Bobbio Norberto Bovero Michelangelo Sociedade e Estado Na Filosofia Polc3adtica Moderna

download Bobbio Norberto Bovero Michelangelo Sociedade e Estado Na Filosofia Polc3adtica Moderna

of 92

Transcript of Bobbio Norberto Bovero Michelangelo Sociedade e Estado Na Filosofia Polc3adtica Moderna

  • Norberlo Bobbio, um dos moisrespeilodos cienlislos pollicos dodluoliddde, e Micheldngelo Bovero.inlerloculor que o ocomponhou em seusprincipois esludos, opresenlom, de umoformo cloro e sinlelico, os resullddos deum longo e primoroso esludo sobre osprincipois pensodores pollicos domodernidode.

    O roleiro desses esludos, reconsiiluidoolroves de cursos e publicooes dosoulores nos llimos duos decddos..percorre o pensdmenlo de I-lobbes.Espinoso, Locke, Rousseou, Konl, Hegel el\/lorx. Sem exogero olgum, Sociedode eEslodo no Filosofio Poltico Moderno seeslobelece como umo referncid

    -----nr

    0S0fiPlltitaModernaNBOBB0/MBOVERO

    NORBERTO BOBBIOMICHELANGELO BOVERO

    edil Efl

    (I

    indispensdvel poro lodos os que pensomd pollicd.

    reos de inleressez Filosofo, PollicoL[IltadonaFilSociedade e estado na filosofia polticamoderna

    I

    I 1

    I_ 1

    I11 1H 1 1I

    IA .UI9 7s511 6` C044 mc QDAir bras l ~~~ f

    ES_L_I___L*_ISBN 85-11~12cl3-x 366%

    l H lllll " RL 15

    Ex3

    editora brasl lense

  • SOCIEDADE E ESYADONA FILOSOFIA POLTICA

    MODERNA

  • NORBERTO BOBBIOMICHELANGELO BOVERO

    SOCIEDADE E ESIADONA EILOSOEIA POLITICA

    MODERNAtraduo:

    Carlos Nelson Coutinho

    editora brasiliense

  • Copyright by il Saggiatore, Milo, 1979Ttulo original: Societ e Stato nella Filosofia

    Poltica ModernaCopyright da traduo: Editora Brasiliense SA

    Nenhuma parte desta publicao pode ser gravada,armazenada em sistemas eletrnicos, otocopiada,

    reproduzida por meios mecnicos ou outros quaisquersem autorizao prvia da editora.

    ISBN: 85-11-12036-XPrimeira edio, 1986

    4? edio, 19941? reimpresso, 1996

    Indicao editorial: Fernando LimongiReviso: Olga Lombard e Maria S. C. Corra

    Capa: Ioo Baptista da Costa Aguiar

    EDITORA BRASILIENSE S.A.R. Baro de Itapetininga, 93 - II ' 0-

    "' 01042-908 - So Paulo - SPFone (ou) 253-7344 - Fax 2584923

    Filiada ABDR

    ndice

    Premissa -- Norberto Bobbio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

    PRIMEIRA PARTEO modelo jusnaturalista

    Norberto Bobbio

    O carter do jusnaturalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13Razoe histria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24O modelo hobbesiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34O modelo aristotlico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40O estado de natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49O contrato social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61A sociedade civil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . , 75O Estado segundo a razo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85O fim do jusnaturalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

    SEGUNDA PARTEO modelo hegelo-marxiano

    Michelangelo Bovero

    Dois modelos dicotmicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103O modelo hegelo-marxiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107Hegel, Marx e o ponto de partida no abstrato . . . . . . . . . . 117

  • Qual Marx e qual Hegel? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125. . . . . . . . . . . 132

    Para a distino entre sociedade e Estado . . . . . . . . . . . . . 139Uma comparao entre os modelos . . . . . . . 151

    io

    Duas antteses fundamentais . . . . . . . . . . . .

    Da genese a estrutura da sociedade modema

    Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165

    QI

    Premissa A

    Destes dois ensaios, o segundo, de Michelangelo Bo-vero, O modelo hegelo-marxiano pode ser considerado sobvrios aspectos como a continuao do primeiro, escrito. pormim, O modelo jusnaturalista. As razes pelas quais acre-ditamos oportuno public-los em conjunto so sobretudoduas. I

    A primeira diz respeito ao mtodo com o qual a filosofiapolitica dos jusnaturalistas e a losoa politica de Marx comrelao de Hegel foram examinadas e reconstruidas. Trata-se do mtodo de anlise conceitual, para cuja definio noencontro nada melhor que repetir o que escrevi h dez anos noprefcio ao volume Da Hobbes a Marx, que compreende en-saios tanto sobre alguns jusnaturalistas, como Hobbes, Pufen-dor Locke e Kant, quanto sobre Hegel e Marx: No estudodos autores do passado, jamais fui particularmente atraidopela miragem do chamado enquadramento histrico, que ele-va as fontes a precedentes, as ocasies a condies, detm-sepor vezes nos detalhes atperder de vista o todo: dediquei-me,ao contrrio, com particular interesse, ao delineamento de te-masfundamentais, ao esclarecimento dos conceitos, anlisedos argumentos, reconstruo do sistema ". 1

    (1) Da Hobbes a Marx. Saggi di storia della filosofia. Npoles. Mora_rI2..L25-p. 7. ' `

  • 8 NORBERTO BOBBIO L

    No descabido acrescentar que, se esse modo de apro-ximao aos autores clssicos se diferencia do mtodo hist-rico outrora dominante na tradio cultural italiana, dis-

    A;_ _tingue se ao mesmo tempo, e com maior razao, daquela esp

    cie do gnero historicismo " que a interpretao ideolgica,hoje em voga. Depois de julgar autores complexos e diversosem sua complexidade temtica e conceitual sobretudo se-gundo a perspectiva das aspiraes e interesses de classe queuma determinada teoria refletee ao mesmo tempo defende,essa interpretao no parece ter levado a resultados muitosignificativos alm do que consiste em definir os autores atagora estudados, de Hobbes a Max Weber e a Kelsen, pas-sando por Locke, Rousseau, Kant, Hegel, Bentham, Mill,Spencer, etc., como idelogos da burguesia, como autoresque, apesar das teses contrapostas que freqiientemente unssustentam contra os outros, so sempre declarados - comuma horrivel expresso -- como funcionais " a um nico inte-resse de classe. E

    Precisamente enquanto espcie do gnero, no de sur-preender que esse modo de tratar a filosofiapolitica tenha tidotanto sucesso em nosso pais, onde o historicismo teve sua p-tria de adoo e, segundo alguns, de origem. Falo de espciedo gnero "porque a interpretao ideolgica parte do mesmopressuposto da anlise histrica, ou seja, da idia de que- para compreender uma teoria politica, social, econmica- preciso antes de mais nada situ-la em seu tempo e rela-cion-la com as condies objetivas de onde surgiu. A dife-rena est no fato de que a anlise histrica levava principal-mente em conta os eventos politicos, a formao do Estadomoderno, a grandeza e a decadncia da monarquia absoluta,as duas grandes revolues, o nascimento dos Estados consti-tucionais e representativos, o advento da democracia, etc.,enquanto a interpretao ideolgica toma em consideraosobretudo as relaes econmicas, a forma de produo, aestrutura de classe de uma determinada sociedade. Essa dife-rena pode tambm explicar por que a primeira deu resulta-dos mais variados que a segunda, ou por que a segunda deuresultados to montonos. Com efeito, segundo a filosofia dahistria em que se inspiram os fautores da interpretao ideo-lgica,que dela extraem freqentemente concluses muito ri-~- A A .

    PREMISSA 9

    gidas, a base econmica de uma sociedade mais constanteque suas formas politicas.

    Decerto, a reconstruo conceitual no exclui nem a an-lise histrica nem a interpretao ideolgica: no universo dosaber, h lugar para as mais diversas perspectivas, as quais,alis, deveriam completar-se reciprocamente tendo em vistaum conhecimento mais completo ou menos parcial do objeto.Por um lado, ela no exclui as duas diversas perspectivas e,por outro, pode servir - pelo menos essa minha opinio -para tornar mais problemtica a primeira e menos genrica asegunda.

    A segunda razo da publicao simultnea dos dois en-saios no de mtodo, mas de substncia. Tambm dessarazo pode-se encontrar uma antecipao no prefcio j ci-tado, quando afirmo que jusnaturalismo e historicismo dial-tico (entendia com essa expresso as filosofias de Hegel e deMarx) podem ser interpretados, no s como filosofias poli-ticas, mas tambm como filosofias da histria, que tm emcomum a contraposio entre uma fase pr-estatal e a fase doEstado, e que concebem esses dois estgios ou momentoscomo categorias fundamentais para compreender a histria dacivilizao. Enquanto filosofias da histria - escrevia -,ainda que uma inconsciente e outra inteiramente explicitada,no so to distantes uma da outra quanto a insistncia uni-lateral no aspecto ideolgico e no resultado politico sempreinduziu a supor. 2

    De resto, somente alguns anos mais tarde busquei fixaros elementos essenciais do sistema conceitual no qual os jus-naturalistas tinham colocado a matria de suas reflexes sobrea origem e a justificao do Estado, contrapondo-os aos ele-mentos do sistema conceitual clssico, que - partindo deAristteles - chegara at o limiar da era moderna. Chamei oprimeiro de "modelo jusnaturalista; o segundo, de "modeloaristotlico. 3 Em 1973, meu primeiro ano de docncia de Fi-

    1

    (2) Ibid.,p. 7. _(3) Il modello giusnaturalistico", in Rivista Internazionale di Filosofia del

    Diritto, 1973, pp. 603-22; e tambm in La formazione storica del diritto moderne inEuropa (Atas do terceiro congresso internacional da Sociedade Italiana de Historiado Direito), Florena, Olschki, 1977, pp. 73-93.

  • 10 NORBERTO BOBBIO .

    losofia da Politica na Faculdade de Cincias Politicas de Tu-rim, dediquei O curso ao tema do grande dualismo entre socie-dade civil e Estado, e, juntamente com Bovero, publiquei umvolume de apostilas intitulado Socict c Stato de Hobbs aMarx, no qual inclui, guisa de introduo, as pginas doartigo sobre o modelo jusnaturalista, publicado no mesmoano. Dos autores apresentados nesse curso, escrevi os cap-tulos sobre Hobbes, Locke e Marx; Bovero, os sobre Rousseaue Hegel. Esse curso e a continua discusso que a ele se seguiuentre ns sobre o tema constituem o precedente mais diretodos dois ensaios publicados nopresente volume.

    Meu ensaio reproduz, com exceo do primeiro par-grafo mas com o acrscimo das notas de rodap, o captulosobre jusnaturalismo redigido para a Storia delle idee politi-che economiche e sociali, dirigida por Luigi Firpo para a Edi-tora Utet, qual agradeo a gentil concesso de republic-loaqui. O ensaio de Bovero, que comea onde o meu termina econstitui quase um seu contraponto, completamente novo.

    Norberto Bobbio

    PRIMEIRA PARTE

    O modelo jusnaturalistaNorberto Bobbio

  • O carter do jusnaturalismo

    E mbora a idia do direito natural remonte poca cls-sica, e no tenha cessado de viver durante a Idade Mdia, averdade que quando se fala de doutrina ou de escola dodireito natural, sem outra qualificao, ou, mais brevemente,com um termo mais recente e no ainda acolhido em todas aslnguas europias, de jusnaturalismo, a inteno referir-se revivescncia, ao desenvolvimento e difuso que a antiga erecorrente idia do direito natural teve durante a idade mo-derna, no perodo que intercorre entre o incio do sculo XVIIe o fim do XVIII. Segundo uma tradio j consolidada nasegunda metade do sculo XVII - mas que h algum tempo,com fundamento, tem sido posta em discusso -, a escola dodireito natural teria tido uma precisa data de incio com aobra de Hugo Grcio (1588-1625), De iure belli ac pacis, pu-blicada em 1625, doze anos antes do Discours de la mthodede Descartes. Mas no tem uma data de encerramento igual-mente clara, ainda que no haja dvidas sobre os eventos queassinalaram o seu fim: a criao das grandes codificaes, es-pecialmente a napolenica, que puseram as bases para o re-nascimento de uma atitude de maior reverncia em face dasleis estabelecidas e, por conseguinte, daquele modo de conce-ber o trabalho do jurista e a funo da cincia jurdica quetoma o nome de positivismo jurdico. Por outro lado, bemconhecida tambm a corrente de pensamento que decretousua morte: o historicismo, especialmente o historicismo jur-

  • 14 NORBERTO BOBBIO

    dico, que se manifesta muito em particular na Alemanha(onde, de resto, a escola dodireito natural encontrara sua p-tria de adoo), com a Escola histrica do direito. Ademais, sequisssemos indicar precisamente uma data emblemticadesse ponto de chegada, poderamos escolher o ano da publi-cao do ensaio juvenil de Hegel, Ueber die wissenschaftli-chen Behandlungsarten des Naturrechts (Sobre os diversosmodos de tratar cientificamente o direito natural), publicadoem 1802. Nessa obra, o filsofo - cujo pensamento repre-senta a dissoluo definitiva do jusnaturalismo, e no s domoderno, como veremos no nal - submete a uma crtica ra-dical as filosofias do direito que o precederam, de Grcio aKant e Fichte.

    Sob ea velha etiqueta de escola do direito natural, es-condem-se autores e correntes muito diversos: grandes filso-fos como Hobbes, Leibniz, Locke, Kant, que se ocuparamtambm, mas no precipuamente, de problemas jurdicos epolticos, pertencentes a orientaes diversas e por vezes opos-tas de pensamento, como Locke e Leibniz, como Hobbes eKant; juristas-filsofos, como Pufendorf, Thomasius e Wolff,tambm divididos quanto a pontos essenciais da doutrina(Wolff, para darmos apenas um exemplo, considerado comoo antiPufendorf); professores universitrios, autores de tra-tados escolsticos que, depois de seus discpulos, talvez nin-gum mais tenha lido; e finalmente, um dos maiores escri-tores polticos de todos os tempos, o autor de O ContratoSocial.

    Por outro lado, enquanto para os juristas-filsofos a ma-tria do direito natural compreende tanto o direito privadoquanto o direito pblico (e muito mais o primeiro que o se-gundo), para os outros, em especial para os trs grandes, porcuja obra se mede hoje a importncia do jusnaturalismo, e emfuno dos quais talvez valha ainda a pena falar de um di-reito natural moderno contraposto ao medieval e ao antigo- estou me referindo a Hobbes, Locke e Rousseau -, o temade suas obras quase exclusivamente o direito pblico, o pro-blema do fundamento e da natureza do Estado. Embora adiviso entre uma e outra historiografia particular seja umaconveno, que pode tambm ser deixada de lado e que, dequalquer modo, preciso evitar considerar como uma mura-.

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLITICA MODERNA 15.

    lha intransponvel, 11 h dvida de que 11115 Pertencem min'oipalmente histria das doutrinas jurdicas, enquanto os ou-tros pertencem quela das doutrinas polticas.

    Contudo, apesar da disparidade dos autoresiconipiee'didos sob as insgnias da mesma escola, ou, o que e S1n0I111110,do mesmo ismo, e no obstante o que de artificial, 6 POI' Suavez de escolstico, 6111519 0111 Pf00eder por escolas ou porismos, no se pode dizer que tenha sido um capricho falarde uma escola do direito natural. Dela se falou, 6 Verdade,com duas perspectivas diversas: pelos prprios fundadpres eseus seguidores, com a finalidade_de construir uma arvoregenealgica frondosa e, alm do mais, com um ilustre anteces-501-, de quem eles pudessem tirar vantagem e,argumeI1

  • 16 NORBERTO BOBBIO

    Em outras palavras: tanto os seguidores quanto os adversriosconsideram-se autorizados a falar de escola enquanto estaconstitui uma unidade no ontolgica, no metafsica nemideolgica, mas sim metodolgica. A melhor prova disso, deresto, o fato de ter prevalecido o uso (pelo menos a partir dacrtica da escola histrica) de chamar o direito natural mo-derno de direito racional:1 temos aqui um indicador do fatode que aquilo que caracteriza o movimento em seu conjuntono tanto o objeto (a natureza), mas o modo de abord-lo(a razo), no um princpio ontolgico (que pressuporia umametafsica comum que, de fato, jamais existiu), mas um prin-cpio metodolgico.

    . No que inexistam divergncias entre os jusnaturalistas(podemos doravante cham-los assim), tambm no que se re-fere ao objetivo comum. No opsculo juvenil sobre o direitonatural, Hegel se propusera examinar (e criticar) as diversasmaneiras de tratar cientificamente o direito natural, distin-guindo entre os empiristas, como Hobbes, que partem de umaanlise psicolgica da natureza humana, e os formalistas,como Kant e Fichte, que deduzem o direito de uma idiatranscendental do homem. Tanto assim que penetrou na tra-tadstica corrente no fim do sculo, no saberia dizer se porinfluncia direta de Hegel, o uso de reservar o nome de di-reito racional somente para a doutrina kantiana. No inciodo seu monumental tratado, Wolff critica seu mais direto ri-val, Pufendorf, no como o havia feito Leibniz, por razesmetafsicas e implicitamente de poltica cultural, mas unica-mente por razes metodolgicas: Pufendorf, diz ele, passa porum escritor que tratou cientificamente o direito natural, masest efetivamente to longe do verdadeiro mtodo cientficocomo o cu da terra.2 Contudo, essas divergncias - e ou-

    (1) Um dos textos mais recentes e autorizados da historiografia jurdica, F.Wiaecker, Privotrech tsgeschchte der Neuzet unter besonderer Bercksichtgung derdeutschen Entwcklung, Gttinger, Vandenhoe u. Ruprecht, 1967, dedica um cap-tulo poca do direito racional", pp. 249-347.

    (2) A passagem merece ser citada na ntegra: Vulgo Pujfendorus ius naturaedemonstrasse dicitur: enmvero qui sic sentiunt, methodi demonstratvae sats igna-ros sese probant, et qui vel in mathes, vel in operbus nostris philosophicis fueritversatus, quantum a veritate distet udcum abunde intellget. Legat ea, quae demethodoephilosophica, eadem omnmo cum scienttica, seu demonstrativa (...) co-

    4

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLITICA MODERNA 17

    tras que se poderiam arrolar -- no cancelam o intento co-mum, ainda que esse tenha sido realizado de modos diversos,um intento que permite considerar unitariamente os vriosautores: a construo de uma tica racional, separada defini-tivamente da teologia e capaz por si mesma, precisamenteporque fundada finalmente numa anlise e numa crtica ra-cional dos fundamentos, de garantir - bem mais do que ateologia, envolvida em contrastes de opinies insolveis -- auniversalidade dos princpios da conduta humana. Historica-mente, o direito natural uma tentativa de dar uma respsotatranqilizadora s conseqncias corrosivas que os libertinostinham retirado da crise do universalismo religioso. No hautor da escola que no tome posio diante do pirronismo emmoral, do que hoje chamaramos de relativismo tico. Na am-pla introduo traduo francesa da principal obra de Pu-fendorf -- introduo que pode ser considerada como um ver-dadeiro manifesto da escola -, Barbeyrac, depois de ter ci-tado, entre outras, uma clebre passagem de Montaigne,3 quepe em dvida o direito natural pelo fato de no haver supostalei da natureza que no tenha sido desautorizada por um oumais povos, responde com uma citao de Fontenelle: Sobretudo o que diz respeito conduta dos homens, a razo temdecises muito seguras: o mal que ela no consultada.4 O

    mentati sumus (...) et inquirat, num Pujendorus regulis eiusdem satisecert: nszenim in re manifesta caecutire velt, eundem a methodo scientica tantum abessedeprehendet, quantum distat a terra coelum (Christian Wolff, Jus naturae methodoscentzca pertractatum, que cito da edio de Frankfurt e Leipzig, de 1764, vol. I, 2, p. 2).

    (3) De resto, so verdadeiramente curiosos quando, para dar alguma certezas leis, afirmam que, entre elas, h algumas estveis, perptuas e imutveis, que eleschamam de naturais e que so impressas no gnero humano pela condio de suaprpria existncia. E, dessas, h quem conte trs, quem quatro, quem mais, quemmenos: prova que isso um signo to incerto quanto o resto. Ora, eles so to desa-fortunados (...) que, dessas trs ou quatro leis escolhidas, no h nenhuma que noseja contraditada e desmentida, no por um s povo, mas por muitos" (Montaigne,Esrgais, que cito da trad. italiana de F. Garavini, Milo, Adelphi, 1966, vol. I,p. 70).

    (4) Fontenelle, Dialogues des morts anciens avec des modernes, Dilogo V,Sur les prjugs (os interlocutores so Estrato e Rafael), que cito de Entretiens surles pluralits des mondes, nova edio aumentada do Dialogues des morts, Paris,chez la veuve Brunet, 1762, p. 367. Essa passagem citada por Barbeyrac no incio do 5 do seu importante Prace du traducteur ao De iure naturae.-et gentium de Pu-fendorf. Depois, ele comenta: Ilaut l'avouer, I 'honte du ggvflilmlflz ___t_e scien-

    o

  • 18 NORBERTO BOBBIO

    que erapreciso, justamente, era aprender a consult-la. Anova cincia da moral, que nascia com o propsito de aplicarao estudo da moral as mais refinadas tcnicas da razo, cujosresultados foram to surpreendentes no estudo da natureza,devia servir para essa finalidade.

    Se h um fio vermelho que mantm unidos os jusnatura-listas e permite captar uma certa unidade de inspirao emautores diferentes sob muitos aspectos, precisamente a idiade que possvel uma verdadeira cincia da moral, enten-dendo-se por cincias verdadeiras as que haviam comeado aaplicar com sucesso o mtodo matemtico. Creio que hoje nin-gum est mais disposto a conceder obra de Grcio, comrelao fundao do jusnaturalismo moderno, o posto dehonra que lhe foi atribudo por seu discpulo Pufendorf, porobra de quem nasceu e se transmitiu a lenda de um Grcio paido direito natural.5 Mesmo prescindindo das influncias que

    ce [alude cincia moral ou science des moeurs", como ele a chama] qui devoit trela grande aaire des hommes, et l 'objet de toutes leurs recherches. se trouve de toustemps extrmement neglige. Nessas poucas linhas, est contido o tema fundamentalda escola do direito natural e o programa que a caracterizou por dois sculos.

    (5) J em sua primeira obra, Elementorum iurisprudentiae universalis libriduo, de 1660, qual ele conara a primeira temerria mas impostergvel tentativa deexpor a cincia do direito como cincia demonstrativa, Pufendorf -- depois de terdeclarado que, at ento, a cincia do direito no fora cultivada na medida exigidapela sua necessidade e pela sua dignidade - expressa a sua prpria dvida de reco-nhecimento a apenas dois autores, Grcio e Hobbes. Numa obra publicada muitosanos depois, Eris scandica, que adversos libros de iure naturali et gentium obiectadiluuntur (1686), escrita para esclarecer os seus crticos, Pufendorf reafirma a con-vico de que o direito natural somente nesse sculo comeou a ser elaborado deforma apropriada", tendo sido, nos sculos passados, primeiro desconhecido pelosantigos filsofos, especialmente por Aristteles, cujo campo de investigao restrin-gia-se vida e aos costumes das cidades gregas, depois mesclado, ora aos preceitosreligiosos nas obras dos telogos, ora s regras de um direito histrico transmitidonuma compilao arbitrria e lacunosa, como era 0 direito romano, obra dos ju-ristas. Mais uma vez, por sobre a turba dos pedantes e litigiosos comentadores dostextos sagrados ou de leis de um povo remoto, elevam-se os dois autores aos quais sedeve a primeira tentativa de fazer do direito uma cincia rigorosa: Grcio e Hobbes.De Grcio, Pufendorf diz que, antes dele, no houve ningum que distinguisse exa-tamente os direitos naturais dos direitos positivos e tentasse disp-los num sistemaunitrio e completo (in pleni systematis rotunditatem)". Essa passagem se encontranum esboo de histria do direito natural, ao qual Pufendorf dedica o primeiro cap-tulo do escrito Specimen controversiarum circa ius naturae ipsi nuper motarum, quefaz parte da supr-acitada Eris scandica. O captulo, intitulado De onzgine et progressudisczpiinae iuris naturalis, foi por mim traduzido pela primeira vez em italiano numpequeno volume para uso didtico, Samuele Pufendorf, Principi di diritto naturale,

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLITICA MODERNA 19

    ele sofreu, e que foram repetidamente postas em evidnciacom comparaes dificilmente refutveis, da neo-escolsticaespanhola que o precedeu imediatamente, o estilo de suaobra, especialmente quando comparado a um Hobbes, umSpinoza ou um Locke, ainda o estilo do jurista tradicional,que abre caminho e se move atravs das opinies dos juristasanteriores e no d um passo sem se apoiar na autoridade dosclssicos. Para o pai do jusnaturalismo moderno, o fato de tersido um dos quatro autores preferidos de Giambattista Vico- 0 primeiro grande adversrio do racionalismo jurdico etico - seria um estranho destino, caso o atributo lhe cou-besse de pleno direito. Todavia, no se pode negar, tambmGrcio prestou uma homenagem, embora discreta e sem efei-tos visveis no desenvolvimento do seu trabalho de jurista, aomodo de proceder dos matemticos, quando - nos Proleg-menos ao De iure belli ac pacis - afirma sua inteno decomportar-se como os matemticos que, examinando as gu-ras, fazem abstrao dos corpos reais ( 60). Na realidade, secabe a algum o discutvel ttulo de Galileu das cincias mo-rais (discutvel, porque da aplicabilidade do mtodo moral scincias matemticas se discute ainda hoje e a discusso noest de modo algum esgotada), esse algum no Grcio, massim o admirador de Galileu: Thomas Hobbes.

    Convencido de que a desordem da vida social, desde asedio ao tiranicdio, desde o surgimento das faces at aguerra civil, dependia das doutrinas errneas, de que tinhamsido autores os escritores antigos e modernos sobre questespolticas, bem como do esprito de seita alimentado por maustelogos,'e comparando a concrdia que reinava no campo

    f _ _ ,

    Piccola Biblioteca de Filosoa e Pedagogia". Turim, Paravia, 1943 (2.* ed., 1961),pp. 1-18. Afirmei que Hobbes, e no Grcio, deve ser considerado o verdadeiro inl-ciador do jusnaturalismo modemo, em meu artigo Hobbes e il giusnaturalismo", mRivista Critica di storia della losoa, 1962, pp. 471-86, agora recolhido no volumeDa Hobbes a Marx, Npoles, Morano, 1965, pp. 51-74. _

    (6) Cf. tanto a contribuio fundamental de G. Ambrosetti, I presuppostlteologci e speculatvi della concezione giuridica di Grozio, Bolonha, Zanichelh, 1955,quanto as observaes crticas de A. Droetto, L'alternativa teologica nella conce-zione giuridica di Grozio", in Rivista Internazionale di Filosoa del Diritto, 1956, pp..351-63, posteriormente republicadas em A. Droetto, Studi groziani, "Pubbl1caz1on1e11'1sm ai sciezzze Poliche 111'Univzfzi ai rm-1n", ruz-mz, G1zp1=h==ll11968, pp. 240-254. '

  • 20 NORBERTO BOBBIO

    das disciplinas matemticas com o reino da discrdia sem tr-gua em que se agitavam as opinies dos telogos, dos juristas edos escritores polticos, Hobbes afirma que os piores malef-cios de que sofre a humanidade seriam eliminados se se co-nhecessem com igual certeza as regras das aes humanas, talcomo se conhecem aquelas das grandezas das figuras.lO que chamamos de leis da natureza - precisa ele, depoisde as ter enumerado -- no so mais do que uma espcie deconcluso extrada pela razo sobre o que se deve fazer oudeixar de fazer.8 E, no Levat, especifica: concluses outeoremas. 9 Se verdade que a geometria a nica cinciacom que at agora Deus resolveu presentear o gnero hu-mano, a nica cincia cujas concluses tornaram-se agoraindiscutveis, ao filsofo moral cumpre imit-la; mas, preci-samente devido falta de um mtodo rigoroso, a cincia mo-ral foi at ento a mais maltratada. Uma renovao dos estu-dos sobre a conduta humana s pode ter lugar atravs de umarenovao do mtodo.

    No campo das cincias morais, dominara por longo tem-po, incontrastadamente, a opinio de Aristteles, segundo aqual - no conhecimento do justo e do injusto - no pos-svel atingir a mesma certeza a que chega o raciocnio mate-mtico, e que preciso nos contentarmos com um conheci-mento provvel: Seria to inconveniente - ele afirmara -exigir demonstraes de um orador quanto contentar-se com aprobabilidade nos raciocnios de um matemtico.1 E conhe-cido o peso dessa opinio no estudo do direito. Durante scu-los, a educao do jurista se dera atravs do ensinamento datpica, isto , dos lugares de onde se podem extrair argumen-tos pr ou contra uma opinio, atravs da dialtica ou arte dequerelar e da retrica ou arte de convencer, ou seja, atravs dedisciplinas que restam na esfera da lgica do provvel e no

    (7) Essa passagem se encontra na Epistola dedicatoria do De cive, que jcontm integralmente o programa da poltica geometrico more demonstrate". Verem Th. Hobbes, Opere politiche, ed. de N. Bobbio, Classici politici", coleo diri-gida por L. Firpo, Turim, Utet, 1959, p. 60.

    (8) De cive, III, 33; trad. it. cit., p. 121.(9) (...-) conclusions or theorems": cf. ed. M. Oakeshott, Oxford, Blackwell,

    1951, p. 104; trad. it. de Micheli, Florena, La Nuova Italia, 1976, p. 154.(10) Aristteles, Etica a Nicmaco, 1094 b.

    4..

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLTICA MODERNA 21

    devem ser confundidas com a lgica propriamente dita, queanalisa e prescreve as regras dos raciocnios demonstrativos.Estudos recentes exploraram mais do que se fizera no passadoa histria da lgica jurdica e puseram em destaque a relaoentre humanismo jurdico e disputa sobre o mtodo, ligada renovao dos estudos dialticos (de Rodolfo Agricola a Pie-trus Ramus): o florescimento de tratados de dialtica legalchga no casualmente at o limiar da nova methodus, ins-taurada pela escola do direito natural. At o momento emque o jurista considerado, no diferentemente do telogo,como um comentador de textos, ele tem de aprender asvriasregras que devem servir i compreenso (comprehensio) e eventual complementao do texto (extensio), bem como so-luo das antinomias entre uma passagem e outra, ou, numapalavra, as regras da interpretatio. Para a nova methodus, aocontrrio, a tarefa do jurista no mais a interpretatio, e sima demonstratio. Se a interpretao foi o mtodo tradicional dajurisprudncia, o mtodo da nova cincia do direito ser -- imitao das cincias mais evoludas - a demonstrao. Ogrande debate entre humanistas e bartolistas, entre mosgallicus e mos italicus, que por mais de um sculo tinha con-traposto os inovadores aos tradicionalistas, era uma contro-vrsia que dizia respeito, sempre e apenas, a diversos modosde entender a interpretatio: o objeto sobre o qual trabalhava ojurista. Fosse esse um seguidor do mtodo exegtico ou domtodo histrico, era sempre um direito escrito, um direitopositivo que, embora excelente ou considerado como tal, espe-

    (11) Refiro-me, em particular, aos estudos de D. Maffei, Gli nizi dell 'uma-nesimo giuridico, Milo, Giuffr, 1956; V. Piano Mortari, Dialettica e giurispru-denza. Studio sui trattati di dialettica legale del sec. XVI, Milo, Giuffr, 1955;Considerazioni sugli scritti programmatici dei giuristi del sec. XVI, in Studia etdocumenta historiae et iuris, 1955, pp. 276-302; La sistematica come ideale uma-nistico nel1'opera di Francesco Connano", in Studi in onore de Gaetano Zingali, Mi-lo, Giuffr, 1965, vol. III, pp. 559-71; A. Mazzacane, Science, logica e ideologianella giurisproduzenza tedesca del sec. XVI, Milo, Giuffr, 1971. E, alm do mais,C. Vasoli, La dialletica e la retorica dell 'umanesimo. Inventio" e metodo nellacultura del XVe XVI secolo, Milo, Feltrislelli, 1968. - Entre os estudos estrangei-ros, gostaria de recordar o de G. Kirsh, Gestalten und Probleme aus Humanismusund Jurisprudenz. Neue Studien und Texte, Berlim, de Gruyter, 1969, e a excelentemonografia sobre um dos maiores juristas e dialticos da poca, Claudius Cantiun-cula. Ein Basler .Iurist und Humanist des 16. Jahrhunderts, Basilia, Verlag vonHelbing & Lichtenhanh, 1970.

  • 22 NORBERTO BOBBIO

    cialmente se liberado dos estragos que nele introduzira a com-pilao justiniana, como afirmavam os humanistas, era nadamais e nada menos que um conjunto de textos a serem inter-pretados corretamente.

    O passo dado pela jurisprudncia culta alm da mera in-terpretao e complementao do texto foi aquele que a orien-tou para a idia do sistema: da nasceram, com freqnciacada vez mais rpida a comear da primeira metade do sculoXVI, as vrias tentativas de redigire in artem o direito, ouseja, de propor critrios para a ordenao da imensa matriadas leis romanas, em vez de coment-las segundo a ordem emque haviam sido transmitidas. Mas tambm a sistemticausava, para suas prprias construes, materiais j dados, queeram sempre aqueles fornecidos pelo direito romano, ou seja,por um direito histrico: mostrava, quando muito, a prpriapreferncia pelas Instituies, isto , por um texto mais siste-mtico, e no pelo Digesto. Seria interessante, mas no esteo local, mostrar que um processo idntico ocorrera no campoda teologia, onde a disputa sobre os textos e o modo de inter-pret-los cederia paulatinamente 0 terreno teologia racional,ao racionalismo testa, idia de uma religio natural, queest para a religio positiva e para a exegese dos textos, atra-vs dos quais uma religio positiva anunciada e transmitida,do mesmo modo como o direito natural est para 0 direito ro-mano e a compilao justiniana. .

    S se compreende a novidade do direito natural se estefor comparado com a situao do estudo do direito antes davirada, ou seja, se no for dado um mnimo de ateno, comodizamos h pouco, a tudo isso de que ele a negao. Pro-pondo a reduo da cincia do direito cincia demonstrativa,os jusnaturalistas defendem, pela primeira vez com tal mpetona histria da jurisprudncia, a idia de que a tarefa do juristano a de interpretar regras j dadas, que enquanto tais nopodem deixar de se ressentir das condies histricas na qualforam emitidas, mas aquela - bem mais nobre - de des-cobrir as regras universais da conduta, atravs do estudo danatureza do homem, no diversamente do que faz 0 cientistada natureza, que finalmente deixou de ler Aristteles e se psa perscrutr 0 cu. Para 0 jusnaturalista, a fonte do direitono 0 Corpus uris, mas a natureza das coisas. A razo

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLITICA MODERNA 23

    -- diz Pufendorf -, mesmo no estado natural, possui um cri-trio de avaliao comum, seguro e constante, ou seja, a natu-reza das coisas, que se apresenta do modo mais fcil e acess-vel na indicao dos preceitos gerais da vida e da lei natu-ral. 12 Em suma: o que os jusnaturalistas eliminam do seuhorizonte a interpretatio: mesmo que os juristas continuema comentar as leis, 0 jusnaturalista no um intrprete, masum. descobridor. Jamais foi notado como mereceria s-lo 0 fatode que o problema da interpretao e de suas vrias formas deargumenta e de loci, sobre as quais os juristas de todos ostempos versaram rios de tinta, um problema que desaparecequase inteiramente nos tratados de direito natural. Com oavano da escola , as tpicas e as dialticas, todas as regulaedocendi e discendi, que dizem respeito lgica do provvelvo desaparecendo. A recente redescoberta da retrica, en-quanto tcnica do discurso persuasivo, contraposta lgicatcnica do discurso demonstrativo, 13 bem como o reconheci-mento de que as operaes intelectuais realizadas pelos juris-tas em sua funo de intrpretes pertencem primeira, podeservir para ilustrar 0 carter especfico do jusnaturalismo,com uma nitidez da qual, em geral, no h trao nas histriasda escola. Embora com certa simplificao, lcito afirmarque o jusnaturalismo foi a primeira (e tambm a ltima) ten-tativa de romper o nexo entre o estudo do direito e a retricacomo teoria da argumentao, abrindo tal estudo para as re-gras da demonstrao.

    (12) Pufendorf, De iure naturae et gentium, L. II, cap. II, 9; trad. cit.,p. 79. Cf. tambm L. II, cap. III, 8: Sem dvida, os preceitos da reta razo soprincpios verdadeiros, que concordam com a natureza das coisas, observada e exa-minada atentamente (trad. cit., p. 107).

    (13) Refiro-me, como 0 leitor j compreendeu, obra de Ch. Perelman, tovasta que no pode ser apresentada exaustivamente numa nota, e de resto bastanteconhecida para no carecer de muitas citaes. Limito-me a assinalar para os juristasa coletnea de ensaios Diritto, morale e filosofia, Npoles, Guida, 1973, bem como altima coletnea, L-'empire rhtorique. Rhtorique et argumentation, Paris, Vrin,1977. Mas no se deve esquecer, na mesma direo, 0 livro de Th. Viehweg, Topikund Jurisprudenz, Munique, C. H. Becksche Verlagsbuchhandlung, 1953 (trad. it.,Milo, Giuffr, 1962, que, mesmo partindo de pressupostos diversos, chega a resul-tados anlogos).

  • Razo e histria A

    _ O primeiro a ter plena conscincia da importncia dessainovaao, a ponto de buscar justifica-la criticamente e funda-menta-la teoricamente, foi Pufendorf. Ele compreendeu per-feitamente se'r necessrio, antes de mais nada, limpar o ter-renola perniciosa autoridade de Aristteles, a quem se deve aopiniao, repetida acriticamente durante sculos, de que no es-tudoidas coisas morais so se pode alcanar um conhecimentoprovavel. Naturalmente, para se conseguir na cincia moral a

    . ' P omesma certeza que se tem nas ciencias naturais, e preciso terideias sobre qual e o objeto da primeira. A teoria que ele de-fende a esse respeito to engenhosa que teve uma inunciadireta sobre Locke: ao lado dos entes fsicos, sobre cuja exis-tencia estao todos de acordo, existem tambm os entes mo-rais, erradamente negligenciados at ento pela maioria dosautores. Os entes morais so modalidades das aes humanasque so atribudas a estaspelas regras postas por quem detma autoridade legtima de impor leis aos homens. Enquanto osentes fsicos derivam diretamente da criao, os entes moraisderivam de uma imposio e pressupem, enquanto tais, de-terminadas regras. O que a cincia moral deve estudar aconformidade ou desconformidade das aes humanas s re-gras estabelecidas. Quanto s regras, elas podem ser conheci-das com cert_eza quando se abandona 0 terreno pouco confi-vel das leis positivas, que mudam de pais para pas, e se consi-dera a natureza do homem, suas paixes, seus carecimentos,

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLTICA MODERNA 25

    as condies objetivas de sua existncia, as finalidades para asquais tende. Pufendorf no chega at a aceitao da tese deHobbes, depois acolhida por Vico, segundo a qual a certezadas coisas morais depende do fato de serem criao nossa, talcomo as figuras geomtricas; mas rechaa tambm a teseoposta, segundo a qual existem coisas boas ou ms em si mes-mas: bondade e maldade so noes sempre relativas s leisestabelecidas_(as leis naturais so indiretamente estabelecidaspor Deus) que, enquanto tais, impem ou probem ou permi-tem fazer algo.

    Mais ou menos nos mesmos anos em que Pufendorf es-crevia suas obras, Spinoza trabalhava na Ethica, no Tractatustheologico-politicus e no Tractatus politicus. Basta recordarque, nesse ltimo, retomando 0 motivo hobbesiano da polticaracional, ele escreve: Ao dedicar-me poltica, portanto, nome propus nada de novo e de impensado, mas apenas de-monstrar, com argumentos certos e irrefutveis, ou deduzir daprpria condio da natureza humana, aqueles princpios queconcordam perfeitamente com a prtica; e, para procedernessa investigao cientfica com a mesma liberdade de esp-rito com que costumamos nos aplicar matemtica, fiz umestudo sobre as aes humanas sem rir nem chorar. 1

    Tambm Locke, embora muito diferente de Spinoza, aponto de ser considerado como a anttese do autor da Ethica,pelo menos do ponto de vista metafsico e gnosiolgico, perse-guiu durante toda a vida, embora sem sucesso, 0 ideal de umatica demonstrativa; e isso no escapou a Barbeyrac, 0 qual,para defender a mesma tese, apela para a autoridade do En-saio sobre 0 intelecto humano, citando algumas de suas pgi-nas.2 Ele no tem nenhuma dvida sobre 0 fato de que, se a

    (1) Spinoza, Tratactus politicus, cap. I, 4.(2) Cf. 0 2 do Prace du traducteur, j citado, onde Barbeyrac desenvolve 0

    tema da demonstrabilidade da cincia moral mediante 0 topos clssico segundo 0qual no verossmil que 0 Criador tenha dotado os homens de faculdades suficientespara descobrir e demonstrar com certeza uma quantidade de coisas especulativas,espacialmente um grande nmero de verdades matemticas, e no nos tenha feitocapazes de conhecer e de estabelecer com a mesma evidncia as mximas da moral. Oargumento principal que ele aduz em favor da demonstrabilidade da cincia moral oargumento pufendorfiano, retomado por Locke: no se trata, na cincia moral, deconhecer a essncia das coisas, mas de examinar e comparar as relaes entre as 3-Shumanas e as regras estabelecidas. A esse ponto, refere-se grande parte (10 13 (10

  • 26 NORBERTO BOBBIO

    idia de um ser supremo e a idia do homem como ser racionalfossem devidamente consideradas, a moral poderia ser colo-cada entre as cincias suscetveis de demonstrao, ou seja,que, de proposies evidentes por si mesmas, mediante con-seqncias necessrias, no menos incontestveis que as damatemtica, poder-se-iam extrair as medidas do justo e doinjusto, se algum quisesse se dedicar a essa cincia com amesma indiferena e ateno que pe na outra. 3 Para dar umexemplo (no muito convincente, na verdade), acrescenta ime-diatamente depois que uma proposio como onde no hpropriedade, no h injustia to certa quanto qualquerdemonstrao encontrada em Euclides. Em outro local,chega mesmo a afirmar que 0 homem mais apto ao conheci-mento moral que ao conhecimento dos corpos fsicos, e anun-cia vitoriosamente: a moral a cincia apropriada e a grandetarefa da humanidade em geral, a qual tem enorme interessena pesquisa de seu summum bonum e tambm apta a talpesquisa. 4

    Precisamente em virtude da sua autoridade de grande l-gico e de grande jurista, 0 que Leibniz escreveu sobre 0 m-todo da jurisprudncia d a plena medida do significado e danovidade da concepo matematizante na cincia do direito:A teoria do direito inclui-se entre aquelas -- escreve ele --que no dependem de experimentos, mas de definies": e,logo aps, como confirmao, aduz ser possvel compreenderque algo justo mesmo quando no haja ningum que possafaz-lo vigorar, no diversamente do que ocorre em matem-

    cap. III do Livro IV, os 16 e 17 do cap. XI do Livro III, os 8, 9 e 10 do cap. IVdo Livro IV do Ensaio lockeano, ou seja, as passagens mais conhecidas onde Lockeexpressa sua prpria convico e enuncia seus prprios argumentos em favor da tesede que a cincia moral suscetvel de demonstrao" (que a mesma expressousada por Barbeyrac). Depois, ele comenta: E assim que raciocina esse grande fil-sofo. Aduzimos que as demonstraes das verdades especulativas so bem mais com-plexas e dependem de um nmero de princpios maior do que as demonstraes dasregras da moral. Para convencer-se disso, basta comparar os Elementos de geome-tria com um pequeno sistema metdico dos deveres que a lei natural prescreve aoshomens (a referncia ao De ocio hominis et civis de Pufendorf); ao mesmo tempoque se comprovar a verdade do que digo, reconhecer-se- tambm, em minha opi-nio, que incomparavelmente mais fcil compreender os princpios e os raciocniosdesse livro do que os teoremas, problemas e demonstraes daquele".

    (3) Locke, An Essay conceming Human Understanding, L. IV, cap. III, 18.(4) Ibid., L. IV, cap. XII, 11.

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLITICA MODERNA 27

    tica onde as relaes aritmticas so verdadeiras, mesmoS _que no haja quem numere nem existam coisas a numerar.5Explicando em outro local quais so as caractersticas dascincias necessrias e demonstrativas, que no dependemdos fatos, mas unicamente da razo, inclui entre essas, almda lgica, da matemtica, da geometria e da cincia do movi-mento, tambm a cincia do direito. Iniciando sua obra deius naturale, methodo scienti`ca pertractatum , Wolff no he-sita em afirmar que tudo 0 que forma objeto da mesma deveser demonstrado, j que - se verdade que a cincia con-siste no habitus demonstrandi, 0 direito natural ou se vale domethodus demonstrativa ou nao cincia. 7

    No h melhor comprovao desse ideal comum a todosos jusnaturalistas, o de uma cincia demonstrativa do direito,que a recusa unnime do argumento do consenso, ou seja,da tese - mais uma vez aristotlica _ de que as leis naturaisso as leis comuns a todos os povos ou, mais limitadamente, atodos os povos civilizados, e que, portanto, so inferveis node consideraes gerais sobre a natureza humana, no danatureza das coisas, mas, indutivamente, atravs de um es-tudo comparado das diversas legislaes. Aristteles dissera:Justo natural 0 que tem por toda parte a mesma eficcia;8e Ccero sentenciara: Em qualquer coisa, o consenso de to-dos os povos deve ser considerado lei de natureza. O consensode todos a voz da natureza.9 Mas j Grcio afirmara haver

    (5) Leibniz, Elemento iuris naturalis, que cito da edio de V. -Mathieu dosScrittipolitici de Leibniz, Turim, Utet, 1951, p. 86.

    (6) Leibniz, Mditations sur la notion commune de justice, ed. cit., p. 219.(7) Wolff, Jus naturalis methodo scientiica pertractatum, ed. cit., Proleg-

    mena, 2.(8) Aristteles, tica a Nicmaco, 1134 b. Trata-se da clebre passagem na

    qual Aristteles distingue 0 justo natural do justo legal. Afirmando que por justonatural se entende o que tem em toda parte a mesma eficcia, pode deixar entenderque possvel concluir que 'se podem inferir as prescries observando o que prati-cado entre os diversos povos, precisamente em toda parte.

    (9) Cicero, Tusculanae, I, 13-4. Essa a principal passagem invocada pelosdefensores do fundamento consensual da lei natural. O consenso de todos os p0VQSenquanto voz da natureza, a prova - a nica prova - de que existem 1018 IlU1'31$~Tanto verdade que o argumento principal dos cticos mostrar que no h. rie-nhuma lei que seja acolhida por todos os povos, ou seja, que tenha em toda Parte _ 9mesma eficcia. Na passagem j citada, Montaigne comenta a doutrina dos,que afir-mam a existncia de leis naturais a partir da universalidade do consenso com 88seguintes palavras: No h nada em que 0 mundo seja to diverso como no que se

  • 28 NORBERTO BOBBIO

    dois modos para provar que uma instituio direito natural,um a priori, que se funda na considerao da natureza dascoisas, e outro a posteriori, que se funda no estudo dos costu-mes e das leis dos vrios povos; mesmo no tendo tomadoposio em favor de um ou de outro, ele precisara que 0 pri-meiro era mais rigoroso, enquanto o segundo estava mais aoalcance de todos, porm levava a concluses apenas pro-vveis. 1

    Quem desatou 0 n, mais uma vez, foi Hobbes, que ne-gou todo valor ao argumento a posteriori, afirmando, com re-lao ao consenso dos povos mais civilizados, no ser claro aquem caberia estabelecer quais seriam os povos civilizados equais no; e, com relao ao consenso de todo 0 gnero hu-mano, argumentou entre outras coisas que, assim como quemviola uma lei geralmente 0 faz com 0 prprio consenso, doconsenso de todos os homens pode-se inferir tudo e 0 contrriode tudo. Em De iure naturae et gentium, Pufendorf -- mos-trando, tambm sobre esse ponto to importante de ser Hob-bes e no Grcio 0 verdadeiro inspirador da nova methodus -acolhera 0 ponto de vista hobbesiano, comentando as teses deAristteles e de Ccero com 0 seguinte juzo: Mas esse modode fundar 0 direito natural, alm de ser a posteriori e nadadeixar entender sobre a razo pela qual 0 direito natural dis-ps desse modo e no daquele outro, tambm inseguro (lu-bricus) e repleto de infinitas dificuldades. 12 Depois de ter

    refere aos costumes e s leis. Uma coisa aqui abominvel e alhures honrada, como ahabilidade de roubar em Esparta. Os casamentos entre parentes so proibidos entrens sob pena de morte, e alhures so honrados. (...) O infanticdio, 0 parricdio,a comunidade das mulheres, 0 trfico de objetos roubados, a licena diante de qual-quer voluptuosidade, em suma, no h nada de to excessivo que no seja admitidonos usos de algum povo" (ed. cit., vol. I, p. 771).

    (10) Grcio, De iure belli ac pacis, L. I, cap. I, 12. H nesse texto umadistino entre 0 consenso de todos os povos e consenso dos povos mais civilizados. Adistino acolhida por Hobbes, que critica a legitimidade de ambos como funda-mento do direito natural. Como autores da primeira tese, Grcio cita Herclito, Aris-tteles, Ccero, Sneca e Quintiliano; como defensores da segunda, Porfrio, Andr-nico de Rodes, Plutarco e ainda Aristteles.

    (11) Hobbes, De cive, II, I, ed. cit., pp. 94-7. Tambm em sua primeira obrapoltica, Elements ofLaw Natural and Politic, Parte I, cap. XV, 1.

    (12) Pufendorf, Die iure naturae et gentium, L. II, cap. III, 7 (na antologiade Pufendorf por mim traduzida e j citada, o texto se encontra nas pp. 98-9). Essapassagem de Pufendorf invocada por Barbeyrac em seu comentrio ao trecho de

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLTICA MODERNA 29

    exposto a origem contratualista do Estado, enfrenta a objeodos que se perguntam como possvel que os Estados tenhamtido tal origem, respondendo do seguinte modo: Nada im-pede que se possa indagar sobre a origem de uma instituioraciocinando sobre ela (ratiocinando), quando dessa institui-o no mais restou nenhum documento histrico. 13

    A crtica dos argumentos retirados do consenso, Lockededicou um dos ensaios juvenis sobre a lei natural, que at hpouco restou indito, 0 quinto, intitulado significativamenteA lei de natureza no pode ser conhecida com base no con-senso universal dos homens: nele, Locke distingue 0 con-senso dos costumes do consenso das opinies, e afirma que,enquanto 0 primeiro no prova nada, j que no existe aomalvada com a qual os homens no tenham consentido, 0 se-gundo pode servir apenas para revelar a lei natural, mas nopara demonstr-la, porque, embora podendo fazer crer maisfortemente que aquela uma lei de natureza, no conseguenos dar da mesma um conhecimento mais seguro: mais umavez, a demonstrao s pode ser obtida por meio da deduo apartir dos principios, no da anlise das crenas alheias. Oque existe, de fato, de to celerado, de to atroz e contrrio a

    Grcio citado em nota anterior, afirmando a propsito do mtodo a posteriori: Essamaneira de provar 0 direito natural no de grande utilidade, porque apenas as m-ximas mais gerais do direito natural foram acolhidas pela maior parte das naes.Houve tambm mximas muito evidentes, cujo contrrio foi considerado por muitotempo como coisa indiferente mesmo nos pases mais civilizados. 0 que parece terocorrido com o horrvel costume de expor os recm-nascidos" (cito segundo a ediofrancesa da obra grociana, Le droit de la guerre et de la paix, na traduo de JeanBarbeyrac, da qual existem muitas edies; a que tenhoem meu poder a de Basi-lia, editada por Emanuel Tourneisen, 1768, e a passagem citada se encontra no vol.I, pp. 53-4). Barbeyrac compara a evidncia com a experincia, e mostra como nemsempre 0 que evidente tambm confirmado pela experincia. Esse contraste entre0 que evidente ( razo) e 0 que de fato praticado pelos diversos povos deve induziro filsofo moral a no confiar na prova que pode ser deduzida do consenso de todos ospovos, ainda que se trate dos mais civilizados.

    (13) Pufendorf, De iure naturae et gentium, L. VII, cap. II, 8, trad. cit.,p. 168. Essa afirmao feita por Pufendorf a propsito da teoria dos dois contratosque se pem como fundamento ao Estado (sobre os quais voltaremos adiante), e deveservir para demonstrar que fundar o Estado em uma ou mais convenes uma exi-gncia racional antes de ser uma concluso retirada da histria.

    (14) Locke, An lex naturae cognosci potest ex hominum consensu?", in Es-says on the Law of Nature, ed. por W. von Leyden, Oxford, Clarendon Press, 1954,pp. 160-89. -

  • 30 NORBERTO BOBBIO

    todo direito e justia que no tenha conseguido alguma vezobtero consenso, ou melhor, a_ conjura de uma multido en-louquecida?.*5 O citado ensaio de Locke, que comea comessas palavras, dedicado em grande parte a uma escandali-zada denncia de todas as torpezas de todos os atos celerados,de todas as loucuras que enchem as narraes dos historia-dores. Quase no existe vcio, nem violao da lei de natu-reza, no existe aberrao moral que, para quem conhece ahistria universal e para quem observa as aes humanas, nodemonstre facilmente ter sido, em alguma parte do mundo,no s admitida privadamente, mas tambm aprovada pelaautoridade pblica e pelo costume. 1 O fato de que se estejadiante de um retrato maneirista, precisamente da literaturainspirada no pirronismo moral, no anula que um desabafodesse gnero no deixe dvidas sobre a atitude do raciona-lismo tico diante da histria considerada como uma confusoda qual intil buscar uma explicao.

    Nada pode fazer compreender melhor a importncia darecusa do argumento do consenso, a qual comum a todos osjusnaturalistas, do que a obra do primeiro grande antagonistado jusnaturalismo, que se baseia principalmente na redesco-berta e no confiante emprego desse argumento. A ScienzaNuova Prima (1975) comea, no casualmente, com as seguin-tes palavras: O direito natural das naes nasceu certamentecom os costumes comuns das mesmas. 1 E, ainda mais expli-citamente, na Scienza Nuova Seconda, Vico enuncia 0 princ-pio de o que sentido como justo por todos ou pela maiorparte dos homens deve ser a regra da vida em sociedade, aoque se segue 0 conselho, dado a quem quiser escapar desseslimites que 'devem ser os confins da humana razo, de queele se cuide para no escapar de toda a humanidade. 1

    (15) Ibid., p. 161.(16) Ibid., p. 166.(17) G. B. Vico, La scienza nuova prima, ed. por F. Nicolini, Bri, Laterza,

    1931, p. 9.(18) G. B. Vico, La scienza nuova (segundo a edio de 1744), ed. por F.

    Nicolini, Bri, Laterza, 1928, vol. I, p. 131, par. 360. Desse diverso modo de fundar 0direito natural, segue-se tambm um diferente modo de entender as duas caracters-ticas da imutabilidade e da universalidade. Para Vico, 0 direito natural no um di-reito estaticamente eterno, mas um direito que corre no tempo", 0 que significa

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLITICA MODERNA 31'

    O nexo que une os autores habitualmente includos naescola do direito natural pode ser determinado, como disse-mos, no apenas com base no que eles concordantemente ne-garam, mas tambm com base no que neles e em suas teoriasfoi igualmente negado concordemente. Sem dvida, para fa-zer desses autores um grupo unitrio, contriburam tambmos seus adversrios, entre os quais Vico pode ser consideradocomo 0 primeiro. Se 0 jusnaturalismo acreditara poder desco-brir leis universais da conduta para alm da histria, remon-tando-se natureza do homem abstrada das condies quedeterminam as leis mutveis de povo para povo, de poca parapoca, e, ao fazer isso, combatera uma memorvel batalhacontra 0 princpio de autoridade, dominante no estudo do di-reito, 0 historicismo - em suas vrias formas - reps emposio de honra, contra a crtica racionalista, a autoridadeda histria, condenando em bloco, indiscriminadamente, to-dos os que, mesmo pertencendo a orientaes metafsicas di-versas, mesmo chegando a concluses polticas opostas, masigualmente fascinados pelo sucesso das cincias fsicas e atra-dos pela idia de encontrar uma ordem racional no mundo hu-mano, tal como os grandes cientistas, de Descartes a Newton,haviam encontrado uma ordem racional no cosmo, tinham seempenhado no sentido de construir um sistema universal dodireito, ou seja, um sistema vlido para qualquer tempo e paraqualquer lugar.

    Em As origens do historicismo, Meinecke escreve: Toda

    que sua eternidade consiste em seu eterno processo de reproduo e de realizao nahistria, por toda parte onde se acenda uma centelha de humanidade. De resto, universal no no sentido de que seja igual em toda parte, como dissera Aristteles,mas no sentido de que igual 0 seu processo de realizao atravs do estado dasfamlias, das repblicas hericas, das repblicas populares, dos principados, e emseu retorno ao princpio depois da decadncia da ltima fase. Portanto, segundoVico, erraram os trs grandes jusnaturalistas (Grcio, Selden e Pufendorf), os quaistodos os trs querem que, por cima de seus sistemas do direito natural de filsofos,tenha transcorrido desde 0 princpio do mundo 0 direito natural das gentes com cons-tante uniformidade de costumes" (La scienza nuova prima, cit., p. 116). Em suma,para quem, como Vico, considera 0 direito natural como algo mutvel segundo aspocas e os povos, a variedade dos costumes - que 0 argumento clssico, por umlado, dos pirronistas contra os racionalistas, e, por outro, dos racionalistas contra osconsensualistas - no prova nada: no um argumento para dar razo aos pirronis-tas, nem uma boa razo para refutar 0 argumento do consenso.

  • 32 NORBERTO BOBBIO

    a tarefa do historicismo consistiu em enfraquecer e tornar m-vel o rgido pensamento jusnaturalista, com sua f na invaria-bilidade dos supremos ideais humanos e na igualdade abso-luta e eterna da natureza humana. 19 Quando Meinecke falado jusnaturalismo, no se refere apenas ao moderno, mastambm, pelo menos abstratamente, ao jusnaturalismo pe-rene, que por dois milnios constituiu para o homem ocidentala estrela polar em meio a todas as tempestades da histria; 2mas, de fato, os jusnaturalistas com os quais obrigado aacertar contas so os jusnaturalistas dos sculos XVII e XVIII.A Rousseau - considerado segundo um juzo transmitidoatravs da filosofia poltica da Restaurao, que tem em Rous-seau o seu grande inimigo, como o extremo florescimento doracionalismo tico e do abstratismo poltico --1.. refere-se Cro-ce, quando condena as construes geomtricas e mecni-cas de toda a escola do direito natural, criadas quando sedesenvolvia e crescia a cincia matemtica da natureza, e ohbito mental, que nela se formava, era transferido para todaparte, para a filosofia, a histria, a poltica. 21

    Contudo, verdade que o historicismo, em todas as suasformas, no se limitou a fazer uma crtica metodolgica dojusnaturalismo, porque - muito freqentemente - a crticametodolgica no foi mais do que pretexto para uma crticapoltica. Desse modo, a crtica poltica teve pelo menos duasfaces opostas (e muitas outras intermedirias): a conserva-dora, que viu no abstratismo do direito de razo o princpio dasubverso da ordem constituda; e a revolucionria, que viuno mesmo abstratlsmo a iluso, mas apenas a iluso, senomesmo o enganoso pretexto de uma nova ordem fundada na

    (19) F. Meinecke, Le origin dello storcismo, trad. it., Florena, Sansoni,1954, p. 4.

    (20) Ibid., p. XI.(21) Esse juzo pode ser lido nos Element di politica (1925), que cito de B.

    Croce, Etica e politica, Bri, Laterza, 3? ed., 1945, p. 257. A passagem citada con-tinua, surpreendentemente, do seguinte modo: caracterstico que a nova cinciaque ento surgiu, concernente atividade humana, fosse precisamente a cinciamatematizante da utilidade, a Aritmtica poltica (como inicialmente foi chamada)ou Economia, como a chamamos ns. O livro de Rousseau uma forma extrema, ouuma das formas extremas, e certamente a mais famosa, da escola jusnaturalista(p. 257). Sobre essas teses de Croce, cf. 0 comentrio de G. Cotroneo, Croce e l 'illu-minismo, Npoles, Giannini, 1970, pp. 178-83.

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLTICA MODERNA 33

    liberdadee na igualdade, enquanto a liberdade e a igualdadeefetivamente reivindicadas eram limitadas e parciais, no umbem de todos, mas um bem da classe hegemnica. A crticametodolgica, ao contrrio, teve sempre uma nica face: ojusnaturalismo, desse ponto de vista, acusado de ter queridoestudar o mundo da histria com os mesmos instrumentosconceituais com os quais os fsicos estudaram o mundo danatureza, e, ao fazer isso, terminaram - o que no deve pa-recer um trocadilho -- por desnatur-lo.

  • O modelo hobbesiano

    A crtica antijusnaturalista do historicismo atingia so-bretudo a teoria poltica que a doutrina do direito natural cria-ra e divulgara. Como j dissemos, no mbito da escola dodireito natural foram compreendidos alguns dos maiores es-critores polticos dos sculos XVII e XVIII, de Hobbes a Rous-seau. A histria da filosofia poltica daqueles dois sculoscoincide em grande parte com a histria do jusnaturalismo:ningum pode escrever a histria das idias polticas da pocaque intercorre entre o Renascimento e o Romantismo sem le-var em conta, alm dos escritos polticos estritamente enten-didos, tambm os grandes tratados de direito natural, de Pu-fendorf a Burlamaqui. Com relao tradio jurdica ante-rior, a tratadstica do direito natural representa uma inovaopara a qual preciso chamar mais uma vez a ateno: nasistematizao geral do direito, ela compreende, ao la'do dodireito privado, para o qual eram orientadas de modo exclu-sivo as tentativas de redigere ius in artem dos juristas do Re-nascimento (cuja matria era o Digesto), tambm o direitopblico. As grandes disputas metodolgicas, que tinham divi-dido entre si os tradicionalistas e os humanistas, manifesta-ram-se predominantemente no terreno do direito privado. Aidia de que o direito romano fosse ratio scripta, e, enquantotal, desfrut_asse do privilgio de uma validade que se perpetuae se renova no tempo, era uma doutrina que se referia ao iusprivatum, no ao ius publicam. N% to romano no

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLTICA MODERNA 35

    constitusse um fundamento confivel para a soluo de al-guns problemas capitais tambm do direito pblico: bastapensar na importncia que, desde a poca dos glosadores, tevea lex de imperio (sobre a qual falaremos adiante), com a fina-lidade de estabelecer o fundamento e os limites da soberania,para dar corpo a uma teoria da legitimidade. Mas direito pri-vado e direi co pblico permaneciam habitualmente separados.Enquanto o direito privado se fora desenvolvendo sem apa-rente soluo de continuidade atravs da interpretatio dos ju-ristas - chamados a resolver controvrsias que, mesmo nas-cendo de uma sociedade diversa da sociedade romana, conti-nuavam a envolver de qualquer modo institutos tpicos de di-reito privado, como propriedade, contratos, testamentos -,o direito pblico moderno nascera de conflitos de poder desco-nhecidos na sociedade antiga: antes de mais nada, o conflitoentre poder espiritual e poder temporal, que constituiu poralguns sculos o principal argumento da tratadstica poltica,e, por conseguinte, o conflito entre regna e imperium, ouaquele entre regna e civitates.

    Indubitavelmente, o direito pblico - ou, para dizer me-lhor, aquele embrio de direito pblico que se fora elaborandodurante a Idade Mdia - aproveitara-se grandemente dasprincipais categorias do direito privado: basta pensar na equi-parao entre imperium e dominium, que permitia analisar opoder soberano atravs das refinadas categorias empregadaspara a decomposio e reconstruo dos direitos do proprie-trio e dos direitos reais em geral; e, sobretudo, teoria dopactum ou dos diversospacta, que deviam servir para explicaras relaes entre soberano e sditos, e permitira tratar juridi-camente, ou seja, como uma questo a ser resolvida recor-rendo-se lgica do discurso jurdico, o problema fundamen-tal da obrigao, ou melhor, dos limites da obrigao, da obe-dincia s leis por parte dos sditos (o problema, como depoisser chamado, da obrigao poltica). Mas, a uma sistemticageral do direito, que compreendesse ao mesmo tempo e comigual dignidade tanto o direito privado quanto o direito p-blico, jamais se chegara antes da tratadstica do direito natu-ral. Se se deve reconhecer escola do direito natural o mritode ter feito a maior tentativa jamais realizada at ento de daruma sistematizao geral matria jurdica, de racionalizar o

  • 36 NORBERTO BOBBIO

    direito, esse mrito lhe deve ser reconhecido mais ainda nombito do direito pblico que no do direito privado.

    Comparemos a primeira grande obra poltica, que assi-nala o incio do jusnaturalismo poltico e do tratamento racio-nal do problema do Estado, o De cive de Hobbes,1 com amaior obra poltica e de direito pblico que a precede: o De larpublique (1576) de Jean Bodin. (A comparao lcita por-que, numa concepo essencialmente legalista do Estado,como a que acompanha o nascimento do Estado moderno ecompreende toda a escola do direito natural, no possveldistinguir nitidamente entre a filosofia poltica e o direito p-blico.) A diferena quanto ao modo de tratar os problemasnas duas obras - mais uma vez, a diferena em relao aomtodo -- enorme. E a diferena que_intercorre entre o m-todo tradicional do jurista, que extrai suas prprias soluesda anlise dos precedentes autorizados e das sugestes ofere-cidas pelo estudo da histria, e o mtodo geomtrico, oqual, prescindindo de tudo o que podem ter dito os autoresprecedentes e no levando em considerao o ensinamento dahistria, busca o caminho de uma reconstruo meramenteracional da origem e do fundamento do Estado. Os tratadosde filosofia poltica anteriores a Hobbes se apoiavam monoto-namente sobre dois pilares, a ponto de aparecerem freqente-mente como nada mais que uma repetio do j dito: a Pol-tica de Aristteles e o direito romano, ou, mais precisamente,aqelas passagens do Codex referentes fonte do poder impe-rial e que, a partir dos glosadores, haviam sido interpretadasde variados modos. Dessa interpretao derivara uma densarede de opinies da qual nenhum escritor poltico consideravapoder prescindir. Ainda recentemente, foi observada e docu-mentada a estreita analogia de estrutura entre o tratado deBodin e o de Aristteles, bem como o panorama medieva-lista, em seu conjunto, que se manifesta a quem anotar as

    (1) A primeina edio de 1642; a segunda, destinada a divulgao pblica, de 1647. O ttulo exato Elementa philosophica de cive. J em 1640, Hobbes compu-sera uma primeira redao de seu sistema filosfico, com referncia particular filo-sofia poltica, -The Elements ofLaw Natural and Politic, publicado em sua forma ori-ginal somente em 1889 por F. Tnnies; trad. it., por A. Pacchi, Florena, La NuovaItalia, 1968. ..,_.,__ '

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLITICA MODERNA 37

    citaes jurdicas da Rpublique. 2 Juntamente com a autori-dade da histria, como h pouco observamos, Hobbes varretambm a autoridade de Aristteles, contra quem toma posi-o desde as primeiras pginas do De cive, contrapondo hiptese do homem naturaliter social, acolhida medocre-mente at Grcio (inclusive), a hiptese do homo homni lu-pus; e no parece levar em conta a existncia de um direitopblico que faz apelo ao direito romano, embora utilize al-guns de seus conceitos fundamentais, como o do pacto queserve de fundamento ao poder estatal e o do Estado como pes-soa moral. Hobbes faz tabula rasa de todas as opinies ante-riores e constri sua teoria sobre as bases slidas, indestru-tveis, do estudo da natureza humana e dos carecimentos queessa natureza expressa, bem como do modo - do nico modopossvel, dados aqueles pressupostos -- de satisfazer tais care-cimentos.

    No tocante ao problema crucial do fundamento e da natu-reza do Estado, pode-se com justeza falar - a comear porHobbes -- de um modelo jusnaturalista, 3 adotado, emboracom notveis variaes, pelo menos at Hegel includo-exclu-do, por alguns dos maiores filsofos polticos da poca mo-derna. Se, na teoria geral do direito, o que aproxima os escri-tores do direito natural, permitindo falar de uma escola do di-reito natural, -- como j dissemos - o mtodo, sobretudoquando comparado com o das grandes escolas jurdicas que aprecederam e a sucederam, no que se refere ao direito pblicoe doutrina do Estado as obras jusnaturalistas, aquelas queseus criadores e seus adversrios consideram como tais, socaracterizadas no s pelo procedimento racionalizante, ouseja, por um mtodo, como tambm por um modelo terico(to geral que pode ser preenchido com os mais diversos con-tedos), que remonta a Hobbes e do qual so devedores, maisou menos conscientemente, tanto Spinoza quanto Pufendorf,tanto Locke quanto Rousseau (e cito propositalmente autoresdiferentssimos com relao ao contedo ideolgico dos seus

    (2) M. Isnardi Parente, Introduzione a J. Bodin, I sei libri dello stato, na co-leo dos Classici politici", dirigida por L. Firpo, Turim, Utet, 1964, vol. I, p. 23.

    (3) Retomo e desenvolvo o tema tratado no ensaio Il modello giusnaturalis-tico", in Rivista Internazionale di Filosoa del Diritto, 1973, pp. 603-22.

  • 38 NORBERTO BOBBIO

    escritos). Falando de modelo, quero fazer entender imedia-tamente que, na realidade histrica, um processo de formaoda sociedade civil, tal como o idealizado pelos jusnaturalistas,jamais teve lugar: na evoluo das instituies de onde nasceuo Estado moderno, ocorreu a passagem do Estado feudal parao Estado de estamentos, do Estado de estamentos para a mo-narquia absoluta, da monarquia absoluta para O Estado re-presentativo; mas o Estado como produto da vontade racio-nal, como O caso daquele a que se referem Hobbes e seusseguidores, pura idia do intelecto.

    O modelo constitudo com base em dois elementos fun-damentais: o estado (ou sociedade) de natureza e o estado (ousociedade) civil. Trata-se de um modelo claramente dicot-mico, no sentido de que tertium non datur: o homem ou viveno estado de natureza ou vive no estado civil. No pode viverao mesmo tempo em um e outro. Da dicotomia principal, es-tado de natureza/estado civil, os jusnaturalistas fazem emcada oportunidade, como ocorre com toda dicotomia, ora umuso sistemtico, na medida em que os dois termos servem paracompreender toda a vida social do homem; ora um uso histo-riogrfico, quando O curso da histria explicado como pas-sagem do estado de natureza para o estado civil e,Veventual-mente, como uma recada do estado civil no estado de natu-reza; ora um uso axiolgico, na medida em que a cada um dostermos atribudo um valor antittico com relao ao outro(para quem atribui um valor negativo ao estado de natureza, oestado civil tem um valor positivo, e vice-versa)." Entre os doisestados, h uma relao de contraposio: o estado natural oestado no poltico, e o estado poltico o estado no natural.Em outras palavras, o estado poltico surge como anttese doestado natural, do qual tem a funo de eliminar os defeitos, e

    (4) Sobre esses trs usos dos sistemas conceituais, detive-me pela primeira vezno artigo La grande dicotomia", em Studi in memoria de Carlo Esposito, Pdua,Cedm. 1974, pp. 2187-2200 (e, depois, no volume Dalla struttura alla mzione,Nuovi studi di teoria del diritto, Milo, Comunit, 1977, pp. 145-63). A grande di-cotomia de que falo a distino entre direito privado e direito pblico. - Vali-meda idia tambm na anlise da teoria clssica das formas de governo, tanto no artigoVico e la teoria delle forme di governo, in Bolettino del Centro di Studi Vichiani,1973 PD- 5'7. quanto no verbete Democrazia/Dittatura" da Enciclopedia Ei-Inaudi. vol. IV, pp. 535-58 (publicado em 1978).

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLITICA MODERNA 39

    0 estado natural ressurge como anttese do estado poltico,quando esse deixa de cumprir a finalidade para a qual foi ins-titudo. A contraposio entre os dois estados consiste no fatode serem os elementos constitutivos do primeiro individuossingulares, isolados, no associados, embora associaveis, queatuam de fato seguindo no a razo (que permanece oculta ouimpotente), mas as paixes, os instintos ou os interesses; oelemento constitutivo do segundo a unio dos individuos iso-lados e dispersos numa sociedade perptua e exclusiva, que a nica a permitir a realizao de uma vida conforme a razo.Precisamente porque estado de .natureza e estado civil saoconcebidos como dois momentos antitticos, a passagem deum para outro no ocorre necessariamente pela propria foradas coisas, mas por meio de uma ou mais convenes, ou seja,por meio de um ou mais atos voluntrios dos prprios indi-vduos interessados em sair do estado de natureza, ou seja, emviverem conforme a razo. Na medida em que antittico aoestado de natureza, O estado civil um estado artificia1,produto, como se diria hoje, de cultura e no de natureza (daa ambigidade do termo "civil", que significa ao mesmo tem-po poltico, de civitas, e civilizado, de civilitas). Diferente-mente do que ocorre com qualquer outra forma de sociedadenatural, em que o homem pode viver independentemente desua vontade -, como o caso, segundo a tradio, da socie-dade familiar e da sociedade senhorial -- o princpio de legiti-mao da sociedade poltica o consenso.

  • O modelo aristotlco

    Induz-me a falar de modelo tambm a considerao deque, na filosofia poltica anterior do direito natural, tiveralugar durante sculos uma reconstruo da origem e do fun-damento do Estado completamente diversa e, sob todos os as-pectos, oposta, na qual possivel (e til) perceber um modeloalternativo. Trata-se do modelo que pode ser chamado comjusteza, em funo do seu autor, de aristotlico, assim comoO oposto pode com igual direito ser chamado de hobbe-sano, mesmo levando em conta que no foi certamente Hob-bes quem o inventou, dado que a idia da origem convencio-nal do Estado j era conhecida na Antiguidade e teve cursoespecialmente na Idade Mdia at a redescoberta de Arist-teles; mas foi a Hobbes que se referiram todos os escritoressubseqentes. Desde as primeiras pginas da Politica, Arist-teles explica a origem do Estado enquanto polis o_u cidade,valendo-se no de uma construo racional, mas de uma re-construo histrica das etapas atravs das quais a humani-dade teria passado das formas primitivas s formas mais evo-luidas de sociedade, at chegar sociedade perfeita que OEstado. As etapas principais so a famlia (que a forma pr-mitiva de sociedade) e a aldeia. Com suas prprias palavras:A comunidade que se constitui para a vida de todos os dias por natureza a famlia (...). A primeira comunidade que de-riva da unio de mais de uma famlia, voltada para satisfazeruma necessidade no mais cotidiana, a aldeia (...). A comu-

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLTICA MODERNA 41

    nidade perfeita de mais de uma aldeia constitui agora a ci-dade, que alcanou o que se chama de nivel de auto-suficin-cia, e que surge para tornar possivel a vida e subsiste paraproduzir as condies de uma boa exstncia.1

    So surpreendentes a durao, a continuidade, a estabi-lidade, a vitalidade de que deu prova esse modo de descrever aorigem do Estado. A medida que apresenta a evoluo da so-ciedade humana como uma passagem gradual de uma socie-dade menor para uma mais ampla, resultante da unio devrias sociedades imediatamente inferiores, pde fcil e docil-mente ser estendido a outras situaes, medida que as di-menses do Estado, ou seja, da sociedade auto-suficiente ecomo tal perfeita, cresciam, passando da cidade provncia,da provncia ao reino, do reino ao imprio. Na lgica dessetipo de reconstruo do Estado, exemplar a longa seqnciaenunciada por Tommaso Campanella no nicio dos seus Afo-rismos polticos (escritos nos primeiros anos do sculo XVII):A primeira unio ou comunidade a do macho e da fmea.A segunda, a dos geradores e dos filhos. A terceira, a dos se-nhores e servidores. A quarta de uma famlia. A quinta, demais de uma famlia numa vila. A sexta a de mais de umavila em uma cidade. A stima, a de mais de uma cidade numaprovncia. A oitava, a de vrias provncias num reino. A nona a mais de um reino sob um imprio. A dcima a de muitosimprios sob mais de um clima e meridianos ou sob o mesmo.A dcima-primeira a de todos os homens sob a espcie hu-mana. 2 O

    Essa passagem permite ver, entre outras coisas, como omodelo aristotlco chegou inalterado at O limitar da novaera. Ainda em De la rpublique, Bodin d inicio ao trata-mento da matria com a seguinte definio de Estado: PorEstado, entende-se o govemo justo que se exerce com podersoberano sobre diversas famlias e sobre tudo o que elas tmem comum entre si.3 Mais adiante, tendo de comentar a par-te da definio que se refere a diversas famlias, explica que

    (1) Aristteles, Politica, 1252 a.(2) T. Campanella, Aforismipolitici, ed. por L. Firpo, Turim, Gappichell,

    1941, af. 3, p. 89. _(3) J . Bodin, Isei libri della repubblica, ed. cit., p. 159.

  • 42 NORBERTO BOBBIO

    ii*a famlia e a verdadeira origem do Estado e constitui suaparte fundamental.*' O autor da maior obra politica antes deGrcio, Johannes Althusius, define a civitas, ou seja, a conso-ciatio politica, como uma sociedade de segundo grau (maspode tambm ser de terceiro ou quarto, segundo as passagensintermedirias, sem que a lgica do modelo deva ser modifi-cada), ou seja, como uma sociedade que resulta da agregaode sociedades menores, das quais as famlias so as primeirasna ordem do tempo: Universitas haec est plurium coniugum,familiarum et collegiorum, in eodem loco habitantium, certislegibus facta consociatio. Vocatur alias civitas. 5

    Aps ter iniciado a exposio falando da consociatio do-mestica, isto , da famlia (cap. II), Althusius passa para aconsociatio propinquorum, ou seja, a aldeia (cap. III), depoispara as espcies inferiores da societas civiles, os colgios, queso associaes no mais naturais porm artificiais (cap. IV),para chegar a graus sucessivos, mediante crculos que se am-pliam cada vez mais, civitas (na qual distingue uma rs-tica e uma urbana), e, finalmente, passa das civitates,atravs das provinciae, at lo regnum (que corresponde ao Es-tado propriamente dito, na acepo moderna da palavra),definido como universalis maior consociatio (cap. X). O fatode que, independentemente da quantidade e da qualidade dosgraus, variveis de autor para autor, a teoria poltica althu-siana ainda se desenvolva inteiramente no interior do esquemareconstrutivo gradualista proposto por Aristteles, algo ates-tado do modo mais claro possvel pelo prprio autor, quandoafirma -- no princpio do captulo V - que a sociedade hu-mana passa das sociedades privadas para as sociedades p-blicas certis gradibus ac progressionibus.

    A reconstruo racional proposta pelos jusnaturalistas, omodelo tradicional contrape uma reconstruo histrica(ainda que uma histria imaginria). O ponto de partida no um abstrato estado de natureza, no qual os homens se en-contrariam antes da constituio do Estado, e que O precede

    (4) Ibid., p. 172.(5) J. Althusius, Politica metodice digesta, cap. V, 8, que cito da edio de C.

    J. Friedrich, na coleo Harvard Political Classics, Cambridge University Press,1932, p. 21.

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLITICA MODERNA 43

    lgica e no cronologicamente, mas a sociedade natural origi-nria, a familia, uma forma especfica, concreta, historica-mente determnada, da sociedade humana. Enquanto o mo-delo hobbesiano dicotmico e fechado (ou o estado de natu-reza ou o estado civil), o modelo aristotlco plural e aberto(do primeiro ao ltimo grau, os graus intermedirios podemvariar de nmero). Enquanto no primeiro modelo, precisa-mente enquanto dicotmico, um dos dois termos a anttesedo outro - e, portanto, estado de natureza e estado civil socolocados um diante do outro numa relao de antagonismo-, no segundo modelo, entre a sociedade primitiva e origi-nria e a sociedade ltima e perfeita que o Estado, h umarelao de continuidade ou de evoluo ou de progresso, nosentido de que, do estado de famlia ao estado civil, o homempassou atravs de fases intermedirias que fazem do Estado,no a anttese do estado pr-politico, mas o desaguadouro na-tural, o ponto de chegada necessrio, a concluso de certomodo quase predeterminada de uma srie mais ou menoslonga de etapas obrigatrias. Se verdade que a anttese entreas duas figuras da dicotomia no modelo jusnaturalista de-pende do fato de que a primeira figura representa o individuono momento do seu isolamento, ou, para usar uma clebreexpresso de Hegel, o sistema da atomistica, e a segunda orepresenta unido em socidade com outros individuos, igual-mente verdade que o gradualismo do segundo modelo de-pende do fato de que, desde a orgem, os individuos so apre-sentados como reunidos em sociedade. Da resulta que a pas-sagem de uma fase para outra, enquanto passagem de umaforma de sociedade para uma outra maior (sem por isso sermais evoluda), uma transformao no qualitativa, maspredominantemente quantitativa. Finalmente, a passagem deuma fase para outra, do estado pr-poltico para o estado pol-tico, precisamente na medida em que ocorre por um processonatural de extenso das sociedades menores sociedademaior, no se deve a uma conveno -- ou seja, a um ato devontade racional --, mas ocorre atravs do efeito de causasnaturais, atravs da ao de condies objetivas, rebus ipsisdictantibus, como diria Vico, tais como a ampliao do terri-trio, o aumento da populao, a necessidade de defesa, a ca-rncia de obter os meios necessrios subsistncia, a diviso

  • 44 NORBERTO BOBBIO

    do trabalho, etc., com a conseqncia de que O Estado, emvez de ser concebido como homo artificialis, no menos na-tural que a famlia. Nesse quadro, O princpio de legitimaoda sociedade poltica no mais O consenso, porm O estadode necessidade, ou, mais simplesmente, a prpria naturezasocial do homem.

    Comparando entre si as caractersticas diferenciadorasdos dois modelos, emergem com nitidez algumas das grandesalternativas que caracterizam O longo caminho da reflexopoltica at Hegel: a) concepo raconalista ou histrico-sociolgica da origem do Estado; b) o Estado como anttese oucomo complemento do homem natural; c) concepo indivi-dualista e atomizante e concepo social e orgnica do Estado;d) teoria contratualista ou naturalista do fundamento do po-der estatal; e) teoria da legitimao atravs do consenso ouatravs da fora das coisas. Essas alternativas referem-se aosproblemas da origem (a), da natureza (b), da estrutura (c), dofundamento (d), da legitimidade (e) daquele sumo poder que O poder poltico em relao a todas as outras formas de po-der do homem sobre O homem.' De todas as diferenas entre os dois modelos, a mais rele-vante para uma interpretao histrica e (com todas as caute-las do caso) ideolgica de ambos a que se refere relaoindivduo/sociedade. No modelo aristotlco, est no incio asociedade (a sociedade familiar como ncleo de todas as for-mas sociais posteriores); no modelo hobbesano, est no prin-cpio O indivduo. No primeiro caso, O estado pr-poltico porexcelncia, ou seja, a sociedade familiar entendida no sentidoamplo de organizao da casa (oikos) -- o primeiro livro daPoltica de Aristteles dedicado ao governo da casa ou eco-nomia -, Onde por casa se entende tanto a sociedade do-mstica quanto a sociedade senhoral, um estado no qual asrelaes fundamentais so relaes entre superior e inferior e,portanto, so relaes de desigualdade, como o caso, preci-samente, das relaes entre pa e filhos e senhor e servos. Nosegundo caso, O estado pr-poltico, ou seja, O estado de natu-reza, sendo um estado de indivduos isolados, que vivem forade qualquer organizao social, um estado de liberdade e deigualdade, oii de independncia recproca; e precisamenteesse estado que constitui a condio preliminar necessria da

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOFIA POLTICA MODERNA 45

    hiptese contratualista, j que O contrato pressupe em seusurgimento sujeitos livres e iguais. Do mesmo modo como, noestado de natureza, so naturais a liberdade e a igualdade, noestado social do modelo aristotlco so naturais a dependn-cia e a desigualdade. Enquanto estado de indivduos livres eiguais, O estado de natureza o local dos direitos individuaisnaturais, a partir dos quais constituda de vrios modos ecom diferentes resultados polticos -- a sociedade civil.

    A particular importncia desse contraste se revela no fatode ser a ele que se refere principalmente a interpretao cor-rente que faz do modelo jusnaturalista O reflexo terico e, aomesmo tempo, O projeto poltico da sociedade burguesa emformao. Dessa interpretao, os traos mais destacados soos seguintes: a) O estado de natureza O local das relaesmais elementares entre os homens, idest das relaes econ-micas: enquanto tal, ele representa a descoberta da esfera eco-nmica como distinta da esfera poltica; da esfera privadacomo distinta da esfera pblica, descoberta que prpria deuma sociedade na qual desaparece a confuso entre poder eco-nmico e poder poltico que caracterstica da sociedade feu-dal; b) essa esfera das relaes econmicas regida por leisprprias de existncia e de desenvolvimento, que so as leisnaturais: enquanto tal, ela representa O momento da emanci-pao da classe que se prepara para tornar-se economica-mente dominante com relao situao existente; c) en-quanto estado no qual os sujeitos so indivduos singulares,abstratamente independentes uns dos outros e, portanto, emcontato ou em conflito entre .s exclusivamente por meio daposse e da troca recproca de bens, O estado de natureza re-flete a viso individualista da sociedade e da histria, comu-mente considerada como um trao distintivo da concepo domundo e da tica burguesas; d) a teoria contratualista, ouseja, a idia de um Estado fundado sobre O consenso dos indi-vduos destinados a dele fazer parte, representa a tendnciada classe, que se move no sentido da emancipao poltica eno s econmica e social, no sentido de pr sob O prpriocontrole O maior instrumento de dominao de que se serveum grupo de homens para obter obedincia; em outras pala-vras, reflete a idia de que uma classe que se encaminha nosentido de se tornar econmica e ideologicamente dominante

  • 46' NORBERTO BOBBIO

    deve conquistar tambm o poder poltico, ou seja, deve criar oEstado sua imagem e semelhana; e) a tese de que o poder legtimo s na medida em que fundado sobre o consenso prpria de quem luta para conquistar um poder que aindano possui, e depois, uma vez conquistado o poder, passa adefender a tese contrria; f) finalmente, os ideais de liberdadee de igualdade, que encontram seu lugar de realizao no es-tado de natureza, ainda que um lugar imaginrio, indicam eprescrevem um modo de conceber a vida em sociedade anti-ttico ao tradicional, segundo o qual a sociedade humana construda com base numa ordem hierrquica tendencial-mente estvel, j que conforme natureza das coisas, e carac-terizam aquela concepo libertria e igualitria que animapor toda parte os movimentos burgueses contra os vnculossociais, ideolgicos, econmicos e polticos que obstaculizamsua ascenso.

    Uma prova a contrario da ruptura que o modelo jusnatu-ralista introduz na concepo clssica, bem como do signifi-cado ideolgico-poltico que essa ruptura assume no desenvol-vimento das reflexes sobre a formao do Estado moderno,pode ser extrada da seguinte observao: a partir do domnioquase incontrastado do modelo jusnaturalista, sempre que reexumado o modelo clssico, particularmente atravs de umaretomada da reavaliao da famlia como origem da sociedadepoltica e como local privilegiado da vida econmica, e que oEstado figurado como uma famlia em tamanho ampliado(concepo paternalista do poder poltico), com a conseqentenegao de um estado originrio constitudo por indivduoslivres e iguais; sempre que feita uma crtica acerba contra ocontrato social, com a conseqente afirmao da naturalidadedo Estado; sempre que refutada a anttese entre estado denatureza e estado civil, com a conseqente concepo do Es-tado como continuao necessria da sociedade familiar, issoocorre por obra de escritores reacionrios (entendendo porreacionrios os que so hostis s grandes mudanas econ-micas e polticas de que foi protagonista a burguesia). Soexemplos tpicos Robert Filmer, um dos ltimos defensores darestaurao monrquica depois da Revoluo Inglesa, e CarlLudwig von Haller, um dos mais conhecidos escritores polti-cos da Restaurao depois da Revoluo Francesa.

    SOCIEDADE E ESTADO NA FILOSOEIA POLTICA MODERNA 47

    O alvo poltico de Filmer a teoria da liberdade naturaldos homens, da qual decorre a afirmao (por ele julgada in-fundada e blsfema) de que os homens tm o direito de esco-lher a forma de governo que preferem. Para Filmer, a nicaforma de governo legtima a monarquia, porque o funda-mento de todo poder o direito que tem o pai de comandar osfilhos; e os reis so ou originariamente os prprios pais, ou, nodecorrer do tempo, os descendentes dos pais ou os seus dele-gados. A concepo ascendente do poder, prpria das teoriascontratualistas, Filmer contrape uma concepo rigidamentedescendente: o poder jamais se transmite, segundo Filmer, debaixo para cima, mas sempre de cima para baixo. A partir domomento em que o paradigma de toda forma de poder dohomem sobre o homem o poder do pai sobre os filhos, entrea sociedade poltica e a sociedade familiar no existe, paraFilmer, uma diferena essencial: h apenas uma diferena degrau. Vejamos como ele se expressa: Se se comparam os di-reitos naturais de um pai com os de um rei, no perceberemosoutra diferena alm da amplitude e da extenso: como o paide uma famlia, assim o rei estende sobre muitas famlias asua preocupao para conservar, nutrir, vestir, instruir e de-fender toda a comunidade. 6

    No diversamente se manifesta Haller, o qual, mesmono conhecendo a obra de Filmer, declara que o ttulo pareceindicar uma exata idia fundamental "(embora, como ele ad-verte logo aps, excessivamente restrita). Um dos propsitosmais insistentemente repetidos em sua obra fundamental,Restauration der Staats- Wissenschat (Restaurao da cinciapoltica), de 1816-1820, o de mostrar que os agrupamentoshumanosdenominados de Estados no diferem por natureza,mas somente em grau, das outras relaes sociais. 8 Essa ten-tativa perseguida atravs de um ataque contnuo contra as

    (6) R. Filmer, Patrarcha or the Natural Power of Kings (1680). Cllle cito daedio de L. Pareyson, publicada como apndice aos Due trattat del govemo cvile,de Locke, Turim, Utet, 2? ed. revista, 1960, cap. 1, 10, p. 462.

    (7) C. L. von Haller, Restauraton der Staats-Wssenscha_ft (1816-1820), quecito da edio de M. Sancipriano, na coleo dos Classici politici", Turim, Utet,1963, vol. I, p. 154. .

    (8) Ibd. , p. 130. O grifo nosso.

  • 43 NORBERTO BOBBIO

    vrias formas assumidas pela teoria contratualista, conside-rada uma quimera, e por meio da tese segundo a qual oEstado no menos natural que as formas mais naturais davida social. Assim, no possvel traar nenhuma diferenaentre as sociedades naturais e aquelas falsamente chamadasde civis: A Antiguidade ignorava, como ainda hoje omundo inteiro ignora (com exceo das escolas filosficas),toda a terminologia que se faz passar por cientfica e que esta-belece uma essencial diferena entre o estado de natureza e oestado civil.9 Portanto, dado que os Estados no so criadosmediante um ato da razo hu