Pietro Ubaldi Ascese Mistica

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    Ascese Mstica Pietro Ubaldi

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    ASCESE MSTICAAutor: PIETRO UBALDITraduo: Rubens C. Romanelli

    Clvis Tavares

    Jernimo Monteiro

    NDICE

    Primeira Parte - O FENMENO

    I Situao do ProblemaII Evoluo da Mediunidade

    III Mediunidade - Metafania - Misticismo

    IV A Catarse Mstica e o Problema do Conhecimento

    V Objetivismo e Subjetivismo

    VI O Mtodo da Unificao

    VII Estrutura do Fenmeno Mstico

    VIII Corolrios F e Razo

    IX Diagrama da Ascenso EspiritualX Primeiro Aspecto Planos de Conscincia

    XI Segundo Aspecto - Expanso de Conscincia

    XII Terceiro Aspecto Conscincias Coletivas

    XIII Ego Sum Qui Sum

    XIV Da Terra ao Cu

    XV Metodologia Mstica

    XVI A Noite dos Sentidos

    XVII A Unificao

    XVIII Incompreenso Moderna

    XIX O Subconsciente

    XX O Superconsciente

    Segunda Parte - A EXPERINCIA

    I Em Marcha

    II Nas ProfundezasIII Dor

    IV Ressurreio

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    V A Expanso

    VI A Harmonizao

    VII A Unificao

    VIII A Sensao de DeusIX Cristo

    X Amor

    XI A Redeno

    XII Ascese da Alma

    XIII Minha Posio

    XIV Momentos Psicolgicos

    XV Irmo Francisco

    XVI Viso da Catedral Gtica

    XVII Profetismo

    XVIII Os Assaltos

    XIX TentaoXX Inferno

    XXI Queda da Alma

    XXII Mea Culpa

    XXIII Cntico da Unificao

    XXIV Bem-Aventuranas

    XXV Cntico da Morte e do Amor

    XXVI Paixo

    Primeira Parte

    O FENMENO

    I

    SITUAO DO PROBLEMA

    Analisarei neste volume o fenmeno da ascese mstica. Dispenso-me de novamente situ-lono campo cultural e no momento psicolgico moderno, visto como o apresento em seu duploaspecto de fenmeno cientfico e de fenmeno espiritual, como seqncia lgica e vivida dofenmeno inspirativo, j amplamente analisado no precedente volume

    1. Quem o tiver lido, nele

    ter encontrado o duplo pretexto desta continuao, seja no campo cientfico, seja no campo

    1As Nores, obra do mesmo Autor j publicada em portugus por esta Editora. (N. do T.)

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    espiritual. E para responder objetivamente, ou por outra, quase fotograficamente, realidade dofenmeno, tal qual foi por mim vivido, aqui o analisarei e aprofundarei, sob dois aspectosdecorrentes de duas psicologias diversas, que, embora hoje consideradas opostas, so para mim

    equivalentes: a cincia e a f.

    Servir isto para demonstrar sua identidade substancial em todos os campos e,principalmente, em face deste to discutido e controverso fenmeno mstico; servir igualmentepara evidenciar que j devem ser tidos por superados certos antagonismos ultimamente toagudos e transformados em sementes de dolorosas cises da unidade do pensamento e da f. E,quando eu tiver feito convergir para as mesmas concluses as extremas e opostas atitudes dopensamento humano, minha concepo interpretativa, baseada na realidade por mim muitointensamente sentida, ter solidez de verdade universal e poder ser considerada novofundamento que, no meu permanente anseio de realizar o bem, terei conseguido lanar para aconstruo do edifcio do conhecimento. Ouso esperar isso, no somente como fruto do imensotrabalho interior em que me tenho amadurecido, por fatalidade da lei de evoluo, superior aos

    mritos meus e minha prpria vontade, seno tambm porque este mesmo estudo constitui,para mim, to alto coroamento de minhas precedentes snteses, que as posso resumir e levantartodas para aquilo que eu poderia chamar minha mais alta sntese conceptual, de paixo e de vida.O fenmeno mstico , de fato, animado por um dinamismo to potente e profundo, feito dematuraes e superamentos interiores to substanciais e anelante de mpetos to excelsos, quedeve ser necessariamente considerado no vrtice das aspiraes da inteligncia e do corao.

    O precedente estudo, a que j me reportei, conquanto seja aparentemente exaustivo edefinitivo, mais no do que a preparao deste, assim como o fenmeno da mediunidadeinspirativa, nele descrito, no foi, para mim, mais do que uma fase de vida. Nesta nova fase,parecem levantar-se, como num turbilho, todas as potncias da alma humana, e eu, atravs deminha exposio, guiarei o leitor, que me seguiu at aqui, ainda alm da sensao viva da ver-

    tigem arrebatadora que me tem golpeado nos meus estados supranormais de viso e de xtase.Afirmei que isso continuao de precedentes fases do fenmeno, razo pela qual neste escritodevo referir-me necessariamente ao volume em que estas so descritas. Declarei que se trata defenmenos por mim vividos, pelo que sou compelido a falar ainda de mim. Se isso deselegante, todavia garantia de objetividade, porque minha anlise toca, tambm aqui, assim como nasfases j examinadas, uma realidade que, embora interior, me perfeitamente acessvel.Conquanto pessoal e objetiva, dela pude abstrair-me nitidamente, submetendo-a a estudometdico, analtico e cientfico.

    Somente numa segunda parte o fenmeno mstico apresentado em seu aspecto espiritual,religioso e ideal, tal qual o foi, de modo quase sempre exclusivo

    2. Ele se distingue, pois, dessa

    comum nomenclatura, vaga e imprecisa, e definido em suas linhas fundamentais de fenmeno

    de evoluo biolgica, levada at o campo do mais alto psiquismo. Encarado assim, sob a formade caso vivido, o fenmeno, conquanto parea circunscrito ao subjetivismo de minha conscinciaindividual, apresenta-se, sem dvida, no somente na solidez de uma realidade experimental,seno tambm nos limites de uma verdade universal, porquanto eu o concebo e encaro, emconcordncia com minha orientao filosfica e cientfica, constantemente seguida, como fase dahumana e normal evoluo biolgica, embora seja aqui continuada e projetada at os superiores

    2 Segunda parte do presente volume - "A Experincia". (N. do T).

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    nveis da ascenso espiritual. Verdades, pois, universais estas de que trataremos, linhasfundamentais do desenvolvimento fenomnico, que lei das coisas, realidade objetiva situadaalm do relativo, no absoluto, realidade profundamente humana, tecida de lutas, de dores e de

    conquistas.Grande vantagem esta de poder operar sobre uma realidade psicolgica, para mim

    experimental, e sobre uma verdade que universal: so estas duas bases de nosso estudo,bastante slidas, que compensam quanto poderiam opor-me como defeito, isto 1 a contnuanecessidade de falar de mim, assim como de minha precedente produo literria. A esta devo,contudo, indispensavelmente reportar-me, porquanto dela resultam as primeiras fases damaturao do fenmeno espiritual por mim vivido. imprescindvel, para compreend-lo nocaso concreto em que o analiso e apresento, recorrer, como preparao e explicao, ao meupassado, que o contm, em germe, e do qual ele se desenvolveu. No saberia estabelecerdiversamente os termos deste estudo, at porque somente quem tem experimentado determinadassensaes e emoes possui a palavra suficientemente vibrante para exprimir o inefvel.

    Perdoem-me semelhante ostentao, foroso como reconhecer quanto ela inevitvel.Perdoem-me se ela parece chegar at uma confisso desapiedada de todo o meu ser, at aintimidade mais recndita, confisso que proporcionar ao leitor aquela mesma sensao queprovo, feita de sacrifcio e de holocausto, ao invs de vo exibicionismo. Doao de mimmesmo, para o conhecimento e soluo dos mais rduos problemas da cincia e da f, implcitosno esprito, problemas do mundo, no somente em sentido evolutivo, mas tambm histrico,porque msticos sempre os houve,em todos os tempos e em todos os pases. A ressonncia queminha alma encontra na de tantos msticos e aquela que a deles encontra na minha, a comunhode f, de experincias e de metas espirituais, a universalidade histrica de fatos e fenmenosvividos ampliam meu pobre caso para alm dos limites de um subjetivismo que, evidentemente,j no se acha circunscrito em mim, mas transborda para alm das fronteiras de minha perso-

    nalidade

    Espero haver, assim, justificado a posio em que situo o problema mstico, que aqui secompensa com dois slidos pontos de apoio e, todavia dois pontos de relativa debilidade.

    II

    EVOLUO DA MEDIUNIDADE

    Coloco, assim, o fenmeno mstico na seqncia evolutiva do fenmeno inspirativo.Precisemos, pois, com maior exatido.

    Em meu livro precedente, classifiquei em vrias fases a mediunidade que tenho consideradoum fenmeno em evoluo, momento e expoente da maior evoluo biolgico-humana, a qual,superadas as formas orgnicas se aventura hoje, desmaterializando-se progressivamente, nas

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    formas psquicas. Aqui no demonstro, mas apenas relembro esta evoluo biolgico-psquica,alhures j por mim exaustivamente tratada3.

    Em seu primeiro nvel inferior, o fenmeno medinico manifesta-se em forma fsica, deefeitos materiais. Em plano mais alto, aparece uma mediunidade superior, mais evolvida, deefeitos mentais. Formas demasiado conhecidas, para que nelas eu insista. Se, em seu primeironvel, a mediunidade intelectual simples mediunidade passiva e inconsciente, em que vontade econscincia do mdium se afastam do fenmeno, como elementos estranhos e inteis, chegandopor evoluo a nvel mais elevado, transforma-se em sentido ativo e consciente, no qual, comotenho demonstrado, a conscincia do mdium est desperta e do qual parte integrante. Emverdade, ocupei-me longamente dessa mediunidade inspirativa, isto , mediunidade intelectualativa e consciente, limpidamente operante na viva personalidade do sujeito. Delineei a lei deressonncia do fenmeno, pela qual, entre o centro de emanao, transmissor, individualizvelcomo nores ou correntes de pensamento, e a conscincia desperta do mdium, podeestabelecer-se, pela sintonia de vibraes,uma comunicao, que base da recepo inspirativa.

    E, neste ponto, havia-me detido, porque ontem este constitua o ltimo termo de minharealizao; mas, j no o hoje. Aquelas afirmaes continham, porm, as razes para estacontinuao.

    A mediunidade inspirativa4 j e imensamente superior comum mediunidade passiva einconsciente, porque vem a ser ativa e tende a fixar-se na personalidade do mdium, como suanormal emanao. Mas, no pode o fenmeno interromper aqui o seu desenvolvimento. Certo,ele nos levar para altitudes vertiginosas, sobretudo para a cincia que no esta acostumada atratar de fenmenos cuja progresso evolutiva os leva a uma normal desmaterializao, que ossubtrai comum percepo sensria e psquica; progresso que os leva a desvanecer-seaparentemente num mundo que, por impondervel, contestado pela cincia. Mas, esta no

    constitui razo bastante para que eu deva deter-me, mxime quando em mim encontro o guia deuma experincia vivida. Prossigamos, portanto, ainda, como durante um ano prosseguiu em mimo fenmeno; releguemos ao passado aquela fase conhecida e superada e aventuremo-nos na zonasuperior de evoluo do fenmeno medinico inspirativo.

    Temos visto que os pois termos do fenmeno inspirativo, semelhana de uma transmisso-recepo radiofnica, representam o centro emanador e a conscincia do mdium, receptora eregistradora. Os dois termos so distintos, embora comunicantes, isto ,ligados por fenmeno deressonncia. A captao norica baseia-se nesse princpio, ou seja, no estado de sintonia ouharmonizao vibratria, que se alcana mediante duas recprocas aproximaes: primeiro, aentrada na fase de superconscincia por parte do eu do mdium que se pe em tenso; em outrostermos deslocamento ascensional de seu centro, ao longo da escala evolutiva das dimenses, at

    a mais alta fase psquica e superconscincia; segundo, descida ao longo da mesma escalaevolutiva, isto , involuo de dimenso conceptual por parte do centro emanador e de sua

    3Em A Grande Sntese (passim) e As Nores (N. do T.)

    4 Os que estiverem habituados a denominar estes fenmenos com outra nomenclatura, a menos quesubstituam a palavra pelo conceito e a forma pela substncia, sabero igualmente, estou certo, com-preender, ainda que as expresses por mim adotadas sejam inslitas para eles. (N. do A.)

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    irradiao, de modo que, atravs de recproca propenso de um para outro, seja possvel oencontro e o amplexo dos dois termos.

    Tendem essas faculdades mediante contnuo exerccios a estabilizar-se, desde a zonainstvel de fadiga e de conquista, at a zona de assimilao, completada na personalidade domdium, isto , at a zona de instinto e qualidade normal (automatismo).

    Forma-se um hbito da conscincia, atravs da respirao sutil nas zonas rarefeitas dessaestratosfera do pensamento. A aproximao dos dois termos tende assim a tornar-se cada vezmais estreita, mais constante, mais normal. Com o andar do tempo, a sintonizao vibratriaestabiliza, por constante repetio, aquele estado de afinidade entre transmissor e receptor, que simpatia e atrao, estado reconhecidamente bsico, sobre o qual tanto insisti no estudo dofenmeno da recepo norica.

    Evidente o resultado deste processo. Contm ele um campo de foras convergentes para o

    mesmo ponto que dever necessariamente, ser tocado, ou antes, ou depois. A comunicaoanormal do pensamento tornar-se- na conscincia do metafnico uma espcie de educao e,consequentemente, de hbito para viver em superior zona espiritual, onde tender a normalizar-se, em forma cada vez mais estvel, o equilbrio de seu novo peso especfico psquico. E acomunho no lhe estabilizar somente as vias, mas dilatar-lhe- as fronteiras; se antes invadiasomente as zonas da inteligncia e era somente luz resplandecente, porm fria, inundara agora aszonas do corao e ser tambm calor que inflama de paixo.

    Extremamente frvido de maturaes , pois o fenmeno e intensamente ativo o Alto natransfuso de foras para a transumanizao do ser. Tende pois para uma gradual, progressiva etotal elevao, de si para si da conscincia receptora, de todo o eu humano do sensitivo, comtodos os seus recursos e potencialidades. Da resulta um como incndio que reduz a cinzas o

    homem velho e o faz ressurgir em forma completamente nova, em que se apresentam totalmenterenovadas a concepo, a orientao psicolgica e a viso do fenmeno e de suas leis.

    Vemos, assim, o fenmeno da mediunidade inspirativa amadurecer e transformar-se,naturalmente, por lgico desenvolvimento, naquilo que se pode chamar, em seu primeiro tempo,metafania mstica,no sentido de recepo cada vez mais total, isto , de emanaes, no maisexclusivamente conceptuais, mas tambm afetivas etc. A medida, porm, que esse fenmeno seencaminha para sua maturao, transcende de tal modo o simples fenmeno inspirativo, numarrebatamento de todo o ser, que acaba por se encontrar diante deste, como a luz solar diante daluz lunar.

    Tal o fenmeno mstico de que agora nos ocupamos.

    III

    MEDIUNIDADE - METAFANIA - MISTICISMO

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    Entraremos, mais adiante, nos pormenores deste desenvolvimento. Basta-nos, por agora, traar as linhas de orientao. A sucesso destas fases no a apreendi de livros, que no leio, oude textos, que no consulto, mas de minha experincia direta. Quis conservar aqui minhavirgindade de pensamento, permanecendo em contato direto e exclusivo com o fenmeno, damaneira que depois a eventual coincidncia com os resultados de outros estudos e de outrasexperincias se tornasse, para mim e para os outros, mais surpreendente e comprobatria.

    Fica assim definida a amplitude do fenmeno da ascese mstica, objeto deste estudo, quepode ser expressa nestes termos e ser compreendida dentro destes limites: por ascese msticaentendo o desenvolvimento do fenmeno psquico, desde a fase de metafania lcida ou deinspirao consciente, at a sua fase de misticismo que se consuma com a unificao integralentre receptor e transmissor. O presente estudo, assim como minha experincia, que lhe serve de

    guia, move-se entre esses confins.

    A essncia do fenmeno consiste sempre na universal e insuprimvel evoluo do esprito.Mas, certo que nesses nveis o simples fenmeno medinico se espraia sobre tal mar deconquistas e de grandiosas afirmaes, que aquele fio de revelao supranormal e primeirolampejo de transparncias transcendentais, que a simples metafania, se perde na vertigem deluz, que o estado mstico,de tal modo que, longe de diminuir a personalidade na inconscincia,a arrebata consciente at o superconcebvel. Ouo a voz interior exprimir-se num cntico de har-monias universais: Contempla, diz-me a voz, a substncia espiritual das formas do ser.O todo um turbilhonar de esferas. Este movimento representa a mais doce msica, a maismaravilhosa harmonia de luzes, a mais gigantesca construo, na mais ampla exatido derelaes, e tambm cntico de conceitos e sentimentos. Observa e, na harmonia deste amor

    infinitamente mltiplo, esquece a dissonncia de tua dor que se encontra fechada no tempo.Deixa teu esprito explodir, alm de todas as medidas, no incomensurvel, alm de todos oslimites, no infinito, alm de todos os ritmos menores, no ritmo divino do todo. Vers e ouvirs.Toda alma feita para ver e ouvir.

    Repara. Os seres dividem-se e renem-se, segundo hierarquias. Cada qual se pe, porvirtude de seu peso especifico, em seu nvel natural, inviolavelmente. Eles se vem e se falam ese escutam. Vozes e luzes, de plano a plano, descem e sobem: porque o Alto tem sede de se dar,como o plano inferior tem sede de ajuda. Esta a Lei, imperante em toda parte e em todo nvel.Assim, tudo se distingue por individuaes inconfundveis e tudo volta a reunir-se e irmanar-sena mesma luz e no mesmo cntico. Ao apelo do fraco responde um eco bondoso; graas bondade do Alto, h sempre uma ddiva por fazer. Auxiliar-se reciprocamente, eis a lei.

    A luz irradia do Centro e transparece de esfera a esfera, atravs dos seres que a compem.O metafnico alma desperta escuta e ouve aquilo que para os outros silncio. Conceito,harmonia e potncia consubstanciam aquela luz; ela sinfonia do pensamentos e aes, tambm corrente de amor e de fora a enxertar-se no esprito, que a causa nica da vida. Erefora as motivaes e fecunda vossas obras.

    A percepo norica um contato com a irradiao divina, que a linfa vital do universo.

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    Por isso, digo-vos: Escutai e purificai-vos, para que tudo seja ascenso. No ausculteisvmente, por simples curiosidade, porque sagrada a voz do Alto. No dissipeis a potncia

    substancial da vida. Sirva-vos tudo isso para subir. Jamais atendais s tristes vozes dos planosinferiores, a no ser para ajudar a sofrer e a subir.

    A lei de ascenso moral, conduzida atravs da bondade e do amor, a lei do centro, que porela sustm o universo.

    Relembro aqui as palavras de Goethe a Eckermann: Nenhuma produo de ordem superior,nenhuma inveno jamais procedeu do homem,mas emanou de uma fonte ultraterrena. Portanto,o homem deveria consider-la um dom inesperado do Alto e aceit-la com gratido e venerao.Nestas circunstncias, o homem somente o instrumento de uma Potncia superior, semelhante aum vaso julgado digno de receber um contedo divino.

    * * *

    Sentiremos, depois, mais de perto, o incndio daquelas sublimaes de esprito, pelas quaisse passa da fase de inspirao consciente de unificao mstica. Mas necessrio, antes,compreender e explicar racional e cientificamente o fenmeno. Antes de abandonar-se aoimpetuoso lirismo da viso, necessrio seguir o fenmeno em cada uma de suas manifestaes,apreend-lo, em sua realidade nua, com as tenazes do analista. Cumpre, antes de tudo, darcompleta satisfao razo.

    Na evoluo do fenmeno medinico,do plano fsico ao plano psquico inconsciente, depoisconsciente, at a unificao mstica com a fonte, nota fundamental a progresso de conscincia,de interveno da vontade e, ao mesmo tempo, de desmaterializao. E nela se encontra umaprogressiva conquista do fator moral, uma ascendente realizao de acrisolamento espiritual,uma transformao em peso especfico, cada vez mais livre e mais leve. Todo o vasto fenmeno

    da evoluo da mediunidade se conjuga, assim, em suas zonas de desenvolvimento, atravs decaractersticas constantes. Enquanto a mediunidade de efeitos fsicos se move prevalentementepor fora de causas barnticas5 e com tcnica ectoplasmtica, e a mediunidade intelectualinconsciente pode abrir-se por todas as portas e fazer-se rgo de recepo de todo pensamento,desde o mais nobre at o mais vil, assistimos aqui a um processo de progressiva purificao dofenmeno e do mdium. Na recepo inspirativa consciente, o fator moral, como tantas vezestenho insistido, ocupa o primeiro plano e no misticismo no constitui somente condioprevalente, mas absoluta e irrevogvel, tanto que ele representa o vrtice da perfectibilidademoral e religiosa. O fenmeno transborda, pois, em suas mais altas maturaes, alm dos limitesdas possibilidades e da competncia da cincia, no campo da f e da religio. Para mim, todavia,no existe antagonismo, a no ser de relatividade de perspectivas e de unilateralidade de pontosde vista. Devemos, contudo, elevar a cincia ao nvel da f e empreender, sem transviar-nos, apenetrao nos domnios do supersensrio. chegada a hora de estes antagonismos entre cinciae f, hoje destitudos de sentido, porque filhos de vises unilaterais e de momentos histricossuperados, carem para sempre, relegados ao passado, assim como caem todas as coisassuperadas.

    5 Neologismo formado de elementos gregos: "baros (gr. bros, ous) - pesado, denso, e "ontos"(gr. n, ntos) - ser, entidade. Barnticas: provenientes de Espritos de constituio densa(Entidades inferiores) Esse problema de correntes barnticas amplamente explanado no livroAs Nores, do mesmo Autor e j republicado por esta Editora. (N. do T.)

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    O fenmeno mstico deixa assim para trs, na via das ascenses humanas, os fenmenosmedinicos e, conquanto se origine destes, de se ver que destes se liberta completamente.

    Ingressamos, assim, em um campo supermedinico, resultante, embora, do medinico.Chegamos s superiores fases, a que ascende o fenmeno e nas quais ele se intensifica e liberta, eingressamos nesta zona, que de suprema purificao.

    Ainda no pude elevar a nveis mais altos, hoje pelo menos, minha capacidade depenetrao. Parece-me haver tocado o vrtice de minhas possibilidades e do meu sonho derealizaes humanas.

    IV

    A CATARSE MSTICA E O PROBLEMA DOCONHECIMENTO

    O fenmeno mstico pode ser tambm concebido, na mais ampla acepo, qual momento dasascenses espirituais humanas. Inclui, pois, o problema do conhecimento e pode ser considerado,como o considero, uma verdadeira tcnica do pensamento e mtodo particular de indagao, desuperlativo rendimento. Alhures, j insisti nestes conceitos, quando do estudo do fenmenoinspirativo. Prosseguindo a anlise do mesmo fenmeno, em suas fases superiores, natural queaqueles conceitos tambm encontrem aqui seu ulterior desenvolvimento.

    a evoluo do esprito que traa e supera os limites do conhecimento, que diversamente ositua no seu progredir, at o ponto em que a unificao com a fonte de emanao, queencontramos no vrtice do fenmeno mstico, se torna tambm unificao dos divergentesaspectos, sob que se contempla o relativo, numa nica verdade humanamente absoluta. Assim, sdiferentes fases da evoluo espiritual correspondem diversos graus de conhecimento ediferentes aproximaes de revelao da verdade.

    Nos albores de sua vida espiritual, o homem no sabe elevar-se alm das imediatasconseqncias de suas impresses sensrias. Seu julgamento detm-se, pois, na superfcie dosfenmenos, limitando-se a uma interpretao emprica e desconexa, pura projeo, no cosmo,

    das reaes de seu pequeno mundo interior.Em mais avanado momento, a conscincia, mais amadurecida, qual tem acontecido at

    hoje, no seio da civilizao, quer dar-se conta do valor das prprias reaes, procura e exige umaverdade menos aparente e mais substancial e vai ao encontro dos fenmenos, no maisexclusivamente com a fantasia do primitivo, mas com o olhar objetivo do observador. Tem,assim, aprendido a catalogar fatos, coordena-los segundo planos hipotticos, e tentacompenetrar-se da lgica e fixar a lei de progresso dos fenmenos, para chegar a estabelecergradualmente os princpios, cada vez mais abstratos e gerais, que regem o funcionamento

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    orgnico do universo. Tal a presente fase cientfica. O homem moderno sente, justamente, asua superioridade diante do homem supersticioso, que se impressiona antes de saber observar, esente-se orgulhoso de no se deixar invadir por vos temores, diante de fenmenos cuja causa

    pode surpreender com seu poder de anlise. E isto j muito. O homem tem conseguido aracionalidade, esta potncia arquitetnica, que permite as construes ideolgicas; ele poder deescolha e de coordenao, viso de relaes e unificao; induo, deduo, sistematizao,que guiam para a reconstruo do pensamento originrio da criao.

    A cincia tem recolhido todas as pedrinhas do grande mosaico, tem procurado reconstruir ograndioso painel,sem todavia lograr outra coisa que delinear alguma figura. Mas, ai de mim! longo o caminho, extremamente prolixo o mtodo, tanto que pode ser consideradoinadequado consecuo da sntese mxima. Evidencia-se, dessarte, a inpcia da cincia,consequentemente uma fundamental questo de mtodo; este, tal qual concebido, nada maispode ser que um eterno caminhar, incapaz de sntese.

    Da maturao evolutiva da conscincia humana decorre, porm, uma fundamental mutao.Sinto por experincia pessoal, por observao de tipos histricos do movimento das leisbiolgicas, a verdade desta afirmao. O fenmeno da catarse mstica representa uma tocompleta elevao da conscincia, que se lhe escancaram as vias do conhecimento. este umimportante aspecto do fenmeno mstico, que aqui estamos estudando. Antes de lhe enfrentarmosos maiores aspectos psicolgicos, ticos e religiosos, examinemo-lhe o cientfico e gnoseolgico.

    Os trs graus do conhecimento, isto , a fase sensria, a fase racional-analtica e a faseintuitivo-sinttica, correspondem aos trs tipos de homem e de conscincia por mim descritosnoutra obra6, a saber: o homem vegetativo, fsico, sensrio, de ideao concreta, movido pelosinstintos primordiais da vida; o homem racional, submetido educao, psquico, nervoso,utilitrio; enfim, o super-homem, dono de si, das foras da vida, do conhecimento. O fenmeno

    da ascese mstica representa a maturao biolgica deste novo tipo de homem.

    Acontece agora, neste momento da evoluo humana, uma renovao tal da conscincia queseus efeitos so incalculveis no campo psicolgico e merecem, pois, particular exame. Trata-sede nova e autntica tcnica de pensamento, de completa reconstruo dos mtodos de pesquisa ede orientao cientficas. Devo, por isso, retornar a esses conceitos, j precedentementeesboados7, para aqui lev-los mais alm, na continuao lgica de seu desenvolvimento. Devoretornar a eles porque, se naqueles escritos o mtodo da intuio comea a revelar-se na fase demediunidade inspirativa consciente, aqui ele se manifesta plenamente, na fase mstica que lheconstitui a continuao. Neste nvel de evoluo, completa a maturao daquele mtodo, cujorendimento se nos apresenta com plena eficincia.

    V

    6Em A Grande Sntese, cap. 78 (As vias da Evoluo Humana). v. tambm cap. 37 (conscincia e Superconscincia.Sucesso dos Sistemas Tridimensionais) (N. do T.)

    7 v. As Nores, do mesmo Autor, particularmente os captulos V (Tcmica das Nores) e VI (Concluses). (N. do T.)

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    OBJETIVISMO E SUBJETIVISMO

    Ao enfrentar o problema gnoseolgico, partimos de princpios decisivamente novos nopensamento moderno. O conhecimento, creio, no se alcana com os mtodos chamadosobjetivos de projeo para o exterior, mecnicos, iguais para todos e acessveis a todos, mas pormtodos subjetivos, de introspeo, peculiares somente a determinados tipos de superconscinciaCreio que os limites do conhecimento sejam dados e medidos prevalentemente segundo o grauatingido pela conscincia humana na escala da evoluo psquica, o que quer dizer que aamplitude do campo fenomnico dominado condicionada extenso conseguida pelo eu, emsua evoluo, que sua potenciao e dilatao. Eis porque o fenmeno mstico, que a fasesuperior de evoluo do esprito, se apresenta conexo com o problema do conhecimento ecoincide com sua soluo.

    Coloco-me, assim, como antpoda da hodierna forma mental adotada pela cincia, ao mesmotempo que, sobrepondo-me psicologia objetiva, elevo para os primeiros planos o subjetivismo.

    Indiquei, no princpio, o carter subjetivo deste escrito, que tambm o de toda a minhaorientao psicolgica. Podero argir-me de subjetivismo, qual se fora isso um defeito. Aobjeo, que pode ser global e insurgir-se contra a minha personalidade e o valor que atribuo aomtodo da intuio, parece grave, mas no o .

    Como pode a cincia racional opor-me, como defeito, a arbitrariedade do subjetivismo esuas bases intuitivas, quando ela mesma se funda sobre bases axiomticas, igualmente intuitivase arbitrrias, porque ainda passveis de demonstrao? Os fundamentos daquele organismoconceptual, de que pode provir esta acusao, considerados embora absolutamente seguros, soaxiomas gratuitos, de valor transitrio extremamente relativo. Isto pode dar a alguns espritosautnomos a sensao de que o pensamento humano, em toda a sua esmagadora congrie deconstrues ideolgicas, filosficas e cientficas, se agite sobre bases convencionais. Ignora acincia o que sejam, substancialmente, os fenmenos sobre os quais pera. Averigua ecombina os efeitos, porque tem experimentado que as coisas ocorrem deste e daquele modo.Mas, por que causas e de que maneira isto ocorre, no o sabe. No campo abstrato, se penetrarmosat os bastidores desataviados da construo ideolgica e pusermos a nu o jogo com que se tece edesenvolve a cadeia da silogizao humana, verificaremos, subindo de concatenao paraconcatenao e de relao para relao, que se deve necessariamente chegar ao ponto fixo departida, pedra basilar de todo o edifcio. Ora, esse ponto fixo, que precisamente o que rege a

    construo e por cuja falta toda ela se esboroa, simplesmente um axioma do qual no se sabedizer outra coisa alm de que assim porque assim, axioma cuja demonstrao se reputasuprflua, pela simples razo de o declararem evidente; e enquanto, para aceitao de umpormenor, se exigem mil provas, para aceitao do princpio-base nada se requer, somenteporque ele j existe na qualidade de aceitao indiscutida na grande maioria humana. E ento agarantia dessa verdade fundamental confiada nica e exclusivamente a um fundo de intuiocoletiva que instintivamente apoia um mnimo de verdade. Instintivamente, isto , alm de todoo controle racional. Deixada parte a cincia utilitria, a verdadeira cincia, abstrata, filosfica,matemtica,de contedo conceptual, volve e revolve, reincide e apoia-se toda sobre rudimentos

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    de intuio. Intuies mnimas, mas seguras, somente porque garantidas pelo estender-se agrande nmero de pessoas. Ou intuies maiores, de gnios, videntes insulados, posteriormentedesenvolvidas, analtica e racionalmente, pela cadeia do raciocnio.

    H, pois, nas razes do pensamento moderno, uma zona daquela arbitrariedade e daquelaintuio que viriam exatamente inquinar meu subjetivismo. O mtodo da intuio consisteapenas numa extenso do mesmo sistema a todo desdobramento ideolgico; significa estender omesmo contato intuitivo a todo desenvolvimento e manter-se constantemente no sistemaaxiomtico, sem pedir apoio racional. Se o axioma o contato intuitivo com o absoluto,estendo esse contato e o torno contnuo e universal. No condeno, pois, a cincia; considero-a,antes, centelha de pensamento, at onde no est demonstrada e onde no chega sua atividaderacional. Amplifico, antes, seus fundamentos num mtodo que, embora acessvel somente aquem, por evoluo, ali chegou, o nico que verdadeiramente pode atingir o conhecimento.

    O mtodo da intuio no aceito pela cincia positiva moderna, porque antiobjetivo. No

    aceito porque, enquanto o mundo fenomnico, segundo o mtodo da observao e daexperimentao, aproximadamente igual para todos e suscetvel de ser entendido econstrudo, o mtodo intuitivo, sendo extremamente pessoal e subjetivo, no possui fora parasubir e elevar-se a altura maior do que a de uma interpretao pessoal.

    Existe ai uma idia preconcebida e esta consiste em o nmero, isto , em admitir que aextenso numrica do juzo seja garantia de verdade. D-me isto a idia de cegos que se do amo para guiar-se reciprocamente. Ora, o resultado da observao exterior , se no total, pelomenos parcialmente igual para todos, somente porque exterior, ou por outra, conjugado forma mais simples de percepo sensria, a mais rudimentar e tambm a mais difusa efundamental no mundo biolgico. O valor da objetividade apoia-se, portanto, somente na,extenso de uma identidade de juzo, que , por sua vez, filha de uma identidade de construo

    fisiolgica, nervosa e psquica. A objetividade, ento, revela-se tanto mais evidente, quanto maisdepende da estruturao sensria mais primitiva, qual primeiramente o tato (sabemos quoilusria esta indiscutvel realidade sensria em face da constituio cintica da matria), edepois a vista, o ouvido etc.. Eu estaria em dizer que funo direta da inferioridade do nvelevolutivo, poisquanto mais evolve o ser, necessariamente tanto maispenetra, graas lei dediferenciao, no subjetivismo

    Ora, o mtodo objetivo, embora apresente a vantagem de chegar a concluses einterpretaes mais universais, parece construdo, por sua natureza, precisamente parapermanecer aderente, sem poder super-las, s aparncias mais exteriores, s estruturas einterpretaes fenomnicas mais rudimentares e superficiais. Esta unidade de juzo vantagemaparente, porque nos deixa na superfcie, tende a reconduzir-nos sempre para o relativo, o

    particular, e no constitui, absolutamente, unidade de orientaes e de concluses, universalidadede concepes que alcancem a substncia das coisas. O objetivismo nasceu fatalmente sem asas.Efetivamente, a cincia hodierna incapaz de construir um sistema que contenha a explicao detodos os fenmenos e evidencie, por meio deles, o funcionamento da lei universal.

    O mtodo objetivo , em suma, a negao do mtodo da penetrao na profundeza e nasubstncia das coisas; parece-me quase um lastro que se detm em baixo e intercepta,automaticamente, as vias do conhecimento, capaz de resultados utilitrios, mas impotente em

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    face de resultados mais profundos. O valor da objetividade reside inteiramente nesse consensohumano que certamente no contm a chave do absoluto, nem pode ser tomado como medida dascoisas. O verdadeiro consenso pode consistir apenas na voz dos fenmenos, que somente o

    subjetivismo intuitivo sabe ouvir e fazer ouvir, fazendo-a emergir do silncio do mistrio. Nopode deixar de nascer, no nimo de quantos hajam ouvido esta voz, uma confiana em provasoutras, que no so as dos sentidos e dos instrumentos, nem as fornecidas pela aceitao danormal psicologia humana.

    Mas, no tudo. O mtodo objetivo baseia-se totalmente sobre um erro fundamental desituao, que lhe impede a penetrao conceptual dos fenmenos. Esse erro consiste na distinoentre o eu e o no-eu, entre o sujeito e o objeto, entre a conscincia e o mundo exterior. Sobreesse individualismo, filho do egosmo, baseia-se toda a psicologia cientfica hodierna. Ora, faz-semister admitir que as duras necessidades da psicologia de luta, que a vida impe no podem serdefinitivamente superadas. Enquanto no mtodo intuitivo, a conscincia, fazendo-se humilde,mas sensvel, logra transportar-se, por vias interiores, do seu ntimo ntima essncia dos

    fenmenos, com o mtodo objetivo, a conscincia, permanecendo autnoma e volitiva, suprimesua sensibilidade e sufoca a voz dos fenmenos, choca-se contra eles, sem neles penetrar,detendo-se sua superfcie, por forma que no toca seno aparncias e iluses. O pensamento deDEUS, que est no ntimo das coisas, se retrai, se enfrentando com uma psicologia de dvida ede violncia, ao passo que se revela espontaneamente aos que se aproximam com amor e f. Tal a lei da vida.

    O objetivismo , pois, filho de um preconceito: um fundamental instinto humano. Que valorter ele quando transportado para a atmosfera rarefeita da concepo? da que procede essaorientao psicolgica de destruio. A distino entre sujeito e objeto no somenteseparatismo que distancia e cava insupervel abismo de incompreenso entre observador efenmeno, mas, em rigor, tambm antagonismo, porque a observao parte, precisamente, da

    negao e da dvida e,como garantia de verdade, toma precisamente a desconfiana, opondo-se confiana e f, isto , assume-se uma atitude mental que fecha, a priori, todas as vias decomunicao. Com essa psicologia de agresso e negao, apenas se podem obter destruioconceptual e, diante do mistrio, trevas e silncio.

    Oposto o mtodo do subjetivismo e da intuio. Enquanto o objetivismo distancia, esteaproxima; enquanto o objetivismo diverge e separa, o subjetivismo converge e unifica. Este verdadeiramente o mtodo da unificao conceptual na demolio absoluta do dualismo domtodo objetivo.

    VI

    O MTODO DA UNIFICAO

    Como, ento, resolveremos o problema do conhecimento?

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    neste ponto que de novo ele se conjuga e funde com o da ascese mstica, porque o mtododa unificao pode manifestar-se apenas quando a evoluo da conscincia atinge a fase mstica.Nesse plano ocorre o grande fenmeno da unificao, que a seguir aprofundaremos. Isto no

    podia deixar de ter reflexos e repercusses tambm no campo gnoseolgico. A evoluo altera osmtodos e dilata a conscincia. E, como havia anulado a psicologia racional na psicologia daintuio, passando da fase lgico-cientfica fase que poderemos chamar inspirativa, assim aintuio continua e completa-se na unificao conceptual, do mesmo modo que a recepoinspirativa continua e completa-se, como veremos, na fuso unitria na dos dois termos daquelarecepo.

    Atingido esse plano, desaparece na conscincia o dualismo do mtodo objetivo.Aproximam-se os dois termos sujeito e fenmeno reabsorvida a distncia, at desvanecer-se, soldada a ciso, sanado o dissdio entre os dois antagonismos e aberta a compreenso. Aquino nos ocupamos deste fenmeno da unificao, a no ser pelo que dele se reflete no problemado conhecimento. Quando a conscincia, na catarse mstica, no s se comunica, quase

    radiofonicamente, com a fonte norica, como na mediunidade inspirativa, mas tende, por umprocesso que examinaremos, a sobrepor-se e identificar-se com a fonte mesma, ento o contato to ntimo e integral, que se adquire espontaneamente o conhecimento, mediante novo sentido deviso, e a verdade transborda de todas as categorias da razo, reduzem-se os esquemas racionaisa prises insuficientes para conter os conceitos. A conscincia transcende os confins da lgica e,com um senso de imensa dilatao, o pensamento humano abalado desde os fundamentos,numa revoluo e renovao to completas, que permanecem incompreensveis e inadmissveispara quem no os tenha experimentado. A compreenso existe, efetivamente,em funo da am-plitude e profundidade do campo de conscincia e de seu grau de sensibilizao.

    Para resolver o problema do conhecimento necessrio atingir a universalidade do eu. Faz-se mister escancarar, mediante um ato de f e de amor, mediante um senso de completa

    submisso, as portas da alma, para projetar-se fora de si e para que o infinito nela penetre.Certamente, este um novo comportamento na hodierna psicologia; contudo, ele necessrio aconsecuo de resultados novos. Somente a identificao do eu com o fenmeno pode permitir adilatao do primeiro at os limites do segundo; e, quando o fenmeno se tornar o universo, suaexpanso no ter limites, como no os tem a DIVINDADE. Abranger o infinito o amplexo dealmas. Atiram-se fora, ento, as velhas muletas da observao e voa-se. somente atravs daevoluo do sujeito, atravs de renovaes de conscincia, que se podem obter superamentos tosubstanciais. Resolve-se ento o problema do conhecimento. Em o novo modo de ser estimplcito o conhecimento; a verdade revela-se automaticamente, por viso, e atinge-se umasntese espontnea, simples, completa. Deixa-se, para trs, a observao sensria, a presumidasegurana objetiva, como mtodo rasteiro, inadequado, incapaz de verdadeira sntese;abandonam-se as tortuosas vias da razo pela nova sensao do verdadeiro, direta, imediata,exauriente. Verdadeira e palpitante a viso; j no a fatigante concluso oriunda de umadestilao cerebral, mas concluso vivente; nela o universo vibra e exulta de pensamento e deao.

    Como o dissolver-se o separatismo da fase egostica na unificao da fase altrustica, caemas barreiras do dualismo do mtodo objetivo. A verdadeira nica e radical soluo do problemado conhecimento s pode ser obtida mediante a transferncia da conscincia para um planosuperior de evoluo. O problema filosfico no pode ser insulado, nem resolvido

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    independentemente da realidade biolgica e psquica. Ele reside na personalidade humana e comela adianta-se; seu progresso no pode ser mais que um momento do progresso desta. necessrio romper o crculo dos impulsos instintivos, como os vnculos da psicologia racional e

    das concepes habituais. Assim como o mistrio da unificao, na ascese mstica, fenmenonatural que se desenvolve segundo urna tcnica prpria de desenvolvimento, assim tambm aconquista do conhecimento.

    Aparece, ento, um dualismo psicolgico entre as duas formas de pensamento a racionale a intuitiva ao surgir a viso. Diferentes so as duas vises: a maior compreende a menor,mas a menor no compreende a maior. Quem estiver fora desta mais alta realidade tom-la-seguramente por iluso, at que a conquiste por evoluo. Considera-se irreal o que est fora daprpria experincia. Os dois olhares atingem profundidades diversas e, consequentemente, vemna mesma verdade aspectos diferentes. Discriminar-se-o necessariamente, os dois pontos devista, sob o pretexto de incompreenso, porque as duas conscincias so diversas e a extensodas recprocas sensibilidades a nica medida do respectivo cognoscvel. Todavia, se a

    psicologia superior pode penetrar a inferior, e no inversamente, esta ltima, ainda que a negue,no pode deixar de voltear em torno da outra, por um vago pressentimento da verdade, por umdesejo que, incessante, clama na alma por descobrir o mistrio. Pois que a treva no satisfaz vista nem o silncio ao ouvido, nem a ignorncia ao intelecto, e ningum pode estar satisfeitocom sua negao, nem sentir-se contente com a realidade que possui, sem jamais desejar maisamplas realizaes, tambm a incompreenso do ignoto constitui vago tormento que estimula asair dele.

    O mtodo da unificao contm em si os elementos aptos a compensar aquilo que podeparecer um ponto fraco, isto , o subjetivismo. Como poderemos compensar a pluralidade dasconcepes e a dissonncia das contradies que derivam daquele subjetivismo? A filosofia,precisamente a onde o pensamento, elevando-se e abstraindo da simples averiguao objetiva,

    chega a ser necessariamente subjetivo, um mar de inconciliveis divergncias que desorientamo esprito, dando sensao de ser absurda a pesquisa da verdade. E, contudo, una a verdade.Ser, ento, incapaz de atingi-la o subjetivismo divergente?

    Foi exatamente, como reao a tudo isso, que a cincia se mutilou na objetividade decompreenso, com o fim de alcanar uma verdade igual para todos. Mas, evidente que oconhecimento ganha em profundidade e potencialidade, medida que passamos do mundoexterior ao interior. No baixando-se ao primeiro, mas elevando-se ao segundo, que se ganhaem verdade. precisamente a, quando mal nos separamos da superfcie sensria eprogressivamente nos aproximamos da ntima substncia, que comea o subjetivismo, isto , avariedade e a divergncia das expresses individuais: as vias do conhecimento esto nasubjetividade e as vias da subjetividade constituem as vias do separatismo intelectual que parecedistanciar-se da unidade do conhecimento. A conquista da verdade deve, portanto,passar atravsdesta contradio e saber concili-la. Uma verdade igual para todos no pode ser seno umaverdade de superfcie. A procura de uma realidade mais profunda conduz divergncia. Poisbem. Importa, ento, saber compreender antes, e depois coordenar e reorganizar aqueladivergncia.

    natural que as apreciaes mudem, medida que subimos, porque tanto mais,ento, sedesperta e movimenta o eu pessoal, isto , o mltiplo individualismo em que se reflete a unidade

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    do absoluto. Este permanece simples e monista e nada perde de seu carter unitrio, exprimindo-se na infinita variedade do relativo. Devemos recordar que o eu que concebe um relativo e estem evoluo.

    Preciso, ento, se faz que superemos essa divergncia e reconstruamos a unidade dasubstncia. necessrio que no nos intimidemos em face dessa aparente inconciliabilidade,dessa dissonncia de interpretaes; devemos empenhar-nos, atravs da coordenao dasexpresses do relativo, em reconstruir a trama unitria do absoluto. A ciso est na manifestaohumana, no na substncia. Reorganizemos os reflexos particulares e reconstruiremos osaspectos da nica luz. Da fuso das vises unilaterais sair um mosaico que nos fornecer osdelineamentos do modelo divino. E as variadas intuies do subjetivismo escalonar-se-o, poramplitude e profundidade; as verdades relativas coordenar-se-o, as menores atrs das maiores,at s mais compreensivas e mais puras aquelas que mais tiverem podido avizinhar-se dasubstncia e houverem conseguido torn-la de maior transparncia. Sero consideradas comotantos jatos de luz, cada um dos quais representa o sinal de uma linguagem eterna e infinita, a

    palavra de um sermo divino. Sero consideradas sucessivas aproximaes da alma humana, queascende entre trevas e lutas ao longo do mesmo caminho da verdade, do relativo para o absoluto, da anlise para a sntese, galgando, por seu prprio esforo, as vias da unificao. E, porunidades de medida e ndice de verdade, tomar-se-, no a objetividade ou o juzo do nmero,mas o grau de purificao do ser que, em sua evoluo, se aproxima de Deus.

    Deixe-se tambm florescer em mil formas o jardim da intuio. Cada flor diversa serigualmente bela e exprimir uma revelao. Ver-se-, ento, que, em essncia, cada flor, em suavariedade, traduz a mesma eterna beleza e canta a mesma infinita sapincia. A flor mais perfeitae mais pura falar-nos- docemente, com transparncia mais evidente; a mais rude e primitiva malsaber balbuciar. Una, porm, a palavra, porque unos so o plano da criao e o pensamento deDeus. E, ento, atravs da multiplicidade, bela, porque rica, do subjetivismo, espontaneamente se

    volver unidade, em que o separatismo de novo se unifica e o eu se funde no Todo, sem sedestruir, como colaborador que se deu a si mesmo para a reconstruo do grande edifcio doconhecimento. Nessa altura, ver-se-o coincidir na profundidade, no mesmo cntico, que a vozde Deus, as cindidas intuies pessoais.

    Ento, a multiplicidade e diversidade dos juzos mais no so que o ndice assinalador dadistncia entre a intuio e a nica fonte central. Quanto mais se aperfeioa o ser, tanto maissensvel e potente se torna o instrumento conscincia e tanto mais evidente se torna a unidadeconceptual do verdadeiro. A dissonncia das contradies , pois, devida unicamente aoembaamento do espelho refletor e dada pelo grau de impureza do meio receptivo; as cisesnas concluses indicam o grau de corrupo do pensamento e a distncia que aquela cava entreeste e Deus. A harmonia, que perfeita no Centro, corrompe-se medida que se afasta naimperfeio de ressonncia da periferia. E a ignorncia humana que irradia desordem, ainvoluo que gera o caos.

    Existe, portanto, soluo para o problema: basta que progridamos, que superemos a zona dasprimeiras desordenadas aproximaes da intuio. Encontraremos, ento, espontnea eautomaticamente, a unidade do verdadeiro. A evoluo e somente a evoluo pode dar-nos e dar-nos-, necessariamente, a unificao. Somente pela evoluo se pode passar da ignorncia aoconhecimento, da separatividade unidade. A involuo treva que divide, a evoluo luz que

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    unifica. Na involuo, emudece-se a verdade, sufocada no meio denso, que no permitetransparncias. A evoluo coordena, reorganiza, harmoniza e com isto reabsorve asdivergncias e torna mais evidente a realidade do verdadeiro.

    No se deve, pois, condenar e abandonar o subjetivismo intuitivo, mas faz-lo evolver,purific-lo, conduzi-lo sempre mais para o alto, at reencontrar nele a unidade. Assim, elepermanecer sempre a via mestra do conhecimento. Coordenar, pois, as atuais intuies parareconstruir a verdade, mas, acima de tudo, subir, fazendo evolver a conscincia, para aproximar-se da verdade. necessrio subir, tambm por humildade de corao, por pureza de intenes,por sublimao de paixo. necessrio, para fazer evolver a conscincia, atravessar a catarsemstica, que est no centro deste estudo. Num corao corrompido no pode nascer outra coisaalm de soberba linguagem de v sabedoria, alm de dissdio, confuso, incompreenso. Eis asestreis logomaquias de alguns filsofos.

    Una e simples a verdade. Mas, para v-la toda, em sua unidade e simplicidade, importa

    saber alcanar-lhe a altura; no se pode pretender traz-la para baixo, para nosso nvel humano,sem inquin-la e falsific-la. A verdade, a soluo dos mistrios, a viso do pensamento de Deusno se conseguem mediante poderosas argumentaes, por laboriosas pesquisas ou atravs deprepotncia de lgica e de razo, mas seguindo as vias das ascenses do esprito, que so as dacatarse mstica.

    VII

    ESTRUTURA DO FENMENO MSTICO

    Falei de mediunidade, de metafania. Falo, agora, de misticismo, considerando, em suasformas, os ndices e os expoentes mais ostensivos desta evoluo espiritual, que o problemacentral de todo o meu estudo, como o de minha vida. Diante destas conseqncias levadas ato campo dos mtodos para a conquista do conhecimento, pode ser evidenciada e averiguada aimportncia de tais questes, uma vez que to gigantescas repercusses se projetam at nocampo prtico de problemas de orientao conceptual, to graves, tormentosos e ainda hoje in-solvidos.

    Superados esses corolrios de ndole filosfica, nos quais me tenho detido, no s por suaimportncia intrnseca, mas sobretudo para melhor enquadrar o fenmeno mstico noconhecimento moderno e justificar-lhe a tcnica de pensamento em face da psicologia racional,retomemos agora mais particularmente a anlise de seu desenvolvimento e metas conclusivas,dentro do mbito traado na definio de ascese mstica, dada no princpio do Cap. III.

    A soluo do problema do conhecimento mais no do que um aspecto da transumanizaoque se realiza na ascese mstica, a qual consubstancia to profunda transformao do ser, quechega a mudar e resolver todos os problemas humanos. Quando o esprito chega a esse nvel,

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    desaparece o simples fenmeno da unificao que aqui no somente uma tcnica depensamento, mtodo para atingir o conhecimento, mas constitui uma transumanizao depersonalidade, reabsoro do distinto no todo, da conscincia na Divindade. Ento, a simples

    recepo norica torna-se viso e xtase, isto , j no ser apenas uma comunicao depensamento, mas uma expanso total do ser em todas as suas capacidades. Para muitaspsicologias, esse campo estar situado na zona do superconcebvel.

    Para compreender o fenmeno mstico, necessrio reconstitui-lo desde o princpio,orientando-o, antes de tudo, no seio da fenomenologia universal. E ele fenmeno psicolgico, fenmeno de evoluo biolgica que, partida das superadas fases orgnicas prossegue nassuperiores fases de evoluo espiritual. , pois, fenmeno universal, logicamente situado nodesenvolvimento da lei de evoluo, natural, necessrio, insuprimvel. supranormal somenteem sentido relativo, isto , em relao com a atual posio evolutiva da conscincia humana. ,como o so todas as culminncias, pouco comum, pouco visvel e dificilmente concebvel paraos que se encontram nos baixos planos da medocre normalidade atual. Vemo-lo, com efeito,

    surgir em todos os tempos e em todos os lugares, de um a outro extremo da Histria e do mundo.Cada tipo intelectual lhe imprime, segundo sua especfica diferenciao, a nota particular de suapersonalidade e o plasma, transforma e adapta a si, sua raa, ao seu tempo. Mas, o fenmenosubsiste, como momento integrante das leis da vida. Parece fatal que, no limiar desta, devaapresentar-se, como numa grande curva de sua trajetria, a evoluo humana, chegada aomomento de sua mais alta maturao. Nada, pois, de miraculoso, de excepcional, de gratuita earbitrariamente concedido pelo cu. Em todos os fenmenos e sobretudo naqueles que se elevampara Deus, sentimos cada vez mais a presena de urna ordem, de uma justia, de uma harmoniadivina. Isto no significa falta de f e de religio, mas simplesmente seriedade, positividade,conformidade com a justia.

    Expliquei cientificamente em A Grande Sntese, na teoria da evoluo das dimenses8,

    como o esprito humano, por evoluo, ascende da atual fase de conscincia para a fase desuperconscincia, que a primeira dimenso do sucessivo universo trifsico, em que evolve oatual, trino em seus planos de desenvolvimento: matria, energia, esprito. Certamente, oingresso da psique humana nesta nova dimenso do ser, aqui j absolutamente supermaterial ousupersensria, para ela um fato to novo e grandioso, que a simples apresentao no limiar danova dimenso e do novssimo modo de ser basta para dar-lhe profunda sensao de vertigem,como sucede a quem se debrua sobre o abismo do mistrio. Este parece feito de trevas, mas nopassa de inexplorado mar de novas sensaes.

    Mais adiante, exporei o fenmeno em termos de sensao, qual o viveram tantos msticos,em concordncia com as linhas fundamentais, como eu mesmo o tenho vivido e qualobjetivamente o descreverei. Como tenho dito, opero a anlise de realidades para mimexperimentais, deduzidas no apenas de outrem, mas sobretudo de minha observao.

    Antes, porm, de abandonar-me ao mpeto lrico do momento mstico, devo expressar-meaqui em termos de cincia e de razo, expor a possibilidade lgica do fenmeno, de modo queele se torne racionalmente admissvel, at para os que no o sintam, nem o tenham tocado porevoluo e, portanto, no estejam aptos para entend-lo, a no ser nos termos de sua psicologia

    8A Grande Sntese, cap. XXXIV a XXXVII. (N. do T.)

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    racional. Poderemos, assim, analisar e compreender com a moderna forma mental da cincia umfenmeno que parece relegado s mais altas e inacessveis zonas do espiritualismo e dasreligies. Ele aparecer, assim, em sua realidade nua, no qual um privilgio ou concesso do

    Alto, nem como um monoplio privado, porm, mais exatamente, como via aberta a todos oshomens de boa vontade. Aparecer, qual , ou seja, como fenmeno exato, objetivo, cuja lei possvel traar, como faremos, e cuja verificao se pode fazer espontaneamente,todas as vezesque dele se apresentem as condies determinantes. Ele no ocorre por interveno decaprichosas vontades extracsmicas, antes representa o normal desenvolvimento funcional douniverso, em seus mais elevados planos. Reconstruamos, pois, atravs da observao, a lei dofenmeno.

    Para assim proceder, reduzamo-lo sua mais simples expresso, sua esqueltica estruturavibratria. Vibrao significa, no mundo hiperfsico em que ora ingressamos, o verdadeiro modode ser, fundamental qualidade, capaz de individuar a forma em tipos especficos nitidamentedefinidos. Vemo-lo, por exemplo, nas ondas hertzianas. Os seres situados no plano fsico, isto ,

    na forma orgnica de um como material, distinguem-se, uns dos outros, pelas qualidades desteinvlucro, pelos limites da dimenso espacial em que ele est situado, pela sua impenetra-bilidade, pelas suas caractersticas sensrias. Mas, h, indubitavelmente, formas de existnciahiperfsicas, de conscincia supersensria, livre do invlucro orgnico. Quando passamos doorganismo fsico, regido por um princpio dinmico, ao organismo de estrutura exclusivamentedinmica, quando o corpo j no constitudo de matria, mas s de energia, ento aindividuao especfica pessoal, aquela que distingue, no pode ser dada pelo corpo e por suascaractersticas fsicas. Ento, o que individua o tipo de vibrao que constitui a manifestao devida do ser, a peculiar forma de energia, segundo a qual ele se agita, so as caractersticas daonda,. pelas quais se define essa vibrao.

    Em tais formas de vida est situado, quer o esprito desencarnado (e tanto mais quanto, por

    evoluo, estiver liberto de seus invlucros mais densos), quer aquela parte do homem que pura conscincia ou esprito, e esta igualmente tanto mais quanto melhor logra superar a zonabarntica das mais baixas paixes e atingir os mais altos planos de evoluo, ainda que seja emespeciais estados metafnicos. Ento, o eu somente existe na forma deste dinamismo que tem.superado as dimenses espao e tempo.

    J explicamos, na "Tcnica das Nores"9, como pode ocorrer a comunicao entre puros

    centros psquicos (naquele caso: corrente de pensamento e conscincia do mdium). Isto se dgraas ao fenmeno da ressonncia, que lei universal de repercusses at no campo acstico. Jvimos que esse fenmeno a base da transmisso e recepo norica e, para que ele se verifique,devem os dois termos transmissor e receptor entrar em sintonia, isto , harmonizar-sesegundo o mesmo ritmo vibratrio Vimos que necessria uma comunho de vibrao. Se esta

    for semelhante, poder coincidir e sobrepor-se; se for dissemelhante, nenhuma ressonnciahaver e, portanto, nem sintonia, nem comunicao ser possvel. Efetivamente, havemostomado a afinidade como condio necessria da transmisso e captao norica.

    As conscincias ou espritos so, pois, semelhantes ou dissemelhantes, pelas caractersticasvibratrias. No nvel fsico, dois ou mais seres que vibram perfeitamente, em unssono, e se

    9No volume As Nores, do mesmo Autor, cap. V. (N. do T.)

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    sentem um s, por instintos, sentimentos, pensamentos, permanecem todavia inexoravelmentedistintos por sua aparncia humana, sem possibilidade de se sobreporem e coincidirem. Se lhessuprimirmos o invlucro, eles parecero e se tornaro o que realmente so como conscincia, isto

    , um ser nico, sem possibilidade de distino. Se os situarmos em sua posio de espritos, elesse confundiro no mesmo tipo de vibrao, assim como duas notas idnticas, emanadas de duasfontes diversas, formam o mesmo som. Eis por que, muitas vezes, se torna difcil a chamadaidentificao espirtica, precisamente porque j no tem significao, em mais altos planos, oconceito de personalidade. em sentido humano. Naquelas zonas de evoluo espiritual, os seresse ligam por ressonncia, em forma de existncia coletiva, isto , existem em forma de correntesde pensamento. Por isso, mal imergimos nessa atmosfera conceptual da evoluo, encontramosnores e no separadas individualidades, como nos induziria a supor a analogia com o mundohumano.

    Na discrio da tcnica da recepo norica, j se continham os germes destedesenvolvimento. E, como o fenmeno inspirativo evolve e se completa no fenmeno mstico,

    assim a simples comunicao norica aqui se completa na identificao de conscincia que unificao de personalidade. No campo acstico, o fenmeno de ressonncia, que havamostomado como ponto de partida daquela tcnica, precisamente uma afinidade dinmica, umaidentificao de modo de ser, uma superposio de individuaes. A sintonia sempre a base domesmo fenmeno em continuao, pois harmonizar-se a sua lei, para, primeiro, chegar comunicao, que o centro do fenmeno norico, e, depois, unificao, que o centro dofenmeno mstico. Ento, as duas conscincias, vibrando em unssono, isto , existindo emidntica forma, perdem toda nota distintiva, adquirem-na como identificao e fundem-se namesma unidade.

    Todo fenmeno mstico se realiza, pois, mediante um processo de atrao tendente aencurtar as distncias dadas pela diversidade, isto , a suprimir as diferenas e contm um

    mtodo para a conquista da afinidade, para chegar unificao. este um processo de amor, agrande mola da ascese mstica, como a coluna central do edifcio da evoluo. No mundoespiritual, os seres que entoam a mesma nota e emitem a mesma luz tornam-se a mesma msica eo mesmo esplendor; os seres que se movem segundo o mesmo tipo dinmico fundem o seumovimento, unificam-se, isto , so a mesma conscincia.

    VIII

    COROLRIOS F E RAZO

    Estas simples afirmaes nos oferecem a chave do fenmeno da ascese mstica e dosrespectivos corolrios espirituais. Vibrao, ressonncia, sintonizao, afinidade, unificaoso-lhe as fases lgicas e evidentes. Mais no alto teremos, como j disse na "Tcnica dasNores", equivalncia superiores da vibrao, embora seja idntico o princpio. Quando sepensa que, na ascese mstica, o segundo termo verdadeiramente a Divindade, pode imaginar-se

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    desde j que vertigem da exaltao de conscincia podo aquela ascese representar para apersonalidade humana que a empreende. Segue-se imediatamente da que a ascese est nas viasdo aperfeioamento espiritual, segundo o modo mais elevado, e que os vrtices das conquistas

    morais lhe so a meta natural e necessria.Os msticos falam sempre de Deus e de amor, de unio, de npcias espirituais da alma com

    Deus. Cumpre-nos chegar, racionalmente, a explicao dessa nomenclatura e psicologia que elesno explicam. A vemos funcionar todo o mecanismo vibratrio do pensamento, dossentimentos, das paixes.

    Atravs de sinais positivos e negativos, vemos formarem-se simpatias e antipatias,harmonias e dissonncias, atraes e repulses. A esto as grandes foras do amor e do dio,que se encontram nas bases da vida.

    Mas, a ascese fenmeno de evoluo e, portanto, de harmonizao e unificao;

    sobretudo amor. Na ascese mstica,estabelece-se esta corrente de atrao entre o alto e o baixo eentre o baixo e o alto e, com isso, revela-se, em termos de razo, o maior mistrio, que adescida, at o homem, do amor de Deus. Veremos que maravilhoso jogo de luzes espirituaisnascera desses fenmenos. O princpio de sintonizao e de afinidade impe o processo depurificao, a necessidade de fazer o vcuo em baixo, no mundo da matria, que se relega aopassado, a fim de que em nvel mais alto haja espao por ceder vida. Nasce ento a luta interiorda renncia, a fadiga da virtude, a dor que dilacera os vnculos do esprito, o superamento daspaixes, a destruio do eu humano e a ressurreio em Deus do eu super-humano.

    O princpio vibratrio em que se baseia o fenmeno induz-nos a compreender as vias daliberao, a compreender porque se devem guiar e no destruir as paixes, porque seja necessrioalcanar-lhes o domnio e no esterilizar-se na sua simples destruio. necessrio reconstruir a

    vibrao que se detm, reconstru-la em um movimento mais intenso, para que seja vida e nomorte. necessrio transformar, reedificar, renascer continuamente, afirmar vigorosamente e,direi mais, gozar, viver, amar no alto e no apenas sofrer e morrer em baixo. O meu misticismo alegre, construtivo, dinmico. absurdo certo misticismo conventual, feito s de rida renncia,que nega, mata, destri e nada mais deixa alm do vazio. absurda certa contemplao, que svezes encontramos no Oriente, que insula o homem no seu egosmo de esprito e o segrega domundo, sem torn-lo ativo, agente do bem na vida de todos.

    Compreendemos, assim, o mecanismo da renncia e da conquista. Cada um se torna escravodaquilo que ama e, quando se trata de coisas materiais, o corao se liga ao caduco e ao ilusrio, condena-se a novos dilaceramentos,at compreender, a fim de dirigir-se a metas mais seguras. o princpio vibratrio, pelo qual se estabelece uma corrente de atraes entre os dois termos, o eue o objeto de seu amor, que nos explica a gnese da ligao. So potncias sutis e, todavia, reaisque depois se faz preciso demolir. Real tambm a dor O homem vinculado, arrastado detodos os lados, tormentosamente, por esses liames imponderveis criados por ele mesmo.Tambm aqui se nos deparam os mesmos termos do fenmeno, isto : vibrao, sintonizao,afinidade, unificao E o nosso corao experimentar a sorte do objeto de sua unificao. Acomunho de vibraes nos torna semelhantes ao que amamos: pe-se no Alto o objeto e a almao serve. Eis a razo mecnica pela qual se faz preciso desprender-se da terra, que nos faz

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    compreender como os sentimentos, as paixes, as atraes geram fuses que podem, segundo anatureza do objeto, tornar-se vnculos de alegria e de dor.

    Compreendemos, assim, o fenmeno e o significado da f. Concebo a conscincia comounidade radiante, o eu evolvido como nore que tende perenemente difuso, dilatao de simesma, que centro de emanaes contnuas. Como, pois, se rompe o crculo fechado da razo ese penetra no cu da intuio e da viso? Como se conquista, com os limitados meios de umadimenso conceptual inferior, o domnio da dimenso superior? Com a f. A tcnica vibratrianos d a chave do mistrio.

    A razo objetiva. Quer, antes de crer, assegurar-se e, s debaixo de seu controle, confiar.Mas, o mtodo da prudncia e da segurana no o mtodo do vo. E aqui ressurge o incessanteantagonismo entre minha forma de pensamento e do racionalismo cientfico, em contnuo,estridente e inconcilivel contraste. E, todavia, o primeiro o sistema dos msticos, dos gniosdo Evangelho, das grandes criaes de esprito, o mtodo que se baseia no aperfeioamento do

    rgo central da concepo, a conscincia, fato fundamental, de que a cincia se afasta. Se norompermos, por evoluo, o crculo em que se fechou a razo, esta jamais sair dele e dentrodele, impedida de evadir-se, retorna sempre sobre si mesma. E impossvel romp-lo porevoluo, a no ser mediante a introduo na conscincia de fatores novos, capazes de lhedilatarem a potencialidade. F como se designa o ato psicolgico com que se introduzem essesfatores novos.

    Para que serve permanecer no campo da positividade e da segurana, se este to limitado eno oferece possibilidade de expanso? A verdade universal j est totalmente pronta e presente,escancarada diante de nossos olhos. Cri-la no o que nos compete fazer, mas sim desenvolvera vista para v-la. Retoma-se, pois, todo o problema, mediante uma transformao deconscincia. Esta chegar somente at aquela zona em que ser capaz de existir. A encontra uma

    barreira pacfica, mas inviolvel, que detm os imaturos, os indignos. A lei pe-lhes um vudiante dos olhos e sua violncia permanece impotente; a verdade permanece fora do campo desua conscincia.

    Cumpre-me saber subir qualitativamente, cada qual deve diz-lo, porque oconhecimento um estado vibratrio de sintonizao que se alcana harmonizando-se pelas viasda bondade, da ascenso espiritual. Ora, aquele que, em vez de seguir estas vias e pr-se emestado positivo de confiana que estabelece ressonncia, se pe no estado vibratrio negativo dedvida e de desconfiana,que se afasta na dissonncia, a si mesmo fechar automaticamente asportas do conhecimento.

    Apliquemos sempre os mesmos conceitos: vibrao, ressonncia, sintonizao, afinidade,unificao. Por essas vias, o esprito consegue fundir-se tranqilamente na verdade. Ora, podecompreender-se que o problema do conhecimento na sua essncia e integridade consiste numproblema de unificao entre o eu humano e a Divindade, representa um problema de ascesemstica, de revelao, porque em nossa conscincia aquela Divindade limitada somente pornossa capacidade de conceber e se entrega nossa alma em relao sua potncia de harmoni-zao. Mas, quando atingida a sintonizao e completada a unificao, a verdade ento se tornaum cntico divino, uma harmonia suprema,um incndio de amor em que a alma j no se sente asi mesma como coisa distinta.

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    Esta concepo vibratria nos revela mecanicamente que no amor de Cristo reside a grandevia das ascenses humanas. O Evangelho o mtodo da harmonizao universal; nele, como em

    nenhuma outra parte, transparece a Divindade, na poesia sublime do Seu Amor. Trata-seprecisamente de transparncia e esta se conquista na ascese mstica.

    Se nos pusermos em posio de resistncia, em estado vibratrio fechado, qual se nosrecusssemos a subir, ento ns mesmos nos deteremos e nos privaremos da recepoamplificadora que desce das correntes vivificantes difusas no todo. A razo um crculo deforas fechadas, um egosmo conceptual que a si mesmo no sabe ultrapassar, no se d porsimpatia e no conhece as vias vibratrias da atrao que levam fuso com o no-eu e, portanto sua dilatao at ele. Necessrio se faz subjugar este equilbrio e reconstru-lo em mais alta ecompleta forma, embora seja mais instvel e, no obstante, mais dinmica. E a f o primeirosalto para a frente.

    No duvidoso tormento, tenho interrogado o mais profundo de mim mesmo, dizendo-me:"como posso eu confiar-me a um impondervel que em mim ainda no existe e ao qual devo eumesmo criar?" E o profundo me tem respondido: cr, porque s a tua f, base de impulsosascensionais, tornar objetivas e tangveis aquelas realidades mais altas que hoje te escapam".

    No se trata de f louca, do credo quia absurdum10, desesperada capitulao da razo que,sem embarao, pretende ser sempre a nica a falar, at fora de seu campo. Que esta se extingapara sempre, dobre-se em suas expresses caricatas e permanea fechada em seu mbito, comorainha, mas sem pretender outros reinos. A f no uma renncia s faculdades de pensar, comopode parecer a quem seja incapaz de atingir esse nvel; ela antes um estado de graa que v econhece por outras vias e conserva em si a sua alegria infinita; uma doao em que nada seperde, porque quele amor e quela confiana responde o Universo, retribuindo com novas

    doaes; no cegueira seno para os cegos, porque naquela cegueira se abre a viso e serevelam os cus e aparece fulgurante o pensamento de Deus.

    A f , pois, ato criativo por excelncia que acompanha a realidade em formao, quevoluntariamente pode e sabe antecipar os futuros estados da evoluo. Dentro de ns, em nossaprofundeza, j reside o germe dos infinitos desenvolvimentos do divino. Faz-se mister aliment-lo em nosso ntimo e nossa deve ser a primeira impulso. H no eu a potncia de levantar esseseixos dinmicos, de ampli-los como turbilhes de foras, atraindo e assimilando infinitascorrentes universais. Com a f, podemos crer antes de sentir, afirmar antes de conhecer, quererantes de ser. Absurdo, diro. Assim , no entanto, que sentimos, conhecemos e existimos; comantecipao, voamos onde outros caminham. Da emerge uma criao, impossvel de outraforma. Dessarte, forma-se, com antecipao, o estado vibratrio, e excita-se-lhe a ressonncia

    que, amplificando-se em contnua vibrao, nos transportar quele modo e quele plano de vida,aonde queremos subir, e nele nos transformar.

    10"Creio porque absurdo". Frase de origem desconhecida, diz Paulo Rnai. Possivelmente adaptao de

    palavras de Tertuliano. Impropriamente atribuda a Santo Agostinho, essa expresso define a f, em oposio razo, conforme conceito generalizado na Idade Mdia. (N. do T.)

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    Assim como o Sol uma torrente de luz e fora, que se irradia por toda parte, mas que s seutiliza e valoriza quando incide sobre um germe receptivo, assim tambm Deus torrente depensamento e de energias que frutifica somente quando vem recolhido pela ressonncia de uma

    alma preparada. A fonte um todo e dela fluem, no s conhecimento, mas bondade, ao,poder. Mas, o eu que, mediante um ato de f, deve abrir os braos, escancarar as vias daabsoro conceptual e dinmica em todas as suas modulaes, executar o trabalho de projetar-separa aprender, cingir e assimilar. Fecundado assim pela divina ressonncia, nutrido dessasrespostas, o estado vibratrio estabilizar-se- e formar a aptido, a qualidade, o modo espiritualde ser, que depois se fixar com a repetio, se tornar hbito, instinto, necessidade. Assim, oinfluxo divino representa uma potncia eternamente ativa na obra da criao.

    IX

    DIAGRAMA DA ASCENSO ESPIRITUAL

    Para penetrar mais profundamente no problema da ascese mstica, retomemos os conceitosj expostos, fixando-os tanto quanto possvel, em um diagrama. Dessarte,poremos em evidncia,graficamente, o fenmeno, em suas linhas mais expressivas, e obteremos sua definio em formamais sinttica e intuitiva uma estrutura grfica que nos dar a sua tcnica funcional. Temoscolocado o fenmeno da ascese mstica no seio do fenmeno da evoluo, como sua parteintegrante e central.

    Assim, a ascese mstica se projeta sobre o fundo grandioso do maior fenmeno do universo.Temos visto como o princpio vibratrio, individuando o esprito, permite, por ressonncia, asintonizao e como, pela estabilidade desta em um estado de afinidade, guia o ser ao ltimotermo da ascenso a unificao com Deus. Portanto, no seio da evoluo, chegada suasuperior fase espiritual, a ascese mstica o fenmeno em marcha progressiva para a unificaoProcuro, assim, guiar gradativamente o leitor compreenso racional, depois sensao destesupremo vrtice de ascenses a que esta presa minha alma. Nesta concepo atinjo oconhecimento por sintonia com correntes noricas, operando com o mtodo da intuio.

    Observemos o diagrama anexo e expliquemo-lhe o significado e o desenvolvimento, imaginando constru-lo qual efetivamente ele surgiu em minha mente (fig. 1).

    O diagrama exprime, por coordenadas ortogonais, a lei de variao da evoluo em funodo tempo. Mais exatamente, temos gradaes de evoluo sobre o eixo vertical das ordenadas egradaes de tempo sobre o eixo horizontal das abscissas. Por tempo, entendo, no a dimensotemporal, que nas superiores zonas de evoluo superada, mas o ritmo do transformismofenomnico, que fato universal e subsiste por toda parte, qual passo assinalador do caminho doeterno vir-a-ser. Especificaremos mais adiante quais so os graus de evoluo.

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    Dai resulta um V de progressiva abertura, cujos ramos so tangentes aos crculossobrepostos. Supondo a coordenada vertical, indicadora da evoluo, repetida mais direita eelevada, ao contrrio, ao longo dos centros dos crculos, teremos um diagrama simtrico, isto ,

    um diagrama cuja metade direita se repete na metade esquerda, nos lados da referida linha,aparecendo na forma muito mais expressiva de um V que se abre para o alto.

    A srie dos crculos e tangentes que se repetem lateralmente exprime a repetio dofenmeno no seu andamento em individuaes idnticas e contemporneas, isto , expressas nomesmo mbito de desenvolvimento Esta repetio do diagrama em casos colaterais necessriapara estabelecer as relaes entre as vrias individuaes do fenmeno.

    (Veja figura 1 na prxima pgina)

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    Figura 1

    A progresso ascendente dos crculos no passa de um diagrama inserto no precedente,

    segundo os mesmos eixos de desenvolvimento e cujas mesmas coordenadas poderiam repetir-se,partindo do centro de cada uma das sucessivas circunferncias. Obtemos, assim, a expresso dodesenvolvimento interno do fenmeno, qual compreendido na abertura coniforme das duastangentes divergentes, e a expresso da causa determinante desta abertura, proporo que seascende para as mais altas zonas da evoluo. Compreender-se- este diagrama interno,observando-se que ele nada mais exprime que o progressivo abrir-se de uma espiral, cujo centro,por comodidade de observao e de evidncia de expresso, se desloca progressivamente para oalto ao longo do mesmo eixo, e recordando que este diagrama mais no que o desenvolvimentoda trajetria tpica dos motos fenomnicos (fig. 2)11 aplicado e repetido neste caso particular,com o supracitado deslocamento de centros. evidente, com efeito, que tambm este particularfenmeno da evoluo de conscincia ou ascese espiritual, que aqui estamos estudando, devaexprimir-se na mesma linha espiritual que a trajetria tpica tomada como expressa o abstrata e

    universal do andamento de todo fenmeno. Assim, o diagrama da figura 1 indica a mesmaprogressiva cobertura de zonas (tracejadas), como no diagrama da figura 2 (nesta , ao contrrio,concntrica), cobertura que indica, num como noutro desenho, as zonas sucessivas de expansodo fenmeno.

    (Veja na prxima pgina a figura 2)

    11 Confronte A Grande Sntese, cap. XXVI (A trajetria tpica dos motos fenomnicos) e fig. n1 de As Nores (N. do A.)Veja-se ainda o cap. II de As Nores (O Fenmeno). (N do T.)

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    Figura 2

    Esta a explicao analtica que, no entanto, em sua originria fase intuitiva, foi em miminstantnea. Vejamos agora o significado destes sinais. Temos, pois, trs diagramas fundidosconjuntamente: o primeiro dado pelas duas linhas divergentes em forma de V que se abre parao alto; o segundo dado pela abertura da espiral com cobertura de sucessivas zonas, o queexprime a expanso do fenmeno (seu aspecto dinmico) permitindo a um tempo fechar-lhe einsular-lhe as vrias fases (aspecto esttico); o terceiro dado pela repetio lateral dos doisdiagramas precedentes, o que permite estabelecer as relaes entre os vrios casos e transforma osimples fenmeno individual em fenmeno coletivo. Trplice pois o significado do diagrama:primeiramente, exprime ascenso do ser ao longo dos vrios planos de evoluo; em seguida, traduz a correspondente dilatao (espiritual) de conscincia (zonas tracejadas); enfim, significa

    progressiva superposio de individuaes e fuso de conscincia em forma de existnciacoletiva. Assim, a msica das ascenses dilata progressivamente as suas ressonncias, estende-asna complexa sinfonia das harmonizaes coletivas. A harmonia grfica do diagrama mais no que a expresso tica de um ritmo musical de conceito em que est divinamente contido umdesenvolvimento lgico de foras.

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    Adiante, insularemos, no segundo aspecto do diagrama, o estudo do desenvolvimento deuma simples conscincia. Observemos agora, ao contrrio, no prosseguimento da evoluo

    fsico-dnamo-psquica, estas primeiras zonas da dimenso superconscincia. Nestas zonasirromper, assim, distinto e insulado em seu prprio plano, o fenmeno, no seio da evoluo e desuas fases. Tomada como ponto de partida a fase neutra de transio +x1que cobre a horizontalde base, ingressemos na primeira zona ou plano de conscincia, +x2 Teremos assim umasucesso de planos, +x2, +x3, +x4, +x4 etc., ao longo dos quais ascende a conscincia. Maisexatamente teremos a seguinte progresso:

    +x2

    =plano de conscincia sensria.

    +x3

    =plano de conscincia racional-analtica.

    +x4 =plano de conscincia intuitivo-sinttica.+x

    5=

    plano de conscincia mstico-unitria.

    +x6 =plano inexplorado etc...

    O plano de conscincia sensria assinala o plano fsico da conscincia que comea adespontar, como sntese puramente sensria. Fase de conscincia mecnica, que ignora qualquerinterpretao positiva do universo Psique de superfcie, que ignora toda tentativa de indagao,organismo de reaes mecnicas. (Veia cap. IV). o primeiro nvel humano do bruto, apenasemerso da besta,ainda animal e vegetativo.

    O plano de conscincia racional-analtica representa uma primeira tentativa de ascenso, dedesmaterializao, de formao e de desprendimento de um psiquismo espiritual; comopsiquismo, puro meio de funcionamento orgnico. a fase da cincia, da observao, dorelativo, da hiptese, da razo e da anlise, mas no ainda da sntese. Comea-se a encararseriamente o mundo exterior, mas sempre com meios de superfcie. Na conscincia, que

    permanece sensria como mtodo de indagao, acende-se uma chama interior que anseia epergunta, mas que ainda no sabe. o perodo da pesquisa e, todavia, da ignorncia ainda.

    O plano da conscincia intuitivo-sinttica uma zona evolutiva j supranormal eexcepcional para a mdia humana atual que repousa na fase +x3. Aqui, a gnese de um psiquismoespiritual independente completa e a desmaterializao realizada lhe permite, em dados estadose momentos, perceber por ressonncia as emanaes de zonas de conscincia ou planos psquicosevolutivamente mais altos. E a fase metafnica, consciente e inspirativa, no mais da ignorncia,mas do conhecimento, no mais da anlise, mas da sntese. Chega-se a esse plano com o mtododa intuio. Contemplam-se os fenmenos por vias interiores, pesquisa-se e atinge-se a verdadepor introspeco, no ntimo, onde realmente esta. A, o ser j no toca apenas o relativo, nem estaimerso na iluso, mas toca o absoluto, possui a verdade. No opera com o instrumento da lgica,da induo, da hiptese, mas por sintonizao vibratria com zonas de conscincia onderegistada j est a verdade. J no sensria a conscincia. Arde a chama interior, que no spergunta, mas sabe. Atravessei, por experincia, essa zona14e dela extraiA Grande Sntese,que averiguao da realidade ultra-sensria da verdade fenomnica, por sintonizao e viso in-terior.

    14Descrita no citado volume: As Nores. (N. do A.)

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    O plano de conscincia mstico-unitria aquele em que atualmente vivo minha novaexperincia, do que, alis, j eu tivera pressentimento. Tenho definido esses planos em relao

    com o conhecimento, porque este lhe o ndice prevalecente, como o mais evidente esignificativo Se, at agora, temos tratado de fria ascenso intelectual, que no tem outra meta esaciedade alm da compreenso, vamos ver que neste novo plano de conscincia mstica aascenso integral. A sintonizao com as superiores zonas de evoluo no s conceptual,mas, ao contrrio, investe todas as qualidades da personalidade. Corao, sentimentos e paixesdespertam e o ser j no ascende s por intelecto, mas por amor. Ento a comunicao seconverte em comunho, a simples ressonncia se torna fuso e unificao por identificao deestrutura vibratria, que naquele plano de existncia a forma distintiva do ser. Como no planoprecedente se havia despertado, pela viso conceptual, uma ressonncia na conscincia, quenesta ressonncia se tinha dilatado (como esta graficamente expresso no diagrama), assim, nesteplano, desperta-se o xtase mstico em que canta uma voz nova, na qual vibra o amor, que umadilatao de conscincia, to vasta, que, como descreverei, sente-se humanamente perdido o ser,

    mas divinamente ressurrecto. No so hipteses ou fantsticas lucubraes estas; soestupefacientes realidades nas quais esteve presa minha alma, como em um turbilho, e que,todavia, aqui demonstro predominar analiticamente, na forma mental hoje normal. E completo otrabalho de tal reduo racional, para que esses altos fenmenos sejam admitidos ecompreendidos, porque sei que pouqussimos poderiam assim explic-los por experincia eporque sei que neles esto o futuro e o progresso do esprito humano.

    O plano +x5 exprime e compreende, em seu mbito, o fenmeno da ascese mstica. Ignoroquanto se passa no plano +x6, o qual exorbita de minha atual experincia; se no sobrevieremnovos fenmenos evolutivos, ele se perder, para mim tambm, no inconcebvel. Talvez estejaisto acima das possibilidades humanas. E naturalmente infinita a escola de ascenso nosubseqente e, em seguida, nos sucessivos universos trifsicos.

    XI

    SEGUNDO ASPECTO EXPANSO DE CONSCINCIA

    Analisemos agora o segundo aspecto do diagrama, dado, no mais pela abertura dasdiagonais para o alto, fato que exprime a ascenso do ser atravs dos vrios planos de evoluo,mas pela abertura da espiral com a cobertura de crculos cada vez mais extensos, os quaisexprimem zonas de dilatao de conscincia correspondentes aos vrios planos agora descritos.

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    J fizemos a conexo deste segundo aspecto do fenmeno com o primeiro, porque eles soligados por correspondncia, razo pela qual se estende, no mbito de cada zona de evoluo, a

    amplitude de uma dada fase de conscincia. Do diagrama resulta, assim, graficamente, com todaevidncia, esta dilatao expressa pelos campos tracejados, cada vez mais extensos. Nodiagrama, os espaos, as linhas e os seus movimentos e relaes representam diferenas,movimentos e relaes de conceitos, alto e baixo tm um sentido evolutivo, a extenso deconscincia figurativamente espacial, a repetio rtmica de linhas significa afinidade decaractersticas vibratrias individuantes. Dessarte, cada circulo contm todas as zonasprecedentes conquistadas nos nveis mais baixos da evoluo. Vemos, assim no diagrama no sque zona +x2 corresponde a amplitude de conscincia do crculo 2, a zona +x3 corresponde ado crculo 3, zona +x4, a do crculo 4, zona +x

    5, a do crculo 5 e assim por diante, mas

    tambm que cada crculo compreende dentro de si todos os crculos menores. Assim, porexemplo,o 5 contem o 4, o 3, o 2, o 1. Isso significa que cada dimenso conquistada, ao tocar ocorrespondente plano de evoluo, contm todas as dimenses precedentes, cada nvel

    compreende os inferiores sobre os quais se eleva e abaixa; significa tambm que cada forma deconscincia domina o mbito de cada conscincia assimilada e superada. Em seus crculosmaiores, o grfico d a impresso intuitiva deste acrscimo espacial de conscincia em torno deseu ncleo, por estratificaes sucessivas e superpostas, o que responde a realidade, porque oacrscimo devido verdadeiramente a uma descida de experincia.

    Enquanto constitui tudo isso a expresso do aspecto esttico do fenmeno, imobilizado, porcomodidade de estudo, nas suas vrias fases de desenvolvimento, a linha do dinamismo dofenmeno, isto , da progresso de seu andamento, dada pelo desenvolver-se da espiral que, emseu caminho, sucessivamente abrange campos de conscincia cada vez mais extensa. Aquireencontramos a mesma espiral do desenvolvimento fenomnico universal (fig. 2), embora seja,por seu deslocamento do centro, aparentemente diversa, conforme j notei.

    Por dilatao de conscincia devemos entender potenciao de todas as suas qualidades.Assim, em cada plano, se ajunta as precedentes uma qualidade nova. Eis que cada fase completauma criao sua, segundo esta ordem:

    + x2 = conscincia sensria = sensibilidade.+ x3 = conscincia racional-analtica = razo.+x4 = conscincia intuitivo-sinttica = sntese (verdade).+ x5 = conscincia mstico-unitria = amor (unio com Deus).

    Quanto ao que se passa mais no alto, nada sei: mas, a cada degrau corresponde um salto paraa frente, uma nova conquista que se soma s precedentes. Tal a evoluo, essncia da vida.Amor, sentimento de que me deixarei inflamar mais adiante, pois minha hodierna conquista e ocontedo e a essncia do fenmeno da ascese mstica que aqui estamos estudando. Amor unificao com Deus.

    No mbito do crculo 5, que exprime precisamente a fase mstica, encontramos, pois, todosos menores crculos concntricos, isto , a sensibilidade que desenvolve a razo, a razo que geraa intuio, conducente a sntese, a intuio que, por sintonia, se transmuda em amor, conducente unificao com o Todo. E cada qualidade compreende em si a precedente, sobre a qual se

  • 8/2/2019 Pietro Ubaldi Ascese Mistica

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    Ascese Mstica Pietro Ubaldi

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    construiu.

    XII

    TERCEIRO ASPECTO CONSCINCIAS COLETIVAS

    Observemos agora o terceiro aspecto do diagrama. O desenvolvimento do fenmenoespiritual j est exaustivamente analisado sob todos os seus aspectos, como caso avulso. Nesteltimo momento, vem ele repetido (no grfico, lateralmente) em outras individuaes suas, como escopo de estabelecer as relaes entre v