Literatura - Prof Renato - UNEMAT 2016

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UNEMAT 2016 série de análises literárias MÉMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS MACHADO DE ASSIS Prof. Renato tertuliano

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UNEMAT 2016série de análises

literáriasMÉMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS

MACHADO DE ASSISProf. Renato tertuliano

A Inovação Memórias Póstumas de Brás Cubas marca o

início do Realismo no Brasil, e inicia uma série de livros do autor dentro desta estética.

É um livro inovador para a época e que veio influenciar muitos autores posteriores.

O uso da análise psicológica, da narração em 1ª pessoa, do narrador onisciente foram aspectos textuais que marcaram a diferença em relação ao que era produzido na época dentro da decadente estética romântica

Ao criar um narrador que resolve contar sua vida depois de morto, Machado de Assis muda radicalmente o panorama da literatura brasileira, além de expor de forma irônica os privilégios da elite da época.

NarradorA narração é feita em primeira pessoa e postumamente, ou seja, o narrador se autointitula um defunto-autor – um morto que resolveu escrever suas memórias. Assim, temos toda uma vida contada por alguém que não pertence mais ao mundo terrestre. Com esse procedimento, o narrador consegue ficar além de nosso julgamento terreno e, desse modo, pode contar as memórias da forma como melhor lhe convém. 

Foco NarrativoCom a narração em primeira pessoa, a história é contada partindo de um relato do narrador-observador e protagonista, que conduz o leitor tendo em vista sua visão de mundo, seus sentimentos e o que pensa da vida. Dessa maneira, as memórias de Brás Cubas nos permitirão ter acesso aos bastidores da sociedade carioca do século XIX. 

ESTRUTURA DA OBRA              A estrutura de Memórias Póstumas de Brás Cubas e

classificada como digressiva ( = significa divagação, desvio de rumo ou de assunto e ainda subterfúgio) e fragmentária. Não existe no livro um fator cronológico que lhe dê encadeamento linear e ritmo ágil. Ao contrário, sua sequência narrativa é interrompida por reflexões, longas digressões, explicações de cenas e definições de termos. É o fluir do pensamento de Brás Cubas, que relata tudo quanto vem à consciência, que dita o ritmo da narração.

A LINGUAGEM , O RITMO PAUSADO E A PRESENÇA DO LEITOR

              A ironia e o ceticismo que constituem o centro da visão de mundo de Machado de Assis estão expressas na construção das personagens, de grande densidade psicológica, e em uma técnica narrativa peculiar, que consiste em expor a matéria em capítulos curtos e em dialogar o tempo todo com o leitor. Machado trata o leitor por tu, familiarmente, fazendo a ele perguntas, dando explicações, chamando sua atenção para um detalhe ou outro, buscando cumplicidade, sempre cum uma ironia sutil e uma pitada de humor. Assim, estabelece na narrativa pausas, pequenos cortes que apontam para outras direções e dão ao leitor a possibilidade de ver por diversos ângulos.

TempoA obra é apoiada em dois tempos. Um é o tempo psicológico, do autor além-túmulo, que, desse modo, pode contar sua vida de maneira arbitrária, com digressões e manipulando os fatos à revelia, sem seguir uma ordem temporal linear. A morte, por exemplo, é contada antes do nascimento e dos fatos da vida.

No tempo cronológico, os acontecimentos obedecem a uma ordem lógica: infância, adolescência, ida para Coimbra, volta ao Brasil e morte. A estranheza da obra começa pelo título, que sugere as memórias narradas por um defunto. O próprio narrador, no início do livro, ressalta sua condição: trata-se de um defunto-autor, e não de um autor defunto. Isso consiste em afirmar seus méritos não como os de um grande escritor que morreu, mas de um morto que é capaz de escrever.

O pacto de verossimilhança sofre um choque aqui, pois os leitores da época, acostumados com a linearidade das obras (início, meio e fim), veem-se obrigados a situar-se nessa incomum situação.

Não-realizaçõesPublicado em 1881, o livro aborda as experiências de um filho abastado da elite brasileira do século XIX, Brás Cubas. Começa pela sua morte, descreve a cena do enterro, dos delírios antes de morrer, até retornar a sua infância, quando a narrativa segue de forma mais ou menos linear – interrompida apenas por comentários digressivos do narrador. 

O romance não apresenta grandes feitos, não há um acontecimento significativo que se realize por completo. A obra termina, nas palavras do narrador, com um capítulo só de negativas. Brás Cubas não se casa; não consegue concluir o emplasto, medicamento que imaginara criar para conquistar a glória na sociedade; acaba se tornando deputado, mas seu desempenho é medíocre; e não tem filhos.

A força da obra está justamente nessas não-realizações, nesses detalhes. Os leitores ficam sempre à espera do desenlace que a narrativa parece prometer. Ao fim, o que permanece é o vazio da existência do protagonista. É preciso ficar atento para a maneira como os fatos são narrados. Tudo está mediado pela posição de classe do narrador, por sua ideologia. Assim, esse romance poderia ser conceituado como a história dos caprichos da elite brasileira do século XIX e seus desdobramentos, contexto do qual Brás Cubas é, metonimicamente, um representante.

O que está em jogo é se esses caprichos vão ou não ser realizados. Alguns exemplos: a hesitação ao começar a obra pelo fim ou pelo começo; comparar suas memórias às sagradas escrituras; desqualificar o leitor: dar-lhe um piparote, chamá-lo de ébrio; e o próprio fato de escrever após a morte. Se Brás Cubas teve uma vida repleta de caprichos, em virtude de sua posição de classe, é natural que, ao escrever suas memórias, o livro se componha desse mesmo jeito.

O mais importante não é a realização ou não dessas veleidades, mas o direito de tê-las, que está reservado apenas a uns poucos da sociedade da época. Veja-se o exemplo de Dona Plácida e do negro Prudêncio. Ambos são personagens secundários e trabalham para os grandes. A primeira nasceu para uma vida de sofrimentos: “Chamamos-te para queimar os dedos nos tachos, os olhos na costura, comer mal, ou não comer, andar de um lado pro outro, na faina, adoecendo e sarando…”, descreve Brás. Além da vida de trabalhos e doenças e sem nenhum sabor, Dona Plácida serve ainda de álibi para que Brás e Virgília possam concretizar o amor adúltero numa casa alugada para isso.

Com Prudêncio, vê-se como a estrutura social se incorpora ao indivíduo. Ele fora escravo de Brás na infância e sofrera os espancamentos do senhor. Um dia, Brás Cubas o encontra, depois de alforriado, e o vê batendo num negro fugitivo. Depois de breve espanto, Brás pede para que pare com aquilo, no que é prontamente atendido por Prudêncio. O ex-escravo tinha passado a ser dono de escravo e, nessa condição, tratava outro ser humano como um animal. Sua única referência de como lidar com a situação era essa, afinal era o modo como ele próprio havia sido tratado anteriormente. Prudêncio não hesita, porém, em atender ao pedido do ex-dono, com o qual não tinha mais nenhum tipo de dívida nem obrigação a cumprir. 

Os personagens da obra são basicamente representantes da elite brasileira do século XIX. Há, no entanto, figuras de menor expressão social, pertencentes à escravidão ou à classe média, que têm significado relevante nas relações sociais entre as classes. Assim, "Memórias Póstumas de Brás Cubas", além de seu enorme valor literário, funciona como instrumento de entendimento desse aspecto social de nossas classes, como se verá adiante nas caracterizações de Dona Plácida e do negro Prudêncio. 

A sociedade da época se estruturava a partir de uma divisão nítida. Havia, de um lado, os donos de escravos, urbanos e rurais, que constituíam a classe mandante do país. Estão representados invariavelmente como políticos: ministros, senadores e deputados. De outro, a escravidão é a responsável direta pelo trabalho e pelo sustento da nação e, por assim dizer, das elites. No meio, há uma classe média formada por pequenos comerciantes, funcionários públicos e outros servidores, que são dependentes e agregados dos favores dos grandes privilegiados.

Caracterização das personagens BRÁS CUBAS: personagem que relata sua própria história,

fragmentadamente, sem ordem cronológica. É uma pessoa sem objetivos, que vive de rendas e não alcança qualquer realização marcante. Possui personalidade leviana e mesquinha e tira proveito e vantagem das situações, sempre que pode. Bom observador da vida e da sociedade sobre as quais faz reflexões inteligentes. É impressionante observar, ao longo da narrativa a arrogância e prepotência que constituem o caráter do narrador. Diferentemente, do que se esperaria de um narrador protagonista, ele revela os piores traços de sua personalidade, liberado das consequências por sua cômoda posição de defunto autor , que não tem mais nada a perder. A frase final explica o título: “O menino é o pai do homem. “Seu caráter se formou em um ambiente familiar que  favorecia comportamentos prepotentes,

QUINCAS BORBA: amigo de infância de Brás Cubas e criador da teoria Humanitismo. Ora é rico oura é mendigo e vai enlouquecendo progressivamente. Encontra em Brás Cubas um seguidor de sua teoria humanitista que explicaria, entre outras coisas, a razão da existência vazia e sem sentido de Brás Cubas.

MARCELA: prostituta de elite, cujas atitudes são norteadas pelos mais levianos interesses: seu amor por Brás Cubas teria durado: “quinze meses e onze contos de réis”. É o segundo grande amor do protagonista.

VIRGÍLIA: filha do conselheiro Dutra. Casa-se com Lobo Neves por interesse e torna-se amante de Brás Cubas. É uma mulher bonita, de razoável sensualidade, interesseira e de pouca responsabilidade, traços que lhe confere certa leviandade.

PLÁCIDA: empregada de Virgília que acoberta os encontros amorosos do casal: Virgília e Brás Cubas. De forma constante, sente-se, moralmente, agredida pelo papel de alcoviteira que lhe foi imposto pelo casal.

LOBO NEVES: casado com Virgília. Elege-se deputado e entrega-se totalmente à política. Interessado apenas em poder, é mansamente traído pela esposa, consequentemente quase natural da personalidade de ambos e do tipo de casamento que estruturam.

EUGÊNIA: moça bonita, porém coxa, que mantém um romance passageiro com Brás Cubas. É filha de Eusébia e Vilaça.

SABINA:  irmã do narrador e que, como ele, valoriza mais o interesse pessoa e a posição social do que amizade ou laços de parentesco.

COTRIM: casado com Sabina. ambos se revelam interesseiros. Queriam enganar Brás Cubas na patilha da herança.

FIM

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literáriasAUTO DA COMPADECIDA

ARIANO SUASSUNAProf. Renato tertuliano

Sobre o autor Ariano Suassuna é um escritor nascido

em João Pessoa, Paraíba. Defensor da cultura da sua região, o autor de Auto da compadecida lançou o Movimento Armorial, que se interessava pelo conhecimento e desenvolvimento das formas de expressão populares tradicionais.

Importância do livro Auto da compadecida é uma peça teatral em forma de

auto (gênero da literatura que trabalha com elementos cômicos e tem intenção moralizadora). É um drama nordestino apresentado em três atos. Contém elementos da literatura de cordel e está inserido no gênero da comédia, se aproximando, nos traços, do barroco católico brasileiro. Trabalha com a linguagem oral e apresenta também o regionalismo através da caracterização do nordeste. A peça foi escrita em 1955 e encenada pela primeira vez em 1956.

Atmosfera circense

A peça, escrita por Ariano Suassuna em 1955, obteve grande destaque ao ser encenada no Rio de Janeiro, em 1957, por ocasião do 1º Festival de Amadores Nacionais. O Brasil descobria ali um novo tipo de teatro, calcado na tradição popular.

O enredo da peça é um trabalho de montagem e moldagem baseado em uma tradição antiquíssima, que remonta aos autos medievais de Gil Vicente e mais diretamente a inúmeros autores populares que se dedicaram ao gênero do cordel. Nesse tipo de literatura, os criadores contam e recontam as mesmas histórias e acrescentam o seu toque pessoal. Reconhecer esse “toque pessoal” de cada trabalho artesanal, contudo, exige do observador grande atenção aos detalhes. 

A peça tem um pequeno texto introdutório que visa a orientar a encenação e a explicar, em linhas gerais, o espírito da obra: “O Auto da Compadecida foi escrito com base em romances e histórias populares do Nordeste. Sua encenação deve seguir, portanto, a maior linha de simplicidade, dentro do espírito em que foi concebido e realizado (...)”.

Um pouco adiante, o autor sugere ainda que na primeira cena se utilize o palco como um “picadeiro de circo”. De fato, nessa cena, todos os personagens (com exceção de Manuel, o Jesus, representado por um ator negro, que fica escondido para preservar o efeito de surpresa) apresentam-se ao público fazendo mesuras e são anunciados em voz alta pelo Palhaço, numa atmosfera circense.

Atmosfera circense A primeira fala da peça cabe ao Palhaço, e a orientação do autor é que seja realizada em “grande

voz”: “Auto da Compadecida! O julgamento de alguns canalhas, entre os quais um sacristão, um padre e um bispo (...)”. 

Após um “toque de clarim”, o assunto da peça é anunciado pelo Palhaço: “A intervenção de Nossa Senhora no momento propício, para triunfo da misericórdia. Auto da Compadecida!” 

Todos esses elementos antecipam partes da narrativa: desde a apresentação prévia dos personagens até o anúncio de que será realizado um julgamento e que nele Nossa Senhora intervirá de forma a salvar os condenados.

O espectador pode se perguntar: para que antecipar o que vai acontecer e estragar a surpresa? O fato é que, nesse tipo de tradição, o que importa não é um final inesperado. O que deve ser apreciado é o “como se fez”, ou seja, a habilidade do autor ao trabalhar o material conhecido de todos.

Fenômeno parecido pode ser observado no romance Dom Quixote, no qual os títulos de cada um dos inúmeros capítulos antecipam os acontecimentos que depois serão contados detalhadamente. Esse prazer de contar e recontar histórias é típico da tradição oral e está quase extinto em nossos dias, em virtude de mudanças históricas que fazem com que o homem contemporâneo não tenha tempo nem disposição para ouvir repetidas vezes as mesmas histórias.

A metáfora como crítica A peça trata, de maneira leve e com humor, do drama vivido pelo povo

nordestino: acuado pela seca, atormentado pelo medo da fome e em constante luta contra a miséria. Traça o perfil dos sertanejos nordestinos que estão submetidos à opressão e subjugados por famílias de poderosos coronéis donos de terra. Nesse contexto, o personagem de João representa o povo oprimido que tenta sobreviver no sertão, utilizando a única arma do pobre: a inteligência.  

Fica evidente o cunho de sátira moralizante da peça, através das características de seus personagens. O padeiro e a mulher são avarentos, deixando passar necessidade o empregado enquanto cuidam bem do cachorro. O padre e o bispo, gananciosos, utilizam da autoridade religiosa para enriquecerem. Todos estes são condenados ao purgatório com a interseção de Nossa Senhora. Já Severino e o cangaceiro, apesar de todos os crimes cometidos em vida, são poupados por serem considerados vítimas naquela situação: a seca, a fome e toda a difícil realidade os obrigaram a levar este tipo de vida.

Enquadre de estilo A peça é uma síntese do modelo medieval com o modelo

regional: trabalha o tema religioso da moral católica - se aproximando dos temas barrocos no que diz respeito ao conflito entre a materialidade e a espiritualidade, a virtude e o prazer -, mas inserido no contexto nordestino, ou seja, regional na linguagem, cenário e caracterização das personagens. Por ser um dos objetivos do movimento modernista trabalhar tendências mundiais de forma regional, adaptando-se a nossa realidade, a peça pode ser considerada como de tendência modernista.

Personagens Os personagens de Auto da Compadecida são alegóricos, ou seja, não representam indivíduos,

mas tipos que devem ser compreendidos de acordo com a posição estrutural que ocupam. A criação desses personagens possibilita que se enxergue a sociedade de uma cidadezinha do Nordeste. É por isso que a peça pode ser chamada sátira social, pois procura reformar os costumes, moralizar e salvar as instituições de sua vulgarização.

PALHAÇO – é o anunciador da peça e também o grande comentador das situações. Suas falas apresentam muitas vezes um discurso mais direto, que dá a impressão de vir do autor. Na verdade, o Palhaço exerce função metalinguística no espetáculo, ao refletir sobre o próprio mecanismo mágico de produção da imitação e ao suprimir a distância entre realidade e representação.

JOÃO GRILO – protagonista, personagem pobre e franzino, que usa de sua infinita astúcia para garantir a sobrevivência. Já foi comparado a Macunaíma, o herói sem caráter. Tal comparação, no entanto, revela-se inadequada, já que João Grilo, ao contrário do personagem criado por Mário de Andrade, trabalha de forma dura, ajuda seu grande amigo Chicó e tem como justificativa de suas traquinagens ser assolado por uma pobreza absoluta. O mais acertado seria compará-lo ao personagem picaresco, encontrado no romance medieval Lazarilho de Tormes. Mas nem é preciso ir tão longe, pois Pedro Malazarte – cuja origem ibérica está em Pedro Urdemalas – é o personagem popular mais próximo de João Grilo. 

Personagens CHICÓ – é o contador de causos, o mentiroso ingênuo que cria histórias apenas

para satisfazer um desejo inventivo. Chicó se aproxima do narrador popular, e suas histórias revelam muito do prazer narrativo desinteressado da cultura popular. Chicó e João Grilo são como a dupla de palhaços entre os quais a esperteza é mal repartida — um sempre a tem de mais e o outro, de menos. 

PADRE JOÃO – mau sacerdote local, preocupado apenas em angariar fundos para sua aposentadoria.

SACRISTÃO – outro exemplo de mau religioso.  BISPO – juntamente com o padre João e o sacristão, ajudará a compor o quadro de

representação da Igreja corrompida.  ANTÔNIO MORAES – típico senhor de terras, truculento e poderoso, que se impõe

pelo medo, pelo dinheiro e pela força.  PADEIRO – representante da burguesia interessada apenas em acumular capital,

explora seus empregados e tem acordos com as autoridades da Igreja.  MULHER DO PADEIRO – esposa infiel e devassa, tem amor genuíno apenas por

seus animais de estimação.  FRADE – bom sacerdote, serve, no enredo da peça, para salvaguardar a instituição

Igreja das críticas do autor. 

Personagens SEVERINO DO ARACAJU – cangaceiro violento e ignorante.  CANGACEIRO – ajudante de Severino, seu papel é apenas puxar o gatilho e

executar outros personagens.  DEMÔNIO – ajudante do Diabo, parece disposto a condenar todos os personagens

mortos no final do segundo ato.  O ENCOURADO (O DIABO) – segundo uma crença nordestina, o diabo utiliza

roupas de couro e veste-se como um boiadeiro. Funciona como uma espécie de antagonista de João Grilo; como ele, também é astuto, mas acaba sendo derrotado pelo herói. 

MANUEL (NOSSO SENHOR JESUS CRISTO) – personagem que simboliza o bem, porém um bem sem misericórdia. É representado por um ator negro, a fim de que isso produza um efeito de estranhamento no público. 

A COMPADECIDA (NOSSA SENHORA) – heroína da peça, funciona como uma advogada de João Grilo e de seus conterrâneos, derrotando com seus argumentos cheios de misericórdia os planos do Encourado de levar todos ao inferno. 

O MOVIMENTO ARMORIAL

O Movimento Armorial surgiu sob a inspiração e direção de Ariano Suassuna, com a colaboração de um grupo de artistas e escritores da região Nordeste do Brasil e o apoio do Departamento de Extensão Cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Pernambuco. Teve início no âmbito universitário, mas ganhou apoio oficial da Prefeitura do Recife e da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco.

Foi lançado oficialmente, no Recife, no dia 18 de outubro de 1970, com a realização de um concerto e uma exposição de artes plásticas realizados no Pátio de São Pedro, no centro da cidade. Seu objetivo foi o de valorizar a cultura popular do Nordeste brasileiro, pretendendo realizar uma arte brasileira erudita a partir das raízes populares da cultura do País. Segundo Suassuna, sendo "armorial" o conjunto de insígnias, brasões, estandartes e bandeiras de um povo, a heráldica é uma arte muito mais popular do que qualquer coisa. Desse modo, o nome adotado significou o desejo de ligação com essas heráldicas raízes culturais brasileiras.

O MOVIMENTO ARMORIAL O Movimento tem interesse pela pintura, música, literatura, cerâmica, dança, escultura, tapeçaria, arquitetura, teatro, gravura e cinema.

Uma grande importância é dada aos folhetos do romanceiro popular nordestino, a chamada literatura de cordel, por achar que neles se encontram a fonte de uma arte e uma literatura que expressa as aspirações e o espírito do povo brasileiro, além de reunir três formas de arte: as narrativas de sua poesia, a xilogravura, que ilustra suas capas e a música, através do canto dos seus versos, acompanhada por viola ou rabeca.

São também importantes para o Movimento Armorial, os espetáculos populares do Nordeste, encenados ao ar livre, com personagens míticas, cantos, roupagens principescas feitas a partir de farrapos, músicas, animais misteriosos como o boi e o cavalo-marinho do bumba-meu-boi.

O mamulengo, ou teatro de bonecos nordestino, também é uma fonte de inspiração para o Movimento, que procura além da dramaturgia, um modo brasileiro de encenação e representação.

Congrega nomes importantes da cultura pernambucana. Além do próprio Ariano Suassuna,Francisco Brennand, Raimundo Carreiro, Gilvan Samico, entre outros, além de grupos como o Balé Armorial do Nordeste, a Orquestra Armorial de Câmara, a Orquestra Romançal e o Quinteto Armorial.

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literáriasO PRIMEIRO BEIJO

CLARICE LISPECTORProf. Renato tertuliano

O PRIMEIRO BEIJOOs dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e

ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme. 

- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples: 

- Sim, já beijei antes uma mulher. 

- Quem era ela? - perguntou com dor. 

Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer. 

O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros. 

O primeiro beijoE mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o

barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca. 

E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo. 

A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio-dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava. 

E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, talvez horas, enquanto sua sede era de anos. 

Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando. 

O primeiro beijoO instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre

arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos. 

De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos. 

Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água. 

E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra. 

Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua. 

O primeiro beijoEle a havia beijado. 

Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido. 

Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil. 

Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele... 

Ele se tornara homem.

ANÁLISEO minúsculo conto O primeiro beijo  (1971) de Clarice

Lispector (1920-1977) narra sobre as transformações que o amor traz quando descoberto e as mudanças que implicam esse sentimento, na adolescência. De forma poética, Lispector traz a história de um menino que se transforma em homem por meio da percepção e apreensão, ou seja, ele sente que algo está se modificando dentro dele, uma secura na garganta, uma vontade de ficar dentro de si mesmo e se achar, sentir de forma icônica as sensações da fase transitória entre a infância e a maturidade. O garoto está dentro de um ônibus cheio de colegas de escola, mas está só, pois busca perceber o que ocorre consigo e, enquanto as crianças brincam, cantam e riem alto, ele sente o vento acariciar seus cabelos como os dedos de sua mãe.

Repleto de riquezas de detalhes,  o conto traz um narrador onisciente que revela o subconsciente do rapaz,  na terceira pessoa do singular. A narrativa inicia-se com um diálogo entre dois adolescentes apaixonados, e este é o ponto-ápice da trajetória do garoto que se dará por meio de digressões e flashbacks. Clarice é escritora de detalhes, de fluxo de consciência, existencialista, intimista e desnuda as profundidades habitadas nas entranhas do ser-menino. A riqueza da descrição é psicológica e não física, cujo tempo não é demarcado, porque anacrônico (atemporal), riquezas que narram sobre inocência da puberdade: “o primeiro beijo é dado realmente com os olhos e o coração”, diz a personagem Don Juan 1, isto é, o primeiro beijo fica na lembrança emotiva e, por isso, incompreensível. Somente usando figuras é que se pode descrever o vento como descoberta, e a água como a substância, no caso do conto, feminina que vivifica e transforma, sacia e emociona. Ao colar a boca aos lábios da estátua, aos poucos, em meio a inúmeras e difusas sensações, recupera a vida, da secura à fertilidade. O encontro com o chafariz tem mais de um sentido, por um lado, representa a boca da mulher que alimenta, assim como os seios, e, de outro, é a metáfora da ejaculação. O ato em si pode significar a perda da inocência, a descoberta da libido e a sede que, no conto, é totalmente subjetiva.

Um elemento diferenciador e bastante interessante é que não há nomes nas duas personagens, tanto a menina como o garoto representam todas as meninas e todos os garotos, por essa razão não têm nomes, ou seja, estão abertos ao coletivo e não ao perfil individual. O garoto ama sua namorada e quer ser leal com ela. Assim, quando ela pergunta se já beijou alguém antes dela, ele traz à lembrança do dia em que matou sua imensa e velha sede (de anos) num chafariz, cuja água saia pela boca (lábios) da estátua de uma mulher, em uma excursão da escola. O fato de matar a sede imensa que habitava nele é representado pelas simbologias da vida que saia da boca da estátua, ele precisou beijar os lábios que mataram a sede do menino que estava em fase transitória. Ele sente os lábios da mulher nos seus, avança faminto e sedento de vida e nem percebe que beijara aqueles lábios com tanta ânsia e tamanha voracidade que se sentiu vivo, tão vivo, tão excitante que teve uma ejaculação. O líquido da vida que saia da boca do feminino matara a sede do garoto, a metáfora da saliva, da vida que se modifica, torna-se realmente sensível. O liquido que sai da boca da estátua de mulher é o ápice da narrativa e o cerne do entendimento introspectivo do menino-homem.

Por meio dessa emoção incontrolável causada pela sede e, em seguida, pelo toque nos lábios da estátua (metáfora da sede interna), os lábios que matam a sede (metáfora da mulher- externa) o garoto sente-se maravilhado pelas curvas da mulher-estátua, matando sua sede de menino-homem. Lispector passa, por meio do narrador, o sentimento, a sensação do menino em face a uma situação inusitada em sua vida: matar a sede sem pensar ou raciocinar e, só depois, vivendo o momento de prazer em contato com a água, é que se percebe diante dos lábios femininos e torna-se homem. O conto  marca, portanto, a transformação do adolescente em homem, como encerra tão claramente a última frase textual.  In: http://literacomunicq.blogspot.com.br/

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literáriasA CIDADE E AS SERRAS

EÇA DE QUEIROZProf. Renato tertuliano

Foco narrativoEscrito em primeira pessoa, A Cidade e as Serras, como a maioria

dos romances de Eça de Queirós, há um narrador-personagem, José Fernandes, o qual não se confunde com o protagonista da obra, Jacinto de Tormes. Este narrador coloca-se como menos importante do que o protagonista, como podemos perceber, por exemplo, no início da obra. Nos primeiros parágrafos do livro o narrador, em vez de apresentar-se ao leitor, coloca-se em segundo plano para apresentar toda a descendência dos de Tormes, até aparecer a figura de Jacinto. Além disso, dá-lhe tratamento diferenciado, parecendo idealizar Jacinto, na medida em que o chama de "Príncipe da Grã-Ventura", conforme apelido estudantil do protagonista.

PersonagensUma particularidade da personagem José Fernandes, está na importância que

dá aos instintos, sobrepondo-os à sua capacidade de sentir ou de pensar. Assim, tanto desilusões amorosas quanto preocupações sociais são tratadas com almoços extraordinários. Ao longo do romance ele procura provar o engano que as crenças civilizatórias de seu amigo, Jacinto de Tormes, podem conduzir, embora o admire exageradamente.

Jacinto de Tormes é filho de uma família de fidalgos portugueses, mas nascido e criado em Paris. Se cerca de artefatos da civilização e de tudo o que a ciência produz de mais moderno. Entretanto, o excesso de ócio e conforto o entedia, a ponto de fazê-lo perder o apetite, a sede lendária, a robustez física e a disposição intelectual da juventude. Levado pelas circunstâncias a conhecer suas propriedades nas serras portuguesas, apaixona-se pelo campo, lá introduzindo algumas inovações. Mesmo em contato com a natureza, Jacinto não abandona alguns de seus hábitos urbanos. Desenha futuras hortas, planeja bibliotecas na quinta, traz banheiras e vidros desconhecidos dos habitantes do lugar. Por fim, manda instalar uma linha telefônica nas serras, o que comprova que no fundo não houve grandes modificações em suas crenças.

PersonagensEle representa não apenas uma crítica do escritor à ultracivilização, mas

também a utopia de um novo Portugal, uma nova pátria, capaz de modernizar-se, sem perder as tradições e as particularidades nacionais. Trata-se, enfim, de um D. Sebastião atualizado pelo socialismo e pelo positivismo. A trajetória percorrida pelo protagonista Jacinto de Tormes deve-se em grande parte, às instâncias e insistências de José Fernandes, que ao mesmo tempo é contador da história e um de seus personagens principais.

Os personagens ligados à vida no campo caracterizam-se por atitudes simples e transparentes, embora tradicionalistas. Um exemplo pode ser o avó de Jacinto, Gatão, cuja ligação ancestral com o referido ambiente manifesta-se pela total devoção à realeza absolutista, que o leva a abandonar Portugal depois da expulsão de D. Miguel. Entretanto, a melhor representação desse grupo de personagens da obra pode ser atribuída a Joaninha, a mulher por quem Jacinto se apaixona, graças a seus atributos naturais e sua simplicidade de espírito.

Análise da obraPublicado em 1901, no ano seguinte ao da morte de Eça de

Queirós, o romance A Cidade e as Serras foi desenvolvido a partir da idéia central contida no conto Civilização, datado de 1892. É um romance denso, belo, ao longo do qual Eça de Queirós ironiza ferrenhamente os males da civilização, fazendo elogio dos valores da natureza. É uma obra das mais significativas de Eça de Queirós. Nela o escritor relata a travessia de Jacinto de Tormes, um ferrenho adepto do progresso e da civilização - da cidade para as serras. Ele troca o mundo civilizado, repleto de comodidades provenientes do progresso tecnológico, pelo mundo natural, selvagem, primitivo e pouco confortável, no sentido dos bens que caracterizam a vida urbana moderna, mas onde encontra a felicidade, mudando radicalmente de opinião.

Análise da obraA Cidade e as Serras preconiza uma relação entre as elites e as classes

subalternas na qual aquelas promovessem estas socialmente, como faz Jacinto ao reformar sua propriedade no campo e melhorar as condições vida dos trabalhadores. Por meio do personagem central, Jacinto de Tormes, que representa a elite portuguesa, a obra critica-lhe o estilo de vida afrancesado e desprovido de autenticidade, que enaltece o progresso urbano e industrial e se desenraiza do solo e da cultura do país. Na obra, a apologia da natureza não pode ser confundida com o elogio da mesmice e da mediocridade da vida campestre de Portugal. Ao contrário, trata-se de agigantar o espírito lusitano, em seu caráter ativo e trabalhador. Assim, podemos afirmar que depois da tese (a hipervalorização da civilização) e da antítese (a hipesvalorização da natureza), o protagonista busca a síntese, ou seja, o equilíbrio, que vem da racionalização e da modernização da vida no campo. Um argumento para tal interpretação está no fato de que, quando se desloca para a serra, Jacinto sente um irresistível ímpeto empreendedor, que luta inclusive contra as resistências dos empregados ao trabalho.

Análise da obraConcluindo, Jacinto de Tormes, ao buscar a felicidade, empreendeu uma

viagem que o reencontrou consigo mesmo e com o seu país. Tal viagem, que concomitantemente é exterior e interior, abarca a pátria portuguesa e se reveste de uma significação particular, pode ser lida como um processo de auto-conhecimento: um novo Portugal e um novo português se percebem nas serras que querem utilizam da cidade o necessário para se civilizarem sem se corromperem.

Podemos considerar A Cidade e as Serras um romance no qual se destaca a categoria espaço, na medida em que os ambientes são fundamentais para a compreensão da história, destacando-se os contrastes por meio dos quais se contrapõem. Assim, a amplidão da quinta de Tormes contrasta com a estreiteza do universo tecnológico do nº 202 da Avenida Champs Elisées, em Paris, o que aponta para a oposição entre o espaço civilizado e o espaço natural, presente em todo o romance.

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literárias“O HOMEM SERIA METAFISICAMENTE

GRANDE SE A CRIANÇA FOSSE SEU MESTRE.

SÖREN KIERKEGAARD”

Prof. Renato Tertuliano

O MENINO-POETA: NO OLHAR OBLÍQUO, A POESIA

A função prática da linguagem é comunicar, dar ao homem óculos para que enxergue o mundo, de forma que compreenda o que ele próprio pensa sobre a realidade que o circunda. Na poesia de Manoel de Barros, a visão não se põe entendível. Antes, o menino do mato desvê as coisas, a natureza, a existência, e desvendo tudo desvenda os elementos que adultos não podem alcançar.

Resenha de Leandro Durazzo e Kelcilene Grácia Rodrigues Barros

Em seu mais recente livro de poemas, Menino do mato(2010), Manoel de Barros nos ensina como aprendeu a desaprender, quando criança, vivendo entre formigas e animais do brejo. O tom recordatório surge já na abertura da primeira parte do livro, “queria usar palavras de ave para escrever”, e perpassa todo o volume. Também está presente nesta primeira parte ― efetivamente “Menino do mato”, enquanto a segunda se intitula “Caderno de aprendiz”―, possivelmente, o “método” de escrita que Manoel de Barros tirou da natureza. Ou, mais precisamente, o método que comungou com ela.

São seis poemas nessa primeira parte, e eles parecem apresentar os momentos iniciais de consciência poética do menino, em um cenário onde o caráter explicativo de sua formação se mescla às imagens confusas da linguagem infantil. Lá, nada foi separado, desde o início o mundo era um todo que ele, menino, buscava aprender. Sem, entretanto, ansiar compreensões, pôde colher as palavras que “perturbavam / o sentido normal das ideias” e “os sentidos normais da fala”. Pegando na bunda do vento, Manoel de Barros foi se formando poeta enquanto se formava gente, enquanto se formava bicho, natureza. Nada foi distinguível desde o início, e os poemas iniciais apresentam essa experiência crianceira.

Já nas orelhas dessa edição temos o testemunho do pantaneiro, que se estende pela primeira parte sem nunca perder seu tom. Vemos, nela, as lembranças da Mãe, do Pai e do avô namorador de solidão ― e que a deixava destampada, sozinha, sempre que saía da rede para tratar do que quer que fosse. Solidão destampada, imagem que Manoel de Barros mostra muito bem viva, é só uma das formas do mundo desse menino dizer o indizível. Ao lado da Mãe e do Pai, que aparecem grafados com a inicial maiúscula em alguns momentos, tal qual entidades, mitos, está também o menino poeta Bernardo, que acompanha Manoel nas Conhecenças dessa vida

Diz-se de Bernardo o que podemos arriscar dizer do menino Manoel, talvez mesmo do poeta: “Ele fazia parte da natureza como um rio faz, como / um sapo faz, como o ocaso faz”. Ele estava lá, era lá, e isso bastava. A impressão que temos é de que Manoel de Barros está, finalmente, explicando como sua visão vê o que sua poesia diz. Através do “Menino do mato” podemos entender algo que o “Caderno de aprendiz” mostrará em experiência linguística, poética, do absoluto indizível. É menino-poeta de olhar oblíquo que tem a linguagem sob domínio, para demonstrar a liberdade absoluta da linguagem poética e da linguagem infantil.

A busca de Manoel de Barros é a da não-palavra, da palavra harmônica que mais faça sentir do que mostrar. É linguagem de criança, cultivada desde a infância, esmerada, simples, direta. Falando de suas lembranças, de sua terra, é como se remontasse a um paraíso que, em vez de perdido, manteve-se para sempre dentro  dos olhos de poeta. De olhos úmidos pelas águas do Pantanal — referência e lembrança explícitas — Manoel de Barros chega ao fim da primeira parte de seu livro dizendo das águas que, por essência, são a “epifania da criação”. Mostrando como foi criado, deixa ao “Caderno de aprendiz”— composto por trinta e seis poemas — a tarefa mais direta de mostrar o que apreendeu, e como cria, hoje, o eterno menino do mato.

Um menino-poeta e poeta menino que apreende o substrato do  poético a partir das “travessuras”, da busca primordial das palavras para recobrar a expressividade literária delas, o “absurdo divino das imagens”, de forma que exprimam verdades humanas. Trata-se, já expressou o poeta em poemas de livros anteriores de chegar à semente do ser , às “palavras fontanas” – aquelas que “entoa[m]” poesia, aquelas nas quais surgem o “desenho verbal da inocência”. Essemergulho no primordial da linguagem metaforiza-se, por indizível, entre outros em versos como esses: “No gorjeio dos pássaros tem um perfume de sol?”, “Hoje eu vi um passarinho comendo /formigas de pedra!”, “Ele viu um passarinho sentado no ombro do arrebol”.

A potência da poesia de Manoel de Barros ― é o que mais uma vez se presentifica, renovada, na poesia deste Menino do mato ― está como a força ancestral dos rios conhecidos, “rios infantis que ainda procuram declives / para escorrer”: sempre além do que foi no início, sempre contido na totalidade ingênua da comunhão com a natureza.

Eu queria usar palavras de ave para escrever. Onde a gente morava era um lugar imensamente e sem nomeação.Ali a gente brincava de brincar com palavras tipo assim: Hoje eu vi uma formiga ajoelhada na pedra! A Mãe que ouvira a brincadeira falou: Já vem você com suas visões! Porque formigas nem têm joelhos ajoelháveis e nem há pedras de sacristias por aqui. Isso é traquinagem da sua imaginação. O menino tinha no olhar um silêncio de chão e na sua voz uma candura de Fontes. O Pai achava que a gente queria desver o mundo para encontrar nas palavras novas coisas de ver assim: eu via a manhã pousada sobre as margens do rio do mesmo modo que uma garça aberta na solidão de uma pedra. Eram novidades que os meninos criavam com as suas palavras.

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literáriasESTRELA DA VIDA INTEIRA

MANUEL BANDEIRAIN: HTTP://WWW.SLMB.UEG.BR

Prof. Renato Tertuliano

Características do autor Variedade criadora Ternura ardente e paixão

pela vida simples. Influência da morte de seus

entes. Influência de sua saúde

debilitada (tuberculose). Lirismo Intimista. As figuras femininas surgem

envoltas em "ardente sopro amoroso".

Simplicidade como marca de inspiração.

Retrata inquietações nacionais e mundiais.

Maleabilidade na forma e no conteúdo.

Subjetivismo Saudosismo Autoironia Pureza Humorismo Melancolia Refinamento musical

A OBRA A obra Estrela da vida inteira é a

reunião das poesias completas de Manuel Bandeira, Lançada por ocasião dos 80 anos do poeta, em 1966. Neste livro é possível compreender toda a genialidade deste poeta, que fez com que sua obra seja eterna e passível de ser compreendida e sentida em qualquer época. Neste livro se encontram poemas que povoam o imaginário brasileiro

A OBRA

Neste livro é possível compreender toda a genialidade deste poeta, que fez com que sua obra seja eterna e passível de ser compreendida e sentida em qualquer época. Se destaca em nossa literatura por solidificar a poesia modernista em todas as suas implicações: o verso livre, liberdade criadora, linguagem coloquial, irreverência e a ampliação das temáticas comumente usadas nesse período, cultivando a capacidade de extrair poesias das coisas mais simples do cotidiano.

OS POEMAS Os poemas desta coletânea tratam também de temas já exploradas por

escritores de diversas estéticas, mas nesta obra assumem uma nova dimensão. A saudade, a infância e a solidão – temas constantes no Romantismo – apresentam uma postura crítica, de forma simples e despojada.

“Evocação do Recife” trata de uma forma subjetiva o “Recife da infância do eu-lírico”. Ele envolve vários temas, ligados ao folclore e à cultura popular. Descreve a cidade do Recife no fim do século XIX e, ao mesmo tempo, tematiza a infância, abordada numa perspectiva de experiência de vida: não idealizada, mas concreta e, quando contratada com o presente, acentua sua trágica condição.

A poesia fala das brincadeiras de roda com suas cantigas infantis, os pregões dos vendedores, as crenças populares, os nomes das ruas, os boatos da vizinhança. Além disso, critica abertamente o português usado pelas pessoas cultas, exaltando a fala espontânea e natural do povo brasileiro: a língua viva.

Evocação do RecifeRecife Não a Veneza americanaNão a Mauritsstad dos armadores das Índias OcidentaisNão o Recife dos MascatesNem mesmo o Recife que aprendi a amar depois - Recife das revoluções libertáriasMas o Recife sem história nem literaturaRecife sem mais nadaRecife da minha infânciaA rua da União onde eu brincava de chicote-queimado e partia as vidraças da casa de dona Aninha ViegasTotônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê na ponta do narizDepois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeirasmexericos namoros risadasA gente brincava no meio da ruaOs meninos gritavam:Coelho sai!Não sai!

A distância as vozes macias das meninas politonavam:Roseira dá-me uma rosaCraveiro dá-me um botão

(Dessas rosas muita rosaTerá morrido em botão...)De repentenos longos da noiteum sinoUma pessoa grande dizia:Fogo em Santo Antônio!Outra contrariava: São José!Totônio Rodrigues achava sempre que era são José.Os homens punham o chapéu saíam fumandoE eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo.

Rua da União...Como eram lindos os montes das ruas da minha infânciaRua do Sol(Tenho medo que hoje se chame de dr. Fulano de Tal)Atrás de casa ficava a Rua da Saudade......onde se ia fumar escondidoDo lado de lá era o cais da Rua da Aurora......onde se ia pescar escondidoCapiberibe- CapiberibeLá longe o sertãozinho de CaxangáBanheiros de palhaUm dia eu vi uma moça nuinha no banhoFiquei parado o coração batendoEla se riuFoi o meu primeiro alumbramentoCheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiuE nos pegões da ponte do trem de ferroos caboclos destemidos em jangadas de bananeiras

NovenasCavalhadasE eu me deitei no colo da menina e ela começoua passar a mão nos meus cabelosCapiberibe- CapiberibeRua da União onde todas as tardes passava a preta das bananasCom o xale vistoso de pano da CostaE o vendedor de roletes de canaO de amendoimque se chamava midubim e não era torrado era cozidoMe lembro de todos os pregões:Ovos frescos e baratosDez ovos por uma patacaFoi há muito tempo...A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livrosVinha da boca do povo na língua errada do povoLíngua certa do povoPorque ele é que fala gostoso o português do Brasil

Ao passo que nósO que fazemosÉ macaquearA sintaxe lusíadaA vida com uma porção de coisas que eu não entendia bemTerras que não sabia onde ficavamRecife...Rua da União...A casa de meu avô...Nunca pensei que ela acabasse!Tudo lá parecia impregnado de eternidadeRecife...Meu avô morto.Recife morto, Recife bom, Recife brasileirocomo a casa de meu avô.

A ANTOLOGIA Cinza das Horas (1917): Nele podemos perceber

que o poeta, vindo da tradição simbolista e parnasiana, mantém com ela profundos laços e caminha, paradoxalmente, para uma ruptura dessa tradição. Primeiro livro de Manuel Bandeira, A Cinza das Horas, é marcado pelo tom fúnebre, e traz poemas parnasianosimbolistas. São poesias compostas durante o período de sua doença. Do ano em que o poeta adoece até 1917, quando publica A Cinza das Horas, é que se daria a etapa decisiva e a inusitada gestação de um dos maiores escritores da língua portuguesa. O eu-lírico vivencia o ato de morrer à medida que (des)escreve sua agonia em seus versos que são seu sangue.

A ANTOLOGIACarnaval (1919): Muito bem recebido pela nova geração da época e por parte da crítica especializada. É um livro sem unidade. Sob pretexto de que no carnaval todas as fantasias se permitem, segundo o próprio poeta, admitiu na coletânea uns fundos de gaveta, três ou quatro sonetos que não passam de pastiches parnasianos, e isto ao lado das alfinetadas dos `Sapos´. O poema “Os Sapos” é uma sátira ao Parnasianismo e foi lido por Ronald de Carvalho durante a Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922. O poema seria considerado uma espécie de hino nacional dos modernistas. Em Carnaval temos ainda o início da libertação das formas fixas e a opção pela liberdade formal, que se tornaria uma das marcas registradas de sua poesia.

A ANTOLOGIA

O Ritmo Dissoluto (1924): Neste livro Bandeira começa a explorar mais sistematicamente a simplicidade popular e um certo prosaísmo. É um livro, como o próprio poeta via, de passagem para a estética moderna que caracterizaria sua obra a partir de então

A ANTOLOGIALibertinagem (1930): Com a publicação deste livro, pode-se dizer que a poesia de Bandeira amadureceu definitivamente, no sentido de uma liberdade estética. Além disso, o poeta consolidou sua temática existencial e explorou com mais freqüência as cenas e imagens brasileiras. Poemas que se transformaram em clássicos: "Não Sei Dançar", "Pneumotórax", "Poética", "Evocação do Recife", "Poema tirado de uma Notícia de Jornal", "Teresa" e "Vou-me Embora para Pasárgada".

Estou farto do lirismo comedidoDo lirismo bem comportadoDo lirismo funcionário público com livro de ponto expedienteprotocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário ocunho vernáculo de um vocábulo.Abaixo os puristasTodas as palavras sobretudo os barbarismos universaisTodas as construções sobretudo as sintaxes de excepçãoTodos os ritmos sobretudo os inumeráveis

POÉTICA

Estou farto do lirismo namoradorPolíticoRaquíticoSifilíticoDe todo lirismo que capitula ao que quer que seja forade si mesmoDe resto não é lirismoSerá contabilidade tabela de co-senos secretáriodo amante exemplar com cem modelos de cartase as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.Quero antes o lirismo dos loucosO lirismo dos bêbadosO lirismo difícil e pungente dos bêbedosO lirismo dos clowns de Shakespeare– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

TERESAA primeira vez que vi Teresa Achei que ela tinha pernas estúpidasAchei também que a cara parecia uma perna

Quando vi Teresa de novoAchei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nadaOs céus se misturaram com a terraE o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

A ANTOLOGIALibertinagem é composta por trinta e oito poemas. Embora comporte características da primeira geração modernista, como o humor, os versos livres e brancos, a linguagem mais coloquial e o cotidiano, o toque especial do poeta faz-se presente em todos os poemas: a simplicidade. A simplicidade é um elemento importante no estilo de Bandeira. Ela é responsável pelo refinamento dos poemas - abordar o simples é que é difícil - e chega ao primarismo sentimental, sem resvalar na vulgaridade ou no pieguismo. Libertinagem é, portanto, a novidade, o erotismo, a musicalidade, a força de imagens, o cunho biográfico, a paixão pela vida e a visão da morte, a infância, a pureza, a crítica, a liberdade, a saudade, o amor, a alegria, a tristeza, a evasão, a solidão

A ANTOLOGIAEstrela da Manhã (1936): Bandeira tinha 50 anos quando, sem encontrar editor, publicou, sem ter recursos financeiros, 50 exemplares (papel doado e impressão custeada por subscritos). Alguns músicos como Jaime Ovalle e Radamés Gnatali, entre outros, interessaram-se por seus textos. Em 1945, o poeta compôs as letras para uma série de canções, a pedido do maestro Villa-Lobos, que queria composições tipicamente brasileiras para serem cantadas em ocasiões festivas. Foram reunidas com o nome de Canções de Cordialidade (“Trem de Ferro”, ”Berimbau”, "Cantiga”, “Dona Janaína”, ”Irene no CÉU”, ”Na Rua do Sabão”, “Macumba do Pai Zuzé”, “Boca de Forno”, “O Menino Doente” e “Dentro da Noite”, publicados em outras obras

Irene no céuIrene pretaIrene boaIrene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:- Licença, meu branco!E São Pedro bonachão:- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

Macumba do Pai Zuzé

Na macumba do encantadoNego véio pai de santo fez mandingaNo palacete do BotafogoSangue de branca virou águaForam vê estava morta!

Boca de FornoCara de cobra,Cobra!Olhos de louco,Louca!

Testa insensataNariz CapetoCós do CapetaDonzela roucaPorta-estandarteJóia bonecaDe maracatu!

Pelo teu retratoPela tua cintaPela tua cartaAh tôtõ meu santoEh AbaluaêInhansã bonecaDe maracatu!

No fundo do marHá tanto tesouro!No fundo do céuHá tanto suspiro!No meu coraçãoTanto desespero!

Ah tôtô meu paiQuero me rasgarQuero me perder!

Cara de cobraCobra!Olhos de louco,Louca!Cussaruim bonecade maracatu!

A ANTOLOGIAPossui o tom erótico, denso e sugestivo, expondo um Bandeira viril e carnal. A mulher inatingível, difícil, até mesmo decadente, preenche, com seu corpo, a imaginação do poeta. A visão desses dois mundos - o ideal, do sonho, onde habita o que está por ser atingido, e o material, da realidade das ruas - transparece liricamente neste poema.

A ANTOLOGIALira dos Cinqüent'Anos (1940): Publicação de emergência, o primeiro convite que o poeta recebeu de uma editora. Bandeira candidatou-se à Academia Brasileira de Letras. Lira de cinqüent'anos nos lança numa câmara de ecos da tradição lírica, atravessada por reutilizações de ditos e letras de canções populares. Dividido em oito seções, o livro é um mar de citações, trocadilhos, palavras-montagens, diálogos inter e infratextuais, neologismos, frases feitas desfeitas, retomadas críticas de poemas precedentes do próprio autor.

A ANTOLOGIABelo Belo (1948): Esse título foi tirado de um poema da Lira dos Cinqüent'Anos. Numa edição posterior, de 1951, foram acrescentados alguns poemas. Este livro apresenta característica de poemas mais ligados ao cotidiano do homem, humano, reafirma sua marca, sua poesia que foge então de temas filosóficos demais. Por Bandeira ter uma visão mais amarga da vida, desta preocupação deste muito cedo com temas fortes e obscuros como a morte, então, traz em Belo Belo a vontade em exprimir um universo ideal, desta juventude que renega as coisas ruins e deseja o mais belo, o mais sublime dos momentos simplistas. Fica nítido sua característica de observador na maneira como imprime seus versos, arte dos seus pensamentos e idéias, que vem exprimir sua maneira de enxergar o mundo e os fenômenos tão importantes como vinham sendo estudados na sua época. Belo Belo é uma homenagem a uma época e período de nostalgias, de alumbramentos, de emoções, de um momento esperado, idade projetada dentro de uma perspectiva de vida e um modelo

A ANTOLOGIA

Mafuá do Malungo (1948): Livro publicado na Espanha por iniciativa de João Cabral de Melo Neto, também poeta e primo de Manuel Bandeira. Mafuá significa feira popular, malungo é um africanismo, significando companheiro. Nesse livro, Bandeira faz jogos com as primeiras letras das palavras, faz também sátiras políticas, brinca “à maneira de” outros poetas.

A ANTOLOGIAOpus 10 (1952-1955): A expressão do título vem do universo da música. A palavra latina Opus indica genericamente obra, composição, e o número indica a posição de determinada peça num conjunto de composição do autor. Nomeando um livro seu a partir de uma expressão tomada no universo da música, Bandeira ressalta a importância da música e da musicalidade em sua obra.

A ANTOLOGIAEstrela da Tarde (1960): Reeditado em 1963, com novos poemas. É a maturidade do poeta completo que Bandeira já é ao tempo deste livro, onde ele tanto retorna ao soneto tradicional (reinventado na sua poética), como se utiliza de recursos gráficos – talvez inspirados nas vanguardas contemporâneas - na montagem de poemas como “A Onda”.

A onda

a onda andaaonde andaa onda?a onda aindaainda ondaainda andaaonde?aonde?a onda a onda

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literáriasPRIMEIRAS HISTÓRIAS

GUIMARÃES ROSAIN:HTTP://WWW.CPV.COM.BR

Prof. Renato Tertuliano

O REGIONALISMO UNIVERSAL DE 45 A prosa de 45 assumiu um tom universal, pois

sondava o mundo interior dos personagens, com poder generalizante. Seus personagens buscavam entender o mundo a seu redor, as relações humanas e a razão da vida, demonstrando uma preocupação com a essência íntima da realidade, com o sentido último da existência, para além daquilo que mostram as aparências, independentemente do tempo ou da geografia em que viviam.

SOBRE O AUTOR Guimarães Rosa universalizou o sertão e sua

linguagem. Em suas andanças pelo sertão, anotava em seus caderninhos os ditados populares, as superstições e, principalmente, a maneira de falar do povo brasileiro. Só após esse inventário ele passou a inventar a sua linguagem literária. Guimarães criou uma expressão verbal profunda que se aproxima da metáfora poética, na qual a palavra assume um feixe de significações, não só no plano semântico (do significado), mas também no fonético (sons).Estabeleceu relações íntimas entre o significado e o significante das palavras, abolindo as diferenças entre a narrativa e a lírica, empregando linguagem poética na narrativa.

SOBRE O AUTOR O autor não é mero escritor regionalista que fixa e retrata a paisagem, os

tipos humanos e a vida sertaneja. Ele universalizou o sertão à medida que “despojou das suas cômodas muletas, o pitoresco e o realismo” (Antonio Candido), mostrando o sertão como um aprendizado sobre a vida, sobre a existência do ser humano e não apenas do sertanejo. As ações ocorrem num espaço marginal à civilização moderna, em que o gado, como os demais animais e a natureza, assume um papel participante, ativo, nos destinos do ser humano. É através desse mundo regional, simples e despojado de muita instrução, recursos e tecnologia, que o autor capta e imortaliza os valores espirituais, humanos e culturais do homem — a travessia humana pelo viver. Ele nos revela a universalidade do sertanejo que, num mundo marginal à sociedade sofisticada moderna, apresenta as mesmas angústias e anseios do homem que se considera moderno, instruído e culto. Através do regional ele atinge o universal.

CARACTERÍSTICAS

Aliterações Onomatopéias Rimas internas Ousadias na forma das

palavras Elipses Cortes Deslocamentos

sintáticos

Vocabulário insólito baseado em arcaísmos ou neologismos

Associações raras, empregando metáforas, anáforas e metonímias

Seus processos de invenção fundamentavam-se nos processos da língua (parassíntese, aglutinação etc.)

Exploração da musicalidade da fala sertaneja

AS 21 HISTÓRIAS...Primeiras Estórias reúne 21 contos, nos quais encontramos um

grande trabalho inventivo com a linguagem, o que para muitos estudantes se torna um obstáculo. Provavelmente, a palavra primeiras relaciona-se com o fato de serem esses pequenos contos a primeira experiência do autor nesse tipo de texto narrativo. A partir de fatos banais, o autor discute temas que são universais, questões metafísicas que desde sempre angustiam o ser humano. Ocorrem momentos epifânicos, isto é, que revelam e iluminam toda a existência da personagem. Desses pequenos “causos”, como diriam os sertanejos do norte de Minas Gerais, o autor extrai lições de vida, mesmo quando usa uma carga de humor. Há uma clara noção, em alguns contos, de que existiria uma força natural que, por meios os mais variados possíveis, faz com que o destino das pessoas se cumpra.

AS 21 HISTÓRIAS...Em geral, os protagonistas ou são crianças, ou loucos, ou estão à margem da sociedade. São seres portadores de alguma “excepcionalidade”, se comparados com o mundo “normal”. “Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente... E então ?” — (O Espelho). Na sua maioria, as estórias se passam em ambiente rural, desenhando-se aos nossos olhos as espaçosas casa de fazenda, os quintais, a mata próxima e os grandes descampados. Mas há também a sugestão de lugarejos ou vilas, como em Fatalidade ou em A Benfazeja, e mesmo centros urbanos, o que se verifica em O Espelho e, principalmente, em Darandina.

AS 21 HISTÓRIAS...Contos cujo narrador está em 1a pessoa: Famigerado A Terceira Margem do

Rio Pirlimpsiquice O Espelho O Cavalo que bebia

cerveja Luas-de-mel A Benfazeja Darandina Tarantão, meu patrão...

Contos com narrador em 3a pessoa: As Margens da Alegria Sorôco, sua mãe e sua

filha A Menina de Lá Os Irmãos Dagobé Nenhum, nenhuma Fatalidade Seqüência Nada e a nossa Condição Um Moço Muito Branco Partida do Audaz

Navegante Substância Os Cimos

AS 21 HISTÓRIAS... As Margens da Alegria A principal personagem é o Menino e, assim como ele, as outras personagens são apenas identificadas pelo grau de parentesco. O protagonista vai se deslumbrando com as novidades do local onde se ergueria uma grande cidade — Brasília. De todas as visões, a que mais o encantou foi a do peru, no centro do terreiro. Logo em seguida, o Menino é chamado para um passeio. Ao retornar, só consegue pensar no animal, “só um pouco, para não gastar fora de hora o quente daquela lembrança.” O animal é morto. A criança, quando sai para procurar o peru, só encontra restos pelo chão e se abala, pois “tudo perdia a eternidade(...)” O menino é levado para outro passeio, para o local onde estava sendo construído um grande lago. Ao retornar, encontra, no terreiro, outro peru que bicava a cabeça do primeiro peru com ferocidade. Chega a noite e a criança vê um vaga-lume. O menino que descobrira a dor e a morte redescobre a alegria.

AS 21 HISTÓRIAS... Famigerado

Um médico estava em casa quando chegam quatro cavaleiros, dos quais um “não tinha cara de ser muito amigo”. Apesar do medo, crente que se tratava de um jagunço, o médico pergunta qual a razão da visita. O sujeito se identifica e confirma a suspeita do médico. Numa conversa lenta, entrecortada, o homem explica que desejava saber o significado da palavra “famigerado”, que um funcionário do Governo lhe dissera. Como ninguém soubera explicar-lhe, acreditava que o doutor soubesse fazê-lo. O médico, com ares de culto, diz que o significado seria próximo de “notável” ou “célebre”. O famigerado pede maiores explicações e o médico continua a acrescentar sentidos positivos para a palavra. O jagunço, satisfeito, dispensa os homens que trouxera de testemunhas e parte feliz. O final é um anti-clímax, já que tudo termina bem depois do clima de suspense de toda a narrativa. O médico não mentiu: ele apresentou uma das interpretações possíveis para a palavra famigerado, mas não citou aquela que é a mais comum: bandido.

AS 21 HISTÓRIAS... Sorôco, sua mãe , sua filha

Um trem com um vagão especial espera na estação para levar a mãe e a filha de Sorôco para o hospício em Barbacena. Com sua melhor roupa, o homem traz as duas pelo braço. Uma multidão vem acompanhar esse triste espetáculo, mas todos tentam respeitar a dor de Sorôco. Inusitadamente, ambas começam a cantar uma canção que ninguém compreendia. Sorôco nem tem coragem de olhar para o trem quando este parte. De repente, tomado pela dor, passa a cantar a mesma canção de suas familiares. Toda a comunidade ali principia a cantar também e a acompanhar Sorôco.

AS 21 HISTÓRIAS... A Menina de Lá

O narrador em primeira pessoa conta o seu contato com uma menina, Nhinhinha, de cerca de 4 anos e paranormal, que contava estórias vagas e absurdas. A família não se incomodava com a menina e esta se dava muito bem com o narrador. Entre outros assuntos, ela dizia que iria encontrar em breve os parentes dela que já haviam morrido. Pequenos “milagres” ocorrem. Por exemplo, um sapo obedece a menina; a mãe dela fica doente, a menina a beija e aquela fica curada. O narrador não deixa clara sua posição: eram milagres ou coincidências? Um dia, a tia da menina, Tiântonia, repreende Nhinhinha, pois esta descreve como queria seu caixão. Pouco depois, a garota morre

AS 21 HISTÓRIAS... Os Irmãos Dagobé Outro conto com anti-clímax.

O irmão mais velho, Damastor, havia sido morto. Esta era uma família temida na região, devido à prática de usar a violência como solução para seus problemas. O assassino, Liojorge, era um homem pacífico da região, que o matara em legítima defesa. Todos esperavam uma vingança por parte dos irmãos Dagobé. Mas eles se preocupavam mais com o velório do irmão, recebendo com cortesia quem ia lá render homenagens ao morto. Liojorge oferece-se para carregar o caixão, para provar que não matara por motivo fútil. Os irmãos aceitam. Todos estão na expectativa de que, após o enterro, a vingança seria consumada. Mas, para surpresa de todos, eles dizem para Liojorge se recolher porque eles partiriam para a cidade grande.

AS 21 HISTÓRIAS...

A Terceira Margem do Rio Um filho narra a estória da decisão do pai que abandona a família para morar na terceira margem do rio. Este manda fazer uma canoa, despede-se de todos e parte. A esposa diz: “Cê vai, ocê fique ,você nunca volte!”. Qual a razão da partida? Ninguém sabe. O filho furtava comida para levar ao pai até um local onde ele pudesse apanhá-la. A mãe facilitava essa artimanha do filho. A mulher, inconformada, chamou padre, soldados, jornalistas, para ver se conseguiria convencer o marido a parar com tal atitude. O pai fica longe e perto da família... A filha se casa e não quer saber de festejos. O neto nasce, mas ele não aparece para vê-lo. A irmã do narrador se muda. O narrador, cada vez mais, se parece com seu pai. Já velho, o narrador decide tomar o lugar do pai, que deixa a entender que aceita a troca. Mas o narrador, tomado pelo medo, foge dessa incumbência. O conto termina com o pedido do filho para que o coloquem numa canoa rio abaixo, quando morrer.

AS 21 HISTÓRIAS... Pirlimpsiquice

O narrador conta sua experiência inusitada quando foi representar uma peça de teatro com um grupo de colegas na escola. O prof. Perdigão era o autor do texto e se empenhava para que todos soubessem seus papéis de cor. O narrador tinha como tarefa ser o chamado ponto, ou seja, aquele que decora todas as falas da peça para auxiliar aqueles atores que, eventualmente, esquecem o texto original. Como havia um grupo de alunos opositores da turma, os atores começaram a criar uma peça falsa para enganar aqueles que não eram integrantes da montagem. Eles começaram a criar um 2o texto e a se entusiasmar mais com este do que com o do professor. A turma dos “inimigos” começou a espalhar uma 3a estória, inventada por Gamboa, dizendo que aquela era a verdadeira. Além desses percalços, os atores-estudantes tinham de enfrentar mais uma dificuldade: Zé Boné jamais conseguia dizer seu texto sem erros ou esquecimentos.

Ficou decidido que ele ficaria mudo no palco. No dia da representação, um dos principais atores não podia comparecer e restava ao narrador-ponto substituir o colega. Acontece que, diante do público, ele, que sabia todas as falas, se calou e teve um “branco”. Recebeu uma grande vaia e, em seguida, começou o texto. A vergonha tomou conta dos outros atores e outra vaia ocorreu. Coube a Zé do Boné, o que devia ficar mudo, salvar o grupo. Ele começou a representar a peça do desafeto da equipe, ou seja, o texto da 3a estória, cujo autor era Gamboa. O grupo não aceitou essa hipótese e começou a encenar o texto que haviam criado — a 2a estória. Eles não sabiam como terminar a peça, apesar da alegria de representar seu próprio texto. O narrador descobriu ”uma maneira de sair — do fio, do rio, da roda, do representar sem fim.” Caminhou rumo à beira do palco e despencou lá de cima. “E me parece , o mundo se acabou.”

AS 21 HISTÓRIAS... Nenhum, nenhuma

O narrador tenta apresentar uma série de reminiscências, talvez de sua infância, e que ocorrem de forma caótica. Somos apresentados sucessivamente a um casarão, a um homem sem aparência, que talvez fosse o pai da Moça que surge. Surge também um Moço que, como os outros, não tem nome e nem é bem delineado. Há poucas informações para reconstruirmos junto com o narrador sua memória. Sabe-se que tudo se passa em 1914. O Moço deixa claro, através de seu olhar, que estaria apaixonado pela Moça. Tentam esconder do Menino o que havia num quarto do casarão. Resolvem, não se sabe o porquê, deixar que o narrador visitasse o cômodo proibido. O mistério que lá existia era uma idosa que ninguém sabia quem era. A Moça tratava-a bem. Outras imagens surgem. O Moço quer casar com a garota, mas essa se nega. Este parte e leva também o Menino. Ao voltar para sua casa, o Menino, num desatino, chora e grita que os pais não se amavam mais, que eles “já se esqueceram de tudo o que, algum dia, sabiam!...”

AS 21 HISTÓRIAS... Fatalidade

O narrador nos apresenta seu Amigo, que era delegado de polícia e exímio atirador. Com ares filosóficos, diz ao narrador que “só quem entendia de tudo eram os gregos. A vida tem poucas possibilidades.” Zé Centeralfe, humilde lavrador, casado, vem se queixar que sua esposa está sendo assediada por um tal de Herculinão. O delegado dá a entender que já conhecia o famigerado. A situação era tão crítica que o marido havia decidido pela mudança de localidade. Mas o malfeitor voltou a procurar a mulher e a semear a discórdia. O lavrador quer saber o que faz. O delegado nada diz, mas insinua que a melhor solução era matar Herculinão. Zé Centeralfe entende e apanha uma arma do delegado. Deixam a delegacia o marido, o delegado e o narrador. Encontram na saída com Herculinão. Ouvem-se dois tiros. O facínora está caído com duas balas: uma lhe acertara o marido; a outra, o delegado. O destino se cumprira. Os caminhos deles se cruzaram.

AS 21 HISTÓRIAS... Seqüência

Voltamos a nos deparar com a força do destino, dentro da concepção roseana. Uma vaca abandona a propriedade onde está, na tentativa de retornar para sua querência, isto é, o local onde costumava ficar antes de ser vendida para a fazenda de seu Rigério. No percurso, ela se livra de vários percalços. O filho de seu Rigério vai atrás da vaca buscá-la. A vaca adianta-se e chega na frente dele à fazenda do Major Quitério. Lá chegando o rapaz, ele se depara com as quatro filhas do major e se apaixona pela segunda filha. O destino se cumpria.

AS 21 HISTÓRIAS... O Espelho

Esboço de uma teoria sobre a alma humana. Texto complexo, repleto de reflexões filosóficas centradas na questão da imagem. O narrador afirma que “os olhos são a porta do engano”. Um dia, o narrador se vê num espelho de um lavatório público e sente repulsa, náusea. Desde então, busca ver a si — “o eu por trás de mim” — nos espelhos e usa todos os artifícios para isso. Tenta, em seguida, descobrir algum traço animal na sua imagem. Descobre-se uma onça. Depois, abandona essa tarefa de trabalhar a imagem. Fica meses sem se olhar num espelho. Um dia, sem nenhuma intenção, mira-se num espelho e não vê reflexo algum. Seria um desalmado? Anos depois, começa a ver um rosto se delineando: era o de um menino — seu “eu-interior”. Ele termina perguntando à pessoa para quem relatou e a quem chama apenas de senhor: “Você chegou a existir?”

AS 21 HISTÓRIAS... Nada e a nossa Condição

Tio Man’Antônio é logo no início comparado pelo narrador a um rei ou príncipe de um conto de fadas. Trabalhador, amava sua esposa, Tia Liduína, a qual morre repentinamente. Abalado, visita a casa onde morara tantos anos, com sua amada. Pai de três filhas, ele tenta responder à pergunta que a mais nova fizera: “Pai, a vida é feita só de traiçoieros altos - e - baixos ? Não haverá, para a gente, algum tempo de felicidade, de verdadeira segurança?” Sua resposta é uma frase que repete várias vezes ao longo do conto: “Faz de conta, minha filha... Faz de conta...” No aniversário da esposa falecida, faz uma festa. As filhas encontram nessa festa seus respectivos futuros maridos. Casam-se e partem da fazenda. O viúvo começa a organizar-se para doar tudo o que tem, exceto a casa-sede. Reparte tudo com as filhas e doa terras aos empregados, mas permanece na residência. Torna-se um incômodo para os novos proprietários das terras. Quando morre, inesperadamente, tem seu último desejo realizado: é cremado dentro da casa, que é incendiada.

AS 21 HISTÓRIAS...

O Cavalo que bebia Cerveja O narrador é Reivalino Belarmino, que trabalha numa propriedade de um italiano, Seo Giovânio, o qual ele julga ser muito estranho devido a seus hábitos, entre eles o de dar cerveja para os cavalos. O narrador desconfia do patrão e não consegue superar essa má vontade insistente, nem quando o italiano lhe ofereceu dinheiro para que ele comprasse remédio para a sua mãe, que estava doente. Surgem dois homens da capital, que pedem para que o subdelegado sirva de intermediador para um negócio: fazer com que Reivalino espione seu patrão, já que há suspeita de que ele seja um perigoso fugitivo. Mesmo reticente de início, o narrador aceita o papel de alcagoete. O que mais lhe intrigava na residência era o fato de existirem quartos permanentemente fechados.

Ele relata isso para o policial, que vai até a fazenda fazer uma investigação, por insistência do narrador. Num dos quartos, havia um cavalo branco empalhado. Descobre-se depois que o outro quarto era ocupado pelo irmão de Seo Giovânio, vítima de ferimentos de guerra, e que morre. Comovido por ver seu patrão tão abalado, Reivalino se arrepende de ter traído a confiança daquele e resolve partir. O patrão pede para que ele leve seu cachorro e o cavalo que bebia cerveja. Tempos depois, o italiano morre e deixa a propriedade para o narrador, que ergue um túmulo para o ex-patrão, enterra o cavalo branco e vende a chácara. O narrador termina bebendo cerveja “para fecho de engano”.

AS 21 HISTÓRIAS... Um Moço Muito Branco

“Na noite de 11 de novembro de 1872”, um fenômeno luminoso “se projetou no espaço, seguido de estrondos, e a terra se abalou.” Muitas catástrofes naturais aconteceram em decorrência disso. Algum tempo depois, um moço assustado, perdido, desmemoriado, mudo, muito branco, com uma claridade forte aparece perto da residência de Hilário Cordeiro, que generosamente o acolhe. Muitos curiosos vêm para conhecer o forasteiro, cujo maior amigo se torna o preto José Kakende, escravo meio alforriado que tinha alucinações. Duarte Dias, pai da bela Viviana, não gostou do rapaz. Levaram-no na missa e ele comportou-se adequadamente. José Kakende fala sobre visões que teve na margem do rio, no dia do fenômeno. Ninguém dava atenção.

Fatos estranhos ocorrem: o moço branco dá uma semente para o cego Nicolau, que a planta tempos depois, fazendo surgir flores que nunca haviam sido vistas na região. Hilário Cordeiro prospera como nunca. Numa festa de São João, o moço branco encontra Viviana e põe a mão no seu seio. Ela nunca mais deixou de sorrir. O pai da moça vê a cena, interpretaa com malícia e exige que haja um casamento. Nem o padre apóia Duarte Dias nesta idéia. Tempos depois, Duarte Dias declara ter afeição pelo rapaz, que o leva pela mão até um local da sua propriedade e indica para que cavem. Encontram diamantes. No dia da festa de Santa Brígida, o moço branco desaparece, auxiliado por José Kakende, que tem novas “visões” para contar.

AS 21 HISTÓRIAS... Luas-de-mel

Na propriedade de Joaquim Norberto e Sa-Maria Andreza chega uma carta do compadre Seo Seotaziano, pedindo para que acolhessem um casal de amantes fugitivos. Finalmente algo acontecia para quebrar a monotonia da vida do casal. Os fugitivos chegam e o padre é chamado para concretizar o casamento. Teme-se qual seria a reação do pai da moça. Joaquim Norberto arma-se para defender os jovens de eventuais ataques e convoca pessoas para auxiliá-lo nesse propósito. Chega notícia da parte da família dela: o irmão da noiva vem visitá-la, numa “missão de paz”. O jovem casal é convidado para ir tomar a bênção do pai da noiva e para participarem de uma recepção por ele promovida. O convite é extensivo ao casal que os acolhera. Joaquim envia seu filho como representante, prefere ficar com sua esposa. O amor do jovem casal reavivou o seu amor por Sa-Maria Andreza.

AS 21 HISTÓRIAS... Partida do Audaz Navegante

Num dia de chuva, estão brincando na cozinha, sob o olhar rigoroso da mãe, três meninas e um primo, Zito. Das três, a mais sapeca é Brejeirinha, garota inventiva que lidava bem com as palavras e gostava de contar histórias com enredos complexos, nos quais utilizava, por vezes, vocabulário rebuscado. Ela conta a estória do Audaz Navegante. A chuva passa e pedem permissão para irem até as proximidades do riacho. A mãe permite, já que o primo está junto. Zito fica particularmente feliz, pois está de namorico com uma das irmãs, Ciganinha. Chegando lá, as irmãs, por galhofa, indicam um estrume de vaca ressequido como sendo o Audaz Navegador. Brejeirinha enfeita o estrume com flores e coloca-o no curso do riacho. Nesse momento, um trovão assusta a menina, que é socorrida pela mãe, que viera atrás das crianças. A chuva recomeça.

AS 21 HISTÓRIAS... A Benfazeja

Mula-Marmela era uma mulher velha, suja, feia e guia de cegos. Era uma assassina: matara o marido, Mumbungo, que não prestava, pois matava os outros por prazer. Ele só respeitava a mulher. Parecia saber que nas mãos dela estava seu destino. E o destino se cumpriu: ela o mata, esfaqueando-o. Todos se sentem aliviados. Daí o título do conto: A Benfazeja. Apesar de assumir o filho do falecido, Retrupé, e ter livrado o local de tão mau homem, ela não recebe nada em troca, apenas desprezo. Pressentindo que Retrupé teria o mesmo hábito cruel, ela o cega. Como o pai, ele teme Mula-Marmela. Ele pede esmolas sempre em tom ameaçador e anda sempre com um facão. Um dia, tenta matá-la. Não conseguindo, arrepende-se e chama-a de mãe. Ela o recompõe e chama-o de filho. Nessa noite, ela o mata e parte sem deixar rastros. Antes de sumir, vê um cachorro morto e carrega-o nas costas: será talvez para ter companhia na hora de sua própria morte?

AS 21 HISTÓRIAS... Darandina Outro conto com forte teor anedótico.

O narrador, um médico, relata a estória da qual foi testemunha: um homem é perseguido, já que supostamente havia furtado. Correndo, o homem esconde-se no alto de uma palmeira. A multidão avoluma-se na praça para ver o acontecimento. Lá está o narrador e seu amigo Adalgiso. Dizem que o homem na árvore é o Secretário de Finanças Públicas. A multidão está em polvorosa. Os médicos fazem elocubrações a respeito do problema do louco: muito falam, pouco resolvem. A multidão se agita. São chamados os bombeiros. Chega então, à praça, o verdadeiro Secretário das Finanças. O homem se despe. Os bombeiros tentam resgatá-lo. Ele sobe ainda mais alto na árvore. De repente, recobra a lucidez. Sente-se envergonhado. A multidão enlouquece: acabaria o espetáculo? Querem linchá-lo. Ao chegar ao solo, ele volta a dizer frases desconexas e a multidão carrega-o em triunfo.

AS 21 HISTÓRIAS... Substância Conto carregado de lirismo.

Maria Exita teve um destino cruel: a mãe a abandonara para “cair na vida”, o pai era leproso, o irmão era criminoso, entre outros infortúnios. Nhatiaga foi a única bondade que o destino lhe reservara: mulher boa, auxiliou-a para conseguir um emprego na fazenda do Samburá, em que trabalhava com polvilho. Foi aceita, mas fazia o trabalho mais árduo. Cresceu e tornouse uma bela mulher. O patrão, Sionésio, a viu e se encantou. Um dia, propõe-lhe casamento. Ela aceita de imediato. Entretanto, ele teme que o destino do qual ela fora vítima se reproduza para ele. O amor, porém, é mais forte e eles se decidem pelo casamento.

AS 21 HISTÓRIAS... Tarantão, meu patrão Conto que remete à história de D. Quixote e Sancho Pança. Iô João-de-Barros, fazendeiro, tem por empregado Vagalume, o narrador da história. Idoso e sem muito juízo mental, o patrão decide ir para a cidade atrás de um sobrinho médico. A família enviara Iô para a fazenda, para se livrar de suas sandices. Vagalume não agüentava mais trabalhar para o homem. Mas submetia-se, pois precisava do dinheiro. Com uma faca, o velho diz que vai matar o sobrinho, que lhe fizera uma lavagem intestinal e lhe aplicara injeções. No caminho até a cidade, ele arregimenta uma série de “out-siders” que o acompanham. Chegando num arraial, há uma festa com fogos e o “novo D. Quixote” acha que a recepção é para ele. Joga moedas para o povo. Novas pessoas se juntam ao grupo do cavaleiro. Todos o acompanham rumo à cidade. Lá chegando, vai à casa do sobrinho, que festejava o batizado do filho. Iô João-de-Barros faz um discurso que emociona os familiares presentes. É convidado para participar da festa, convite que é aceito com uma condição: tirar todos os que o haviam seguido pudessem sentar à mesa e participar da refeição.

AS 21 HISTÓRIAS... Os Cimos Este conto é como o encerramento de um ciclo, já que retoma a personagem o Menino, do 1o conto do livro. Agora, ele está triste, pois apesar de retornar para o mesmo local, Brasília, o motivo da viagem é outro: a mãe adoecera e a família acha por bem afastá-lo desse momento doloroso. Ele não está feliz. Nada o atrai. Entretanto, ele vê um dia um tucano e se encanta. Era um pouco de distração, já que ficava o dia inteiro pensando na mãe. O tucano voltava todo dia no mesmo horário. Chega um telegrama: o tio fica apreensivo. O menino começa a mentalizar pensamentos positivos. Deu certo: a mãe se recuperou.

UNEMAT 2016série de análises

literáriasMEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS

MANUEL ANTONIO DE ALMEIDAHTTP://EDUCACAO.GLOBO.COM

Prof. Renato Tertuliano

ANÁLISE Memórias de um Sargento de Milícias promove uma

inversão do romantismo convencional. O humor, presente em narrativas românticas de forma tímida, ocupa o centro, funcionando como eixo condutor da sucessão de aventuras em que se mete o protagonista. Da mesma forma, as personagens de classes sociais mais baixas, que, tradicionalmente, ocupavam posições secundárias, constituem o núcleo central da ação. Esse procedimento é chamado de carnavalização.

ANÁLISEO próprio protagonista se apresenta como uma

versão carnavalizada do herói romântico. Sua origem é cômica, já que é descrito como “filho de uma pisadela e de um beliscão”. Crescido, torna-se um malandro, tentando sobreviver à margem das instituições sociais nas quais não consegue se enquadrar – família, trabalho, igreja etc. Leonardinho, constitui-se, assim, como o primeiro anti-herói da literatura brasileira, ao contrariar os princípios altruístas que caracterizam os heróis tradicionais, mas conseguindo fazer com que as coisas se acertem ao final. 

ANÁLISEAlgumas trajetórias são bastante sugestivas. O Major Vidigal,

por exemplo, age em defesa da lei de acordo com critérios muito particulares – manda prender e manda soltar mais ou menos a seu bel-prazer. Acaba por se corromper no final, ao permitir a soltura de Leonardo em troca dos afetos de uma antiga namorada. Assim, lei vira transgressão e ordem se mistura com desordem, o que funciona como retrato da sociedade brasileira daquele e de outros tempos. Também é significativo o que acontece com o Barbeiro. Homem bom e afetuoso, tem em seu passado uma mancha da qual não manifesta nenhum remorso sério: ficara de posse de uma pequena fortuna que lhe havia sido confiada para ser entregue a outra pessoa. Desse modo, também as categorias de bom e mau são relativizadas.

ANÁLISEA despeito de tudo isso, o livro pode ser entendido

como romântico graças a elementos como o registro de costumes, o final feliz, as personagens que agem por impulso, a sucessão de aventuras nas perseguições do Vidigal e, por fim, a história de amor envolvendo Leonardo e Luisinha. Contudo, independente de qualquer questão referente à classificação da obra, pode-se ver o livro simplesmente como uma sucessão de aventuras vividas por um protagonista humanizado pelos seus defeitos. 

PERSONAGENSAs personagens do romance são tipos sociais, isto é,

representam certos setores e comportamentos típicos do Rio de Janeiro joanino, razão pela qual muitas delas não possuem nomes, sendo identificadas apenas por suas funções sociais. 

Leonardo: protagonista da história, representa o malandro em seu esforço de sobreviver à margem das instituições sociais. 

Leonardo Pataca: pai de Leonardo, pode ser visto como co-protagonista, passando por situações semelhantes àquelas vividas pelo filho. 

Luisinha: primeiro amor de Leonardo, retoma o relacionamento depois de ficar viúva do primeiro marido.  

PERSONAGENS Barbeiro: padrinho de Leonardo, assume a condição paterna depois

que o menino é abandonado pelos pais.

Comadre: madrinha do menino, auxilia-o em diversas situações.

Major Vidigal: personagem histórico. No romance, representante da lei e da ordem.

Vidinha: moça com quem Leonardo se envolve enquanto está distante de Luisinha.

D. Maria: tia e mãe de criação de Luisinha, uma mulher rica.