos cives138 que

gozavam do ius civile. Para Nabais, a cidadania deve ser entendida como a “[...]

qualidade dos indivíduos que, enquanto membros ativos e passivos de um Estado

nação, são titulares de determinados direitos universais”139. Segundo o referido

autor, a titularidade dessa universalidade de direitos consagra estes indivíduos num

patamar de isonomia.

O jurista português defende a existência de três elementos componentes da

ideia de cidadania, quais sejam:

[...] 1) a titularidade de um determinado número de direitos e deveres numa sociedade específica; 2) a pertença a uma determinada comunidade política (normalmente o Estado), em geral vinculada à ideia de nacionalidade; e 3) a possibilidade de contribuir para a vida pública dessa comunidade através da participação.140

Tal posição é também a da professora espanhola Núria Belloso Martín141

descrevendo como elementos da cidadania, os mesmos apresentados por Nabais,

ainda que em ordem diversa, o que, no entanto, não altera a linha de caracterização

da cidadania da referida autora.

A discussão acadêmica e a valorização da cidadania não é algo novo, no

entanto, ainda assim, na atualidade, seu debate é ampliado e incorporado a outras

características face ao reconhecimento dos direitos fundamentais e das

modificações do espaço global, obrigando o alargamento da cidadania, deixando os

limites territoriais, para transpor fronteiras e assumir outras nuances.142 O conceito

de cidadania adquiriu novas formas variando de acordo com a influência das

138 MACIEL, José Fábio Rodrigues. (Coord.). História do Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.

66. 139 NABAIS, José Casalta. Solidariedade Social, Cidadania e Direito Fiscal. In: GRECO, M. A.;

GODOI, M. S. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 119. 140 Ibidem, p. 119. 141 [...] uma conjunção de três elementos constitutivos: em primeiro lugar, pertencer a uma

comunidade política determinada (normalmente o Estado) onde se está vinculado geralmente a uma nacionalidade; em segundo lugar, a oportunidade de contribuir na vida política desta comunidade, através da participação. E, por último, a posse de certos direitos assim como obrigações de cumprir certos deveres em uma sociedade específica.” MARTÍN, Nuria Belloso. Os novos desafios da cidadania. Tradução de Clóvis Gorczevski. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2005, p. 45.

142 NABAIS, op. cit., p. 119.

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diferentes culturas no decorrer da história. Para Vieira143, “[...] a concepção de

cidadania enquanto direito a ter direitos”, num contexto globalizado, tem várias

interpretações, sendo possível afirmar a sua existência plena mesmo existindo uma

desconexão entre os conceitos de nacionalidade e cidadania, distanciando-se do

conceito clássico de cidadania144.

Essa ruptura145 valorizou a cidadania como “[...] uma dimensão puramente

jurídica e política, afastando-a da dimensão cultural existente em cada nação”146. É

possível já perceber, no entanto, “[...] a tendência de alguns autores em afirmar o fim

da cidadania clássica de caráter político, surgindo uma outra cidadania, baseada em

razões econômicas e sociais”147. Nesse aspecto, existe a proposta de uma cidadania

supranacional ou transnacional, valorada como os direitos humanos e fundada nos

mesmos princípios que aqueles direitos.148 E a viabilidade desta posição consolidou-

se, com o surgimento de entidades supranacionais na Europa, cujas mudanças

inicialmente surgiram na dimensão econômica, através da assunção de uma moeda

própria, e que paulatinamente se amplia, chegando à instrumentalização da

discussão de um conceito de cidadania mais abrangente.149

A este respeito, convém mais uma vez, invocar a lição de Nabais ao afirmar

que o conceito de cidadania comporta certos temperamentos e desdobramentos,

cabendo fazer uma “[...] distinção em níveis ou graus de cidadania (graus ou níveis

143 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 22. 144 Idem. Os argonautas da cidadania. A sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Record,

2001, p. 239. 145 “[...] Tradicionalmente são cidadãos os nacionais de determinado país. A cidadania é vista como

relação de filiação, de sangue, entre os membros de uma nação. Essa visão nacionalista exclui imigrantes e estrangeiros dos benefícios da cidadania. De outro lado, temos a visão republicana, segundo a qual a cidadania é fundada não na filiação, mas no contrato. Seria inaceitável restringir a cidadania a determinações de ordem biológica. No plano jurídico há dois pólos opostos de definição de nacionalidade que determinam as condições de acesso à cidadania. O jus soli é um direito mais aberto que facilita a imigração e a aquisição da cidadania. [...] O jus sanguinis é um direito mais fechado, pois restringe a cidadania aos nacionais e seus descendentes.” Ibidem, p. 238.

146 Ibidem, p. 239. 147 Ibidem, p. 239. 148 Ibidem, p. 239. 149 “[...] O Tratado de Maastricht conferiu direitos políticos locais a todos os europeus. A Europa e as

regiões – e não apenas o Estado nacional – tratam doravante dos problemas da pobreza, emprego, educação, renovação urbana e rural, igualdade de sexos. Um comitê de regiões, junto ao Parlamento Europeu, pode conceder-lhes um direito legítimo à autodeterminação.” Ibidem, p. 240.

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superiores e graus ou níveis inferiores ao da cidadania-padrão ou base)”150. Para

salientar a variação destes graus, destaca a existência de uma sobrecidadania, que

é o modelo assumido e exercido na União Europeia, emergindo como o melhor

exemplo de uma cidadania múltipla151. De outro modo, há que se descortinar o ideal

europeu e permitir o exame da subcidadania, onde estão colocados todos aqueles

indivíduos que estão abaixo de um padrão base, de um mínimo de cidadania

exigível, e que não deve ser tolerado como algo normal, sempre forçando, exigindo,

buscando a melhoria e adequação ao nível de cidadania esperado.

Decorrência disso, por extensão, a cidadania tem uma relação com a tributação

e que não pode mais ser negada, pois, dentro de uma visão humanista do direito

tributário, deve haver “[...] universalmente uma preocupação voltada ao exercício dos

direitos fundamentais”152, pois a atividade do Estado não visa apenas arrecadação

financeira para o custeio dos serviços públicos postos à disposição dos cidadãos,

mas apresenta a oportunidade, abre a possibilidade de incluir-se na tributação o “[...]

exercício de direitos públicos subjetivos”153.

A tributação – exatamente por ser o meio de arrecadação financeira - constitui-

se no meio para a consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa

do Brasil, consubstanciada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária;

na garantia do desenvolvimento nacional; na erradicação da pobreza e da

marginalização e na redução das desigualdades sociais e regionais; bem como na

150 NABAIS, 2005, p. 120. 151 Com efeito, se os direitos que operam face à própria União ou em sede da Comunidade

Internacional acrescem, de fato, à cidadania estadual, à cidadania-base, já os direitos que a cidadania da União desencadeia na esfera dos Estados-membros revelam mais uma situação de efetiva subcidadania, ainda que se trate de uma subcidadania qualificada ou privilegiada, do que de uma situação de sobrecidadania. O que vale relativamente às liberdades de livre circulação e de residência e ao direito de votar nas eleições locais dos estrangeiros, sobretudo dos imigrantes nacionais dos outros Estados-membros da União, que não traduzem um aumento real dos direitos da cidadania, antes se limitam a substituir esta e a substituí-la apenas em parte. Por isso, em vez de sobrecidadãos, em vez mesmo de cidadãos, temos afinal de contas subcidadãos, ou melhor, semicidadãos, se bem que semicidadãos privilegiados face aos apátridas e aos estrangeiros cidadãos de Estados não pertencentes à União. Ibidem, op. cit., p. 121.

152 COSTA, 2009, p. 4. 153 Ibidem, p. 4.

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promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e

quaisquer outras formas de discriminação.154

Evidente então que as noções de cidadania e tributação estão unidas, na

medida em que ser “[...] cidadão também é ser contribuinte”155ou seja, ter

possibilidade de contribuir para as despesas e a administração do Estado também é

um modo de exercer a cidadania, logicamente respeitando-se as características de

cada um e a igualdade tributária, que permite o tratamento fiscal isonômico àqueles

que estiverem num mesmo patamar contributivo, respeitando-se as desigualdades,

como meio de cidadania e justiça social.

Por fim, é forçoso concordar com Liszt Vieira quando escreve que “[...] a

cidadania está sendo desafiada e remodelada pelo importante ativismo, em razão da

política transnacional e a evolução social”156 e, num mundo globalizado, a tributação

e a cidadania devem seguir juntas, seja numa visão clássica da cidadania ou na

moderna concepção de sobrecidadania, pois ela se equipara ao nível dos direitos

humanos. Nesse sentido, oportuna é a lição de Darcísio Corrêa que considera que

os:

[...] direitos de cidadania são os direitos humanos, que passam a constituir-se em conquista da própria humanidade. A cidadania, pois, significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida. Isso exige organização e articulação política da população voltada para a superação da exclusão existente.157

Em relação à tributação, o que se propõe é o exercício da cidadania por meio

da idéia de solidariedade social, ou seja, da possibilidade de, enquanto sujeito com

capacidade contributiva158, que o cidadão possa, contribuindo, ser solidário àquele

outro indivíduo que está abaixo do mínimo de renda tributável, e que da mesma

154 COSTA, 2009, p. 5. Neste ponto, a autora refere-se diretamente ao artigo 3º, I a IV da Constituição

Federal de 1988. 155 Ibidem, p. 5. 156 VIEIRA, 2001, p. 252. 157 CORRÊA, Darcísio. A Construção da Cidadania: reflexões histórico-políticas. Ijuí: UNIJUÍ, 2000, p.

217. 158 O princípio da capacidade contributiva está positivado no art. 145, parágrafo primeiro da CF/88 e

refere-se à capacidade econômica do contribuinte. COSTA, op. cit., p. 73.

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forma, utiliza os serviços públicos estatais custeados pela arrecadação dos

impostos.

Ainda neste capítulo, tratar-se-á da solidariedade enquanto princípio

constitucional atrelado às políticas tributárias, como um caminho às políticas

públicas de inclusão social, que podem ser efetivadas não apenas em relação à

arrecadação financeira, mas também por meio do manejo adequado da

extrafiscalidade.

2.1 As políticas públicas e o cenário mundial no fi m do século XX

Inúmeros são os interesses contrapostos que buscam, pela via judicial a

efetivação dos direitos fundamentais constitucionalizados. Essa temática é

amplamente discutida e revela uma dualidade que se confronta entre a garantia de

um mínimo de dignidade existencial159 e daquilo que é possível, viável ao Estado

proporcionar.

Para resolver os conflitos atinentes aos direitos sociais que buscam solução -

para dar efetividade aos direitos sociais, como os que se referem, via de regra à

educação, saúde, moradia, transporte - não se pode aceitar que permaneça a

necessária intervenção do Poder Judiciário, a obrigar o Administrador Público ao

cumprimento das determinações constitucionais.

O exercício dos direitos sociais e dos individuais, pode e deve, em caso de

injustiça ou abuso, buscar o abrigo do Judiciário para efetivar ditos direitos, mas o

caminho não pode ser mais e ainda, exaustivamente, apenas o Poder Judiciário.160

Essa realidade deve ser adequadamente valorada, bem como, deve permear as

estratégias sobre políticas públicas, tendo em vista que as demandas sociais serão

159 ‘[...] Não tendo o mínimo existencial dicção constitucional própria, deve-se procurá-lo na idéia de

liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, nos direitos humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão. [...] O problema do mínimo existencial confunde-se com a própria questão da pobreza.” TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. V III, 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 174.

160 LOPES, José Reinaldo Lima. Justiça e Poder Judiciário ou a virtude confronta a instituição. Disponível em: http://www.usp.br/revistausp/21/03-reinaldo.pdf. Acesso: 23 out. 2009.

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sempre crescentes em razão do aumento populacional e da diminuição de recursos

naturais face à sua própria finitude.

De acordo com Lopes, é necessária a elaboração de uma política pública que

reconheça e exerça o provimento de determinado serviço público e, enquanto existir,

a execução de tal política deverá obedecer as determinações de continuidade,

eficiência, impessoalidade, moralidade, nos exatos limites dos princípios do direito

administrativo.

Na mesma medida há que se reconhecer a necessidade de que tais serviços

exigem receitas, capital humano e material para sua execução, pois na falta de

política pública, continuará a ser no Judiciário que essa efetivação será

permanentemente reivindicada, mantendo-se a constante insatisfação e pressão por

soluções que atendam a população, proporcionando-se apenas o mínimo de direitos

sociais em tese garantidos, reservando-se aos cidadãos apenas o que é

minimamente possível à Administração pública executar. Essa situação não trará

qualquer melhoria, senão alimentará o círculo vicioso das políticas públicas

ineficientes e dos direitos fundamentais minimamente garantidos.

A elaboração de políticas públicas, de acordo com Dias161, pode ser creditada

ao Poder Legislativo ou Executivo, mas não é encargo do Poder Judiciário criar

estas políticas. No entanto, alerta que se uma política servir para prejudicar ou violar

os direitos individuais ou coletivos, entrar-se-á em outra esfera que atinge o Poder

Judiciário, pois tal violência ou prejuízo maculará o direito, dando-lhe o caráter de

injustiça e, havendo conflito, poderá haver a atuação e o controle judicial.

Trata-se de uma intervenção derivada, pois depende da formulação prévia de uma política ou mesmo de uma omissão, quando evidentemente há um dever legal ou constitucional de produzi-la. [...] conquanto que se possa admitir que não haja uma intervenção originária e direta na formação de uma política pelos processos deliberativos típicos da atuação parlamentar e da formação da decisão executiva, não se deve deixar de reconhecer que cabe ao Judiciário o controle dessas políticas do ponto de vista da preservação de direitos.162

161 DIAS, Jean Carlos. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Método, 2007, p. 43. 162 Ibidem, p. 44.

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Nos países periféricos163, especialmente aqueles situados na América do Sul, é

possível perceber claramente, como no Brasil, uma estrutura social e econômica

amplamente injusta, marcada por inúmeros programas e políticas ditas “sociais” que

são características indicativas de uma sociedade desigual, na medida em que tais

políticas têm caráter predominantemente clientelista164, enraizadas a partir de uma

ordem política pouco preocupada com os problemas reais de seu povo, diluídas

numa democracia marcada pela passividade de seus componentes165.

A importância de discutir políticas públicas de efetividade para direitos sociais

deve ser tratada com a maior relevância na medida em que, no atual cenário

brasileiro, o país apresenta estatísticas de pobreza que giram em torno de 30% da

população166. Dentre este percentual, a maioria encontra-se em condições de

indigência, ou seja, boa parte da população vive com renda abaixo de um dólar por

dia167, o que ofende, sem dúvida, o direito de existência humana digna, previsto

constitucionalmente.

A realidade brasileira tende a gerar concentração de renda, constituindo-se

numa economia capitalista, desenvolvendo no País níveis elevados de

desigualdade, desemprego, baixos salários e aumento do trabalho informal,168 que

aliados à estratégia de acúmulo de capital e informatização dos meios de produção,

fazem com que, num modelo neoliberal, o Estado acabe por “ceder” parte de sua

soberania - porque integrante de uma política globalizada -,169 acentuando ainda

163 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na modernidade. 4. ed.

São Paulo: Cortez, 1997, p. 286. 164 SCHMIDT, João Pedro. Gestão de Políticas Públicas: elementos de um modelo pós-burocrático e

pós-gerencialista. In: REIS, J.R.; LEAL, R. G. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Tomo 7, Santa Cruz do Sul: Edunisc, p. 1988 – 2032, 2007, p. 2000.

165 LIMA, João Vicente R.B. C; CAMPOS, Rosana. Desigualdades Sociais e pobreza: buscando novos enquadramentos. In: BAQUERO, Marcello. (Org.). Capital Social, desenvolvimento sustentável e democracia na América Latina. Porto Alegre: UFRGS, 2007, p. 57.

166 Ibidem, p. 58. 167 Ibidem, p. 59. “[...] A literatura sobre o tema classifica dois tipos de pobreza: a absoluta e a

relativa. A pobreza absoluta é aquela em que as pessoas estão abaixo de um padrão de vida considerado minimamente aceitável. Pobreza relativa é caracterizada pela situação de pessoas que tem um nível de vida baixo em relação à sociedade em que vivem.”

168 RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas tributárias de desenvolvimento e de inclusão social: fundamentação e diretrizes, no Brasil, frente ao princípio republicano. In: REIS, J. R.; LEAL, R. G. (Org.). Direitos Sociais e Políticas Públicas. Desafios Contemporâneos. Tomo 7, Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007, p. 1902.

169 DULCE. Maria José Farinas. Mercado sin ciudadania - Las falácias de la globalización neoliberal. Madrid: Biblioteca Nuova. 2005, p. 139.

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mais as desigualdades e desestimulando a participação social efetiva. Em outras

palavras, pode-se dizer que “[...] la ideologia de la globalización y de la

desterritorialización pretende imponer, pues, una globalización política y económica

sin democracia y sin participación, sin ciudadanos, solo con clientes consumistas”170.

Ao fazer a análise do contexto mundial no final do século XX e as perspectivas

para o século XXI, Bernardo Kliksberg associa uma série de modificações na

estrutura mundial, globalizada, especialmente no tocante àquelas que alteram a vida

cotidiana, por representarem modificações nos meios de produção através daquilo

que denominou de revolução tecnológica, face às importantes transformações nos

campos técnico e científico.171

O cenário mundial aparece dominado por novos componentes eletrônicos,

biocombustíveis, e pela criação em larga escala de produtos geneticamente

modificados, que são apenas alguns exemplos das transformações que afetam todo

o planeta, pelo encurtamento de distâncias, o avanço nas pesquisas tecnológicas e

a comunicação em tempo real.

O século XXI vai iniciar-se dominado pela microeletrônica, a biotecnologia, as telecomunicações revolucionadas, a informática, a robótica e as novas linhas de trabalho para a produção de materiais que substituem as matérias-primas tradicionais. Paralelas a estas, ocorrem as mudanças geopolíticas: o desaparecimento da União Soviética, o término da guerra fria e as possibilidades de desarmamento modificaram o “habitat” político e junto com estas situações, outro movimento, que foi caracterizado pelo programa das nações unidas para o desenvolvimento (PNUD) como “impulso irresistível em favor da participação” ou seja, a vontade da população mundial de participar dos sistemas de governo. O povo quer democracias genuínas nas quais possa intervir e tenha o controle do seu destino.172

Em relação ao cenário econômico, Kliksberg173 destaca os grandes grupos

como “[...] a União Europeia; Estados Unidos, Canadá-México; Japão e seus

170 DULCE, 2005, p. 144. 171 KLIKSBERG, Bernardo. O desafio da exclusão. São Paulo: Fundap, 1997, p. 50. 172 Ibidem, p. 50. 173 Já Fiori, de forma menos pessimista que Kliksberg, destaca “[...] a presença do Brasil como

integrante do BRICS - sigla utilizada para designar Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - no novo cenário mundial do Século XXI, cujo papel ainda não está muito claro e depende de uma análise mais profunda sobre o mérito ou não do País em participar do núcleo dos países emergentes.” FIORI, José Luiz. A nova geopolítica das nações e o lugar da Rússia, China, Índia, Brasil e África do Sul. Disponível em: < http://www.revistaoikos.org>. Acesso em: 27 jun. 2008, p. 77.

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vizinhos”174 e a existência de barreiras internas destes blocos, inibindo a participação

de outros países que não estejam de acordo com o modelo econômico que circula

naquele determinado bloco econômico.

Neste compasso, entre as décadas de 1960 e 1990 a diferença de renda entre

os 20% mais abastados e os 20% mais pobres do planeta aumentou

consideravelmente, o que gerou a migração dos países menos desenvolvidos para

os países centrais em busca de melhores condições de renda. Essa ocorrência

migratória acabou gerando níveis de desigualdade também nos países

desenvolvidos, especialmente pelas dificuldades de permanecer naqueles países

em condições legais de moradia e trabalho.175

Face às constatações de que os mercados econômicos livres geram

desenvolvimento e ao mesmo tempo concebem maiores desigualdades sociais, no

período do fechamento do século XX e início do século XXI, pela substituição dos

meios de produção em razão das modernizações tecnológicas, que deixaram sem

alternativa aqueles indivíduos substituídos por processos de produção

automatizados, muitos questionam os instrumentos pelos quais são estabelecidos os

índices de desenvolvimento social.

Nas extensas áreas do mundo não desenvolvido ou em desenvolvimento da América Latina, África, Ásia e Europa Oriental, um ponto fundamental ao papel do Estado é determinar em que consiste o progresso social. Diferentes organismos internacionais como Pnud, Unicef, a Unesco, OMS e outros têm questionado a utilização de critérios puramente economicistas para o exame da questão. Há consenso de que para uma sociedade avançar é preciso certos equilíbrios macroeconômicos básicos, eliminar a inflação, ter estabilidade. Contudo, embora sejam imprescindíveis, esses não são o fim último do progresso social. Pelo enfoque que o Pnud expõe sobre o Desenvolvimento Humano, para que haja progresso é preciso que se prolongue o tempo de vida das pessoas, que melhore a qualidade de vida nestes anos; que cada pessoa possa ter controle sobre sua vida; que todos tenham acesso a bens culturais e ao maior conjunto possível dos elementos que fazem a essência do ser humano como entidade pensante, livre e participativa.176

O problema é que o desenvolvimento humano não tem sido eleito como

prioridade dos governos, por isso, utilizar o quesito da renda per capita para medir o

174 KLIKSBERG, 1997, p. 50. 175 Ibidem, p. 54. 176 Ibidem, p. 55.

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índice de progresso social serve para ocultar esse descaso. A análise social pela

renda apresenta valores irreais, que mascaram a realidade, pois, não revelam se

“[...] houve ou não melhora na vida das pessoas”,177 que é o que efetivamente

interessa ao real desenvolvimento social.

Diante disso, não é mais aceitável a afirmação de que crescimento econômico

significa desenvolvimento social. Para averiguar com maior exatidão o

desenvolvimento social, o melhor mecanismo é proceder à colheita de dados através

de critérios que incluem o Índice de Desenvolvimento Humano178, somente com a

análise dos resultados obtidos nesta coleta de dados é que se poderá verificar se

houve ou não progresso, “[...] inclusão social, sustentabilidade ambiental e qualidade

de vida”179. Como salienta Schmidt,

[...] inclusão social é um tema novo para um nome antigo, o tema da pobreza e das desigualdades sociais. A agudização das desigualdades provocada pela globalização conferiu a esse conceito um sentido de urgência, tornando-o um elemento prioritário na agenda política [...] há concordância crescente a respeito da imprescindível presença do Estado através de políticas públicas para viabilizar o desenvolvimento com inclusão social.180

Ao repensar o Estado depois das mudanças macroeconômicas, Kliksberg

sugere que as instituições governamentais passem da fase da administração e

invoquem a gerência pública com eficiência para enfrentar os novos tempos.

Ao tratar as possibilidades de redesenho do Estado para a melhoria de

serviços sociais Kliksberg apoia a descentralização da administração em favor das

regiões metropolitanas ou de Municípios. Cita como exemplo os serviços de saúde,

de educação, baseado no aspecto de melhor gerir tais serviços que serão prestados

em maior grau de eficiência, pois sendo administrados próximo das necessidades da

177 KLIKSBERG, 1997, p. 57. 178 SCHMIDT, João Pedro. Gestão de Políticas Públicas: elementos de um modelo pós-burocrático e

pós-gerencialista. In: REIS, J.R.; LEAL, R. G. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Tomo 7, Santa Cruz do Sul: Edunisc, p. 1988 – 2032, 2007, p. 1988.

179 Ibidem, p. 1988. 180 Ibidem, p. 1989.

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população, terão maior dinâmica e efetividade consubstanciando-se em melhor

prestação estatal.181

Ao referir o assunto, Schmidt chama a atenção para algumas ambiguidades

sobre o tema. Defende o referido autor, que a descentralização ganhou novo status,

no Brasil, pós 1988, como revelação do intuito da participação popular na

administração pública, isto é, como alternativa ao modelo centralizador. Salienta

ainda que “[...] foi a confluência do pensamento de direita e de esquerda acerca da

descentralização que conferiu um forte viés municipalista à Constituição de 1988”182.

E por identificar uma série de problemas, o autor não acredita apenas na

descentralização como solução para a efetividade das políticas públicas.

Fazendo um balanço da descentralização, Kliksberg e Schmidt concordam que

a descentralização trouxe benefícios e problemas. Como avanços, exemplificam o

progresso dos novos municípios183 e, como problemas, teorizam que eles podem

ocorrer no início da descentralização, pois, se não houver previsão orçamentária

definida, já estará inviabilizada a prestação do serviço.

Alinham, ainda, como situação problema, o fato de que a política escolhida

para a prestação do serviço público seja gerida no âmbito local e essa proximidade

poderá causar algumas dificuldades. Citam como exemplos de possíveis

inconvenientes a inexperiência do gestor, o despreparo dos agentes municipais e,

ao mesmo tempo, a gestão da política ainda poderá ser comprometida ante a

possibilidade de o administrador ceder à pressões, face a vulnerabilidade dos

governos locais, bem como, alto risco do clientelismo.184

181 KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o Estado para o desenvolvimento social. Superando dogmas

e convencionalismos. 2. ed. Trad. Joaquim Ozório Pires da Silva. São Paulo: Cortez Editora, 2002, p. 62.

182 SCHMIDT, 2007, p. 2015. 183 Ibidem, p. 2015. 184 KLIKSBERG, op. cit., p. 67.

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Posta dessa maneira, a descentralização185 por si só, parece não representar

uma solução ideal. Ocorre, no entanto, que se a descentralização da administração

dos serviços públicos não é a solução face aos riscos, a centralização tão pouco o é.

Se essas formas extremas apresentam problemas, é preciso então, pensar o modo

jurídico de quantificar a descentralização. A resposta, pois, aparece no próprio texto

constitucional, pois há que se mover o Estado através de “[...] soluções cooperativas

federativas, na medida que enfatiza a busca de um equilíbrio entre desenvolvimento

e bem-estar no contexto nacional”186, representados nos incisos II e III do artigo 3º.

da Constituição Federal de 1988, que são os objetivos fundamentais de garantir o

desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais. Assim, interessante é a posição apresentada por

Schmidt ao lecionar:

[...] o redesenho institucional requerido nesse terreno deve pautar-se pela visão sistêmica, visando a um equilíbrio entre a descentralização das políticas e a sua articulação vertical. O Sistema Único de Saúde é um exemplo que combina descentralização e articulação vertical: o financiamento é compartilhado entre União, Estados e Municípios; há mecanismos de controle em várias esferas; a gestão das atividades está na esfera local, cujo órgão deliberativo, o Conselho Municipal de Saúde contempla a participação da Sociedade Civil.187

Logo, a descentralização não pode significar apenas o repasse das

responsabilidades188 aos entes locais, mas exige cooperação189 e coordenação190

185 “[…] a descentralização é defendida no Brasil sob relativo consenso em múltiplas conotações, seja

como mecanismo político de reforço do federalismo e de fortalecimento da democracia e equilíbrio dos núcleos de poder, seja, ainda, como estratégia administrativa de gestão e de eficiência alocativa de recursos.” PIRES, M. C. S.; NOGUEIRA, J. A. S. C. O federalismo brasileiro e a lógica cooperativa-competitiva. In:______BARBOSA, M. E. B. (Coord.) Consórcios Públicos. Instrumentos do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 39.

186 Ibidem, p. 43. 187 SCHMIDT, 2007, p. 2016. 188 “[...] Não há (sic) negar a imprescindibilidade da presença da União e dos Estados-Membros na

solução dos problemas metropolitanos, tamanhos os desafios que se apresentam nesse plano, consoante evidências que se colhem de dados do IBGE, reveladores da absurda concentração de cerca de 51% da população brasileira em área de 1,8% do território nacional, compondo um quadro metropolitano caótico que alia a maior acumulação do PIB nacional às mais profundas deseconomias de escala do País. Sem a presença suficientemente forte do Estado no espaço da unidade regional administrativa, por ele mesmo titularizada, e ao mesmo tempo, subsidiária da ação municipal não se vislumbram perspectivas de reversão dos desequilíbrios e do desenvolvimento de uma gestão integrada e eficaz de funções públicas de interesse comum.” PIRES, M. C. S.; NOGUEIRA, J. A. S. C. 2008, p. 45.

189 ‘[...] Não há que se entender por ações cooperativas de equilíbrio em plano nacional apenas soluções “compreensivas” ou globais, mas, antes, as possíveis alternativas parcializadas que possam convergir para a consecução dos objetivos. Mesmo porque peculiaridades regionais e

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entre as esferas federadas para a gestão e aperfeiçoamento das políticas públicas.

Essa cooperação poderá exigir maior capacidade de articulação, ou seja, maior

capacidade política em nível nacional, que deverá ser considerada pelos vários

níveis da federação. Havendo esta articulação, por consequência, haverá a

efetivação dos direitos através da prestação de serviços públicos de qualidade

prestados mediante políticas públicas.

2.2 Política e políticas públicas: conceito e forma ção

2.2.1 O conceito de política

O termo política pode ser usado para designar uma variedade de situações,

sem significar, contudo, a análise ou vinculação a determinada estratégia

governamental ou algum processo político específico. Política pode ser entendida

como um objetivo a ser alcançado, como por exemplo, a busca da estabilidade

econômica; pode ser uma determinada proposição específica como a de baixar ou

zerar os níveis inflacionários; pode representar um ato decisório de governo diante

de situações especiais ou de emergência; pode ser um programa que contemple um

determinado projeto de organização e recursos; política pode ser, também, sinônimo

de resultado.191

O conceito de política também é variado e pode ser definido como “[...] uma

teia de decisões que alocam valor”192 ou “[...] como um conjunto de decisões inter-

relacionadas, concernindo à seleção de metas e aos meios para alcançá-las, dentro

de uma situação especificada”193.

outros fatores assemelhados podem desafiar formatos e estratégias distintas de colaboração, assim como recortes setoriais específicos.” Ibidem, p. 43.

190 “[...] Parece que para a não pulverização da própria forma de Estado, que tal coordenação deve caber à União, bem como que tal coordenação exige sua intervenção.” RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Tomo 3, Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003, p. 909.

191 GOMES, E.; SCALCO, T; STEFENUTO, G. Metodologias para análise e Implementação. Sine Loco: GAPI/Unicamp, 2002, p. 159.

192 EASTON, 1953, apud GOMES, E.; SCALCO, T; STEFENUTO, G., 2002, p. 159. 193 JENKINS, 1978, apud GOMES, E.; SCALCO, T; STEFENUTO, op. cit, p. 159.

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Assim, na definição de políticas deve-se ter em conta que, por ser uma teia, a

política assume diversos conceitos e envolve ações e omissões, comportamentos e

intenções, grande número de atores sociais e governamentais e não é, como pensa

a maioria, ato isolado apenas dos gestores públicos.194

2.2.2 A formação das políticas públicas

Conceituar políticas públicas não é uma tarefa das mais simples, porque

variados são os conceitos e, num primeiro momento, o tema parece ajustar-se mais

ao campo da Ciência Política195 e não tanto ao meio jurídico. Mas essa dúvida logo

se esvai ao manejar-se o conceito de Estado como um prestador de serviços

públicos, cujas funções devem estar voltadas à realização dos direitos sociais,

incluindo-se os direitos econômicos.196

A partir da ideia anterior, alinha-se o entendimento sobre políticas públicas de

Maria Paula Dallari Bucci buscando-se maior compreensão do tema. De acordo com

a referida autora,

[...] políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Políticas Públicas são metas coletivas conscientes.197

Nessa conceituação, Bucci coloca a política como atividade que tenha

consciência da estrutura e do modo organizacional do poder198. Já Cristiane Derani

separa os termos “políticas” e “públicas” para analisar distintamente, expondo que o

194 JENKINS, 1978, apud GOMES, E.; SCALCO, T; STEFENUTO, 2002, p. 160. 195 BONETI, 2006, p. 75. Para este autor “[…] é possível compreender como políticas públicas as

ações que nascem do contexto social, mas que passam pela esfera estatal como uma decisão de intervenção pública numa realidade social, quer seja para fazer investimentos, ou para uma mera regulamentação administrativa. Entende-se por políticas públicas o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder, relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil. Tais relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição estatal, que provocam o direcionamento (e/ou redirecionamento) dos rumos de ações de intervenção administrativa do Estado na realidade social e/ou de investimentos. Nesse caso, pode-se dizer que o Estado se apresenta apenas como um agente repassador à sociedade civil das decisões saídas do âmbito da correlação de forças travada entre os agentes do poder [...]”.

196 OLIVEIRA, 2005, p. 71. 197 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002,

p. 240. 198 Ibidem, p. 242.

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primeiro termo significa “[...] atos oriundos das relações de força na sociedade”199, e

se concretizam materialmente nas mais diversas formas. Já em relação ao segundo

termo, considera que públicas são “[...] as ações quando comandadas por agentes

estatais e destinadas a alterar as relações sociais existentes”200.

São políticas públicas porque são manifestações das relações sociais refletidas nas instituições estatais e atuam sobre campos institucionais diversos, para produzir efeitos modificadores na vida social. São políticas públicas porque empreendidas pelos agentes públicos competentes, destinadas a alterar as relações sociais estabelecidas. Evidentemente, tratando-se de ações promovidas pelo agente público, destinadas à sociedade, as finalidades destas políticas serão sempre – para serem aceitas pelo direito – em função do interesse coletivo.201

As políticas públicas são complexas e dependem de vários elementos que

serão reunidos a fim de atingir um objetivo comum, previamente determinado.

Quando são fixadas as ações para dar materialidade aos dispositivos

constitucionais, perfectibilizados através de programas, eles exigem a demarcação

do seu objeto, bem como o limite que a tais objetivos - quando alcançados - devem

se prestar, como por exemplo: fiscalizar, orientar, comandar ou mesmo

supervisionar.

Por outro lado, é preciso combater as interações das quais derivam as políticas

sociais em que os objetivos não sejam convergentes ao interesse comum. Essas

políticas não podem “[...] derivar para a proteção de elites, de minorias organizadas,

de interesses econômicos de grupos influentes, sem qualquer ganho social e com

agressão aos direitos fundamentais dos cidadãos”202. Assim, políticas públicas,

[...] configuram decisões de caráter geral que apontam os rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da

199 DERANI, Cristiane. Privatização e serviços públicos: as ações do Estado na produção econômica.

São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 239. 200 Ibidem, p. 239. 201 Ibidem, p. 239. Para Maria Paula Dallari Bucci “[...] o adjetivo “pública” justaposto ao substantivo

“política’, deve indicar tanto os destinatários como os autores da política. Uma política é pública quando contempla os interesses públicos, isto é, da coletividade [...] com realização desejada pela sociedade. Mas uma política também deve ser expressão de um processo público, no sentido de abertura à participação de todos os interessados, diretos e indiretos, para a manifestação clara e transparente das posições em jogo. Nesse sentido, o processo administrativo de formulação e execução das políticas públicas é também processo político, cuja legitimidade e cuja “qualidade decisória, no sentido de clareza das prioridades e dos meios para realizá-las, estão na razão direta do amadurecimento da participação democrática dos cidadãos.” BUCCI, 2002, p. 269.

202 DIAS, Jean Carlos. O Controle Judicial das Políticas Públicas. São Paulo: Método, 2007, p. 47.

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descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população e aos formadores de opiniões as intenções do governo no planejamento de programas, projetos e atividades.203

Bem salienta Oliveira204 ao comentar o conceito de políticas públicas com um

olhar além de metas e programas determinados na Constituição, mas considera que

o conceito serve “[...] para abarcar as próprias ações concretizadoras ou

implementadoras do agente público estatal em esforço conjunto, coordenado e

cooperativo com a iniciativa privada”.

Assim, concorda-se com Oliveira no sentido de que Políticas Públicas podem

ser conceituadas como ações ou programas desenvolvidos pelo Estado, ou pelo

Estado em cooperação com outras pessoas físicas ou jurídicas, que visem a

promover a dignidade humana em todos os níveis.205

Por fim, serão de inclusão social aquelas políticas articuladas no âmbito estatal

ou mediante parcerias para promover a cidadania com dignidade humana, buscando

a construção daqueles ideais estabelecidos no artigo 3º. da Constituição Federal de

1988, qual sejam, aqueles ideais que tiverem por finalidade a edificação de uma

sociedade livre e solidária, aqui se incluindo como instrumentos, as políticas

tributárias, que adiante serão pontuadas.

2.2.3 As dimensões das políticas públicas em seus a spectos conceituais

Existem diferentes termos para distinguir as diversas dimensões das políticas

públicas. De acordo com Schmidt, são respeitados aqueles conceitos estabelecidos

na doutrina escrita originariamente em língua inglesa, que os dividiu em três: “a

polity, politics e policy. Tais expressões designam, respectivamente, a dimensão

institucional da política, a processual e a material”206.

203 SCHMIDT, João Pedro. Para entender as Políticas Públicas: aspectos conceituais e

metodológicos. In: REIS, J. R., LEAL, R. G. Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8, Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2313.

204 OLIVEIRA, 2005, p. 69. 205 Ibidem, p. 69. 206 SCHMIDT, op. cit, p. 2310.

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São afeitos à dimensão da polity os aspectos que servem de estrutura da

política institucional, como o funcionamento do Executivo, Legislativo e Judiciário, os

sistemas de governo e o todo esquema burocrático.207

Já a dimensão denominada politics abrange toda a disputa pelo poder. É

composta pelos processos que formam a organização da política e os embates da

competição pelo poder. De acordo com Schmidt, além das relações de poder entre

os três poderes, são características da politics, “[...] o processo de tomada de

decisão nos governos, as relações entre Estado, mercado e sociedade civil, a

competição eleitoral e parlamentar, a atuação e a relação dos partidos [...]”208.

A última medida da política é a policy, expressão que abarca as ações do

Estado, compreendendo os conteúdos concretos das políticas, ou seja, as políticas

públicas propriamente ditas.209

As políticas se materializam em diretrizes, programas, projetos e atividades que visam a resolver problemas e demandas da sociedade. Pertencem à dimensão da policy as questões relativas às políticas de um modo geral: condicionantes, evolução, atores, processo decisório, resultados, etc.210

Como é possível perceber, o estudo compartimentado das dimensões das

políticas, torna o entendimento menos complexo, na medida em que todas as

dimensões caminham juntas, na formação das políticas públicas.

O pesquisador gaúcho Lindomar Wessler Boneti lembra que a construção das

políticas públicas é entremeada de várias etapas que vão desde a elaboração até a

operacionalização.211 Já João Pedro Schmidt, analisando as fases das políticas

públicas, preleciona que boa parte da doutrina identifica cinco, quais sejam:

percepção e definição de problemas, inserção na agenda política, formulação,

implementação e avaliação.212

207 SCHMIDT, 2008, p. 2310. 208 Ibidem, p. 2310. 209 Ibidem, p. 2310. 210 Ibidem, p. 2311. 211 BONETI, 2006, p.73. 212 SCHMIDT, op. cit., p. 2313.

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Existem ainda, outras classificações, baseadas em distintos critérios, tais como

a que distingue políticas sociais de políticas econômicas ou macroeconômicas. As

políticas econômicas “[...] são compostas basicamente por políticas fiscais e

monetárias, abrangendo questões como o controle da taxa de juros, a inflação, a

taxa de câmbio, o comércio internacional, os incentivos [...]”213.

Sobre as políticas tributárias se tratará a seguir. Mas a questão que desde já

desperta o interesse é saber de que modo as políticas públicas ligadas à tributação

podem servir para realizar a solidariedade social e a cidadania.

2.3 As políticas públicas tributárias

O Estado tem na tributação a sua essência. Essa capacidade de buscar na

sociedade, de forma legítima, os recursos necessários para formar a base material

de um Estado de Direito, denominada fiscalidade. Ela é, também, um centro

nevrálgico do poder do Estado.214 Por sintetizar numa palavra a viabilidade da

efetivação de todas as outras formas de poder, a fiscalidade e as suas variações

representam um desafio e importante ferramenta de organização de políticas

públicas, voltadas à inclusão social.

2.3.1 Funções dos tributos: fiscalidade, extrafisca lidade e parafiscalidade

Ao referir a função dos tributos, a doutrina é sucinta sobre o assunto, fixando

rapidamente os conceitos de fiscalidade e extrafiscalidade. Já a parafiscalidade é

observada em relação ao sujeito ativo da obrigação tributária. Leciona Carvalho que

tais termos são utilizados “[...] para representar valores finalísticos que o legislador

imprime na legislação tributária, manipulando as categorias jurídicas postas à sua

disposição”215.

213 SCHMIDT, op. cit., p. 2313. 214 COSTA, Wilma Peres. Conflito e convergência na construção do centro político: repensando a

questão da centralização no Império. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Coord.) Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p.87.

215 CARVALHO, 2000, p. 228.

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Para maior clareza, transcrevem-se algumas lições, como a de Luciano Amaro,

Carvalho, Costa e Machado, dentre outros, no intuito de aclarar as funções dos

tributos, que servem de instrumento às políticas tributárias216.

[...] segundo o objetivo fixado pela lei de incidência seja (a) prover de recursos a entidade arrecadadora ou (b) induzir comportamentos, diz que os tributos tem finalidade arrecadatória ou (fiscal) ou finalidade regulatória (ou extrafiscal). Assim, se a instituição de um tributo visa, precipuamente, a abastecer de recursos os cofres públicos (ou seja, a finalidade da lei é arrecadar), ele se identifica como tributo de finalidade arrecadatória. Se, com a imposição não se deseja arrecadar, mas estimular ou desestimular certos comportamentos, por razões econômicas, sociais, de saúde, etc., diz-se que o tributo tem finalidades extrafiscais ou regulatórias.217

De acordo com Paulo de Barros Carvalho, estar-se-á diante de uma situação

de fiscalidade sempre que os tributos “[...] estejam voltadas ao fim exclusivo de

abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses – sociais, políticos ou

econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva”218. De outro lado,

se a situação a ser prestigiada é social, financeira ou de grande valor político, à qual

o tratamento dispensado é mais ou menos gravoso “[...] perseguindo objetivos

alheios aos meramente arrecadatórios”219 estar-se-á, então, falando em

extrafiscalidade, que consiste

[...] no emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias [...].220

Relacionando com a competência tributária, Costa distingue fiscalidade como a

“[...] exigência de tributos com o objetivo de abastecimento dos cofres públicos, sem

que outros interesses interfiram no direcionamento da atividade impositiva [...] como

meio de geração de receita”221. Extrafiscalidade, por outro lado, coloca-se como a

216 “[...] O uso extrafiscal do tributo significa o alcance de fins distintos dos meramente arrecadatórios

mediante o exercício das competências tributárias (poder de criar e alterar tributos) outorgadas pela Constituição Federal às pessoas políticas União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Nesse sentido, será possível através do exercício de competências (poderes limitados, prerrogativas) tributárias outorgadas às pessoas jurídicas de direito público mencionadas, atingir objetivos relevantes de natureza social, econômica e até mesmo, política.” BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos, Extrafiscalidade e não-confisco. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 40.

217 AMARO, 2008, p. 89. 218 CARVALHO, op. cit., p. 228. 219 Ibidem, p. 229. 220 Ibidem, p. 230. 221 COSTA, 2009, p. 48.

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utilização de instrumentos tributários visando a finalidades “[...] incentivadoras ou

inibitórias de comportamentos”222 para realização daqueles valores que foram

garantidos constitucionalmente.

Por fim, Machado223, alinhando de forma direta, demonstra que a função de um

tributo é fiscal quando “[...] seu objetivo é a arrecadação de recursos financeiros para

o Estado”. Considera, ainda, o tributo extrafiscal quando o “[...] seu objetivo principal

é a interferência no direito econômico, buscando um efeito diverso da simples

arrecadação de recursos financeiros”. Define Coelho224 que a extrafiscalidade é a

“[...] utilização dos tributos para fins outros que não os da simples arrecadação de

meios para o Estado. Nesta hipótese, o tributo é instrumento de políticas

econômicas, sociais, culturais, etc”.

É de salientar, no entanto, que a extrafiscalidade não se desenvolve apenas

diante da imposição de tributos, mas se realiza também por meio de isenções,

imunidades e incentivos225 de acordo com o interesse público, que sempre deve se

sobrepor aos interesses particulares como lembra Berti:

[...] sempre que os interesses da comunidade como um todo estejam em discussão, os interesses particulares deverão ceder espaço a fim de que os primeiros sejam preservados e, com isto, a segurança como um todo seja resguardada. Assim, por exemplo, o combate ao desemprego, ou a preservação do nível de emprego a utilização racional da propriedade a fim de que a mesma cumpra com sua função social, a preservação do meio ambiente e de condições fito-sanitárias mínimas para a sobrevivência do homem [...] o desenvolvimento da indústria, os interesses individuais, difusos e coletivos dos consumidores, o aumento do saldo da balança comercial no comercio exterior, estímulo ou desestímulo às importações [...].226

222 COSTA, 2009, p. 49. 223 MACHADO. Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 48. 224 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.

130. 225 “[…] vários instrumentos podem ser empregados para dirimir caráter extrafiscal a determinado

tributo, tais como as técnicas da progressividade, a seletividade de alíquotas e a concessão de isenção e de outros incentivos fiscais.” COSTA, op. cit, p. 48.

226 BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos, extrafiscalidade e não confisco. 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 41

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Pode-se falar em extrafiscalidade sempre que se verificar um fim visado pelo

Estado que vá além da mera arrecadação financeira.227 A finalidade extrafiscal dos

tributos se realiza quando a legislação estimula ou reprime comportamentos na

economia, através de incentivos ou de tributação mais elevada para, por exemplo,

reprimir o mau uso dos espaços urbanos através da progressividade do IPTU ou

para incentivar a contratação de deficientes físicos, ou mesmo diminuir diferenças

regionais através da concessão de incentivos.228 Tais providências ou

comportamentos orientam-se por normas que objetivam o alcance de melhor justiça

social.229

Adverte, todavia, Nabais, ao confirmar a extrafiscalidade como característica

social do direito econômico ou financeiro230, que a mesma deve ser manejada com

muito cuidado, pois, o uso indiscriminado das possibilidades extrafiscais dos tributos

também pode gerar um fenômeno que acirra a competição entre os entes federados,

que

[...] por seu turno, no concernente ao critério destas medidas de fomento econômico-social, ele reduz-se à proibição do excesso e ao princípio geral da igualdade: [...] há que se apurar se cada benefício fiscal em concreto é necessário, (mais) adequado e proporcional para a realização do objetivo econômico-social pretendido [...].231

A guerra fiscal, esse fenômeno propiciado pelo federalismo competitivo, na

lição de Rodrigues, é entendida como “[...] uma política pública que se utilize

basicamente de isenções (parciais ou totais) de tributos para atrair empresas já

existentes, mas localizadas em Municípios diversos daquele que a promove [...]”232 e

que acaba apenas por modificar o local dos empregos, pois não há, no final das

contas, outra modificação senão a rotatividade do desemprego e, que para o referido

autor, a sua vedação não fere o artigo 60, parágrafo 4º. da Constituição Federal.

227 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,

2006, p. 80. 228 YAMASHITA, Douglas. Princípio da Solidariedade em Direito Tributário. In: GRECO, M. A.;

GODOI, M. S. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 62. 229 Ibidem, p. 56. 230 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 694. 231 Ibidem, p. 696. 232 RODRIGUES, 2003, p. 255.

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O fenômeno ocorre sempre que os municípios, buscando a instalação de

determinadas empresas privadas no seu território, oferecem através da manipulação

da extrafiscalidade, toda sorte de benefícios fiscais para essas empresas. Ao

deixarem os Municípios onde estão instaladas - e já modificando o contexto local,

produzindo, gerando empregos e algum desenvolvimento econômico – pois

vantagens econômicas melhores são oferecidas por outro município, faz com que

aquelas mesmas empresas suspendam ou diminuam as atividades no referido

município e se instalem no município novo.

Tais migrações entre municípios raramente trazem benefícios à população,

pois acabam por desperdiçar os recursos públicos na medida em que, para gerar

empregos no novo Município, necessariamente trabalhadores serão demitidos no

velho.233 Essa constatação torna a guerra fiscal inócuo aos desígnios do

desenvolvimento, servindo apenas para alimentar a disputa fratricida.

No tocante à parafiscalidade, interessa abordá-la pelo aspecto da

complementariedade às funções do tributo, não se enquadrando nas aqui discutidas

políticas tributárias. Assim, examina-se a parafiscalidade sob o aspecto da

capacidade ativa. Para existir sujeito ativo capaz de cobrar tributos, deve haver

competência para tal. A competência para este fim é das pessoas políticas, quais

sejam: União, estados, Distrito Federal e municípios, que são aquelas pessoas que

têm poder legislativo e são capazes de elaborar leis que criem tributos e regulem

sua instituição e arrecadação.234

Mas existem situações em que outros sujeitos ativos surgem, são outras

pessoas que não a União, estados, Distrito Federal ou municípios, que passam a

arrecadar as contribuições. É nestas situações que brota a parafiscalidade.

A parafiscalidade, portanto, distingue-se da fiscalidade e da extrafiscalidade

porque não está relacionada com a competência tributária, mas, sim, ao sujeito ativo

que venha a pretender o cumprimento da obrigação tributária.

233 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P. 2008, p. 2506. 234 CARVALHO, 2000, p. 230.

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Traduz a delegação, pela pessoa política, por meio de lei, de sua capacidade tributária ativa, vale dizer, das aptidões de arrecadar e fiscalizar a exigência de tributos de outra pessoa, de direito público ou privado. Às pessoas delegatárias, em regra, atribui-se, outrossim, o produto arrecadado. Quaisquer espécies tributárias podem ser objeto de parafiscalidade, embora as contribuições do art. 149 CR, por sua natureza finalística, revelem-se mais apropriadas a esta delegação.235

Para Machado, há parafiscalidade quando se objetiva principalmente buscar a

“[...] arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não

integram as funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de

entidades específicas”236. Já Carvalho reforça dois aspectos dos tributos parafiscais,

sendo o primeiro deles a necessidade de que o sujeito ativo deverá constar

expressamente na lei que instituir o tributo e que deverá ser diverso daquela pessoa

política a quem se estabeleceu a competência. O segundo aspecto é o de que

deverá o produto arrecadado ser do sujeito ativo que buscou o cumprimento da

obrigação tributária.237

2.4 Solidariedade social e políticas tributárias

A solidariedade tem fundamento filosófico mais antigo no segundo

mandamento cristão: “amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. De acordo com

esse argumento, a solidariedade é medida pela proximidade. Quanto maiores forem

as características que identificam as pessoas, maior será a solidariedade,

assumindo um caráter social e um valor moral com sentido fraterno.238

Da mesma forma a tríade francesa: igualdade, liberdade, fraternidade do

século XVIII foi marcada pela ideia de filantropia e caridade, mas no início do século

XX, quando a acumulação capitalista mostrou seu poder com muita intensidade,

essa concepção doce e caritativa de solidariedade foi relegada a um segundo

plano.239 Nesse período - final séc. XIX e início do séc. XX – o centro de estudos da

235 COSTA, 2009, p. 49. “[...] Assinale-se que a EC n. 42, de 2003, introduziu uma nova possibilidade

de delegação de capacidade tributária ativa referente ao ITR, segundo a qual o imposto será fiscalizado e cobrado pelos municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal”. COSTA, 2009, p. 49.

236 MACHADO, 1997, p. 49. 237 CARVALHO, 2000, p. 232. 238 YAMASHITA, 2005, p. 59. 239 GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In: GRECO, M. A.; GODOI, M. S.

Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 143.

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ciência jurídica passa a ser a sociedade e é nesse momento que a solidariedade

social adquire um caráter jurídico. Abandona-se aquele sentido puro e simplesmente

fraterno e a solidariedade passa a ser um dever para a subsistência do Estado.240

Esse pensamento foi de tal modo arraigado, que são exemplos disso, as

Constituições contemporâneas, que fazem referência à solidariedade social, como a

Constituição Italiana de 1947; a Constituição Brasileira de 1988 que traz no

preâmbulo a indicação de sociedade fraterna e no art. 3º. I, a construção de

sociedade livre, justa e solidária, como objetivos da República e que, nesse ponto,

parece ter sido influenciada diretamente pela Constituição Portuguesa de 1976. Ou

seja, isso demonstra que a solidariedade social está presente no ideal político das

sociedades ocidentais contemporâneas e não se pode deixar de mencioná-la

quando se discute cidadania e políticas públicas em relação ao Estado.241

Ao escrever sobre a solidariedade na Constituição italiana, Claudio Sachetto242

afirma que o início do interesse fiscal do Estado é que fundamenta a solidariedade.

No momento em que a comunidade resolveu colocar o próprio desenvolvimento nas

mãos do Estado e que, para isso, necessitava arrecadar dinheiro para custear as

atividades sociais, nasceu o interesse fiscal. Então, aquilo que era imposição243 –

obrigação de pagar tributos -, torna-se um dever solidário, um dever para construir

objetivos comuns. O autor conclui que a solidariedade faz nascer direitos e os

direitos geram, da mesma forma, solidariedade.244

Assim, a solidariedade social só será realizável, em relação ao Estado Fiscal

Social, se houver receitas periódicas cobradas dos cidadãos, que possam viabilizar

uma estrutura de bem comum.

240 YAMASHITA, 2005, p. 53. 241 GODOI, 2005, p. 142. 242 SACHETTO, Claudio. O dever de solidariedade no Direito Tributário: o ordenamento italiano. In:

GRECO, M. A.; GODOI, M. S. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005. 243 “[...] A medida em que iam se formando os Estados Modernos, os monarcas percebiam que as

receitas espontâneas arrecadadas da nobreza e os recursos eventuais obtidos em pilhagens e assaltos já não se mostravam suficientes para o custeio da expansão territorial de seus domínios. Abria-se assim o caminho para a instituição de prestações constantes e obrigatórias a serem exigidas dos cidadãos, o que contudo, tropeçava na filosofia política antiga e medieval, na qual o tributo era sinônimo de sujeição e espoliação de um povo por outro.” GODOI, op. cit. p. 152.

244 SACHETTO, op. cit., p. 21.

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Mas a solidariedade jurídica possui dois vieses: a solidariedade genérica e a

solidariedade de grupo. A primeira é aquela que se refere à sociedade como um

todo, aquela que reflete a repartição racional de encargos públicos. Ela decorre

diretamente do dispositivo constitucional conferido pelo art. 3º. I, dentro daquela

ideia de que cada cidadão deve participar para financiar o Estado fiscal.

O Brasil, como Estado de Direito, é um Estado fiscal,245 arrecadador, na

medida em que a sua existência e a efetivação das atividades sociais dependem dos

recursos financeiros arrecadados pelos tributos. E a solidariedade genérica está

intimamente ligada à cidadania porque vinculada à capacidade contributiva dos

cidadãos. E se concretiza, por exemplo, no Imposto de Renda conforme a

capacidade econômica. Mas não se configura objeto deste estudo, discutir se tais

alíquotas são adequadas ou não. Importa, aqui ressaltar que

[...] o princípio da capacidade contributiva protege o mínimo existencial. Enquanto a renda não ultrapassar o mínimo existencial não há capacidade contributiva. O mesmo resulta da dignidade humana e do princípio do Estado Social. O princípio da capacidade contributiva atende a ambos os princípios. Num Estado liberal, não é permitido que o mínimo existencial seja subtraído pela tributação, parcial ou totalmente, e uma compensação seja dada em benefícios previdenciários. O Estado não pode, como Estado tributário substituir aquilo que o Estado Social deve resolver. [...] Aliás, as necessidades financeiras de um Estado não são sequer atendidas, se os ricos não devem pagar mais do que aquilo que os pobres podem contribuir, ou se sobrecarregaria completamente as classes mais pobres. Mas também dos pobres pode-se tirar apenas aquilo que eles têm.246

E também há solidariedade entre aqueles cidadãos sem capacidade

contributiva. Aqueles que estão abaixo do mínimo tributável, que não têm como

participar do financiamento das atividades do Estado fiscal. Nesse ponto, a

solidariedade genérica não perde a sua eficácia, mas apenas muda de enfoque:

abandona o lado passivo que é o lado da responsabilidade pelo pagamento da

obrigação tributária e começa a incidir de modo ativo, em razão da limitação do

poder de tributar, pois, é proibido tributar o mínimo existencial a partir do art. 150, IV,

da Constituição Federal. Da mesma forma, não é admissível que um tributo tenha

245 Esta expressão, “Estado fiscal”, é utilizada por José Casalta Nabais. 246 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Social e Princípio da Capacidade Contributiva. São

Paulo: Malheiros, 2002, p. 28 e 34.

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efeito confiscatório, a ponto de tornar qualquer ação produtiva sobremaneira

onerosa, que a omissão seja mais valiosa.247

A solidariedade genérica opera-se também por meio da finalidade extrafiscal.

Esta é uma postura de solidariedade diversa daquela que busca obter receitas. A

extrafiscalidade, como forma indutora de política tributária se realiza quando

estimula ou reprime comportamentos na economia através de incentivos ou de

tributação mais elevada para, por exemplo, reprimir o tabagismo, o alcoolismo ou

para incentivar a contratação de deficientes físicos. Essas são normas orientadas

pela justiça social, que encontram abrigo na cidadania, através da inclusão.248

Outro exemplo de extrafiscalidade são os incentivos concedidos às empresas

instaladas na Zona Franca de Manaus que buscam diminuir as diferenças regionais,

que também são objetivos da solidariedade genérica. O que define a aplicação da

extrafiscalidade é o princípio do mérito, ou da necessidade e não da capacidade

contributiva. Assim, como a extrafiscalidade não visa a arrecadação, são estes

critérios que são adequados para fazer a comparação entre contribuintes, com base

na igualdade em matéria fiscal, tendo em vista que o desaparecimento desses

princípios implica na não incidência da norma extrafiscal.249

O elo entre solidariedade social e o direito tributário está naquele ponto que a

solidariedade justifica o Estado Fiscal, porque como afirma Ricardo Lobo Torres, ao

lembrar Nabais, “[...] pagar tributo é um dever fundamental, pois o Estado fiscal

decorre necessariamente dos tributos arrecadados”250 bem como das normas

extrafiscais dele decorrentes.

Da mesma forma, afirma José Casalta Nabais251 “[...] o imposto não pode ser

considerado só mero poder do Estado, nem apenas sacrifício do cidadão, mas

constitui contributo indispensável à vida organizada do Estado”. Isso é dever

247 YAMASHITA, 2005, p. 60 248 Ibidem, p. 61. 249 Ibidem, p. 61. 250 TORRES, Ricardo Lobo. Existe um princípio estrutural da solidariedade? In: GRECO, M. A.;

GODOI, M. S. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 201. 251 NABAIS, 2004, p. 134.

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genérico de solidariedade econômica, política e social, na medida que todo

contribuinte tem um dever de contribuir para a sociedade a qual está integrado, bem

como o direito de exigir que todos os outros membros da comunidade também

contribuam para esta comunidade, resguardadas as exceções previstas na lei.252

A solidariedade de grupo, por sua vez, refere-se a direitos e deveres de um

número específico de indivíduos e encontra fundamento no fato de cada pessoa

pertencer a determinado grupo social, distinto dos demais grupos sociais, o que lhe

acarreta uma responsabilidade social maior, e especificamente, só atinge aquele

grupo.

A família é um clássico exemplo de grupo social homogêneo protegido pela

Constituição no art. 226 e seguintes. É da solidariedade entre os indivíduos deste

grupo que decorre a obrigação de pagar alimentos aos filhos. O mesmo ocorre com

grupos sociais maiores como as empresas em que os empregadores têm parcela de

responsabilidade social com seus empregados.253

Assim, deve-se construir políticas públicas tributárias objetivando a cidadania

fiscal e a inclusão social, baseada na solidariedade social dentro de cada

enquadramento, seja genérica ou de grupo. Tais políticas deverão ser executáveis

mediante cooperação entre os municípios como, por exemplo, através dos

consórcios públicos intermunicipais, que são figuras capazes de combater a guerra

fiscal e fomentar o desenvolvimento econômico, social, cultural, construindo-se uma

cidadania emancipadora com participação social no local mais próximo do cidadão,

aperfeiçoando-se as políticas atuais, que não são eficazes.

E a construção da solidariedade, em nível tributário, passa pela elaboração de

políticas públicas de inclusão social perseguindo a justiça social, mediante a

“redistribuição de renda”254 e concretização dos direitos fundamentais dos

munícipes. Mas, nesse aspecto, não se pode pensar em políticas tributárias fiscais

252 NABAIS, 2004, p. 135. 253 YAMASHITA, 2005, p. 59. 254 RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias de desenvolvimento e de inclusão social:

fundamentação e diretrizes, no Brasil, frente ao Princípio Republicano. In: REIS, J. R., LEAL, R. G. Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 1902.

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apenas, pois, para atribuir a estas políticas verdadeiro caráter inclusivo através do

Direito tributário, faz-se necessário também, a exposição do alcance da

extrafiscalidade dos tributos, como via inclusiva e não excludente, como ocorre na

guerra fiscal.

A fiscalidade pressupõe mera preocupação com a arrecadação, de modo que seja possível a manutenção da máquina estatal, o que é essencial para a continuidade de um sistema econômico baseado nas idéias liberais ou neoliberais, pois tal sistema seria inviável sem a tributação, uma vez que assim se impede a estatização dos meios de produção, mantendo-os nas mãos de particulares.255

De outra forma, a extrafiscalidade é uma forma de solidariedade diversa

daquela que busca obter receitas. De acordo com Schoueri, “[...] o gênero

“extrafiscalidade” inclui todos os casos não vinculados nem à distribuição equitativa

de carga tributária, nem à simplificação do sistema tributário.”256

Por fim, a Constituição Federal de 1988 orienta em seu artigo 3º, I, a

construção de uma sociedade solidária. A solidariedade, enquanto princípio, orienta

o dever fundamental de pagar tributos, que vai além de uma mera obrigação legal257

posto que o Estado considerado fiscal é basicamente financiado pelos tributos

arrecadados, o que corresponde à possibilidade de concretização dos direitos

fundamentais consubstanciados na prestação de serviços públicos e na realização

dos direitos constitucionalmente assegurados. A solidariedade, portanto, fortalece os

laços entre os indivíduos, estabelecendo vínculos de fraternidade, concebendo uma

sociedade pluralista e em harmonia social,258 na responsabilidade pela realização

dos fins sociais do Estado259 e deve, como princípio, orientar políticas públicas,

especialmente as tributárias na busca de uma harmonização que possibilite o

desenvolvimento não apenas econômico, mas também o desenvolvimento humano

de seu povo.

255 RODRIGUES, 2008, p. 1905. 256 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense,

2005, p. 32. 257 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. V. II. Rio de

Janeiro: Renovar, 2005, p. 181. 258 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Guerra Fiscal, Fomento e Incentivo na Constituição Federal.

São Paulo: Dialética, 1998, p.275. 259 TORRES, op. cit., p. 182.

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2.5 Guerra fiscal: o aprisionamento dos municípios

A guerra fiscal ocorre basicamente na oferta, por diversos municípios ou

estados, de incentivos e benefícios fiscais para atrair empresas.260 Essa prática de

concorrência nociva é praticada por 49,5% dos municípios brasileiros, de acordo

com a pesquisa Perfil dos municípios brasileiros - Gestão Pública 2006, divulgada

pelo IBGE. Os “[...] benefícios mais utilizados entre 2004 e 2006 foram doações de

terrenos, redução de taxas e isenções de Imposto predial e territorial urbano e

Imposto sobre serviços”261.

O desenvolvimento dessas práticas262 tem revelado no decorrer do tempo, um

problema que merece ser estudado e combatido, iniciando pelos questionamentos e

ponderações acerca de quais são, efetivamente, os benefícios que essas renúncias

fiscais trazem ao desenvolvimento dos municípios. Imagina-se, à primeira vista que

a resposta seja a oferta de empregos e a redução das desigualdades. Porém, as

conseqüências são evidentemente mais danosas que benéficas.

Economicamente a guerra fiscal não passa de um artifício que, ao buscar maior

eficiência econômica, traz, apenas custo social mais elevado, pois há um

deslocamento de empresas toda vez que houver proposta de melhores incentivos

em outros municípios, obrigando aquele que é a sede da empresa a ampliar os

benefícios já concedidos, sob pena de perder o investimento privado no Município.

Tais situações, via de consequência, refletem em aumento do desemprego,

empobrecimento, maior desigualdade social e maior atenção do Poder Público, que

não teve a contraprestação tributária.263

A concessão desses incentivos com fim único de criar empregos e riquezas deve ser visto com reservas. Afinal, esta é uma ótima oportunidade para empresas deixarem de investir seu capital para utilizarem dinheiro público.

260 TORRES, 2005, p. 275. 261 Dados do site Espaço Público. [S.l.] Disponível em: <http://www.espacopublico.blog.br/?p=153>.

Acesso em: 15 de out. de 2008. 262 Como o mercado tem por princípio o egoísmo, e não a busca do bem-estar social, jamais será

possível legitimá-lo como democrático – pois os valores perseguidos são os próprios de cada indivíduo -, ou como republicano – porque tudo o que existe é passível de apropriação. MASTTRODI NETO, Josué. Pressupostos da Intervenção do Estado na Economia. In: CAMPOS, Djalma (Coord.). Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo: Dialética, n. 54, jan-fev 2004.

263 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P. 2008, p. 2504.

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Essa intervenção estatal é, no mínimo, contraditória, levando-se em consideração o modelo de Estado Liberal em que justamente se busca a diminuição do papel do Estado.264

Por outro lado, não se pode negar, que determinados incentivos fiscais podem

gerar mais investimentos. Porém, ao promover a migração de empresas para os

Municípios que oferecerem maiores incentivos ou isenções, a guerra fiscal produz,

no final das contas, apenas variações de empregos, dentro de um mesmo território,

o que não implica em progresso econômico ou expansão de produção.265 Na “[...]

guerra fiscal os concorrentes competem desigualmente e as desigualdades premiam

a ineficiência, em prejuízo da instituição federativa”266.

Assim, os consórcios públicos são apresentados a seguir, como uma possível

alternativa de cooperação e progresso entre os entes federados e, uma forma de

combater a odiosa guerra fiscal que se constitui em falsa ideia de melhoria social.

Como possibilidade de agregar soluções à utilização da extrafiscalidade, dentro

de políticas tributárias capazes de trazer cooperação entre os municípios e balizadas

pela coordenação da União, explora-se - através da regulamentação ao art. 241 da

Constituição da República Federativa do Brasil - a Lei 11.107/2005 que trata dos

Consórcios Públicos e, no próximo capítulo, serão abordados de modo menos

genérico, com vistas à formação de consórcios entre entes federados, como forma

de harmonização de políticas e combate à guerra fiscal.

264 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P. 2008, p. 2504. 265 Idem, 2003, p. 255. 266 FERRAZ JUNIOR, 1998, p. 281.

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3 OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS COMO VIA PROMOTORA DE POLÍ TICAS

PÚBLICAS

A expressão consórcio tem origem no latim consortiu de consors, cujo

significado denota ideia de associação, ligação, união.267 Há algumas décadas, os

consórcios são instrumentos utilizados no Brasil e sua primeira previsão legal

aparece na Constituição da República de 1937, no art. 29268, como possibilidade de

prestação de serviços públicos.

Com o aumento das funções estatais, a demanda de mais e melhores serviços,

o custo e a complexidade aumentam a movimentação estatal de modo que a

Administração Pública clássica vem sendo abalada. E tais exigências passam

também pela política, a ponto dos cientistas políticos referirem que o País passa por

um período de renovação, considerado como período pós-neoliberal269 exigindo,

assim, novos meios de gestão pública especialmente no concernente à prestação de

serviços pelo Estado. A discussão se amplia com aumento da abrangência das

necessidades comuns e na busca de instrumentos de colaboração, pois pela sua

intrincada abrangência, muitas demandas não cabem mais na circunscrição de um

único ente federado.

Além disso, não é apenas em relação à renovação política que os consórcios

públicos tomaram fôlego. Há muito já se utilizavam outras formas de políticas

cooperadas, com fito de agrupar capital humano e financeiro no intuito de realizar

determinado objetivo público, especialmente em relação àqueles entes cujos

orçamentos eram menos privilegiados.

Dados apresentados por Caldas traçam o contorno da evolução dos consórcios

no Brasil de 1994 a 1998. No final daquele ano, o país contava com 267 CALDAS, Eduardo de Lima. Formação de agendas governamentais: o caso dos consórcios

intermunicipais. Disponível em: < http://www.teses.usp.br/teses >. Acesso em: 30 jul. 2008, p.52. 268 Constituição de 1937, artigo 29 – Os municípios da mesma região podem agrupar-se para a

instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins. MACHADO, Gustavo Gomes. PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.407.

269 SCHMIDT, 2008, p. 2024.

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aproximadamente 1700 municípios participando de algum tipo de consórcio, sendo

12 consórcios formados no ano de 1994, com a participação de 160 municípios.

Esse número passou para 143 consórcios no final de 1998 com a vinculação de

1740 entes federados. O banco de dados do IBGE possui levantamento da

participação de municípios em 14 tipos setoriais, classificados pelos serviços ou pelo

tamanho dos municípios, mas ainda não há dados precisos sobre a participação de

municípios em mais de um tipo de consórcio e a composição de cada consórcio.

Ainda, as ocorrências de relatos de experiências de consórcios intermunicipais pelo

IBGE são incipientes. De qualquer forma, os dados obtidos traçam um perfil da

preferência da gestão associada, revelando que a saúde, reciclagem de lixo,

aquisição de máquinas e equipamentos e a educação são os mais procurados.

Outro dado pertinente é o que mostra que as Regiões Sudeste e Sul apresentam

maior número de consorciamentos. Por exemplo, na saúde, estas regiões

apresentam 56% dos municípios consorciados, ao contrário da Região Centro-Oeste

com 21%, da Região Nordeste com 12% e da Região Norte, com apenas 10% dos

municípios associados para a gestão da saúde.270

Como reflexo desses dados, inicialmente, pode-se afirmar que essa figura do

consórcio otimiza o aproveitamento dos recursos financeiros, humanos e materiais e,

maximiza esforços na busca do bem comum, refletidos especialmente em

saneamento básico e saúde pública. Sob a ótica dos municípios, pode-se afirmar

que

[...] os consórcios intermunicipais, estabelecendo a parceria entre as várias prefeituras, aumentam a capacidade de um grupo de municípios solucionar problemas comuns sem lhes retirar a autonomia. Trata-se, portanto, de um recurso administrativo e, ao mesmo tempo, político.271

O maior valor destes consórcios é o incremento propiciado em relação aos

serviços públicos para os quais são destinados. Há melhor e maior coordenação dos

recursos financeiros, dos materiais e dos profissionais envolvidos entre os

270 CALDAS, 2008, p. 71. “[...] Não existem dados precisos sobre a razão da maior incidência dos

consórcios na Região Sul e Sudeste, mas hipoteticamente acredita-se, isso ocorreu pela maior aglomeração de municípios, pelo tamanho territorial e pelo acúmulo histórico de capital social.” Ibidem, p. 74.

271 VAZ, José Carlos. Consórcios Intermunicipais. Disponível em: <http://www.polis.org.br/publicacoes/dicas/dicas_interna>. Acesso em: 30 jul. 2008.

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municípios consorciados, evitando a dispersão de recursos e a obtenção de

resultados que os municípios, isoladamente, não produziriam.

Os exemplos dessas práticas são os convênios públicos, os consórcios

administrativos, a quem não é permitido constituir personalidade jurídica272, as

parcerias público-privadas273 e agora, com o Decreto 6.017 de 17.1.2007 que

regulamentou a lei 11.107/2005, estão definitivamente postos a serviço da

administração, os consórcios públicos.

3.1 Consórcios públicos, convênios e operações urba nas consorciadas

O conceito de consórcio, por muito tempo, esteve próximo ao de convênio, no

entanto, são institutos que apresentavam algumas diferenças, sendo, portanto,

merecedores de rápida análise. Convênio significa, de acordo com Gasparini274, um

tipo de “[...] ajuste administrativo, celebrado por pessoas públicas de qualquer

espécie ou realizado por essas pessoas e outras de natureza privada, para a

consecução de objetivos de interesse comum dos convenentes”. Já os consórcios

administrativos, na lição de Medauar275 consistiam “[...] em acordos de vontades

celebrados entre entidades estatais da mesma espécie ou do mesmo nível,

destinados à realização de objetivos de interesse comum”. Essa era a perspectiva

dos consórcios, sob a forma de associações privadas.

Inicialmente a diferença entre os institutos encontrava-se na qualidade de quem

os integrava e nos níveis de realização dos acordos celebrados, pois nos convênios

podiam participar entes públicos diversos e particulares. De outra forma, nos

consórcios a participação era exclusiva de entes públicos de mesma espécie.

272 “[...] Consórcio administrativo é o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas jurídicas

públicas da mesma natureza e mesmo nível de governo ou entre entidades da administração e indireta para a consecução de objetivos comuns. Os consórcios administrativos não adquirem personalidade jurídica.” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 342.

273 São modalidades de contratos administrativos instituídas pela lei 11.079 de 30.12.04. Ibidem, p. 303.

274 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 375. 275 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,

2001, p. 272.

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81

A falta de regulamentação específica sobre essas figuras de gestão associada

causava certa apreensão, ressentindo-se da indispensável segurança jurídica, que

somente uma legislação mais adequada poderia oferecer. Entretanto, tal receio foi

superado pela edição da Lei Federal 11.107/05276, que permitiu a formação de

consórcios entre entes federados diversos, mediante a celebração de um contrato.277

São exemplos dessa espécie os consórcios públicos intermunicipais, interestaduais

e os interfederativos, realizados entre estados e municípios.

A formação através da participação exclusiva de entes públicos não retira dos

consórcios a possibilidade de participação dos cidadãos, pelo contrário, o exercício

da cidadania, através da atuação ativa na formulação do problema e na discussão

da solução, no debate prévio da decisão sobre a política pública que será objeto do

consórcio, pode ser fundamental para a obtenção do objetivo pretendido, mediante a

contratação dos consórcios públicos.

Os consórcios públicos são figuras que não se confundem com os consórcios

administrativos e, tampouco, com os consórcios empresariais privados.

Para o enfoque aqui pretendido, é necessário, também, diferenciar a figura do

consórcio público, previsto na Lei 11.107/05 e regulamentada pelo Decreto 6.107 de

17.01.2007, da figura das operações urbanas consorciadas permitidas pela Lei

10.257/01, o Estatuto da Cidade, no artigo 32, parágrafo 1º., que tem a seguinte

redação:

Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

Nesse caso, objetiva-se “[...] promover a recuperação de ambientes

degradados e a adequação da infra-estrutura [...] às inovações tecnológicas [...] de

276 “[...] Essa lei passou a ser chamada de “Lei dos Consórcios Públicos” porque apenas faz

referência aos convênios de cooperação, não trazendo nenhuma alteração de cunho prático, em relação a estes últimos.” FERRAZ, Luciano. Consórcios públicos: ensaio sobre a constitucionalidade da lei 11.107/2005. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 64.

277 MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G. J.; Consórcios Públicos. São Paulo: RT, 2006, p. 15.

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82

adaptação das cidades aos atuais processos de transformação social e

econômica”278 melhorando o aproveitamento do espaço urbano, adequando-o à

função social da propriedade e também da cidade, realizando-se a função social do

município, na medida em que busca proporcionar o Bem Comum.

Os consórcios públicos, diferentemente das operações urbanas consorciadas,

são mais amplos, pois, visam a estabelecer objetivos que sejam importantes para

todos aqueles entes que, mediante um contrato, se consorciarem. As atividades dos

[...] entes consorciados são desenvolvidas em sua área de atuação, correspondente ao território dos entes que os compõem (espaço interfederativo). As operações urbanas consorciadas pretendem instrumentalizar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental em uma área de um determinado município (espaço intramunicipal).279

As operações consorciadas - a par do Estatuto da Cidade, como se pode

perceber - visam a organização do solo urbano, que é, neste país, grande fonte de

demandas sociais, mas com realização no exclusivo território municipal. Para aclarar

perfeitamente a distinção entre consórcios e operações consorciadas, utiliza-se da

lição de Hely Lopes Meirelles em relação à figura dos consórcios públicos que são:

[...] pessoas de direito público, quando associação pública, ou de direito privado, decorrentes de contratos firmados entre entes federados, após autorização legislativa de cada um, para a gestão associada de serviços públicos e de objetivos de interesse comum dos consorciados, através de delegação e sem fins econômicos.280

Esse tipo de associação propicia a forma de gestão que procura os fins

cooperativos apregoados pela Constituição Federal, através da reunião de entes

federativos “[...] para a reunião de recursos financeiros, técnicos e administrativos –

278 BECKER, Evandro Luís. As operações urbanas consorciadas como instrumento de participação

popular na gestão democrática da cidade e para implementação de projetos e programas de planejamento, desenvolvimento e regularização do espaço urbano no Brasil. 2008. 199 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado) – Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2008, p. 131.

279 MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G.J. 2006, p. 17. 280 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.

378.

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83

que cada um, isoladamente, não teria -, para executar o empreendimento desejado

e de utilidade geral para todos”281.

Caso a Administração Pública tenha interesse na celebração de um contrato plurilateral com outro ente público [...] ela tem duas alternativas: ou celebra um convênio de cooperação tradicional, o qual não constituirá pessoa jurídica autônoma; ou obtém autorização legislativa para a celebração de um tipo específico de convênio, denominado consórcio, o qual constituirá uma nova pessoa jurídica [...].282

É preciso esclarecer, todavia, que consórcios e convênios são semelhantes,

mas tem, pelos menos, três pontos de distinção: a) os consórcios são estabelecidos

apenas entre entes públicos, já os convênios podem ser realizados entre o Estado e

instituições privadas; b) a criação do consórcio acarreta a formação de uma pessoa

jurídica com personalidade distinta dos entes consorciados, e no convênio não há

criação de pessoa jurídica nem de qualquer outro ente; c) a celebração de

consórcios depende de autorização do Legislativo e o convênio independe dessa

autorização.283

Ante estas distinções, os consórcios públicos podem ser apresentados também

como instrumentos do federalismo visando à atividade cooperada propiciando a

execução de políticas públicas, pois abre-se a possibilidade de ligação com todos os

níveis federados.

Os consórcios são, ainda, importantes mecanismos para a melhoria municipal

e regional, sem onerar sobremaneira um determinado ente, ou seja, através da

gestão associada de serviços públicos alcançar o Bem Comum.

281 MEIRELLES, 2008, p. 378. 282 ARAÚJO, Florivaldo Dutra de; MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Convênios e consórcios como

espécies contratuais e a Lei 11.107/2005. In: PIRES Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 136.

283 MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G.J. 2006, p. 36.

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84

3.2 A gestão associada 284 dos serviços públicos: as dissidências sobre a

constitucionalidade da lei 11.107/2005

As bases constitucionais dos consórcios públicos estão no parágrafo único do

art. 23, determinando a fixação de Lei Complementar para cooperação entre União,

estados e municípios e, no art. 241 da Constituição Federal de 1988. Esses

dispositivos autorizam a gestão associada dos serviços públicos, prevendo a

transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à

continuidade dos serviços transferidos.

A opção do Legislador parece, de acordo com Medauar285, enquadrar-se

melhor no art. 22, XXVII, da Constituição Federal de 1988, pois a 11.107/2005 é Lei

de normas gerais de contratação de serviços públicos. A União foi o ente prestigiado

com competência privativa, pelo artigo 22, XXVII286, para legislar sobre licitação e

contratação em todas as modalidades da administração pública, respeitada a

previsão do artigo 37, XXI, do mesmo texto legal. Com a Emenda Constitucional

19/98 introduziu-se no texto constitucional o artigo 241, que estabelece:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

O referido dispositivo constitucional ventila a possibilidade de cooperação, de

entendimento consensuado entre os entes federados para a elaboração e execução

de atividades de interesse de todos. Esse artigo está em consonância com o

consensualismo que orienta o Direito Administrativo atual, onde “[...] atividades e

procedimentos negociais culminem com a conciliação e a compatibilização de todos

284 Ainda que a gestão associada dos serviços públicos também possa ocorrer mediante convênios

de cooperação, o presente estudo versa sobre a formação e utilização dos consórcios públicos, não sendo objetivo da presente pesquisa o estudo dos referidos convênios.

285 MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G.J. 2006, p. 19. 286 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado

Federal, 2009. Art. 22 - Compete privativamente à União legislar sobre: XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no Art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do Art. 173, § 1º, III;

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85

os interesses envolvidos em torno de uma causa comum”,287 especialmente os

consórcios públicos.

Embora a Lei federal 11.107/2005 não contenha referência explícita a nenhum preceito constitucional, pode-se dizer que tem como fundamento o parágrafo único do art. 23 e o art. 241 das Disposições Gerais, acrescentado pela EC n. 19/1998. No entanto, note-se que a Lei 11.107/2005 não é complementar, como determina o parágrafo único do art. 23. Tampouco figura uma Lei da União disciplinando a sua própria participação em consórcios públicos e convênios de cooperação. Isto porque a leitura do art. 241 leva a um entendimento da edição de lei por parte de cada uma das entidades federativas para disciplinar os consórcios públicos e os convênios de cooperação de que vierem a participar, autorizando a gestão associada de serviços públicos e a transferência total ou parcial de encargos e recursos materiais e humanos necessários à realização dos serviços transferidos.288

A celeuma criada a partir da interpretação do artigo 241 em relação à Lei

11.107/05 deu-se no sentido de que o conteúdo da referida lei extrapolou o âmbito

das “[...] das licitações e contratos administrativos, para que encontre exclusivo

fundamento constitucional no art. 22, XXVII”289 como foi sustentado pelos autores do

projeto que virou lei.

Ao comentar a lei dos consórcios públicos, Di Pietro lamenta sua promulgação

e defende a manutenção dos consórcios administrativos, salientando que a

viabilidade de constituição de personalidade jurídica e a possibilidade de não

incidência da lei 8.666/93 só trarão maiores problemas de administração e de

controle do numerário público. Discorda-se, no entanto, da referida autora, pois, a

partir da publicação da lei 6.017/2007 que veio regulamentar a lei 11.107/05,

desfizeram-se as dúvidas acerca da eficácia e, até mesmo, das alegações de

inconstitucionalidade, em razão da inexistência de regulamentação como

determinava o artigo 20 da lei dos consórcios.

287 MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G.J. 2006, p. 30. 288 Ibidem, p.18. 289 FERRAZ, Luciano. Consórcios públicos: ensaio sobre a constitucionalidade da lei 11.107/2005. In:

PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 63.

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Assim, claro está que é da União, a competência exclusiva para legislar sobre

os consórcios, no entanto, a competência para a instituição dos mesmos pode ser

atribuída a todos os entes federados290 em qualquer um dos níveis.

3.3 A personalidade jurídica nos consórcios público s: uma abordagem sobre a

associação pública e a pessoa jurídica de direito p rivado

Ao se discutir a natureza jurídica dos consórcios antes da edição da Lei

11.107/05 afirmava-se que os mesmos não tinham personalidade jurídica, pois se

tratavam de acordos de cooperação para consecução de determinados fins comuns

aos envolvidos e consequentemente não poderiam assumir direitos e obrigações em

nome próprio.291

A partir da publicação da referida Lei, supriu-se essa lacuna e tal disciplina

legal determinou a personalização dos consórcios públicos, ou seja, a reunião dos

interessados em um consórcio determina a criação de uma pessoa jurídica.292 A lei

11.107/05 prevê as possibilidades de associação pública ou de direito privado,

sendo que ambas pressupõem a instituição de pessoa jurídica.293

Tal tratamento normativo estabelece uma nítida caracterização legal dos

consórcios, como sujeitos de direito e obrigações. Isso propicia mais ágil

operacionalização de suas atividades, maior certeza, segurança para os

consorciados e perante terceiros nas relações jurídicas com os consórcios públicos.

Até a publicação da Lei 11.107/05, a figura da associação pública não existia

no Direito Público brasileiro. Sua origem – que tem sentido diverso daquele

pretendido pela Lei dos Consórcios – tem origem portuguesa e basicamente significa

290 GASPARINI, 2008, p. 348. 291 Ibidem, p. 269. 292 “[...] O consórcio é o acordo que determina a criação da pessoa, mas não é a pessoa.

Infelizmente, parece que, até mesmo por força das expressões legais, irá tornar-se comum essa afirmação de que consórcio é pessoa jurídica.” ARAÚJO, Florivaldo Dutra de; MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Convênios e consórcios como espécies contratuais e a Lei 11.107/2005. In: PIRES Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 134.

293 MEDAUAR, O.; OLIVEIRA, G. J.; 2006, p. 26.

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um ente de cunho público, formado por uma coletividade ou por um determinado

número de particulares que se associam visando um interesse público comum.294

Possivelmente a influência para a utilização da expressão “associação” tenha

sido inspirada no Direito Privado, no artigo 44, I e 53 do Código Civil, onde estão

reguladas as associações particulares. Define-se, pois, associação como a reunião

de pessoas jurídicas de direito privado, em torno da realização de objetivos comuns

à todas elas.

De acordo com a lei dos consórcios, são consideradas associações públicas

aquelas “[...] integrantes da Federação brasileira que conjugam esforços para a

consecução de objetivos de interesse comum”295.

Em relação às pessoas jurídicas de direito privado, a sua aceitação não é

pacífica, causando certo desconforto entre os doutrinadores a formação de

consórcios públicos mediante a criação de pessoa jurídica privada, que é

possibilitada pela Lei dos consórcios, no parágrafo primeiro do artigo 3º. No entanto,

o artigo 6º., da mesma lei estabelece os requisitos para a definição da personalidade

jurídica dos consórcios. No entanto, nota-se que apenas os consórcios públicos

formados por pessoas jurídicas de direito público integram a Administração Pública

Indireta, estando, pois, excluídos aqueles constituídos por pessoas de direito

privado.

Mas essa posição não é unânime. Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende que

os consórcios públicos criados através de personalidade jurídica de direito privado

também integram a Administração Pública Indireta.

Embora o artigo 6º. só faça previsão com relação aos consórcios constituídos como pessoas jurídicas de direito público, é evidente que o mesmo ocorrerá com os que tenham personalidade de direito privado. Não há como uma pessoa jurídica política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) instituir pessoa jurídica administrativa para desempenhar atividades próprias do ente instituidor e deixá-la fora do âmbito de atuação do Estado, como se tivesse sido instituída pela iniciativa privada. Todos os entes criados pelo Poder Público para desempenho de funções administrativas do Estado têm que integrar a Administração Pública Direta

294 MEDAUAR, O.; OLIVEIRA, G. J.; 2006, p. 26. 295 Ibidem, p. 27.

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(se o ente for instituído como órgão sem personalidade jurídica) ou Indireta (se for instituído com personalidade jurídica própria). Até porque o desempenho dessas atividades se dará por meio de descentralização de atividades administrativas, inserida na modalidade de descentralização por serviços.296

Sugestão diversa faz Dias, ao mencionar que os consórcios públicos

constituídos mediante personalidade jurídica de direito privado deveriam ser

enquadrados na organização administrativa como “[...] entes paraestatais”297.

Se os consórcios públicos constituídos como pessoas jurídicas de direito privado fizerem parte das entidades paraestatais, estariam sujeitos à imposição parcial de normas de direito público, restando saber, entretanto, se sob o regime jurídico de direito público ficariam adstritas a licitações, contratos, prestações de contas e admissão de pessoal etc.298

O problema para o enquadramento como entidade paraestatal é a variedade de

conceitos e pluralidade de significações que cercam esse tipo. São considerados

como tais os entes que têm menores laços de subordinação com o Estado, bem

como as pessoas jurídicas de direito privado desde que autorizadas por lei

específica, ou seja, uma gama muito grande de possibilidades e que a doutrina não

conseguiu restringir.299

Além disso, essas entidades que ocupam o espaço entre o Estado e o Mercado

ganharam complexidade nas últimas décadas, e pela sua já referida pluralidade, não

guardam mais a mesma relação na organização administrativa, como ocorria

anteriormente. Logo, não parece que a solução mais adequada passe pela

equiparação das pessoas jurídicas de direito privado que integrem os consórcios

públicos, com as entidades paraestatais.

296 DI PIETRO, 2009, p. 475. 297 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Consórcios públicos e organização administrativa, em face da

Constituição da República de 1988. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.). Consórcios Públicos: instrumentos do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 99. Para Meirelles, “[...] as entidades paraestatais são pessoas jurídicas de direito privado, cuja criação é autorizada por lei específica, com patrimônio público ou misto, para realização de atividades, obras ou serviços de interesse coletivo, sob normas e controle do Estado. [...] estão dispostas paralelamente ao Estado, para executar cometimentos de interesse do Estado, mas não privativos do Estado, compreendem as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações instituídas pelo Poder Público e os serviços sociais autônomos.” MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 386.

298 Ibidem, p. 99. 299 DI PIETRO, op. cit., p. 489.

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Assim, concorda-se com Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira quando

estes autores assumem como colocação ideal o enquadramento dos consórcios, em

todas as modalidades, como pessoas jurídicas de direito público.300

Por fim, cabe aos próprios entes federados que pretendam se associar, a

definição através de um protocolo de intenções, sobre qual será a forma a ser

adotada para o consórcio público nos termos do art. 4, IV, da Lei Federal

11.107/05.301

3.4 Consorciados, área de atuação e objetivos dos c onsórcios públicos

Consideram-se consorciados aqueles entes federados que subscreverem o

protocolo de intenções e tenham ratificado por lei o contrato de constituição de uma

pessoa jurídica de direito público, chamada de associação pública, ou daquele que

constitui uma pessoa jurídica de direito privado.

São várias as possíveis formações dos consórcios públicos. Podem ser

diversos municípios e o estado a que estão vinculados territorialmente; também

podem fazê-lo dois ou mais estados, um estado e o Distrito Federal. A União, a teor

do artigo 1º., parágrafo segundo, da lei 11.107/05 “[...] somente participará dos

consórcios públicos em que também façam parte todos os Estados em cujos

territórios estejam situados os Municípios consorciados”302.

Em relação a este tema, Medauar alerta que a redação confusa do parágrafo

segundo do artigo em comento pode causar algum transtorno ou equívoco

interpretativo, na medida em que parece possível, apenas pela leitura do dispositivo

legal, a criação de consórcio público entre vários estados e municípios dos

respectivos territórios.303 No entanto, em maior atenção aos incisos do parágrafo

primeiro, do artigo 4º da Lei 11.107/05, esta possibilidade não está ali estabelecida,

sendo, portanto, impossível sua constituição.

300 MEDAUAR, O. OLIVEIRA, G. J. 2006, p. 76. 301 Ibidem, p. 26. 302 GASPARINI, 2008, p. 354. 303 MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J, op. cit., p. 27.

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Deixa-se claro, então, que a União participará dos consórcios públicos em três

oportunidades: “[...] a) consórcios que sejam integrados por um estado e municípios

que estejam dentro do seu território; b) consórcios integrados por dois ou mais

estados e c) entre Distrito Federal e estado”304.

Diante dessas constatações e do que prescreve a lei 11.107/05 não será viável

a participação da União em consórcios formados unicamente por municípios, logo, a

União não poderá participar de consórcios públicos intermunicipais.

A elaboração dos objetivos dos consórcios é tarefa dos consorciados, sendo

limitados pelos dispositivos constitucionais. Todos os entes devem ter interesse

comum, de modo que será irregular a constituição de um consórcio se os interesses

forem dissidentes. A forma é livre, mas essa liberdade não se aplica aos consórcios

na área da saúde, que deverão pautar-se por normas que regulam o Sistema Único

de Saúde.305

Os objetivos podem ser múltiplos ou o consórcio também pode ser criado para

um único fim. O importante é que no momento da elaboração do protocolo de

intenções, os objetivos estejam claros e devem ser destacados em local próprio, sob

o vocábulo “finalidade”306.

Como exemplos de consórcios criados com objetivos múltiplos estão “[...] os

consórcios públicos para habitação, a aquisição e o uso de equipamentos e

304 MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J. 2006, p. 28. 305 Lei 8080/1990 - Art. 10º - Os Municípios poderão constituir consórcios para desenvolver, em

conjunto, as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam. § 1º - Aplica-se aos consórcios administrativos intermunicipais o princípio da direção única e os respectivos atos constitutivos disporão sobre sua observância. Art. 18. À direção municipal do Sistema Único de Saúde - SUS, compete: [...] VII - formar consórcios administrativos intermunicipais; Art. 3° Os recursos referidos no inciso IV do art. 2° desta lei serão repassados de forma regular e automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990. [...] § 3° Os Mun icípios poderão estabelecer consórcio para execução de ações e serviços de saúde, remanejando, entre si, parcelas de recursos previstos no inciso IV do art. 2° desta lei. PINTO, A. L. T; WIN DT, M. C. V. S.; CÉSPEDES, L. (Col.) Legislação Administrativa. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 682.

306 Nos termos do artigo 4º., I da Lei 11.107/05.

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máquinas e o abastecimento de água”307 ou de objetivo uno como a “[...] coleta

seletiva de lixo”308.

3.5 As figuras contratuais dos consórcios públicos

A formação dos consórcios não poderá afetar a autonomia309 dos entes

consorciados, em especial as decisões políticas e, para isso, os consórcios devem

respeitar os limites310 e as atribuições de competência outorgadas pela Constituição.

Com a formação da personalidade jurídica, os consórcios passam a ser

sujeitos de direitos e obrigações. Ao mesmo tempo, para consecução de seus

objetivos, as razões pelas quais foram criados, os consórcios públicos poderão

celebrar contratos.

A própria Administração Pública como um todo, está caminhando para um

módulo negociativo, assumindo a identidade da busca de equilíbrio de interesses e

compartilhamento de responsabilidades. A prova dessa modificação são as

inovações da Lei 11.107/05, que trouxe o instrumento contratual como meio de

estabelecer direitos e obrigações para os consórcios públicos.311

A nova era da Administração Pública contratual repousa seus ideais na busca do diálogo, do equilíbrio, da composição de interesses e do compartilhamento de responsabilidades. O objetivo é a conjugação, de união de esforços, para realização de objetivos comuns, convergindo os interesses e as ações, para o melhor atendimento ao bem-estar dos cidadãos.312

Com efeito, em relação à lei dos consórcios públicos, três momentos

contratuais são identificados: a) o protocolo de intenções subscrito, que é a fonte, o

307 MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J., op. cit., p. 30. 308 Ibidem, p. 30. 309 Embora o termo autonomia seja empregado em acepções diversas, aqui se trata da autonomia

dos entes federativos, abrangendo a autolegislação, a autoadministração e a autoorganização, dentro dos parâmetros fixados pela Constituição Federal. MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J. , 2006, p. 34.

310 Os limites referidos são aqueles presentes nos artigos 18, 21, 22, 23, 24, 25 e 30 da Constituição Federal de 1988.

311 TEIXEIRA, Ana Carolina Vanderley. As novas figuras contratuais nos consórcios públicos. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 147.

312 Ibidem, p. 147.

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nascedouro do consórcio público; b) o contrato de rateio que é o meio de determinar

os recursos que o consórcio disporá para efetivar seus objetivos e, c) o contrato de

programa, no qual serão identificadas as obrigações de cada participante para a

viabilização dos fins pelos quais os entes se consorciaram.313

3.5.1 Breves anotações sobre a teoria geral dos con tratos

A forma como determinada sociedade regula suas relações sociais se reflete

na orientação contratual. O contrato como espécie de negócio jurídico, surge na

teoria do direito ligado à ideia de consenso, onde as partes interessadas identificam

um objeto, fixam o preço, as cláusulas, as condições em que se realizará o negócio,

a forma de pagamento e o prazo. Ocorridas tais ponderações, o negócio estará

realizado. Os princípios observados pela teoria geral dos contratos são: a autonomia

da vontade, a boa-fé e a força obrigatória daquilo que foi ajustado, de modo que os

contratantes respeitem os seus termos até o efetivo cumprimento.314

Com o advento da CF/88, a vontade individual é relativizada em prol função

social, modificando também a teoria contratual frente aos objetivos da República

consubstanciados no artigo 3º., no que respeita à construção de uma sociedade

livre, justa e solidária.

A proteção aos interesses sociais nos instrumentos contratuais mostra a preocupação de integração do indivíduo à sociedade, buscando-se a cooperação entre os diversos atores sociais nas novas perspectivas em torno das funções de um Estado que se pretende eficiente.315

Assim, os conceitos sobre a autonomia da vontade privada foram relativizados,

e surgiu a responsabilidade social, identificada pela função social do contrato, na

boa-fé objetiva, guardando-se o equilíbrio de direitos e deveres contratuais para a

proteção de todos os envolvidos.

313 TEIXEIRA, 2008, passim. 314 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4.

ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 380. 315 TEIXEIRA, op. cit., 150.

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3.5.2 Breves anotações sobre a teoria geral dos con tratos administrativos

Se havia autonomia da vontade entre os contratos realizados entre

particulares, em relação aos contratos da Administração Pública ocorria o inverso. E

assim como no direito privado, os contratos também sofreram variações em relação

ao direito público e a Administração Pública tornou-se mais autoritária sendo, por

vezes, chamada de “administração contratual ou consensual”316.

Essa nova administração, todavia, não significa uma visão reducionista do

princípio da indisponibilidade do interesse público que permanece inalterado. O que

teve novo enfoque foi a forma de estabelecer negociações contratuais, mesmo no

Direito Administrativo, face à constitucional ideia de função social.

Se os contratos administrativos estruturam-se em torno do ajuste de obrigações recíprocas entre a Administração Pública e o particular, estando os interesses daquela superior aos interesses deste, os contratos consorciais são ajustes de vontades celebrados entre entes federativos para a gestão associada de interesses comuns [...].317

Como já largamente abordado, os consórcios públicos podem assumir forma

de associação pública, ou de associação civil, dependendo do tipo de personalidade

jurídica que lhe é atribuída. Nesse aspecto, parece útil saber se os consórcios

públicos podem ou não celebrar contratos de parcerias público-privadas,

disciplinadas pela Lei Federal 11.079/2004318, a conhecida Lei das PPPs.

Esse questionamento tem sua razão de ser, na medida em que a Lei

11.079/2004319 traz no parágrafo 4º., do artigo 2º., a proibição da realização deste

tipo de contrato em valor inferior a vinte milhões de reais. Tal vedação deixa boa

parte dos municípios brasileiros – que não têm um orçamento tão abastado –

impossibilitados de assumirem estes tipos de parceria e, neste ponto, os consórcios

316 TEIXEIRA, 2008, p. 151. 317 Ibidem, p. 152. 318 A abordagem das parcerias público-privadas não é o objetivo deste trabalho. Sua menção tem

caráter meramente argumentativo em relação aos tipos de contratos que podem realizar os consórcios públicos.

319 Art. 2º. - Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada: I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); I – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.

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públicos podem ser o instrumento de ajuste e solução satisfatória para realização e

parcerias público-privadas.

Para Odete Medauar e Gustavo Oliveira é possível a contratação de parceria

público-privada pelos consórcios públicos, se for superada a vedação legal antes

referida. Porém, há que se considerar esta possibilidade para as associações

públicas, justificando-se pelo fato de que

[...] o parágrafo único do art. 1º. da Lei das PPPs determina que se aplica esta lei aos órgãos da Administração Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.320

E, como só o consórcio público constituído através de associação pública é que

integra a Administração Pública indireta dos entes federados, os consórcios

constituídos mediante associações civis, ficam, em princípio, excluídos desse tipo de

contratação.

3.5.3 Os contratos consorciais em espécie

Em razão da lei 11.107/05, os consórcios públicos apresentam três espécies de

contratos: o protocolo de intenções, o contrato de rateio e do de programa.

3.5.3.1 O protocolo de intenções

Esta é a fase da pactuação inicial para que os entes interessados possam

formar o consórcio público. A manifestação de vontade de cada ente que pretende

participar do consórcio deve ser feita pelo Chefe do Poder Executivo, através da

subscrição do protocolo de intenções.

A formalidade prevista para este ato consta do artigo 4º. da lei 11.107/05 e o

conceito de protocolo de intenções está descrito no Decreto 6.017/07 que veio

regulamentar a lei geral dos consórcios públicos e estabeleceu no seu artigo 2º., “[...]

contrato preliminar que, ratificado pelos entes da Federação interessados, converte-

se em contrato de Consórcio Público”. 320 MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J., 2006, p. 37.

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A manifestação das intenções no protocolo cabe ao Chefe do Poder Executivo,

porque é ele que tem competência para prestar os serviços públicos. Para esta

representação não interessa o nível do ente federado. Ao consórcio não é dado

competência para criar novos serviços públicos, ele serve tão-somente como

instrumento de execução. É no momento da assinatura do protocolo que se

materializa a vontade dos entes públicos de constituir o consórcio.321

Pode ocorrer, todavia, que o protocolo de intenções seja apenas parcialmente

ratificado. Neste caso, há necessidade de elaboração de um novo contrato onde

restará esclarecida o nível de participação e envolvimento de determinado município,

dentro daquele consórcio específico.

A lei 11.107/05 estabeleceu cláusulas obrigatórias no artigo 4º., como a

identificação dos entes da federação que estarão consorciados, mediante a

apresentação do número do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, bem como, a

identificação das pessoas físicas que firmam o protocolo, como legais

representantes do Poder Executivo de cada ente federado.

Outra indicação obrigatória é a definição da área de atuação do consórcio.

Como alhures mencionado, esta será a circunscrição, a soma dos territórios dos

entes consorciados como refere o parágrafo único do artigo 2º. do Decreto 6.017/07

e que tenham ratificado por lei o protocolo de intenções. Outra referência obrigatória

ao protocolo é a definição da personalidade, ou seja, se o consórcio público é

associação ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos.322 Como este

ponto já foi objeto de análise anterior, deixa-se de apreciá-lo para evitar a

desmerecedora repetição.

Quando o interesse for comum, o consórcio poderá autorizar um representante

para defender os interesses do consórcio em outras esferas de governo. Nesse

321 MACHADO, Gustavo Gomes.; DANTAS, Caroline Bastos. Constituição de consórcios públicos e

implicações da Lei n. 11.107/05 nas associações intermunicipais anteriores. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.). Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 171.

322 Ibidem, p. 192.

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96

caso, os critérios da representação deverão estar expressos no protocolo de

intenções.

Outra previsão obrigatória importante é aquela relativa ao modo de convocação

e funcionamento da assembleia geral, inclusive no tocante à elaboração, aprovação

e modificação dos estatutos atinentes ao consórcio público.323 Essa previsão tem o

objetivo de “[...] condicionar a execução dessas modalidades de atos de gestão,

nevrálgicas do Consórcio Público, ao pleno conhecimento de todos os entes

consorciados dessas ações”324.

Por ser a instância máxima de decisão sobre os consórcios, a assembléia deve

ter ampla divulgação e o protocolo deve conter claramente as regras que garantem a

publicidade e os meios de convocação, pois a deficiência na publicidade pode viciar

a convocação, tornando-a nula.325

Em relação à contratação de pessoal, as regras são as mesmas do regime

jurídico da administração pública.

Figura também como obrigatória no artigo 4º., XI, a autorização para a gestão

associada de serviços326, as competências que serão atribuídas aos consórcios, o

tipo de serviço que será objeto da gestão associada e a área de sua prestação, a

autorização para que se faça licitação, ou mesmo concessão, permissão ou

autorização da prestação de serviço, as condições do contrato de programa, bem

como os detalhes técnicos para a cobrança de tarifas e preço público e suas

revisões ou reajustes.

Há uma razão lógica para o protocolo de intenções estipular tais requisitos da gestão associada de serviços públicos, que, posteriormente serão detalhadas e exaustivamente tratadas nos contratos de programa específicos entre o consórcio e os entes federados. O protocolo de intenções, ratificado e convertido em Contrato de Consórcio, estipula as condições da gestão associada que adquirem força de lei. Dessa forma, é pressuposto lógico que todas as regulamentações inerentes à gestão associada que dependam de lei sejam pré-estabelecidas no protocolo de

323 MACHADO, G. G.; DANTAS, C. B., 2008, p. 176. 324 Ibidem, p. 176. 325 Ibidem, p. 176. 326 Artigo 4º., XI da lei 11.107/05.

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intenções. É o que ocorre, por exemplo, com a autorização para alienação de bens.327

Por fim, subscrito o protocolo pelos entes federados, este deverá ser publicado

na imprensa oficial, garantindo-se a principiológica publicidade.

3.5.3.2 O contrato de rateio

Este é o instrumento jurídico por meio do qual serão definidos os recursos

financeiros que os integrantes destinarão ao consórcio para o custeio das despesas,

de acordo com a previsão do artigo 2º., VII do Decreto 6.017/07.

O legislador preocupou-se em colocar em contrato separado - embora

permaneça vinculado ao consórcio – as obrigações financeiras. Cada ente receberá

o seu contrato de rateio e nele estarão previstas as responsabilidades financeiras

que o ente deverá cumprir.

É a única forma por meio da qual será possível a entrega de recursos ao consórcio público pelos entes consorciados [...], sendo vedada a transferência de contribuições financeiras e econômicas de qualquer espécie [...]. As exceções a esta última são a doação, a destina;cão ou cessão do uso de bens móveis ou imóveis e as transferências ou cessões de direito operadas segundo gestão associada de serviços públicos.328

Da mesma forma, não é admitido o gasto de recursos do contrato de rateio

para o pagamento de despesas genéricas329. O objetivo é evitar que os recursos dos

consórcios sejam desviados de sua finalidade precípua, utilizando-se para outros

fins, que não aqueles estabelecidos no protocolo de intenções.

327 MACHADO, G. G.; DANTAS, C. B, op. cit., p. 179. 328 TEIXEIRA, 2008, p. 156. 329 Nos termos do §2º. do artigo 15 da Lei 11.107/2005, “[...] entende-se como despesa genérica

aquela em que a execução orçamentária se faz com modalidade de aplicação indefinida”, não se classificando como tal as despesas de administração e de planejamento das ações do consórcio público, desde que assim estejam classificadas na previsão orçamentária.” Ibidem, p. 156.

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Esta modalidade de contrato será feita para vigorar em cada exercício

financeiro, de modo que os recursos sejam previstos na dotação orçamentária de

cada um dos entes consorciados, obedecido o princípio da anualidade.330

Em relação aos consórcios intermunicipais, os recursos para a sua consecução

podem vir de receitas próprias destinadas aos objetivos ou, a partir das contribuições

dos municípios integrantes, de acordo com a elaboração estatutária do consórcio. A

participação financeira de cada município pode variar em função de fatores como a

receita municipal, a população, a utilização dos serviços e bens ou, ainda por outro

critério que pode ser estabelecido nas regras do consórcio.

Os setores mais frequentes em que os municípios se associam: saúde, aquisição e/ou uso de máquinas e equipamentos, educação, tratamento e disposição final de lixo, serviços de abastecimento de água, reciclagem de lixo, coleta seletiva de lixo, serviços de abastecimento, coleta e lixo especial, processamento de dados, esgotamento sanitário, limpeza urbana, remoção de entulhos e habitação.331

Há, portanto, grande possibilidade de atuação dos consórcios no campo da

promoção do desenvolvimento regional e podem assumir funções de incentivo a

atividades econômicas, atraindo investimentos, apoiando a produção agrícola,

divulgando o potencial turístico regional e preparando os municípios para a

exploração racional de suas potencialidades.332

Em relação ao recebimento e destinação dos recursos financeiro, não se pode

esquecer, todavia, que a Lei de Improbidade Administrativa foi alterada para incluir

como ato de improbidade, os atos de celebração do contrato de rateio sem suficiente

previsão orçamentária.333 A organização das contas do consórcio vem ao encontro

da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois o consórcio deverá repassar aos entes

330 Ibidem, p. 157. Duas exceções podem ser apontadas a esta regra: quando se cogitar de contratos,

cujos objetos sejam contemplados no plano plurianual, ou quando os serviços públicos associados forem custeados por tarifas ou outros preços públicos.

331 MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J., 2005, p. 25. 332 VAZ, op. cit. 333 Nesse sentido o parágrafo 2º. do artigo 13 do Decreto n. 6017/2007 prevê que “[...] constitui ato de

improbidade administrativa, nos termos do disposto no art. 10, inciso, XV, da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, celebrar contrato de rateio sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas em lei”. PINTO, A. L. T; WINDT, M. C. V. S.; CÉSPEDES, L., 2009, p. 471.

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consorciados todas as informações sobre as receitas e despesas na conta de cada

ente consorciado.

Caso o consorciado não cumpra suas avenças no contrato de rateio, ficará

sujeito à suspensão da participação no consórcio, podendo ser estipulado prazo

para o cumprimento das obrigações referentes ao ente inadimplente.

Se houver reincidência na impontualidade, o ente será excluído do consórcio

através de processo administrativo334, garantindo-lhe o contraditório e a ampla

defesa. Essa previsão serve para garantir a segurança dos entes consorciados e do

consórcio diante de eventuais terceiros, no intuito de que aquilo que foi pactuado

seja fielmente cumprido.

Depreende-se das formalidades instituídas pela Lei Federal 11.107/2005 que o legislador objetivou prevenir riscos e delimitar responsabilidades dos entes consorciados, com destaque para as hipóteses de inadimplemento de seus compromissos contratuais.335

O órgão responsável pela apreciação das contas dos consórcios é o Tribunal

de Contas competente para a análise das contas do Chefe do Poder Executivo

representante do consórcio. Modificando-se a representação legal do consórcio,

também poderá ocorrer a alteração do Tribunal a que o consórcio deverá submeter

sua prestação de contas.

3.5.3.3 O contrato de programa

É no contrato de programa que serão criadas as obrigações e direitos de todos

os entes consorciados para a gestão associada. Contrato de programa é o “[...]

instrumento pelo qual devem ser constituídas e reguladas as obrigações que um

334 Decreto 6.017/07. Art. 26 – A exclusão de ente consorciado só é admissível havendo justa causa.

Parágrafo 1º. - Além das que sejam reconhecidas em procedimento específico, é justa causa a não inclusão, pelo ente consorciado, em sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, de dotações suficientes para suportar as despesas que, nos termos do orçamento do consórcio público, prevê-se devam ser assumidas por meio de contrato de rateio. Parágrafo 2º. – A exclusão prevista no § 1º. deste artigo somente ocorrerá após prévia suspensão, período em que o ente consorciado poderá se reabilitar. Art. 27 – A exclusão de consorciado exige processo administrativo onde lhe seja assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório. PINTO, A. L. T; WINDT, M. C. V. S.; CÉSPEDES, L., 2009, p. 479.

335 MEDAUAR, O. OLIVEIRA, G. J., 2006, p. 84.

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ente da Federação, inclusive sua administração indireta, tenha para com outro ente

[...], ou para com consórcio público, no âmbito dos serviços públicos [...]”336.

O objeto do contrato de programa poderá ser um instrumento para “[...] viabilizar a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens essenciais a que os serviços transferidos sejam prestados de forma contínua, sempre no âmbito da gestão associada. É uma espécie de contrato adjacente ou consentâneo a uma relação de cooperação intergovernamental, seja por consórcio público, seja por convênios de cooperação, não podendo ser celebrado fora das hipóteses legais.337

Caso o contrato de programa envolva prestação de serviços, deverá ser

observada toda a legislação sobre concessão e permissão de serviços públicos.338

3.6 Os consórcios públicos e a responsabilidade fis cal

Criada a pessoa jurídica que representará o consórcio, deverá ser organizado o

orçamento, que conterá os elementos carreados no protocolo de intenções, porque a

maioria dos elementos ali especificados, gerarão despesas para os consórcios. Da

mesma forma, a receita será indicada pelo número de entes consorciados, sendo

possível estabelecer a previsão de receita com base no contrato de rateio339, a fim

de atender as necessidades do consórcio.

A [...] realização concentrada de objetivos comuns depende da alocação pulverizada de recursos públicos e que o desenho de cada um dos entes consorciados induz determinados tipos de comportamentos que podem incentivar ou desestimular o alcance dos objetivos traçados.340

336 Nos termos do artigo 2º, inciso XVI do Decreto 6.017/2007. 337 TEIXEIRA, 2008, p.159. 338 Lei 8.987/1995, Lei 9.074/1995 e alterações posteriores, bem como, a legislação de regulação de

cálculo de tarifas e de outros preços públicos. TEIXEIRA, 2008, p. 160. 339 ‘[...] No que diz respeito aos consórcios públicos, é sabido que a entidade possui formas diversas

de obter recursos financeiros, ou seja: a) por meio de contrato de rateio os entes consorciados entregarão recursos ao consórcio público; b) poderá o consórcio ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes da federação consorciados (dispensada a licitação), então o ente consorciado pagará determinado valor pelo serviço prestado ou fornecimento de bens (contrato administrativo previsto na Lei n. 8.666/93); c) firmando convênios e recebendo auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos de governo; d) por meio de arrecadação de tarifas e outros preços públicos pagos pela prestação de serviços ou pelo uso ou outorga de uso de bens públicos por eles administrados ou, mediante autorização específica, pelo ente da federação consorciado.” GLÓRIA, Débora Fialho Ribeiro. Consórcio público e seu orçamento. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.). Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 295.

340 Ibidem, p. 284.

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O orçamento, então, é considerado uma hábil ferramenta de que se pode valer

o administrador para fazer a previsão necessária e real de como programar os

gastos públicos, tornando-os adequados à prestação pretendida na execução dos

fins para os quais ele se destina e aos limites da colaboração de cada ente

consorciado.

Para que seja viável a realização das políticas públicas objetivadas pelos

consórcios, há necessidade de adequação orçamentária evitando-se que as

despesas ultrapassem as receitas, sob pena de inviabilidade da prestação.

O orçamento público encontra-se regido nos artigos 165341 a 169 da

Constituição Federal. Essa previsão legal visa a diminuir as desigualdades regionais

e sociais dentro deste extenso país, de tão acentuadas discrepâncias.

Os investimentos cuja execução ultrapassa um exercício financeiro só serão

possíveis se contemplados no plano plurianual ou em lei específica autorizadora da

inclusão dos mesmos. A inobservância desse comando configura crime de

responsabilidade, como dispõe o §1º. do art. 167 da Constituição da República.342

Assim, a elaboração do orçamento é vital para a administração do consórcio,

assim como a vinculação ao plano plurianual é de suma importância para os entes

consorciados garantirem os necessários investimentos no consórcio. Baseados nas

políticas tributárias que se estabelecem dentro deste instrumento – repensando

despesas e maximizando receitas - é que os gestores públicos conseguirão

implantar e executar as políticas públicas idealizadas nos consórcios.

Afinal, tanto os consórcios públicos constituídos por personalidade jurídica de

direito público, quanto de direito privado estão submetidos ao rígido controle da Lei

341 Art. 165 CF/88 - Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as

diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. 342 FARIA, Edmur Ferreira de. Responsabilidade fiscal dos consórcios públicos. In: PIRES, Maria

Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.). Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 379. A despeito da importância do plano plurianual, sua dotação, na prática, ainda é incipiente. [...] Diversos municípios ainda não o adotaram. Dos que adotaram, muitos copiam o plano de outros, sem se preocupar com as peculiaridades locais. Este fato decorre, talvez, da carência de profissional devidamente qualificado ou mesmo comprometido com as exigências legais. Ibidem, p. 379.

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102

Complementar 101/2000, que trata da responsabilidade fiscal do administrador

público.

Ressalta-se, por fim, que os gestores dos consórcios não sofrerão

responsabilidade em razão daquelas obrigações contraídas pelos consórcios.

Entretanto, serão responsabilizados pelos atos que realizarem em desacordo com a

lei de responsabilidade e a lei geral dos consórcios.343

3.7 A participação social nos consórcios públicos

Os consórcios públicos objetivam a agregação de entes federados em busca

de atuação concentrada em determinados objetivos traçados no momento da sua

criação.

Na formação da gestão associada de serviços públicos há a possibilidade da

participação da sociedade civil. Esse espaço de participação pode ser a

oportunidade do devido controle social sobre aquilo que é visado com o consórcio

público, pois estes instrumentos, em relação à descentralização da prestação dos

serviços públicos e da participação popular, situam-se como “[...] polo de

transitividade do controle social e da prática da democracia entendida como

ancoradouro de pensamentos e ações”344.

A importância do controle pela sociedade, essa espécie de fiscalização, ganha

um aspecto ainda mais relevante ao se perceber que a descentralização dos

serviços públicos através dos consórcios públicos, implica no ingresso deste, ao

grupo da Administração Pública Indireta. E, neste patamar, exige-se a fiscalização

com base nos princípios do Direito Administrativo, baseado especialmente na

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Logo, maiores

serão os cuidados do administrador público, sob a vigilância da sociedade civil.

343 FARIA, 2008, p. 400. 344 CASTRO, José Nilo de. O controle social nos consórcios públicos. In: PIRES, Maria Coeli Simões;

BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.). Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 341.

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Além disso, nessa modalidade de gestão pública associada estão presentes

aqueles objetivos da República, na medida em que os consórcios derivam da

atuação democrática, da solidariedade como princípio, consubstanciado no interesse

da melhoria coletiva, na medida em que, por exemplo, problemas comuns a

determinados municípios circunvizinhos, como a poluição das águas, só se

resolverão com a colaboração de todos.

É nos municípios “[...] que o controle social moureja mais intensamente, porque

os consórcios públicos albergam dimensões propícias a que as instituições públicas

não percam nunca sua legitimidade diante da sociedade civil”345.

E o controle social que garante essa legitimidade é aquele que obriga os entes

consorciados às normas de direito financeiro, sujeitando-os à prestação de

informações sobre suas receitas e despesas e a aprovação pelo Tribunal de Contas

competente.346 Da mesma forma, dito controle é viável em relação às regras do

contrato de rateio, que obrigam a previsão orçamentária dos entes consorciados.

Há que se anotar, contudo, que não há na lei geral dos consórcios, n.

11.107/05, nenhum dispositivo que expressamente determine que a sociedade civil

fiscalize os consórcios públicos. Por outro lado, há que se defender que o Decreto n.

6.017/07 refere-se à sociedade civil dos entes consorciados347 para proceder na

fiscalização das finanças.

A participação social pode ter lugar ainda e especialmente, no momento da

elaboração do protocolo de intenções, onde a sociedade civil pode optar através da

formação da “agenda” de interesses daquele ente a que pertencem e que poderá se

consorciar publicamente.

345 CASTRO, 2008, 342. 346 Lei 11.107/05, art. 9º. - Os entes da Federação consorciados respondem subsidiariamente pelas

obrigações do consórcio público. Parágrafo único.Os dirigentes do consórcio público responderão pessoalmente pelas obrigações por ele contraídas caso pratiquem atos em desconformidade com a lei, os estatutos ou decisão da assembléia geral.

347 Lei 11.107/05, art. 13º. - Os entes consorciados somente entregarão recursos financeiros ao consórcio público mediante contrato de rateio. §3oAs cláusulas do contrato de rateio não poderão conter disposição tendente a afastar, ou dificultar a fiscalização exercida pelos órgãos de controle interno e externo ou pela sociedade civil de qualquer dos entes da Federação consorciados.

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Tendo havido a participação popular nessa fase do protocolo de intenções, na

medida em que a consciência coletiva visa à união dos habitantes em via de

consorciamento, confirma-se a constatação da existência de maior garantia na

instituição do consórcio pelos entes que firmaram o protocolo de intenções. É dizer

que, a despeito da lei admitir a ratificação com reserva do protocolo ou sua

ratificação apenas por uma parcela dos entes, o elemento coletivo não será

desprezado pela confiança resultante da participação popular.348

Os consórcios públicos são, também, instrumentos de participação, de

democracia participativa, especialmente nos espaços municipais e, como ainda é

instituto com recente quadro legislativo próprio, é possível antever que com a

experiência poder-se-á aprimorar o instrumento, mas que ele não deve se distanciar

do constante controle e participação social.

Constata-se, então, que com a participação da sociedade será mais difícil o

descumprimento das intenções protocolares e será respaldada em maior

legitimidade a lei que vir ratificar o protocolo de intenções.

3.8 Os consórcios públicos intermunicipais como mec anismos do federalismo:

a promoção de políticas públicas tributárias de com bate à guerra fiscal

baseadas na solidariedade social

A Constituição Federal, no âmbito do artigo 241 preconiza a descentralização

cooperativa dos serviços públicos entre os entes federados. Entretanto, a própria

atribuição de competência tributária entre os mesmos entes federados acirra a

competitividade entre os membros.

O artigo 23, parágrafo único, da Constituição Federal, por sua vez novamente

abarca soluções mediante relações de cooperação, notadamente com fito de buscar

o equilíbrio nacional349, com a realização de objetivos fundamentais da República350.

348 CASTRO, 2008, p. 347. 349 CF/88, artigo 23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios: [...] Parágrafo Único – Leis Complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

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As soluções preconizadas de forma cooperada devem levar em consideração

as peculiaridades regionais e municipais, especialmente no combate à guerra fiscal,

esta prática destrutiva proporcionada pela competitividade entre os entes, que se dá

“[...] pela concessão, em escala cada vez maior, de incentivos e isenções tributárias

pelos Municípios com o objetivo principal de desenvolver economicamente sua

região, fato esse que vem alimentando a guerra fiscal entre os entes federados”351.

A guerra fiscal torna-se prejudicial porque no intuito de atrair investimentos do

capital privado, em determinado Município, os representantes acabam por renunciar

alguns créditos tributários em razão de incentivos ou isenções por determinado

tempo. Enquanto se mantiverem os benefícios fiscais, as empresas permanecem no

local. No entanto, a partir do momento em que esses benefícios devem ser revistos

e o investimento privado deve proceder ao pagamento dos encargos tributários

antes isentos, geralmente tais empresas acabam migrando para outro Município

onde receberão novos benefícios, deixando um lastro de desemprego. Isso gera um

claro desperdício de receitas públicas e acentua a marginalização, representando

perdas ao Município. Esse é um processo que não traz nem melhoria nem

progresso, apenas amplia as desigualdades sociais.352

Quanto à expressão - guerra fiscal – a mesma se consolidou nos meios de comunicação como forma de designar benefícios fiscais concedidos (no caso em estudo por Municípios), principalmente mediante isenções, quer totais ou parciais (aqui entendidas também as reduções de alíquotas) para atrair novas empresas, tanto aquelas ainda não existentes como as já existentes, mas situadas em Município diverso daquele que oferece benefícios. A transferência de uma empresa gera receitas e, por vezes, até mesmo, empregos ao novo Município, mas por consequência lógica, em contrapartida, aquele em que se situava perde receita e também, conforme a situação fática, vagas de emprego.353

Assim, os consórcios públicos intermunicipais são apresentados como a

possibilidade de agregar recursos e esforços para realizar o melhor atendimento aos

munícipes, em relação à prestação de serviços públicos, sem que para isso os entes

350 “[...] São objetivos fundamentais da república aqueles contidos no artigo 3º. da Constituição

Federal.” PIRES, Maria Coeli Simões; NOGUEIRA, Jean Alexandro Serra Cyrino. O federalismo brasileiro e a lógica cooperativa-competitiva. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 43.

351 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P. 2008, p. 2503. 352 Ibidem, p. 2503. 353 Idem, 2003, p. 229.

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consorciados tenham que proceder a renúncia de receitas tributárias. Além disso,

aqueles valores que deixaram de entrar nos cofres públicos face às benesses fiscais

concedidas e que permitiram a exploração econômica das receitas públicas pela

iniciativa privada, podem agora, voltar-se aos investimentos públicos consorciados.

Os consórcios públicos na forma intermunicipal são praticados com sucesso,

há algumas décadas, porém, até 2005 não tinham legislação específica, que foi

completada pelo Decreto regulamentar 6.017/07, como antes comentado. Os

exemplos já disseminados estão relacionados com a saúde, educação, transporte,

informática, agricultura, meio ambiente e tratamento de resíduos sólidos.

O tratamento no processamento de resíduos sólidos urbanos, por exemplo, é

motivo de dispendioso projeto, pois, além de equipamentos, área de terra adequada,

é necessário também um volume de resíduos coletados suficientes para garantir a

sua viabilidade econômica. Assim, para sua realização há que se promover a

integração de pequenos Municípios, que resolverão um problema comum e que gera

tanta preocupação quanto a sua destinação.

Os consórcios intermunicipais “[...] são organizações capazes de articular

políticas públicas setoriais com políticas territoriais”354. Nesse sentido, um problema

localizado em vários municípios, pode receber uma solução que atenda todos ou

bom número deles, através da criação do consórcio. Para Schmidt, em relação às

políticas públicas, deve haver “[...] coerência, intersetorialidade e transversalidade,

como requisitos para a efetividade, eficácia e eficiência das políticas”355 e tais

medidas podem ser obtidas mediante a elaboração de agendas de formação de

consórcios públicos, com a identificação dos problemas idênticos em vários

municípios, que podem ser ou não, circunvizinhos.

Em outro giro de argumentativo, há que se fazer menção às formações

metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas e estabelecer se estão ou

não em oposição aos consórcios públicos intermunicipais e estabelecer alguns

pontos sobre a formação das primeiras.

354 CALDAS, 2008, p. 50. 355 SCHMIDT, op. cit, p. 2017.

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Definido na primeira parte deste estudo que os municípios são entes federados

autônomos, busca-se com base nos artigos 25, parágrafo terceiro, 23, parágrafo

único e 241 da Constituição Federal uma leitura sistemática sobre a formação das

regiões metropolitanas e dos consórcios públicos. O primeiro artigo citado confere ao

Estado-membro a competência para “[...] criação de regiões metropolitanas,

aglomerações urbanas e microrregiões para a integração da organização do

planejamento e da execução de funções públicas comuns”356. No artigo 241 está a

já mencionada gestão associada de serviços públicos mediante consórcios públicos

e no artigo 23, parágrafo único, a cooperação federativa para o desenvolvimento

nacional.

Se as regiões metropolitanas começaram com um esforço institucional de cima para baixo caracterizado por uma associação forçada entre seus entes, os consórcios municipais tiveram como base uma relação horizontal, ou mesmo uma relação de baixo para cima, caracterizada por um arranjo organizacional baseada na associação voluntária dos entes participantes.357

Os dispositivos constitucionais citados apresentam conteúdos diferentes em

relação ao tipo de formação das regiões metropolitanas e assemelhadas, pois estas

têm formação compulsória, em caso de exercício de competência do Estado

membro. De outro lado, os consórcios públicos configuram possibilidade de

formação voluntária de organização federativa através de contrato e estes dão a

tônica capaz de servir ao federalismo cooperativo do artigo 241 e 23, parágrafo

único da Constituição Federal.

Entende-se por compulsória a organização vertical de Municípios afetados pelo mesmo fenômeno regional, operada por lei editada pelo ente federado competente, independentemente da anuência dos Municípios, solução que influencia a própria estrutura da Federação brasileira; por voluntária compreende-se a organização horizontal fundada na livre associação dos entes interessados.358

O questionamento que é possível fazer neste ponto é aquele referente à

viabilidade da utilização dos consórcios públicos intermunicipais naquelas regiões

metropolitanas já definidas ou no caso de microrregiões ou aglomerações urbanas.

356 MACHADO, Gustavo Gomes. PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na

gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 405.

357 SPINK, 1998, apud CALDAS, op. cit. p. 53. 358 MACHADO, G. G.; PIRES, M. C. S., op. cit.,p. 406.

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Em primeiro lugar, não há que se confundir os arranjos metropolitanos com a

capacidade do município para organizar sua participação voluntária na gestão

associada dos serviços públicos, pois a criação dessas figuras tem por objetivo um

sistema normativo estadual mais geral no campo desses territórios.359 Depois,

dependerá de lei complementar estadual a regulamentação das funções públicas de

interesse comum da região metropolitana, de modo a não ferir a autonomia dos

municípios.

Aliás, mesmo havendo a legislação estadual, esta não elide, nem suplanta

possibilidades de negociações por meio dos consórcios. Logo, deve ser visto com

muita cautela o discurso que percebe as regiões metropolitanas, aglomerações

urbanas ou microrregiões como formas antagônicas ou mesmo impeditiva dos

consórcios intermunicipais.

Deve-se assinalar a importância dos consórcios para a gestão e o desenvolvimento metropolitanos e, ainda, para a potencialização de transformações, na perspectiva qualitativa de seus resultados, à medida que abranjam em seu escopo o fomento, as parcerias com o setor privado e com a sociedade civil.360

Assim, embora exista a formação de regiões metropolitanas, aglomerações ou

microrregião, essas figuras de formação compulsória pela edição de lei estadual não

se confundem com os consórcios públicos intermunicipais e, da mesma forma,

podem contratá-lo, o que implica dizer que entre tais figuras regionais pode ainda

haver guerra fratricida na medida em que a sua formação não decorre do consenso,

mas da compulsoriedade da lei.

Consórcios intermunicipais, portanto, são organizações resultantes da

disposição de cooperação dos atores políticos relevantes de diversos municípios que

decidem cooperar entre si para resolver problemas relativos a um tema ou setor

específico.361 Para a efetivação desse tipo de parceria, é necessário interesse

comum, baseado também na confiança que é representada pelo capital social362 e

359 MACHADO, G. G.; PIRES, M. C. S., op. cit., p. 418. 360 Ibidem, p. 419. 361 CALDAS, 2008, p. 55. 362 Ibidem, p. 55.

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esta confiança é fundamental para favorecer as ações coletivas, pois além de dividir

custos, há incentivo na contribuição para a manutenção do consórcio.

Da mesma forma, as ações coletivas ganham força e aumentam o poder de

pressão e diálogo nas instâncias governamentais em níveis superiores, ou mesmo

junto ao setor privado, o que gera a confiança da população e fortalece a autonomia

municipal, sem desrespeitar o federalismo.

Vê-se, pois, que o fator das desigualdades, associado ao da carência de motivação dos entes subnacionais para a alimentação processual do pacto federativo, em razão do desequilíbrio entre renúncia de direitos de soberania e compensações redistributivas, militam ao mesmo tempo contra um federalismo competitivo, já que os supostos deste são a igualdade entre os entes federativos e a motivação pela pertinência ao conjunto, e contra um federalismo cooperativo e eficaz, que se deve apoiar em mecanismos institucionais e contratuais de governança compartilhada ou de trocas equilibradas mediadas pela união.363

Nesse sentido, as políticas tributárias deverão ser voltadas aos interesses

comuns e em harmonia entre os poderes da federação, permitindo o

desenvolvimento de todos, baseados no princípio da solidariedade social tributária,

onde todos – dentre as suas igualdades – devem concorrer para realização do

Estado, com respeito ao princípio da igualdade e da dignidade humana, buscando,

de forma cooperada, sem valorizar a concorrência que estimula a guerra fiscal,

atingir o Bem Comum. Nessa conclusão, fundamentais foram os ensinamentos de

Rodrigues ao escrever que

[...] a palavra de ordem é consolidar políticas púbicas tributárias harmônicas entre as mais variadas regiões, rompendo com práticas antigas que apregoam a concorrência entre entes federados, privilegiando determinados empresários em detrimento do desenvolvimento coletivo daqueles que habitam o solo brasileiro. O agir coletivo, com objetivos coletivos, tendo-se a cooperação como palavra de ordem, valendo-se de instrumentos como os consórcios [...] buscando-se o bem estar de todo o povo, indiferentemente de linhas geográficas através, fundamentalmente, da harmonização de políticas tributárias municipais, parece ser uma das únicas formas de efetivação dos direitos fundamentais a todos, e não apenas a alguns.364

Este foi o objetivo aqui desenvolvido: tecer a viabilidade de políticas públicas

inclusivas através da contratação de consórcios públicos intermunicipais construídos

sobre as bases das políticas tributárias de combate à guerra fiscal que encontrou

363 PIRES, 2008, p. 51. 364 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, 2008, p. 2511.

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brecha na interpretação competitiva do federalismo brasileiro, mas que deve ter sua

visão cooperativa aumentada na busca de soluções nacionais, com a contribuição

de instrumentos locais, sempre com a participação dos atores sociais, a fiscalização

e controle da ação dos governos e da gestão pública.

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CONCLUSÃO

Sem pretender esgotar o tema, ou sequer ponderar conclusões inéditas, o

presente trabalho teve como objetivo pesquisar ideias e teses acerca da influência

das políticas tributárias adotadas pelos municípios que desencadearam um conflito

fratricida entre entes federados e apresentar viáveis soluções ao desenvolvimento

econômico e à prestação de serviços públicos através dos consórcios públicos.

A posição que os municípios ocupam dentro da Constituição Federal da

República do Brasil foi alvo de muita discussão na doutrina. Mesmo com as

previsões expressas na Carta Magna, alguns doutrinadores insistem em sustentar

que os municípios não se enquadram como entes federados autônomos.

O entendimento aqui esposado deu-se no sentido inverso. Assim, os

municípios são dotados de capacidades de organização, governo, legislação e

administração de si próprios, garantindo-se sua autonomia como ente federado de

terceiro nível e integrante da federação brasileira.

Além disso, outro argumento da autonomia dos municípios está na sua

competência tributária, pois os entes federados necessitam - para o exercício dessa

autonomia - da obtenção de receitas tributárias. Restou, pois, evidenciado que a

eles cabe a instituição de três impostos, contribuições de melhoria, taxas,

contribuições previdenciárias e contribuição para o custeio da iluminação pública.

Ainda, em relação às receitas obtidas em conjunto com os demais entes federados,

os municípios receberão pequeno percentual para realização dos serviços públicos e

atividades sob sua responsabilidade.

Com base nesses dados, estes entes federados são dotados de uma função

social diversa daquela função social da cidade. Essa função, de acordo com os

ensinamentos de Pasold e Rodrigues, refere à busca do Bem Comum.

A importância da valorização do espaço local está na certeza da posição dos

municípios como entes federados mais próximos dos cidadãos, com estímulo à

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participação social nas decisões administrativas de interesse geral, que se ainda são

pouco expressivas, devem ser incentivadas.

Como corolário da subsidiariedade na descentralização da prestação e da

responsabilidade pelos serviços da administração pública, há que se entender o

federalismo de forma coordenada e cooperada em todos os níveis. A posição dos

municípios em isolamento e concorrência com outros entes federados tem gerado,

além da prestação de serviços públicos insatisfatórios, outros efeitos nocivos,

especialmente a Guerra Fiscal travada entre eles.

A realização dos direitos fundamentais se concretiza em relação à

Administração Pública, via serviços postos à disposição dos cidadãos e mediante

políticas públicas. As políticas públicas têm muitas acepções, mas podem ser

entendidas como ações governamentais, estratégias ou programas que causem

efetiva transformação na sociedade.

Essas transformações passam pelo exercício da cidadania, cujo conceito vem

se modificando através dos tempos, especialmente no final do século XX e início do

século XXI pelas novidades sentidas no mundo globalizado, que inovou

tecnologicamente as comunicações e os meios de produção encurtando distâncias,

bem como o surgimento de ente supranacional na Europa. Por tudo isso, o conceito

da cidadania tem menos raízes culturais e mais contornos políticos.

Em relação à tributação, a cidadania pode ser posta como o exercício de

contribuição para a realização do Estado Fiscal. Não há Estado sem tributação e,

guardadas as devidas proporções com o tratamento isonômico daqueles que têm

semelhante capacidade contributiva, todos devem contribuir para as despesas do

Estado.

Realizar o Estado fiscal é o objetivo da solidariedade social em matéria

tributária. A solidariedade enquadra-se no âmago da tributação, pois enquadra o

dever de pagar impostos como algo benéfico e positivo a toda sociedade, com o

intuito de permitir a execução das políticas e serviços públicos como forma de

proteção àqueles que convivem apenas com o mínimo existencial. Assim, a

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solidariedade social fiscal realiza-se com a entrega periódica de quantias monetárias

por parte dos cidadãos para construir uma estrutura de Bem Comum.

A solidariedade apresenta duas formas: a genérica e a de grupo. A

solidariedade genérica está contida no dever geral de contribuir para o

financiamento do Estado e de poder exigir dos demais a mesma contribuição,

excetuadas as hipóteses legais de exclusão. A solidariedade de grupo, por sua vez,

encontra fundamento em determinado grupo ou categoria de pessoas, como a

família ou os aposentados, por exemplo. Neste caso, os semelhantes contribuem

solidariamente com o grupo, a fim de usufruir das benesses no futuro.

Assim, a solidariedade social, como fundamento da tributação, deve orientar as

políticas tributárias. Essas políticas tratam da fiscalidade, da força arrecadatória, da

possibilidade de acrescer recursos financeiros aos cofres públicos, mas de outra

maneira também podem se realizar através da extrafiscalidade dos tributos.

A extrafiscalidade tem outros fins que não os arrecadatórios e pode servir de

mecanismo de políticas com fins econômicos, sociais ou culturais, mediante

isenções, imunidades e incentivos, estimulando ou reprimindo comportamentos com

objetivos voltados à justiça social.

O abuso dessas possibilidades extrafiscais, no entanto, serviu para inaugurar a

competição entre os entes federados, especialmente entre municípios. Através de

ofertas de benefícios extrafiscais, dentre outros, atraem empresas para trabalhar nos

seus territórios. Esse comportamento causa disputas entre os municípios que

passam a duelar numa emaranhada competição sem vencedores. O que ocorre é

que o município em tese ganhador, manterá no seu espaço aquelas empresas

enquanto perdurarem os benefícios fiscais. Finitas as benesses, as empresas

buscarão outros entes que ofereçam mais e melhores incentivos, imunidades ou

isenções e assim sucessivamente, gerando apenas mais competição e a circulação

do desemprego. Além disso, neste período que o ente federado deixou de arrecadar

as receitas fiscais, a iniciativa privada usufruiu dos recursos que seriam públicos. O

balanço dessas competições não revelam progresso e desenvolvimento econômico,

apenas renúncias fiscais e desemprego.

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Como alternativa ao acirramento dessas disputas, apresentam-se os

consórcios públicos que foram criados pela Lei 11.107/05 e regulamentados pelo

Decreto 6.017/07, que, por sua vez, vieram a completar o artigo 241 da Constituição

Federal de 1988.

Consórcios públicos são criados através da formação de pessoas jurídicas de

direito público ou privado, mediante um contrato que é organizado sob os objetivos

colhidos no protocolo de intenções. Os consórcios são criados para a gestão

associada de serviços públicos e podem ser contratados em todos os níveis

federados.

Essa gestão associada é também um instrumento de cooperação do

federalismo, pois permite a ligação via consórcio, de todos os entes federados,

respeitadas as condições territoriais de participação.

A novidade introduzida pela Lei 11.107/05 exigiu esforço argumentativo em

relação à formação da pessoa jurídica de direito público e de direito privado. Pacífico

é o entendimento quanto à equiparação dos consórcios formados por pessoas

jurídicas de direito público como integrantes da Administração Pública Indireta. Já as

associações criadas através das pessoas jurídicas de direito privado não recebem o

mesmo tratamento da doutrina. O que parece acertado é o enquadramento de

ambos como pertencentes à Administração Pública Indireta.

São considerados consorciados aqueles entes que subscreverem o protocolo

de intenções e o ratificarem mediante lei, constituindo o contrato de consórcio

público. Podem se consorciar Municípios entre si, entre eles e os Estados-membros,

mas a União só participará quando: a) consórcios que sejam integrados por um

Estado e Municípios que estejam dentro do seu território; b) consórcios integrados

por dois ou mais Estados e c) entre Distrito Federal e Estado. Assim, excetua-se a

participação da União em consórcios públicos intermunicipais.

Os consórcios poderão ter um único ou múltiplos objetivos que deverão estar

descritos no protocolo de intenções subscrito pelos membros. Além desse, existem

outras formas contratuais como o de rateio, que determina os recursos que o

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consórcio disporá e o contrato de programa, que identificará as obrigações de cada

participante.

A constituição de consórcio público será submetida, quanto aos orçamentos

dos entes participantes, à Lei de Responsabilidade Fiscal. Os administradores

públicos representantes dos consórcios poderão ser responsabilizados por atos que

realizarem em desacordo com a lei 101/2000 e a Lei geral dos consórcios.

O controle social é possível através da fiscalização dos objetivos elencados no

protocolo de intenções, onde a participação social é importante para a formação da

“agenda” que se transformará nos objetivos protocolares.

Mesmo havendo a formação obrigatória no caso das regiões metropolitanas,

aglomerações urbanas ou microrregiões, ainda assim, os consórcios públicos tem

espaço para atuação, pois são voluntários, exigindo interesse comum, o que pode

não acontecer nas formações compulsórias das regiões metropolitanas.

Por fim, sugere-se a contratação de consórcios públicos, com base na

solidariedade social e na elaboração de políticas tributárias que busquem a

cooperação federativa e evitem a concorrência mediante a guerra fiscal.

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REFERÊNCIAS

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