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Informativo 958-STF (19/11/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 958-STF Márcio André Lopes Cavalcante Julgamentos que ainda não foram concluídos em virtude de pedidos de vista ou de adiamento. Serão comentados assim que chegarem ao fim: RE 576967/PR; MS 27673 ED-ED/DF; HC 142205/PR. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUNAL DE CONTAS O TCU (e não o TCDF) é o órgão competente para fiscalizar os recursos decorrentes do Fundo Constitucional do Distrito Federal. DIREITO PENAL LEI DE DROGAS A habitualidade no crime e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser comprovados pela acusação, não sendo possível que o benefício do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º) seja afastado por simples presunção. DIREITO PROCESSUAL PENAL ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO Se o acórdão absolutório foi combatido tempestivamente pelo assistente de acusação, não houve formação de coisa julgada em favor do réu, ainda que o MP tenha perdido o prazo. REVISÃO CRIMINAL Não cabe revisão criminal para questionar os critérios discricionários utilizados pelo órgão julgador na fixação da pena. EXECUÇÃO PROVISÓRIA O cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos. DIREITO CONSTITUCIONAL TRIBUNAL DE CONTAS O TCU (e não o TCDF) é o órgão competente para fiscalizar os recursos decorrentes do Fundo Constitucional do Distrito Federal O Tribunal de Contas da União (TCU) é o órgão competente para fiscalizar os recursos decorrentes do Fundo Constitucional do Distrito Federal (art. 21, XIV, da CF/88 e Lei nº 10.633/2002). Os recursos destinados ao Fundo Constitucional do Distrito Federal pertencem aos cofres federais, consoante disposto na Lei 10.663/2002. Logo, a competência para fiscalizar a aplicação dos recursos da União repassados ao FCDF é do Tribunal de Contas da União. STF. 2ª Turma. MS 28584/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 29/10/2019 (Info 958).

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Márcio André Lopes Cavalcante Julgamentos que ainda não foram concluídos em virtude de pedidos de vista ou de adiamento. Serão comentados assim que chegarem ao fim: RE 576967/PR; MS 27673 ED-ED/DF; HC 142205/PR.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

TRIBUNAL DE CONTAS ▪ O TCU (e não o TCDF) é o órgão competente para fiscalizar os recursos decorrentes do Fundo Constitucional do

Distrito Federal.

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS ▪ A habitualidade no crime e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser comprovados pela acusação,

não sendo possível que o benefício do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º) seja afastado por simples presunção.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO ▪ Se o acórdão absolutório foi combatido tempestivamente pelo assistente de acusação, não houve formação de coisa

julgada em favor do réu, ainda que o MP tenha perdido o prazo.

REVISÃO CRIMINAL ▪ Não cabe revisão criminal para questionar os critérios discricionários utilizados pelo órgão julgador na fixação da pena.

EXECUÇÃO PROVISÓRIA ▪ O cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos.

DIREITO CONSTITUCIONAL

TRIBUNAL DE CONTAS O TCU (e não o TCDF) é o órgão competente para fiscalizar os recursos

decorrentes do Fundo Constitucional do Distrito Federal

O Tribunal de Contas da União (TCU) é o órgão competente para fiscalizar os recursos decorrentes do Fundo Constitucional do Distrito Federal (art. 21, XIV, da CF/88 e Lei nº 10.633/2002).

Os recursos destinados ao Fundo Constitucional do Distrito Federal pertencem aos cofres federais, consoante disposto na Lei 10.663/2002. Logo, a competência para fiscalizar a aplicação dos recursos da União repassados ao FCDF é do Tribunal de Contas da União.

STF. 2ª Turma. MS 28584/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 29/10/2019 (Info 958).

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Fundo Constitucional do Distrito Federal O art. 21, XIV, da CF/88 prevê o seguinte:

Art. 21. Compete à União: (...) XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia penal, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio;

Para cumprir o mandamento constitucional, o legislador editou a Lei nº 10.633/2002 instituindo esse fundo mencionado no art. 21, XIV, da CF/88 e a ele deu o nome de “Fundo Constitucional do Distrito Federal – FCDF”. Assim, Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) é... - um fundo de natureza contábil, - previsto no art. 21, XIV, da CF/88 e instituído pela Lei nº 10.633/2002, - que tem como finalidade prover os recursos necessários à organização e manutenção - da polícia civil, da polícia penal, da polícia militar e do corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, - e, além disso, serve também como uma assistência financeira que a União oferece para que o Distrito Federal possa executar seus serviços públicos de saúde e educação. Qual é o valor do repasse da União para o DF por intermédio deste fundo? Veja o que diz o art. 2º da Lei nº 10.633/2002:

Art. 2º A partir de 2003, inclusive, o aporte anual de recursos orçamentários destinados ao FCDF será de R$ 2.900.000.000,00 (dois bilhões e novecentos milhões de reais), corrigido anualmente pela variação da receita corrente líquida – RCL da União. (...)

Art. 4º Os recursos correspondentes ao FCDF serão entregues ao GDF até o dia 5 de cada mês, a partir de janeiro de 2003, à razão de duodécimos.

Quem tem a competência para fiscalizar os recursos deste Fundo: o Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) ou o Tribunal de Contas da União (TCU)? O TCU.

O Tribunal de Contas da União (TCU) é o órgão competente para fiscalizar os recursos decorrentes do Fundo Constitucional do Distrito Federal. STF. 2ª Turma. MS 28584/DF, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 29/10/2019 (Info 958).

Os recursos destinados à manutenção da segurança pública e à execução dos serviços públicos do Distrito Federal mencionados no art. 21, XIV, da CF/88 pertencem aos cofres federais (Tesouro Nacional), e não ao Distrito Federal. Em outras palavras, esse dinheiro sai dos cofres da União. Logo, compete ao Tribunal de Contas da União a fiscalização de sua correta aplicação, conforme prescrevem os arts. 70 e 71, VI, da CF/88:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

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Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: (...) VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

DIREITO PENAL

LEI DE DROGAS A habitualidade no crime e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser

comprovados pela acusação, não sendo possível que o benefício do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º) seja afastado por simples presunção

A Lei de Drogas prevê, em seu art. 33, § 4º, a figura do “traficante privilegiado”, também chamada de “traficância menor” ou “traficância eventual”:

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

A habitualidade no crime e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser comprovados pela acusação, não sendo possível que o benefício seja afastado por simples presunção. Assim, se não houver prova nesse sentido, o condenado fará jus à redução da pena.

A quantidade e a natureza são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na definição do quanto haverá de diminuição, não são elementos que, por si sós, possam indicar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação a atividades criminosas.

Vale ressaltar, por fim, que é possível a aplicação deste benefício mesmo para condenados por tráfico transnacional de drogas.

STF. 2ª Turma. HC 152001 AgR/MT, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 29/10/2019 (Info 958).

Tráfico privilegiado (art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006) A Lei de Drogas prevê, em seu art. 33, § 4º, a figura do “traficante privilegiado”, também chamada de “traficância menor” ou “traficância eventual”:

Art. 33 (...) § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Qual é a natureza jurídica deste § 4º? Trata-se de uma causa de diminuição de pena.

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Redução: de 1/6 a 2/3 O magistrado tem plena autonomia para aplicar a redução no quantum que reputar adequado de acordo com as peculiaridades do caso concreto. Vale ressaltar, no entanto, que essa fixação deve ser suficientemente fundamentada e não pode utilizar os mesmos argumentos adotados em outras fases da dosimetria da pena (STF HC 108387, 06.03.12). Dito de outra forma, não se pode utilizar os mesmos fundamentos para fixar a pena-base acima do mínimo legal e para definir o quantum da redução prevista neste dispositivo, sob pena de bis in idem. Vedação à conversão em penas restritivas de direitos: O STF já declarou, de forma incidental, a inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante deste § 4º do art. 33, de modo que é possível, segundo avaliação do caso concreto, a concessão da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, desde que cumpridos os requisitos do art. 44 do CP. Requisitos: Para ter direito à minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, é necessário o preenchimento de quatro requisitos autônomos: a) primariedade; b) bons antecedentes; c) não dedicação a atividades criminosas; e d) não integração à organização criminosa. Se o réu não preencher algum desses requisitos, não terá direito à minorante. São requisitos cumulativos (STJ. 5ª Turma. HC 355.593/MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 25/8/2016). Imagine agora a seguinte situação adaptada: Mário foi preso quando tentava entrar no Brasil transportando 4kg de cocaína trazidos da Bolívia. O agente estava trazendo a droga escondida em um compartimento costurado dentro da bagagem em um táxi boliviano. Ele não possuía antecedentes criminais. O Ministério Público pediu que fosse afastado o benefício do § 4º do art. 33 em razão de se tratar de tráfico transnacional (“internacional”) de drogas e sob o argumento de que a forma como a droga foi acondicionada sugerir que ele já era experiente nesse tipo de transporte. É possível a aplicação do benefício do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 para um indivíduo condenado por tráfico transnacional (“internacional”) de drogas? Nesse caso concreto, Mário recebeu essa causa de diminuição de pena? SIM. A 2ª Turma do STF, ao analisar este caso concreto, chegou a um empate (2x2) e, em razão disso, concedeu a ordem em habeas corpus para permitir a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Prevaleceu o voto do Ministro Gilmar Mendes, que aplicou o citado redutor do § 4º do art. 33 por considerar que estavam preenchidos os requisitos do tráfico privilegiado, tendo em vista que: • o réu é primário; • possui bons antecedentes; e • não há qualquer indicação de envolvimento em atividades ilícitas. As provas dos autos não são aptas a demonstrar o envolvimento do réu em organização criminosa.

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A habitualidade e o pertencimento a organizações criminosas deverão ser comprovados pela acusação, não sendo possível que o benefício seja afastado por simples presunção. Assim, se não houver prova nesse sentido, o condenado fará jus à redução da pena. A quantidade e a natureza são circunstâncias que, apesar de configurarem elementos determinantes na modulação da causa de diminuição, por si sós, não são aptas a comprovar o envolvimento com o crime organizado ou a dedicação a atividades criminosas. STF. 2ª Turma. HC 152001 AgR/MT, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, julgado em 29/10/2019 (Info 958).

DIREITO PROCESSUAL PENAL

ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO Se o acórdão absolutório foi combatido tempestivamente pelo assistente de acusação, não houve formação de coisa julgada em favor do réu, ainda que o MP tenha perdido o prazo

O Ministério Público e o assistente de acusação interpuseram recurso.

Ocorre que o recurso do MP não foi conhecido, por intempestividade.

Por outro lado, ficou constatado que o recurso do assistente de acusação foi interposto dentro do prazo.

Logo, se o acórdão absolutório foi combatido tempestivamente pelo assistente de acusação, não houve formação de coisa julgada em favor do réu e o recurso deve ser apreciado pelo Tribunal.

STF. 2ª Turma. HC 154076 AgR/PA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/10/2019 (Info 958).

Assistente de acusação O titular e, portanto, autor da ação penal pública, é o Ministério Público (art. 129, I, CF/88). Contudo, o ofendido (vítima) do crime poderá pedir para intervir no processo penal a fim de auxiliar o Ministério Público. A essa figura dá-se o nome de “assistente da acusação”. O assistente também é chamado de “parte contingente”, “adesiva”, ou “adjunta”. O assistente é considerado a única parte desnecessária e eventual do processo. Obs.: somente existe assistente da acusação no caso de ação penal pública. Quem pode ser assistente da acusação? Segundo o art. 268 do CPP, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido (pessoalmente ou por meio de seu representante legal, caso seja incapaz). Caso a vítima tenha morrido, poderá intervir como assistente: • o cônjuge; • o companheiro; • o ascendente; • o descendente ou • o irmão do ofendido. Corréu O corréu, no mesmo processo, não poderá intervir como assistente do Ministério Público (art. 270 do CPP). Ex.: Pedro e Tiago foram denunciados por lesões corporais recíprocas. Pedro não pode ser aceito como assistente de acusação do MP porque é corréu no processo.

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Momento em que pode ocorrer a intervenção como assistente da acusação A intervenção como assistente da acusação poderá ocorrer em qualquer momento da ação penal, desde que ainda não tenha havido o trânsito em julgado: CPP/Art. 269. O assistente será admitido enquanto não passar em julgado a sentença e receberá a causa no estado em que se achar. Não cabe assistente da acusação no IP. Não cabe assistente da acusação no processo de execução penal. Como ocorre a habilitação do ofendido (ou de seus sucessores) como assistente: 1) O ofendido (ou seus sucessores) deverá, por meio de um advogado dotado de procuração com poderes específicos, formular pedido ao juiz para intervir no processo como assistente da acusação; 2) O juiz manda ouvir o MP; 3) O MP somente pode se manifestar contrariamente à intervenção do ofendido como assistente da acusação se houver algum aspecto formal que não esteja sendo obedecido (exs.: o sucessor pediu para intervir, mas o ofendido ainda está vivo; o advogado não possui procuração com poderes expressos). O MP não pode recusar o assistente com base em questões relacionadas com a oportunidade e conveniência da intervenção. Preenchidos os requisitos legais, a intervenção do ofendido como assistente é tida como um direito subjetivo; 4) O juiz decide sobre a intervenção, ressaltando mais uma vez que esta somente poderá ser negada se não atender aos requisitos da lei; 5) Da decisão que admitir ou não o assistente não caberá recurso (art. 273 do CPP). No entanto, é possível que seja impetrado mandado de segurança. O assistente de acusação pode interpor recursos? SIM. O assistente de acusação pode: • arrazoar os recursos interpostos pelo MP; e • interpor e arrazoar seus próprios recursos. Recurso do assistente de acusação O recurso pode ser interposto tanto pelo ofendido (ou sucessores) que já está habilitado nos autos na qualidade de assistente da acusação, como também nos casos em que a vítima ainda não era assistente, mas decide intervir no processo apenas no final, quando observa que a sentença não foi justa (em sua opinião) e que mesmo assim o MP não recorreu. Nesse caso, o ofendido (ou seus sucessores) apresenta o recurso e nesta mesma peça já pede para ingressar no feito. Qual é o prazo para o ofendido (ou sucessores) apelar contra a sentença? • Se já estava HABILITADO como assistente: 5 dias (art. 593 do CPP); • Se ainda NÃO estava habilitado: 15 dias (art. 598, parágrafo único, do CPP). Obs: o prazo só tem início depois que o prazo do MP se encerra. Nesse sentido:

Súmula nº 448-STF: O prazo para o assistente recorrer supletivamente começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do MP.

Imagine agora a seguinte situação:

O Ministério Público e o assistente de acusação interpuseram recurso. Ocorre que o recurso do MP não foi conhecido, por intempestividade. Ficou constatado, contudo, que o recurso do assistente de acusação foi interposto dentro do prazo.

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Logo, se o acórdão absolutório foi combatido tempestivamente pelo assistente de acusação, não houve formação de coisa julgada em favor do réu e o recurso deve ser apreciado pelo Tribunal. STF. 2ª Turma. HC 154076 AgR/PA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/10/2019 (Info 958).

REVISÃO CRIMINAL Não cabe revisão criminal para questionar os critérios discricionários

utilizados pelo órgão julgador na fixação da pena

Não é cabível revisão criminal para se pretender a rediscussão do mérito da condenação.

Não cabe revisão criminal para questionar os critérios discricionários utilizados pelo órgão julgador na fixação da pena.

Não se aplica a minorante do arrependimento posterior (art. 16 do CP) no caso do crime do art. 20 da Lei nº 7.492/86, considerando que se trata de delito de natureza formal, que dispensa a ocorrência de resultado naturalístico.

Além disso, se a reparação do dano foi feita por terceira pessoa – sem que se comprove que agiu em nome do agente – não se aplica o benefício do arrependimento posterior, que exige pessoalidade e voluntariedade na reparação.

STF. Plenário. RvC 5475/AM, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 6/11/2019 (Info 958).

Imagine a seguinte situação adaptada: Determinado Senador foi julgado e condenado pela 1ª Turma do STF à pena de 4 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática do delito previsto no art. 20 da Lei nº 7.492/86:

Art. 20. Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

De acordo com a acusação apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o Senador obteve financiamento no Banco da Amazônia (BASA) com a finalidade de renovar a frota da empresa de ônibus responsável pelo transporte intermunicipal em Manaus (AM), da qual ele era gestor. Entretanto, em vez de comprar ônibus novos, a empresa adquiriu chassis com 11 anos de uso, retificados para receber as carrocerias. Essa conduta caracterizou o crime de desvio de finalidade de recursos previsto no art. 20 da Lei nº 7.492/86. Revisão criminal A defesa apresentou embargos infringentes contra este acórdão condenatório questionando dois pontos: 1) a pena-base teria sido fixada incorretamente pela 1ª Turma; 2) o réu fez a reparação integral do dano antes do oferecimento da denúncia, com a substituição dos veículos usados por novos. Logo, deveria ter sido aplicada a causa de diminuição de pena do arrependimento posterior prevista no art. 16 do Código Penal:

Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

O que decidiu o STF? O Plenário do STF não conheceu da revisão criminal.

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Vamos entender os motivos. Em que consiste a revisão criminal? Revisão criminal é... - uma ação autônoma de impugnação - de competência originária dos Tribunais (ou da Turma Recursal, no caso dos Juizados) - por meio da qual a pessoa condenada requer ao Tribunal - que reveja a decisão que a condenou (e que já transitou em julgado) - sob o argumento de que ocorreu erro judiciário. Então a revisão criminal pode ser proposta a qualquer tempo? SIM. A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, mesmo após já ter sido extinta a pena (art. 622 do CPP). Natureza jurídica A revisão criminal NÃO é um recurso. Trata-se de uma ação autônoma de impugnação, mais precisamente uma ação penal de natureza constitutiva (tem por objetivo desconstituir uma decisão transitada em julgado). Pressupostos: A revisão criminal tem dois pressupostos: a) existência de decisão condenatória (ou absolutória imprópria) com trânsito em julgado; b) demonstração de que houve erro judiciário. Quem pode propor a revisão criminal? • o próprio réu; • procurador legalmente habilitado pelo réu; • o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do réu, caso este já tenha morrido.

CPP/Art. 623. A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

Hipóteses As hipóteses de revisão criminal estão previstas no art. 621 do CPP:

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Obs: o art. 263 do Regimento Interno do STF reproduz essas três hipóteses. Ônus processual do autor enquadrar seu pedido em uma dessas hipóteses de cabimento A revisão criminal expressa um processo reparatório do erro judiciário em que situações excepcionais, assim reconhecidas pelo legislador, podem, em tese, autorizar a desconstrução do pronunciamento jurisdicional acobertado pelo manto da coisa julgada.

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Nesse cenário, o condenado não tem o direito subjetivo de, fora da destinação legal do meio de impugnação, perseguir a desconstituição de decisões desfavoráveis que tenham sido proferidas em processos penais. No âmbito da revisão criminal, é ônus processual do autor enquadrar seu pedido a uma das hipóteses taxativamente previstas na lei e demonstrar que o conjunto probatório autoriza o juízo revisional ou absolutório. Revisão criminal não é um recurso para o Plenário contra as decisões das Turmas do STF A revisão criminal não funciona como uma ferramenta processual destinada a propiciar um novo julgamento, como se fosse um instrumento de veiculação de pretensão recursal. Em palavras mais simples, não é um recurso. Conforme já vimos, a revisão criminal possui pressupostos de cabimento próprios que não coincidem com a simples finalidade de nova avaliação da decisão condenatória. Portanto, a via da revisão criminal não deve existir para que o Tribunal Pleno do STF funcione como simples instância recursal destinada ao reexame de compreensões das Turmas. Revisão criminal não se confunde com uma apelação criminal A análise feita em sede de revisão criminal fica restrita aos aspectos de legalidade da condenação proferida sem lastro jurídico ou probatório. Essa análise, contudo, não é a mesma feita em sede de apelação, na qual é possível o reexame aprofundado da suficiência dessas provas ou, ainda, da melhor interpretação do direito aplicado ao caso concreto. Desse modo, a revisão criminal, ao contrário da apelação, não é apta para equacionar controvérsias razoáveis acerca do acerto ou desacerto da valoração da prova ou do direito. Em outras palavras, a revisão criminal não serve para discutir se a interpretação dada pelo órgão julgador não foi a melhor possível ou se determinada prova não foi valorada corretamente. A coisa julgada material só pode ser desconstituída de modo excepcional, de forma que só cabe a revisão criminal nas hipóteses taxativamente previstas no ordenamento jurídico. Não cabe revisão criminal para questionar a motivação dada pelo órgão julgador na dosimetria da pena Voltando especificamente ao caso concreto, o STF afirmou que não se pode, por meio da revisão criminal, modificar a dosimetria da pena alterando a discricionariedade conferida ao órgão jurisdicional naturalmente competente para essa análise. Em outras palavras, não se pode, na revisão criminal, refazer a dosimetria da pena imposta na condenação, salvo se houvesse algo nitidamente contrário ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos. Na revisão criminal, só se admite a análise de eventual ilegalidade na condenação criminal, ou seja, se seus fundamentos contrariaram normas legais, o que não se aplica aos critérios discricionários utilizados na fixação da pena. Para o STF, “a revisão criminal não se presta ao escrutínio da motivada avaliação por parte do órgão competente acerca da exasperação da pena-base”. Crime praticado é formal e, portanto, não se aplica o arrependimento posterior (art. 16 do CP) No que se refere à suposta incidência da minorante do arrependimento posterior (art. 16 do CP), o delito em questão (art. 20 da Lei nº 7.492/86) é de natureza formal, e dispensa a ocorrência de resultado naturalístico. Além disso, o decreto condenatório esclareceu que o ato praticado (troca dos ônibus antigos por novos) foi feito pelo irmão do Senador e, em nenhum momento, foi comprovado que ele agiu em seu nome. Logo, como a suposta reparação foi feita por terceira pessoa, não se aplica o benefício do arrependimento posterior, que exige pessoalidade e voluntariedade na reparação.

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Em suma:

Não é cabível revisão criminal para se pretender a rediscussão do mérito da condenação. Não cabe revisão criminal para questionar os critérios discricionários utilizados pelo órgão julgador na fixação da pena. Não se aplica a minorante do arrependimento posterior (art. 16 do CP) no caso do crime do art. 20 da Lei nº 7.492/86, considerando que se trata de delito de natureza formal, que dispensa a ocorrência de resultado naturalístico. Além disso, se a reparação do dano foi feita por terceira pessoa – sem que se comprove que agiu em nome do agente – não se aplica o benefício do arrependimento posterior, que exige pessoalidade e voluntariedade na reparação. STF. Plenário. RvC 5475/AM, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 6/11/2019 (Info 958).

EXECUÇÃO PROVISÓRIA O cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos

Importante!!!

Mudança de entendimento!

O art. 283 do CPP, que exige o trânsito em julgado da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88.

Assim, é proibida a chamada “execução provisória da pena”.

Vale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que estão presentes os requisitos para a prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP.

Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena.

STF. Plenário. ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 7/11/2019 (Info 958).

Condenação definitiva e execução da pena Se um indivíduo é condenado por um crime e contra esta decisão não cabe mais nenhum recurso, dizemos que a decisão transitou em julgado. Logo, a condenação é definitiva. Se o indivíduo é condenado definitivamente a uma pena e passa a cumprir essa pena, dizemos que está havendo a execução da pena. Condenação provisória Se um indivíduo é condenado por um crime e contra esta decisão ainda cabem recursos, dizemos que a decisão não transitou em julgado. Logo, a condenação é provisória. Imagine que um indivíduo está condenado, mas ainda falta julgar algum recurso que ele interpôs. Se esse indivíduo inicia o cumprimento da pena imposta, dizemos que está havendo aí uma execução provisória da pena. Isso porque a condenação ainda é provisória. Execução provisória da pena Desse modo, execução provisória da pena significa o réu cumprir a pena imposta na decisão condenatória mesmo sendo ainda uma decisão provisória (ainda sujeita a recursos).

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Execução provisória da pena é, portanto, o início do cumprimento da pena imposta, mesmo que a decisão condenatória ainda não tenha transitado em julgado. Argumento contrário à execução provisória da pena O principal argumento daqueles que são contrários à execução provisória da pena é a alegação de que ela violaria o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88 e que diz:

Art. 5º (...) LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Imagine agora a seguinte situação hipotética: João estava respondendo a um processo penal em liberdade. Ele foi, então, condenado a uma pena de 8 anos de reclusão. O réu interpôs apelação, mas o Tribunal de Justiça manteve a condenação. Contra esse acórdão, João interpôs, simultaneamente, recursos especial e extraordinário. João, que passou todo o processo em liberdade, deverá aguardar o julgamento dos recursos especial e extraordinário preso? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto se aguarda o julgamento dos recursos especial e extraordinário? É possível que o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena pelo simples fato de os recursos especial e extraordinário – que ainda estão pendentes – não terem efeito suspensivo? A resposta do STF para essa pergunta pode ser dividida em quatro momentos históricos:

Para o STF, é possível o início do cumprimento da pena caso somente reste o julgamento de recurso sem efeito suspensivo (ex: só falta julgar Resp ou RE)? É possível a execução provisória da pena?

1ª Período

Até fev/2009: SIM

É possível a execução

provisória da pena

Até fevereiro de 2009, o STF entendia que era possível a execução provisória da pena. Assim, se o réu estivesse condenado e interpusesse recurso especial ou recurso extraordinário, teria que iniciar o cumprimento provisório da pena enquanto aguardava o julgamento.

2ª Período

De fev/2009 a fev/2016: NÃO

NÃO é possível a execução

provisória da pena

No dia 05/02/2009, o STF, ao julgar o HC 84078 (Rel. Min. Eros Grau), mudou de posição e passou a entender que não era possível a execução provisória da pena. Obs: o condenado poderia até aguardar o julgamento do REsp ou do RE preso, mas desde que estivessem previstos os pressupostos necessários para a prisão preventiva (art. 312 do CPP). Dessa forma, ele poderia ficar preso, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena. Principais argumentos: • A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. • A execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa restrição do direito de defesa. • A antecipação da execução penal é incompatível com o texto da Constituição. Esse entendimento durou até fevereiro de 2016.

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3º Período:

De fev/2016 a nov/2019: SIM

É possível a execução

provisória da pena

No dia 17/02/2016, o STF, ao julgar o HC 126292 (Rel. Min. Teori Zavascki), retornou para a sua primeira posição e voltou a dizer que era possível a execução provisória da pena. Principais argumentos: • É possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau e isso não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. • O recurso especial e o recurso extraordinário não possuem efeito suspensivo (art. 637 do CPP). Isso significa que, mesmo a parte tendo interposto algum desses recursos, a decisão recorrida continua produzindo efeitos. Logo, é possível a execução provisória da decisão recorrida enquanto se aguarda o julgamento do recurso. • Até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em 2º grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau ao STJ ou STF não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. • É possível o estabelecimento de determinados limites ao princípio da presunção de não culpabilidade. Assim, a presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado. • A execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, desde que o acusado tenha sido tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. • É necessário equilibrar o princípio da presunção de inocência com a efetividade da função jurisdicional penal. Neste equilíbrio, deve-se atender não apenas os interesses dos acusados, como também da sociedade, diante da realidade do intrincado e complexo sistema de justiça criminal brasileiro. • “Em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”.

4º Período:

Entendimento atual: NÃO

NÃO é possível a execução

provisória da pena

No dia 07/11/2019, o STF, ao julgar as ADCs 43, 44 e 54 (Rel. Min. Marco Aurélio), retornou para a sua segunda posição e afirmou que o cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos. Assim, é proibida a execução provisória da pena. Vale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial individualmente fundamentada na qual o magistrado demonstre que estão presentes os requisitos para a prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP. Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena.

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Principais argumentos: • O art. 283 do CPP, com redação dada pela Lei nº 12.403/2011, prevê que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”. Esse artigo é plenamente compatível com a Constituição em vigor. • O inciso LVII do art. 5º da CF/88, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, não deixa margem a dúvidas ou a controvérsias de interpretação. • É infundada a interpretação de que a defesa do princípio da presunção de inocência pode obstruir as atividades investigatórias e persecutórias do Estado. A repressão a crimes não pode desrespeitar e transgredir a ordem jurídica e os direitos e garantias fundamentais dos investigados. • A Constituição não pode se submeter à vontade dos poderes constituídos nem o Poder Judiciário embasar suas decisões no clamor público.

Voltando à pergunta formulada: João, que passou todo o processo em liberdade, deverá aguardar o julgamento dos recursos especial e extraordinário preso ou solto? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto se aguarda o julgamento dos recursos especial e extraordinário? É possível que o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena mesmo sem ter havido ainda o trânsito em julgado? Não é possível a execução provisória da pena. Se o Tribunal de 2ª instância (TJ ou TRF) condenou o réu ou manteve a condenação imposta pelo juiz na sentença e o condenado interpôs recurso especial ou extraordinário, isso significa que, enquanto tais recursos não forem apreciados, não houve trânsito em julgado. Se não houve ainda trânsito em julgado, não se pode determinar que o réu inicie o cumprimento provisório da pena. Não importa que os recursos pendentes possuam efeito meramente devolutivo (sem efeito suspensivo). Não existe cumprimento provisório da pena no Brasil porque ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado (art. 5º, LVII, da CF/88). Mas o réu que já foi condenado e recorreu, pode ser preso? Até pode, mas não como um efeito automático da condenação. Se o juiz ou o Tribunal for decretar a prisão do condenado, ele terá que demonstrar que, naquele caso concreto, estão presentes os requisitos da prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º).

TJ ou TRF condena o réu ou mantém uma condenação de 1ª instância Este réu, que foi condenado a pena privativa de liberdade, deve ser preso mesmo que recorra?

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Segundo o entendimento que vigorou de fev/2016 a nov/2019: SIM. A prisão, neste caso, era automática. Passados eventuais embargos de declaração contra o acórdão, TJ ou TRF determinava a prisão do condenado com uma simples decisão invocando a execução provisória da pena.

Segundo o entendimento atual: depende. A prisão, neste caso, não é mais automática. O TJ ou TRF deverá decidir, de forma individualizada, sobre a liberdade do réu, podendo até decretar a prisão, desde que demonstre que isso é indispensável para a garantia da ordem pública ou econômica, para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Se a prisão não for imprescindível para assegurar esses valores, ele deverá aguardar em liberdade.

Não se analisava a necessidade da prisão porque esta decorria do cumprimento provisório da condenação. Aqui, era prisão-pena.

É indispensável que seja analisada a necessidade ou não da prisão. Trata-se de prisão cautelar (não é prisão-pena).

Os réus que estavam presos por força da execução provisória da pena deverão ser soltos com essa nova decisão? Deverá ser analisada a situação individual de cada um desses réus. Se eles estavam presos unicamente por força da execução provisória da pena, é provável que sejam soltos. Se eles estavam presos porque presentes os requisitos da prisão cautelar (art. 312 do CPP), a decisão do STF não altera a sua situação. Por isso, os Tribunais deverão analisar cada um dos casos. Em suma:

O art. 283 do CPP, que exige o trânsito em julgado da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88. Assim é proibida a chamada “execução provisória da pena”. Vale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que estão presentes os requisitos para a prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP. Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena. STF. Plenário. ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 7/11/2019 (Info 958).

A nova decisão do STF é vinculante? SIM. A decisão do STF foi proferida em ADC, que declarou a constitucionalidade do art. 283 do CPP:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Apesar de haver certa divergência doutrinária, prevalece que as decisões proferidas pelo STF em ação declaratória de constitucionalidade possuem efeitos vinculantes e erga omnes.

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O cenário acima está consolidado? Por enquanto, sim. No entanto, não é possível afirmar, com segurança, que irá prevalecer por muito tempo. Isso porque a decisão do STF foi construída com um placar apertado (6x5). Um dos Ministros que votou pela proibição da execução provisória da pena foi Celso de Mello. O Ministro Celso de Mello se aposenta em novembro de 2020. Se o novo Ministro que tomar posse defender a possibilidade da execução provisória da pena, o cenário acima poderá ser, novamente, alterado. Por enquanto, contudo, o que foi explicado acima é o que vale. Penso que o que foi explicado acima já é suficiente para a compreensão da matéria. No entanto, se quiser aprofundar, segue um resumo de alguns dos principais argumentos invocados pelos Ministros que votaram segundo a tese vencedora

Ministro Marco Aurélio (relator) De acordo com o referido preceito constitucional, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. A literalidade do preceito não deixa margem a dúvidas: a culpa é pressuposto da sanção, e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior (coisa julgada). O dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas. A CF consagrou a excepcionalidade da custódia no sistema penal brasileiro, sobretudo no tocante à supressão da liberdade anterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória. A regra é apurar para, em virtude de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da pena, que não admite a forma provisória. A exceção corre à conta de situações individualizadas nas quais se possa concluir pela aplicação do art. 312 do CPP e, portanto, pelo cabimento da prisão preventiva. O abandono do sentido unívoco do texto constitucional gera perplexidades, observada a situação veiculada: pretende-se a declaração de constitucionalidade de preceito que reproduz o texto da CF. Ao modificar a redação do art. 283 do CPP, o Poder Legislativo, por meio da Lei nº 12.403/2011, limitou-se a concretizar, no campo do processo, uma garantia que já era explícita na CF. Também não merece prosperar a distinção entre as situações de inocência e não culpa. A execução da pena fixada por meio da sentença condenatória pressupõe a configuração do crime, ou seja, a verificação da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Assim, o implemento da sanção não deve ocorrer enquanto não assentada a prática do delito. Raciocínio em sentido contrário implica negar os avanços do constitucionalismo próprio ao Estado Democrático de Direito. O princípio da não culpabilidade é garantia vinculada, pela CF, à preclusão, de modo que a constitucionalidade do art. 283 do CPP não comporta questionamentos. O preceito consiste em reprodução de cláusula pétrea cujo núcleo essencial nem mesmo o poder constituinte derivado está autorizado a restringir. A determinação constitucional não surge desprovida de fundamento. Coloca-se o trânsito em julgado como marco seguro para a severa limitação da liberdade, ante a possibilidade de reversão ou atenuação da condenação nas instâncias superiores. Em cenário de profundo desrespeito ao princípio da não culpabilidade, sobretudo quando autorizada normativamente a prisão cautelar, não cabe antecipar, com contornos definitivos – execução da pena –, a supressão da liberdade. Deve-se buscar a solução consagrada pelo legislador nos arts. 312 e 319 do CPP, em consonância com a CF e ante outra garantia maior – a do inciso LXVI do art. 5º: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. Uma vez realinhada a sistemática da prisão à literalidade do art. 5º, LVII, da CF – no que direciona a apurar para, em virtude de título judicial condenatório precluso na via da recorribilidade, prender, em execução da pena –, surge inviável, no plano da lógica, acolher o requerimento formalizado, em caráter sucessivo, nas ADCs 43 e 54, concernente ao condicionamento da execução provisória da pena ao julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se esse tribunal fosse um “Supremo Tribunal de Justiça”, nivelado ao verdadeiro e único Supremo.

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Ministra Rosa Weber O 5º, LVII, da CF, além de princípio, representa também regra específica e expressamente veiculada pelo constituinte – a fixar, objetivamente, o trânsito julgado como termo final da presunção de inocência, o momento em que passa a ser possível impor ao acusado os efeitos da atribuição da culpa. O texto do art. 283 do CPP guarda higidez frente à ordem objetiva de princípios, valores e regras inscritos na Carta constitucional de 1988. A Constituição de 1988 não assegura uma presunção de inocência meramente principiológica. Ainda que não o esgote, ela delimita o âmbito semântico do conceito legal de culpa, para fins de condenação criminal, na ordem jurídica por ela estabelecida. E o faz ao afirmar categoricamente que a culpa supõe o trânsito em julgado. Considerada a conformação específica dada pela Constituição brasileira ao princípio da presunção de inocência – qual seja, a de assegurá-la até o trânsito em julgado ou a irrecorribilidade do título condenatório –, não se justifica qualquer tentativa de assimilação da ordem jurídica pátria a razões de direito comparado em relação a ordenamentos jurídicos que, por mais merecedores de admiração que sejam, não contemplam figura normativa-constitucional análoga. De outra parte, ainda que se pretendesse relativizar a densidade normativa do art. 5º, LVII, da CF, despindo-o da sua literalidade, não seria possível identificar, no art. 283 do CPP, qualquer ofensa a este ou a qualquer outro preceito constitucional. Em face de ato normativo editado pelo Poder Legislativo com exegese plenamente compatível com o parâmetro constitucional de controle, a tônica do exame de constitucionalidade deve ser a deferência da jurisdição constitucional à interpretação empreendida pelo ente legislativo. Não cabe ao Poder Judiciário, no exercício do controle jurisdicional da exegese conferida pelo Legislador a uma garantia constitucional, simplesmente substituí-la pela sua própria interpretação da Constituição. O direito processual penal tem como norte a maior das garantias constitucionais, que é a observância, na tutela constitucional da liberdade, do devido processo legal. A Constituição assegura, expressamente, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Uma vez adotado, pelo legislador infraconstitucional, marco normativo que, longe de a ela se contrapor, visa assegurar a máxima efetividade da garantia constitucional da presunção de inocência e guarda absoluta consonância com a Lei Fundamental, não pode o intérprete da norma constitucional ceifar-lhe o potencial humanizador. Embora fortes razões de índole social, ética e cultural amparem seriamente a necessidade de que sejam buscados desenhos institucionais e mecanismos jurídico-processuais cada vez mais aptos a responder, com eficiência, à exigência civilizatória que é o debelamento da impunidade, não há como, do ponto de vista normativo-constitucional vigente – cuja observância irrestrita também traduz em si mesma uma exigência civilizatória –, afastar a higidez de preceito que institui garantia, em favor do direito de defesa e da garantia da presunção de inocência, plenamente assimilável ao texto magno. Ministro Ricardo Lewandowski A presunção de inocência integra a cláusula pétrea alusiva aos direitos e garantias individuais que representa a mais importante das salvaguardas do cidadão. É vedado, até mesmo aos Deputados e Senadores, ainda que no exercício do poder constituinte derivado do qual são investidos, extinguir ou minimizar a presunção de inocência, plasmada na Constituição de 1988, porquanto foi concebida como um antídoto contra a volta de regimes ditatoriais. Com maior razão não é dado aos juízes fazê-lo por meio da estreita via da interpretação, eis que esbarrariam nos intransponíveis obstáculos das cláusulas pétreas, verdadeiros pilares das instituições democráticas. Não se mostra possível superar a taxatividade do inciso LVII do art. 5º da CF, salvo em situações de cautelaridade, por tratar-se de comando constitucional absolutamente imperativo, categórico, com relação ao qual não cabe qualquer tergiversação. Ademais, o texto do dispositivo constitucional, além de

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ser claríssimo, jamais poderia ser objeto de uma inflexão jurisprudencial para interpretá-lo in malam partem, ou seja, em prejuízo dos acusados em geral. Por fim, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, elaborada sob os auspícios da Organização das Nações Unidas e subscrita pelo Brasil, de observância obrigatória por todos os Estados que a assinaram, consagrou, em seu art. 30, o princípio da proibição do retrocesso em matéria de direitos e garantias fundamentais, plenamente aplicável à espécie. Ministro Gilmar Mendes Nos últimos anos, o CPP sofreu alterações, com o objetivo de se adequar à CF/88. No mesmo sentido, o STF tem se posicionado contra a prisão abusiva, como, por exemplo, a fundada no clamor público, ou a prisão aplicada de modo automático, sem fundamentação. A execução penal antes do trânsito em julgado não é compatível com a CF, e a ordem de prisão decretada antes desse marco processual deve se revestir dos requisitos da prisão preventiva, sob pena de ofensa ao princípio de presunção de não culpabilidade. Esse postulado tem a feição de garantia institucional do réu, para que não seja tratado da mesma forma durante o trâmite do processo. Assim, a lei pode impor a ele tratamento diferenciado ao longo da marcha processual, conforme são preenchidos determinados requisitos. Ainda que existam graves disfuncionalidades no sistema processual penal, que levam à prescrição e à não aplicação da pena, elas não legitimam a prática de medidas abusivas por parte do Poder Judiciário, como prisões processuais infundadas ou baseadas na manutenção da ordem pública e na gravidade do delito, como a denominada “prisão provisória de caráter permanente”. A problemática da prescrição, ademais, pode ser solucionada de maneira mais satisfatória a depender de medidas administrativas tomadas pelos tribunais. Desse modo, é preciso tornar o sistema mais eficiente; e não promover a ablação de uma norma constitucional. O combate a qualquer tipo de criminalidade deve sempre ser feito dentro dos limites da Constituição e da lei. Ministro Celso de Mello Apresentou os seguintes fundamentos: a) a presunção de inocência qualifica-se como direito público subjetivo, de caráter fundamental, expressamente contemplado na CF (art. 5º, LVII); b) o estado de inocência, que sempre se presume, cessa com a superveniência do efetivo e real trânsito em julgado da condenação criminal, não se admitindo, por incompatível com a cláusula constitucional que o prevê, a antecipação ficta do momento formativo da coisa julgada penal; c) a presunção de inocência não se reveste de caráter absoluto, em razão de constituir presunção juris tantum, de índole meramente relativa; d) a presunção de inocência não se esvazia progressivamente, à medida em que se sucedem os graus de jurisdição, pois só deixa de subsistir quando resultar configurado o trânsito em julgado da sentença penal condenatória; e) o postulado do estado de inocência não impede que o Poder Judiciário utilize, quando presentes os requisitos que os legitimem, os instrumentos de tutela cautelar penal, como as diversas modalidades de prisão cautelar (entre as quais, p. ex., a prisão temporária, a prisão preventiva ou a prisão decorrente de condenação criminal recorrível) ou, então, quaisquer outras providências de índole cautelar diversas da prisão (CPP, art. 319); f) a Assembleia Constituinte brasileira, embora lhe fosse possível adotar critério diverso (como o do duplo grau de jurisdição), optou, conscientemente, de modo soberano, com apoio em escolha política inteiramente legítima, pelo critério técnico do trânsito em julgado; g) a exigência de trânsito em julgado da condenação criminal, que atua como limite inultrapassável à subsistência da presunção de inocência, não traduz singularidade do constitucionalismo brasileiro, pois foi

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também adotada pelas vigentes Constituições democráticas da República Italiana de 1947 (art. 27) e da República Portuguesa de 1976 (art. 32, n. 2); h) a execução provisória (ou antecipada) da sentença penal condenatória recorrível, por fundamentar-se, artificiosamente, em uma antecipação ficta do trânsito em julgado, culmina por fazer prevalecer, de modo indevido, um prematuro juízo de culpabilidade, frontalmente contrário ao que prescreve o art. 5º, LVII, da CF; i) o reconhecimento da possibilidade de execução provisória da condenação criminal recorrível, além de inconstitucional, também transgride e ofende a legislação ordinária, que somente admite a efetivação executória da pena após o trânsito em julgado da sentença que a impôs (LEP, arts. 105 e 147; CPPM, arts. 592, 594 e 604), ainda que se trate de simples multa criminal (CP, art. 50; LEP, art. 164); j) as convenções e as declarações internacionais de direitos humanos, embora reconheçam a presunção de inocência como direito fundamental de qualquer indivíduo, não estabelecem, quanto a ela, a exigência do trânsito em julgado, o que torna aplicável, configurada situação de antinomia entre referidos atos de direito internacional público e o ordenamento interno brasileiro e em ordem a viabilizar o diálogo harmonioso entre as fontes internacionais e aquelas de origem doméstica, o critério da norma mais favorável (Pacto de São José da Costa Rica, art. 29), pois a CF, ao proclamar o estado de inocência em favor das pessoas em geral, estabeleceu o requisito adicional do trânsito em julgado, circunstância essa que torna consequentemente mais intensa a proteção jurídica dispensada àqueles que sofrem persecução criminal; k) a exigência do trânsito em julgado vincula-se à importância constitucional e político-social da coisa julgada penal, que traduz fator de certeza e de segurança jurídica (res judicata pro veritate habetur); e l) a soberania dos veredictos do júri, que se reveste de caráter meramente relativo, não autoriza nem legitima, por si só, a execução antecipada (ou provisória) de condenação ainda recorrível emanada do Conselho de Sentença. Ministro Dias Toffoli: Demonstrou indicadores no sentido de que a morosidade da justiça, que porventura leva à impunidade de criminosos, tem relação com erros, omissões e abusos cometidos em diversas fases, processuais e pré-processuais, e não se pode imputar esse fenômeno exclusivamente ao intervalo entre a condenação em segundo grau e o trânsito em julgado, que tem um papel residual nesses números. A estatística é ainda mais alarmante em relação aos procedimentos relativos a processo e julgamento pelo tribunal do júri, tendo em vista sua inerente complexidade. Além disso, existem mecanismos processuais à disposição das partes e do juiz, que podem ser aplicados para que se evite a superveniência da prescrição. Registrou, ainda, o elevado e crescente número de presos no país cujo decreto prisional não está fundado em decisão condenatória transitada em julgado. Assim, cabe ao Legislativo dispor sobre a temática de maneira diversa da que está no art. 283 do CPP, desde que o faça em respeito ao postulado da presunção de inocência. Enquanto não houver essa mudança, a prisão que não estiver fundada nos requisitos de prisões cautelares somente poderá subsistir se baseada no trânsito em julgado do édito condenatório. Em outras palavras, a presunção de inocência não impede a prisão em qualquer fase, processual ou pré-processual, desde que preenchidos os requisitos da prisão cautelar. Votos vencidos Ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, que julgaram os pedidos parcialmente procedentes, no sentido de dar interpretação conforme ao art. 283 do CPP. Admitiram a execução da pena após decisão em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário.

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) O Tribunal de Contas do Distrito Federal tem competência para fiscalizar os recursos decorrentes do

Fundo Constitucional do Distrito Federal. ( ) 2) (DPE/AM 2018 FCC) A natureza e a quantidade da droga apreendida impedem o reconhecimento da

causa de diminuição que caracteriza o tráfico privilegiado. ( ) 3) Não cabe revisão criminal para questionar os critérios discricionários utilizados pelo órgão julgador na

fixação da pena. ( ) 4) É proibida a chamada execução provisória da pena. ( ) Gabarito

1. E 2. E 3. C 4. C

OUTRAS INFORMAÇÕES

Sessões Ordinárias Extraordinária

s

Julgamentos Julgamentos por meio

eletrônico*

Em curso Finalizados

Pleno 6.11.2019 6.11.2019 e 7.11.2019

1 4 169

1ª Turma 5.11.2019 — 5 165 161

2ª Turma 29.10.2019

e 05.11.2019

— 6 9 275

* Emenda Regimental 52/2019-STF. Sessão virtual de 25 de outubro a 8 de novembro de 2019.

CLIPPING DAS SESSÕES VIRTUAIS DJE DE 28 DE OUTUBRO A 8 DE NOVEMBRO DE 2019

ADI/4615

RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO

Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 8º da Lei nº 8.438, de 19 de dezembro de 2007, do Estado da Paraíba. Exigência de iniciativa legislativa específica para se alterar o valor de remuneração ou subsídio fixado em lei anterior,

respeitada a competência privativa. Procedência do pedido. 1. Afronta o art. 37, X, c/c o art. 61, §1º, II, a, parte final,

ambos da Constituição Federal, dispositivo legal que, embora encartado em iniciativa de lei destinada a fixar o valor dos

subsídios pagos a determinadas categorias de servidores estaduais, institui, também, parâmetros a serem observados para

fins de elevação dos valores fixados, retirando, assim, do chefe do Poder Executivo a prerrogativa de deflagrar o processo

legislativo específico voltado a implementar o aumento de subsídios pagos a servidores ocupantes de “cargos [ ] na

administração direta e autárquica”. 2. A teor do disposto no art. 37, X, da CF/88, exige-se não apenas o respeito à

competência privativa para a iniciativa de lei, mas também lei específica para a fixação da remuneração de servidor

público, bem como iniciativa legislativa específica para se alterar o valor fixado em lei anterior, ficando ressalvada essa

especificidade somente na hipótese de legislação destinada a regulamentar, de forma geral e sem distinção de índices

entre as categorias que compõem a estrutura pública do ente da federação, a recomposição do poder aquisitivo da moeda, com periodicidade de um ano. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, com efeitos ex nunc.

ADI/5857

RELATOR: MIN. CÁRMEN LÚCIA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 10 E 21 DA LEI N. 13.089/2015 (ESTATUTO DA

METRÓPOLE). REVOGAÇÃO DO ART. 21 PELA LEI N. 13.683/2018. PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO.

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COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA ESTABELECER DIRETRIZES GERAIS DE DESENVOLVIMENTO URBANO

E EDITAR NORMAS GERAIS SOBRE DIREITO URBANÍSTICO. COMPETÊNCIA DOS ESTADOS PARA

INSTITUIR REGIÕES METROPOLITANAS. CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DE PLANO DE

DESENVOLVIMENTO URBANO INTEGRADO ELABORADO POR REPRESENTANTES DO ESTADO, DOS

MUNICÍPIOS E DA SOCIEDADE CIVIL. FEDERALISMO COOPERATIVO. AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PREJUDICADA EM PARTE E, NO MAIS, IMPROCEDENTE.

SEG. AG. REG. EM MS N. 28845

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

RECURSO ORDINÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – PRONUNCIAMENTO DE TURMA DO SUPREMO.

Incabível é o recurso ordinário contra acórdão de Turma do Supremo relativo a julgamento originário de mandado de

segurança. Precedente: questão de ordem no mandado de segurança nº 28.857, Pleno, relator o ministro Celso de Mello, acórdão publicado no Diário da Justiça eletrônico de 20 de março de 2013.

HC/173485

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PRISÃO PREVENTIVA – POSSE DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES DE USO RESTRITO – FLAGRANTE. Uma

vez precedida a prisão preventiva de flagrante, considerada a prática do delito de posse de arma de fogo de munições de

uso restrito, tem-se sinalizada a periculosidade e viável a custódia. PRISÃO PREVENTIVA – REINCIDÊNCIA –

PERICULOSIDADE. Ante a constatação de tratar-se de acusado reincidente, tem-se sinalizada a periculosidade e viável

a custódia.

AG. REG. NO HC/174412

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Agravo regimental em habeas corpus. 2. Crime contra a ordem tributária (art. 1º, I, II e IV, da Lei 8.137/1990, por quarenta

e cinco vezes, na forma do art. 71 do Código Penal). 3. Violação do princípio do juiz natural (art. 5º, LIII, da Constituição

Federal) em razão da integral troca de composição dos membros da 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal

da 2ª Região quando do julgamento dos embargos de declaração opostos contra acórdão que negou provimento ao recurso

de apelação. Inocorrência. 4. Em verdade, trata-se de confusão entre os princípios do juiz natural e da identidade física

do juiz (art. 399, §2º, do Código de Processo Penal). Não enseja nulidade ou prejuízo à ampla defesa a não preservação

da identidade física do julgador quando da apreciação de embargos declaratórios. 5. Regimento Interno do TRF-2 (art.

140, caput) veda a sustentação no julgamento de embargos de declaração. Inviabilidade de se proceder à sustentação oral

das teses defensivas em todas ou mesmo na maioria das fases recursais. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.

EXT/1541

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

Ementa: EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA. ESTADOS UNIDOS MEXICANOS. EXTRATERRITORIEDADE DOS

CRIMES. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. AUSÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL NO BRASIL.

COMPETÊNCIA MEXICANA. PRÁTICA DE INFRAÇÕES PENAIS COMUNS, DESVESTIDAS DE CARÁTER

POLÍTICO. DELIQUÊNCIA ORGANIZADA. TRÁFICO DE PESSOAS. EXPLORAÇÃO DE MATERIAL COM

CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO MENORES DE IDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS PARA

DEFERIMENTO DA EXTRADIÇÃO. I – Em se tratando de crimes transnacionais, a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal é no sentido de que prevalece a jurisdição estrangeira, caso ainda não tenha procedimento judicial

persecutório contra o extraditando no Brasil (Ext 638, Rel. Min. Carlos Veloso; Ext 1.151, Rel. Min. Celso de Mello). II

– Os crimes de delinquência organizada e tráfico de pessoas, mediante exploração de material com conteúdo pornográfico

envolvendo menores de idade são delitos comuns, desvestidos de caráter político, que preenchem os requisitos de dupla

tipicidade e punibilidade, ficando autorizada a extradição a esse respeito. III- O Estado requerente comprometeu-se a

detrair da pena o período da prisão decorrente da extradição, bem como o cumprimento dos demais compromissos

previstos na Lei de Migração e no Acordo de Extradição entre Brasil e México. IV – Extradição autorizada por esta

Suprema Corte, nos termos do art. 7° do Tratado de Extradição entre o Brasil e o México, com a finalidade da entrega do

extraditando ao Estado requerente, bem como dos objetos requeridos no pedido inicial. V – Extradição deferida.

EXT/1587

RELATOR: MIN. EDSON FACHIN

EXTRADIÇÃO INSTRUTÓRIA. PROMESSA DE RECIPROCIDADE. CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL

DE DROGAS. DUPLA TIPICIDADE. DUPLA PUNIBILIDADE. PRESENÇA DOS DEMAIS REQUISITOS. LEI DE

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MIGRAÇÃO. TRATADO DE EXTRADIÇÃO ENTRE OS ESTADOS PARTES DO MERCOSUL. ALEGAÇÃO

DE VÍNCULOS FAMILIARES NO BRASIL. COMPATIBILIDADE ENTRE A SÚMULA N. 421/STF E A CARTA

DA REPÚBLICA. DEFERIMENTO CONDICIONADO À ASSUNÇÃO DE COMPROMISSOS PELO ESTADO

REQUERENTE. 1. É possível ao Estado requerente processar e julgar atos qualificados como crime à distância ocorridos

sob a sua jurisdição, em consonância com a Convenção Única de Nova York sobre Entorpecentes, que disciplina a

competência internacional concorrente na repressão ao tráfico de drogas. 2. Presentes a dupla tipicidade e punibilidade,

bem como os demais condicionantes delineados na Lei de Migração e também no Acordo de Extradição entre os Estados

Partes do Mercosul, não se verifica óbice ao deferimento da extradição. 3. A existência vínculos afetivo e familiar da

estrangeira com filho brasileiro não constitui, ipso facto, óbice ao deferimento do pedido de extradição, a teor a Súmula

421 do STF (“Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro”).

Precedentes: EXT 228, Rel. Min. GONÇALVES DE OLIVEIRA, DJ de 9.5.1963 e HC 36.744, Rel. Min. CÂNDIDO

MOTTA FILHO, DJ de 5.9.1960. 4. Em julgamentos mais recentes, este Supremo Tribunal decidiu pela compatibilidade

do enunciado sumular persuasivo com a atual Carta da República, nas hipóteses em que o pedido de cooperação

internacional tenha por objeto a repressão internacional a crimes comuns. Precedentes: EXT 1.343, Rel. Min. CELSO DE

MELLO, DJe de 19.5.2015 e EXT 510, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 3.8.1990. 5. Ainda que sob o ângulo

da proteção das relações familiares, o deferimento da pretensão harmoniza-se com a norma convencional de regência,

sem malferir a ordem pública do Estado brasileiro, sobretudo quando não comprovados laços duradouros e sólidos do

extraditando com o Brasil. Precedente: EXT 1.532, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 27.3.2019. 6. Pedido de

extradição deferido e condicionado à assunção prévia pelo Estado requerente dos compromissos previstos no art. 96 da

Lei 13.445/2017, dentre eles o de detração da pena, a qual deve levar em conta apenas o período de prisão preventiva por

força da extradição.

ADI/3217

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. ABONO DE

PERMANÊNCIA. ART. 171, § 16, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE PERNAMBUCO. EXIGÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL PARA A CONCESSÃO DA ISENÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO

PREVIDENCIÁRIA. AFRONTA AO ART. 3°, § 1°, DA EC 20/1998. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. I – É

inconstitucional a norma do Estado de Pernambuco que prevê a regulamentação da isenção de contribuição previdenciária

(abono de permanência), porquanto a norma prevista no § 1° do art. 3° da EC 20/1998 é autoaplicável, e devem ser

observadas apenas as condições impostas no art. 40, § 1°, III, a, da CF. II - Violação do princípio da simetria

constitucional. III – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

ADI/4406

RELATOR: MIN. ROSA WEBER

CONSTITUCIONAL CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM.

PERTINÊNCIA TEMÁTICA. ART. 103, IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ALEGAÇÃO DE

INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ARTIGO 96-A, §§ 2°, 3° e 7° DA LEI N° 8112/90 POR VIOLAÇÃO DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA, DO DIREITO À EDUCAÇÃO E DO PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE. INOCORRÊNCIA. ARTIGOS 6º, CAPUT, E 207 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

IMPROCEDÊNCIA. 1. Legitimidade ativa ad causam da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino

Superior – ANDIFES (art. 103, IX, da Constituição da República). Ampliação da interpretação do conceito de “entidade

de classe”, na linha da atual tendência da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Reconhecimento da pertinência

temática com o objeto da demanda. Entidade representativa, em âmbito nacional, dos interesses das universidades e

instituições de ensino superior federais. 2. Alegação de inconstitucionalidade material por violação dos artigos 6º, caput,

e 207 da Constituição Federal, além do princípio da proporcionalidade. Inexistência de afronta ao princípio constitucional

da autonomia universitária – didático-científica, administrativa, financeira e patrimonial (art. 207, caput, CF/88). A

jurisprudência desta Suprema Corte tem afirmado que a autonomia deve ser balizada pela regulação estatal. Há limitações

constitucionais e infraconstitucionais à autonomia universidades. Precedentes. A Lei 8.112/1990 aplica-se aos professores universitários federais, que integram os quadros dos servidores públicos civis da União. O artigo 96-A, §§ 2°, 3° e 7°, da

Lei nº 8.112/1990 não desrespeita a autonomia universitária. Inexiste, na autonomia universitária, espaço discricionário

para a liberação dos professores universitários federais para participar de pós-graduação stricto sensu a qualquer tempo,

sem observância dos requisitos mínimos legalmente determinados. 3. A norma prestigia o direito social à educação,

efetivamente concretizado pela oferta legal da oportunidade de aperfeiçoamento mediante participação em programa de

pós-graduação stricto sensu no exterior sem prejuízo da remuneração e com suspensão das atividades de ensino no Brasil.

Ausência de violação do direito fundamental à educação previsto no art. 6º da Constituição Federal. 4. As condições

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estabelecidas para a concessão do afastamento para participação em programa de pós-graduação stricto sensu observam

o princípio da proporcionalidade. Cautela e equilíbrio na atuação legislativa. Configurado o exato atendimento do

princípio da proporcionalidade para o atingimento do objetivo almejado de modo adequado e eficaz, com preservação do

interesse público sem excessos. Ausentes causas constitucionais que validem tratamento diferenciado, hipóteses

semelhantes devem ser igualmente reguladas, sob pena violação do princípio da isonomia. 5. Inviável a interpretação

conforme à Constituição, nos termos em que requerida. O texto normativo impugnado guarda conformidade e

convergência com o desenho constitucional estabelecido para os direitos sociais, para os servidores públicos civis da

União e para a autonomia universitária. 6. Pedido da ação direta de inconstitucionalidade julgado improcedente.

ADI/4745

RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO

Direito constitucional e administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei estadual que reorganiza as delegações

cartorárias de registro e notas. Constitucionalidade. 1. Ação direta de inconstitucionalidade contra a Lei Complementar

nº 196/2011, do Estado de Pernambuco, que reorganiza as delegações cartorárias de registro e notas no âmbito desse ente

federado. 2. A lei estadual, de iniciativa do Tribunal de Justiça, que reorganiza as delegações cartorárias de registro e de

notas do Estado não padece de inconstitucionalidade formal. Precedentes. 3. A realização de estudos prévios de

viabilidade, nos quais se baseou a exposição de motivos da norma, bem como a observância aos parâmetros estabelecidos

na Resolução nº 80/2009 do CNJ satisfazem o princípio da eficiência, o dever de motivação e o princípio da razoabilidade.

4. A jurisprudência do STF se firmou no sentido de que a regra do concurso público deve ser observada tanto para o ingresso na atividade notarial e de registro, como para a opção dos titulares por serventias desmembradas, desdobradas e

desacumuladas. A norma impugnada não colide com essa orientação, tendo o Tribunal de Justiça do Estado de

Pernambuco, inclusive, realizado processo seletivo para preenchimento das vagas. 5. O requerente não demonstra a

alegada violação à isonomia e ao direito adquirido, pois não aponta em qual dos dispositivos a desacumulação se opera

sem que ocorra a prévia vacância. O art. 4º da Lei Complementar estadual nº 196/2011, ao contrário, vale-se a todo o

tempo das locuções “a partir de configurada a vacância” e “ao vagar”, impondo esses eventos como condição para a perda

de atribuições por determinada serventia. 6. Ademais, em se tratando de serviços públicos, a titularidade das serventias

notariais e de registro em suas exatas divisões territoriais e competências não gera direito adquirido. Os limites territoriais

e competências de tais órgãos são matérias de interesse público que, por sua natureza, é mutável ao longo do tempo. 7.

Improcedência dos pedidos, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional lei estadual, de iniciativa do Tribunal de

Justiça, que reorganiza as delegações notariais e de registro, desde que haja interesse público nas modificações e seja observada a regra do concurso público”.

ADI/4974

RELATOR: MIN. ROSA WEBER

CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ALEGAÇÃO DE

INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ARTIGO 337-A, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL – CRIME DE

SONEGAÇÃO DE CONSTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA –, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 3º; 5º, CAPUT E

INCISO I; 194, CAPUT E INCISO V; E 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM COMO DO PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE. IMPROCEDÊNCIA. 1. Alegação de inconstitucionalidade material por violação dos artigos

3º; 5º, caput e inciso I; 194, caput e inciso V; e 195 da Constituição Federal, bem como do princípio da proporcionalidade.

Inexistência de afronta aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º). A extinção da punibilidade

em completa harmonia com ordem constitucional brasileira, com os objetivos fundamentais da República e com a finalidade do Direito Penal. 2. A norma impugnada não fragiliza o princípio constitucional da igualdade. Ausência de

concessão de vantagens a um grupo da sociedade em detrimento de outro. A possibilidade de colaboração espontânea é

ofertada a todos os sujeitos ativos do crime de sonegação de contribuição previdenciária. 3. A natureza funcional do bem

jurídico tutelado pelo artigo 337-A do Código Penal é atingida por meio da incidência do seu §1º por via reflexa. A

capacidade arrecadadora pode ser plenamente exercida após a declaração, a confissão e a prestação das informações

imprescindíveis para o exercício do procedimento fiscal. A norma impugnada prestigia a espontaneidade e a honestidade

do agente contribuinte, estimulando no seio social o fortalecimento dos deveres concernentes à cidadania, princípio

fundamental da República (art. 1º, inciso II, da CF), por meio de normas despenalizadoras que estimulam a regularidade

fiscal e concretizam a eficiência como vetor de atuação do Estado. 4. A manutenção da causa extintiva da punibilidade

observa o princípio da proporcionalidade ao se inserir na proibição do excesso. Proporcional, uma vez adequada,

necessária e porque atendida proporção entre meio e fim (proporcionalidade em sentido estrito), a diferença legislativa no tratamento da extinção da punibilidade entre o crime de sonegação de contribuição previdenciária e os demais tipos

penais elencados pelo requerente na petição inicial da presente ação direta. 5. Pedido da ação direta de

inconstitucionalidade julgado improcedente.

ADI/5560

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RELATOR: MIN. ROSA WEBER

CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO.

AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO COM INDICAÇÃO EXPRESSA DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS NA AÇÃO

DIRETA. CONFORME JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NÃO É RAZOÁVEL EXIGIR-

SE A INDICAÇÃO PORMENORIZADA DOS DISPOSITIVOS LEGAIS ALVEJADOS. IMPOSSIBILIDADE

JURÍDICA DO PEDIDO. AUSÊNCIA DE ATUAÇÃO DESTA CORTE COMO LEGISLADOR POSITIVO.

EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO COM SUPERAÇÃO DA TESE ALEGADA PELA PARTE REQUERENTE.

PRECEDENTES. PRELIMINARES REJEITADAS. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DOS ARTIGOS 3º, I, II, III, IV, E § 2º, DA LEI Nº 10.410/2016 DO ESTADO DO MATO GROSSO, RELATIVA À

REVISÃO GERAL ANUAL (RGA) DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO PODER EXECUTIVO ESTADUAL.

ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 5º, CAPUT; 37, INCISOS X E XV; E 39, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO

DA REPÚBLICA. IMPROCEDÊNCIA. 1. Alegação de que a procuração apresentada pelo requerente não indica, de

modo expresso, os dispositivos impugnados na presente ação direta. Tal e xigência não é mais sufragada por esta Casa,

conforme precedente relativo ao julgamento da ADI 2728 (Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado

em 28/05/2003, DJ 20-02-2004). Não é razoável exigir-se a indicação pormenorizada dos dispositivos legais alvejados.

Preliminar rejeitada. 2. Arguição impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que a sua procedência acarretaria a

caracterização da atuação deste Tribunal como legislador positivo. A atuação desta Suprema Corte não mais está jungida

de forma rígida ao estreito dogma do legislador negativo. Ausência de óbice a que este STF aprecie a controvérsia. 3. Não

há afronta à garantia de irredutibilidade dos vencimentos, ao comando expresso que assegura a Revisão Geral Anual dos servidores públicos sempre na mesma data e sem distinção de índices, nem à vedação do parcelamento de salário. O art.

169, § 1º da Carta Magna veda a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, sem que haja prévia

dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes. A

norma impugnada, a um só tempo: (i) garante a revisão; e (ii) efetiva o seu pagamento de modo sadio às contas públicas.

4. A Constituição Federal, no artigo 37, X, assegura a revisão sempre na mesma data e sem distinção de índices. Tais

requisitos foram efetivamente cumpridos pela Lei mato-grossense em referência. A conjuntura econômica do Estado

determinou a aferição do índice de revisão e a sua incidência de forma planejada, com o escopo de reduzir o impacto

financeiro decorrente da efetivação da revisão. 5. Eventual discordância com o percentual da recomposição, sob o

argumento de que sobejam os efeitos da inflação, não é suficiente para caracterizar a violação do princípio da

irredutibilidade. Cumprimento da determinação constitucional de irredutibilidade dos vencimentos (art. 37, XV, da

Constituição Federal) sob o prisma real, isto é, de manutenção do poder aquisitivo. 6. Comparação entre servidores públicos de Poderes do Estado distintos entre si e com orçamentos próprios não permite demonstrar, uma real quebra do

princípio da isonomia. Impossibilidade de extensão de reajustes com fundamento no princípio da isonomia, nos termos

da Súmula Vinculante nº 37 (“Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de

servidores públicos sob o fundamento de isonomia”). 7. Pedido da ação direta de inconstitucionalidade julgado

improcedente.

ADI/5752

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI ORGÂNICA

DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. CRIAÇÃO DE PROGRAMA DE ESTÁGIO PARA

ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE USURPAÇÃO

DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS PRIVATIVAS DA UNIÃO. DIPLOMA QUE NÃO REGULAMENTA MATÉRIA AFETA A DIREITO DO TRABALHO. COMPATIBILIDADE DA NORMA COM A LEGISLAÇÃO

FEDERAL QUE DISCIPLINA A MATÉRIA (LEIS FEDERAIS 9.394/1996 E 11.788/2008). INEXISTÊNCIA DE

AFRONTA AO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO. ESTABELECIMENTO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS

PARA A SELEÇÃO DOS ESTUDANTES CONTEMPLADOS PELO PROGRAMA. AÇÃO DIRETA CONHECIDA.

PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. 1. A Constituição Federal dispõe que compete privativamente à União legislar

sobre direito do trabalho (artigo 22, I) e estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional (artigo 22, XXIV), ao passo

que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino,

desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação (artigo 24, IX). 2. O estagiário, diferentemente do

empregado, tem como objetivo fundamental da sua jornada – seja perante entidade privada, seja em meio ao serviço

público – agregar conhecimentos e desenvolver capacidades essenciais à sua inserção e progresso no mercado de trabalho

e não contribuir, primordialmente, para o incremento de lucratividade/eficiência da instituição em que estagia. 3. A Lei federal 11.788/2008 determina que o estágio não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, observados os seguintes

requisitos: (i) matrícula e frequência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de

ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de

jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino; (ii) celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte

concedente do estágio e a instituição de ensino; e (iii) compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e

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Informativo comentado

Informativo 958-STF (19/11/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24

aquelas previstas no termo de compromisso. 4. O regime jurídico do estágio profissional do parquet estadual de Santa

Catarina apresenta os mesmos critérios delineados na legislação federal, ao fixar, como requisitos para a admissão de

graduandos ou pós-graduandos (i) a regular matrícula do aluno em instituição de ensino (art. 65); (ii) a celebração de

termo de compromisso (art. 70); e (iii) a limitação da jornada de estágio a 30 horas semanais, de maneira a compatibilizar

seu exercício com os estudos do educando. A lei estadual determina, igualmente, que o estagiário será dispensado

automaticamente quando da conclusão ou do abandono do curso em que estiver matriculado ou na hipótese de ausência

de renovação da sua matrícula no curso (artigo 71, III, alíneas a e d, da Lei Complementar 738/2019). 5. A Lei

Complementar estadual 738/2019 veda aos estagiários junto ao Ministério Público de Santa Catarina, ademais, “praticar quaisquer atos, processuais ou extraprocessuais, que exijam capacidade postulatória ou que constituam atribuição

exclusiva de órgão de execução do Ministério Público, inclusive assinar peças processuais ou manifestações nos autos”

(artigo 78, VI), sob pena de dispensa das suas funções (artigo 71, IV). 6. A legislação in foco institui verdadeiro programa

de estágio para estudantes de pós-graduação, não se prestando à contratação de servidores em caráter temporário por vias

transversas, de modo que as normas impugnadas estão adstritas à seara da competência legislativa concorrente insculpida

no artigo 24, IX, da Constituição Federal. 7. O artigo 205 da Constituição Federal consagra um conceito amplo de direito

à educação, enfatizando suas potencialidades no campo do desenvolvimento existencial do indivíduo, de um lado, e na

seara econômica, de outro, dada a sua especial relevância para a concretização dos objetivos constitucionais associados à

valorização do trabalho humano e à tutela da livre-iniciativa. 8. A complexidade, a dinamicidade e a especialização que

marcam o mercado de trabalho contemporâneo, fruto da sociedade do conhecimento, demandam que o processo de

aprendizado do cidadão, enquanto pressuposto para o pleno desenvolvimento das suas capacidades individuais para o trabalho, seja contínuo. 9. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei federal 9.394/1996), na linha do que

preconiza o texto constitucional, dispõe que a educação superior tem por finalidade “formar diplomados nas diferentes

áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da

sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua” (artigo 43, II) e “suscitar o desejo permanente de

aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que

vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração” (artigo 43, V). 10. A

educação superior, nos termos do artigo 44, III, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inclui a pós-graduação,

compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a

candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino. 11. A interpretação

sistemática dos diplomas federais pertinentes indica que o estágio realizado durante o curso de pós-graduação está inserido

no permissivo legal da Lei do Estágio, na medida em que esta última norma assenta que o estágio é “ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que

estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio,

da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e

adultos” (artigo 1º, grifei). Inexiste, por conseguinte, incompatibilidade entre o instituto da “residência jurídica”, tal como

disposto na lei estadual sub examine, e as normas gerais nacionais sobre educação e estágio. 12. Os imperativos

constitucionais de impessoalidade e publicidade, no caso sub judice, encontram-se suficientemente tutelados, máxime

porque, nos termos dos artigos 68 e seguintes da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, o

processo seletivo para a contratação de estagiários permite amplo acesso e concorrência, em igualdade de condições, para

os estudantes interessados, bem como pressupõe publicação de edital no Diário Oficial Eletrônico do Ministério Público.

13. O programa de residência jurídica é compatível, outrossim, com o princípio da eficiência administrativa, porquanto

tem o potencial de oferecer um aprendizado particularizado aos futuros ocupantes de cargos públicos, incrementado, por

esta via, a qualidade no desempenho das suas futuras funções. Ao mesmo tempo, oportuniza um intercâmbio de conhecimentos entre residentes e seus respectivos supervisores, mercê de a inclusão de estudantes de pós-graduação no

cotidiano da Administração Pública ser fator de oxigenação desta última em relação aos sempre cambiantes debates

acadêmicos. 14. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgado improcedente o pedido.

ADI/2908

RELATOR: MIN. CÁRMEN LÚCIA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. LEI SERGIPANA N. 4.184/1999.

INSTITUIÇÃO DE TAXAS REMUNERATÓRIAS DE ATIVIDADES DE ÓRGÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA.

CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. TAXA ANUAL DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO E DE APROVAÇÃO

DE PROJETOS DE CONSTRUÇÃO. ANÁLISE DE SISTEMAS DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO E

PÂNICO. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. As taxas são tributos vinculados a atividade estatal dirigida a sujeito identificado ou identificável, podendo decorrer do exercício do poder de polícia

titularizado pelo ente arrecadador ou da utilização de serviço público específico e divisível posto à disposição do

contribuinte. 2. A instituição de taxa exige que os serviços públicos por ela remunerados cumulem os requisitos de

especificidade e divisibilidade. Os serviços autorizadores de cobrança de taxas não podem ser prestados de forma geral e

indistinta a toda a coletividade (uti universi), mas apenas à parcela específica que dele frui, efetiva ou potencialmente, de

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Informativo 958-STF (19/11/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25

modo individualizado e mensurável (uti singuli). 3. A taxa anual de segurança contra incêndio tem como fato gerador a

prestação de atividade essencial geral e indivisível pelo corpo de bombeiros, sendo de utilidade genérica, devendo ser

custeada pela receita dos impostos. 4. Taxa de aprovação de projetos de construção pelo exercício de poder de polícia. A

análise de projetos de sistemas de prevenção contra incêndio e pânico é serviço público antecedente e preparatório de

prática do ato de polícia, concretizado na aprovação ou não do projeto e, consequentemente, na autorização ou não de se

obterem licenças e alvarás de construção. Serviços preparatórios específicos e divisíveis, voltados diretamente ao

contribuinte que pretende edificar em Sergipe, podendo ser custeados por taxas. 5. Ação direta de inconstitucionalidade

julgada parcialmente procedente.

ADI/5346

RELATOR: MIN. ALEXANDRE DE MORAES

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.219/2014 DO ESTADO DA

BAHIA, QUE CONCEDE A EX-GOVERNADORES, EM CARÁTER VITALÍCIO, O DIREITO A SERVIÇOS DE

SEGURANÇA E MOTORISTA, PRESTADOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL.

VITALICIEDADE DA PRESTAÇÃO. PRINCÍPIOS REPUBLICANO, DA ISONOMIA E DA MORALIDADE

ADMINISTRATIVA (ART. 1º, 5º, CAPUT E 37, CAPUT, DA CF). INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A Jurisprudência

do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL é firme quanto à inconstitucionalidade de leis estaduais e locais que concedem

benefícios em caráter gracioso e vitalício a ex-agentes públicos, com fundamento nos princípios republicano, isonômico

e da moralidade administrativa. Precedentes. 2. No caso, a norma impugnada não prevê o pagamento de benefício pecuniário, mas a disponibilização de serviços relacionados à preservação da incolumidade e integridade física de ex-

agentes públicos que, no exercício da chefia do Poder Executivo, conduziram políticas públicas de grande interesse social,

como segurança pública, com especial nível de exposição pessoal. 3. Não obstante, a vitaliciedade do benefício ultrapassa

os limites mínimos da razoabilidade, transformando os serviços prestados em privilégio injustificado, afastada a

comparação com o tratamento conferido pela Lei Federal 7.474/1986 a ex-Presidentes da República. 4. Ação Direta

julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “de forma vitalícia”, do art. 1º da Lei 13.219/2014

do Estado da Bahia, conferindo interpretação conforme ao texto remanescente, pela qual a prestação dos serviços de

segurança e motorista fica limitada ao final do mandato subsequente, enquanto não regulamentada a norma.

ADI/2811

RELATOR: MIN. ROSA WEBER AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. POLÍTICA ESTADUAL COOPERATIVISTA. LEI 11.829/2002

DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INICIATIVA PARLAMENTAR. ATRIBUIÇÕES E COMPOSIÇÃO DE

ÓRGÃOS E ALTERAÇÕES NA ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INICIATIVA RESERVADA AO

CHEFE DO PODER EXECUTIVO. CF/1988, ART. 61, § 1º, II, ‘E’. ISENÇÕES, INCENTIVOS E BENEFÍCIOS

FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. CF, 155, § 2º, XII, ‘G’. NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO

CONJUNTO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL. 1. Constitucionalidade da instituição de política

cooperativista no âmbito estadual, a ser estimulada pelo Poder Público, por conferir eficácia ao art. 174 da Constituição

Federal. 2. É competência privativa do Chefe do Poder Executivo, conferida pelo art. 61, § 1º, II, e, da CF/1988, a

iniciativa de lei que verse sobre alterações na estrutura da Administração Pública. 3. A imposição do Poder Legislativo

ao Executivo do dever de conceder estímulos creditícios colide com o princípio constitucional da separação dos poderes.

4. O condicionamento da participação das cooperativas em processos licitatórios à apresentação de certificado de registro

no Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado malfere a garantia da liberdade de associação sindical, consagrada no art. 8º, V, da Lei Maior. 5. Na ausência da lei a que se refere o art. 146, III, c, da Constituição, que estabelece que lei

complementar disporá sobre o adequado tratamento do ato cooperativo, os Estados-Membros podem exercer sua

competência residual de forma plena, inclusive instituindo isenção de tributos estaduais para operações entre cooperativas,

como fez o art. 16 da Lei Estadual 11.829/2002. Todavia, a norma deve receber interpretação conforme para excluir do

seu alcance o ICMS, uma vez que, nos termos do art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição da República, as isenções, os

incentivos e os benefícios fiscais relativos a esse imposto dependem de prévia deliberação conjunta dos Estados e do

Distrito Federal. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente para declarar a

inconstitucionalidade do art. 6º, do parágrafo único do art. 10; e dos arts. 11, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20 e 21, bem como

dar interpretação conforme ao art. 16, para excluir do seu alcance o ICMS, todos da Lei 11.829, de 5 de setembro de 2002,

do Estado do Rio Grande do Sul.

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS

28 DE OUTUBRO A 8 DE NOVEMBRO DE 2019

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Informativo comentado

Informativo 958-STF (19/11/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

Lei nº 13.894, de 29.10.2019 - Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para prever a

competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para a ação de divórcio, separação, anulação

de casamento ou dissolução de união estável nos casos de violência e para tornar obrigatória a informação às vítimas

acerca da possibilidade de os serviços de assistência judiciária ajuizarem as ações mencionadas; e altera a Lei nº 13.105,

de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para prever a competência do foro do domicílio da vítima de violência

doméstica e familiar para a ação de divórcio, separação judicial, anulação de casamento e reconhecimento da união estável

a ser dissolvida, para determinar a intervenção obrigatória do Ministério Público nas ações de família em que figure como

parte vítima de violência doméstica e familiar, e para estabelecer a prioridade de tramitação dos procedimentos judiciais em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar. Mensagem de veto. Publicado no DOU em

30.10.2019, Seção 1, Edição 210, p. 3.

Supremo Tribunal Federal – STF

Secretaria de Documentação

Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência

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