Estresse: (coleção clínica psicanalitica) · 2020. 8. 23. · Coleção, pôde querer que este...

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Estresse

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COLEÇÃO“CLÍNICAPSICANALÍTICA”

Títulospublicados1.PerversãoFlávioCarvalhoFerraz2. Psicossomática Rubens Marcelo Volich 3. Emergências Psiquiátricas

AlexandraSterian

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4.BorderlineMauroHegenberg

5.DepressãoDanielDelouya6.ParanoiaRenataUdlerCromberg

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7.PsicopatiaSidneyKiyoshiShine

8.ProblemáticasdaIdentidadeSexualJoséCarlosGarcia

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9.AnomiaMariluciaMeloMeireles

10.DistúrbiosdoSonoNayraCesaroPenhaGanhito11.NeuroseTraumáticaMyriamUchitel

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12.AutismoAnaElizabethCavalcanti

PaulinaSchmidtbauerRocha

13.EsquizofreniaAlexandraSterian14.MorteMariaElisaPessoaLabaki15.CenaIncestuosaRenataUdlerCromberg

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16.FobiaAlineCamargoGurfinkel

17.EstresseMariaAuxiliadoradeA.C.ArantesMariaJoséFemeniasVieira18.NormopatiaFlávioCarvalhoFerraz19.HipocondriaRubensMarceloVolich20.EpistemopatiaDanielDelouya21.TatuagemeMarcasCorporaisAnaCosta

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22.CorpoMariaHelenaFernandes

23.AdoçãoGinaKhafifLevinzon24.TranstornosdaExcreçãoMarciaPortoFerreira

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25.PsicoterapiaBreveMauroHegenberg

26.InfertilidadeeReproduçãoAssistidaMarinaRibeiro

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27.HisteriaSilviaLeonorAlonso

MarioPabloKuks

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28.RessentimentoMariaRitaKehl

29.DemênciasDeliaCatulloGoldfarb30.ViolênciaMariaLaurindaRibeirodeSouza31.ClínicadaExclusãoMaria

CristinaPoli32.DisfunçõesSexuaisCassandraPereiraFrança33.TempoeAtonaPerversãoFlávioCarvalhoFerraz34.TranstornosAlimentaresMariaHelenaFernandes

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35.PsicoterapiadeCasalPurificacionBarciaGomese

IedaPorchat

36.ConsultasTerapêuticasMariaIvoneAcciolyLins

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37.NeuroseObssesivaRubiaDelorenzo

38.AdolescênciaTiagoCorbisierMatheus39.ComplexodeÉdipoNoraB.SusmansckydeMiguelez

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40.TramadoOlharEdileneFreiredeQueiroz

41.DesafiosparaaTécnicaPsicanalíticaJoséCarlosGarcia

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42.LinguagensePensamentoNelsondaSilvaJunior

43. Término de Análise Yeda Alcide Saigh 44. Problemas de LinguagemMariaLauraWeyMärtz45.DesamparoLucianneSant’AnnadeMenezes

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46.TransexualismoPauloRobertoCeccarelli

47. Narcisismo e Vínculos Lucía Barbero Fuks 48. Psicanálise da FamíliaBelinda Mandelbaum 49. Clínica do Trabalho Soraya Rodrigues Martins 50.Transtornos de Pânico Luciana Oliveira dos Santos 51. EscritosMetapsicológicos e Clínicos Ana Maria Sigal 52. Famílias MonoparentaisLisetteWeissmann53.NeuroseeNãoNeuroseMarionMinerbo

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54.AmoreFidelidadeGiselaHaddad

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ColeçãoClínicaPsicanalíticaDirigidaporFlávioCarvalhoFerraz

Estresse

MariaAuxiliadoradeAlmeidaCunhaArantesMariaJoséFemeniasVieira

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©2002,2010CasapsiLivraria,EditoraeGráficaLtda.Éproibidaareproduçãototalouparcialdestapublicação,paraqualquerfinalidade,semautorizaçãopor

escritodoseditores.

1aedição:2002

2aedição:2003

3aedição:2006

1areimpressãorevisada:2010Editores:IngoBerndGünterteJeromeVonkAssistenteEditorial:AparecidaFerrazdaSilvaEditoraçãoEletrônicaeProduçãoGráfica:FabioAlvesMeloRevisão:ArthurVergueiroVonkRevisãoGráfica:LucasTorrisiGomedianoProjetoGráficodaCapa:YvotyMacambiraProduçãoDigital:Estúdio

Editores.comDadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)(CâmaraBrasileiradoLivro,SP,Brasil)

Arantes,MariaAuxiliadoradeAlmeidaCunhaEstresse/MariaAuxiliadoradeAlmeidaCunhaArantes,MariaJoséFemeniasVieira.--3.ed.--SãoPaulo

:CasadoPsicólogo®,2010.--(Coleçãoclínicapsicanalítica;19/dirigidaporFlávioCarvalhoFerraz)

Bibliografia.

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978-85-62553-99-8

1.Estresse(Psicologia)I.Vieira,MariaJoséFemenias.II.Ferraz,FlávioCarvalho.III.Título.IV.Série.

09-11606CDD-150.195

Índicesparacatálogosistemático:1.Estresse:Clínicapsicanalítica:Psicologia150.195

ImpressonoBrasilPrintedinBrazil

Reservadostodososdireitosdepublicaçãoemlínguaportuguesaà

CasapsiLivrariaeEditoraLtda.RuaSantoAntônio,1010JardimMéxico•CEP13253-400Itatiba/SP–BrasilTel.Fax:(11)4524-6997www.casadopsicologo.com.br

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Sumário

Agradecimentos

Apresentação

ParteI–porMariaAuxiliadoradeAlmeidaCunhaArantes

1-Estresseoustress?AntecedentesRevelandoumpercursoMúltiplasquestõesOutrosolharesCaminhosdoestresseContribuiçõescontemporâneas

2-Estresse,desamparoeangústia“Conversa”entreSelyeeSpitz:estresseembebêsEstresseeangústiaEstresseeangústia:umahipótesepossívelSombraeangústiaEstresseeneurosesatuais:outrahipóteseAngústia,depressãoessencial,desafetação

3-EstresseetrabalhoTrabalhoedesgasteEstresseecondiçõesdetrabalhoComentandooquadrodeestresseprofissional

4-EstresseeburnoutBurnoutBurnouteocupaçõesmaisvulneráveis

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Burnoutepatologiascontemporâneas:opiniãodeDejoursEstresse:tentativasdecuidar

ReferênciasbibliográficasdaParteI

ParteII–porMariaJoséFemeniasVieira

5-AsfunçõesorgânicasdiantedoestresseOestresseéumacondiçãodaatualidade?AmedicinaemdiferentescivilizaçõesExisteestresseaceitável?“Ocãoeogato”Sistemanervoso:oquedefineaestratégiaapósoestímuloHipotálamo:omaestroAlgumasmanifestaçõesclínicasdiantedoestresseRelaçãoentreinsatisfaçãonotrabalhoeaparecimentodedoenças

ReferênciasbibliográficasdaParteII

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ParaPriscilaParaAndré

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HomenagemaFlávioCarvalhoFerraz,que,duranteaorganizaçãodestelivro,ofereceuum

continuadoestímuloquesomenteospensadoresargutosegenerosossãocapazesdesustentar.

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Agradecimentos

A Maria Cecília Del Vecchio Galli, que fez a tradução das referênciascoligidasnasbasesdedados.A Cecília Luiza Montag Hirchzon, pelos comentários preciosos sobre este

texto,entãoaindaemelaboração.A Suely Campos Cardoso e Marinalva de Souza Aragão, do Serviço de

BibliotecaeDocumentaçãodaFaculdadedeMedicinadaUniversidadedeSãoPaulo, que colaboraram de forma decisiva para a pesquisa bibliográfica dostítulos.EaSuely,maisumavez,queauxiliounadiagramaçãofinal.AMaryTiernan,pelapacienteefraternacolaboração.

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Apresentação

A figura do estresse é, sem dúvida, a demaior circulação entre os saberescontemporâneos. Habita com amesma desenvoltura as revistas científicas, ostextosacadêmicos,osespaçosabertospelosnovossistemasdetelecomunicaçõesporsatéliteeacabo,oslivrosproduzidosemdiferentescamposdeciênciasquese ocupam do homem na atualidade. Nos jornais, é referência usada pelosarticulistasespecializadosemsaúde,empolítica,emeconomia,emquestõesdotrabalho; usada pelos comunicadores culturais, pelos repórteres e peloscomentaristas esportivos. Falar de estresse é entrar em uma floresta dereferênciasemaranhadaseseperdernela.Oestresse,queultrapassouafiliaçãooriginária, física, e ganhou o campo da experimentação científica, tendo emHans Selye sua paternidade reconhecida, foi incorporando à sua formulaçãoaportesdestescamposdistintos.Saltoudoslaboratóriosparaocampodasaúdemental e encontrou no trabalho, e no fazer profissional, sua ancoragemmaissólida.O estresse é como outros assuntos atuais: uma figura ao mesmo tempo

familiar e fugidia; um sofrimento caseiro,mas pode também ser prenúncio deacontecimentos fatídicos; um tipo de acontecimento sobre o qual todomundotemalgumacoisaadizerealgumprocedimentoparareceitar.Estairreverênciaemrelaçãoaoestressetemumacausa:apaternidade,“suficientementeflexível”.HansSelye(1952),chamadodeopaidoestresse,apósseusachados,convocouacomunidade científica da época para novas contribuições ao conceito queconstruíra. Ao compartilhar suas hipóteses, possivelmente derramou sobre oconceito do estresse o próprio termo com que o cunhou – uma respostainespecíficaounãoespecíficadoorganismoaosagentesestressores.Nopróprioconceito de estresse há ummovimento suposto, que o deixa fluir. Foi umdosfiosdestefluxoquepuxeiparaestruturarestelivro.Incluir o estresse em uma coleção de “Clínica Psicanalítica” é, nomínimo,

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insólito. Só mesmo a ousada visão de Flávio Carvalho Ferraz, diretor daColeção,pôdequererqueestefosseumassuntocompatívelcomostítulosqueacompõem. Eumesma, durante muito tempo, achei uma impropriedade incluireste tema nesta roda psicanalítica, encontrando-o mais pertinente a outroscampos como o da psicossomática e do trabalho, ou, evidentemente, ao seucampo originário, a medicina. O amadurecimento da proposta e a certezainamovíveldoorganizadordaColeçãosesobrepuseramaomeuparecerinicial.Ao decidir aceitar o convite de Flávio Carvalho Ferraz para escrever sobre

estresse, tinha duas concepções das quais não poderia prescindir: somar àaproximação com a psicanálise uma escrita sobre o estresse, na sua vertentemédica,eincorporaravisãosobreoestressecomoumapatologiadocorpoedamente,fertilizadanomundodotrabalho.Para atender à primeira exigência, relativa ao aspecto médico do estresse,

convideiMariaJoséFemeniasVieira,médica,doutoraemMedicinanaáreadeconcentraçãodecirurgiadoaparelhodigestivopelaFaculdadedeMedicinadaUniversidade de São Paulo, para elaborar um capítulo que falasse sobre oestresse, incorporando os aspectos específicos da área. O resultado de seupreciosoestudoestáapresentadonocapítulo5,ParteIIdestelivro,comotítulo“Asfunçõesorgânicasdiantedoestresse”.Sobre as questões que vinculam o estresse à psicanálise, encontrei em Jean

Benjamin Stora (1991) um estudo carrefour sobre o tema, que tomei comoreferênciaparameutrabalho.BusqueinasteoriasdaangústiaemFreud,apartirdosmagníficosestudosdeJeanLaplanche(1987)edeZeferinoRocha(2000),subsídiosparaumahipótesedeaproximação.UmcuriosoartigodeSpitz(1956),contemporâneo às formulações de Selye, foi um passaporte para o trânsito nocampo da psicanálise. Christophe Dejours foi o autor necessário para asincursões do estresse no mundo do trabalho; e sobretudo a convivência comHansSelye,comoumpesquisadorinquieto,mepermitiramaestruturaçãodestelivro.Àmedidaquefuiavançando,novosautoresoferecerampossibilidadesdemeapropriardestaparceriaheterodoxa;e, ao final, estouconvencidadequeo

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estresse permite vizinhanças múltiplas e, seguindo a moda contemporânea datransnacionalização, mais do que nunca, penso que estresse é mesmo umconceitopolivalente.Pelamultiplicidadedeaportes,mantivemuitasreferênciasaosautorescitados

comobalizadorasdestecaminhoquepercorri,encontrandonaredeeletrônicaeemestudosprecisosderevistascientíficascontribuiçõesquesecompletamequepermitemperceberacoincidênciadepontosdevista sobreoestresse, entreosqueestudamocampodasaúdeedotrabalho.A incorporação da noção de burnout ao estudo do estresse é, no dizer de

Dejours, uma inquietante constatação: a cilada psíquica que é a relação entreaquele que trabalha e o cliente. Burnout é uma expressão que designa umesgotamentoquesemanifestanarelaçãoentreaquelequecuidaeoseuclienteouusuário,presentesobretudoentreosprofissionaisquetrabalhamemserviçosdesaúdeoudeeducação.ComoosdemaislivrosdaColeção“ClínicaPsicanalítica”,esteéumtrabalho

emqueoautorreúnemúltiplasreferênciasnaconstruçãodoconceitoexpressono título de cada livro. Nesse sentido, uma das ideias é permitir que o leitorencontre, neste texto, contribuições para uma familiarização com o estresse eseustrajetos,equepossairumpoucomaisalém.Na Parte II, Maria José Femenias Vieira apresenta subsídios para uma

compreensãododesempenhodasfunçõesorgânicasdiantedoestresse,eelaboraumestudooriginalsobreinsatisfaçãonotrabalhoeoaparecimentodedoenças.

MariaAuxiliadoradeAlmeidaCunhaArantesSãoPaulo,marçode2002

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ParteIMariaAuxiliadoradeAlmeida

CunhaArantes

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1.Estresseoustress?

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AntecedentesHansSelye,paidoestresse,nasceuemViena,em1907,efaleceuem1982.O

percurso de suas pesquisas, desde 1925, como estudante de medicina daUniversidade de Praga, revelava seu fascínio pelas reações do organismo,chamadas reações inespecíficas ou não específicas. Esta forma de reagir doorganismoemrelaçãoadiferentesagentesagressoreseramuitasvezesdeixadaàmargem, já que havia mais interesse, na medicina, em se buscar o que eraespecíficonadoença, visando à curaprecisa, direcionada aos sintomas.Oquenão era específico ficava de lado, embora fossem manifestações comuns amuitas doenças não relacionadas entre si. Para Selye, o que ele chama desíndrome de se sentir doente lhe eramais instigante do que buscar uma curaespecíficaparaumadoençaespecífica;elepreferiutentarentenderomecanismodo adoecer; estas eram suas preocupações em 1925, ainda estudante demedicina.Posteriormente, Selye desenvolve em laboratório estudos endocrinológicos

sobre o papel dos hormônios sexuais em ratos. Embora direcionado a outrosinteresses, observa que, diante de qualquer agressão, há mecanismos deadaptação do organismo semelhantes entre si. Estuda, então, os efeitos dediversosagentesagressores,como,porexemplo,qualquertipodetraumatismo,queimaduras,raiosX,friointenso,edescreve,em1936,emartigopublicadonarevista britânicaNature, um conjunto de respostas não específicas provocadasporumagentefísico,qualquerqueseja,eformulaoconceitoquedenominarádeGeneral Adaptation Syndrome, expressão traduzida em português comoSíndromedeAdaptaçãoGeral,eàsvezescomoSíndromeGeraldeAdaptação.Adotaremos,nestelivro,asegundaforma.Em 1952, já na condição de Ph.D. pela Universidade de Praga, torna-se

professor e diretor do Instituto de Medicina e de Cirurgia Experimentais daUniversidade de Montreal (Canadá) e publica The story of the adaptation

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syndrome told in the form of informal illustrated lectures. Este texto, de 225páginas, reúne sete conferências que tratam dos seguintes temas: evolução doconceito de estresse; dinâmica da síndrome de adaptação; a síndrome deadaptação pode produzir diferentes doenças, dependendo das circunstâncias;aumento de hormônios com efeito anti-inflamatório; fatos revelados peloconceito de síndrome de adaptação e as dúvidas suscitadas; resumo geral dosassuntosapresentados.Selye chama de brochura ao conjunto destas Conferências, talvez como

justificativaparaumapublicaçãoqueeledizsertotalmenteinformal,dirigidaaum público interessado em comunicações que apresentem muito mais suasopiniõesedúvidasdoqueemumrelatórioformaleestatísticodeseusachados.Na verdade, um livro precioso para quem quer conhecer as inquietações quepermearamoconstrutordoconceitodeestresse.Na introduçãodo livro,Selye pededesculpas ao leitor pela informalidade e

explicaqueotextoéoconjuntodastranscriçõesdesuasconferências,noqualfoi preservada a espontaneidade. Na verdade, seu objetivo é responder aosmédicos e aos estudantes de medicina no Canadá, nos Estados Unidos, naEuropaenaAméricadoSul,quevinhamlheperguntandosobreas ideiaseoscaminhosqueolevaramachegaraosconceitosdeestresseedesíndromegeraldeadaptação.Nasuaopinião,orápidocrescimentoeointeressepelafisiologiaepelapatologiadasíndromedoestressesedeviamuitomaisàinformalidadeeàssubsequentes discussões e troca de opiniões entre colegas do que às extensasmonografias apresentadas de maneira formal. Selye liberta a construção doconceito de restritos parâmetros, para deixá-lo enriquecer-se com as releiturasqueatéhoje,passadomaisdemeio século,vêmpermitindoqueoconceitodeestresseseampliepordiferentescamposteóricosepráticos.

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RevelandoumpercursoEm1935,trabalhandocomobioquímiconaUniversidadeMcGill,noCanadá,

Selye pesquisa em animais as correlações neuroendocrinológicas durante agravidez,etemcomocolaboradorseuprimeiroorientando,TomMcKeown.Elesobservaramque,apóscertosprocedimentos,osanimaisapresentavamanomaliasno ciclo sexual, revelando uma falsa gravidez, o que fugia dos resultados queesperavam,deacordocomasdrogaseosprocedimentosadotados.Eramreaçõestotalmente não específicas, por isso foram deixadas de lado. Entretanto, nãodeixaram de lado o esforço para interpretar o mecanismo deste desarranjosexual,concluindoqueeram“manifestaçõesinespecíficasdeestresse”causadasexatamente pelos procedimentos que esperavam que desaguassem em umresultado distinto. Foi a primeira vez que se usou a palavra estresse com aseguinte conotação: “estado de tensão não específico de um ser vivo, que semanifesta por mudanças morfológicas tangíveis, em diferentes órgãos, eparticularmente nas glândulas endócrinas” (Selye, 1952, p. 20). Estasexperiências sobre estresse foram ignoradas, ou pelo menos a elas foi dadapoucaatenção,poisoestudonãodestacavaesteassunto,eraapenasumapêndicede um trabalho publicado com o título de Studies on the physiology of thematernalplacentaintherat.Erros e acertos nas pesquisas com hormônios em animais foram abrindo

caminhoparaaelaboraçãodoconceitodesíndromedeadaptação.Aos28anosde idade, Selye pensava ter descoberto um novo tipo de hormônio ligado aofuncionamentodosovários,alémdoestrógenoedaprogesterona.Decepcionadocomodesenrolardosachados,constatouquenãoestavanocaminhodeumnovohormônio.Eemumachuvosaeescuratarde,naprimaverade1936,diz:

Fiqueitãodeprimidoquenãoconseguitrabalharporalgunsdias.Ficava

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sentadonomeulaboratório,meditandosobreoquedeveriafazer.Aúnicacoisaemquepensavaéquedeveriaadmitiraderrota,esquecê-laomaisrapidamente possível e voltar aos procedimentos mais ortodoxos, emrelaçãoaosproblemasendocrinológicos.(p.26)

Selyeacabouporseapropriardenovospontosdevistaemrelaçãoaopercursoque vinha fazendo e se perguntou se não existiria alguma coisa, como umareação singular, inespecífica do organismo, como resposta a qualquer tipo dedanosofrido.Realmente este caminhomerecia ser explorado, pois “a descoberta de uma

síndrome de resposta aos danos, em si, pode ser mais importante do que adescoberta deumnovohormônio sexual” (p. 27).A síndromede resposta aosdanos,emsi,foireverberandoesevinculandoà“antiga”síndromedesesentirdoente,queparaeleeraequivalenteà síndromeexperimentalqueobtiveranasexperimentaçõescomosratos.Poderiahavermanifestaçõesnoserhumano,queacompanhamosentimentodesesentirdoente,comodoresdifusasnasjuntasenosmúsculos,distúrbiosgastrointestinais,perdadeapetite,quesãoequivalentesà síndrome experimental que obtivera nos ratos com o uso de substânciastóxicas. Poderia haver equivalência entre os achados com as ratas, observadasporSelyeeMcKeown,anosantes,eaausênciademenstruaçãoqueocorrenasmulheresduranteexposiçãoa infecções,àmánutriçãoeaosestadosde tensãoemocional? Se isto fosse verdadeiro, as implicações médicas desta síndromeseriam enormes, diz Selye. “Um certo grau de danos não específicos é, semdúvida,sobrepostoàsintomatologiaespecíficadequalquerdoençaeaqualquerdrogausadaparatrataradoença”(p.27).Éporissomesmoqueháséculosmedidasgenéricaseramusadasparatrataros

doentes, como: repouso, dieta especial, cuidado e evitação de esforços tantofísicos quanto mentais, proteção diante de alterações climáticas, cuidados

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especiaisemrelaçãoàumidadeeàscorrentesdear,usodeumamesmadrogaoude diferentes procedimentos como banhos de luz, raios ultravioleta, calor oucompressas frias,banhosemestaçõesdeáguas, entreoutros,paraoalíviodossintomas, presentes em diversas doenças, causadas por diferentes agentesagressores. Ao longo do tempo, alguns destes procedimentos foramabandonados, pois não se sabia como funcionavam ou, ao contrário, por quedavamcerto.Naverdade,oorganismotemumsistemadereaçãonãoespecífico,geral,comoqualpodefazerfaceaosdanoscausadosporumagrandevariedadede agentes patogênicos em potencial. Estas respostas de defesa facilitam umaanáliseobjetivaecientíficaparaelucidaromecanismoderespostapeloqualanatureza se defende contra os danos de diferentes tipos. Conclui Selye,fascinado,quepoderiaaprenderamelhorarestasdefesas,quenãoeramaindaasideais,ediz:

Ao invés de desistir do problema do estresse e voltar à endocrinologiaortodoxa, estava, então, preparado para passar o resto da minha vidaestudando esta resposta não específica. E nunca me arrependi destadecisão.(p.29)

Suadecisãodepermaneceremumabuscanãoortodoxa,criticadaporcolegasque o convidavam para uma conversa de “coração aberto”, foi minando suascertezas e deixando-o com dúvidas.Contudo, recebeu o incentivo decisivo dorespeitável cientista canadense Sir Frederic Banting, ligado à descoberta dainsulina, que incluía, além de um modesto apoio financeiro, um substantivoapoiomoral.

Múltiplasquestões

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Váriasperguntasseabriamdiantedesuadecisãodeiremfrente:•Atéquepontoasíndromeérealmentenãoespecífica?•Alémdojáobservado,queoutrasmanifestaçõesfazempartedasíndrome?•Otempodeevoluçãodasíndromeéproporcionalàmagnitudedadoençaouháumaordemcronológicaarespeitar,segundodistintosestágios?

• Até que ponto as manifestações não específicas (inespecíficas) sãoinfluenciadasporagentesespecíficosqueasprovocam?

•Oquepodemosencontrarsobreadinâmicaeomecanismodestasreações?Estas e outras perguntas foram surgindo espontaneamente, a partir do

momentoemqueoconceitodesíndromedeestressefoisecristalizando,eSelyeacreditou que em pouco tempo respostas apareceriam.Decidiu que não usarianeologismosparanomearseusachados,pois,nasuaopinião,muitasvezesestesneologismoscausammaisconfusãodoqueesclarecimento;porém,dequalquermaneira,precisavaencontrartermosparanomearduasações:•asreaçõesnãoespecíficaspropriamenteditas;•osestímulosqueprovocamestasmesmasreações.Selye chegou a escrever umartigode74 linhas, que foi publicado em4de

julhode1936narevistabritânicaNature,sobotítulo“Asyndromeproducedbydiverse nocuous agents”. Abandonou deliberadamente o termo estresse, poishavia sido muito criticado, pela comunidade científica, pelo uso do termo, eadotou o termo ofensivo / nocivo (nocuous) como um pseudônimo, umsubstitutoparaotermoestresse.Nestemesmoartigosugeriuonomedereaçãodealarmeparaarespostainicialdocorpo,comosefosseumaconvocaçãogeralparaadefesadoorganismocontraosagentes“nocivos”.Estareaçãodealarmenãoenglobavatodaaresposta,poisverificouexperimentalmentequeotempodeexposição aos agentes ofensivos poderia, antes dematar, provocar ainda umareação de adaptação e de resistência, seguidas. Em poucas palavras: nenhumorganismovivopode ficarcontinuadamentesubmetidoaumestadodealarme.Empoucotempo,nasprimeirashorasounosprimeirosdias,oorganismomorre.Seoanimalsobrevive,éporqueoestadodealarmevemseguidoporumestado

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queSelye chamoudeestadode resistência. Este segundo estágio era bastantediferentedoanterior,eatémesmoopostoaele.Etambémestesegundoestágionão se mantém indefinidamente. Uma terceira fase se impõe: o estado deexaustão,maissimilaraoestadoinicial,dealarme.Apartirdestaconfiguração,Selyesentenecessidadedenomearesseprocesso,

evembatizá-lodeGeneralAdaptationSyndrome.Asíndromepassaentãoaserconhecidacomocontendotrêsfases:•afase(oureação)dealarme;•afasederesistência;•afasedeexaustão.Trata-sedeumasíndromegeral,porqueéprovocadaporagentesqueafetam

grandes porções do corpo, causando uma defesa generalizada, uma defesasistêmica.Édeadaptação,porqueajudanabuscaenamanutençãodeumestadode equilíbrio.E, finalmente, é chamada de síndrome, porque asmanifestaçõessãocoordenadaseparcialmenteinterdependentes.Aofinal,Selyeconsideraqueostermosnocivoeofensivosãopoucoprecisos

parasuaconcepção,evoltaaadotarotermoestresse,quejáerausadoeminglês(stress) em física, significando o somatório de forças que agem contra aresistência, não importando quais. Por exemplo, as mudanças produzidas nastiraselásticasduranteatração.Consequentemente,oestressenosentidofísicoéuma reação inespecífica. As manifestações da síndrome de adaptação são oequivalentebiológicodoestresseemmatériasinanimadas.Selyeprefereusaroconceitocomosendoumestressebiológico.Estetermonãoeraumneologismonamedicina, já sendousadoporpsiquiatrasque falavamemestressee tensão,parasereferiraumestadodetensãomental.Inicialmente e com cautela, Selye passa a usá-lo em conferências e em

debates, para depois definitivamente incorporá-lo nos seus artigos. Continuouencontrando resistências, que argumentavam ser o estresse um termo muitoabstrato, que não aparecia em seu estado puro. E sobretudo, diziam seusoponentes,nãopodiaserisolado,comoserequeremexperiênciascientíficas,a

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ponto de ser invocado como um pré-requisito para outros procedimentos nomesmocampo.Logo,nãosepodiaestudaroestresse,masestudar,tãosomente,seusefeitos.Selyeafinalseimpõe,dizendoqueavidatambéméumaabstraçãoenemporissoumconceitorejeitadopelabiologia.Maisdoqueasrestriçõesaotermo,seuusofoidisseminado,alcançouosenso

comumesepopularizou.Otermoacabousendousadoindiscriminadamenteemdois sentidos: para o agente que provoca a síndrome de adaptação e para acondiçãodoorganismo,apósserexpostoaoagenteagressor.Otermofoientãodesdobrado, e Selye usou estressores para o aspecto ativo e causador dasíndromeeestresseparaoestadodoorganismoapósserexpostoaosestressores.Logo, há um sentido ativo, uma causa, um estressor, e há um resultado,decorrentedoestressor,queéchamadodeestresse.Selyedizaindaqueotermostressnãopodiaser traduzidocomprecisãoem

outrosidiomas.Elepôdeperceberistoquando,em1946,foiconvidadoparaumasérie de conferências sobre a síndrome de adaptação, noCollège de France.ContaqueficoupensandoemcomofazerjusàlínguadeClaudeBernard,emumambiente acadêmico, e se aconselhou com um franco-canadense. Acaba sedecidindo por manter a palavra inglesa. Houve um acalorado debate após aconferência e várias alternativas foram pensadas, como agressão, tensão,desamparo, e muitas outras, equivalentes, mas não satisfatórias. Havia anecessidadedesecunharumanovapalavra.Decidiu-sequeemfrancêsotermoseriadogêneromasculino,efinalmenteem“bomfrancês”foiadotadolestress.Posteriormente, outras novas palavras, em francês, apareceriam, e estaexperiência parisiense o fez adotar comportamento semelhante na Alemanha,Itália,Portugal,Espanha,usandoumdeslizamentodolestressfrancês,paraderstress,lostress,ostress,elstress,considerandoqueafinalestavaenriquecendotodosestesidiomascomumnovotermo.Porfim,Selyebatizoudefinitivamenteseunascenteconceito.DeacordocomStora(1991),otermoéoriundodolatim,stringere.Em português, usaremos o termo “estresse”, embora muitas vezes ainda o

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encontremos com a grafia inglesa. Afinal, o Novo Dicionário da LínguaPortuguesa, deAurélioBuarquedeHolandaFerreira, já temcunhadoo termoestresse (do inglês stress), substantivo masculino, conjunto de reações doorganismoaagressõesdeordemfísica,psíquica,infecciosaeoutras,capazesdeperturbarahomeostase.Eainda,estressor:agenteprodutordeestresse.

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OutrosolharesDentrodoformatocomqueSelyefazsuasConferências,reunidasnotextode

1952,ele terminaporreconhecerque,comoumconceitonascente,comumpénageneralizaçãoeoutronaexperimentação,haveriaaindaumcampovastoaserexploradoepedeaseusinterlocutoresqueofaçam.Ouseja,“autoriza”,aosqueseinteressampeloconceitodeestresse,queoampliem.Estabelecedebatescomseus críticos, pois sendo um pesquisador deveria seguir os padrões técnicos eteóricos balizadores da teoria da ciência da época, e sobretudo deveria evitaraspectosdegeneralizaçãoedeabstraçãomalvistospelapesquisaemmedicina.Apropostadopaidoestressedifundiu-seecresceucomliberdade,eacabou

sendo incorporada a vários camposdo saber.Desde então, não só amedicina,masapsicologia,asociologiaesobretudoasciênciasquesepreocupamcomasaúdeambientalenolocaldetrabalho,comaqualidadedevidaemgeral,vêmproduzindo trabalhos, textos e pesquisas utilizando-se do conceito de estresse.Istoexplicaaabundânciadetítulossobreoassunto,econformeStora(1991)“jáchegamamaisde100.000artigosemaisde200livrossobreotema”.Hoje[1],viainternet,umsimplesacessoaosbancosebasesdedadosrevela

uma quantidade alarmante de referências ao estresse. NaMedline, que é umabasededadosdeliteraturainternacionaldaáreamédicaebiomédica,contendo4mil títulosde revistasnosEstadosUnidose emmais70países, referentesaosúltimos10anos(1990a2000),encontramos20.305vezesaspalavras“estresse”e “psicologia”, em uma pesquisa de títulos e resumos que contenham estecruzamento.Oestudodoestressedescritonestaspublicaçõesépadronizadoemrelaçãoaolevantamentodosdados,quantificadoapartirdaaplica-çãodetestesede sua interpretação.Emgeral, os estudos têmmaiso caráter investigativodoqueaapresentaçãodepropostasdetratamentooudecondutaspreventivas.Dos60 resumosdescritosneste levantamento, háos seguintes: estudo sobre

estresseemestudantesdemedicina relacionandodepressão,ansiedadeeo fato

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de cursar medicina e o apoio social e familiar, ascenso acadêmico e tipo depersonalidade; estudo sobre o impacto de acontecimentos vitais, pessoais esociais como fatores estressantes, relacionados a sofrimentos psíquicos esomáticos; estudo com adolescentes de 12, 13 anos de idade nomeio urbano,relacionandocategoriasdealtaebaixarendaeaexposiçãoaagentesestressores,concluindoqueoestresseémaiorquandoosfatoresdeestressesãocrônicosenão eventuais; desempenho sexual em adultos de meia-idade, sobretudo apósdescobrirem que a sexualidade no casamento supõe a presença de filhos, e opapel do desempenho profissional como fator de autoestima, na busca doequilíbriododesempenhosexualdocasal;relaçõesentreosrelatosequeixasdepaisefuncionamentofamiliar,apartirdosfilhosentre2e16anosquebuscamcentros de saúde mental, revelando alta relação entre pais com problemas ecriançascomproblemaseconcluindoqueosproblemasdospaisafetammaisascriançasdoqueocontrário;recursospsicossociaiscomootimismo,autoestima,autocontrole como amortecedores do impacto do estresse sobre a saúde,evidenciando que a erosão destes recursos favorece o estado de estresse;depressãoeestresseemcriançasderuaemcomparaçãocomoutrascrianças,eousodeálcooledrogas(Canadá);estresseempessoasquecoabitamcomidososeoimpactodarelaçãocuidadorecuidado,eanecessidadedeprogramasdeapoioa parentes de pessoas idosas; relação entre o estresse crônico e oenfraquecimento da memória; estresse em pessoas que cuidam de umanegociação fracassada, a partir de pesquisa entre cuidadores de pessoasdesabilitadas(suldaFrança);estresseempessoasquecuidamdepacientescomAlzheimer, evidenciando ainda alto índice de depressão e de perdasimunológicas entre os cuidadores; significado dos acontecimentos vitaisnegativossobreadolescentestardios,18anos,earelaçãocomoapoiodafamíliae de amigos, apontando efeitos mais negativos quando não havia apoio etambém quando os eventos negativos duravam mais tempo; estudo sobre aadaptação de três diferentes gerações demigrantes vietnamitas e preditores deestresse entre migrantes mais velhos, de meia-idade e jovens em relação a

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conflitos familiares, insatisfação com a vida nos EstadosUnidos, aculturação,biculturalismo, depressão, ansiedade, fatores estressantes pré-migratórios (osjovenseramnamaioriamaisaculturados,maisbiculturais,eapresentavamumaautoavaliaçãomaissaudável,embora relatassemmaior insatisfaçãocomavidanosEstadosUnidoserevelassemmaioresconflitosfamiliares);relaçãoentreosconceitos de estresse e ansiedade, esclarecendo que embora o conceito deansiedade seja muito melhor configurado do que o conceito de estresse, empalestras proferidas pormédicos e por psicólogos, os dois conceitos aparecemmuitas vezes de forma confusa e pouco discriminada; impacto do estresseinterpessoal e relacional entre pessoas que têm restrições dietéticas e oaparecimentodedistúrbiosdealimentação;estresseemmigrantesiranianosnosEstadosUnidosearelaçãocomdepressão;desconfortomentalemcuidadosdeenfermagemearelaçãocomopaciente.NoDedalus,bancodedadosbibliográficosdaUniversidadedeSãoPaulo,há

estudos que relacionam estresse e medicina, estresse e psicologia, trabalhosrelativosaestresseeesporte,estresseetrabalho,estresseeacidentes,estresseesaúdemental,entremuitosoutros.Diantedestavastidão,podemosnosperguntarseháalgumaspectodoestresse

aindaasercobertocomumtrabalhoquesepretendesingular.Este livro temumobjetivopreciso: dentrodos estudos sobreo estresse, em

seus achados mais contemporâneos, fazer uma ligação com o pensamentopsicanalítico e possibilitar ao leitor uma aproximação extramuros: algunsaspectos do estresse e alguns conceitos da psicanálise; mais precisamente,estabelecerumaaproximaçãoentreafasederesistênciadoestresseeoconceitode angústia, conforme uma leitura psicanalítica. Há também a intenção dedestacararelaçãodoestressecomolocaldetrabalho.

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CaminhosdoestresseHá três trabalhos elaborados na Faculdade deMedicina daUniversidade de

São Paulo que enriquecem a abordagem deste tema. Seus autores sãoNelsonMassini,doDepartamentodeMedicinaLegal,ÉticaMédicaeMedicinaSocialedoTrabalho,RicardoAmaralRegoeLysEstherRocha,ambosdoDepartamentodeMedicinaPreventiva.Rego(1987),aosereferiraoconceitodeestresseemsuadissertaçãoTrabalho

e saúde: contribuição para uma abordagem abrangente, fala sobre a nãoexistência de uma unidade teórica em relação às pesquisas sobre estresse,opinião compartilhada por outros estudiosos do tema, o que permiteclassificações e abordagens metodológicas diferentes, de acordo com aprioridadeconferidaaosaspectosfisiológicos,psicológicos(apartirde1950),ouaosaspectos sociológicos (apudRego,1987).Oautor considera, contudo, queumadasconcepçõesmaisdifundidaséadeSelye,conformeoquefoipublicadoem1936 na revistaNature, ou seja, o estresse como resposta inespecífica aosestímulos internos e externos (1987, p. 111). Refere-se também aos aspectosagradáveisedesagradáveisdoestresse.Ainda sobre o bom e o mau estresse, Lys E. Rocha (1996) menciona o

conceitodeMarianneFrankenhaeuser(1989),queutilizouasexpressõeshappystressedistress.

Happystress designa situações em que os estímulos do ambiente estãoemequilíbriocomascapacidadespessoaisdeatravessarsituaçõesdifíceissem efeitos prejudiciais à saúde; por outro lado, distress é (umaexpressão) utilizada para designar o estresse negativo, que aparecequandonãose temescolhaedeve-seaceitarumagravesituação. (apudRocha,1996,p.25)

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Na formulaçãodeMassini (1984), exposta na tese de livre-docênciaEstudodas cardiopatias coronarianas sob o ponto de vista da lei de acidentes dotrabalho,encontramos:

Abuscadeumadefinição corretaparao termoestresse émuitodifícil,poiseleéasíntesedeváriosfatores,queforamestudados isoladamentepor médicos, psicólogos, sociólogos e filósofos. O estresse é umapalavra-chave,queindicaumfatorouajunçãodeváriosfatores[...]eoque permitiu a união de todos estes fatores em uma única palavra,estresse,foiqueelessãocapazesdegerarnoorganismoumarespostaqueparatodoselesésemelhante.(p.17)

Emrelaçãoàsalteraçõessomáticas,“arespostaasituaçõesestressanteséumaresposta complexa, que envolve o sistema endócrino, cardiovascular erespiratório” (p. 18).Massini também considera que Selye foi o primeiro quedefiniuoestressecomosíndrome,ediz:

Emum sentidomais amplo, estresse é uma sobrecarga dos recursos docorpo,afimderesponderaalgumacircunstânciaambiental[...]areaçãode estresse é uma mobilização das defesas do corpo, um antiquadomecanismo bioquímico de sobrevivência, que foi aperfeiçoado nodecursodoprocessoevolutivo,permitindoaossereshumanosadaptarem-seafatoshostisouameaçadores.(p.18)

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Massini considera as três fases de alarme, resistência e exaustão, comointrínsecas ao conceito de estresse, seguindoSelye, bem como o distresse e oeuestressecomoqualidadesintegrantesdoconceito.

Distresse–oestresseexcessivo–conduzàdebilidadefísicaepsicológicade intensidades variáveis, não permitindo resposta adequada aosestressores,tornandooindivíduovulnerável,eseusistemanervosotorna-se menos capaz de suportar a sobrecarga, levando à deficiência -comportamental,quecontribuiparaoagravamentodoquadro.Euestresseéumasituaçãodeequilíbrioalcançadaapósumestímuloestressor,ondeo indivíduo supera os estímulos negativos e ao mesmo tempo criaimunidadesantefuturasobrecargaestressante.Forçascomqueenfrentarpodem ser conseguidas pormeio de capacidades físicas e psicológicas,convertendo os estressores em oportunidades de crescimento e vigorpsicológico.(p.20)

MarildaE.NovaesLipp (2001), autora de vários estudos sobre estresse, notexto“Stress: conceitos básicos”, emPesquisas sobre stress noBrasil: saúde,ocupações e grupos de risco, refere-se ao conceito elaborado por Selye,reafirmandoquesua

[...]ênfaseeranarespostanãoespecíficadoorganismoasituaçõesqueoenfraquecessem ou fizessem-no adoecer, a qual chamou de “síndromegeral de adaptação” ou “síndrome do stress biológico”, comumenteconhecida também como “síndrome do simplesmente estar doente”. (p.18)

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Podemosdizer,afinal,queapedra fundamentaldoconceitodoestresseestánaspesquisasdeHansSelye,queapartirdeseulaboratóriorompeuasbarreirasdaortodoxia,ecomotodocriador,semrenunciaraela,devidamenterespaldadopelasuaformaçãocomoexperimentador,nãopôdedeixaràmargemasvariáveisque se interpuseram a seus achados. Apossou-se destas variáveis, tentoucompreendê-lase formulouumconceitoque,pela suaprópria irreverência, foiganhando a adesão de pesquisadores de outros campos do saber. Sendo umconceito referenciadoaoserhumano, foiatravessadopelasombrada“alma”etingidoimplacavelmentepelocampodosafetosepelasdescobertasdeSigmundFreud sobre o inconsciente. O conceito contém três etapas – alarme,resistência/buscadoequilíbrioeexaustão/colapso–,ampliadocomosaspectosdebomestresseemauestresse.Todososautoresdeestudossobreestresseconcordamemrelaçãoaopapeldo

estresse namanutençãoda vida, e esta concepçãoderiva-se das afirmações deClaudeBernardsobreabuscadoequilíbriointernodoorganismo,ahomeostase,comoummecanismodeadaptação:“Oestressefisiológicoénecessárioaoritmobiológico,àcoesãodomeiointerno”;consequentemente,aprivaçãoouausênciadoestímuloouausênciadeestresseseriaamorte.Estafoiaconstataçãoquedeuorigem à crença de um eustress (Stora, 1991). Contudo, o excesso deestimulaçãoénocivoeperigosoquandosetornamaiordoqueacapacidadedoorganismoemassimilá-loeadaptá-lonabuscadoequilíbrio.

ContribuiçõescontemporâneasUltrapassandoolaboratório,osestudosseespraiampelocampodapsicologia,

dasciênciassociaiseencontramnolocaldetrabalhoenasrelaçõesdetrabalhocampo fértil para se desenvolver. A partir da Segunda Guerra, novascontribuiçõesvirãoà luz.Comodesenvolvimentodamelhorcompreensãodas

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relaçõesdopsíquicocomosomático,sobretudoapartirde1950,“abandonandode vez o modelo linear biológico e optando por um modelo multilinear queengloba todas as dimensões domeio ambiente” (Stora, 1991, p. 6), um novoconceitodoadoecerganhaadesãodospesquisadores,principalmentedemédicoscom formação em psicanálise, que vêm a construir uma compreensãopsicossomáticadoadoecer.Jean-BenjaminStora,psicanalistaepsicoterapeutanoHospitaldoInstitutode

PsicossomáticadeParis, inicia seu livroLeStress, publicado em 1991, com aseguinte frase de Selye: “Complete freedom from stress is death”. Podemoscompreender então que o conceito de estresse estará presente em todos oscampos em que se debate a vida. O aspecto multifacetado do conceito vaienvolver aspectos ativos, passivos e dinâmicos. Stora apresenta neste texto de1991 as distintas acepções que o conceito de estresse foi adquirindo, semquesejam excludentes. São maneiras diferentes de se referir ao estresse queacabaram ganhando vida própria, balizando estudos complementares emutuamenteenriquecedores.StoratomaSelyecomoreferênciadeseutrabalhoedizqueoestressepode,hoje,sercompreendidocomo:

1)umaforçaqueproduzumatensão,umadeformaçãonoobjetosobreoqualéaplicada. Neste caso, trata-se de um estímulo externo, um agente físico(barulho, calor, frio), ou pode ser um agente psicológico (um luto, umaperda).Esteéosentidoativodoestresse;

2) o resultado da ação de um agente físico e/ou psicológico e/ou social;estresse é o resultado dos agentes estressores. Neste caso, o resultado serefere às consequências biológicas,mentais oupsíquicas sobre a saúdedaspessoas.Aação,causadapelosestressores,podeserpontualoupermanente,terumperíododelatência,antesqueapareçamossintomasdadoença.Estalatência pode durar horas ou meses, ou mesmo anos, como é o caso das

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doençasautoimunes;3) é ao mesmo tempo o estressor e o resultado em diferentes dimensõesindividuais.Estaacepçãodeuorigemàmultiplicidadeeàdifusãodoconceitodeestresse,queacabousendoaplicadopordiferentespesquisadoresnaáreadasaúdenosúltimos40anos,alémdopróprioSelye;

4)nãomais confinadoexclusivamente à suadimensãobiológica,passa a serconsideradocomoumconceitodinâmico,aomesmotempointernoeexterno.

Oestresse é, pois, umagente externopercebidonumespaçode tempo,pelo indivíduo, que põe em jogo defesas mentais. Os automatismosbiológicosacompanhamsimultaneamenteo jogodasdefesasmentais.Avida psíquica individual pode se desorganizar (Pierre Marty) por estaação, correndo riscos de somatização, conforme o estado da estruturapsíquicaedocontextosomáticoesocial.(Stora,1991,p.7)

Ação externa e reação individual conforme a dinâmica psíquica própria decadaindivíduosãoasvertentesatuaisdosestudossobreestresse.Nocampodamedicina,porexemplo,ascorrelaçõesentreoestressee imunidade facilitaramas pesquisas que estabelecem interações entre o sistema nervoso central e osistemaimunitário,abrindoasvertentesdoconceitodeneuro-imunomodulação(Stora,1991).Umoutrocampoquesebeneficioucomosestudosdoestressefoiodotrabalho,comodesenvolvimentodoconceitodeestresseprofissionale/ouestresseocupacional.A relação estresse e psicologia, estresse e psicossomática, estresse e

psicanálise,encontrouboaacolhidaentreestudiososdestescampos.Osestudossobredoençasdoestressecausadasporacontecimentosexcepcionaisesituaçõesdomundocontemporâneo,emsituaçõesextremas,sãooutravertenteque toma

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como estressores aspectos domeio social e ambiental. Por exemplo: situaçõesdecorrentes de catástrofes naturais, que causam choque tão grande que toda aestrutura psíquica de um conjunto da população se desorganiza, dandoaparecimentoadesorganizaçõesmentaisacompanhadasdesomatizações.O protótipo clássico deste acontecimento é a guerra, à qual se somam os

desastres em estradas de ferro, naufrágios, incêndios, terremotos, erupçõesvulcânicas, inundações, acidentes em usinas nucleares. Numerosos autoresdescreveram as reações psicológicas a estes choques, apontando uma demoraentre o acontecimento e o aparecimento de patologias psicossomáticas. Todosconcordamcomaseguintesequência:umafasedeimpactocomochoque;umafasede inibição,denegação;uma fasede ruminações repetitivas;uma fasederecuperação progressiva; uma fase de aceitação e o começo de integração doacontecimento traumático com resíduos de memória esquecidos. A partir detrabalhos sobre o estresse e a guerra, principalmente estudos comos soldadosnorte-americanos combatentes naGuerra doVietnã, houveuma sistematizaçãodo comportamento e dasmanifestações decorrentes do poderoso e devastadorefeito sobre os envolvidos com a guerra: a manifestação de um conjunto desintomas – angústia, depressão, distúrbios do sono com recurso repetitivo àmedicação,aoálcooleaocigarro,acompanhadosdemanifestaçõesfuncionais:distúrbios digestivos, cardiovasculares, dores de cabeça, enxaqueca, alergias.Stora (1991) refere-seaindaa experiênciasvividasporprisioneirosdecamposdeconcentraçãoeàsexperiênciasderefénseaacontecimentosligadosàguerrado Líbano. Aponta ainda os estudos com cosmonautas e tripulantes desubmarinos,que fazemsuporexperimentaçãodeextremoestresse.Há tambémreferênciasaodesgaste,frutododesempenhoprofissional,observadoematletas,principalmente em esportes que exigem resistência e em esportes de altacompetitividade.Esta constatação pode ser hoje cotidianamente acompanhada,sobretudoapartirdovolumecrescentedeinformaçõesdivulgadaspelosórgãosde comunicação que monitoram as competições esportivas internacionais, asolimpíadaseosjogosqueenvolvemdisputasmundiais.

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Referência necessária é feita aos estudos sobre o estresse em portadores dedoenças como o câncer e a aids, que abriram vasto campo não só para aobservação do estresse, como para a construção de procedimentos, sobretudopsicoterapêuticos, que acompanham as condutas médicas no cuidado depacientesdestasdoenças.Aolongodestelivro,retomareiascontribuiçõesdeJ.B.Stora,principalmente

naabordagemdarelaçãodoestressecomodesempenhoprofissionalnolocaldetrabalho.

[1]Estetextofoiredigidonoanode2000.

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2.Estresse,desamparoeangústia

“Conversa”entreSelyeeSpitz:estresseembebêsRenéA.Spitz,médicopediatravinculadoauminstitutopsicanalítico,foium

dosprimeirosareconhecer,nascontribuiçõesdeSelye,umrecursoparaoestudodo comportamento de bebês, o que pode ser comprovado no seu comoventetrabalhoSomeobservationsonpsychiatricstress in infancy,publicadonoFifthAnnualRepportonStress(1956).OpropósitodeSpitz(1956),entãodocentenoInstitutoPsicanalíticodeNova

York e consultor de pesquisa e de psiquiatria pediátrica noHospital deLenoxHill, de Nova York, é o de apresentar uma série de observações clínicasreferentesaumaformadedistúrbiopsiquiátricoemcrianças,aquechamoudehospitalismo.

Apesquisa fundamentaldemeuestudo já foidescritaalhures.Àépoca,interpreteiminhasobservaçõessegundoomodeloconceitualdeconflitoedefesadeFreud.Váriosanosmaistarde,quandoencontreiaspublicaçõesdeSelyerelativasaseumodelodeestresse,percebiquesuaabordagemfisiológicaeminhaabordagempsiquiátricamutuamenteseconfirmavam.(p.193)

Esteestudo,editadoporSelye,certamenteexplicitaumaaproximaçãoentreosdois,fazendoimaginarqueaconversaentreelespossatertidooutrosfrutosalém

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dosreveladosnestetrabalho.FazpensarqueofatodeSelye,umpesquisadordelaboratório, ter se aproximado do que está além do que é mensurável,respeitando os percursos do inconsciente, possa ter sido enriquecido nestarelaçãoentrecolegas.Partindodecomentáriossobreahistóriadapsiquiatria,Spitz(1956)destacaa

importânciadotrabalhodeFreud,de1894,Asneuropsicosesdedefesa.Paraele,apartirdestetrabalhoedurantemaisdemeioséculo,apsiquiatriapsicológica,emcontrapontocomaabordagemexclusivamenteorgânica,refletiuasideiasdeFreud,easdemaisabordagenspsicológicas,nasuaopinião,foramdecorrênciasemodificaçõesdasconcepçõesfreudianas,enfatizandoaspectosoufazendoumarestriçãoseletivaàsideiasdeFreud.Apsiquiatriaacadêmicaclássicaesforçava-se por influenciar os sintomas, enquanto a concepção psicanalítica pretendiatratar a doença. Prevaleceu durante muito tempo, na psiquiatria acadêmica, atentativa de influenciar os sintomas, usando procedimentos farmacológicos,elétricosecirúrgicos.Faltavauma teoriaabrangentedopsiquismo,ecom issofaltavaumaabordagemfecundadaetiologiadadoençapsiquiátrica.

Uma mudança nesta situação ocorreu, pela primeira vez, por umacontribuiçãodafisiologiaexperimental.Selye,pormeiodeseuconceitoglobal,foicapazdedesenvolverummodelotantoparaofuncionamento,quanto para os desarranjos da fisiologia humana. Este modelo ésemelhante ao modelo psicológico de Freud; baseia-se no conceito dedefesadiantedoperigo.Selyeesuaescolaforamcapazesderevelarumacompreensãodaespecificidadedoórgão,comoauxíliodasmensuraçõesexatasdosexperimentosemlaboratórios.(p.194)

Apartir da constatação de que Selye, após o estudo dos estressores físicos,

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aceitou também a existência de estressores emocionais, Spitz (1956) diz quepercebeuque,emsuasobservaçõessobreohospitalismo,“tambéminvestigara,quase inadvertidamente,asconsequênciasdeumaformadeestresseemocionalnainfância”(p.194).Aorelatarsuasobservações,começaporestabelecerasdiferençasexistentes

entreasduasabordagens.AdeSelye,dizele,serefereaumconceitogeral,eassituaçõesdeestresseobservadasaplicam-seatodasasfasesdavidaorgânica.Asua se refere a alguns aspectos do funcionamento domodelo deSelye, no serhumano,easrespostasaoestresseemocionalaplicam-seespecificamenteaumafasecrítica,biológicaepsicológicadodesenvolvimentodacriança.Seuestudoéapresentadoapartirdaobservaçãode91crianças,nasquais a

privaçãoemocionaleafetivaagiacomoestressor.Spitzverificouqueasíndromeclínica apresentada por estas crianças progredia proporcionalmente à privaçãoafetiva, e que, a partir de determinada etapa da privação, as manifestaçõesclínicastornavam-seirreversíveis.Ainstituição-cenárioparaoestudoapresentavajáumarotinanocuidadocom

as crianças, rotina que não foi modificada para a sua pesquisa. Este estudodurou,aotodo,doisanos;aobservaçãomaisdiretaduroutrêsmeses,tendosidoo restante do tempo dedicado a um acompanhamento por meio de outrosrecursos.ACasadaCriançaAbandonadaeraumti-pode instituiçãoexistentehá mais de cinquenta anos, com poucos recursos financeiros e que, todavia,estava instalada em um edifício bem situado, em lugar agradável, fora dosEstados Unidos. As crianças eram filhas de mulheres casadas, que pagavammodestaquantiaparaacriaçãodosfilhos,eainstituiçãoaindaabrigavacriançasfilhasdemãessolteiras.Osbebêsdestacasaforamamamentadosporsuasmãesatéos3mesesdeidade.Apósoterceiromês,cadacriançaeraremovidaparaumcubículo individual, onde partilhava com outras crianças a atenção de cincoenfermeirascompetentesebemtreinadas.Spitz(1956)relataqueteveacessoavárias instituições, e inclusive acompanhou crianças em seus ambientesfamiliares,masoque lhechamouatençãonestacasa foiaaparência incomum

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das crianças,muitomenores,muitomenos ativas,muitomais quietas e poucointeressadas na entrada de um estranho em seu meio. Comparando o queencontrounestainstituição,dissequeestecomportamentoeratotalmentedistintodocomportamentodeoutrascrianças,damesmaidade,emqualquerdosoutrosambientes ou instituições já frequentados por ele. Nesta casa, os cuidados deenfermagem e de higiene eram adequados, mas as crianças recebiam atençãopessoaldurantemuitopoucotempo,poisascuidadoraserampoucasparaas91crianças observadas, e cada enfermeira tinha a seu encargo de 8 a 12 delas.Comparando o que observava nestas crianças e o que observava naquelasmantidasemseus lares,emcontatocomamãe,na relaçãopessoalnocuidadodiário, o pesquisador verificava que mesmo as relações mãe-criança maisdesfavoráveis eram melhores do que nenhuma. Chamou de “suprimentosemocionais”arelaçãoqueseestabeleceentreacriançaequemcuida,quenãoprecisa ser a mãe verdadeira, mas alguém que possibilite trocas ternas eafetuosascomacriança,alémdebrincarelhedaratenção,mesmoque,àsvezes,a atenção seja hostil. As crianças da Casa da Criança Abandonada sofriamseveraprivaçãoafetiva.Spitz (1956) observou um declínio clínico nestas crianças, compatível com

umasíndromecaracterísticadedoençascausadaspordeficiênciaemocional,quepodeserdivididaemdoissubgrupos:

[...]oprimeiromostraoquadrofenomenológicodadepressão.Chamei-ode ‘depressão anaclítica’, pois sua estrutura é diferente da depressãoobservada em idades posteriores. O segundo quadro clínico é o domarasmo. Não usei este termo para a entidade clínica, pois ele narealidade designa um sintoma característico dos estágios terminais, detodasascondiçõesdefalência.Emvezdisso,chameiosegundosubgrupodehospitalismo.(p.196)

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Na depressão anaclítica, diz, a recuperação é rápida se o objeto de amorretornaàcriançadentrodeumperíododetrêsacincomeses.Nesteestudo,umdos gráficos apresentados descreve a alta taxa demortalidade destas crianças,que ficaram sem um cuidado mais direto e afetivo, sem trocas emocionaissignificativas, por mais de cinco meses consecutivos. Após dois anos deacompanhamento destas crianças, um dos aspectos quefoimenos atingido nascrianças quenão sucumbiram, e quenãopuderam ser reencaminhadas às suasfamílias ou a famílias cuidadoras, foi o aspecto relativo ao controle social.Emboraestetenhasidoofatordesencadeantedohospitalismo,houveumesforçosurpreendentedecompensaçãoporpartedascrianças.

Elas procurarão alcançar os suprimentos emocionais, indiferentes à suaorigemounatureza.Esteaspecto,portanto,drenaráasenergiasdetodososoutrossetoresdesuaspersonalidades.(p.200)

A proposta de estabelecer uma comparação entre a Síndrome Geral deAdaptaçãodeSelyeeseuestudosobreoestadodeprivaçãoafetivatotal,aquechamoudehospitalismo,é reveladanominucioso inventárioemqueapresentaas etapas de reação ao estressor, de resistência e finalmente a instalação doestado de colapso. Spitz (1956) descreve minuciosamente as modificaçõesobservadas nos bebês, que evoluem desde o choramingo como umamanifestação de pedido de atenção, avançando para o retraimento, quando aatenção não foi concedida, evoluindo para movimentos contraídos, até aimobilidade,comperdadeinteressenoambienteeinsônia.Háfaltadeapetiteediminuição do peso, com riscos aumentados de infecção. O desenvolvimentointelectual tem rebaixamento significativo, e ao final aparecem movimentosatípicosdosdedos,rigidezfacialesobrevémocolapsofinal.Apóscincomeses

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deprivaçãoafetiva,asmudançasverificadasnosbebêssãoirreversíveiseataxademortalidadeésignificativa.Spitzobservaaindaoaspectodoautoerotismo:

No primeiro ano de vida, tanto a criança normal quanto as criançasrelativamenteferidasmostramgrandenúmerodeatividadesautoeróticasdenaturezabastantevariada,quepodemirdesdeasucçãodopolegaratéasbrincadeirasgenitais.NascriançasdaCasadaCriançaAbandonada,entretanto, percebi que as atividades autoeróticas de toda espécie, atémesmoasucçãodopolegar,desapareciamprogressivamentedoquadroàmedidaqueaidadedacriançaaumentava.Quandoestavamseparadasdesuas mães há mais de cinco meses, as atividades autoeróticas erampraticamenteinexistentes.IstocorrespondeaoachadodeSelye,dequenareaçãodealarmeinicia-seaperdadelibido,quepersiste,ouaumenta,noestágiodecontrachoque.(p.202)

Parailustrarsuasafirmações,oautorasapresentaemumatabelacomotítulo:CorrespondênciaentreaSíndromeGeraldeAdaptação(deSelye)eaSíndromedePrivaçãoAfetiva(deSpitz).ArelaçãocomomodelodeSelyeémaissignificativaquandosechegaàfase

de exaustão. As fases de alarme e de resistência também acorrem. SpitzestabeleceadistinçãoentreseuestudoeosdeSelye:

Oagrupamentodos sintomas feitoporSelye segue as três entidadesdaSíndromedeAdaptaçãoGeral,querdizer,ummecanismofisiológicodevalidade universal, no mundo orgânico. Meu agrupamento é clínico,centradoemtornodoproblemadereversibilidadeeirreversibilidadedas

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mudanças patológicas. Assim, não esbocei quaisquer outras linhas deseparação rígidaspara a sequênciadadeterioração.Há, entretanto, umadiferençamaisfundamentalentreosconceitosuniversalmenteválidosdeSelye e as minhas observações. A Síndrome de Privação Afetiva só éencontradanacriançaemdesenvolvimento,istoé,emumserimaturo,emestadodemudançaprogressiva.Éobservávelentreos6eos18mesesdevida, etapa do desenvolvimento do primeiro rudimento do ego,juntamentecomoestabelecimentodaprimeirarelaçãoobjetal,mãe-bebê;estes dois aspectos ainda não estão suficientemente desenvolvidos parasuprirumaautonomia,mesmoquetemporária,dacriança.(p.202)

Nesta etapa de desenvolvimento, há uma fusão entre os recursos afetivos,psíquicos e físicos do bebê, que são um “organizador” do desenvolvimentopsíquico que deverá ser desdobrado nos nove meses seguintes. Ao fim desteperíodo, aos 18 meses aproximadamente, um outro organizador terá de sernegociado.Entreoprimeiroorganizadoreosegundoháumperíodocrítico,poisexiste uma grande vulnerabilidade do bebê, e é neste momento que há umafacilitação para o desenvolvimento da Síndrome de Privação Afetiva. Depoisdeste período crítico, o desenvolvimento da locomoção independente, defacilidadeverbal ede ação fundada emprocessosdepensamento, a criança jáestá infinitamente mais resistente à influência da separação; “a influência daseparaçãoaprejudicará,masnãoamatará”(p.203).Nesteestudo,oautordemonstracomoaprivaçãoafetivaagecomoumagente

estressor,eoquadroclínicoavançaemproporçãoàextensãodaprivação.EsteeoutrosestudossobrebebêsecriançasforamfeitosporSpitzaolongode

sua vida. Em 1965, vários destes trabalhos são apresentados no seu livroThefirstyearoflife,traduzidoparaoportuguêscomotítuloOprimeiroanodevida.OprefáciodeAnnaFreud,bastanteelogioso,entreoutroscomentários,dizo

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seguinte:

Ao contrário do que comumente acontece com as publicações depsicanalistas, esta descrição minuciosa e cuidadosa das inter-relaçõesemocionaisentremãeefilhodestina-seaumamplocírculodeleitores.Omododeobservaçãoempregado,adocumentaçãoreunidanasfotografiase filmes, bem comoos testes utilizados pelo autor, são suficientementeprecisosparaatrairaatençãodosespecialistas.Suaspremissasteóricaseconclusõessão tãoestritamentepsicanalíticas,quenãopodemdeixardeatrair a atenção de todos os analistas – e dos analistas de crianças –favoráveis a uma abordagem factual da idade que ainda é a maisdesconhecidado serhumano.Realmente, suasexposições iniciais sobrehospitalismoedepressãoanaclíticapermitiram-lhechegaraestabelecerovalor dosmétodos de observação,mesmo paramuitos psicanalistas atéentãorelutantes.(FreudapudSptiz,2000)

Noprólogo,escritopeloautor,háumahomenagemaFreud:

Em1935,quandoinicieiminhasinvestigaçõessistemáticasempsicologiapsicanalítica infantil servindo-me das observações diretas, eu era umelementoisolado.Dezanosmaistarde,outrosestudiososseinteressarampeloassunto.(Spitz2000)

FalandoespecificamentesobreosTrêsensaiossobreateoriadasexualidade,diz que durante muitos anos de pesquisa com centenas de crianças pôde

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confirmaragenialidadedeFreud:

[...] e é com profunda satisfação que tive a oportunidade de participardeste empreendimento, aplicando o método de observação direta aotrabalhodemeumestre,SigmundFreud.(Spitz,2000)

EstresseeangústiaAinda é pouco comum o casamento do estresse com a psicanálise. Com o

passar dos anos, o estresse foi sendo utilizado como conceito, ora como umtermogenérico,oravinculadoamanifestaçõessomáticasobservadaspelaclínicamédica e, na sua generalidade, amplamente incorporado pelos meios decomunicação.O trabalho de Spitz (1956), embora datado, é uma contribuiçãohistórica significativa, pioneira talvez, da aproximação do estresse com apsicanálise.Ao aproximar estresse de desamparo, podemos dizer que estamos casando

duas figuras alinhadas no campo do sofrimento psíquico com consequênciassomáticas irrefutáveis, se tomarmos Spitz como referência. A figura dodesamparo,tãocaraàpsicanálise,édescritanestesrelatos,noseudesvelamentoradical, no campo inicialmente circunscrito ao bebê, no qual o desamparo seespraia como uma manifestação pré-simbólica. O próprio autor assevera que,depoisdos18meses, coma locomoção independente, a facilidadeverbal edeaçãofundadaemprocessosdepensamento,acriançajáestáinfinitamentemaisresistenteàinfluênciadaseparaçãodamãe.Hoje, a releitura do desamparo o traz para a primeira cena, não

necessariamente prerrogativa dos bebês. Desamparo evoca pânico, sofrimentosevero, que passa a ser objeto de estudos minuciosos de psicanalistascontemporâneos.Mário Eduardo Costa Pereira (1999), em seu livro Pânico e desamparo,

relacionadesamparoepânico,textodereferênciaobrigatóriaparaosestudiosos

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dotema.Nocapítulo5,“Anoçãode‘desamparo’nopensamentofreudiano”,oautordizque,paraFreud,

[...] odesamparonão se esgotana referência aoestadode insuficiênciapsicomotoradobebênemseresumeaumacondiçãomeramenteacidentaldo funcionamento psíquico. Muito mais do que isso, a Hilflosigkeitfreudiana constitui o horizonte último de todo processo no qual alinguagemestáengajada.Nestaperspectiva,opânicorepresentaumadaspossibilidadesafetivasdesefazerfaceaosmomentosdeconstataçãocruae incontrolável da realidade desse substrato fundamental de falta degarantiassobreoqualavidapsíquicasedesenrola.(p.125)

PereiraconsideraqueodesamparoparaFreudnãoéumconceitonitidamentedefinidoedeterminado,preferindoconsiderá-lomais

[...] da ordem da noção do que um conceito, respeitando assim o seucaráter referencial e não saturado. É mais plausível considerar que o‘desamparo’tenha-setornadoumanoçãonecessária,masnãototalmenteformalizadaàmedidaqueareferênciaaelepareciaseimporemergindoquasequeporsisó,docernedecertasquestõesteórico-clínicasdasmaisdecisivas – tais como a teoria da angústia – que exigiam formulaçõescadavezmaisagudasemaisespecificamentemetapsicológicas.(p.126)

Estresseeangústia:umahipótesepossívelSupondoqueaangústiasejaumestressor,elaterá,necessariamente,umpapel

ativonodesencadeamentodoestresse.Seforconsideradaumamanifestaçãodo

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estadodeexaustãoedecolapso,ocupariaolugardemanifestaçãoúltimadestasíndrome.Poderíamosconsiderá-la,ainda,comooprincipalingredientedafasederesistência,elementonãodeparalisiamortíferaeletal,masumorganizador,inquieto, do enfrentamento dos estressores. Ocupando a angústia destaque nasíndrome do se sentir doente, nome “genérico” para a síndrome do estresse,podemos supor que ela possa ter umpapel peculiar na etapa de resistência aoestresse,desdequepossaserassimiladacomoum“organizador”,prenunciandoque“algumacoisavaiacontecer”.Porqueestahipótese?Pensandonaangústiacomoumafetointrínsecoefundantedopsíquico,doqualnãosepodeescapar,poderíamossuporqueaangústiapodeterumlugarnoestadoderesistênciadoestresse,maisdoqueumlugarnaetapadecolapso,oqueaconfigurariacomouma“doençadoestresse”.Neste sentido,oestresseestá sendoqualificadona suavertentepsíquica,ou

seja, um estresse no registro do psíquico e com o sofrimento psíquico daídecorrente, podendo ser também somaticamente manifestado. Isto é possível?Podeo“um”sedividirem“dois”?Nocaso,qualéo“um”?Pensoentãoqueo“um” é pensar o indivíduo, o ser humano, constituído indivisivelmente empsíquicoesomático.A angústia é um conceito nodal para a psicanálise, porque o é para o ser

humano,nodizerdopróprioFreud.

Aangústiaéum‘pontonodal’paraoqualconvergemasmaisimportantesquestões da pesquisa psicanalítica, e a reflexão sobre seu enigma deveprojetarumatorrentedeluzsobrenossavidapsíquica.(Freud,1980a)

Recorrendo a Zeferino Rocha (2000), vemos que a angústia é uma dasexperiênciasedaspalavrasque,comooutras,

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[...] fazemparte do patrimônio linguístico comumdahumanidade, poisestão relacionadas com experiências tanto de ordem física quantopsíquica,quesãoverdadeiramenteuniversais.Emtodosostemposenastradições culturais mais diversas, os homens utilizaram a palavraangústia,ouumdosseusequivalentes,paradescreversuasexperiênciasprofundasdemedo,temor,terror,desesperoedesamparo.(p.24)

Sendo um enigma para a existência humana, a angústia está inscrita comomarco zero na caminhada pela vida, por isso mesmo objeto de estudo dapsicanálise e, antes dela, da mitologia, da filosofia, de toda a ciência que sepreocupa com o humano e dos que se preocupam com o demasiadamentehumano,moteparaoescritoreparaopoeta.Aotrazeraangústiaparaumestudosobreoestresse,aintençãoélançarnovosolharesnacompreensãodoestresseeaproximá-lodequestões,quehátempos,afligemospsicanalistas.Há autores que concedem à angústia o lugar de um resultado e não de um

agenteestressor,ouseja,aangústiajáéumamanifestaçãodeestresse.Pensoqueuma demarcação rígida de territórios, do ponto de vista psíquico, que tentacircunscrever “aqui começa o estressor”, como causa, e depois dizer “aquicomeçaoestresse”,comoresultado,époucoflexível.Asoluçãonegociadaseriapensarque,sendooestresseumprocessodinâmico,

ele contém, nas diferentes etapas de sua manifestação, conteúdos que serãopaulatinamentedesconstruídos,atéfinalmenteseremneutralizadose,namelhordas hipóteses, eliminados. Em relação aos conteúdos afetivos, sabemos quesempre deixam um resíduo. E os especialistas nesta área são os psicanalistas!Vejamosoqueelesdizemsobreaangústia.Angústia“éoefeitodeumexcessodeestímulos–Reize–represadosdevidos

ànãosatisfaçãopulsional[...]”;oexcessodeReizeévividopelosujeitocomo

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algoavassaladorqueolevaaumestadodemedo,dedesamparo,aHilflosigkeit(Hanns,1996,p.62).LuizHanns(1996),rastreandoapalavraangústia,informaqueAngstliteralmentesignificamedoe

[...] é traduzido para o português como ansiedade (seguindo a vertenteinglesa,anxiety)oucomoangústia(deacordocomatendênciafrancesa,angoisse). Nem sempre é possível diferenciar os termos “medo”,“ansiedade”, e “angústia” entre si. Conforme o texto, tanto Angst(“medo”) como Furcht (“temor”, palavra também ocasionalmenteempregada por Freud) podem corresponder a “ansiedade” e maisraramentea“angústia”.(p.62)

OtermoAngstéumdosmaispolêmicosentreostradutoresdeFreud.Porqueproblemasdetradução?ÉopróprioHannsquemdiz:

Sepsiquiátricaepsicanaliticamente,porumaquestãodetradição,Angst,angoisseeanxiety seequivalemcomo termos técnicosparadesignarosmesmos quadros patológicos, por que se deveriam considerar asdiferençasentreestaspalavrasdopontodevistalinguístico?(p.72)

AindaseguindoHanns,

[...]ocorrequeFreudtransita,àsvezesnummesmoparágrafo,deumusocoloquial para o uso técnico, bem como frequentemente emprega ostermos de maneira que se possa fazer uma dupla leitura (ora comodesignaçãonosológica,oracomoafeto).Alémdisso,Freudtranscendeo

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quadro estrito da nosologia psiquiátrica, abarcando psicanaliticamentedimensõesligadasàlínguaeàcultura.(p.72)

Contudo, a questão principal, para a psicanálise, está na própria concepçãometapsicológicadaangústia,noqueseconvencionouchamardeduasteoriasdaangústia. Na organização dos textos sobre angústia, na Edição StandardBrasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, há umareferência ao ano de 1893, com a elaboração doRascunho B, como o marcoinicial dos inúmeros escritos de Freud que tratam predominantemente, ou emgrande parte, deste assunto. Em alguns casos, os trabalhos foram publicadosalguns anos depois, em relação à data aqui informada. Há três textosprovavelmente escritos em 1894, Rascunho E, Rascunho F e Obsessões eFobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia; escritos em 1895, Sobre oscritérios para destacar da neurastenia uma síndrome particular intituladaneurosedeangústiaeUmaréplicaàscríticasdomeuartigosobreneurosedeangústia;em1909,Análisedeumafobiaemummeninode5anosdeidade;em1910,Psicanálise ‘silvestre’; em 1914, História de uma neurose infantil; em1917,Conferência25 intituladaAansiedade, emConferências introdutórias àpsicanálise; em1925, Inibições, sintomas e ansiedade; em1932,Conferência32, tendo como título Ansiedade e vida instintual, apud Novas Conferênciasintrodutóriasàpsicanálise.ZeferinoRocha(2000)temumacompreensãominuciosaarespeitodostextos

edasdatasqueseparamaprimeiradasegundateoriafreudianadaangústia.Seumagnífico estudo sobre angústia, Os destinos da angústia na psicanálisefreudiana,conduzoleitoraumseguropercursonolabirintodametapsicologiasobre a angústia. Rocha utiliza como referência para seu estudo três etapasessenciaisemquesedivideaobradeFreud:osescritosiniciais(1892-1900)eaprimeiratópica(1900-1920),comodoismomentosdaprimeirateoria;osúltimosescritos(1920-1938)subsidiamasegundateoriadaangústia.SeguindooroteiropropostoporRocha,noprimeirotempodaprimeirateoria

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da angústia, encontramos no Manuscrito E que Freud escreve a Fliess,provavelmente em 1894, referência necessária para o estudo da origem daangústia. A leitura deste texto nos permite dizer que a origem da angústia ésexual, e que ao acúmulo de tensão sexual física corresponde a neurose deangústia,equeaoacúmulodetensãosexualpsíquicacorrespondeamelancolia.

Na neurose de angústia [...] a tensão física aumenta e atinge o valorlimítrofe emque é capazdedespertaro afetopsíquico;no entanto, pordiversas razões, a ligação psíquica que lhe é oferecida permaneceinsuficiente: o afeto sexual não pode formar-se, pois falta algo nosdeterminantes psíquicos. Por conseguinte, a tensão física, não sendopsiquicamenteligada,transforma-seemangústia.(Freud,1986)

Mas por que a transformação se dá especificamente em angústia?ContinuaFreud:

A angústia é a sensação do acúmulo de outro estímulo endógeno, oestímulo da respiração, estímulo este que não é passível de serpsiquicamente elaborado além da própria respiração; [...] além disso,quandoseexaminammaisdepertoossintomasdaneurosedeangústia,encontram-se na neurose partes desconexas de um grande ataque deangústia, a saber, dispneia simples, palpitações simples, a simplessensação de angústia e uma combinação desses elementos.Examinadascommaiorprecisão,essassãoviasdeinervaçãoqueatensãosexualfísicacomumente atravessa,mesmoquandoestá emviade ser psiquicamenteelaborada.A dispneia e as palpitações são próprias do coito; e embora

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comumente sejam empregadas apenas como vias complementares dedescarga, passam a servir, neste caso, por assim dizer, como as únicasválvulasdeescapedaexcitação.(p.80)

ParaRocha(2000),noprimeirotempodaprimeirateoria,

[...] a angústia inscreve-se no corpo, quando abordada no contexto dasneuroses atuais, e de modo particular na neurose de angústia, e semdeixar da ser inscrita no corpo se inscreve também no registro dopsiquismo,quandoconsideradanocontextodaspsiconeurosesdedefesa.(p.10)

Evidentemente,nãosetratadeumcorpoorgânicooubiológico.

Empsicanálise, o corpo em questão é sempre um “corpo erógeno”, ouseja, o corpo que, de um modo ou outro, já é objeto de investimentolibidinal. É verdade que nem sempre o que é vivido neste corpolibidinalmente investido pode ser representado ou simbolizado pelosujeito.(Rocha,2000,p.43)

Em 1917, naConferência 25, considerada pelos exegetas da obra freudianaum texto-ponte ou de ligação entre a primeira e a segunda teoria da angústia,Freudafirmaque

[...]aansiedaderealísticaatrainossaatençãocomoalgomuitoracionale

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inteligível.Podemosdizerqueelaéumareaçãoàpercepçãodeumperigoexterno,istoé,deumdanoqueéesperadoeprevisto.Estárelacionadaaoreflexo de fuga e pode ser visualizada como um instinto (pulsão) deautopreservação.Emgeral,areaçãoaoperigoconsistenumamisturadeafetodeansiedadeedeaçãodefensiva[...]aprimeiracoisapertinenteéoestado de preparação para o perigo que se manifesta por meio de umaumento da atenção sensória e da tensãomotora.Deste estado decorre,porum lado, a açãomotora– fuga,noprimeiro caso, e, emnívelmaiselevado,defesaativa–e,poroutro,oquesentimoscomoumestadodeansiedade.Seumanimalestácommedoeemperigo,elefoge,enãoficacom medo, não fica parado! E o homem, perguntamos, também fogesempreouficaparalisado?(Freud,1980a)

Afinal, o que é o real ou o realístico de que fala Freud, ao se referir àangústia?

TudooqueFreuddiz,nestaconferência,giraemtornodadistinçãoentrea Realangst (angústia diante de um perigo real externo queconscientemente se percebe) e a neurotische Angst (angústia neuróticaqueaparentementenadajustifica).(Rocha,2000,p.81)

Convivemneste textoacompreensãodedoismodosdedesenvolvimentodereaçãodaangústiadiantedeumperigoreal:umestadodeprontidãoquepreparaparaoperigoeoprocessodedesenvolvimentodaangústia,quepodeselimitar“aproduzirumsinal,oqualtem,comofinalidade,mobilizarasdefesasdoego,afimdequeareaçãodeangústiasejacontrolada”(Rocha,2000,p.82).Eainda,

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nestetexto,hásubsídiosquefalamdarelaçãodaangústiacomomedoeopavor,além de reflexões sobre a angústia infantil e sua relação com o estado deangústiadoadulto.NaConferência26,Ateoriadalibidoeonarcisismo,Freud(1980a) falade

entrelaçamentosdeafetosedecisões:

Enfim, não acreditam os senhores que alguém foge porque senteansiedade?Não.Sente-seansiedadeefoge-seporummotivocomum,queé decorrente da percepção do perigo. As pessoas que enfrentaram umgrande perigo de morte nos contam que não sentiram medo,absolutamente,massimplesmenteagiram.

Atravessandoaponte,lançadapelaConferência25,echegandoaostextosqueconstituem o conteúdo da segunda teoria da angústia, Inibições, sintomas eansiedade (Freud, 1980b) e Conferência 32, da série Novas conferênciasintrodutórias à psicanálise (1980c), Freud, seguindo seu modo peculiar deescrever (quase nada se perde, tudo pode se transformar), modifica a teoriaanteriorepassaaatribuiràangústianãomaisolugardeumatransformaçãodalibido recalcada, mas “também passou a considerá-la como um elementoestruturantedoexistirhumano,atribuindo-lheumafunçãodefensivadiantedosperigos que ameaçam a existência” (Rocha, 2000, p. 13). Ao introduzir adimensãoexistencialdaangústia,Rochamergulhanoquelheéfamiliarpelasuaformação filosófica e diz: “sei que para alguns psicanalistas isso podeparecerestranho.Apsicanálisenadatemavercomadimensãoexistencialdaangústia.Estatarefacompeteaosfilósofosenãoaospsicanalistas”(p.13).A angústia não é mesmo uma propriedade de um campo: ultrapassa os

horizontesdossaberesafinse,namagníficametáforadeRocha,éumasombra

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doser.Assimsendo,nãopodeserporeledispensadaenemmesmodelapodeohomemseesquivar.Freud,naconstruçãodopercursodaangústia,transita,noperíodode1893a

1932, entre a libido física e a libidopsíquica, conferindoao recalqueprimeiroum lugar da causa da angústia. Mais tarde, diz que é porque tem medo daangústia que o homem recalca seus desejos inconscientes, quando se tornamameaçadoresparaoego.Ouseja,aangústiajáestavadesdeocomeçocomoumrepertórioparaposteriorutilização.Estafigura,podemospensar,équepermitecompreenderodesamparo,estadotãoprimeiroeanterioraqualquerorganizaçãodedefesasdoego,possibilitandoentãoentenderporqueobebêpodesucumbiraesteestado.Fonte necessária ao estudo da angústia é o trabalho A angústia, primeiro

volumedasérieProblemáticas,deJeanLaplanche(1987).Laplanche(1987)dizqueaangústia

[...] é o afetomenos elaborado emais próximo da descarga energéticapura,mastambémé,todavia,susceptíveldecertaelaboração.Aangústianãoéalgoacujorespeitonadapossaserditoe,particularmente,elapodeser transformada num elemento eminentemente significante “em sinal”;[...]paraindicarquealgumacoisavaiacontecer.(p.32)

Laplanchedistingueníveisdeelaboração:aelaboraçãosobformadeafeto

[...]quenãoimplicaaligaçãoarepresentações,mas,simplesmente,umaligação significante a reações somáticas. Depois, a ligação arepresentações,sendoestasmaisoumenossusceptíveis,porsuavez,deserobjetodeumcertotrabalhopsíquico.Tomemosoexemplodafixaçãodaangústiaaobjetosfóbicos[...]ealigaçãodegruposderepresentações

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unsaosoutros.(p.32-33)

Sobre as duas teorias da angústia, o autor menciona a primeira comoestruturadanostextosfreudianosqueconsideramaangústiaumaenergiasexualnãoelaborada,

àqualfoirecusadaaviadeumacertaelaboração,equesedescarregademaneiramaisoumenosanárquica[...].Ouainda:éumalibido,destaveznão mais “não elaborada”, mas desligada de suas representações,especialmente pelo processo de recalque, liberada, e que novamente sedescarrega sob a forma de angústia; o segundo processo seria, grossomodo, aquele que se verifica nas neuroses de transferência. A segundateoriadaangústiaéapresentadanoestudode1924 intitulado Inibições,sintomaseansiedade.Émuitomaiscomplexadedefiniremumapalavra.Suas coordenadas essenciais são, por um lado, a noção de perigo: aangústia é colocada na perspectiva da reação ou da preparação para operigo; por outro lado, a noçãode ego, indicadonão só como lugar daangústia,mascomopodendoseratéacausadaangústia,comopodendorepetir a angústia por sua própria conta, pelo menos como sinal. Porconseguinteaprimeira teoriaéuma teoriaeconômica, a segunda teoriaseráuma teoriamais funcional [...], uma teoriamais histórica, já que aangústiacomosinal,oucomosímbolo,deveráserrelacionadacomoutrasexperiências angustiantes que ela repete, sem deixar de constituir umaespéciedevacinaçãocontrao retorno (éa ideiadesinal),portantoumateoriaquedáacessoaumaconcepçãomuitomaissimbólicadaangústia.Mastambémpodeserumateoriamuitomaisobjetivista,aqualfariadaangústianeuróticaarepetiçãodeumperigooudeumareaçãoaoperigo

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objetivo[...],considerandopessoalmentenegativopretendervinculartodaa angústia, ainda que fosse apenas em última análise, a um perigoexterno.(p.42-43)

Opontodevistaeconômico,aoqualserefereoautor,consiste,paraateoriapsicanalítica,emtomaremconsideraçãoosinvestimentosnasuamobilidade,asvariaçõesdesuaintensidade,asoposiçõesqueentreelesseestabelecem.

Econômicoqualifica tudo o que se refere à hipótese segundo a qual osprocessospsíquicosconsistemnacirculaçãoerepartiçãodeumaenergiaquantificável (energia pulsional), isto é, susceptível de aumento, dediminuição,deequivalências.(Laplanche;Pontalis,1985,p.167)

Aindasobresinaldeangústia,LaplancheePontalis(1985),noVocabuláriodapsicanálise, dizem que este conceito condensa a contribuição essencial àsegundateoriadaangústiajáligadaàsegundatópicaqueconfiguraanoçãodeego.Vinculandoestesinaldeangústiaaoego,umanovafunçãodaangústia“fazdelaummotivodedefesadoego”.Estesinalpodefuncionar“comoumsímbolomnésico”deuma situaçãoquenãoestá aindapresente eque sequer evitar.Osinal de angústia reproduz de forma atenuada a reação de angústia vividaprimitivamente em uma situação traumática, o que permite desencadearoperaçõesdedefesa(p.632).Ao esquadrinhar as duas teorias da angústia, Laplanche se pergunta qual a

relação que haveria entre elas: alternativa ou dialética? Penso que alternativasupõeumaescolha:ouestaouaquela.Jádialéticasupõeumterceiromovimentoque contém parte das duas, permitindo um salto adiante. Laplanche (1987)

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afirmaque“aprimeirateoriavaleenquantoprimeira,naorigemdoprocesso,equeasegundateoriaéumateoriasegunda”(p.235),eainda:“éumateoriaemque ele (indivíduo) se elabora mas também se tranquiliza; uma teoria que,segundooladoparaoqualseinclina,podeapresentar-secomosimbolizaçãooucomosintoma”(p.235).Oqueuneangústiaeestresseéapossibilidadedeampliaracompreensãode

que a angústia, que aparece em tantos textos edebates sobre estresse, tememFreudenapsicanáliseumaabordagemprivilegiadaque,nãodesconhecendoasaflições do corpo, debruça-se sobre as aflições da alma e desenrola umainvestigação cuidadosa do texto, do palco, da encenação e dos bastidores daangústia.PensandoemduasfelizesexpressõesdestesdoisestudiososdaangústiaemFreud,retomodeRochaaconcepçãodequeaangústiaéasombradoser,ede Laplanche a compreensão de que a angústia permite que o indivíduo seelabore,mastambémsetranquilize.

SombraeangústiaDasombranãosepodeescapar.Eestaéumacrençaantigaque impediaos

homens primitivos de saírem ao sol do meio-dia, pois deixariam de ver suasombra:elaéquelhesgarantiao“algo”quehaviadentrodelesequedeveriampreservar. A sombra permite este prolongamento de si mesmo e, ao mesmotempoemque intriga, éumatestadode existência.Assimcomoassusta, podetambémtranquilizar,poisfaladeumcorpopróprio,confereumamaterialidadeaoquenãoévistosemaluz.Aideiadequeaangústiatambémtranquilizaéumparadoxo,porquesendoangústia,fazsuporsofrimento.Contudo,avoltaàcenadeumadorjávivida,agora“revisitada”,faladeum

limitenecessárioque,sendodaordemdoviver,exigeumprosseguir.Aangústiaacabasendoestapautaporondetransitamosafetosmais“somáticos”easdoresmais“psíquicas”.Porissomesmoéqueaangústia,comtodasuamajestadeearealezadomundodassombras,seimpõecomoumacondiçãoenãocomouma

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escolha. Desse modo, seria melhor que fosse possível dela se apropriar navertente estruturante, do que sucumbir à vertente do sofrimento sem saída. Aangústia fica então como uma hipótese, neste lugar de resistência, como umavacina-sinal(Laplanche), inerenteàetapaquenoconceitodoestresseéaquelaem que o corpo convoca suas defesas para não sucumbir ao ataque sofrido.Sendodo registrodopsíquico, “poderia” ser elaborada, enãonecessariamenteficar refém de uma repetição que oprime. Sendo somática, “poderia” deixarescoar no corpo sua dor, e não necessariamente entrar em um colapsoirreversível. Sendo originária, traz a marca do humano do qual não se podeescapar.A angústia faz parte do elenco de conceitos e figuras que transitam pelos

territórios desenhados pelos seus limites, e, utilizando a metáfora de Rocha,resgato para esta vizinhança o conceito de sombra, que no curioso estudo deCasati(2001),pesquisadornasáreasdefilosofiaepsicologiadapercepçãoedarepresentaçãoespacial, temumaabordagempeculiar, formuladanoseu livroAdescobertadasombra:dePlatãoaGalileu.Ahistóriadeumenigmaquefascinaahumanidade.

A lição que podemos tirar dos relatórios linguísticos, etnográficos eliteráriosdizrespeitoàconstelaçãodeimagensqueseformaemtornodoconceito de sombra. O que tais relatórios parecem nos dizer é que asombrafascina,enãoédifícilcompreenderporquê.Asombrafazcoisasestranhas. A sombra é uma imagem do corpo e permite reconhecer ostraçosdeseudono.Dependedocorpo,estáfirmementepresaaele.Maséumaimagemabstratae imaterial:asombranão temcor,éplana(talvezseja o único objeto não abstrato verdadeiramente bidimensional). Asombracresceedecresce,desapareceereaparece,épresaaocorpoe,noentanto, não se deixa capturar. A sombra parece habitar um

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compartimento da mente que se comunica com o departamento dosobjetos–assombrassãocoisasfísicas–eaomesmotemposeabreparao departamento da psique – as sombras são imagens da alma. Nestaduplicidade se aninha provavelmente a explicação cognitiva da riquezadasmetáforasedashistóriasdasombra.Asombraéumatestemunhadoencontro entre o mundo das coisas materiais e um mundo em que amatérianãoparecetãoimportante.Ummundocaprichoso–asombravaie vem sem que se possa interferir nos seus planos – e seguramenteevanescente e misterioso. É um mundo de coisas e de pessoas cujascaracterísticasfundamentaissãosubstancialmenteasmesmasemtodasasculturas.(Casati,2001,p.45-6)

Estresseeneurosesatuais:outrahipótesePensandonasneurosesatuais,sabemosqueestassãoformaçõessintomáticas,

emque“acausaéatual,noduplosentidodepresentenotempoeatualizadaemato; (...) existe uma fonte de excitação somática incapaz de encontrar suaexpressão simbólica” (Laplanche, 1987, p. 34). Comparadas com aspsiconeurosesquetêmsuacausanopassado,ouemeventospassados,reativadospelopresente,expressãode“umconflitoessencialmenteinteriorizado”,noquala formação dos sintomas faz-se por “mediação simbólica”, as neuroses atuaisacabaram fertilizando o solo para a constituição da psicossomática como umcorpoprópriodepensamentosobreosomático,emressonânciacomopsíquico.Pensando sobre o que seria essencialmente somático e o que seria

essencialmente psíquico, encontramos no texto de Freud, aqui comentado porLaplanche,umacircunscriçãoprecisa:

Orecortedocorpoque é afetadoporumaparalisiaouporumsintomasomáticoqualquer,nahisteriadeconversão,nãocoincideemnadacom

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ostrajetosdaanatomianervosaoudaanatomiaemgeral:umamãopodeestarparalisadaaoníveldopulso,emboraosnervoseosmúsculosqueacomandamofaçamporterritóriosmuitomaiscomplexos.Inversamente,poder-se-ia dizer que, em relação à conversão, a somatizaçãopsicossomáticasefazporviasmuitomaisfisiológicas.(p.39-40)

Pensandonodestinodadoàangústia,nestessujeitos,Laplanchevaidizerqueelesnãoproduzemumaneurosedeangústia“purae simples”,mas investemaenergianãoelaboradanocorpo.Eaquiapareceumadiferença,naminhaopiniãoradical, entre as possibilidades apresentadas pelo repertório da fantasia, pelorepertório fantasmático e “imaginarizado”, e o repertório somático, genético,hereditário.Háumadiferença,emboraconstituintedeummesmosujeito,entreseu repertório psíquico e seu repertório genético. Em alguns, os recursospsíquicos prevalecem como possibilitadores para “dar conta” do conflito, dosofrimento; há uma possibilidade de escolha-da-neurose. Nas psiconeuroses épossível uma eleição do sintoma, “individual, singular, extremamentedeterminada em seus próprios detalhes, deste ou daquele sintoma”. Em umamanifestação somática, há uma cama para a somatização, este é o nome deLaplanche (1987) para o que é dado de antemão, o repertório hereditário egenético,que sobredeterminaa resposta somática.Embora sejaumaafirmaçãode PierreMarty (1993) de que não há escolha de órgão, para a somatização,tambémnãoháumdescartedopsíquico,pois

[...] é objetivo do esforço terapêutico “repsiquicizar” o conflito e osintoma,quenãofaltamemcadaum(nãoexisteninguémsemfantasia);neste caso, a psicoterapia dos pacientes psicossomáticos desembocafrequentementeemumaverdadeirapsicanálise,necessitandoàsvezesdeumperíodoprévioquecomeceamobilizarearessimbolizaraquiloqueoprópriopacienteexcluíradesuavidapsíquica.(Laplanche,1987,p.42)

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Neste sentido caminham psicanalistas, como JoyceMcDougall (1983), quereceberamosofrimentosomáticoemseudivãcomoumainstigantepossibilidadede desvelar o sofrimento psíquico enclausurado no sintoma somático.McDougall cunhou o termo desafetação, que em última instância fala de umcongelamento dos afetos que, no setting psicanalítico, pode se liquefazer,encontrando,paraosafetos,palavrasqueospossamnomear.Apobrezadavidamental,evidenciadaempacientessomatizadores,podesofrernovosdestinoseseengancharemumahistóriaindividualqueestejaemressonânciacomopsíquico.Poroutrolado,asobredeterminaçãogenéticasendoumaherançafatídica,istoéinexorável, da qual não se foge, pode emerece ter novos destinos. Estoumereferindo, a partir de McDougall (1997, p. 129), à concepção de fado e dedestino, concebida por Christopher Bollas (1992), que a autora toma deempréstimoparasuaclínica,dizendo:dofadoninguémpodeescapar;odestinoque é dado, o fado que se recebe, é que torna possível, em última instância,viver.Istonãoénovo,nemprerrogativadeautorescontemporâneospensarsobreestes cruzamentos, fado, destino, ou seja, “cama” hereditária e escolha dosintomaeformasdeenfrentá-los.Emtodaequalquerneurose,

[...]emtodaequalquerpsiconeurose,alémdossintomasespecíficos,queencontram precisamente sua explicação simbólica na história doindivíduo, observa-se com muita frequência um desfile de sintomasvagos, não específicos, fadigas, dores indefiníveis, certa tristeza – quetalvez não mereçam a atenção do intérprete, ou que só possam serinterpretados de um modo muito geral, porque representam umaressonânciasecundária,atual,dapsiconeurose.(Laplanche,1987,p.39)

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A distinção entre psiconeuroses e neuroses atuais continua cara aospsicanalistas, e estes estudos estão enriquecidos com a contribuição dos quetomaramasneurosesatuaisparaestudomaiscuidadoso.“Dasneurosesatuaisàpsicossomática” é um texto de Flávio Carvalho Ferraz (1997), na coletâneaPsicossoma: psicossomática psicanalítica, que versa especificamente sobre opercursodopensamentofreudianoeascontribuiçõescontemporâneasaotema.

O que delimitaria o domínio das chamadas neuroses atuais não seriaapenas esta peculiar relação de temporalidade. Seriam também ascaracterísticassomáticasdasintomatologia.Éassimque,naneurastenia,podiam ser encontrados sintomas tais como: “pressão intracraniana,inclinaçãoàfadiga,dispepsia,constipação,irritaçãoespinhaletc.”.Emoutrosubgrupodasneurosesatuais,odaschamadasneurosesdeangústia,esse tipo de sintomatologia teria menos importância; os traçossintomatológicos proeminentes estariam todos gravitando em torno dosintomanucleardaangústiaeseriam:“sobressalto,inquietude,ansiedadeexpectante, ataques de angústia completos, rudimentares ousuplementares, vertigem locomotora, agora-fobia, insônia, maiorsensibilidade à dor etc.”.A ideia de neurose atual, sobre a qual Freuddespendeutantosesforços,foisilenciosamenteperdendosuaimportânciaecaindo,poucoapouco,noabandono.(p.25)

Contudo,continuaFerraz,alguns

[...]insigths freudianosarespeitodaspeculiaridadesdasneurosesatuaispodem, hoje, ser considerados de alta importância teórica. Dentre elas,

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destacam-se a afirmação da sintomatologia somática – em oposição àsintomatologiapsíquicadaspsiconeuroses–eaespecificidadederelaçãodetemporalidadeentresintomaecausaprecipitante.(p.28)

Muitos destes aspectos enfatizados por Freud são referência para apsicossomáticacontemporânea:

[...]asintomatologiasomática;ocaráteratualdofatoretiológico;anãosatisfação da libido como causa precipitante do sintoma; e atransformaçãodiretadacausadosintoma,semamediatizaçãosimbólicadorecalque.(p.29)

Angústia,depressãoessencial,desafetaçãoPierreMarty(1993)confereàangústiapapeldeterminantenoaparecimentoda

depressãoessencial, que,de todas as formasde sofrimentosdescritos, é aqueestámais submetida ao campo dapulsãodemorte, quando o ego submerge aqualquer possibilidade de defesa, perdendo o interesse pelo passado e pelofuturo. Descrevendo a depressão essencial, diz ter criado este termo paradesignar o que vinha chamando de depressão psicossomática, uma depressãosemobjeto,

[...]quesedefinepelafalta:apagamento,emtodaaescala,dadinâmicamental (deslocamentos, condensações, introjeções, projeções,identificações, via fantasmática e onírica). Não se encontra, nessa

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depressão “conveniente”, a “relação libidinal” regressiva e ruidosa dasoutrasformasdedepressõesneuróticasoupsicóticas...Menosespetacularqueadepressãomelancólica,semdúvidalevamaiscertamenteàmorte...ADEseestabelecequandoacontecimentostraumáticosdesorganizamumcerto número de funções psíquicas, cuja capacidade de elaboraçãotransborda... angústias difusas frequentemente precedem a DE.Automáticasnosentidoclássico, importunas, traduzemafliçãoprofundado indivíduo, aflição provocada pelo afluxo de movimentos instintuaisnãodominados[...].Oegosubmersomostraassim...suadesorganização.Aangústianãorepresentaounãoapresentamaisosinaldealarme...Elaéo alarme...Automáticas, essas angústias difusas reproduzem um estadoarcaicodetransbordamento.(p.19)

Sob diferentes ângulos, a angústia como libido transformada, a angústiarealísticaeaneurótica,asituaçãotraumáticaeassituaçõesdeperigo,aangústiacomosinal, a angústia eonascimento, sãopontosdopercursodosescritosdeFreudsobreaangústia.Háumapossibilidadedesepensaremperigoederesoluçãodesteperigopor

meio de uma ação, e outra possibilidade leva a pensar que o perigo tem umarepresentação simbólica desencadeando uma resposta que se traduz em umsintomapsíquico.Sehouverumamediaçãosimbólicaentreacausaearesposta,o que pode ocorrer é uma formação sintomática psíquica. Se não houver estapossibilidade, a respostaaparececomoumaaçãomotoraoucomouma reaçãosomática, que também são respostas sintomáticas, ou psicossomáticas. Ora aangústia, omedo, o susto se traduzemem resoluçõespsíquicas, se houver umrepertório simbólico epsíquicodisponível.Se este repertórionão existir ou seestiver congelado, na expressão de McDougall, pode aparecer uma respostasomática,psicossomática,queéumamaneiraarcaicaeprecocededarcontado

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sofrimento, do desgaste ou da privação. A constituição do repertório psíquicosegueumlongopercurso,e,nosestudosanteriormentereferidosdeSptiz,vemosque o bebê não dispõe destes recursos e acaba sucumbindo, literalmente, àprivaçãoemocional,emboraestejasendocuidadomaterialmente.Podemostambémpensarquehárespostassomáticasehárespostaspsíquicas,

quenaverdadenunca sãopuras, são respostas emquepodeprevalecerumououtro conteúdo. Na primeira houve uma lesão física, na segunda houve umalesão “do órgão da mente”. Monzani (1989) corrobora a afirmação de que osusto,ogolpe,asurpresa,têmopoderdedesarranjodofuncionamentopsíquico,equandoistoaconteceeessearranjoéviolado,oaparelhopsíquicoiráfuncionardeacordocomasexigênciasprimitivas,atéconseguirresolveradesarrumação(apudArantes,1994,p.171).Em outra pauta, Joyce McDougall descreve sua compreensão de que a

resposta psicossomática, bem como toda e qualquer organização sintomática,psicóticaouneurótica,éumatentativadeorganizarumarespostaanteoagentedesorganizador.EmboranãosendooriginalaafirmaçãodeMcDougall,oqueésingularésua insistênciadequeo indivíduofazoquepodeparadarcontadosofrimento. É um ato de resistência que o enlouquece, neurotiza-o oufisicamente o adoece. O sintoma e a resposta psicossomática são os maisdevastadores, levamà falência do corpo e, comoconsequência, contaminamoaparelhodepensar.Sãoumaformaarcaicaeprecocederesponderaosofrimentopsíquico,esãoprecocesearcaicasporque,historicamente,sãoasdequedispõe,maisprecocemente,o serhumano,aindabebê.Quandooadulto recorreaestaforma arcaica de responder a um desorganizador, é de se supor que suaspossibilidades psíquicas não estão disponíveis, ou não se desenvolveram, ouestão congeladas, ou estão empobrecidas. Em Teatros do corpo, McDougall(1996) afirma que “todos temos tendência a somatizar toda vez que ascircunstânciasinternasouexternasultrapassamosnossosmodospsicológicosderesistênciahabituais”(p.3).

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3.Estresseetrabalho

A concepção de estresse, germinada dentro da ideia de desgaste e poroposiçãoàderesistência,trazparaacenadodiaadia,dotrabalho,dofazer,doir e vir, do simples estar acordado, a imperiosa necessidade de dar conta doavançodorelógiodotempo,quesupõeumrelógiobiológicoeumprogramaaserexecutado.Escolhiestenderaocampodo trabalhoesteestudodoestresse,poiséesteo

campodofazerhumanonecessário,doqualmuitopoucosconseguemescapar.Otrabalho, ao mesmo tempo que é uma conquista, traz, para quem trabalha, ogermedoseudesgaste.Otrabalhosupõerelaçõeselaçossociais.

Num lençode sedapode encerrar-seumaquantidademaiorde trabalhodoquenumtijolo.Mascomosemedemasquantidadesdetrabalho?Pelotempo que dura o trabalho,medindo este em horas, em dias [...]. Paraproduzir umamercadoria tem-se que inverter nela, ou a ela incorporar,umadeterminada quantidade de trabalho.E não simplesmente trabalho,mas trabalho social. Aquele que produz um objeto para uso pessoal edireto,paraconsumi-lo,criaumprodutoenãoumamercadoria[...].Maspara produzir uma mercadoria não só se tem que criar um artigo quesatisfaça uma necessidade social qualquer, como também um trabalhoneleincorporadodeverárepresentarumaparteintegrantedasomaglobaldetrabalhoinvertidopelasociedade[...].Umamercadoriatemumvalorporserumacristalizaçãodeumtrabalhosocial.Agrandezadeseuvalor,ou seu valor relativo, depende da maior ou menor quantidade dessasubstância social que ela encerra, quer dizer, da quantidade relativa de

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trabalhonecessárioàsuaprodução.(Marx,1978)

Quanto trabalho é necessário então para produzir umamercadoria?Quem aproduz?Quanto ganha pelo que produz? Estas perguntas são objeto de longotrajeto teórico e científico, e, no que nos diz respeito, nossa preocupação épensarqueotrabalhoéumacondiçãodeestarnomundo,nomundosocial;éumjeitodeoshomensserelacionarementresieemproduçãocomum.Otrabalhocomo exercício especificamente humano pressupõe que quem o exerceconstituiu-se como ser humano, ultrapassou as etapas necessárias para suaconstituiçãosomáticaepsíquicaeseapresentacomoquempodeproduzir,criarprodutos e mercadorias. Para a criação da mercadoria, homens e mulheresvendem sua força de trabalho, e é em torno desta venda que as relações detrabalhoseestabelecem.Hánecessidadeedemanda.Amercadoriatemumvalor,e o trabalho nele invertido tem um valor. O que o trabalhador recebe comosaláriooucomopagamentopeloseufazeréoquevinculaohomemàvidaeàprodução,compermanenteecontinuadodesgaste.Oquepoderiaserimaginadocomoumbem,apossibilidadede tirardo trabalhoosustentoparasieparaosseus,torna-seumcampodecontinuadosememoráveisconflitos,jáquesempreotrabalhadortrabalha,emgeral,paraalguémquelhepaga.Adiferençaentreosinteresseseaexpectativadecadaum,adotrabalhadoreadequemlhepaga,sãoa marca dos últimos séculos. A organização do trabalho torna-se fonte dedesgaste,poisenvolveadivisãodo trabalho,oconteúdoda tarefa,umsistemahierárquico de poder, modalidades de comando, a distribuição dasresponsabilidades. À organização do trabalho se somam as condições detrabalho, estas,mais ainda, fonte de adoecimento.Estas condiçõesde trabalhoaliadas à organização do trabalho tornaram-se objeto de preocupação e deintervenção de todo o conjunto de profissionais que se formaram dentro docampo da saúde, e, no nosso caso, da saúde mental, preocupados com o

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sofrimentodecorrentedotrabalho.Os sentidos do trabalho, deRicardoAntunes (2001), traz uma contribuição

atualizadasobreotrabalhoea“classe-que-vive-do-trabalho”,queéaformadeserdaclassetrabalhadorahoje.Estaexpressãotemcomoobjetivo

[...] conferir validade contemporânea ao conceito marxiano de classetrabalhadora[...],epretendedar[...]amplitudeaosersocialquetrabalha.Classe-que-vive-do-trabalho, a classe trabalhadora, hoje inclui atotalidadedaquelesquevendemsuaforçadetrabalho,tendocomonúcleocentral os trabalhadores produtivos, engloba os trabalhadoresimprodutivos, aqueles cujas formas de trabalho são utilizadas comoserviço [...], inclui todos aqueles e aquelas que vendem sua força detrabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariadoindustrial, dos assalariados do setor de serviços, tambémoproletariadorural, que vende sua força de trabalho para o capital. Esta noção(ampliada) incorpora o subproletariado moderno, part-time, ostrabalhadoresda chamadaeconomia informal (semcarteira assinada,ostrabalhadores individuais por conta própria – que prestam serviço dereparação,limpeza),alémdostrabalhadoresdesempregados,expulsosdoprocessoprodutivoedomercadodetrabalho.(p.102-104)

Oautor falanocrescimentodo“terceirosetor”,quedecorreda“retraçãodomercado industrial do trabalho e também da redução do trabalho no setor deserviços”,ecujasatividadesvêmcaracterizandoaeconomiasolidária (ONGs).E finalmente, há, no mundo contemporâneo, a expansão do trabalho emdomicílio, “propiciada pela desconcentração do processo produtivo” (p. 112-113)ecomaexpansãodatelemática,queéomesmoqueteleinformática,“que

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surgiudaconvergênciaentreosnovossistemasdecomunicaçãoporsatéliteeacabo, as tecnologias da informação e a microeletrônica” (Chesnais apudAntunes,2001,p.114).Christophe Dejours (1987), em A loucura do trabalho, ao se referir às

condições de trabalho, diz que é preciso levar em conta, antes de tudo, oambientefísico(temperatura,pressão,barulho,vibração,irradiação,altitude),oambiente químico (produtos manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras,fumaças),oambientebiológico(vírus,bactérias,parasitas,fungos),ascondiçõesde higiene, de segurança e as características antropométricas do posto detrabalho. O trajeto que vai do trabalhador ao seu comportamento diante dotrabalho,oscilandoentreprazeresofrimento, foiestudadoporDejours,quesepreocupouprincipalmentecomoquechamoude“anulaçãomudaeinvisível”deum comportamento livre do operário, dando lugar a um comportamentoestereotipado do operário-massa, submetido à organização autoritária dotrabalho,naqualháexclusãoradicaldoseudesejo.

A física gestual e comportamental do operário-massa está para suapersonalidade assim como o aparelho administrativo do ocupante estápara as estruturas do país invadido. As relações de um e de outro sãoprimeiramentededominação,edepoisdeocultação.Dominaçãodavidamentaldooperáriopelaorganizaçãodotrabalho.Ocultaçãoecoarctaçãode seusdesejosnoesconderijo secretodeumaclandestinidade imposta.(p.26)

No capítulo “Trabalho e medo”, o autor destaca o medo gerado pelascondições desfavoráveis e de risco a que são submetidos diariamente muitosoperáriosqueemseutrabalhotêmriscosrelacionadoscomaintegridadefísica.

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Aangústiaéumaproduçãoindividual,cujascaracterísticassópodemseresclarecidaspelareferênciacontínuaàhistóriaindividual,àestruturadepersonalidadeeaomodoespecíficoderelaçãoobjetal.Masnossoassuntoaquiéomedo,umconceitoquenãoépropriamentepsicanalítico,equeresponde por um aspecto concreto da realidade e exige sistemasdefensivos específicos, essencialmente mal conhecidos até hoje. Apsicopatologiadotrabalhoencontra-semuitobemcolocadapararessaltaresta problemática nova, na medida em que constitui uma abordagemespecíficadarelaçãodohomemcomarealidade.(p.63)

Sobre os riscos, há uns que são inerentes às condições físicas, como noseletricistas de rede aérea ou que trabalham em subterrâneos, os trabalhos naconstrução civil, em alto-mar, em plataformas marítimas, em indústrias quemanipulamprodutostóxicos,entreoutras.Osriscossãocotidianoseconstantes:dequeimaduras,deferimentos,decortes,deincêndio,dedescargaselétricasdealtavoltagem.Muitasvezesos riscos sãocoletivos, independemdahabilidadedooperário,apesardasorientaçõesde“segurança”.Omedonotrabalhosurgedaoposição entre “a natureza coletiva e material do risco residual e a naturezaindividual epsicológicadaprevenção a cada instantedo trabalho” (p. 64).Háuma suposição de que os trabalhadores, para enfrentar no dia a dia o medo,acabam por desenvolver estratégias defensivas, e defesas específicas, quequando são eficazes não revelam nenhum traço de medo no discurso dotrabalhador. Esta observação de Dejours, a partir de sua investigação comoperáriossubmetidosasituaçõesderiscosasuaintegridadefísica,revelouqueesta estratégiade “não termedo” éumadefesaquepermitequeo trabalhadorcontinuetrabalhando,apesardepresenciaracidentesgravesemuitasvezesfataiscomseuscolegas.Comopoderiavoltarnodiaseguinteaotrabalho?Estadefesa

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emocional e psíquica acaba tendo um custo também somático, com oaparecimento, entre outras, de alterações do sono, do humor, além de umconjuntodemanifestaçõesmusculares,doresdifusas,lombalgias,eumconjuntodemanifestaçõesdeansiedade.Aansiedadeaparece tambémnascondiçõesdetrabalhoqueenvolvemtarefasrepetitivasparatrabalhadoresdeescritório,ondeaorganizaçãodotrabalho,ocontrolehierárquico,asambíguasrelaçõesdepoder,ora de sedução ora de submetimento, e a competitividade entre colegas sãodiários.

Notrabalhodeescritórionãoseconsegueefetivarcontrolemediadopelocronômetro da fábrica. Então, a permanência do controle deve serlembrada por outros meios: assim a rivalidade e a discriminaçãoasseguramumgrandepoderàsupervisão.(p.76)

Embora o conteúdo do trabalho possa proporcionar uma sublimação, naverdade,supõeDejours,oqueocorreéumaalienação,nosentidoemqueMarxa compreendia em seus Manuscritos econômico-filosóficos, de 1844. Estaalienaçãoéumasubmissãogradativaàorganizaçãodo trabalhoquevaicontraseusdesejos,suanecessidadeesuaintegridadefísicaepsíquica.Aelasesomaumaalienaçãonosentidopsiquiátrico,

[...]desubstituiçãodavontadeprópriadoSujeitopeladoObjeto[...].Aalienaçãoéumaverdadeclínicaque,nocasodotrabalho, tomaaformadeumconflitoondeodesejodo trabalhadorcapituloufrenteà injunçãopatronal.(Dejours,1987)

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Esta constatação levou este autor a desenvolver uma compreensão dasmanifestaçõesdecorrentesdoarranjoqueacabasendofeitopelotrabalhadorpararesolveroconflitoaqueestádiariamentesubmetido.Oaparecimentodemodosde funcionar à maneira de um robô, desprovidos de afeto, aparentementenormais, um jeito de se vincular ao trabalho exageradamen-te e de maneiracompulsiva, vão dar origem a alterações e modos de funcionamento que setornamumaformadeadicçãoaotrabalho,tambémchamadosdeworkaholic,ouaindanormóticos,desafetadosouoperatórios,usandoexpressõesdeMcDougall(desafetado),PierreMartyeM.M’Uzan(pensamentooperatório).O conceito de pensamento operatório – PO – foi apresentado em 1962 no

CongressodeBarcelonaporMartyeM’Uzan.

O PO é um pensamento consciente, sem ligação com movimentosfantasmáticos (representativos) apreciáveis [...]. As relações do sujeitocom seus interlocutores habituais ou particulares traduzem-se por umarelação “branca” [...]. O PO surge desprovido de valor libidinal, nemsempre permite a exteriorização de uma agressividade... sugere aprecariedadedaconexãocomaspalavrasesugereassimumprocessodeinvestigaçãodenívelarcaico.(Marty,1993,p.17)

A noção de vida operatória substituiu em 1980 a noção de pensamentooperatório e explicitaumarranjo frágil, umestado instável, “que se instalanodecorrer de uma desorganização progressiva lenta, repleta de incidentes eacidentessomáticos”(p.17).O conceito de desafetação, cunhado por McDougall, embora vizinho do

pensamento operatório, supõe uma organização própria que remonta às etapasprecoces, quando os afetos ficaram congelados por alguma razão e

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impossibilitados de se expressar. McDougall (1997) supõe que existiramligações em algum momento, que foram “coarctadas” e impedidas de semanifestar. O resultado é o aparecimento, em seu lugar, de sintomas e demanifestações somáticas, uma tentativa de autocura, muitas vezes como umdelíriodocorpo.

Os sintomas somáticos invariavelmente envolvem o colapso dacapacidade de simbolização do indivíduo e, portanto, da capacidade deelaborar mentalmente o impacto das situações de estresse. Quando aangústia, a aflição, a fúria não reconhecida, o terror ou a excitaçãoincomumsãosomatizadosemvezdeseremreconhecidoseprocessadosmentalmente, o indivíduo submerge em uma forma primitiva depensamento.(p.169)

McDougall (1997) verificou também, a partir da fértil observação de seuspacientes, que muitas vezes estes apresentavam um comportamentoaparentementenormaleseembrenha-vamnastarefaseafazeresdodiaadia,emuma busca altamente intelectualizada quemais parecia um escudo protetor doqueumcomportamentoprazeroso.Nomeoudepseudonormalidadeestaformadesecomportar,parecida,muitasvezes,comojeitodese“comportar”dosrobôs.Em inúmeros casos, estes indivíduos, robotizados, apresentavam grandevulnerabilidadepsicossomática.EmTeatrosdocorpo(1991),aautoradizqueencontrouauxílioconsiderável

nostrabalhosdos

[...] psicossomatistas analistas – Marty, M’Uzan e David; Nemiah e

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Sifneos,queforamosprimeirospesquisadoresaconstruirhipótesesparaexplicarofatodequealgunspacientespareciamconseguirviverconsigomesmos e comunicar-se com outras pessoas sem nenhum afeto [...]levandoaosconceitosdepensamentooperatório,alexitimiaeneurosedecomportamento. Embora bastante perplexa quanto à validade destesconceitos no que dizia respeito a meus próprios pacientes, minhasobservações levaram-me a constatar que esse tipo de funcionamentopsíquicoparecia algumasvezes intensificar sensivelmente a tendência àsomatização em alguns deles. Estes trabalhos me ajudaram a tomarconsciência do fato de que pacientes que eu havia chamado de“normopáticos”, “personalidades adictivas”, e “desafetados”,frequentementetendiamasomatizaremsituaçõesdestress.(McDougall,1997,p.114)

FlávioCarvalhoFerraz(1998),noartigo“Omal-estarnotrabalho”,retomaaanálise das relações do homem com o trabalho e os processos de sofrimentodesencadeados,perguntandoseaalienaçãonãoseriaumfenômenomaisamploeumelorepresentativodeumacadeiamaior.

A questão seria: será que a sociedade capitalista contemporânea, comseusvaloressupremosatreladosaoconsumo,nãoestariaproduzindoumaespécie de despersonalização que viria a reboque do fenômeno demassificação?Vivemos em uma cultura cujos imperativos favorecem oaparecimentodadoençanormótica?(p.172)

Ainda a respeito do conceito de normopatia, é referência necessária omais

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recente trabalho de Ferraz (2002)[2]. Neste novo livro, Normopatia:sobreadaptaçãoepseudonormalidade,oautor fazumaabordagemrigorosadoconceito, percorrendo construções da psicanálise e permitindo a compreensãomais refilada deste modo de funcionamento psíquico. McDougall é retomadamaisumavez:

SeJoyceMcDougallfoiumapioneiranadesignaçãodeumanormalidadesintomática,comovimos,issonãoquerdizerqueessafiguraclínicanãotenha feito aparição antes de ser abordada por ela. É claro que, emMcDougall, o conceito aparece elaborado, com uma proposta decompreensão teórica acompanhada de considerações clínicas deladecorrentes. Entretanto, a própria autora confessa que foi a partir deimpasses na clínica que ela pôde isolar a problemática da normopatiacomoobjetodereflexão.Diga-sedepassagem,estasemprefoiaviarégiapara todas as descobertas psicanalíticas, desde o impasse querepresentava a histeria para amedicina, que foi enfrentado porFreud eacaboudandoorigemàpsicanálise.

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TrabalhoedesgasteAna Cristina Laurell e Mariano Noriega (1987) publicaram Processo de

produção da saúde: trabalho e desgaste operário, estudo que explicita aimportância da investigação da saúde a partir das relações do trabalho com odesgaste operário. Na introdução, referem-se às questões metodológicas dasinvestigações neste campo nos países latino-americanos, apontando a enormeriqueza e diversidade teórico-metodológica e o número expressivo de estudos.Ascontribuiçõesdasciências sociais,damedicinaedaengenhariaofereceramsubsídiospara investigaçõesnestaárea,masosautoresvãoalém, integrandoaconcepçãodequeaproduçãodoconhecimentodoprópriooperáriotemopesodeconteroselementosquepoderãoserrealmenteosqueserãotransformadoresda realidade. Assim, o operário não é apenas fonte de informação, mas suarelaçãocomospesquisadorespodeserdeterminantenoprocessodeinvestigaçãocomvistasàsmodificaçõesdesejadas.Estaabordagemtemsidonegligenciadaea ela se acresce a pouca atenção dada a investigações que levem em conta aorganizaçãosocialdostrabalhadorescomrelaçãoaoprocessodedesgaste.

Isto é, apesar de o processo de trabalho ser o espaço cotidiano doconfrontodeclasses,estudou-semuitoprecariamentecomoacorrelaçãodeforçasentretrabalhoecapitalgravitaemtornododesgastegeradonoespaçofabril.(p.13)

Laurell e Noriega são docentes pesquisadores em medicina social naUniversidade Autônoma doMéxico, e o estudo foi possível com o apoio doSindicato Mineiro. O trabalho de investigação se deveu à preocupação dostrabalhadoresarespeitodadeterioraçãoaceleradadesuasaúde,naSicartsa,uma

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siderúrgicaquepossuisistemacomputadorizadodealto-fornoeconversores.Otrabalho dos autores retoma as concepções da corrente de estudos latino-americanossobremedicinasocial,privilegiandoocaráterhistóricodoprocessosaúde-doença.Épropostooconceitode

[...]processodeprodução–entendidocomoaunidadeentreoprocessode valorização e o processo de trabalho – como a categoria analíticacentralpara a compreensãodo trabalho,na sua relaçãocoma saúdenasociedade capitalista.Em função disto, fundamenta-se a necessidade deusaroconceitode“cargasdetrabalho”,emvezdoconceitode“risco”,eode“desgaste”,emvezde“doença”.Odesgastepodeserdefinidocomoa perda da capacidade afetiva e/ou potencial, biológica e psíquica. Ouseja, não se refere a algum processo particular isolado, mas sim aoconjuntodosprocessosbiopsíquicos [...] epodeounãoseexpressarnoqueamedicinareconhececomopatologia.(p.115)

Sendo o desgaste um conceito que transita pelo somático e pelo psíquico,aparecendotantocomopotencialidadeoucomoumamanifestação,muitasvezeséinespecíficoenãodemonstráveleoumensurável.Épossívelser inferidopormeio de indicadores globais ou ainda de “indicadores de processo”. Porexemplo,

[...]umdesses indicadoresdeprocessopoderia sera reaçãoprolongadadeestresse e outros parâmetros, como o gasto e a ingestão calórica.Aconstruçãoteóricadarelaçãoentreprocessodevalorização,processodetrabalho, cargas de trabalho e processo de desgaste confere certa

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capacidade de predição com relação ao que caracteriza o padrão dedesgastedeumdeterminadogrupodetrabalhadores.(p.117)

Edith Seligmann-Silva (1994) escreveu Desgaste mental no trabalhodominadoapartirdeestudossobreasrepercussõesdascondiçõeslaboraisedevidasobreasaúdementaldetrabalhadoresindustriais.Referindo-seaumaredeinterdisciplinar em torno do tema, ela organiza em dois grandes grupos asdisciplinas que se preocupam com as relações saúde mental e trabalho. Noprimeiro conjuntodoprimeirogrupo estão as disciplinas que centralizam seusestudosnos

[...]processosmentaise/ounadinâmicadasaúde/doençadoserhumanosubmetido a diferentes condições de trabalho: medicina do trabalho,psicologia do trabalho, psicopatologia do trabalho, toxicologia eergonomia.O segundo subgrupo é formadopor disciplinas [...] como afisiologia em suas vertentes da psicofisiologia e neurofisiologia(englobando estudos dos aspectos neuroendócrinos) e as disciplinas doâmbito clínico, como a neurologia, a psiquiatria e a medicinapsicossomática.Ocupandoumlugarespecialjuntoaesseprimeirogrupodedisciplinas,encontramostambémapsicanálise.(p.51)

Nosegundograndegrupoestão todas asdisciplinasqueestudamo trabalhohumano,semqueasaúdetenhasidoformalmentepropostacomoobjeto.Dizemrespeitoàsimplicaçõeseàsdeterminaçõessocioeconômicas,políticaseculturaispara exercíciodo trabalho.Seligmann-Silva (1994) reconhece emDejours, emMarty,emSelyeenapsicanálisecontribuiçõessignificativasparaestecampo:

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[...] noções como sofrimento mental e prazer conectado ao trabalho,utilizadas em psicodinâmica do trabalho, são relacionadas,respectivamente, à angústia e ao desejo, estudados pela psicanálise. (p.52)

Emrelaçãoaoconceitodeestresse,aautorafazreferênciaàscontribuiçõesdeSelyeedeCannon,destacandoaevoluçãodoconceitoqueinicialmenteestavamaisrelacionadoasituaçõesagudasdeameaçaoudeagressãoesuarepercussãono sistema neuroendócrino e outros setores (cardiocirculatório; musculaturaestriada;aparelhodigestivo,entreoutros),caracterizandoafasedealarme,esuadecorrentemodificaçãoemreaçãode lutaoude fuga,conformeCannon.Maistarde é que passaram a ser estudadas situações não agudas, comodesencadeadores de estresse, ou como estressoras, ao longo do tempo. Àconcepçãoestritamentefisiológica,somaram-seoutrasvertentesdeinvestigação,centradas em aspectos cognitivos, abrindo campo para o desenvolvimento denovaspossibilidadesdeadaptaçãoedelidarcomestesagentes.Aautoradestacaa importância dos estudos que tomam fatores sociais vinculados ao trabalho,work-stress, e a contribuição de Kalimo (1987) que, após criteriosa revisãobibliográfica,organizoua listadosestressoresatéentãoestudadoseosdividiuem9categorias(1994,p.74-75):

1.estressoresrelacionadosàsexigênciasparaarealizaçãodastarefas;2.estressoresligadosàorganizaçãoeaogerenciamento;3.Work-role(papéisdesempenhados),ambiguidadeeconflitos;4.problemáticareferenteàcarreira;5.horáriosdetrabalhoinconvenientes–destaqueparaturnosderevezamento;

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6.estressoresvinculadosàlimitaçãodecontatosinterpessoais;7.poucasegurançanoemprego;8.riscosfísicosequímicos;9.problemasdainterfacetrabalho-lar.

EstresseecondiçõesdetrabalhoEmboraoconceitodeestressenãotenhanascidovinculadoaumaanálisedo

trabalho, a própria expressão derivada de um conceito da metalurgia,significando uma deformação produzida por uma força, uma pressão, poranalogia foi ampliada para nomear qualquer manifestação de desgaste tantosomática quanto mental. Passou de uma concepção física a uma concepçãomédica e psicológica, abrindo campopara a ausculta e escuta dos sofrimentostantosomáticosquantopsíquicosdecorrentes,também,dotrabalho.Jean-BaptisteStora(1991),emseulivroLestress,fazumaminuciosaanálise

sobrearelaçãoentreestresseetrabalhoeestresseevidaprofissional.Osestudossobre estresse que vêm sendo realizados hámais de 40 anos, conformeStora,tiveramtambémcomoobjetivodemonstrarqueocustodoestresseémuitomaisalto do que a sua prevenção. Pesquisas ligadas aos locais de trabalho,patrocinadas por empresários ou por instituições vinculadas à saúde dotrabalhadorouaorganizações sindicais, sãounânimesemafirmaroaltopreçopagopelassociedadesindustrializadascomodesgastedeseustrabalhadoresedesuasempresas.Houveumatendênciaemreagrupardoençasligadasaotrabalhocomodecorrentesdesituaçõesdeestresse,oqueexplicaovolumedeestudosetítulos sobre estresse recorrentemente publicados referidos nos meios decomunicação:jornais,rádio,televisãoeinternet.Conformeaépocaeolocaldeorigem das pesquisas, a focalização dos agentes estressores estaránecessariamentevinculadaàformadeorganizaçãodotrabalhoemseuambiente,levando emconta os trabalhadores ali envolvidos.As referências apresentadaspor Stora (1991) são fruto de estudos realizados com pilotos de aviação

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comercial;comtrabalhadoresemplataformasdepetróleoedegás;compessoalque trabalha em centrais nucleares; com trabalhadores da área de saúde; comdirigentesexecutivos;commulheresquetrabalhamesuaduplajornadatrabalhoe lar,entreoutros.Apartirdo trabalho feitoporCaryL.Cooper (1986),Storaapresentaumdiagramasobreestresseprofissional.Aestruturaçãodoquadrotemcomponentes similares aos indicados porKalimo (1987) e que também foramcitadosporSeligmann-Silva(1994).Asfontesdeestressenotrabalhofazemreferênciatantoàorganizaçãoquanto

àscondiçõesdetrabalho.Sãoapontadasseisfontesdeestresse:

1.emrelaçãoàfunçãoexercida;2.emrelaçãoaopapeldentrodaorganização;3.emrelaçãoaodesenvolvimentonacarreira;4.asrelaçõesdetrabalho;5.relaçãoentreaestruturaeoclimaorganizacional;6.ainterfacetrabalho-família(apudStora,1991)[3].

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Agrandecontribuiçãodestasistematizaçãoéacompreensãodoestressecomoresultadodeumprocessoe,sendoassim,passíveldeprevenção.Estemodelofoipossível depois que os conceitos sobre estresse estavam mais precisos,permitindo ao professor Cooper a construção deste modelo simplificado. Assituações de trabalho, tanto em escritório quanto em ambientes isolados,envolvendoriscosfísicosedificuldadederelacionamentoprofissional,auxiliamnaconcepçãodeque,aofinal,oprocessodedesgasteatingenãosóoindivíduoquetrabalha,masrepercutetambémnolocaldetrabalho,naempresa,qualquerque seja sua estruturação. A compreensão de que a etapa final do estresse, ocolapso e a falência da resistência são prenunciados pelos sintomas tantosomáticos quanto psíquicos torna possível uma ação preventiva. O mesmoocorreemrelaçãoàanálisedoclimaorganizacionaleoprenúnciodedesgastesque, pelo desempenho medíocre e mau controle de qualidade, facilitarão aeclosão dos acidentes que, frequentes, podem vir a se tornar fatais. Estacompreensão pode ser uma baliza para o trabalho das comissões internas deprevençãodeacidentesdetrabalhodentrodasempresas.Oacidentedetrabalhoindividual,tantocomooacidentedetrabalhoemgrupo

– quando este envolve riscos físicos –, pode ser entendido como um estresseorganizacional que envolve o indivíduo e a empresa. A análise dos acidentestermina,emgeral, responsabilizandoafalhahumanapeloresultadodesastroso.Ora,apartirdestacompreensãopodemosverificarquea“dita”falhahumanaéprecedidaporumcortejodesintomasorganizacionaisenãosóindividuaise,seindividuais,altamenteperceptíveispeloolhardosespecialistasdaáreadesaúde,médicos,psicólogos, assistentes sociais, engenheirosde segurançado trabalho,entre outros, em contato como trabalhador dentro das empresas.Uma análisecuidadosapodeprevenirumacidente.Afatalidadeestáalém,masocotidianoéanalisável,eaçõespreventivassãopossíveis.

Comentandooquadrodeestresse

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profissional

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FontesdeestresseprofissionalIntrínsecasaotrabalhoAsfontesdeestresse ligadasao localde trabalhodizemrespeito tambémao

ambientedetrabalho,como,porexemplo,aatividadeexercidadentrodecabinese/ouemlocaisisolados,facilitandoosentimentodeexclusão.Ambientesmuitorefrigeradosouextremamentequentes,apresençade fumaçaoudeemanaçõestóxicas, o nível de barulho, são fatores de desgaste tanto maior quanto maislongoforotempodeexposiçãooudepermanêncianolocal.Contrariamenteaosuposto,medidasdesegurançaedeproteção,comoosprotetoresauricularesemambientesruidosos,porexemplo,próximosdeturbinasdegeradoresdeenergiaemempresasdeeletricidade,oudentrodegalpõescomequipamentosruidosos,sãoàsvezessentidasentreostrabalhadorescomomedidas,emboranecessárias,tambémpropiciadorasdosentimentodeexclusão.Oequipamentoesistemasdealarme, quandomuito sofisticados, podem gerar rebaixamento da atenção dosencarregados.

Estudos em centrais nucleares nos Estados Unidos assinalaram que ainstalaçãodesalasdecontroleéumfatordeestresse;particularmentenograve incidente de Three Mile Islands, a importância excessiva dossistemas de alarme parece estar na origem da baixa atenção dosempregados e engenheiros encarregados de seguir as operações. (Stora,1991,p.11)

Cabinesisoladas,nocontroledetráfegoaéreo,ouemestaçõesesubestaçõesderedeelétrica,sãosentidascomolocaisdeexclusão,eadicçõescomotabacoeálcoolsãofrequentes,prenunciandodoençascoronarianas.A responsabilidade por vidas humanas é mais estressante do que a

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responsabilidade por equipamentos valiosos, já que haverá necessidade dereuniõesfrequentesepermanentemanejodesituaçõesdeconflito.

PapelnaorganizaçãoA ambiguidade na distribuição de papéis dentro da organização é fonte de

estresse,jáqueháumaduplamensagememrelaçãoàexpectativadotrabalhadoreàspossibilidadesconcretasdeexercerseutrabalho.Háumaoscilaçãoentreoqueelepensa ser sua responsabilidadeeoqueaorganizaçãoachaqueé, semque esta informação esteja clara para o trabalhador. Este tipo de situação éorigemdeconflitos,jáquenãohádefiniçãoderesponsabilidade,tantoquandoéalcançado algum sucesso, tanto quando há erros de desempenho. “Aambiguidadedepapel édefinida comoa ausênciade clareza sobreopapeldoindivíduo no trabalho, sobre os objetivos a alcançar, e sobre o campo de suaresponsabilidade”(Stora,1991,p.16).

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DesenvolvimentonacarreiraOdesenvolvimentonacarreiraeaexpectativadepromoçãosãosignificativos

estressores, sobretudo com a implantação de políticas de avaliação dedesempenhoapartirdepontuaçõesconferidaspelossuperioresemcomparaçãocom a autoavaliação do próprio indivíduo. O desenvolvimento na carreira,supondo estágios e steps, é almejado, já que estes envolvem ganhos salariais.Muitas vezes, esta promoção é condicionada pela aproximação do tempo deaposentadoriaeporsituaçõesqueenvolvemconcorrênciacomcolegas.

RelaçõesprofissionaisAs relações entre colegas, com os superiores e com os subordinados,

conformea estruturaorganizacional, geramdesgaste, levandoo indivíduoa serefugiar no seu posto de trabalho e evitar contato para que não sejadesestabilizadoemseudesempenho.Muitasvezes,esteisolamentoimpedeumasubstituição temporária,umpedidodeauxílio,por temerperdada função.Emrelaçãoaoschefes,apareceaincapacidadededelegartarefas;entreoscolegas,arivalidade e a competição, enfraquecendo-os; em relação aos subordinados,surgeoexercíciodoautoritarismocomofontedetensão.Minzberg revela que, no uso do tempo em grandes organizações, “22% do

tempoédedicadoareuniõesdetrabalho,6%gastoemcomunicaçãotelefônica,59%emreuniõesplanejadas,10%emreuniõesnãoprevistas”(apudStora,1991,p.20).Atualmentepode-seacrescentarousodasredesdecomputador,aintraneteainternetcomofontedecontatoereuniões,alémdasreuniõestelefônicaseemambientederede.

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EstruturaeclimaorganizacionalPor último, e não menos importantes, são os processos de participação na

políticageraldaempresaeopoderdiantedosprocessosdedecisão.Dentrodaatual forma de organização globalizada, com o avanço dos processos deterceirizaçãoede fragmentaçãodasempresas,ou, aocontrário, asmegafusõesde empresas tomam proporções inimagináveis, e o poder de decisão não estámais dentro da empresa e muitas vezes fora do país. É um podertransnacionalizadoeemrede.Odesenvolvimentodestavertenteorganizacional,delirantemente globalizada, tem trazido quadros assustadores demanifestaçõesde estresse, envolvendo não só os trabalhadores produtivos, os alijados dosprocessosdedecisão empresarial,masospróprios executivos e chefes, que setornaram também vulneráveis e reféns de decisões extramuros etransnacionalizadas.

CaracterísticasindividuaisDiantedas fontesdeestresseno trabalho,aconstituiçãodo indivíduoesuas

possibilidadesdelidarcomestasfontespassamaseravertentenaqualsedeveapostar, já que a organização do trabalho está muito além das possibilidadespessoais de intervenção. Nesta coluna do diagrama há referência ao que écaracterizado como personalidades Tipo A, cujas características são:agressividade, ambição, espírito de competição, frequentemente vulneráveis amanifestações e doenças cardíacas. Além destes indivíduos com estascaraterísticas, há um conjunto de indivíduos que podem ser desafetados ourobotizados(McDougall,1983),aparentementenormaisouoperatórios(Marty,1993),normopatas ou aqueles que apresentam estratégias coletivas de defesa,negandoomedo,operigoearriscando-se,semsofrimentoaparente.Todasestasestratégias, já apontadas, fazem parte do elenco de tentativas de lidar com odesgastenotrabalhooudotrabalho.Estetipodecomportamentopodeserbem-sucedidoporumtempo,masnãootempotodo.

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InterfacetrabalhoefamíliaHolmeseRahe,em1967,organizaramumatabelaapartirdeumquestionário

aplicado a 2.000 marinheiros norte-americanos, com 43 situaçõesexperimentadassobreasmudançasocorridasnosúltimos10anosdesuasvidas.Em uma escala des-cendente, o fator mais importante apontado nesta escalacomo responsável por sofrimento intenso é a morte do cônjuge. Em seguidaaparecem divórcio, separação conjugal, prisão e outros itens ligados à relaçãocomafamíliadocônjuge,nas-cimentodefilhos,seucrescimentoedesempenhoescolar,dificuldadesfinanceiras,pedidosdeempréstimos,comprasaprestaçãoeainda férias e festas deNatal.O objetivo destes pesquisadores foi demonstrarestatisticamente a significativa relação entre o número e a intensidade deacontecimentosdavida individual e aprobabilidadededoenças emum futuropróximo.Aliados ao estresse cotidiano, estes acontecimentos poderiam preverconsequênciassomáticas:mortesúbitacomoconsequênciadeataquescardíacos;acidentes de diferentes tipos; ferimentos em práticas esportivas; tuberculose;leucemia;diabete; egrandeconjuntodequeixas somáticasmenos importantes.Além destes, os pesquisadores encontraram significativas manifestações dedoenças mentais. Críticos dos achados de Holmes e Rahe dizem que não hásignificativaligaçãoentreestasocorrênciascomopreditivasdedoençasfuturas.Dequalquermodo,éumjeito“estatístico”dechamaraatençãoparaofatodequeoindivíduoquetrabalhatemumahistóriapessoalefamiliarquepodeajudá-loaenfrentarodesgastenotrabalhoouenfraquecê-lo.Umaoutracríticaédosque argumentamque a tabela faz uma abstração dos sistemas sociais vigentesquepodemaumentarouampararmelhorosindivíduos,diminuindoaincidênciademanifestaçõessomáticasseveras.Eháaindaaenormepossibilidadesingulare pessoal de lidar com os acontecimentos do destino, mesmo que sejaminexoráveis,quea tabelanão incorporacomoanalisador.Dequalquerforma,éuminventárioutilizadofartamenteemtodososestudossobreestresse,referidoemváriasediferentespesquisas, tantorealizadasnosEstadosUnidoscomonaEuropaenaAméricaLatinaemgeral,incluindooBrasil.

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SintomasdesaúdeNa terceira coluna estão os sintomas de estresse físicos, mentais e

organizacionais[4].Emrelaçãoaossintomasorganizacionais,agrandenovidadedestetrabalhoéa

de relacionar o estresse organizacional como uma forma de adoecimentoempresarial, intimamente ligado ao adoecimento individual. O absenteísmoelevado,omedíocrecontroledequalidadeearotatividadedemãodeobrasãoprenúnciodeadoecimentoempresarial.

DoençasO acidente frequente e fatal aparece como manifestação de doença

empresarial.Asgreves,instrumentoessencialmenteeconômico,socialepolítico,nesteestudo,sãoarroladascomodoençasempresariais,esãoformasdedefesatanto das demandas individuais como, sobretudo, das demandas coletivas. Odesempenhomedíocretambémfiguracomoumadoençadaorganização.Ao ladodestasdoençasdaestruturaorganizacional,asdoençascoronarianas

constituem a fase do estresse como doença, desenvolvidas ao lado de outrasmanifestaçõesdeestresse[5].

[2] Apresentado, em parte, no III Simpósio de Psicossomática Psicanalítica,promovido pelo Curso de Psicossomática do Instituto Sedes Sapientiae, SãoPaulo,emnovembrode2001.[3]Storaapresentouestequadro traduzidoparao francês.Apresente traduçãodotextoparaoportuguêsédeminhaautoria.Esteestudofoiapresentadoemumquadro publicado em 1986 por C. L. Cooper em “Job distress: Recent andemergingroleontheclinicaloccupationalpsychologist”,BulletinoftheBritishPsychologicalSociety,39:325-31,1986

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[4]Sobreossintomassomáticoseosaspectosfisiológicosdoestresse,remetoàleitura do capítulo 5, deMaria JoséFemeniasVieira, especialmente elaboradosobreesteaspectoeapresentadonaParteIIdestelivro.[5]Arespeitodestasmanifestações,verParteII.Outrosaspectosrelacionadosaoestresse, como a saúde mental, foram objeto dos capítulos 2 (Estresse,desamparo e angústia), do capítulo 3 (Estresse e trabalho) e do capítulo 4(Estresseeburnout).

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4.Estresseeburnout

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BurnoutFoinosanos70queotermoburnoutvooudocampodaciênciadosfoguetes

para o campo das ciências da saúde. Expressão originalmente usada em 1940parasereferiraocolapsodosmotoresdosjatosedosfoguetes,foiimportadaporHerbertFreudenberger,em1973,paraocampodasaúde–maisespecificamente,para o campo da psiquiatria – para designar a manifestação mais radical doestresse em sua fase mais aguda e de esgotamento.Burnout passa a ser umadesignaçãoparaoqueatéentãoerareferidocomodepressãoecolapsonervoso,ou ainda, “esgotamento da resistência física ou emocional, ou da motivação,geralmente resultado de estresse ou frustração prolongados” (Felton, 1998, p.237).Asinformaçõessobreasíndromedeburnoutaquiapresentadasestãodescritas

no artigo de Felton (1998): Burnout as a clinical entity: its importance inhelthcareworkers.Burnouté,naessência,omesmoque

[...] exaustão física e emocional, em geral causada pelo estresse notrabalho,sendofrequentementemaisafetadososprofissionaisdaáreadeserviçoshumanos.Comoumresultadoadicionaldoestresseocupacional– inicialmente descrito nos anos 50 porHans Selye, como “a respostanãoespecíficadocorpoaalgumaexigênciafeitaaele”–tem-sefaltadecoragem (desânimo) no local de trabalho. É visto também como umconjunto de respostas psicológicas (tensão) para o estresse específicodecorrentedainteraçãoconstantecompessoascarentes.(Felton,1998,p.238)

Omesmoautor sintetiza suacompreensãosobreoestresse relembrandoque

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estressoréoestímuloquecausaoestresse;estresseéatensãomentalecorporalresultante de fatores que tendem a alterar um equilíbrio existente, ou ainda,estresseéasomadereaçõesbiológicasaumestímuloadverso,físico,emocionaloumental,internoouexterno,quetendeaperturbarahomeostasedoorganismo.Felton considera que hoje há uma uniformidade maior na caracterização doconceito de estresse; já se passaram quase 70 anos, desde a comunicação deSelye na revista Nature (1936), e estão preservadas suas três fases: alarme,resistência e colapso. O termo estressor também foi incorporado como umaqualificação ativa tanto de origem externa quanto interna. Falta agora esperaralgumtempoparaqueomesmoocorracomburnout.O estudo de Felton teve como desencadeante as decisões finais de uma

conferência realizada em 1985 nos EstadosUnidos, patrocinada pelo InstitutoNacionalparaaSaúdeeSegurançaOcupacionaisepelaAssociaçãodeEscolasdeSaú-dePública, que estabeleceu estratégiaspara as10principais doenças edanosrelacionadosao trabalho.Publicadasem1988,estasestratégias incluíamuma Proposta de estratégia nacional para a prevenção de distúrbiospsicológicos, e entre os distúrbios de “interesse atual” foram incluídas adepressão, a ansiedade e a insatisfação no trabalho. Felton direcionou seuinteresseparaestaárea,insatisfaçãonotrabalho,eseuestudoescritoem1997foi aceito pelaOccupationalMedicine e publicado em 1998.O autor destaca,nestetrabalho,comoumadascontribuiçõesmaissignificativassobreburnout,oestudo que foi realizado pela Northwestern National Life of Minneapolis(Estados Unidos) utilizando entrevistas por telefone com 600 trabalhadoresnorte-americanos. Todos os que responderam à entrevista estavam altamenteestressados, tinham notado burnout e aumento de problemas físicos,manifestando ainda decréscimo de produtividade, absenteísmo crescente aotrabalho e gastos altos com tratamentos de saúde causados por estresse. Umterço destes entrevistados pensavam seriamente – em 1990 – em abandonar otrabalho por estresse; um terço achava que apresentaria burnout em futuropróximo;14%tinhamsaídooutrocadodeempregonosúltimosdoisanos,como

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decorrênciadeestresseocupacional,consideradopormuitosdelescomoomaisaltodesuasvidas.Burnoutsignificativofoidetectadoquandoaempresacortoubenefícios e mudou de dono, exigindo horas extras frequentes para cobrir onúmero significativo de demissões de empregados. Esses fatores etiológicos,acrescidos do mau desempenho empresarial, com ocorrência de falênciasmensais, aumentaram nos anos seguintes, quando houve no-vas fusões eincorporaçõesdeempresas,e,comodecorrência,asubstituiçãodeempregadosfixosedecarreiraporempregadosterceirizadosoutemporários,sembenefícios.Dos entrevistados, 82% acreditavam que os empregados que manifestaramburnout deveriam ser indenizados e receber pagamento pela incapacidadedetectada.Muitos entrevistados referiram sintomas tais como: exaustão, 62%;raiva, 62%; dores musculares, 60%; dores de cabeça, 45%; insônia, 45%;doenças respiratórias, 40%; distúrbios gastrointestinais, 38%; depressão, 33%;hipertensão,9%(Felton,1998).Deacordocomopesquisador,pertodametadedosentrevistadosapresentava

manifestações somáticas, entendidas como um padrão para caracterização dasíndromedeburnout.Tambémrelataramqueatensãoocupacionaltinhaefeitossignificativos em sua pressão arterial, que se manifestavam quando voltavamparacasa,equeestatensãotambémeraimportantecausadeinsônia.Verificou-sequeapressãosanguíneaeramaisaltaparaoshomensnolocaldetrabalhoeasituaçãodasmulheresmereciamelhorinvestigação.

BurnouteocupaçõesmaisvulneráveisFelton (1998) apresenta ainda neste artigo uma relação das ocupaçõesmais

vulneráveis ao aparecimento de burnout. Os indivíduos que trabalham com opúblico em geral sãomais vulneráveis aoburnout. Destes, os que lidam compopulações especiais, tais como pessoas portadoras de doenças graves, dedeficiências ou comprometimentos físicos ou mentais, que trabalham comcrianças, com presos ou com populações carentes, ficam mais expostos ao

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aparecimentodasmanifestaçõesquesãohojeconsideradascomoindicativasdoque é chamado de burnout. Ao mesmo tempo, pessoas que trabalham emfunções que envolvem risco de vida, funções que exigem precisão demovimentos, que trabalham em turnos de revezamento, ou seja, pessoas queestãopermanentementeligadasaoqueprecisamfazer,semqueotrabalhopossasignificarumaatividadeprazerosa,tornam-setambémmaisvulneráveis.Destasocupações,osprofissionaisdaáreadasaúdeformamumconjuntosignificativo,que vem sendo estudado pelos pesquisadores deste campo como um grupoaltamenteexpostoaoaparecimentodestecomportamentodeexaustãoecolapso.Istoé,suaspossibilidadesderesistênciavãosendopermanentementeminadas,jáqueacaracterísticadesuaocupaçãoécuidardequemsofre,ouseja,cuidamdealguémquesupõeencontrarnesteprofissionaldaáreadasaúdeacuraparasuaqueixa. Em geral, estes profissionais têmmenos oportunidade de desenvolverestratégiasdefensivaseficazes.Dentro deste conjunto destacam-se os médicos, enfermeiros e enfermeiras,

assistentes sociais, dentistas, prestadores de serviços de saúde em oncologia,profissionaisdesaúdeequeatendempacientescomaids,pessoaldeserviçosdeemergência,trabalhadoresemserviçosdesaúdemental,fonoaudiólogoseoutrosprofissionaisespecializadosemserviçosdecuidadosdeidosos,emserviçosdecuidadoscombebês,terapeutasocupacionaiseterapeutasemgeralenasdemaisáreasdereabilitação,emcasasderepousoeeminstituiçõesasilares.Entreosenfermeiroseenfermeirasquelidammaisdepertocomospacientes,

a exposição à doença, à agonia e àmorte émais repetitiva. Pacientes são emgeralexigentescomosenfermeirosecomosquesãoencarregadosdoscuidadosdiários com eles, depositando na medicação a importância da cura,negligenciando sentimentos de gratidão e de agradecimento em relação aosenfermeiros; hámuitos casos de violência contra estes profissionais durante arealizaçãodesuastarefas.

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Provavelmente, a declaração mais devastadora relativa a alguns dosefeitosdoburnoutéofatodequeostrabalhadoresnosserviçosdesaúdeamericanoscometemduasvezesmaissuicídios,umpossívelresultadodeseuenvolvimentocomadoençaeamorte.(Felton,1998,p.241)

Trabalhadores em serviços sociais, como os assistentes sociais, podemmanifestarosmesmossinaisdeburnoutdeoutrosprestadoresdeserviçonaáreade saúde, como a grande variedade de sintomas físicos, diminuição deautoestima, suspensãodas atividadesocupacionais e extracurriculares, alémdetambémestaremsujeitosaatosdeviolência similaresaospraticadoscontraosdemaisprofissionaisdesaúde.Otrabalhosocialfoidefinido

[...] como uma das várias atividades ou métodos profissionaisconcretamente preocupados com a prestação de serviços sociais,particularmente envolvidos com a investigação, tratamento e ajudamaterial dos economicamente carentes e socialmente desajustados.(Felton,1998,p.242)

A situação real de seu trabalho é muitas vezes limitada pelas condiçõesinstitucionaisoudosplanosdesaúdedequedispõeocliente.Outrasvezes,seuserviçonãoéreembolsável,sendooferecidoemcarátervoluntário,oquepassapaulatinamenteaserdesgastante,poisseutrabalhoépraticadoemparceriascomoutrosprofissionaisdasaúde,aquemcaberá,namaioriadasvezes,adecisãodealtadopacienteeoutrascondutas,limitandoequestionandoaprópriaautonomiadopapeldoassistentesocial.Entredentistasasituaçãodeburnoutépropiciadaporduasfontes.Aprimeira

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vemdo paciente emgeral, temeroso desde criança do contato como dentista,sendosempremuitoarredioaoentrosamentocomestesprofissionais.Prevaleceaansiedadecentradanoequipamento–brocaseagulhas–epreocupaçõescomreaçõesembaraçosasduranteotratamento.Alémdisto,otrabalhoexercidopelodentista é pouco observável explicitamente, a não ser por outro profissional,deixando à margem ingredientes para aumento de autoestima profissional. Aoutrafontededesgastedecorredascondiçõesergonômicasparaodesempenhoprofissional.

Otrabalhoédifícilerealizadoemumaposiçãodesconfortável,delado,em relação a uma cadeira. Fresse (1987) observou que a odontologia éuma das mais estressantes de todas as ocupações. Se uma prótesecomplicada não fica boa, o dentista é informado imediatamente pelousuário.(apudFelton,1998,p.242)

Prestadoresdeserviçosparapacientesdeoncologiaeparapacientesdeaidssão preditores de burnout, já que estas enfermidades apresentam quadro desofrimentosevero,cujapossibilidadederemissãoémínima,oqueésabidotantopeloprofissionalquantopelopacienteeseusfamiliares.Alémdashipótesesdecontágio,nocasodeaids,tambémassociadasàtuberculose,amorteprematurade jovenspacientes trazgrausdedesgaste semelhantes aos experimentadosnaclínicadeoncologiacompacientescrianças.Otrabalhodestesprofissionaisestáatravessado,nodiaadia,pelamorteiminentedestespacientes.Pessoalquetrabalhaemserviçosdeemergência,sejam

[...] médicos, paramédicos, técnicos em emergência médica, oubombeiros especialmente treinados, estão todos sujeitos às chamadas

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catástrofes físicas, apresentando situações emocionais de alto risco. Éesperadoqueestesprofissionaisestejampreparadospararesponderrápidaeadequadamenteemcircunstânciasdevidaoudemorte.(p.243)

Paraneutralizarosefeitosdestassituaçõesestressantes,Feltontambémrelataque o pessoal que lida com emergência recorre ao humor, frequentementedoentioemórbido, frutodeumaculturaexistentedesdeaépocadeestagiáriosnestesserviços,repassadapeloscompanheirosmaisexperientes.Osparamédicosexperientesdefiniramohumorusadocomoumaformadeenfrentaroestresseeseus efeitos; seu uso foi uma saí-da para o bombardeio de doenças, traumas,mortes,misériasocialqueelesenfrentavamquasediariamente.OusodohumorentreprofissionaisquelidamcotidianamentecomamortetambéméreferidonosestudosdeStora(1991).NoestudodeFelton(1998),paramédicosebombeirosobservadosrevelaram

significativa fadiga física e emocional, apatia, sentimentos de desesperança,sentimentosdedesamparo,sentimentosdeculpa,sensaçãodeinadequação,certadesilusão, atitudes de resignação e de indiferença. Apesar destes sentimentosconsiderados “negativos”, é frequente a realização de tarefas altamentearriscadas,muitasvezesheróicasereconhecidascompremiaçõespúblicas.Poderíamos pensar que em parte estes sentimentos são poderosas defesas

psíquicas,jáqueaimperiosanecessidadedepermaneceremnassuasocupaçõeséumaexigênciaparaoexercícioprofissionaleseumeiodeganharavida.Oreconhecimentodeburnoutcomoumamanifestaçãodeestresseemfasede

esgotamento tornou-se uma evidência preocupante, sobretudo quando se tornaumamanifestaçãocomumentreprofissionaisdaáreadesaúdeequecuidamdeoutras pessoas. A própria qualificação do profissional traz inerente aodesempenhodesuafunçãoanecessidadedequepossareceberopacientee/ouocliente com seu equilíbrio preservado, pois quem deve ser amparado é o

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paciente.HáumaconcepçãonesteestudodeFelton(1998)dequeaspolíticasdesaúde e a administração dos profissionais institucionalizados são responsáveisporgrandepartedo estressenestesprofissionais.Este foi o resultado reveladocoma aplicaçãoda escaladeHolmeseRahe[6], responsabilizando a fraquezaadministrativa e organizacional como a principal causa de estresse empsiquiatras de um grande hospital psiquiátrico. Aparece ainda umaincompreensãodequeprofissionaisqueatendempacientesmentalmentedoentesapresentamumgraudeestressepróprioeindividual,decorrentedoatendimento,muitas vezesminimizadonas instâncias gerenciais, que exigemdesempenho eresultadosquantitativamentecomprováveis.SeguindoaorientaçãogeralquelevouFelton(1998)aelaborarsuapesquisa,a

de propor medidas de prevenção e tratamento, há um conjunto de sugestõescomoade trabalhos e estudoemgrupo,buscade assessorias externas, gruposinternosparatrocadesugestões,alémdoatendimentoindividual,pessoalouemgrupo, de caráter de apoio ou terapêutico. Propostas de desenvolvimento eaprimoramento profissional, como qualificação e desenvolvimento pessoal,aparecemcomomedidasdesejadasebem-sucedidas.

Burnoutepatologiascontemporâneas:opiniãodeDejoursChristopheDejours(2001),ementrevistaparaaRevistaLatino-americanade

PsicopatologiaFundamental,realizadaporRubensVolich,diz:

[...]hoje falamosmuitodeburnout, nomundo inteiro, umesgotamentoprofissional que encontramos em muitas profissões e, mesmo quecritiquemoseste termo,ele temavantagemaomenosdemostrarqueoque está no centro desta nova patologia é a relação entre aquele que

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trabalhaeocliente;arelaçãocomoclienteéumaciladapsíquica,poisaspessoas são pegas numa relação que, de um lado, traz um excesso decargade trabalho impostapelaprópria relaçãoeque,aomesmo tempo,criaumaforteagressividadereativaqueé,entretanto,barradapelaforteculpabilidade que faria descarregar a agressividade contra o cliente. (p.160)

Nesta mesma entrevista, Dejours (2001) se refere às patologiascontemporâneas decorrentes das novas formas de trabalho, sobretudo àsatividadesemqueostrabalhadoresusamequipamentosdeinformática,frutodo“triunfo da robotização, da informática, da automação”, que deveriam trazer aemancipação dos homens em relação ao trabalho. É o contrário o queobservamos.Lá onde as tarefas demanutenção deveriam ter diminuído, onde,segundooquenosanunciavamhápoucotempo,otrabalhodesapareceria,tudoseria feito pelas máquinas, o que vemos, na realidade, é uma explosão depatologiasdesobrecarga(p.159).UmadestaspatologiaséaLesãoporEsforçosRepetitivos(LER),quesetornouumaverdadeira“epidemia”.Sãotambémrecorrentesostranstornosdecognição,quefazemcomque,em

situações relativas à organização do trabalho, o adulto não consiga mais“distinguiraquiloqueébomdaquiloqueéruim,oqueéjustodoqueéinjusto,emesmoaquiloqueéverdadedaquiloqueéfalsonapróprianaturezadotrabalho”(Dejours,2001,p.161).Sãofrequentesosproblemasdememória,ehácrescentedificuldadedeabstração;écomosehouvesseumentorpecimentodacapacidadede pensar e de julgar. No local de trabalho, as pessoas são interrompidas porcorreios eletrônicos, pedidos, ordens anotadas em quantidade cada vezmaior,pequenos recadose lembretesempost-it.Dejours (2001) relataocaso trágico,ocorrido na França, em que um homem cobriu todo o corpo com post-it e sematou!

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O elenco destas patologias contemporâneas é a última geração das novasformas de adoecimento no trabalho. Apesar das conquistas trabalhistas,econômicas,sociaisepolíticas,aolongodosúltimosséculos,ohomemcontinuasubmetido a condições de trabalho penosas e ao que foi descrito porAntunes(2001), emOssentidosdo trabalho, como transnacionalizaçãodo capital e deseu sistema produtivo que trazem consequências “na reconfiguração tanto doespaço,quantodotempodaprodução,dadapelosistemaglobaldocapital”(p.117).Alémdoadoecimentoindividual,notrabalhosurgemcomvigorconflitosnãosónarelaçãovertical,comopoder,masháumafragmentaçãocrescenteemfunçãodoprocessodeinternacionalizaçãodocapital,abrindoclivagensentreostrabalhadoresestáveiseprecários,homensemulheres,jovenseidosos,brancosenegros,qualificadosedesqualificados,“incluídoseexcluídos”, todosaquelesquevivemdotrabalho.De qualquer forma, a escolha do trabalho como fazer humano essencial,

“comofonte,originária,primáriaderealizaçãodosersocial”(Antunes,2001)epor issomesmoobjetodeestudodetodososquesededicamacompreenderohomem, e compreendê-lo em sua totalidade, nos dá a convicção de que umestudo do estresse, neste campo, pode ajudar a construção de novos cuidadoscomquemtrabalha,noseulocaldetrabalho,nodiaadia.

O trabalho [...] mostra-se como uma experiência elementar da vidacotidiana, nas respostas que oferece aos carecimentos e necessidadessociais.Reconheceropapelfundantedotrabalhonagêneseenofazer-sedo ser social nos remete diretamente à dimensão decisiva dada pelaesferadavidacotidiana.(p.168)

EstaconcepçãoécertamenteaquelevaestudiososcomoChristopheDejours

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(2001)asemanteremvigilantesepreocupadoscomasquestõescolocadaspelarelação entre a saúdemental e o trabalho.O fim do séculoXX e o início doséculoXXIcaracterizam-se,dopontodevistadapsicopatologiadotrabalho,edapsicodinâmicadotrabalho,pela

[...] vitória mundial do liberalismo econômico, que se traduz –aproximando-nos do funcionamento psíquico individual – pela apariçãodenovas formasdedominação [...] que se tornamcadavezmaisdurasparaapopulação;aspessoassedefendeme,finalmente,otrabalhonãoémais o lugar de autorrealização. É um lugar onde se esvaem todas asenergiasemummesmosentido:aqueledeproteger-se.Proteçãodesinãoé amesma coisa que autorrealização. Chegamos, então, a paradoxos ecoisasquesãoextremamentepreocupantesnãosomenteparacadaumdenós,masparaofuturodasociedade.(p.162)

Estresse:tentativasdecuidarComentáriosfinaisAprimeirarevisãoextensivadaliteraturaarespeitodeprogramasdecontrole

doestresseocupacionalfoipublicadaem1979,feitaporNewmaneBeehr;em1989,FrankeCooper fizeramnova revisão, concluindo terhavido substancialprogressoemrelaçãoaosachadosanteriores.EstainformaçãoéprestadaporH.vanderHekeH.N.Plomp(1997).Osautoresinformamqueosprogramasdecontroletornaram-semaissistemáticoserigorosos,oquejáforaobservadoem1989,eseutrabalhoexaminaprogramasdecontroleaté1994.Osprogramassãoconcentrados no trabalhador individualmente, no grupo de trabalho, naorganização do trabalho ou na organização como um todo. São indicadas ascategoriasdos trabalhadores: enfermeiros, professores, psicólogos,médicos re-sidentes, trabalhadores de escritório, pessoal demanutenção e de limpeza em

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hospitais,entreoutras.Osprogramasdesenvolvem treinamentosemconjuntos,quevariamentregruposde8a22integrantes,cujaperiodicidadetambémvaria.Houveprogramascomtrêssessõesdetreinamentooudeatendimentoemgrupopor semana durante três semanas; programas com uma sessão por semanadurante oito semanas; programas de duas sessões de 50 minutos por semanadurantetrêssemanas,eoutrasvariaçõesdeduraçãoetamanhodegrupo.Houveuma variação muito grande quanto à duração de tempo no atendimentoindividual:denoveminutosatédozehoras,portrabalhador,dentrodediferentesprogramas.Foram relatados também grupos de relaxamento com música e outros

recursos. Apesar do aumento de programas de controle do estresse, conformeHekePlomp(1997),nãoépossívelidentificarquaistécnicaseintervençõessãoas mais eficientes ou recomendáveis. Eles consideram que a abordagem daorganização,comoumtodo,trazmaisemelhoresresultadosparaotrabalhador,individualmente, do que uma intervenção apenas individual. Quando aorganizaçãoapoiaadministrativamenteoprograma,háum impactomaior eosresultadossãomaisevidentes.

Deumaperspectivametodológica,entretanto,nãoestáclaroexatamenteoquecausaosefeitos:ocompromissoeaboavontadedaadministraçãoem investir em recursos humanos, a qualidade dos componentes de umúnico programa, ou simplesmente a combinação de todos estes fatores.(Hek;Plomp,1997)

Ofatodeosprogramasseremmuitodiferentesdificultaumaavaliaçãocorretada eficácia e pertinência da proposta, lembrando que é indispensável dirigir oprogramaparaos trabalhadoresqueestãoematividadesocupacionaisderisco.

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Hánecessidadedeenvolvertantoaadministraçãoquantootrabalhadornaetapadepreparação,paraummelhorresultado,conformeasanálisefeitas.Umaoutraexperiência,nãoexatamenteumprogramadecontroledoestresse,

mas de prevenção do estresse, foi a experiência de que participei na área desaúdeedesegurançadotrabalho,emumaempresadegeraçãoededistribuiçãodeenergiaelétrica[7].Oprogramapropostotinhacomoobjetivoaprevençãodoestresse no local de trabalho, como decorrência de casos de afastamento pormotivosdeacidentedetrabalhoequeixascomohipertensãoarterial,problemascardiovasculares e relativos ao aparelhodigestivo, alémdeoutras, comoLER,detectadas nos exames periódicos de saúde feitos pelo serviço de atendimentomédico da empresa. O programa foi desenvolvido pelos departamentos detreinamentoedesenvolvimentodepessoal,emparceriacomodepartamentodesaúdeesegurançanotrabalhodaprópriaempresa.Apopulação-alvofoiocorpogerencial e de administradores, e também os trabalhadores de escritório e emserviçosinternos.Apreocupaçãoeraoestressereveladojácomoadoecimento.Aproposta foi sustentada, também, em parceria com as Comissões Internas dePrevençãodeAcidentes(CIPAs)paraabordagemdoestressedesenvolvidopelostrabalhadores em áreas de risco de segurança (rede de energia aérea ousubterrânea) e para os empregados que lidavam com equipamentos deinformática (telefonistas, escriturários, entre outros). Para a realização daproposta foi estabelecida uma programação em conjunto com a área detreinamento da empresa, que constou de realização de palestras e inúmerasreuniões com trabalhadoresde escritório, operadoresde telefoniaque atendemno serviço de reclamações dos usuários e clientes da empresa, digitadores, eainda com o corpo gerencial, totalizando 300 gerentes. Os treinamentos maisprolongados duravam em média três dias e eram realizados em centros detreinamentoforadolocaldetrabalho.Em parceria com as CIPAs, as reuniões foram mais pontuais, realizadas

duranteoperíodode trabalho,dentrodaempresaeaindaduranteasatividadesdassemanasdedicadasàsegurança,asSIPATs(SemanaInternadePrevençãode

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Acidentes de Trabalho). Apesar de a totalidade de empregados atingida sermaior, em relação ao trabalho realizado fora da empresa, com dirigentes ecoordenadores, teve um alcance mais superficial. Contudo, o trabalho dasequipes de profissionais que participaram destas atividades de “prevenção doestresse”, ou mesmo de “detecção” de estresse, pôde ser continuadointernamente na empresa, uma vez que os serviços de treinamento,desenvolvimentoesaúdeerampermanentesedelivreacessoaosempregadosedirigentes.Alémdoatendimentoespecíficonoambulatóriodesaúde,tantopelosmédicoscomopelospsicólogosnaempresa, foramconstituídosgruposnaáreadedesenvolvimentoparaassessoriadosdirigentes.Naequipehaviapsicólogas,médicos, professores de educação física e assistentes sociais, e foi utilizado oquadro/diagramaFontesdoestresseprofissional[8]eatabelaHolmeseRahe.Oresultado do programa não foi mensurado posteriormente, não sendo possíveluma avaliação quantitativa e/ou qualitativa. O principal motivo se deveu àmudançanoquadrodedireçãodaempresa,quepassouateroutrasprioridadeseoutrosprogramas.Oqueseassimilou,contudo,comoumaconcepçãorelevantefoi a compreensão, amplamente debatida nos treinamentos tanto com osdirigentes como com os trabalhadores operacionais, de que os acidentes detrabalhosãofrutodeumprocessodedesgaste/deestresse,quepodeserprevistoeeventualmentecontornado.Tornou-setambémevidentequeestasaçõessósãopossíveis com a anuência da administração das empresas, pois todas asintervenções/treinamento foram realizadas durante horário de trabalho,necessitando rodízio para que todos os trabalhadores dos setores que eram opúblico-alvo pudessem participar dos grupos de treinamento, que seprolongarampormaisdedoisanosconsecutivos.Brown e Campbell (1991) relatam serem recorrentes referências às

manifestações de estresse em trabalhadores de serviços de emergência, taiscomo:dificuldadeemdormir,falhasnaconcentração,sonhosrecorrentescomassituaçõestraumáticasdosacidentesqueatenderam,alémdesentimentodeculpapor terem se salvado. Estes sintomas estão associados à elevada pressão

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sanguínea, aumento do hábito de fumar, estados emocionais depressivos,doençascardíacascoronarianasedistúrbiosnasaúdemental,deacordocomosautores.Evidentemente,amelhorformadeprevenirecontrolaroestresse,sobretudo

emrelaçãoaotrabalhoeàsatividadesocupacionais,vaiexigirdoispressupostos:umaanálisedasituaçãodotrabalhoeocuidadocomoindivíduoquetrabalha.Ampliando a possibilidade de cuidado com o indivíduo, tanto o que está

vinculadoaumaempresa,aumainstituição,aumasociedadeouassociação,oupensandoemqualquerindivíduoquepessoalmenteestejavivendoumasituaçãodeexaustãoedefalênciadasforçasderesistênciaaoestresse, todospodemsebeneficiar comum tratamento assistidopor profissionais da área da saúde.Osprogramasdeestresseocupacionalestãoreferidosaindivíduosquetrabalhame,porisso,têmpreservadassuaspossibilidadesecapacidadesdeenfrentarodiaadia, de produzir, de viver em grupo, e em geral também mantendo laços defamília e laços afetivos de amor, de companheirismo e de amizade. Por isso,também, é que o estresse ganhou terrenos e espaços maiores na mídia, naliteraturaespecializada,poisháumademandacrescentedequeosofrimentoeaspatologias relacionadas ao trabalho sejam, sempre e cada vezmais, objeto deintervençõesdesaúde.Por um lado, há o avanço dos estudos dos profissionais e cientistas que se

ocupamdotrabalhocomoumfazeressencialaohomem.Háumconjuntocadavezmaisampliadodesaberesquevêmseocupandodohomemedamulherquetrabalhame,maisainda,seocupandocomaspossibilidadesdeajudaindividualno enfrentamento das situações de desgaste, do dia a dia. Este campo éconstituído,hoje,porvertentesdasciênciassociais,econômicasepolíticas;dasciências da saúde, com destaque para a medicina; das ciências ligadas àpsicologia, à psicanálise e suas interfaces com a medicina, como o caso dapsicossomática.Sãotodossaberesquesepreocupamcomoambientefísicodotrabalho e as condições materiais para exercê-lo, que se preocupam com anatureza, com as condições ambientais para o exercício do trabalho e com as

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condiçõesdevida.Sabemostambémquetodooinvestimentodasempresasedeorganizações emprogramasde prevençãodo estresse tem intençõesmúltiplas:cuidardoindivíduoedodesempenhoempresarial.Nestesentido,háoconjuntodeanálisesepesquisasquedemonstramqueaempresapodegastarmenoscomaprevençãodoestresse,mesmoqueosprogramassejamcontinuados,envolvendotodos os trabalhadores, tanto em postos gerenciais e de comando como empostosoperacionais,doquegastarcomafastamentosdotrabalhopormotivosdesaúde,bemcomopormotivosdeacidentesdetrabalho.Pensandonoestressecomoumaconcepçãodesofrimentopessoale também

coletivo e organizacional, podemos concluir queo recurso a um tipode apoioresolve uma parte, mas não o todo. As contribuições da psicanálise e dapsicologiadevemestaralinhadasàscontribuiçõesdamedicina,dapsiquiatria,dapsicossomática e das demais áreas da engenharia, da economia, e tambémancoradasemumaintervençãopolíticaparaqueoestressepossaserprevenidoetratado. Sendo um fenômeno universal, demanda atenção das ciências, dosempresários, dos governos. Como uma noção “carrefour”, cunhada por Stora(1991), requer um elenco de ações que só é possível pensar a partir de umaintervenção compartilhada. Se nós, dentro do campo da saúde, sabemos comotratá-lo, cabe à sociedade, às entidades e organizações dos trabalhadores e aogoverno a decisão de preveni-lo. Sabemos os limites dos mecanismosindividuaispsíquicosesomáticosderespostaaoestresse.Podemos,maisdoquesugerir,proporaçõescomunsqueresgatem,nasaúde,ocidadão.

[6]Referidanocapítulo3,Estresseetrabalho.[7] Agradeço especialmente a contribuição de Rita Aparecida Lorenc narecuperaçãodestasinformações.Ritafoiintegrantedaequipedeimplantaçãoeoperacionalizaçãodesteprograma.[8]Vejaocapítulo3.

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PARTEIIMariaJoséFemeniasVieira

Após tantas encruzilhadas na medicina e na vida – com as quais esperocontinuar deparando –, encontrei o grupo de professores do Curso dePsicossomáticadoInstitutoSedesSapientiae,comoqual tenhooprivilégiodecompartilhar,atual-mente,aatividadedocente.Emmeioàsdiversidades,temosencontradoaunidade.Estaconvivênciapossibilitou-meintegraràminhapráticamédicaoverdadeirocuidadocomodoente.Foioquesemprebusquei,desdeaépocadeestudante,emquepoucaimportânciaeradadaaosaspectosemocionaisdo paciente. Nãome foi necessário abdicar da especialidade cirúrgica, a qualexerçocomresponsabilidade,respeitoedelicadeza.Podeparecermaisfácillidarcom a dor do corpo do que com a dor da alma. Entretanto, é extremamentegratificante enxergar o paciente como um todo, e não como um homem-máquina,portadordeumapatologia.AgradeçomuitoaosprofessoresdoCursodePsicossomáticadoInstitutoSedesSapientiae.

MariaJoséFemeniasVieira

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5.Asfunçõesorgânicasdiantedo

estresse

Oestresseéumacondiçãodaatualidade?Oestresseocorreempessoasdequalqueridade.Arespostaaeleéindividual,

umavezqueatuanaunidadepsique-soma.Seuconceitopode ser consideradoabstrato:segundoLuizMillerdePaiva(1996),ele“nãoexisteemestadopuroe,talcomoavida,émuitodifícildeserdefinido.Oestresseemumarataouemumhomemnão existe como tal; ele aparece se combinando com algo, isto é,dependedeumagenteespecíficoparaserproduzido”.Pode-seconsiderarqueoestressesempreexistiu;porém,antesdoadventodas

civilizações modernas, as manifestações relacionadas ao estresse eramrelacionadas à sobrevivência diante dos perigos concretos na luta pela própriamanutençãodavida.A via de descarga motora era a mais utilizada por nossos ancestrais que

lutavam contra os perigos da natureza, contra as guerras, contra os animaisselvagens; lutavampela terra e contra as alterações climáticas. Para o homemmoderno, as ameaças ainda existem, apesar de se manifestarem de diferentesformas; a organização biológica, no entanto, continua amesma,mas a via dedescargamotoranãoéutilizadacomamesmafrequênciaqueoutrora.Asreaçõesfisiológicasiniciaisaoestressevisamàmanutençãodocorpoesão

asmesmasdosnossosancestrais,apesardeasameaçasseremdiferentes.Estaserammais concretas para o homem primitivo e hoje se apresentam de formamais abstrata, como a insegurança em relação à perda de emprego, riscos daviolência urbana, ou seja, sensações de ameaças que talvez nem venham aocorrer; porém, as reações orgânicas são as mesmas, independentemente das

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ameaçasseremfísicasoudaordemmental,eoorganismonãosabediferenciá-las.Asalteraçõesorgânicasassociadasaoestressesãotidascomoummecanismo

normalemtodososseres,cujoobjetivoéadefesacontraeventuaisagressões.Oestresseéumacondiçãodoservivoqueprecisadealgumtipodereaçãodiantedasagressõesdequalquernatureza.Estasmodificaçõesorgânicasocorremparaaprópriasobrevivência,nãoemumúnicoórgãoousistema.Atualmente,sabe-seque o sistema nervoso e o endócrino desempenham importante papel naadaptação do organismo, porém todo o corpo pode se encontrar alterado natentativademanteroorganismoaptoparaviver.Oestresse é importantepara a sobrevivência e, portanto, sempre existiu.Se

nãoexistisse,talveznemestivéssemosaqui.

AmedicinaemdiferentescivilizaçõesSegundo Roberto Margotta (1998), em cujo livro História ilustrada da

medicinaestecapítuloestáfundamentado,amedicinaé“atentativaconscientedo homem em combater a doença, sendo tão antiga quanto a própriaconsciência”. Ela parece ter se originado de práticasmágicas e sacerdotais.Ohomem primitivo provavelmente percebia coisas visíveis – fenômenos danatureza–etambémcoisasinvisíveisedesconhecidas,mascapazesdeameaçarasaúde,gerandodoençaseculminandocomamorte.Amedicina,então,evoluiude práticas intuitivas: sua história esteve ligada a religiões, cultos demagia etentativas de ligações com espíritos superiores, já que a maioria dosdesequilíbriosorgânicosocorriasemcausasespecíficas.A evolução da medicina ocorreu paralelamente ao desenvolvimento do

própriomundo, a exemplo do que se deu com as outras ciências.As doençasocorriam,masosnossosancestraisnãosabiamexplicá-lasnemtampoucotratá-las. Quando a doença e a morte decorriam de alterações da natureza ou deagressões sofridas, não causavam tanto temor como nos casos em que eram

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vistas como manifestações inexplicáveis. Daí se atribuir o aparecimento dasdoençasàiradosdeuses.Pode-sesuporquesituaçõesestressantesocorriamnosprimórdios,talcomohoje,edeterminavammanifestaçõesclínicasqueacabavamficando sem explicações. Posteriormente ao advento das civilizações dossumérios, dos assírios e dos babilônios, que exerciam a arte de curarespecialmentepormétodosempíricos,osgregos,osegípcios,os israelitaseospersas desenvolveram esta arte de forma menos empírica, levando emconsideração conceitos de higiene e maior conhecimento técnico. Contudo,tinhamaindaareligiãoapermearestaprática.AmedicinanaGrécia,apósaguerradeTróia,desenvolveu-separalelamenteà

filosofia,nãosendoexercidaporsacerdotes,masporleigosquederaminícioainvestigaçõesnãomaisbaseadasemmagia.Amaisantigafontedeinformaçõessobre a medicina grega é a obra de Homero: “O médico vale muitas vidas,inigualável na remoção de flechas das feridas e na cura com bálsamospreparados de ervas” (Margotta, 1998). Mesmo assim, a influência orientalpermaneceueascuraserammuitasvezesatribuídasaosdeuses.O culto aEsculápio ouAsclépio, consideradoo deus damedicina, pode ter

evoluído de uma destas divindades. Foi este culto que fez comque os gregoscomeçassemadar importânciaaumaspectoespecíficodadoença,podendo-sedizerque“apsicoterapia,libertadadosrituaisdeexorcismo,teveseuinícionossantuários”(Margotta,1998).ApartirdoséculoVId.C.,amedicinapassouaterum caráter mais profissional, só podendo ser exercida após verificação dodesempenhodoestudantenaescola.Osgregospossuíamumamenteinquiridora.Encaravamosproblemasdavida

de maneira mais vigorosa e tentavam, por meio da filosofia, compreender ohomemeseumundo.Alcmeon,médicocontemporâneodePitágoras,foiquemelevouamedicinaàcategoriadeciência.Hipócrates, pai damedicina e profundo conhecedor do sofrimento humano,

buscavacolocaromédicoaserviçodopaciente,afirmandoqueoseulugareraaoladodoenfermo.Eledemonstrouqueosofrimentopodiaseraliviadonãosó

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porintermédiodemagia.Emumadesuasobras,recomenda:

[...]énecessárioobservarcomovivemaspessoas,doqueelasgostam,oquecomemebebem,sefazemexercíciosfísicos[...]Tudoistoomédicoprecisasaber,sequiserrealmentecompreenderasqueixasdospacientesesecolocaremumaposiçãoemquepossareceitarotratamentoadequado.(Margotta,1998)

Outrosmédicosgregospuderamcontribuirparaoavançodamedicina.Mas,com o domínio do império romano, a arte da medicina ficou sob outrasinfluências.ComaquedadeRoma,aciênciamédicaentrouemdeclínio,poisopensamento racional era difícil em meio à corrupção política, pobreza eepidemias que se alastravam. Estas condições impossibilitavam a atuação dosmédicos. Permaneceu uma mistura de deuses e homens, e as superstiçõesvoltaram a ocupar o espaço do pensamento científico. Por este motivo, amedicina passou por fases de ascensão e fases de trevas, ambas relacionadascomascondiçõesdomeioeascircunstânciashistóricas.Progressivamente,opensamentomédicotornou-semaislibertodasdoutrinas

antigas, mas, por muito tempo, manteve suas raízes ligadas aos deuses. Asciências exatas passaram a ter grande influência na tentativa de criar umambientedevitóriasobreasdoenças.Mesmoassim,osperíodosdedescobertascontinuaramintercalando-secommomentosdeestagnação.Depoisqueosestudosdeanatomiaeadissecaçãodecadáveres tornaram-se

possíveis, houve umavanço em relação a conhecimentosmais abrangentes docorpohumanoeconsequentementedasdoenças.No entanto, por uma contingência da própria evolução tecnológica e pelos

inúmerosconhecimentosqueaumentamemprogressãogeométrica,odoentefoi

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dividido em partes, e as várias especialidades foram praticamente umaimposição. Em razão da grande influência exercida pelo pensamento deDescartes, responsável pela fragmentação do homem em corpo e alma, aenfermidade – tanto a mental como a corporal – passou a ser investigada eabordada semprecomoalgodocampoda física.Ocorpoeraconsiderado,porassimdizer,estranhoaoindivíduo(Perestrello,1989).Capra(1988)tambématribuiestafragmentaçãoaDescartes,afirmandoque“a

maioriadosterapeutasatentavaparaainteraçãodecorpoealma,etratavaseuspacientes no contexto do seumeio ambiente social e espiritual”. É apenas nomomento em que uma nova concepção de homem e uma nova estruturaçãosocial aparecem, que os médicos, achando mais difícil lidar com ainterdependênciadecorpoemente,aderemaomodelohomem-máquina(Sousa,1992).Aabordagemcompletadodoentetornou-secadavezmaisdifícil,diantedacontínuaramificaçãodoconhecimento.Dopontodevistahistórico,FranzAlexander(1989)asseveraque

[...]odesenvolvimentodapsicanálisepodeserconsideradocomoumdosprimeiros sinais de uma reação contra o desenvolvimento analítico eunilateral da medicina na segunda metade do século XIX, contra ointeresseespecializadoemmecanismosdetalhados,contraanegligênciado fatobiológico fundamental dequeoorganismoéumaunidade e dequeafunçãodesuaspartessópodesercompreendidadopontodevistadoorganismocomoumtodo.(p.30)

Amedicinafoiumaciênciaemexpansão,quesaiudoempirismoeadentrouatecnologia,possibilitandoestudosmetodológicosmaisacurados.Na década de 1920, o fisiologista Walter Cannon (1929) confirmou que a

reaçãode estresse épartedeum sistemaunificadomente-corpo.Eleobservou

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que em situações de frio intenso, falta de oxigênio e fortes emoções, há umestímulodosistemanervososimpático,que libera substânciasquedeterminamreaçõesorgânicasadaptativas,asquaisdenominoulutaoufuga(fightorflight).HansSelye(1936)ampliou,apartirdestesestudos,oconceitodeestresse.Ele

iniciousuaspesquisasemmodelosexperimentaisetranspôsosseusachadosaossereshumanos.Estepesquisadoracreditavaqueexistiamsubstâncias,aindanãodefinidas, que estariam relacionadas com o desenvolvimento de algumasdoenças.Inúmerosavançoshaviamocorridonestaépoca,quefoiconsideradaaeramodernanahistóriadamedicina.No momento em que estas pesquisas estavam em curso, Pasteur já havia

descobertooslactobaciloseviriaadescobrir,logoemseguida,asbactérias.Estepesquisador declarava que, “no campo das observações, os eventos favorecemsomenteaquelesqueestiverempreparados”;RobertKochdescobriuobacilodatuberculose;PaulEhrlicheElieMetchnikoffganhavamoprêmioNobelporseustrabalhos em imunologia; Alexander Fleming descobria a penicilina;WilhelmKonradRoentgendescobriaoraioX,oqueproporcionououso terapêuticodorádio,desenvolvidoinicialmenteporPierreeMarieCurie.Em meio à medicina que se desenvolvia, Selye, por meio de estudos

experimentais, elaborou o conceito de estresse. Ele era um pesquisador quepossuíaumacapacidadementalcriadoraecostumavaquestionarosachadosdosseus estudos experimentais, não definindo se estes eram específicos a umadeterminadasituação.FoielequemdescreveuaSíndromeGeraldeAdaptação(1946). Chamou-a de síndrome, porque ela continha várias manifestaçõesorgânicas individuais, coordenadas ou parcialmente interdependentes.O termogeralfoiincluídononomedestasíndrome,porqueelaéprovocadaporagentesquecausamreações,afetandováriaspartesdocorpo,comfenômenosqueagemnadefesaorgânica.Pelofatodeauxiliarnaaquisiçãoemanutençãodoestadoecapacidade de tolerância a situações desagradáveis, o termo adaptação foitambémincluídononomedestasíndrome(Selye,1952).Nascia, então, uma nova maneira de encarar o organismo. As respostas

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orgânicas não eram isoladas, mas estavam intimamente relacionadas entre osdiversos sistemas. Passou-se a observar que as manifestações iniciais dasdoençaspoderiamserdiferentesdasfinais.ApósostrabalhosdeSelye,muitosoutrosforamdesenvolvidos.Osprimeiros

estudos que consideravam a influência da suprarrenal foram realizados porPincusetal.(1943),queobservaramaumentodaexcreçãourináriadehormôniosdestaglândulaempilotosdeavião.Arelaçãoentreestresseeaterosclerose foipesquisadaexperimentalmenteemcoelhos,demonstrando-sequequandohaviaestresse emocional, ocorria maior possibilidade de ateromas generalizados(Myasnikov,1958).Outrostrabalhosexperimentais(Fessel,1963)possibilitaramuma melhor compreensão dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos emdeterminadasdoenças.Atualmente,sãoinúmerasaspublicaçõessobreoestresse,eopontocomum

entre todas é o fato de existir uma falha nos mecanismos de adaptação, pordificuldade de enfrentar uma situação inesperada, indesejada ou mesmodesconhecida,querfísica,querpsíquica.

Existeestresseaceitável?Pode-se dizer que existe um estresse aceitável em que estas alterações

somáticascumpremasuafunçãoparamanutençãodavida.Noentanto,quandoestas agressões se tornam repetitivas, intensas ou mesmo contínuas eprolongadas,osomapodeentraremumasituaçãodeesgotamentodeenergia.Oorganismo pode até conseguir manter a vida, mas há um consumo dosmecanismosdeadaptação,sobrevindodesequilíbriodaharmoniacorpórea,comalterações orgânicas secundárias aos mecanismos iniciais, que antes ocorriamparaasobrevivência.Porestemotivo,podemocorrermanifestaçõesorgânicaseefeitosindesejáveisdediversasnaturezas.O esforço para adaptação é muito intenso na luta do organismo contra os

agentesquecausamdano.Narealidade,oorganismoprecisasobrevivereavida

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temdesermantida;eocorpotemdereagiraoqueameaçaasuaintegridade.O estresse é, portanto, a reaçãoorgânica queocorre aos agentes agressores.

Como estes agentes agressores podem semanifestar a qualquer instante e emqualquersituação,oestresseéumacondiçãoquetambémpodesemanifestaremqualquerinstanteousituação.Oempregodostermosestressenegativoepositivopodeserparadoxal,umavezqueconsideramosqueoestresseocorreparamantera homeostase, ou seja, a estabilidade domeio interno orgânico em suas fasesiniciais.Nestemomento há possibilidade demanejar de formamais criativa eeficienteasmudançaseeventosestressores.Istodeixadesernormalquandoasreaçõesaesteseventostornam-secrônicas,podendogerardoenças.

“Ocãoeogato”Hans Selye definiu o conceito original de estresse a partir de experimentos

comanimais, que respondiamde forma regulardiantede situações agressivas.Descreveu a Síndrome geral de adaptação, que evolui em três estágiossucessivos.Oprimeiroestágio foidenominadoreaçãodealarme.Énesta faseque se desencadeia a série de reações para a sobrevivência orgânica, semenvolvimento de um órgão específico. Selye (1952) referiu que nenhumorganismovivopoderia permanecer continuamente emestadode alarme.Seoagente desencadeante fosse mantido, isto seria incompatível com a vida,sobrevindo amorte precocemente. Se o animal sobrevivesse, a fase de alarmeseria seguida pela de resistência, como se o organismo não saísse da fase dealarme, mas ainda conseguindo um certo equilíbrio. Ele demonstrou asalteraçõesqueocorremnocórtexdasuprarrenaleobservouque,apósexposiçãoprolongada a estes agentes nocivos, a adaptação adquirida tornava-seinsuficiente e o animal entrava na fase de exaustão, cuja sintomatologia erasimilaràsreaçõesiniciaisdealarme.Diantedeumaagressãofísicaouqualquercondiçãoqueameaceaintegridade

doorganismo,estelançamãodereaçõespormeiodemecanismocomplexopara

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amanutençãodoequilíbriointerno.Asreaçõesdescritasnossereshumanossãoasmesmasqueocorremnosanimais.Pode-seutilizaroexemplodareaçãoqueogatosofreaoencontrarumcão.Apesarderepetitivoedeparecersimplificadodemais, ele será utilizado como ilustração, pois é a partir de eventos destanaturezaquemanifestaçõesmórbidaspodemocorrer.Conformejáfoidito,oqueacontececomogatoocorretambémcomoserhumanoemsituaçõesdeagressãoou de possibilidade de agressão. Trata-se de reações que visam a preparar ocorpoparaacontrarreaçãoapósatomadadedecisão.Esteexemplosimplificadopermite,então,vislumbraroqueocorrenoorganismo.Aovisualizarumcão(eesteprecisaserassustador),ogatodesencadeiaumasériedereaçõesparaalutaouafuga,taiscomo:aspupilasdilatamparaaumentarocampovisualetermaisnoção de espaço; os pelos eriçam para assustar o agressor, que poderá fugir;ocorre aumento da frequência cardíaca (taquicardia), hipertensão arterial eaumento da frequência respiratória (taquipneia). Estas alterações têm afinalidadedeenviarummaioraportedesangueparaosmúsculosecérebro,poisénecessáriaumaatividadementalmaisintensaparaagirrapidamente.Ocorremumaumentodaglicemia,paraaproduçãodemaisenergia,eumaliberaçãodosesfíncteresanaiseurinários,comafinalidadedeeliminarassecreçõesurináriase fecais para espantar o agressor. Há também um aumento do número delinfócitos,paradefenderoorganismodepossíveisdanos,alémdeaumentarosfatoresdecoagulação,casoocorraalgumalesãocorporalcomhemorragia.Porcausa do aumento do fluxo sanguíneo para os músculos, para uma atividademotoramaisrápida,hádiminuiçãodestefluxoparaasvísceras(intestinos,rins),diminuindo os movimentos peristálticos e a diurese. Estas modificaçõespreparam o corpo para se defender. Uma vez cessado o estímulo quedesencadeou estas alterações, os sistemas e órgãos voltam à sua atividadehabitual,atéquesobrevenhamaisumestímulo.O mesmo acontece com o ser humano em uma situação de agressão ou

possibilidade de agressão, o que é uma reação favorável pelo fato de estarrelacionadacomaprópriasobrevivência.Outrossintomasesinaisrelacionados

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comadescargadeadrenalinasão:sudorese,mãosfrias,securanaboca,dordeestômago, dores de cabeça, palidez cutânea, pressão no peito, aperto namandíbulaedoresmuscularespelatensãomuscular.Qualquer acontecimento que altere o ritmo que o indivíduo mantinha, de

formaanecessitarencontrarmeiosparaseadaptarànovasituação,desencadeiaestasériedesintomasesinais.Elesnãosóocorremdiantedeagressõesfísicas,mastambémdiantedesituaçõescotidianas,masquegeramdesconfortointerior,poisoindivíduodecertaformapodesesentirameaçado,oumesmotendodeseadaptaraumanovacondição.Noquadroa seguir (Ballone,2001), realizou-seacorrelaçãodascausasdos

sintomasnafasedealertadoestresse,reaçõesestascomunsaosanimaisesereshumanos, em qualquer situação que demande reações de adaptação diante depressõesexternaseinternas.

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Causas

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Sintomas

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Aumentodoaportedesangue

paraocérebroemúsculos

Aumentodafrequênciacardíaca(taquicardia)ehipertensãoarterial

Aumentodoaportedeoxigênioaosórgãos

Aumentodafrequênciarespiratória(taquipneia)ebroncodilatação

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Aumentodocampovisual Dilataçãodaspupilas

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Controledatemperaturacorporal SudoresefriaemãosfriasAumentodaproduçãodeácido Dordeestômago(epigastralgia)

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Afastamentodoagressor Relaxamentodosesfíncteres

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Fornecimentodeenergiaparaosmúsculoseparaocérebro

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AumentodaglicemiaTensãoeenrijecimentomuscular

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Doresnocorpo

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Combateaagentesexternos Aumentodonúmerodelinfócitos

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Controledahemorragiaemlesãocorporal

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Aumentodosfatoresdecoagulação

Diminuiçãodosuprimentosanguíneoparaoaparelho

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digestivoDificuldadededigestão

Adiferençaentreoserhumanoeoanimalemrelaçãoàsreaçõesaoestresseneste primeiro estágio é que, após o evento estressor, o animal volta ao seucotidianoeesqueceoocorrido,enquantooserhumanopodemanterapresençadoagressornamemória,mesmoqueestetenhaidoembora.Caso não ocorra interrupção do agente agressor, mesmo na memória,

sobrevémosegundoestágio,denominadofasederesistência,emqueasreaçõesfísicas tornam-se mais intensas. A pressão arterial pode permanecercontinuamentemaisalta,assimcomoo ritmocardíaco.Ossintomasdesta fasesão irritabilidade, dificuldade para relaxar, isolamento social, dificuldadessexuais, infecções de repetição, queda de cabelos, alterações cutâneas ealterações no ritmo do sono. Nesta fase há necessidade de ajuda profissional,pois podem ocorrer baixa autoestima e dificuldade para superar esta novasituaçãopelaprópriaquedadeprodutividade,tentandoevitarqueestessintomasse tornem crônicos ou entrem na fase de exaustão, na qual podem ocorrermanifestaçõesorgânicasmaisgraves.Quandoexisteumafalhadomecanismodeadaptaçãooupermaneceomesmo

fatoragressivo,sucedeo terceiroestágio,designadocomo fasedaexaustãoouesgotamento. O indivíduo se torna mais vulnerável a doenças, há disfunçõesfisiológicas, irritabilidade excessiva, depressão, baixa autoestima, aumento decolesterol. Se esta situação permanecer, há o aparecimento de doenças gravescomogastrite,úlcerasgástricasouduodenais,infartodomiocárdio,hipertensãoarterial,câncer,acidentevascularcerebral,asmabrônquica,depressãoedoençasautoimunes.

Sistemanervoso:oquedefineaestratégia

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apósoestímuloO sistema nervoso é o grande comandante das funções orgânicas e sua

organizaçãoprocessaaregulaçãodasfunçõescorpóreas.DeacordocomMoreiraeMelloFilho(1992),

[...] a resposta ao estresse dá-se através da ação integrada dos sistemasnervoso,endócrinoeimune,numprocessodealteraçãoerecuperaçãodahomeostasia.Quandoa reaçãodeadaptaçãoaoestressenãoéadequadaou suficiente, aparece a doença, mediada por alterações nofuncionamentodaquelessistemas.

Osistemanervoso,comoendócrinoeoimunológico,provêamaiorpartedasfunçõesdecontroleparaocorpo.DeacordocomCastroetal.(1999),

[...] muitos dados demonstram que informações na forma de citocinas,neurotransmissoresoumesmo impulsosnervosos, sãopermutados entreosdiversosórgãosduranteoestresse.Tantooestressequantoarespostaimunesãomecanismosdeadaptaçãoqueapresentamelementoscomunsnafilogênese.

Desta forma, o sistema nervoso recebe pequenos sinais de informaçãoprovenientesdosdiferentesórgãossensoriaiseosintegraemsuatotalidade,paradeterminar as respostas a serem elaboradas pelo organismo, sejam elascontraçõesmusculares,eventosvisceraisousecreçãodealgumasglândulas.Istoé realizado por meio de cem bilhões de neurônios que constituem o sistemanervoso central e que se interligam por meio de sinapses, propagando a

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informaçãoparacélulasmuscularesesecretoras.Osreceptoressensoriais,taiscomovisão,audiçãoetato,podemprovocaruma

reação imediata ou sua memória pode ser guardada no cérebro por minutos,semanasouanos.Há um sistema semelhante, que controla os músculos lisos e as glândulas,

denominadosistemanervosoautônomo.Échamadoautônomoporqueoperaporsi mesmo para influenciar o funcionamento interno do organismo, incluindobatimentos cardíacos, digestão e atividade glandular (Myers, 1998). Ele estárelacionado, de forma mais abrangente, com as reações orgânicas que sedesenvolvem em situações de estresse. Este sistema controla o funcionamentovisceraldoorganismo,participandodocontroledapressãoarterialetemperaturacorporal,motilidadeesecreçãogastrointestinal,esvaziamentodabexigaeoutrasfunções.Écompostopordoisgrandescomponentes(Guyton,1988).Osistemanervoso simpático, cujo mediador principal é a adrenalina, tem funçõesespecialmenteimportantescomo:

• controle do grau de vasoconstricção (contração vascular) na pele, o quepermiteaperdadecalorpelocorpo;

• controle da intensidade da sudorese pelas glândulas sudoríparas, o quetambémépartedocontroledaperdadecalor;

•controledafrequênciacardíaca;•controledapressãosanguíneaarterial;•inibiçãodassecreçõesedosmovimentosgastrointestinais;•aumentodometabolismonamaiorpartedascélulasdocorpo.O sistema nervoso parassimpático tem como mediador a acetilcolina. As

fibrasparassimpáticas,deacordocomalocalização,controlamafocalizaçãodosolhos e a dilatação das pupilas, a secreção salivar, a frequência cardíaca, asecreçãogástricaepancreática,esvaziamentodabexigaedoreto.

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As diferenças entre estes dois sistemas, além da distribuição anatômicadistinta,sãoqueosefeitosestimulantesdelessãomuitasvezesantagônicosumaooutro.Portanto,enquantoumestimula,ooutroinibecomointuitodemanteroequilíbrioorgânico.Porestasconsiderações,observa-searelaçãoentreafisiologiadoestresseem

suas diversas fases e o sistema nervoso autônomo, que exerce ação sobrediversosórgãos.Nafasedealerta,relatou-sequeocorremalteraçõesquelevamaaumentodocampovisual.Istoérealizadopelosistemasimpático,quedilataaspupilas, permitindo a entrada demaior quantidade de luz, enquanto o sistemaparassimpático faz com que se contraia, diminuindo a quantidade de luz quepenetra em seu interior.Além disso, controla omúsculo ciliar, que focaliza ocristalinoparavisãodelongeoudeperto(Guyton,1988).Há atuação sobre as glândulas salivares e gástricas, especialmente pelo

sistema nervoso parassimpático. A estimulação do sistema nervoso simpáticoaumentaaatividadecardíaca,podendoafrequênciacardíacaatingirtrêsvezesoseuvalorbasal.Osistemanervosoparassimpático,aocontrário,fazcomqueafrequênciacardíacadiminua.A maior parte dos vasos sanguíneos contrai-se pela estimulação simpática,

regulandoodébitocardíacoeapressãoarterial.Oparassimpáticopraticamentenãoatuadilatandoosvasossanguíneos.Considerando-se que nas fases de resistência e exaustão do estresse há um

estímulomaiordoqueoorganismoécapazdesuportar,entende-sequeháumfracassoadaptativoe,consequentemente,apossibilidadedodesenvolvimentodepatologiasdediversasnaturezas.Opreparo do organismopara se defender das agressões atua na suprarrenal

pormeiodoelodosistemasimpático-adrenal,ouseja,omeiointernoémantidoem estado uniforme, o que facilita as respostas orgânicas de luta e fuga,especialmente na fase de alerta do estresse. As consequências biológicas daativação deste sistema determinam alterações cardiovasculares, hormonais,pulmonares, cutâneas, musculares, entre outras, ou seja, de todos os órgãos e

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sistemasseencontramenvolvidosparaqueocorpopossasuperarodesafioaquefoi submetidocoma finalidadedemanter avida.Mesmoqueo resultado sejaumaumentodapressãoarterial,elevaçãodafrequênciacardíaca,alteraçõesnometabolismo da glicose, diminuição dos movimentos peristálticos, o conjuntodestasalteraçõesseconstituinadefesainicialqueimpedeafalênciaorgânicaemorte.

Hipotálamo:omaestroPouco se sabe sobre os centros do encéfalo que regulam as funções

autonômicas pelos sistemas simpático e parassimpático, porém, sabe-se que ohipotálamo pode excitar a maioria do sistema nervoso autônomo. O estressefísico ou emocional ativa áreas do sistema límbico, que estimula a respostahormonal do hipotálamo, fazendo liberar os hormônios que estimulam ahipófise,queporsuavezestimulaasglândulassuprarrenais.Estascompreendema medula, que secreta adrenalina e nor-adrenalina, e o córtex, que secretaaldosteronaecortisol.Por estes motivos, o hipotálamo atua diretamente sobre o sistema nervoso

autônomo, que desencadeia as reações da fase de alerta e as reações de longaduração pela via hormonal. Ele também regula o sistema cardiovascular, atemperaturaeaáguacorporal,eaítambémselocalizamoscentrosdasaciedadee da fome. Como já foi dito, ele está intimamente relacionado com váriasestruturas do sistema límbico, considerado, por sua vez, a sede das emoções.Nestaregiãoinicia-seaavaliaçãodoseventosagressoreseocorremasmúltiplasinteraçõesentreossistemasnervoso,endócrinoeimunológico.O hipotálamo está situado na base do cérebro e regula diversas funções

neurovegetativas. Coordena funções como o automatismo muscular, visceral,equilíbrio térmico e hídrico, funções endócrinas, estados emocionais e asfunçõesdesonoevigília.Écontíguoàglândulahipófise,queestárelacionadaaoestímulo de secreções internas, entre elas o fator liberador da corticotrofina

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(CRF),queaumentaaproduçãodohormônioadrenocorticotrófico(ACTH),queporsuavezaumentaaproduçãodocortisoledascatecolaminas:sãosubstânciasresponsáveis pela resposta fisiológica ao estresse. Pesquisas experimentais(Suarezetal.,1999)demonstraramquedeterminadasáreasdosistema límbicoregulam a função do córtex da suprarrenal em situações basais e de estresse.Observou-sequeoaumentodadensidadedos receptoresbeta-adrenérgicosnasratassubmetidasaestressecrônicoaparececomoconsequênciadeumaumentodohormônioadrenocorticotrófico(ACTH)(Guyton,1988;Myers,1998).Além destes, outros hormônios estão envolvidos, como o antidiurético, a

prolactina,hormôniosdecrescimentoepeptídeoscerebrais,comoéocasodasendorfinas,quemodificamolimiardedor.Ohipotálamoatuadiretamentenosistemanervosoautônomo,agindosobreas

diversas estruturas orgânicas, estimulando-as ou inibindo-as. Age também nasglândulassuprarrenaisquesecretamoshormôniosquepossibilitamareaçãoaoestresse, que, conforme já referido, produzem adrenalina, noradrena-lina,aldosteronaecortisol.A partir de estudos experimentais (Suarez et al., 1999), observou-se que as

mesmas áreas encefálicas que regulam o comportamento emocional tambémregulamosistemanervosoautônomo.Estefatoésignificativoseconsiderarmosque as emoções no ser humano se expressam em grande parte por meio demanifestações viscerais (choro, salivação excessiva) e são geralmenteacompanhadasdealteraçõesdapressãoarterial,do ritmocardíacooudo ritmorespiratório.Portanto,ohipotálamocontrolaamaioriadasfunçõesvegetativas,quesãocondições internasdocorpo,comotemperaturacorporal, impulsoparacomer e beber, controle de peso, as funções endócrinas do corpo, bem comomuitosaspectosdocomportamentoemocional,pelasviasdecomunicaçãocomtodososníveisdosistemalímbico.O hipotálamo lateral está relacionado com a raiva; o ventromedial, com a

saciedadeea tranquilidade;azonaperiventricular,comomedoeas reaçõesapunição,eohipotálamoanterioreposterior,comoimpulsosexual.Observa-se,

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portanto,quetodoocorpopodeestarenvolvidoquandoofísicoeoemocionalseencontramimplicadosnadefesadoorganismo.Emmuitas situações, o sistema nervoso simpático descarrega como se fora

uma só unidade, o que é chamado de descargamaciça. Frequentemente, istoocorre quando o hipotálamo é ativado por um susto, medo ou por dor muitointensa.Areaçãoquesobrevémaesteestímuloéchamadareaçãodealarmeourespostaaoestressedosistemanervososimpático(Guyton,1988).Os neuropeptídeos são substâncias de origem proteica liberadas a partir de

terminações nervosas de diversos órgãos, incluindo o hipotálamo. Elas sãoproduzidas por neurônios e modulam a função imunológica. Atuam naproliferaçãodelinfócitos,imunoglobulinaseatividadedascélulasdedefesa.Porestaremdistribuídaspor todooorganismo, têmaçãobemdefinidana respostainflamatória,quandooorganismoficaemcontatocomsubstânciasestranhas.

AlgumasmanifestaçõesclínicasdiantedoestresseA etiologia das doenças está relacionada com diversos fatores, tais como o

genético,oemocionaleoambiental.Asdoençasrelacionadasaoestresseaparecememtodoocorpo,umavezque

asrespostasaeleocorrempelaaçãointegradadossistemasnervoso,endócrinoeimunológico, em um processo que tenta manter o equilíbrio do organismo.Falhandoestatentativa,podeocorrerodesencadeamentodedoenças.Osurgimentodedoençaseoestresseestãovinculadosaossistemasnervoso,

endócrino e imunológico, que se inter-relacionam com as manifestaçõesfisiológicas e orgânicas desta situação.As reações orgânicas são variáveis e oestabelecimentodepatologiasestarárelacionadocomapredisposiçãoindividualdecadaum.Asmodificações descritas permitem que o indivíduo se defenda diante dos

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inúmeros estímulos e agressões com que se depara durante a vida. Por outrolado,amanutençãocontínuadestasalteraçõespossibilitaodesenvolvimentodesintomas, acompanhados ou não de patologias orgânicas. As doençasrelacionadasaoestressepodemocorreremqualquerpartedocorpo,umavezqueosistemaendócrinoécontroladopormeiodohipotálamo,queatuanahipófise,aqual,porsuavez,liberaoshormônios,quenãosemovimentamnocorpocomamesmarapidezqueosimpulsosnervosos,porémtêmefeitosmaisduradouros.Aobesidade,apesardenãose tratardeumadoença,massimumacondição

mórbida associada aoutraspatologias, pode serdesencadeadapelo estressedelongaduração(Rosmondetal.,1998;Cachelinetal.,1998),umavezqueváriassubstâncias estão envolvidas, como o hormônio de crescimento, corticoides,glucagon e outras relacionadas com a retenção de gordura. Sintomasrelacionados aos hormônios também podem ser desencadeados ou piorar emsituações de estresse, tais como diabetes mellitus, alterações menstruais,galactorreia,esterilidade.As reações ao estresse atuam nos glóbulos brancos, que são células

responsáveis pela defesa do corpo diante de agressões de diversas naturezas,impedindo e resistindo às infecções. Os glóbulos brancos e o sistemareticuloendotelialcombatemosagentesinfecciososquetentaminvadirocorpo.Elesagemdeduasformasdiferentescomestepropósito:peladestruiçãodestesagentesoupelaformaçãodeanticorposcontraeles.Noprimeirocaso,estaaçãosedápormeiodetiposdeglóbulosbrancos,quedestroemascélulasagressoraspeloprocessodafagocitose,ouseja,atacandodeformarudimentar,englobando-as edestruindo-aspela ingestão. Istopodenãoocorrerde formaadequada emsituaçõesdeestresse.Poroutrolado,afunçãodeoutrotipodeglóbulobranco,olinfócito, é a de se fixar a organismos invasores específicos e destruí-los,fazendo parte do sistema de imunidade. Há uma deficiência na produção dosanticorpos que facilitam a destruição dos agentes invasores pelos glóbulosbrancoseoorganismoficavulnerávelàsinfecçõesmaisvariadas.Os linfócitossãomaisespecializados, tendogrande importânciaporestarem

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intimamente relacionados com a capacidade de sobrevivência e respostasimunológicas aos ataques a que se está exposto. O termo imunidade define acapacidadedocorpodeseprotegercontraagentesestranhosespecíficos,comobactérias, vírus, toxinas ou corpos estranhos (Guyton, 1988).Há dois tipos delinfócitos:linfócitosTeB,cujosnomesestãorelacionadosasuasorigens.Elessãoproduzidosnotimoenamedulaósseaesãocélulascommemória,queemcontato com omesmo agressor reagem na tentativa de combatê-lo.O sistemados linfócitosB forma anticorpos para a destruição dos agentes invasores.OslinfócitosTagemdamesmamaneira,porém,emvezdeformaranticorpos,essesistema produz células T sensibilizadas. Os linfócitos T que estimulam aprodução de anticorpos são chamados auxiliadores e os que reprimem,supressores.Quandohásituaçõesestressantes,ocorrediminuiçãodoslinfócitosT, tornando o organismo mais propenso às infecções. As manifestações doherpessãoexemplosdestasituação.Os linfócitos são capazes de destruir células defeituosas, como as células

malignas, por meio de substâncias chamadas linfocinas. No caso do estresse,comoháumaalteraçãodosistemaimunológico,existeumafalhanocombateaocrescimentodecélulasanormaiseocâncerpodesedesenvolver semcontrole.Háumasupressãodaatividadedascélulasdenominadasnaturalkiller(NK),eocânceraumentaprogressivamentenolocaldeorigemoumesmoadistância,comoaparecimentodasmetástases,poisascélulaspassamasedividirsemnenhumcontrole.O organismo dispõe de um sistema de combate quando exposto a agentes

infecciosos e tóxicos, que causam doenças de diversas gravidades. As célulasresponsáveis por isto, conforme referido, ou atuam na destruição efetiva dosagentesinvasoresouformamanticorposoucélulassensibilizadas,quedestroemo invasor. Nas situações estressantes, ocorre uma incapacidade de reagir asubstâncias estranhas.Há uma inibição da atividade das células envolvidas nadefesaorgânicaediminuiçãonaformaçãodosanticorpos.Omesmo sucede em relação aos quadros alérgicos, por causa do efeito do

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sistemanervosoautônomoemqueháincapacidadedeliberaçãodemediadorespor células denominadas mastócitos, que estão largamente distribuídas pelocorpoe são asprincipais responsáveispela resposta inflamatória a substânciasestranhasaoorganismo.Quandoumasubstânciaestranhaaoorganismoentraemcontatocomele,háumaativaçãodosanticorposparacombatê-las.Estareaçãoédenominada tipo Iouanafilática.Emsituaçõesdeestresse,comohásupressãodestascélulas,ascrisesdealergia,asmaedermatitespodemserdesencadeadasousetornaremmaisgravesefrequentes.Nas doenças autoimunes, as reações são do tipo II (citotóxica) ou III

(imunocomplexos).Noprimeirocaso,háformaçãodeanticorposqueatacamopróprio organismo, como na tiroidite. Já as doenças como lúpus eritematososistêmico,retocoliteulcerativa,artritereumatoideealgumasalteraçõescutâneassão consideradas do tipo III, em que há formação de complexos, que sedepositam nos tecidos ou na circulação. Em consequência, ocorre destruiçãocelularenecrosetissular,emfunçãodoórgãolesadooudopróprioorganismo.Acredita-se que isto aconteça nas situações de estresse, pois a açãoneuroendócrina podemodificar as atividades das célulasT supressoras. Fessel(1960) e Solomon (1981) correlacionaram alterações emocionais que semanifestavamnoinícioenocursodealgumasdoençasautoimunes,comolúpuseritematososistêmico,artritereumatoideetiroidite,devendo-sedeixarclaroqueestas doenças podem não se originar propriamente do estresse, mas seremdesencadeadas ou agravadas por ele. As doenças inflamatórias intestinais,retocolite ulcerativa e doença de Crohn são caracterizadas por períodosrecorrentes de dor e destruição da mucosa, e os períodos de piora sãoinfluenciadospordiversosfatores,entreelesoestresse(Antonetal.,1998).Mesmo fazendo parte do cotidiano, alguns acontecimentos podem gerar

situaçõesdeestresse,nãosendo incomumobservarem-se,mesmonascrianças,dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos, tique nervoso, gagueira, dor decabeça, hiperatividade, enurese noturna, falta de apetite e ranger de dentesquando se deparam com situações difíceis ou excitantes, como uma prova na

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escola.Deutschetal.(1998)alertamparaapossibilidadedeocorrênciadeúlcerapéptica em recém-nascidos internados em UTI, por causa do uso de váriasmedicações e de várias intervenções diagnósticas e terapêuticas. Hanke et al.(1998)descreveramumcasodehemorragiadigestivacausadaporúlcerapépticaduodenal, em que situação de estresse psicossocial estava presente.Naminhaexperiênciapessoal,tenhoobservadoemcriançaseadolescentesumafrequênciaaumentadadesintomasdigestivos,especialmenterepresentadosporazia,dordeestômago, náuseas e vômitos. Atribuo estes sintomas a hábitos alimentaresnocivos, associados a uma tendência pessoal e hereditária ao aparecimento dedeterminadas patologias. Quando é possível identificar situações emocionaisconflitantes,aabordagemclínicaeterapêuticaémaisadequada,oquepossibilitamelhoramaisrápidadasintomatologia.Acivilizaçãomodernatrouxeconsigomuitasvantagenseavanços;poroutro

lado,asexigênciasquefazsãomuitas,mesmoparaascriançaseadolescentes.Osadultostambémpodemexperimentaraumentodoritmointestinaloumesmoumadiarreiaantesdeumaviagemoudefalarempúblico.Écomum,duranteoexame físico de paciente normotenso, este apresentar pressão arterial elevadapelatensãoqueexperimentaduranteocontatocomomédico.O estresse é um fator importante que afeta a função cardíaca.Okano et al.

(1998)observaramcorrelaçãoentreoestresseeasfunçõeshemodinâmicas,comdeterioraçãodoventrículoesquerdo.Oaparecimentodehipertensãoarterialéfavorecidoemsituaçõesdeestresse,

que estimulam por meio do hipotálamo a liberação de catecolaminas ecorticosteroides, seja por ação direta sobre o sistema simpático, seja por açãoindiretasobreassuprarrenais.Aliberaçãoexcessivadestassubstâncias,alémdahipertensão arterial e da dor pré-cordial (Roghi, 2000), determina oaparecimento de arritmias cardíacas, aterosclerose coronariana, isquemia ounecrose miocárdica e insuficiência cardíaca. Evidentemente, não é somente oestresseo responsávelpelodesenvolvimentodedoençascardiovasculares,umavezquesuasorigenssãomultifatoriais, resultantesdeumdesequilíbrioentrea

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manutençãodeumfluxosanguíneoadequadoeasnecessidadestissulares.Ascefaleias,especialmenteasenxaquecascomdorefotofobia,podemocorrer

nos casosde estresse emconsequênciadavasoconstricçãoevasodilatação.Ascefaleiastensionaispodemtercausaorgânicaemrazãodatensãoportranstornosneuromuscularesoudeumestadodeestressequeprovocaexcessodecontraçãomuscularanívelcervicalouporvasoconstricçãoprolongada(Mosqueras,1998).O estresse desencadeia ou piora a sintomatologia dolorosa que pode estar

presente em diversas doenças (Dohrenbusch et al., 1997), ou mesmo quandonenhumadisfunçãoorgânicapropriamenteditaédiagnosticada.AsubstânciaP(pain production substance) e outros neuroreceptores, como betaendorfina,encefalina,neurocina(Arai,1988),entreoutros,exercemevidenteinfluêncianoprocessodador.Oestressepodedesencadear sintomas edoençasque se assestamemvários

órgãos.Graçasaosavançostecnológicos,osdiagnósticostêmsidocadavezmaisprecisoscomapropedêuticaarmadadequehojesedispõe,que,decertaforma,ditamaposturadomédicoperanteumpacientecomsintomasmuitasvezessemcausaorgânica.Poucossãoosprofissionaisdaáreamédicaquecolocamasmãosnospacientes,queostocam,auscultameescutam.Osaparelhosmodernosedealtatecnologiatransitameinterferemnarelaçãomédico-paciente.Considerandoquesomosumaunidadepsique-soma,aaltatecnologianãotem

acessoaoinvisível,àquiloquenãosevê,mas,adespeitodisso,existe.

Alémdoreal,háaquiloqueseimagina.Acausadeumapatologiapodeser um parasita, um microorganismo, um trauma, uma má-formaçãocongênita ou genética, deficiência enzimática, abuso de álcool, etc. Ascausas do imaginário são subjetivas, resultado do que o sujeito viveu,experimentou[...]Aspalavrasquesaemdosdoentessão,alémdaqueixa,umateiadesignificações,pedidos,desejos.Porissomesmoéquesaeme

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écomosenão saíssem, são sóoexpelido:palavras imaginárias,dedorvividanocoração.(Sousa,1992)

RelaçãoentreinsatisfaçãonotrabalhoeaparecimentodedoençasAs observações que passo agora a relatar foram realizadas no Centro de

Check-up do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na cidade de São Paulo, ondeexerçoatividadecomomédicacolo-proctologista.Amaioriadospacientesquefrequenta este centro compõe-se de executivos de grandes empresas. Comosempretiveinteressenarelaçãoentreestresseetrabalho,emuitosetemescritosobre isto (Dejours, 1986; 1988; Arantes, 1998; Ferraz, 1998; Sato, 1998;França, 1997; Faria, 1998), pas-sei a observar de forma empírica que osindivíduos que tinham mais sintomas e doenças eram aqueles que estavaminsatisfeitos com o ritmo de vida profissional, especialmente com a falta detempo para dedicar-se a atividades não ligadas ao trabalho propriamente dito.Observava que a principal questão não era o tempo livre em que estivesse naatividade profissional, mas o conflito que se estabelecia quando haviainsatisfaçãodenãodisporde temposuficienteparaexerceratividadespessoaisconsideradas aprazíveis. Verifiquei que eles apresentavam uma dificuldade deadaptaçãoàstensõesdodiaadia,alémdefaltadeflexibilidadenaadministraçãodotempoparaexercerasatividadesnãorelacionadascomaprofissão.Movida pela curiosidade e na tentativa de constatar algo de forma mais

concreta, desenvolvi esta pesquisa com o objetivo de verificar se haviacorrelaçãoentreinsatisfaçãoquantoaotempoexercidonaatividadeprofissional,queelesconsideravamumfatordesencadeantedeestresse,eoaparecimentodesintomase/oudoenças.Realizei uma avaliação aleatória de 26 pacientes do sexo masculino, com

idadeentre30e58anos.Apesquisafoifeitaquestionando-sequalopercentual

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de tempo dedicado à atividade profissional e quanto gostaria que fosse,demonstradoemgráficoemformadepizza.Os resultadosobtidosemumdospacientesestãorepresentadosnosgráficosqueseguem.

Vinteeumpacientes (80%),quechameigrupoA, trabalhavammaisdoque70% do tempo e o restante ficava distribuído em atividades não ligadas àprofissão. Ao serem questionados sobre como gostariam que fosse estadistribuição,demonstraramnecessidadedeorganizardeformamaisadequadaotempo para atividade profissional, sem comprometimento da qualidade. Todoseles apresentavam conflito em relação à pouca disponibilidade para prática deesportes, lazer e contato com a família. Alguns destes pacientes diziam tervontadedepediraposentadoria,poisseconsideravamincapazesdeseorganizardeoutramaneira.Estespacientesforamavaliadosquantoàsdoençasassociadaseobservou-sea

seguinteporcentagemdasprincipaiscondiçõesmórbidas:dislipidemia(aumentodo colesterol e triglicérides) 19 (90.4%), sobrepeso 16 (76.2%), dermatite 14(67%),gastrite9(42.8%),hipertensãoarterial9(42.8%).Outras condições observadas menos frequentemente foram: dor em região

lombar, diabete, impotência sexual, relacionando agravação dos sintomas esinaisclínicoscomoestadodeestresse.Cincopacientes(20%),quechameidegrupoB,trabalhavamentre50e60%

do tempo e estavam satisfeitos, não demonstrando conflitos ou tendência a

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mudanças. As condições clínicas destes pacientes eram melhores. Nenhumapresentava hipertensão; dois eram obesos e um paciente era portador debronquitedesdeainfância.Algumas frases citadas pelos pacientes do grupoA foram: tenho pânico; o

estresse é violento; quero me aposentar; tenho medo de perder o emprego;trabalhomuitotenso;comomal;nãotenhotempo.AsfrasesdogrupoBforam:gosto doque faço; trabalhar é prazer; desligo-meda empresa; desligo-menofimdesemana;conheço-mebem;nãotenhoconflitos.Muitos dos pacientes diziam-se “estressados”, quando este termo, na

realidade,émuitogenérico,habitualmenteusadoparadescreversentimentosdeansiedade ou profunda emoção. Mas o uso que faziam deste termo estavarelacionado com a incapacidade de melhor administrar eventuais conflitosemocionaisparticularesquepudessemestar interferindo e contaminandoo seucomportamento adulto e racional e, obviamente, sua saúde orgânica, uma vezqueoserhumano,domodocomooconcebemos,constitui-secomoumaunidadecorpo-mente.Apesar desta pesquisa ter sido muito simplificada, visto que não envolveu

questõescomo tabagismo,alcoolismoe insônia,pudeconcluirquehá,de fato,uma clara correlação entre a insatisfação no trabalho – especialmente pordificuldade de administrar melhor o tempo em atividades, de acordo com anecessidadepessoal–eoaparecimentodesintomase/oudedoenças.

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