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As transformações do capitalismo no século XXI: Marcos Adriano Barbosa de Novaes Daniela Glicea Oliveira da Silva Lúcia Helena de Brito um debate contemporâneo à luz do trabalho e da educacão

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As transformações do capitalismo no século XXI:

Marcos Adriano Barbosa de NovaesDaniela Glicea Oliveira da SilvaLúcia Helena de Brito

um debate contemporâneo à luz do trabalho e da educacão

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

ReitoR

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editoRa da UeceErasmo Miessa Ruiz

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As transformações do capitalismo no século XXI:

Marcos Adriano Barbosa de NovaesDaniela Glicea Oliveira da SilvaLúcia Helena de Brito

um debate contemporâneo à luz do trabalho e da educacão

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1a EdiçãoFortaleza - CE2019

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T772 As transformações do capitalismo no século XXI: um debate contemporâneo à luz do trabalho e da educação [recurso eletrônico] / Organizado por Marcos Adriano Barbosa de Novaes, Daniela Glicea Oliveira da Silva, Lúcia Helena de Brito. - Fortaleza: EdUECE, 2019. Livro eletrônico. ISBN: 978-85-7826-716-2 (E-book) 1. Capitalismo e educação. 2. Educação - Aspectos políticos. 3. Educação e estado. I. Novaes, Marcos Adriano Barbosa de . II. Silva, Daniela Glicea Oliveira da. III. Brito, Lúcia Helena de. IV. Título.

CDD: 379.8

As transformações do capitalismo no século XXI: um debate contemporâneo à luz do trabalho e da educação

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Editora filiada à

Coordenação EditorialErasmo Miessa Ruiz

CapaJúlia Brito

DiagramaçãoNarcelio Lopes

Revisão de TextoOrganizadores

Ficha CatalográficaLúcia Oliveira CRB - 3/304

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INTRODUÇÃO .............................................................................7

TRABALHO, PRÁXIS E FORMAÇÃO HUMANA: COMPREEN-SÃO, SITUAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO ....................................16José Ernandi MendesDewmison Samuel da RochaAntônio Marcos Rocha de Carvalho

EDUCAÇÃO SOCIAL: UMA ABORDAGEM PARA O TRABA-LHO DE SUPERAÇÃO DA POBREZA NO SEMIÁRIDO ..........33Maria Ivanilde Fidelis Damasceno RabeloMaria Dolores de Brito Mota Tania Maria Lima

EDUCAÇÃO, ESCOLA E MÍDIAS: ESPAÇO PARA CIRCULA-ÇÃO DAS MERCADORIAS DA INDÚSTRIA CULTURAL ........47Jefferson Nogueira LopesJaques Luis Casagrande

A EXPANSÃO DO ENSINO À DISTÂNCIA: UMA PARCERIA ENTRE O ESTADO NEOLIBERAL E OS ORGANISMOS IN-TERNACIONAIS .........................................................................63Gabriela Gondim Alves SegundoMaria das Dores Mendes Segundo

AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: AFASTAMENTOS E APROXIMAÇÕES ........................................................................80Maria Helena Moreira Dias SerraLeila Maria Ferreira Salles

POLÍTICA EDUCACIONAL, ECONOMIA E SOCIEDADE NA CONTEMPORANEIDADE .........................................................97Lúcia Helena de BritoAlan Robson da Silva

Sumário

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GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL: TRANSFORMAÇÕES CAPI-TALISTAS E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO NO BRASIL.......................................................................................115Erika Roberta Silva de LimaFrancisca Natália da Silva Lenina Lopes Soares silva

O PAIC: UMA ABORDAGEM A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA CRÍTICA ....................................................................................129Sirneto Vicente da SilvaLydyane Maria Pinheiro de LimaJosé Eudes Baima Bezerra

NOVOS MODELOS ORGANIZACIONAIS E FORMATIVOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA ....................................145Marilene Assis MendesStela Maria Meneghel

A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO E SEUS DESDOBRA-MENTOS NA PRIVATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR .......159Marcos Adriano Barbosa de Novaes Maria das Dores Mendes Segundo

POLÍTICAS DE ACESSO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: UM ESTUDO ACERCA DA INCLUSÃO DOS JOVENS NA EDUCA-ÇÃO PROFISSIONAL DE 2010 A 2017 ....................................174Adriana Aparecida de Souza Dante Henrique Moura

DESIGUALDADE SOCIAL NO CAPITALISMO: A MERCANTI-LIZAÇÃO DO GÊNERO HUMANO .........................................190Alídia Paula Teixeira de CarvalhoGeysse Gadelha RochaDaniele Kelly Lima de Oliveira

O COMPLEXO EDUCATIVO, A FORMAÇÃO DO SUJEITO SO-CIAL REVOLUCIONÁRIO E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: UMA ANÁLISE ONTO-CRÍTICA. ............................................204Daniela Glicea Oliveira da Silva Maria Das Dores Mendes Segundo José Ernandi Mendes

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INTRODUÇÃO

A escola pública hodierna é resultante das relações capitalis-tas de produção que são definidas pelos países centrais os quais de-terminam as regras econômicas em função do acúmulo de rique-zas, condição para que permaneçam no centro do poder. Nela vêm sendo inculcados modelos de ensino e aprendizagem planejados por grupos empresariais que definem o currículo a ser ensinado, as estratégias pedagógicas que deverão ser utilizadas pelos professores e o produto a ser apresentado ao final do processo, através dos sistemas de avaliações padronizadas, tidos como essenciais para verificar se as metas de aprendizagem, previamente estabelecidas por organismos externos à escola, estão sendo conquistadas. Nesse cenário, as palavras de ordem são eficiência, eficácia e efetividade (SHIROMA et al, 2011), uma vez que para os defensores do pro-jeto neoliberal, a escola do século XXI tem como objetivo primei-ro formar o “cidadão crítico e autônomo”, capaz de se adequar às diversas situações mercadológicas que lhe são impostas.

Reafirma-se, por conseguinte, a existência de uma escola dual, uma escola para os filhos dos trabalhadores e outra para os filhos dos donos dos meios de produção. Esta última, intenta uma formação cujo currículo contempla os conteúdos historicamen-te acumulados pela humanidade salvaguardando a continuidade da acumulação de riquezas sob a tutela da burguesia; enquanto à primeira cabe formar operários para a fábrica, bastando-lhes um ensino reduzido que lhes garanta apenas ler, contar e escre-ver minimamente, tornando os trabalhadores suscetíveis às regras estabelecidas pelos detentores dos meios de produção capitalista.

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No Brasil, sobretudo a partir dos anos 1995, no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, intensifica-se a reforma do Aparelho do Estado, com os objetivos de instituir no Estado brasileiro a administração pública gerencial; implementar autonomia e responsabilidade para administradores públicos e políticos; e apoiar-se, posteriormente, em controle de resultados, controle social e controle por competição administrativa (BRES-SER-PEREIRA, 1998), adequando-se, portanto, às determina-ções dos organismos multilaterais, mormente a partir da Con-ferência Mundial de Educação para Todos ocorrida em Jomtien, em março de 1990. Apoiando-se no projeto neoliberal que define as estratégias a serem tomadas pelo governo brasileiro, a Reforma Administrativa ao tornar o estado mínimo para as políticas pú-blicas e máximo para o capital (PERONI, 2003), implementa re-formulações nos diversos setores, a partir de legislação específica para esse fim, cabendo ao Estado o papel de regulador.

Nesse sentido, no campo educacional, algumas regulamen-tações podem ser destacadas, quais sejam: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), a qual atribui ao Estado a função de elaborador e avaliador de políticas, ao passo que define como objetivo uma educação básica pautada no ensi-no da leitura, da escrita e do cálculo; os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), uma tentativa de instituir um currículo na-cional mínimo para o ensino fundamental da educação básica, já recomendado pela Constituição Federal de 1988, influenciado pelas ideias debatidas na Conferência de Jomtien e organizadas no relatório “Educação: um tesouro a descobrir”, que define os Pilares da Educação1 – aprender a conhecer, aprender a fazer,

1 Para muitos estudiosos da educação, dentre os quais podemos destacar Duarte (2010) e Saviani (2013), as bases teóricas propostas no relatório Jacques Delors, propiciaram o surgimento de pedagogias como o construtivismo, a epistemologia da prática, a teoria do professor reflexivo, a pedagogia de projetos e a pedagogia da problematização, dentre outras – as chamadas pedagogias do aprender a aprender –, as quais esvaziam o processo de ensino ao defenderem a formação de um indivíduo que por si só

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aprender a viver juntos e aprender a ser – como as bases que guiarão a pedagogia que responderá aos desafios do século XXI (DELORS, 1998); o fortalecimento do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB)2, instituído em 1990, que consolida-se nos anos 1995, configurando-se como elemento indispensável para a medição da aprendizagem básica exigida pelos organis-mos multilaterais para os estudantes dos países periféricos, sendo tomado pelo Aparelho do Estado como um meio para regular tais aprendizagens, as quais são mensuradas também em nível in-ternacional pelo Programme for International Student Assessment3 (PISA). Atualmente, muitos estados e municípios brasileiros im-plementaram em suas redes de ensino sistemas de avaliação os quais determinam desde o currículo que é ministrado, até a práxis docente, condicionando os conteúdos que são ensinados na sala de aula, o material didático-pedagógico e as estratégias de ensino utilizadas aos resultados esperados nas avaliações padronizadas, estreitando o currículo, restringindo o processo de ensino ao trei-no para as avaliações estandardizadas, bem como engessando a práxis docente às estratégias didáticas prescritas nos chamados materiais estruturados (FREITAS, 2011; 2012).

Nos últimos anos a ofensiva neoliberal ganhou força no Bra-sil, com a implementação de propostas voltadas para a derrubada de direitos dos trabalhadores, abrindo mais espaço para o capital internacional, através de reformas – Reforma da Previdência, Re-

deverá aprender a estudar, aprender a buscar conhecimentos, aprender a lidar com situações novas, postergando o papel do professor.

2 Com o PNE de 2014, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) passou à denominação Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SINAEB).

3 O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), coordenado pela Organização para Co-operação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realiza uma avaliação comparada, isto é, compara os resultados obtidos entre os cerca de 65 (sessenta e cinco) países participantes. É uma avaliação amostral, voltada para estudantes matriculados nas turmas de 7º ano do ensino fundamental, com idade a partir de 15 (quinze) anos. As avaliações do PISA tiveram início no ano de 2000, são aplicadas a cada três anos e medem a aprendizagem em Leitura, Matemática e Ciências. Acessível em: http://portal.inep.gov.br/pisa. Acesso em: 10.09.2018.

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forma Trabalhista (Lei Nº 13.467 de 2017) e Reforma do Ensino Médio; da Instituição de um currículo nacional para a educação básica – Base Nacional Comum Curricular (BNCC); e do conge-lamento em 20 (vinte) anos dos gastos com saúde e educação as-segurado pela Emenda Constitucional Nº 95 de 15 de dezembro de 2016, dentre outros. Ademais, recentemente, anunciou o corte de R$ 580 milhões no orçamento destinado à oferta de bolsas de pesquisa científica pela Capes para o ano de 2019, comprometen-do o desenvolvimento do conhecimento científico em nosso País.

Com tanto retrocesso ocasionado por uma minoria que insiste em expropriar a classe trabalhadora visando a mais-valia (MARX, 2013), torna-se urgente resistir. Nesse sentido, este E-book é resultado do esforço de professores/pesquisadores do curso de Pedagogia da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM/UECE)4, que em parceria com o Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE/UECE), o apoio do Grupo de Estudo Capitalismo e teorias críticas (CATE FAFIDAM/UECE) e com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE – Campus Limoeiro do Norte), os quais compreendendo que os debates travados nas au-las, nos eventos acadêmicos organizados no âmbito dessas insti-tuições, bem como nos seus respectivos grupos de estudos, deve-riam ultrapassar os muros do ensino formal, chegando ao maior número de pessoas possível, organizaram este livro composto por artigos oriundos de pesquisas científicas criteriosas e inovadoras, as quais buscam compreender seus objetos de estudo em sua es-sência, contribuindo para a compreensão da realidade frente aos desmandos do capital.

4 A Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, campus da Universidade Estadual do Ceará (UECE), está localizada na região do Vale do Jaguaribe, precisamente no município de Limoeiro do Norte-CE, a aproximadamente 204 km da capital cearense, Fortaleza. Fundada no ano de 1968, este ano com-pleta 50 anos destinados à formação de profissionais do magistério que atuam nas escolas públicas e privadas da região.

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Os estudos estão divididos em três sessões. A primeira, sob o título Trabalho, Estado, Educação e Transformações Capitalistas, reúne um conjunto de artigos que discutem o papel que o Estado assume com a implementação do projeto neoliberal, o qual de-fende, com primazia, a liberdade econômica, abrindo, portanto, espaço para que o mercado, bem como as relações sociais sejam geridas pelo capitalismo, influenciando, sobremaneira, no com-plexo da educação.

Nesse sentido, o artigo Trabalho, Práxis e Formação Hu-mana: Compreensão, Situação e Transformação, dos autores José Ernandi Mendes, Dewmison Samuel da Rocha e Antônio Mar-cos Rocha de Carvalho, convidam os leitores para uma reflexão acerca do estágio em que se encontra o capital e sua crise estrutu-ral, partindo das categorias trabalho, práxis e formação humana, tidas como elementos indispensáveis para se pensar uma nova estrutura e organização da sociedade vigente.

Na sequência, a pesquisa Educação Social: uma Abordagem para o Trabalho de Superação da Pobreza no Semiárido, das auto-ras Maria Ivanilde Fidelis Damasceno Rabelo, Maria Dolores de Brito Mota e Tania Maria Lima, aborda as categorias educação, pobreza e desigualdade social, a partir do processo educativo po-pular entre escolas formadoras de cidadãos e instituições e mo-vimentos sociais, reivindicando que a educação contextualizada no Semiárido torna-se indispensável para que a realidade local seja contemplada no processo de formação humana, valorizando, portanto, a cultura campestre.

Com a pesquisa Educação, Escola e Mídias: Espaço para Cir-culação das Mercadorias da Indústria Cultural, Jefferson Nogueira Lopes e Jaques Luís Casagrande destacam como os produtos dis-seminados pela Indústria Cultural estão inseridos nos processos formativos dos discentes das escolas de ensino fundamental e en-

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sino médio, a partir da análise da relação existente entre Educa-ção e Indústria Cultural.

Na segunda sessão – Políticas Educacionais diante da Atua-ção dos Organismos Internacionais, estão os artigos que investigam a presença dos organismos internacionais na escola, através da imposição de políticas públicas educacionais, atribuindo à escola o papel de formar indivíduos para uma sociedade cada vez mais individualista, competitiva e meritocrática, e responsabilizando-a para que prepare o trabalhador para atuar na sociedade capitalis-ta, cujo objetivo é o lucro desmedido para enriquecer uma mino-ria, detentora dos meios de produção.

Partindo desse contexto, o estudo denominado A Expansão do Ensino a Distância: uma Parceria entre o Estado Neoliberal e os Organismos Internacionais, da autoria de Gabriela Gondim Alves Segundo e Maria das Dores Mendes Segundo, argumenta que a contrarreforma do ensino superior brasileiro, mormente a intensa e desenfreada abertura dos cursos de graduação a distância, confi-gura-se como resposta à crise estrutural do capital.

A seguir, a investigação realizada pelas pesquisadoras Ma-ria Helena Moreira Dias Serra e Leila Maria Ferreira Salles, cujo título é As Políticas Públicas de Educação Profissional e de Jovens e Adultos no Brasil: Afastamentos e Aproximações, explora a legisla-ção e a literatura intentando realizar uma análise crítica acerca da efemeridade e da descontinuidade das políticas públicas voltadas para a educação, apontando a necessidade de que o Proeja seja incluído na Educação Básica, restringindo o seu caráter exclusivo de formação para o mercado de trabalho.

Os autores Lúcia Helena de Brito e Alan Robson da Silva, com o estudo intitulado Política Educacional, Economia e Socieda-de na Contemporaneidade, examinam a relação entre Educação e Sociedade, tendo como base a função social da escola compreen-

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dida como instituição mediadora entre conhecimento sistemati-zado e demanda social por escolarização, dentro do contexto de reprodução do capital, cuja diligência por formação flexível, exige das escolas a materialização de propostas pedagógicas que satisfa-çam necessidades voltadas para o mercado de trabalho.

O estudo Globalização Neoliberal: Transformações Capitalis-tas e suas Implicações sobre a Educação no Brasil, das autoras Erika Roberta Silva de Lima, Francisca Natália da Silva e Lenina Lopes Soares Silva, propõem uma discussão sobre as influências que so-frem as políticas educacionais dos países cujo projeto econômi-co é baseado no capitalismo, destacando o Brasil, no contexto das políticas educacionais voltadas para o Ensino Médio e para a Educação Profissional.

Com o artigo O PAIC: uma Abordagem a partir de uma Perspectiva Crítica, os autores Sirneto Vicente da Silva, Lydyane Maria Pinheiro de Lima e José Eudes Baima Bezerra demons-tram que o Programa Alfabetização na Idade Certa, do Estado do Ceará, materializa as orientações dos organismos internacionais, através de políticas de accountability, instituindo no campo edu-cacional a meritocracia, a responsabilização e a competitividade, fortalecidas com a instituição e ampliação – do 2º ao 9º ano do ensino fundamental – do Prêmio Escola Nota Dez.

A pesquisa Novos Modelos Organizacionais e Formativos da Educação Superior Brasileira, empreendida por Marilene Assis Mendes e Stela Maria Meneghel, tenciona caracterizar as propos-tas de formação e o modelo organizacional das instituições que compõem o sistema de Educação Superior no Brasil, observando--se as transformações que vêm passando esse nível de ensino nas últimas três décadas, vinculadas à mercantilização.

Os autores Marcos Adriano Barbosa de Novaes e Maria das Dores Mendes Segundo, em seu artigo A Reforma do Estado Bra-

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sileiro e seus Desdobramentos na Privatização do Ensino Superior, partem da gênese das políticas e dos programas educacionais e do papel desempenhado pelo Estado brasileiro no contexto do projeto neoliberal, para examinar o processo de privatização pelo qual vem passando o ensino superior, transformada em mercado-ria para ser vendida à classe trabalhadora.

A pesquisa Políticas Educacionais de Acesso à Educação Pro-fissional: um Estudo acerca da Inclusão dos Jovens na Educação Profissional de 2010 a 2017, empreendido pelos autores Adriana Aparecida de Souza e Dante Henrique Moura, apresenta uma discussão sobre o acesso à educação de nível médio, partindo da análise dos documentos legais que instituíram a Educação Profis-sional no Brasil, na primeira década do século XXI.

Na terceira sessão, denominada Educação e Emancipação Humana, estão organizados os estudos que denunciam o modelo de formação (des)humana resultante das relações capitalistas de produção, ao passo que levantam a bandeira da luta por uma educação integral, a única capaz de contribuir para a formação plena do sujeito social.

Dentre os trabalhos dessa sessão, o artigo denominado de Desigualdade Social no Capitalismo: a Mercantilização do Gênero Humano, das autoras Alídia Paula Teixeira de Carvalho, Geysse Gadelha Rocha e Daniele Kelly Lima de Oliveira, trava uma dis-cussão a respeito das alterações no modo como o homem passou a produzir sua existência, a partir da divisão social em classes, com o surgimento da propriedade privada, resultando na apro-priação da mão de obra do trabalhador como uma mercadoria sempre posta à venda.

Com o estudo intitulado O Complexo Educativo, a Forma-ção do Sujeito Social Revolucionário e a Transformação Social: uma Análise Orto-Crítica, os autores Daniela Glicea Oliveira da Silva,

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Maria das Dores Mendes Segundo e José Ernandi Mendes, deba-tem sobre o papel do complexo educativo na formação do sujeito social revolucionário, bem como na transformação da sociedade, enquanto complexo que possui no trabalho dependência ontoló-gica, autonomia relativa e reciprocidade dialética, contribuindo para a legitimação da sociedade em classes ou potencializando a luta pela transformação da sociedade hodierna, assentada na exploração do trabalhador.

Realizada a apresentação dos estudos que compõem este E-book, torna-se pertinente destacar a importância desta inicia-tiva, uma vez que os artigos ora descritos são frutos de discus-sões originadas nos cursos de graduação, pós-graduação e grupos de estudo e compreendem, portanto, um conjunto de pesquisas que visam a contribuir para a continuidade dos debates que vêm sendo travados em torno da categoria Educação, objeto de inves-timento dos organismos internacionais sob o argumento da ne-cessidade de uma educação de qualidade com equidade destinada aos filhos da classe trabalhadora.

Sirneto Vicente da Silva

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TRABALHO, PRÁXIS E FORMAÇÃO HUMANA: COMPREENSÃO, SITUAÇÃO E

TRANSFORMAÇÃO

José Ernandi Mendes5

Dewmison Samuel da Rocha6

Antônio Marcos Rocha de Carvalho 7

Neste trabalho tratamos de expor nossas concepções ini-ciais em torno dos conceitos de trabalho, práxis e formação hu-mana. Enriquecida por um referencial teórico crítico, no âmbito do materialismo histórico e dialético, a reflexão que tem a pre-tensão de contribuir com o debate, sem almejar o seu esgotamen-to, apresenta-se como importante elemento desencadeador de práticas, dada a complexidade das relações que as três categorias supracitadas sugerem.

Nesta constante tentativa de exercício da reflexão, a ca-tegoria trabalho é central no debate em torno da compreensão do processo de formação humana, tanto nos aspectos históricos quanto educativos, considerando integralmente a constituição do ser humano, no sentido ontológico.

Antes, é importante assinalar que entendemos por princípio educativo do trabalho a qualidade inerente à atividade vital – primeira das formas

5 Universidade Estadual do Ceará (UECE), Doutor em Educação Brasileira. Professor Adjunto do Cen-tro de Educação (CED)/UECE. Professor do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE). E-mail: [email protected]

6 Universidade Estadual do Ceará (UECE), Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), Mestrando em Educação e Ensino pelo Mestrado Acadêmico em Educação e Ensino (MAIE), Institui-ção financiadora – CAPES. E-mail: [email protected]

7 Universidade Estadual do Ceará (UECE), Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), Mestrando em Educação e Ensino pelo Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE), Instituição financiadora – FUNCAP. E-mail: [email protected]

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de objetivação humana, operada pelo ser social em intercâmbio com a natureza para a produ-ção e reprodução da sua existência – de formar/transformar/educar, enfim, tornar o ser social enquanto tal (SOUSA JUNIOR, 2010, p. 1).

O trabalho é, portanto, uma forma de objetivação huma-na, operada pelos sujeitos em intercâmbio com a natureza para a produção e reprodução de sua existência. O fruto do trabalho dos homens tem por finalidades sociais a produção de bens para sua existência, mas quando esse trabalho é transformado em mer-cadoria a partir da época histórica do capitalismo, o trabalho é desprendido do homem e essa produção passa a ser vista como exterior ao ser, com um valor que faz com que o sujeito que a produziu não reconheça seu esforço na mercadoria.

O produto do trabalho é, em todas as condições sociais, objeto de uso, mas o produto do tra-balho só é transformado em mercadoria numa época historicamente determinada de desenvol-vimento: uma época em que o trabalho despen-dido na produção de uma coisa útil se apresenta como sua qualidade “objetiva”, isto é, como seu valor (MARX, 2011, p. 192).

Depreende-se que o conceito de trabalho no sentido onto-lógico já não é reconhecido na estrutura de uma sociedade capita-lista, pois a força criativa que o homem possui é expropriada pela venda assalariada, o que vai gerar o estranhamento e a alienação. Originalmente, o trabalho traz uma positividade que desaparece drasticamente com o sistema dominado pelo capital.

Destarte, independentemente das formas as quais a socie-dade toma na história, o trabalho constitui-se elemento essencial na formação dos homens e, portanto, no seu processo de afirma-

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ção enquanto ser social e sujeito histórico. Isto nos leva à consta-tação do trabalho como ato e elemento fundantes do ser social. Sua importância independe do período histórico experimentado pela humanidade, uma vez que não pode ser datado ou separado da ação da existência humana.

[...]O Homem não se define como tal no pró-prio ato de seu nascimento, pois nasce apenas como criatura biológica que carece se transfor-mar, se re-criar como Ser Humano. Esse ser de-verá incorporar uma natureza em tudo distinta das outras criaturas. Ao nascer não se encontra equipado nem preparado para orientar-se no processo de sua própria existência[...] (RODRI-GUES, 2001, p. 240).

A compreensão sobre a existência de diversas divisões do trabalho é de fundamental importância para o debate acerca dele. Num sentido mais amplo, poderíamos afirmar categoricamente que existem várias formas experimentadas pelo trabalho ao longo da história: comum, escravo, servidão, assalariado etc. Contudo, a questão que se pretende conhecer e debater é o seu papel na formação humana. Queremos compreender, portanto, o traba-lho como princípio formativo dos homens, ou melhor dizendo, a formação humana enquanto produto das relações sociais de pro-dução ensejada por diferentes e antagônicos sujeitos, os quais têm papéis históricos diferenciados neste processo formativo.

Embora o trabalho se apresente como forma alienante na sociedade, não só nas relações sociais capitalistas, mas também noutras manifestações históricas de relações sociais de dominação e exploração, temos a pretensão de compreender, sobretudo, o seu sentido na sociedade do capital e sua influência na formação dos homens nesta sociedade, com vistas a sua superação histórica,

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que somente é possível, mediante a superação da própria socie-dade capitalista. A formação decorrente da alienação do trabalho sofre a oposição de uma formação voltada à emancipação hu-mana, que se posiciona para além do capital, protagonizada por explorados e oprimidos que, historicamente, assumem o desafio dessa empreitada. Tanto a compreensão da alienação, quanto as possibilidades de uma práxis consciente, transformadora, são so-mente possíveis quando a sociedade passa a depender do trabalho como mercadoria. A mudança das relações sociais feudais para capitalistas implica na formação de um pensamento possível, ca-paz de compreender os processos históricos que culminam numa sociedade mais desenvolvida e contraditória.

O surgimento do novo sujeito decorre das novas relações sociais. E é a partir daí que surge uma nova consciência histórica. Os homens reconhecem que o pensamento religioso e mitoló-gico não domina mais o campo das ideias e das explicações da realidade, e passam a se perceber como sujeitos ativos das trans-formações, sujeitos da realidade e produtores da história. Isso é um marco definidor na mudança de postura frente às relações sociais. Trabalhadores questionam das suas condições existenciais e materiais de vida às relações produtivas, o que acarretam um repensar das formas de trabalho, das relações em sociedade, da ação política e do papel formativo das instituições educativas e dos sujeitos sociais.

Até aqui, vimos que muitos fatores estão associados ao tra-balho. Primeiro, compreendemos que ele é o ato fundante do ser social independente do tempo histórico desses sujeitos; segundo, que as diversas formas de trabalho, como a campesina, industrial e artística, por mais que sejam diferentes têm na ação dos sujeitos princípios formativos; terceiro, independente da condição alie-nante ou não, o trabalho, sendo a ação que funda o ser humano, necessita da práxis para orientar os sujeitos frente a uma socieda-

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de que os desumaniza. Sousa Júnior (2010), ao evidenciar a im-portância de Marx no desvendamento desta categoria no modo de produção capitalista, mostra-nos sua essencialidade e também a necessidade histórica de superá-la.

A concepção de trabalho em Marx, portanto - como de resto toda sua obra - é a superação de Hegel, Feuerbach e economia política clás-sica – fontes principais de sua formação. Sua contribuição reside, fundamentalmente, na idéia de que o trabalho é a gênese de toda a vida histórico-social e que no capitalismo ele põe a um só tempo a degradação física e moral e a possibilidade da superação do capital (SOUSA JUNIOR, 2010, p. 2).

A partir de seu processo de formação, do seu desenvolvi-mento histórico nas relações sociais, o ser humano vai moldan-do-se e definindo-se enquanto sujeito. Marx nos mostra que na forma da sociedade capitalista, o trabalho carrega na sua essência a degradação física e moral do homem, não havendo, assim, pos-sibilidade de humanização das relações sociais dentro da ordem vigente do capital, tampouco humanizar a essência do capitalis-mo. Como forma mais “avançada” da exploração dos homens, o capitalismo garante que o estranhamento dos sujeitos em suas ações de reprodução se farão de forma mais latentes possíveis. A alienação do trabalho que este sistema cria, retira poder, expro-pria conhecimento dos trabalhadores, assim como também nega a própria essência do gênero humano, materializando tudo isto em riqueza para poucos e pobreza para a maioria.

O homem só para de trabalhar quando suas forças são extin-tas. Enquanto viver, seja numa sociedade capitalista ou no devir de uma sociedade comunista, a existência humana depende do traba-

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lho. Na sociedade capitalista já são conhecidos os mecanismos do processo de produção para os trabalhadores garantirem sua sobre-vivência. Na sociedade vindoura, produto da utopia socialista, o trabalho deve tomar a forma antagônica do que seja alienação no modo de produção capitalista, ou seja, desaparece enquanto mer-cadoria e valor de troca, assumindo a plenitude do valor de uso.

As relações sociais são históricas, e assim sendo, são tam-bém históricas as formas de superação. Da mesma forma que a es-trutura feudal foi destruída, a estrutura capitalista está condenada à destruição. Os estudos de Marx sobre o funcionamento do ca-pitalismo, propiciaram a compreensão que a chave da superação dessa sociedade está na ação organizada das classes trabalhadoras, na práxis como princípio educativo da emancipação humana.

A expressão práxis refere-se, em geral, a ação, a atividade, e, no sentido que lhe atribui Marx, à atividade livre, universal, criativa e auto criativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz), e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico e a si mesmo; atividade específica ao ho-mem, que o torna basicamente diferente de todos os outros seres. Nesse sentido, o homem pode ser considerado um ser da práxis, entendida a expres-são como o conceito central do marxismo, e este como a “filosofia” (ou melhor, o “pensamento”) da “práxis” [...] (BOTTOMORE, 2012, p. 460).

A práxis é ato criativo do fazer e refazer do homem, que envolve desde o mundo em que vive, até a sua condição histórica. É importante destacarmos que a história tem peso fundamental nas análises de Marx, a práxis assim aparece como relação su-jeito-mundo, sujeito e pensamento exteriorizado na ação, que é econômica, política e cultural, a qual tem no trabalho uma das

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principais dimensões. A práxis transforma sujeitos e meio, daí sua intrínseca relação com a educação, enquanto prática formativa e autoformativa dos homens.

O termo práxis designa a atividade que produz historicamente a unidade entre o homem e o mundo, entre a matéria e o espírito, entre a te-oria e a prática, entre o sujeito e o objeto, entre a essência e a aparência. Trata-se de atividade humana e social que se manifesta e se realiza na e pela realidade. E enquanto forma especí-fica do ser humano, a práxis torna-se uma ati-vidade transformadora, criadora, auto criadora, uma atividade que produz, forma e transforma o homem social, seu meio, sua consciência e suas ações no mundo real (PIO; CARVALHO; MENDES, 2016, p. 74).

Neste sentido, emerge a fecunda contribuição de Adol-fo Sánchez Vázquez quando refere-se a quatro sentidos para a práxis, em seu célebre livro Filosofia da Práxis, de 1977: a práxis criadora; práxis reiterativa; práxis espontânea; e, práxis reflexiva. Estas diferentes dimensões que o conceito emerge, impõem que aprofundemos nossa compreensão da relação trabalho e práxis. Por exemplo, na práxis reiterativa, a qual se opera a partir da imi-tação, da repetição, se por um lado o sujeito que opera por meio do trabalho uma ação que não o transforma, uma vez que ela é eminentemente repetitiva, por outro, a prática da repetição pode consolidar aprendizados, qualificações e compreensões. Já a prá-xis espontânea pode tanto revelar acúmulos de práxis anteriores, como ausência de direção, necessárias à consecução de objetivos. O problema destas duas práxis e seus limites está quando o pró-prio sujeito não as percebe em suas limitações. Nunca é demais

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lembrar que a práxis não é um modelo ideal, mas uma constru-ção, sujeita às contradições da realidade e dos próprios sujeitos que a impulsionam.

As práxis criadora e reflexiva se põem claramente no con-fronto à alienação do modo de produção capitalista e suas formas superestruturais, que inviabilizam o desenvolvimento do poten-cial humano. A dimensão criativa da prática social pressupõe a as-sunção dos sujeitos nos processos de transformação e produção de existência. Na mesma direção, a práxis reflexiva envolve um grau elevado de consciência na atividade prática, ou seja, os indivíduos têm largos conhecimentos de sua atividade e do caráter de sua ação e com ela vislumbra as práticas de compreensão e de trans-formação da realidade. Práxis reflexiva está nas práticas educativas, políticas, culturais, associadas a construção de outras sociabilida-des relacionadas à desformarão propiciada pela estrutura de socie-dades divididas em classes, sobretudo, do sistema capitalista.

A reflexão de Vázquez (1977) nos ajuda a compreender os limites da categoria trabalho, quando apartada da categoria práxis. No nosso entendimento, a compreensão da relação entre estas duas categorias e, principalmente, a articulação delas com a prática concreta, traz dimensões que podem determinar a conti-nuação da alienação pelas formas de produção, dada a ausência da radicalidade necessária, como também podem ser determinan-tes para a superação, a partir de uma perspectiva revolucionária.

Assim, para Denise Rodinski Braga (2008),

A práxis é vista como atividade real, objetiva ou material, que age e transforma o meio. A ativi-dade material do homem transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo hu-mano. A práxis é a ação exercida pelo homem sobre um meio natural, ação esta que o trans-

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forma realmente, objetivamente, concretamen-te e materialmente para sua satisfação humana (BRAGA, 2008, p. 4340).

Essa práxis transformadora é fundamental para a emanci-pação dos homens da sociedade capitalista, portanto a superação da sociedade atual passa por uma práxis advinda de sujeitos co-letivos comprometidos com a superação dos limites postos pelo sistema e a construção da emancipação humana.

O fim da alienação dos homens no modo de produção ca-pitalista, pressupõe uma visão de mundo e uma postura indi-vidual e coletiva frente à realidade, associada a uma constante articulação da compreensão do real com a prática social, política e educativa. A emancipação humana somente é possível a partir de uma compreensão ampla da formação, da educação e das práxis.

Quanto a isso, Saviani e Duarte (2010) observam:

Ocorre que não há outra maneira de o indivíduo humano se formar e se desenvolver como ser ge-nérico senão pela dialética entre a apropriação da atividade humana objetivada no mundo da cultura (aqui entendida como tudo aquilo que o ser humano produz em termos materiais e não materiais) e a objetivação da individualidade por meio da atividade vital, isto é, do trabalho (SAVIANI; DUARTE, 2010, p. 426).

Frente à alienação do trabalho e à necessária possibilidade de superação, os indivíduos se põem frente ao desafio histórico de se apropriar do conhecimento necessário à compreensão e trans-formação da realidade, na perspectiva de uma outra formação social. A necessidade do conhecimento sistematizado se impõe, cabendo aos sujeitos sociais definirem os que são efetivamente necessários ao seu processo de emancipação, quais conhecimen-

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tos trazem a semente do novo homem e da nova mulher. Os in-divíduos deparam-se com a necessidade histórica de construção de outro projeto formativo, para além da sociedade do capital. Como podemos perceber, a práxis a é ação dos sujeitos na trans-formação das relações sociais. Daí que, embora o trabalho alie-nado traga o germe da contradição e das possibilidades de sub-levação, ele não é propriamente práxis. No sentido da formação humana, há na práxis uma ação do homem sobre o meio e sobre si, que os transformam.

A formação humana, noutras palavras, a educação no sen-tido amplo e no sentido estrito, está em meio às contradições sociais da realidade, vivenciadas pelos sujeitos, presentes nas prá-ticas de indivíduos de classes sociais diferentes e também de mes-ma classe. Daí as necessárias questões que temos que enfrentar com muita seriedade: quem educa os educadores, nesta socieda-de? Quem está formando os indivíduos e quais os objetivos da formação que propõem? Em que consiste a formação humana? Quem são os responsáveis por essa formação? Qual o lugar da es-cola, da universidade, da família, dos meios de comunicação, dos partidos políticos, dos movimentos sociais na disputa de projetos de formação?

Marilena Chauí (2003) nos ajuda a pensar a questão da formação:

O que significa exatamente formação? Antes de mais nada, como a própria palavra indica, uma relação com o tempo: é introduzir alguém ao passado de sua cultura (no sentido antropológi-co do termo, isto é, como ordem simbólica ou de relação com o ausente), é despertar alguém para as questões que esse passado engendra para o presente, e é estimular a passagem do instituí-do ao instituinte (CHAUÍ, 2003, p. 12).

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A formação nos liga ao passado através de nossa cultura, revelando e criando um indivíduo que se reconhece historica-mente como detentor de saberes, que tanto pode conhecer como veicular conhecimentos. No interior da atual forma de produção capitalista, os aparelhos estatais, como as escolas, são os respon-sáveis pela continuidade de um projeto político, econômico e ideológico de manutenção e reprodução das condições do capital, embora também sejam portadores das contradições do sistema, uma vez que os opostos interesses dos sujeitos e grupos também perpassam as instituições e o próprio Estado. Nesse sentido, a construção da formação para além dessa sociedade necessita da práxis reflexiva, que não podendo prescindir da ação, recorre im-preterivelmente à práxis política na desconstrução do trabalho como suporte da alienação, e na promoção do reconhecimento dos sujeitos como agentes históricos de transformação.

Necessitamos pensar como a formação dos indivíduos está sendo realizada a partir das objetivações humanas e como é cons-truída ao longo da história, observando seu condicionamento às premissas da realidade social e dos processos históricos, e o tanto do peso das esferas educacionais, propriamente dita, nessa forma-ção. Percebemos que existe um tipo de representação criada sobre a tarefa de educar dentro do que já está previamente dado, e não sobre a compreensão que as pessoas têm de educação e suas possi-bilidades transformadoras. Decorrente disto, a formação também fica submetida à perspectiva da sociedade industrial capitalista, na perspectiva do emprego ofertado pelo mercado, dos sonhos ime-diatos do consumo, do salário que garanta a subsistência diária, no conformismo com a sociedade desigual. Enquanto não se apre-senta um outro projeto formativo, os explorados e oprimidos da sociedade se põem rendidos à formação hegemônica, acomodados com a vida que levam e com as coisas que lhes são apresentadas,

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perdidos nos limites das medíocres ideias, da cultura de massa e das práticas do senso comum ofertadas pelo capitalismo neoliberal.

Na contramão da perspectiva alienadora, que domestica os indivíduos e os fazem agir em conformidade com os interesses dos opressores, põe-se o desafio da construção de uma educação problematizadora, libertadora, afinal a educação nunca foi nem será neutra, pois “educar é um ato político” (Freire, 1982). As-sociado ao desafio revolucionário de construção de uma outra educação, Rodrigues (2001) enfatiza:

Educar compreende acionar os meios intelec-tuais de cada educando para que ele seja capaz de assumir o pleno uso de suas potencialida-des físicas, intelectuais e morais para conduzir a continuidade de sua própria formação. Esta é uma das condições para que ele se construa como sujeito livre e independente daqueles que o estão gerando como ser humano. A Educação possibilita a cada indivíduo que adquira a capa-cidade de auto-conduzir o seu próprio processo formativo (RODRIGUES, 2001, p. 241).

A perspectiva ampliada de educação, vai além da perspecti-va mercadológica do capitalismo e da ordem por ele estabelecida. O próprio sistema oferece a contradição geradora de práticas de sua superação. Os educadores comprometidos com uma práti-ca emancipatória de construção da emancipação humana atuam nesse sentido, mediante práxis que conjuga apropriação de co-nhecimentos, atuação política de denúncia do sistema, produção coletiva de um projeto de formação e autoformação orientado para a promoção humana dos sujeitos sociais. O conhecimento tem um propósito. Por isso, que o educador Paulo Freire enfatiza o desafio de conhecer para libertar:

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A conscientização implica, pois, que ultrapas-semos a esfera espontânea de apreensão da rea-lidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição episte-mológica (FREIRE, 2006, p. 30).

A premissa da práxis transformadora é a compreensão da realidade. Os que denunciam as injustiças e desigualdades e anunciam o devir de uma outra sociabilidade que propicie o de-senvolvimento pleno de homens e mulheres, necessitam realizar esforços para conhecer e para que o conhecimento se preste a esse objetivo. Não se conhece por diletantismo, mas porque se tem a intenção de transformar a realidade. A escolha é uma constru-ção histórica em disputa e o conhecimento também é histórico e permeado de interesses políticos e econômicos. Cabe aos educa-dores, educadoras, trabalhadores, trabalhadoras, lutadores e luta-doras sociais estarem atentos e atentas a relação do conhecimento com a práxis transformadora. Os conhecimentos não são uma entidade a-histórica, precisam ser selecionados em conformidade com o projeto societário que liberte e desenvolva as potenciali-dades humanas de todos, antes comprometidas pelo sistema de opressão. Aos conhecimentos, muitas questões são elaboradas e devem ser conscientemente respondidas, como nos alerta o edu-cador Paulo Freire:

mas a gente ainda tem que perguntar em favor de que conhecer e, portanto, contra que conhe-cer; em favor de quem conhecer e contra quem conhecer. Essas perguntas que a gente se faz en-quanto educadores, ao lado do conhecimento que é sempre a educação, nos levam à confir-mação de outra obviedade que é a da natureza

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política da educação. Quer dizer, a educação en-quanto ato de conhecimento é também, por isso mesmo um ato político (FREIRE, 1982, p. 97).

Assim como educar, conhecer também é um ato político, portanto, permeado pelos interesses das classes sociais funda-mentais. Nessa disputa, cabem aos que se contrapõem à estrutura injusta e desigual do capitalismo, escolhas, decisões e posições sintonizadas com um projeto de emancipação social. Na referên-cia aos conhecimentos escolares, nos lembra Miguel Arroyo que:

O significado dos conhecimentos não vem ape-nas nem principalmente de sua aplicabilidade para a vida, mas de estar enraizados nas experiên-cias e nas mais radicais indagações da condição humana. O conhecimento tem sentido quando tenta responder, interpretar essas indagações mais radicais do ser humano vivenciadas por mestres e educandos (ARROYO, 2013, p. 121).

Num contexto neoliberal, no qual o capital avança sobre a conquista de direitos alcançada pelos trabalhadores ao longo de um século, impõem-se a educadores e educadoras enquanto dirigentes do processo educativo, que atuam dentro ou fora da es-cola, um exercício de práxis que disputa as concepções de conhe-cimento, de escola, de formação humana e de projeto societário para os que vivem do mundo do trabalho.

É sabido que o capitalismo representa um retrocesso real na degradação dos homens, uma vez que a exploração de muitos por poucos constitui-se sua essência. Entretanto, também é inerente a esse sistema, a contradição entre classes sociais que têm interesses antagônicos. Desta forma, o trabalho e a prática político-educati-va dos seres humanos, tanto podem servir ao capital, quanto ser

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engendrada na perspectiva da emancipação. Assim, a formação também é um campo de disputa, tendo dupla orientação, voltada para a preservação da estrutura social ou para a construção de su-jeitos históricos imbuídos de um projeto de emancipação huma-na. No primeiro caso, os sujeitos são educados a naturalizarem sua existência na empresa, no desemprego e na busca incessante pela sobrevivência. No segundo caso, o processo se inicia na sociedade que se quer ver superada e somente finaliza na destruição dos pila-res da estrutura social desigual e construção de outra sociabilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após os estudos e reflexões aqui realizadas, fica-nos claro que é impossível conceber os três conceitos, trabalho, práxis e formação humana, desvinculados. É evidente que estão pro-fundamente imbricados e por isso o seu entendimento torna-se imprescindível à construção de qualquer projeto formativo que almeje a emancipação humana e social.

O trabalho, ao mesmo tempo que porta na sua essência o sentido ontológico, que dá ao ser humano a condição de ser mais e mais humano, na sociedade capitalista, seu caráter de merca-doria e de alienação, acentua o processo de desumanização, de degradação dos indivíduos.

A educação, tanto no sentido amplo quanto restrito, per-meada pelas contradições de projetos de homem e de sociedade antagônicos, se apresenta como um campo em disputa, e a escola e o conhecimento, também. A formação que em última instân-cia, é educação, é o centro das lutas entre os poderes hegemônicos e contra-hegemônicos.

A práxis, a qual podemos ver sua riqueza de aspectos, inspira-da na filosofia de Marx, Vázquez e Freire, constitui-se a motivação

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para a superação da formação de uma sociedade que faz do trabalho mercadoria e, dos sujeitos, seres alienados e estranhos às atividades que realizam. Podemos perceber a força da práxis, como princípio educativo dos que enfrentam o sistema através de lutas diversas.

A formação humana que se apresenta com as características da sociedade capitalista e os germes da sociedade do devir apre-senta-se como desafio da práxis a ser construída historicamente. O primeiro dos desafios é de natureza teórico-prática, relaciona-do à busca da interação dos conceitos trabalho, educação, escola, práxis e formação humana, com o mesmo ímpeto que necessi-tamos articular teoria, prática e política. O segundo desafio, já anunciado no subtítulo deste trabalho, impõe a todos e todas que almejam uma realidade de justiça e de igualdade social, a necessária compreensão da situação da sociedade e da formação que ela ordena, para que, mediante incansável práxis, a maioria social composta de explorados e oprimidos consiga passo a pas-so construir os elementos necessários à transformação social, que possibilite a humanização de todos e todas, enfim, o banimento de todas as formas de opressão.

REFERÊNCIASARROYO, Miguel. Currículo, território em disputa. 5ª Ed. Petrópolis/RJ: Vo-zes, 2013.

BRAGA, Denise Rodinski. Conhecimento, a Práxis e a Formação Humana na perspectiva sócio-histórica em sua relação com a educação e a formação de professores -Universidade Tuiuti do Paraná.VIII CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO da PUCPR da EDUCERE e o III CONGRESSO IBERO–AMERICANO SOBRE VIOLÊNCIAS NAS ESCOLAS - CIAVE. Disponível em: http://www.pucpr.br /eventos/educere/educere2008/anais/pdf/403_446.pdf. Acesso 28 fev de 2015.

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista - 2ª Ed. Rio de janeiro Zazar. 2012.

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CHAUÍ, Marilena. A universidade pública sob nova perspectiva. Conferencia na sessão de abertura da 26 Reunião Anual da ANPED em Poços de Caldas, MG, em 5 de outubro de 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. 13ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

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MARX, Karl. O Capital - Livro I crítica da economia política. ed. 2. São Paulo. 2011.

SOUSA JUNIOR, Justino de. Princípio educativo e emancipação social - va-lidade do trabalho e pertinência da práxis. 33ª Reunião Anual da ANPED. 2010. Disponível em: http://33reuniao.anped.org.br/33encontro/app/webroot/files/file/Trabalhos%20em%20PDF/GT09-5974--Int.pdf. Acesso em 13 de set de 2018.

PIO, Paulo Martins, CARVALHO, Sandra Maria Gadelha de, MENDES, José Ernandi. Práxis e educação: reflexões para a formação e a prática docente. In: DIOGO, Ana Paula S. MONTEIRO, Diana Pio, ASSUNÇÃO, Ozélia H. G. FALCÃO, Rafaela de Oliveira (Orgs.). Trajetórias e Identidades: saberes docen-tes e práticas de ensino na promoção da autonomia. Fortaleza: IPDH, 2016.

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SAVIANI, Dermeval. DUARTE, Newton. A Formação humana na perspectiva histórico – ontológica. Revista Brasileira de Educação. V. 15. n. 45. Set, dez. 2010.

VAZQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977.

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EDUCAÇÃO SOCIAL: UMA ABORDAGEM PARA O TRABALHO DE SUPERAÇÃO DA

POBREZA NO SEMIÁRIDO

Maria Ivanilde Fidelis Damasceno Rabelo8

Maria Dolores de Brito Mota 9

Tania Maria Lima10

INTRODUÇÃOEste trabalho foi constituído ao longo do processo de for-

mação lato senso: Especialização em Educação, Pobreza e Desi-gualdade Social - EPDS, pela Universidade Federal do Ceará - UFC, em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), centrada no de-bate e reflexão sobre os processos de educação envolvendo sujeitos que vivenciam a pobreza em algum nível ou a pobreza extrema.

Nesse contexto, é preciso reivindicar a adoção de um pro-cesso educativo participativo popular em escolas nas quais aja ci-dadãos e cidadãs com formação humana, fraterna e libertadora da opressão e da pobreza, e não apenas meros profissionais inseridos na sociedade com uma função.

Esse estudo propõe mostrar a visão moralista relacionada à pobreza e como essa postura distorce a compreensão real da

8 E-mail: [email protected] e lattes: http://lattes.cnpq.br/3967802403979115, Formada em Saneamento Ambiental pelo Campus IFCE – Limoeiro do Norte; Especialista do Curso Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela Universidade Federal do Ceará – UFC.

9 E-mail: [email protected] e lattes: http://lattes.cnpq.br/9262063602399799, Doutora em Sociologia, profes-sora do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará, realiza estudos na área de gênero, corpo, violência e moda, organizou com outras autoras o livro Linhas da Moda e é coautora de Feminicídio e Feminino; organizadora de Mulheres,Violências e Faminicídio: Práticas discursivas e políticas públicas.

10 E-mail: [email protected] e lattes http://lattes.cnpq.br/8460340047468567, Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade Social pela Universidade Federal do Ceará – UFC, Mestranda do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino – MAIE pela Faculdade Dom Aureliano Matos – FAFIDAM.

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existência do ser humano, que luta pela vida dignamente. Nesse sentido, compreender a presença da pobreza nas diversas realida-des é a primeira iniciativa para ir à luta em busca de direitos. A ausência de conhecimentos pelo não acesso à educação reflete a dificuldade de muitas pessoas no que se refere a pensar a realidade local e comunitária, como também a inércia na intervenção de organizações e militâncias.

A educação contextualizada no Semiárido contribui para que as intervenções locais sejam trabalhadas através de organi-zações comunitárias, movimentos e grupos, promovendo mo-bilizações e articulações que favoreçam a conquista de políticas públicas que valorizem a cultura do campo.

POBREZA: VISÕES DIVERSAS

A visão moralista relacionada à pobreza distorce a com-preensão da existência de um ser humano capaz de sonhar, que luta pela vida de forma digna e busca direitos basilares a um viver com justiça. Compreender a pobreza nas diversas refrações é o primeiro passo em busca de direitos, uma vez que o não acesso à educação faz com que as pessoas desconheçam a sua realidade local e comunitária, negando a si mesmas possibilidades educa-cionais que as preparem para uma intervenção política a partir da organização e da militância. Como bem destaca Leão Rego e Pinzani (2015, p. 1):

Convém pontuar que a pobreza leva à falta de instrução, uma vez que as crianças são obrigadas a deixar a escola para trabalhar e ajudar a famí-lia, enquanto a falta de instrução perpetua a po-breza, pois, sem instrução e qualificação, não há como entrar no mundo do trabalho e sair dessa

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condição. A exclusão econômica resulta, por sua vez, em exclusão social e política, visto que os (as) pobres passam a viver à margem da socie-dade, com pouca capacidade de se organizarem para fazer com que suas vozes sejam ouvidas.

A partir dessa reflexão é importante reconhecer que a po-breza, sob o pretexto da moralização social, é utilizada pelos grupos dominantes para perpetuar sua manutenção no poder, conquanto governos e elites se beneficiam dessa condição em face de situações opressoras as quais é submetida a população, impedindo-a, muitas vezes, de reconhecer tal exploração e lutar por seus direitos.

Comunidades inteiras tornam-se instrumentos ideológicos de campanhas para angariar votos para partidos políticos que só buscam suprir os interesses particulares de uma minoria, como destaca Darcy Ribeiro (1986, p.7):

A eficácia total, entretanto, eficácia diante da qual devemos nos declinar – aquela que é real-mente o grande feito que nós, brasileiros, pode-mos ostentar diante do mundo como único – é a façanha educacional da nossa classe dominante. Esta é realmente extraordinária! E por isto é que eu não concordo com aqueles que, olhando a educação desde outra perspectiva, falam de fra-casso brasileiro no esforço por universalizar o ensino. Eu acho que não houve fracasso algum nesta matéria, mesmo porque o principal requi-sito de sobrevivência e de hegemonia da classe dominante que temos era precisamente manter o povo chucro. Um povo chucro, neste mundo que generaliza tonta e alegremente a educação, é, sem dúvida, fenomenal. Mantido ignorante,

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ele não estará capacitado a eleger seus dirigentes com riscos inadmissíveis de populismo dema-gógico. Perpetua-se, em conseqüência, a sábia tutela que a elite educada, ilustrada, elegante, bonita, exerce paternalmente sobre as massas ig-noradas. Tutela cada vez mais necessária porque, com o progresso das comunicações, aumentam dia-a-dia os riscos do nosso povo se ver atraído ao engodo comunista ou fascista, ou trabalhista, ou sindical, ou outro. Assim se vê o equívoco em que recai quem trata como fracasso do Brasil em educar seu povo o que de fato foi uma façanha.

A educação é uma das ferramentas eficazes para quebrar preconceitos e combater injustiças, principalmente se associada à organização comunitária por meio de ações diretas junto às as-sociações e escolas. Igualmente importante é a articulação com o movimento de mulheres, de jovens estudantes, de um corpo do-cente preparado e comprometido com a educação popular, com ênfase nos aspectos local e comunitário.

O círculo vicioso da exclusão social corre nas “veias” do preconceito e da desigualdade e caracteriza a condição de po-breza em que estão submetidos muitos brasileiros, uma vez que o Estado lhes tem negado direitos sociais, econômicos, políticos e ambientais. Como nos diz Lemos (2008, p. 66) em referên-cia ao Human Development Report, 1997, a “pobreza significa a negação das oportunidades de escolhas mais elementares para o desenvolvimento humano”, quais sejam: educação, moradia, alimentação, saúde etc. A esse respeito, destaca que

O conceito de pobreza envolve uma forte com-ponente de subjetividade e até de ideologia. Assim, numa perspectiva de interpretação neo-

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clássica, a pobreza é considerada uma condição ou estágio na vida de um indivíduo ou de uma família. Pobreza se refere a uma posição passível de quantificação determinada pela posição rela-tiva do indivíduo ou da família, no que se refere à posse e ao acesso de bens, serviços e, em últi-ma instância, à riqueza (LEMOS, 2008, p. 67).

Nesse contexto, a pobreza está relacionada à economia po-lítica, na qual grupos competem entre si pelos meios de produção e, assim, assumem o controle dos bens produzidos e, consequen-temente, ditam padrões de vida, de renda e de riqueza.

Cabe aqui ressaltar que a pobreza encerra uma série de vi-sões moralistas. Assim, parecem existir “facetas que não se dei-xam compreender facilmente”, no dizer de Leão Rego e Pinzani (2015, p.18). Nesse entendimento, ainda destacam:

A própria definição da pobreza com base na renda representa, em certo sentido, um ato ar-bitrário. Vejamos, por exemplo, no caso do Bra-sil, o estabelecimento por parte do governo da linha que separa pobreza – renda mensal per ca-pita de até R$ 154 – e pobreza extrema –renda mensal de até R$ 77 por pessoa. É difícil dizer que quem recebe R$ 80 encontra-se em situa-ção melhor que quem recebe só R$ 77, assim como é complicado afirmar que quem recebe R$ 160 não seria pobre. Da mesma maneira, a presença ou a ausência de políticas públicas específicas e de serviços públicos afetam profun-damente a vida das camadas mais vulneráveis da população (REGO E PINZANI, 2015, p. 18).

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Com base nessa reflexão, faz-se importante compreender que a pobreza não diz respeito unicamente à renda das pessoas, mas está inserida também como fruto da divisão da sociedade em classes, onde as relações de exploração e dominação pela classe do-minante submetem a classe oprimida a um precário acesso aos di-reitos essenciais, não lhes favorecendo uma condição digna de vida.

EDUCAÇÃO, CIDADANIA E DIREITOS HUMANOSCom frequência é ensinada para crianças e jovens uma

educação tecnicista que visa, sobretudo, à geração de lucro e a competitividade, negligenciando aspectos humanos importantes como os sentimentos e os valores éticos, necessários a uma for-mação cidadã. Como bem marca Leão Rego e Pinzani: “Enfim, a educação como formadora de identidade e de subjetividade - em prol de uma mera formação profissional e tecnicista cuja prin-cipal preocupação é a de gerar lucro, não de formar cidadãs e cidadãos” (REGO e PINZANI, 2015, p. 35).

Em meio a tantas formas de violações de direitos em nos-sa sociedade, é preciso ressaltar uma reflexão sobre a educação contextualizada, trazida pela Articulação Semiárido Brasileiro – ASA, no Encontro Nacional de Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido11, que versa sobre a importância de se construir e fortalecer uma educação que seja libertadora e efe-tiva. Destacam-se as reflexões de educadores/populares de escolas beneficiadas com o Programa Cisterna nas Escolas, na garantia ao acesso à água de qualidade, retratando a metodologia pensada por Paulo Freire, qual seja, a necessidade de relacionar a realidade local com a educação vivenciada. Nesse contexto, destaca-se o seguinte:

11 Disponível em: < http://www.asabrasil.org.br/images/UserFiles/File/tese_Convivencia_semiarido _Roberto _Marinho.pdf. Acesso em: 12/10/2016.

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Educação do Semiárido é outro projeto de Semiárido, é outro projeto de campo, é outro projeto de sociedade. Só lutar por outro projeto de Semiárido sem pensar um outro projeto de sociedade é pensar pequeno, pois se queremos alargar a nossa concepção de educação contex-tualizada não pode ser para que fique fechada neste contexto, ao contrário, colocar este con-texto em outro projeto de campo que sirva para a dignidade do bem viver12.

A fala do pedagogo baseou-se em três palavras principais: vida, cultura e semiárido13. Para ele, a escola hoje não fala de aspectos importantes da vida, mas tão somente do processo ensi-no-aprendizagem. Além disso, Arroyo (2016) explica que “a es-cola está muito centrada no conhecimento e menos na cultura, e o direito à cultura é muito mais radical do que o direito ao conhecimento. 80% dos conteúdos dos currículos são de saberes inúteis. E um saber que não ajuda a entender-me para que me serve?”14 A partir desse ponto de vista, é possível concluir que os direitos humanos serão valorizados a partir do pensamento crí-tico e dos conhecimentos compartilhados. Assim, a coletividade mudará o contexto de desigualdade social, favorecendo a efetiva-ção de todos os direitos, em especial, a liberdade, a igualdade e a fraternidade.

Como está definido na Constituição Federal de 1988, art. 205, “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,

12 MACEDO, E. Educação contextualizada é um novo projeto do Semiárido. Disponível em <http://www.asabrasil.org.br/noticias?artigo_id=9818> . Acesso em: 15/09/2016.

13 Semiárido Brasileiro pode ser definido como amplo espaço geográfico, em grande parte localizado no interior da região Nordeste e onde os déficits hídricos impõem limites importantes para as ativi-dades agrícolas convencionais. (Fonte:Tecnologias apropriadas para terras secas. Fundação Konrad (Adenauer, 2006, p. 23-24).

14 IBIDEM. Acesso em: 15/09/2016.

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visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Por sua vez, Gomes (2012, p. 688) destaca que não se educa “para alguma coisa”, educa-se porque a educação é um direito e, como tal, deve ser garantido de forma igualitária, equânime e justa, sendo fun-damental que a educação tenha uma harmonia entre aprender fa-zendo e entender o meio em que se vive como forma de exercício da cidadania entre os seres humanos, pois “o foco central são os sujeitos sociais, entendidos como cidadãos e sujeitos de direitos”.

Essa interpretação tem sido adensada do ponto de vista político e epistemológico pelos movimentos sociais ao enfatizarem que os sujeitos de direitos são também diversos em raça, etnia, credo, gêne-ro, orientação sexual e idade, entre outros. En-fatizam, também, que essa diversidade tem sido tratada de forma desigual e discriminatória ao longo dos séculos e ainda não foi devidamente equacionada pelas políticas do Estado, pelas es-colas e seus currículos. (GOMES, 2012, p. 688).

Na região do Semiárido não se aprende e nem se amplia o conhecimento sobre o contexto em que se vive, nem mesmo sobre os modos de vida daquela região. Famílias que vivem no campo não encontram perspectivas de desenvolver suas capaci-dades, por entenderem apenas que essa é uma região seca, sem água, que não produz nada, tornando, assim, a agricultura uma atividade desvalorizada por falta de conhecimento e de uma edu-cação que revigore e desenvolva alternativas de convivência com o Semiárido.

Entende-se que, ao longo das décadas, a região semiárida foi desvalorizada produtiva e economicamente por considerar-se somente a existência da escassez, definindo-se essa região como

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‘atrasada’. Contudo, é fundamental compreender o contexto am-biental e cultural da região para encontrar uma diversidade de atividades que podem ser percebidas na convivência com a seca e programar tecnologias que desenvolvam atividades simplificadas de geração de renda.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente estudo baseou-se em pesquisas de referências bi-bliográficas moduladas dos autores ARROYO (2015), LEÃO, R. W; PINZANI (2015), MENDONÇA (2015), LEITE (2015), utilizadas na fundamentação das disciplinas do curso de Espe-cialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS) como uma alternativa de transformação do pensamento crítico. Além das atividades reflexão-ação, portfólios, fóruns, aulas e en-contros presenciais, que foram imprescindíveis para o embasa-mento teórico na construção do trabalho sistematizado.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A educação contextualizada, aplicada ao Semiárido, con-tribui para que as intervenções locais sejam trabalhadas junto a organizações comunitárias, movimentos sociais e grupos de arti-culações na conquista de políticas públicas que valorizem a cul-tura do campo. É importante que as crianças e jovens sejam inse-ridos desde cedo no contexto de um ensino público participativo e de qualidade, visando uma maior integração com a natureza e com a região onde moram, para que compreendam a vivência no campo e sua relação com a geração de renda, baseada nos valores imateriais da igualdade, fraternidade e liberdade, respeitando sua cultura, etnia, raça, gênero, origem.

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Por outro lado, educação e cidadania são pilares para a construção de saberes pautados no desenvolvimento de tecno-logias alternativas que promovam a valorização regional e o en-frentamento da pobreza no Semiárido. Faz-se necessário, nesse processo, o respeito e a adoção de políticas públicas para homens, mulheres, jovens e crianças que possam desenvolver “ações e in-tervenções capazes de criar sustentabilidade socioeconômica por parte da população rural” (CARVALHO, 2011, p. 56). Além disso, a educação deve contribuir no processo de mobilização, organização e participação para uma inclusão social, cultural, econômica e ambiental.

A Comissão Municipal pela Vida no Semiárido15 foi criada em 2001, no Município de Ibicuitinga, Sertão Central cearense, cujo objetivo era a articulação de pessoas de diferentes distritos para um comum debate sobre a vida no Semiárido, com direcio-namento específico para a questão da água. Naquele momento, pretendia-se formar uma organização popular para trabalhar os objetivos com foco no Estado e nas políticas públicas de convi-vência com o Semiárido.

A organização constituiu-se basicamente de agricultores e agricultoras comunitárias, com a parceria de sindicatos, igrejas, a Congregação das Filhas da Caridade do Sagrado Coração de Je-sus16 e a Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte, que através de mobilizações sociais, busca uma formação política para o exercício da cidadania, aliada ao conhecimento de políticas públicas volta-das para a convivência no Semiárido entre as comunidades rurais e instituições sociais e públicas do Município de Ibicuitinga. Além 15 Projeto Orçamento Criança e Adolescente do Município de Ibicuitinga – Ce, (criado em 2005),

surgiu a partir dessa articulação, pois foi um grupo de Mobilização e Formação para Articulação de Políticas Públicas do município, cuja organização foi estudar e analisar o Orçamento Público, visan-do a participação popular e a efetivação dos direitos de toda a comunidade, em especial os direitos de crianças e adolescentes. Tínhamos a parceria com a Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte e o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará - CEDECA.

16 Foram as pioneiras na mobilização e articulação local para o surgimento dessa Comissão Municipal pela Vida no Semiárido.

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de formação política, visa fortalecer o movimento popular por meio de associações, conselhos e grupos locais, para atuar nas dis-cussões sociais e ambientais e viabilizar direitos para a garantia de renda e de recursos hídricos de qualidade para toda a comunidade.

A proposta de reorganização da Comissão Municipal pela Vida no Semiárido da cidade de Ibicuitinga, no Ceará, é um in-centivo para a mobilização das famílias agricultoras e sua partici-pação ativa nos debates e atividades de fiscalização das Políticas Públicas de Agricultura Familiar.

Atualmente, essa comissão está desarticulada e precisando se fortalecer e rearticular forças entre as comunidades rurais de Ibicuitinga e a sociedade civil da Região do Sertão Central e do Vale do Jaguaribe para a obtenção de conquistas sociais através de projetos que lutem pelo direito à vida digna, garantindo recursos que possam gerar renda e promover autonomia econômica e, in-clusive, política.

A economia da cidade está assentada basicamente na agri-cultura. Muitas famílias retiram sua subsistência da terra, numa conjuntura tal de subordinação em que as terras produtivas per-tencem à famílias latifundiárias que dominam a região e explo-ram a mão de obra de trabalhadores. Estes vendem sua força de trabalho, produzem e geram riquezas para o proprietário, ficando com uma pequena parte da produção para seu sustento e de sua família. Também há aqueles que possuem cargos na administra-ção municipal, outro meio de trabalho que tem dificultado – e muito – a intervenção política e a autonomia das pessoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo do EPDS permi-tiu uma análise mais aprofundada da pobreza, relacionando-a ao processo de educação contextualizada, além da oportunidade de

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desenvolver trabalhos de campo e sistematizações dissertativas para obter dados mais consistentes sobre as diversas compreen-sões e visões moralistas dentro do trinômio Educação, Pobreza e Desigualdade Social.

De um modo geral, a educação é uma das ferramentas que proporciona grandes mudanças na vida das pessoas, como seres ativos e participativos da sociedade, além de ser fundamental para estruturar o pensamento crítico e transformador no exercício da cidadania e na luta por direitos igualitários em uma sociedade democrática. Especificamente, é preciso que haja mudanças nas bases curriculares de todas as escolas, trazendo entendimentos para o dia a dia que permitam compreender o que é pobreza e desigualdade social.

O estudo em Educação, Pobreza e Desigualdade Social – EPDS incentivou uma ação com base na educação contextualiza-da, que tornou possível colocar em prática um projeto de inter-venção como alternativa de mobilização de famílias agricultoras, permitindo-as participarem de um Fórum Municipal de Convi-vência com o Semiárido para debater e fiscalizar políticas públicas relacionadas à agricultura familiar.

Entende-se que debater sobre pobreza é pensar na perspec-tiva de mudança e superação de uma caminhada histórica marca-da por desigualdades. Com a EPDS é perceptível que a educação deve ocorrer para além dos muros das escolas, estendendo-se para toda a comunidade. Dessa forma, a ideia do projeto de interven-ção coloca em debate uma educação contextualizada a ser vivida no Semiárido na luta por uma convivência harmoniosa e justa, como bem ensina Paulo Freire (1979, p.16): “Quando o homem compreende a sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desa-fio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e o seu trabalho pode criar um mundo próprio, seu Eu e as suas circunstâncias”.

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EDUCAÇÃO, ESCOLA E MÍDIAS: ESPAÇO PARA CIRCULAÇÃO DAS MERCADORIAS DA

INDÚSTRIA CULTURAL

Jefferson Nogueira Lopes17 Jaques Luis Casagrande18

INTRODUÇÃO

Este artigo é uma reflexão sobre a influência da cultura pro-duzida e veiculada pela Indústria Cultural elaborada a partir do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) defendido na Licencia-tura em Educação Física no IFCE Campus Limoeiro do Norte. A ideia da pesquisa surgiu por ocasião do nosso estágio relativo à disciplina de Estágio III, realizado no segmento escolar que aten-dia alunos do 6º ao 9º ano da Escola Básica, onde foi possível identificar a espontaneidade na expressão corporal dos alunos, os quais – em horários de aulas de Educação Física e/ou intervalos – reproduziam e apresentavam gestuais e movimentos rítmicos pre-sentes nos conteúdos musicais veiculados pelas mídias de massa.

Nesta perspectiva, foi possível observar que aparentemente estes canais midiáticos (rádio, TV, Internet e outros) vêm influen-ciando estes adolescentes a consumirem produtos musicais con-cebidos pela chamada Indústria Cultural e, conforme o estímulo que se faz presente no cotidiano escolar desses alunos, desenca-

17 Graduado em Licenciatura em Educação Física pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-nologia do Ceará – IFCE (Campus Limoeiro do Norte). Membro do Grupo de Estudos - Capitalismo e Teorias Críticas (CATE)/FAFIDAM/UECE. Integrante do Grupo de Estudos Nucorpos – IFCE campus Limoeiro do Norte. Pós graduando em didáticas e praticas de ensino- Estácio/Uniq.

18 Graduado em Licenciatura plena em Educação Física pela UFSC. Mestre em Educação pela UFC. Atualmente é professor efetivo do curso de Licenciatura em Educação Física - IFCE (Campus Li-moeiro do Norte).

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deia um gestual, coreografia ou movimentos inspirados em letras de músicas interpretadas por artistas que estão em evidência, e que em percentual significativo exibem letras cujo tema explo-ram o sexo banalizado, o consumo de substâncias ilegais, além de estímulos a comportamentos preconceituosos e machistas. Esta possível vulnerabilidade poética possibilita que tais produtos cul-turais em circulação sejam consumidos sem uma reflexão sobre o teor da obra em si.

A busca pela música é uma intenção comum dentro da sociedade. Com o avanço das tecnologias, o acesso a estas pro-duções musicais “construídas” pela Indústria Cultural se torna uma ação facilitada, principalmente por jovens em idade escolar, que, ao adentrarem a estas plataformas que disponibilizam re-pertórios musicais, usualmente tem acesso a músicas que estão em evidência naquele momento e que, via de regra, fazem parte das produções em que as letras, bem como os ritmos e melodias ao gosto contemporâneo, moldado por uma estética simplória, própria aos padrões produzidos e massificados por esses meios, encontram terreno fértil para uma audição compulsória e irrefle-tida, típica ao senso comum.

Ao considerarmos este quadro sócio artístico aqui delinea-do, levantamos o seguinte questionamento: supondo que os alu-nos possuem acesso aos canais midiáticos musicais e que estes provavelmente oferecem em sua maioria músicas aqui referidas, quais os impactos deste fenômeno na expressão corporal destes jovens em processo de formação e escolarização? Esta indagação nos conduziu a averiguar a possível influência exercida pela In-dústria Cultural quanto às produções musicais, na expressão cor-poral dos alunos do ensino fundamental, a partir da observação e análise dos estilos musicais mais apreciados por estes alunos, a fim de relacioná-los com as expressões corporais reproduzidas no

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ambiente escolar. Caracterizar os tipos de expressões observadas quanto à similaridade com as coreografias musicais dos seus ar-tistas preferidos e investigar quais são os veículos midiáticos utili-zados pelos alunos para o consumo de produtos musicais (vídeo/áudio), constituiu nosso universo de pesquisa.

Nesses termos, consideramos a relevância social deste es-tudo por buscar compreender a formação cultural de alunos do ensino fundamental, dada a inserção das mídias de massa no am-biente escolar e suas consequências para a formação geral do edu-cando. Partimos da premissa de que, no contexto da sociedade capitalista, a Indústria Cultural compõe-se como uma das estra-tégias do capital para formar indivíduos a se adaptarem às dife-rentes formas de reprodução do capital. Assim, essas mídias, que também se instalam no ambiente escolar, tornam-se uma barreira para a formação de uma consciência crítica e emancipatória.

A INDÚSTRIA CULTURAL: A CULTURA COMO MER-CADORIA

O Instituto de Pesquisa Social, criado em 03 de fevereiro de 1923 na Alemanha, que ficou também conhecido como Escola de Frankfurt, foi um espaço de formação de estudos filosóficos, sociológicos e psicológicos com o objetivo de compreender e de-senvolver uma teoria crítica, para a análise do processo de indus-trialização que levou a cultura, como expressão poética de visões de mundo, a um patamar de esvaziamento de seu sentido, por ser reproduzida em massa e trazer, com isso, consequências uti-litárias que intencionalmente pautaram determinadas formas de fruição. Nesse âmbito, a alienação como consequência da divisão social do trabalho advinda do modo capitalista de produção está no centro da preocupação da referida Escola, na medida em que

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se preocupam com a massificação da cultura como processo de alienação e sua influência nos processos formativos do indivíduo moderno.

O grupo de estudiosos de maior influência do Instituto de Pesquisa Social era composto por Max Horkheimer, Theo-dor Adorno, Walter Benjamin, Hebert Marcuse, Erich Fromm e Friedrich Pollock, formando assim uma equipe multidisciplinar, o que possibilitou uma gama de estudos em diferentes áreas do conhecimento (arte, cultura, filosofia, sociologia, política, econo-mia), além da compreensão de outras teorias sociais.

Ao exilarem-se nos Estados Unidos da América em decor-rência da perseguição nazista, Adorno e Horkheimer puderam vivenciar todo avanço tecnológico e industrial daquele país e seus fortes aspectos de produção capitalista, atentando-se para o fenô-meno da produção cultural a se adequar ao mercado para suprir as massas nos momentos de lazer.

Neste sentido, em sua obra Dialética do Esclarecimento (1947), cunham a expressão Indústria Cultural para contrapor outra expressão que entendiam como deturpada: Cultura de Massas. Os estudos realizados pela escola de Frankfurt permi-tiram que os teóricos Adorno e Horkheimer designassem com a expressão Indústria Cultural a produção de cultura como mer-cadorias propiciadas a suprir a necessidades de lazer dos indiví-duos, em outras palavras a Indústria Cultural seria a produtora de mercadorias voltadas ao entretenimento (cinema, rádio, livros, revistas, música, entre outros).

Essa designação, cunhada pelos autores frankfurtianos ci-tados acima, aparece pela primeira vez na obra intitulada Dialé-tica do Esclarecimento, publicada em 1947. Baseado em Ador-no, Moreira (2003, p. 1229) afirma que a Indústria Cultural é a “crítica adorniana da universalização do princípio da mercadoria,

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que toma posse do âmbito da cultura, de sua análise da indústria da cultura como estetização da realidade, e da fetichização dos produtos culturais.” A cultura torna-se mercadoria na medida em que seu processo produtivo industrializado passa pela divi-são social do trabalho, resultando em um produto massificado, a ser consumido como objeto de lazer. Desse modo, realiza-se o consumo alienado, em que desaparece o sentido da obra como expressão de uma linguagem a ser apreendida (fruída) pelo sujei-to que a aprecia e lhe atribui um sentido, o que seria próprio da capacidade formativa da arte e da cultura como formação eman-cipatória do sujeito apreciado.

Ao se realizar como objeto para o consumo, o produto cul-tural toma sua forma reificada e fetichizada, a esconder os objeti-vos para a qual foi planejada e o modo como foi produzida a fim de cumprir sua intencionalidade apenas para realizar seu valor de troca. Nessa dinâmica de produção cultural para o mercado, esvazia-se a cultura de sua potencialidade transformadora por, assim, impossibilitar ao sujeito a apropriação do conhecimento transmitido pela estética de toda obra e sua expressão e lingua-gem criadora.

Em se tratando das culturas, o termo Indústria Cultural “viria contrapor o conceito cultura de massa, por tratar de um fe-nômeno distinto quanto a sua natureza.” (COSTA, 2013, p. 135, grifo do autor). Para promover essa diferenciação entre Indústria Cultural e Cultura de massa, Adorno e Horkheimer preferiram “[...] usar a expressão ‘indústria cultural’, para evitar a confusão com uma arte que surgisse espontaneamente no meio popular, que é algo bastante diferente.” (FREITAS, 2008 apud COSTA, 2013, p. 135, grifo do autor).

Referente a esse meio popular, é importante ressaltar que, para os autores da Teoria Crítica, a arte popular distingue-se da

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Indústria Cultural: “enquanto a cultura popular teria um caráter mais espontâneo e nasceria internamente, numa dada comuni-dade, a indústria cultural constitui uma manifestação maquinal produzida exteriormente.” (COSTA, 2013, p.135).

Diante dessa influência externa, Costa (2013) afirma que a Indústria Cultural é advinda da expansão do capitalismo dian-te da cultura, apesar de o domínio industrial não ser extensão somente no âmbito do lazer, mas, em diversas áreas como a da saúde, estética, entre outros, em que o objetivo principal é a pro-dução e a circulação de mercadorias.

Perante essa industrialização mercantilista tais ações de mercado podem ser identificadas diante da seguinte afirmação:

[...] a heteronomia cultural; a transformação da arte em mercadoria; a hierarquização das qualidades; a incorporação de novos suportes de comunicação pelos setores que já detinham os meios de reprodução simbólica; o caráter de montagem dos produtos; a capacidade destes em prescrever a reação dos receptores; a repro-dução técnica comprometendo a autenticidade da arte; o consumidor passivo; a falsa identi-dade entre o universal e o particular; a técnica como ideologia; o ‘novo’ como manifesto do imediato; e a fraqueza do ‘eu’ apontam para a continuidade da administração da cultura. (COSTA, 2001, p. 110, grifos do autor).

Partindo ainda das estratégias mercantilistas, Freitas (2005) apud Costa (2013) afirma que a Indústria Cultural divulga para o mercado produtos que representam as ações dos consumidores, por isso, quando se pretende lançar algo novo para o consumidor, há todo um conjunto de estratégias acerca deste, a fim de obter

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os resultados lucrativos em torno de um público específico. Desse modo, não se produz um determinado produto, seja ele artísti-co, cultural ou tecnológico de forma aleatória, já que existe toda uma programação estratégica para uma nova produção. “Não há puramente uma questão de autonomia, mas um jogo entre quem sabe as regras e quem não as conhece (ou não quer conhecer).” (COSTA, 2013, p. 138).

A Indústria Cultural objetiva que seus produtos sejam dis-seminados para a grande massa populacional. Quanto mais pes-soas tiverem acesso a determinadas músicas, maiores os lucros que este produto musical pode render aos produtores industriais, seja pela venda de CDse DVDs, shows, vídeoclipes ou até outros produtos mesmo que não sejam do âmbito musical (revistas, pôs-teres, roupas, livros, cadernos, todos estes portando imagens ou trechos de determinadas músicas). Percebem-se os impactos da Indústria Cultural nas produções musicais, o que leva a música a passar por mudanças no decorrer dos anos.

Essas mudanças vão desde o modo de produção, até a di-vulgação e distribuição do produto musical (BITTENCOURT E DOMINGUES, 2016). Na atualidade encontra-se uma nova configuração de mercado musical onde estão em evidência as apresentações ao vivo veiculadas pelas redes sociais e as audições de músicas por plataformas audiovisuais (HERSCHMANN, 2010 apud BITTENCOURT E DOMINGUES, 2016).

Há de se questionar não somente a evolução tecnológica que permite a expansão da música e as estratégias mercantilistas em torno desta, mas também o conteúdo apresentado por parte das músicas veiculadas pelas mídias, sobretudo para o acesso de grandes massas da população. O conteúdo que compõe as letras de determinadas músicas encontradas no mercado é constituído de refrãos facilmente memorizáveis, melodias pouco complexas,

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composta por poucas notas, estrofes e versos que tratam a respeito da erotização, do consumo de drogas lícitas e ilícitas, violência, machismo, entre outros aspectos que podem contribuir de forma negativa para o desenvolvimento social e intelectual do indiví-duo, uma vez que enaltecem essas proposições já disseminadas no cotidiano pelo senso comum. Sendo assim, Costa (2013, p.145) vem contribuir com a discussão quando afirma: “(...) não é outra coisa senão uma produção industrial, metaforicamente à maneira de uma indústria que produz uma série de canetas esferográficas.”.

Seguindo este raciocínio, o autor ainda acrescenta ao de-bate que esta produção industrial não passa de uma produção repetitiva, em que a estética do produto altera-se, mas a sua es-sência permanece intacta, e “(...) ressurgem ciclicamente como invariantes fixos, mas o conteúdo específico do espetáculo é ele próprio derivado deles e só varia na aparência.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985 apud COSTA, 2013, p.145).

Neste sentido nascem as “músicas de sucesso” constituídas de repetitivos conteúdos que tratam de situações massificadas e populares: amor, sexo, bebidas, ostentação, temáticas estas que podemos observar em filmes, novelas, seriados, entre outros. Pe-rante as produções culturais, Adorno contribui com suas teorias críticas no ramo artístico cultural. Neste sentido, Zuin & Zuin (2017) apontam que o autor frankfurtiano, além do trabalho in-telectual, tinha uma formação musical, sendo presente nas suas obras reflexões em relação à estética musical. Câmara e Francis-catti (2016) apontam que os estudos de Adorno no ramo artístico não estavam desligados da sua teoria crítica. Esta crítica de Ador-no perante a música pode ser elucidada a seguir:

Em Adorno, o capitalismo já se encarregou de transformar tanto Mozart quanto Aviões do Forró em mercadorias; por fim, a indústria cul-

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tural no atual estágio de acumulação capitalista não é uma produção de base fordista, mas, de fato, flexível (toyotista). Logo, a diferenciação é sua marca: diferenciação sempre indiferenciada, mas existente. (COSTA, 2013, p. 149).

A INDÚSTRIA CULTURAL E A ESCOLA

A escola, por sua vocação no contexto da sociedade moder-na, assume o lugar institucional destinado à democratização do conhecimento, assim espera-se dela, ser um espaço de transmis-são do conhecimento para atender a demanda social e econômica guiadas pela funcionalidade da ordem estabelecida – a sociedade capitalista. Ao mesmo tempo, acredita-se ser também um espaço para a transformação e de enriquecimento humano proporciona-do pelo acesso ao saber acumulado pela humanidade ao longo da história, destinando-se assim à formação social e intelectual do indivíduo. Assim caracterizada, a escola é uma instituição com capacidade de agregar inúmeros contingentes populacionais, principalmente nas fases iniciais da vida, e não deixa de ser um ambiente propício para a instalação, perpetuação e legitimação de produtos disseminados pela Indústria Cultural.

De forma paradoxal, a escola, que é vista como a institui-ção capaz de emancipar e possibilitar formações reflexivas sobre o viver dos indivíduos, pode em seu projeto pedagógico ter este sentido emancipatório desviado, e até contribuir para que em seus domínios se instalem as estratégias capitalistas de consumo, que sorrateiramente adentram a este meio educacional, contribuindo para o processo que Adorno (1996) denominou como semiforma-ção. Vale ressaltar que esta semiformação não acontece de forma exclusiva no ambiente escolar, assim como ela pode ser promovida em diversas outras instituições entre classes sociais distintas.

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A partir desta semiformação, promovida pela Indústria cul-tural, podemos considerar que a instrução escolar pode, de forma ambígua, contribuir para o processo de alienação do indivíduo. Nesta perspectiva, Reis (2004, p. 99) alerta: “(...) a indústria da cultura tem feito da educação um produto para consumo em larga escala ao extirpar do conhecimento toda a profundidade, trans-formando-a em um fator de renda, numa fonte de mais-valia.”

Diante da possível intromissão da Indústria Cultural no âmbito da escola, tratando-a como espaço apto a proporcionar o lucro, é possível identificar algumas estratégias que a indústria cultural adota perante esta instituição formadora. Neste sentido, Medrano e Valentim (2001) sugerem algumas destas estratégias. Elas podem estar na utilização das mídias nas escolas, na inserção de material pedagógico que traz consigo imagens de produções televisivas ou cinematográficas, como os desenhos animados, fil-mes e séries tornando o material de uso pedagógico mais atra-tivo, sobretudo para as crianças, sem se importar com função pedagógica dos mesmos, contribuindo assim para que os alunos possam adotar atitudes consumistas, além da obrigatoriedade da utilização de um pacote de conteúdos curriculares que devem ser adotados pelos professores em sala de aula, que acabam limitando o professor, seja em sua criatividade, liberdade e ou criticidade.

Em contraposição ao pensamento que nos parece predomi-nante quanto ao uso da escola como instrumento da Indústria Cul-tural, Rezende (1990) nos alerta que são possíveis ações na escola dirigidas a orientar seu público a respeito dos interesses da indús-tria cultural e do grande sistema do capital, principalmente quando tem desdobramentos no seu âmbito para a aceitação acrítica dos produtos midiáticos de massa. Este autor defende que, para que a escola possa cumprir com um de seus papeis na formação emanci-patória humana, torna-se necessária a ação pedagógica crítica.

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A educação aparece como processo-projeto de humanização do sujeito, que não seria simples-mente objeto-passivo, mas sujeito-ativo da his-tória e da cultura. Nesse sentido, mais do que um mero processo, a educação pretende ser um projeto de personalização dos sujeitos, de desa-lienação tanto individual quanto coletiva. (RE-ZENDE, 1990 apud NÓBREGA, 2009, p. 81).

Em nossa pesquisa sobre o modo de expressar de jovens na escola básica, movidos pela intenção de observar tais possibilida-des emancipatórias e, sobretudo, de identificar a incorporação, no comportamento e expressões corporais dos estudantes, de imagens e mensagens perpassadas pela Indústria Cultural e por eles reproduzidas, percebemos a presença da Indústria Cultural na medida em que, ao observar as reproduções de comportamen-tos por ela forjados no cotidiano dos estudantes, tivemos a opor-tunidade de questioná-las com alguns jovens que se dispuseram a dialogar conosco sobre a questão proposta.

A partir das respostas obtidas através dos questionamentos que fizemos em diálogo com os estudantes foi possível perceber que um grande número de alunos do grupo pesquisado optou pelo estilo musical Funk, com 87.5% das indicações, seguido do estilo Pop nacional/internacional e a Música Eletrônica, com 62.5% de indicações. Logo a seguir, aparecem os estilos Sertanejo e Forró, com 56.25 %. Estilos como Reggae, Música Popular Brasileira (MPB), Rap e outros também foram citados, porém com percentuais menores. Vale ressaltar que mais de uma opção de estilos musicais foram evidenciadas no nosso diálogo com os estudantes. Assim, a estes foi oferecida, por nós, a possibilidade de escolha para indicar-nos suas preferências musicais dentre es-tilos diversos.

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Se observarmos com acuidade, é possível sugerir que os cinco estilos musicais mais citados (Funk, Pop Nacional/Inter-nacional, Música Eletrônica, Sertanejo e Forró) apresentam re-correntemente em suas músicas conteúdos (andamento musical, ritmos e letra) que provocam o estimulo para a dança e execução de determinadas coreografias. Nas apresentações ao vivo ou em formatos digitais (vídeoclipes, redes sociais, plataformas digitais musicais) é possível perceber determinadas coreografias e danças executadas pelos cantores ou dançarinos de bandas dos estilos musicais supracitados.

Retornando para as respostas obtidas junto aos alunos en-trevistados nesse diálogo de pesquisa, foi perceptível que mesmo havendo espaço para indicação de outros estilos musicais, dife-rentes daqueles por nós sugeridos e também os por eles eviden-ciados como de sua preferência, não houve nenhuma indicação para estilos musicais como a Música Clássica, Jazz, Bossa Nova, Chorinho, entre outros. Comparando esses estilos ausentes do universo de estilos citados no diálogo com os estudantes com os estilos de maiores proporções de preferência entre alunos, é preci-so atentar para o fato de que a Música clássica, Jazz, Bossa Nova, entre outros, normalmente não estão evidenciados pelas mídias na mesma proporção que os estilos musicais mais citados pelos alunos. Nesta perspectiva, percebe-se então que a Indústria Cul-tural cria diversas estratégias para a divulgação de seus produtos, facilitando o acesso e a visualização de determinados estilos musi-cais, deste modo permitindo que alguns estilos musicais de mais fácil assimilação ganhem maiores propagações diante de outros estilos mais exigentes tecnicamente.

Em relação às mídias utilizadas por esses alunos, o celular foi unanimidade dentre o grupo pesquisado, concretizando que o celular é um dos aparelhos midiáticos mais utilizados pelas pes-

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soas. Essa preferência está associada com as diversas funções que o aparelho celular possibilita, desde fotos e vídeos, redes sociais, ligações e audições musicais. Foi perceptível, com base nas obser-vações realizadas no ambiente escolar, o recorrente uso do celular, sobretudo nos momentos de intervalo.

Com base nas observações efetuadas no ambiente escolar, procuramos especificamente salientar que há, de fato, dentre os tipos de expressões observadas, uma similaridade com as coreo-grafias musicais dos seus artistas preferidos. A partir das observa-ções efetuadas, foram perceptíveis as seguintes expressões: Passos do forró, “sarrada no ar” e imitação de coreografia de cantores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A música é uma manifestação artística que causa interes-se em enormes quantidades populacionais e em todas as classes sociais. Nesta perspectiva, as mídias atuam como fundamentais para a disseminação e propagação de seus produtos fonográficos, usualmente atrelados às estratégias mercadológicas da Indústria Cultural.

Ao concluir nosso trabalho de pesquisa, que teve o intuito de averiguar a possível influência exercida pela Indústria Cultural quanto às produções musicais, na expressão corporal dos alunos do ensino fundamental, foi possível verificar que o público inves-tigado apresenta interesses e forte ligação com as produções mu-sicais veiculadas pela Indústria Cultural. Estas produções quase sempre estão associadas a estilos musicais com forte apelo ao que denominamos de cultura de massa, que podem ser consideradas como produtos da Indústria Cultural. Também é possível afirmar que tais estilos de música exercem importantes estímulos para que estes adolescentes pesquisados executem em seu cotidiano,

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inclusive dentro da escola, expressões corporais, coreografias ou gestual a partir de seus artistas preferidos, que podem ser uma re-petição daquela criada pelo próprio artista, muitas vezes inserido como produto dessa indústria cultural, ou mesmo, uma criação do próprio adolescente sob influência desses artistas e seus estilos musicais.

Ao nos reportamos ao objetivo específico que buscava analisar quais eram os estilos musicais mais apreciados por estes alunos, a fim de relacioná-los com as expressões corporais repro-duzidas no ambiente escolar, é possível afirmar que o Funk, o Pop nacional e internacional e a Música Eletrônica foram os esti-los mais citados e, coerentemente com o que apontamos acima, apresentam usualmente coreografias e gestual como a denomina-da “Sarrada no ar” associados a eles, e reproduzidos por grande parte dos alunos investigados. No que concerne investigação de quais os veículos midiáticos foram utilizados pelos alunos para o consumo destes produtos musicais, foi possível confirmar que os celulares e todas as possibilidades de acesso que estes aparelhos como as plataformas musicais digitais (Youtube, Spotify, Dezzer), aparecem como unanimidade, porém, outras mídias foram apon-tadas, dentre elas o computador, a televisão e o rádio.

O que nos pareceu evidente em nossa pesquisa foi que os alunos entrevistados têm ligação direta ou indireta com produtos da Indústria Cultural, sejam eles as músicas, as coreografias ou ex-pressões corporais que são associadas a estas produções. Também foi possível observar que, dentro do próprio ambiente escolar, este fenômeno, que envolve a música, a dança e a questão mer-cadológica, se faz presente. Percebemos ainda que a escola, não sendo um espaço neutro, constitui-se também como um espaço educacional onde se pode trabalhar essas relações de cultura, con-sumo e mídias de uma maneira transversal e multidisciplinar, a

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partir da ação pedagógica crítica. Assim sendo, permite que se adequem ao seu espaço contraditório o trato com a cultura como um campo de luta. Há que se admitir, então, o ato pedagógico como um ato político nessa conquista por implementação no ambiente escolar de ações educativas emancipatórias.

REFERENCIASADORNO, Teoria da Semicultura. Revista Educação e Sociedade, ano XVII, n-56 dezembro, 1996.

BITTENCOURT, L & DOMINGUES, D. Dinâmicas coletivas em cenas musicais: A experiência do grupo #acenavive no Rio de Janeiro. Revista Crítica de Ciências Sociais, 109, 137-162, Maio, 2016.

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COSTA, B. C. G. Barbárie estética e produção jornalística: a atua-lidade do conceito de indústria cultural. Educação & Sociedade, ano XXII, nº 76, p. 106-120, out, 2001.

COSTA, J. H. A atualidade da discussão sobre a indústria cultural em Theodor W. Adorno. Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. 2, p. 135-154, Maio/Ago, 2013.

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MOREIRA, A. S. Cultura midiática e educação infantil. Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro, 2003.

NÓBREGA, T. P. Corporeidade e educação física; do corpo-objeto ao corpo sujeito – 3.ed.rev – Natal, RN: EDUFRN- Editora da UFRN, 2009.

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REIS, M. L. A educação como indústria cultural: um negócio em ex-pansão, revista iberoamericana de educación. nº 36, pp. 89-104, 2004.

ZUIN, A. A. S & ZUIN. V. G. Lembrar para elaborar: reflexões sobre a alfabetização crítica da mídia digital. Revista pro-posições, V. 28, N. 1 (82) |jan./abr, 2017.

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A EXPANSÃO DO ENSINO À DISTÂNCIA: UMA PARCERIA ENTRE O ESTADO NEOLIBERAL E

OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS

Gabriela Gondim Alves Segundo19

Maria das Dores Mendes Segundo20

INTRODUÇÃO

A contrarreforma do ensino superior representa a atuação do Estado neoliberal, que garante somente os mínimos sociais, deixando a cargo do mercado o controle de determinados ser-viços, como a saúde, a previdência e a educação, que, apesar de constitucionalmente assegurados como dever do Estado, passam por um desmonte. É a partir desses pressupostos que nos propo-mos a apreender a referida contrarreforma.

A expansão do ensino à distância (EAD) tem sido uma das principais expressões da reforma. Esta, apesar de proclamada como uma estratégia do governo para ampliação do acesso ao ensino superior, decorre do capitalismo globalizado e regido pelos ditames dos organismos internacionais, que vê na oferta de cursos a distância um lucrativo alvo para os seus investimentos.

A relevância deste trabalho traduz-se em analisar critica-mente a contrarreforma em curso, haja vista o fato de que a ga-rantia de acesso ao ensino superior é uma bandeira de luta histó-rica da classe trabalhadora, corre-se o risco de legitimar as estraté-gias mistificadoras do capitalismo, que se apropria desta demanda

19 Discente do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino - Universidade Estadual do Ceará (MAIE/UECE) E-mail: [email protected]

20 Docente do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino – Universidade Estadual do Ceará (MAIE/UECE) E-mail: [email protected]

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e oferta pela via do mercado um número expressivo de vagas por meio do Ensino a Distância, implementando uma política que consiste muito mais em massificar do que em democratizar o en-sino superior no país.

A CONTRARREFORMA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CONTEXTO NEOLIBERAL: UMA PARCERIA DO ESTADO COM OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS

A conjuntura econômica, social e política que se confor-mou após a Segunda Guerra Mundial estabeleceu as bases para o Estado de Bem-Estar Social e para a implementação do modelo fordista e taylorista na produção, no entanto com a gestação da crise de acumulação do capital, que se tornou mais evidente na década de 1970, a burguesia criou novas estratégias para recupe-rar as taxas de lucro do capital, assim, os condicionantes para a legitimação do neoliberalismo foram postos, acarretando profun-das mudanças na postura do Estado, na produção e na organiza-ção da classe trabalhadora.

Dentre as premissas do neoliberalismo estão incluídas: a concepção de que a construção do socialismo é uma impossibi-lidade, acreditando em uma nova ordem mundial cuja centra-lidade não é o trabalho, mas o conhecimento e a informação. Desse modo, naturaliza-se o capitalismo, que a partir de então deve apenas ser humanizado por meio da união de todos em prol de uma sociedade mais justa. É nesse contexto que noções de soli-dariedade são reforçadas, cabendo a todos a melhoria das relações estabelecidas nessa nova sociedade globalizada e tecnologicamen-te desenvolvida.

O neoliberalismo recuperou os principais elementos do liberalismo no que diz respeito à defesa da minimização do Es-tado principalmente para com o social, com vistas a preservar as

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liberdades individuais e a livre concorrência de indivíduos su-postamente iguais diante do mercado. Outra justificativa para a incorporação do ideário neoliberal foi a crise fiscal do Estado, que para os neoliberais, ocorreu por conta dos investimentos nas políticas sociais ditas onerosas e promotoras de privilégios para os trabalhadores.

Conforme aponta Pereira Dahmer (2009, p. 269):

[...] no contexto de aprofundamento do projeto neoliberal, políticas sociais como saúde, previ-dência e educação-antes implementadas através da ação estatal e com cunho universal- foram re-legadas a último plano, com ações focalistas dos Estados e, ao, mesmo tempo, ampla abertura para a exploração mercadológica de tais necessi-dades sociais. Saúde previdência e educação pas-saram a ser concebidas como “serviços”, cujos objetivos pautam-se na lógica mercantil e têm como finalidade última a obtenção do lucro.

O neoliberalismo surgiu logo após a Segunda Guerra Mun-dial, como uma reação ao Estado intervencionista e de bem estar. A longa e profunda recessão entre 1969-1973, para os neolibe-rais, resultava do poder excessivo dos sindicatos e do movimento operário, que corroeram as bases da acumulação, e do aumento dos gastos sociais do Estado, desencadeando processos inflacio-nários. Outro argumento neoliberal é que a intervenção estatal na regulação das relações de trabalho é negativa, pois impede o crescimento econômico.

Com base em tais argumentos, os neoliberais defendem que o Estado não deve intervir na regulação do comércio exterior nem na regulação de mercados financeiros, sustentam também a estabilidade monetária, o que só seria assegurado mediante a

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contenção de gastos sociais e a manutenção da taxa “natural” de desemprego, associada a reformas fiscais, com redução de impos-tos para os altos rendimentos

A hegemonia neoliberal tem provocado importante recon-figuração nas políticas sociais. O desemprego de longa duração, a precarização das relações de trabalho, a ampliação da oferta de empregos intermitentes, temporários, instáveis e não estáveis (ANTUNES, 2010).

O comando do atual modelo de desenvolvimento está a cargo das grandes corporações multilaterais: o FMI, O Banco Mundial, o BID e a OMC. Essas Instituições Financeiras Mul-tilaterais são organismos internacionais formados pelos governos de certo número de países para atender a objetivos econômicos, estas se propõem a contribuir na promoção do desenvolvimento.

Desde os anos de 1980, o governo brasileiro vem contrain-do empréstimos com as instituições financeiras multilaterais. Ini-cialmente, para programas e projetos de investimento em várias áreas temáticas: agricultura, meio ambiente, educação, saúde, questão agrária e infraestrutura dentre outras; depois para refor-mas econômicas e ajustes estruturais.

Desde o acordo assinado pelo Governo Federal com o FMI, em 1998, explicitamente para pagamento dos juros da dí-vida externa, o Brasil vem comprometendo significativas parcelas do orçamento público para a produção do superávit primário, atingindo percentuais crescentes do PIB, e superando as próprias metas estabelecidas pelo FMI nos acordos. O superávit primá-rio é uma “sobra” de receita forçada pelo compromisso assumido com o FMI. Na verdade, não há sobra porque ela é retirada do que poderia ser gasto com saúde, educação, saneamento e outras políticas sociais.

As políticas sociais brasileiras situadas em um contexto neoliberal em que o Estado exerce a função de mero regulador

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das mesmas passam a ser financiadas pelo setor privado e pelas organizações não governamentais. Nessa conjuntura, a educação torna-se uma mercadoria muito lucrativa e de alto interesse das classes dominantes.

No Brasil o neoliberalismo expressou-se, principalmente, intensificando a histórica dependência do nosso país no sistema capitalista mundial fruto do pacto entre as nossas elites e as po-tências imperialistas21 sob o comando dos Estados Unidos.

Este projeto esteve articulado ao esgotamento do desenvolvimentismo, à crise da dívida que atravessou a década de 1980, à redução dos gastos sociais, já prevista na pauta política dos organismos internacionais do capital para a re-negociação das dívidas dos países periféricos [...] e à nossa histórica inserção subordinada no siste-ma capitalista mundial (LIMA, 2007, p. 54-55).

Pereira (1997 apud PEREIRA DAHMER, 2009, p.271) justifica a crise de 1980 como “uma crise resultante de um mau gerenciamento do Estado- e não um processo decorrente da cri-se de acumulação capitalista, de acordo com essa concepção o Estado é definido como ineficiente, burocrático, sendo urgente reformá-lo.”.

Consideramos, na verdade, que não se trata de uma crise pontual fruto da ineficiência do Estado, mas de uma crise estru-tural do capital que:

21 De acordo com Lênin apud Lima (2003) o imperialismo é uma fase específica do capitalismo caracte-rizada pela concentração da produção em empresas cada vez maiores associando e livre concorrência e monopólio, neste os grandes bancos exercem novos papéis, que não só absorvendo os pequenos como os incorporando e os subordinando ao seu consórcio, ocorre também a fusão dos bancos com a indústria e o aparecimento do capital financeiro. Nessa fase do capitalismo, o capital produtivo é subsumido ao capital financeiro, esse com livre acesso aos países, já que é próprio do imperialismo a desterritorialização do capital. Nessa conjuntura, os países subdesenvolvidos se inserem no desen-volvimento do capitalismo mundial de maneira subordinada, conformando o que Fernandes define como desenvolvimento desigual e combinado.

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nos nossos dias ataca, pelo contrário, os limites definitivos do sistema. Por essa razão, ela faz com que seja muito urgente uma intervenção radical para por fim às tendências destrutivas impostas já por todo o lado, antes que seja de-masiado tarde (MÉSZÁROS, 2006, p. 07).

Nesse sentido Lima (2007, p. 56) afirma que: “todos os elementos políticos do projeto neoliberal de sociabilidade atra-vessaram e constituíram o projeto neoliberal de educação: priva-tização, desregulamentação e desnacionalização”.

A concepção difundida em torno das transformações na educação, em especial na superior, são legitimadas pelo discurso de que a modernização dessa política se dá por meio da utilização da tecnologia, na garantia do acesso à informação e ao emprego, já que em um mundo globalizado o não acesso à tecnologia e à informação implicam na exclusão do mercado de trabalho. O que a recorrente retórica não revela é que tais transformações fazem parte do reordenamento do capitalismo em busca de novos eixos lucrativos, apresentando a proposta de utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) produzidas nos países centrais.

A conformação de uma sociedade global é proclamada como se houvesse a consolidação “de uma homogeneização pla-netária, uma aldeia global, em que todos os indivíduos e países teriam acesso a todas as mercadorias”. (LIMA, 2007, p.38). Tal idéia inclui também a garantia do acesso ao conhecimento, já que em um mundo globalizado, é imprescindível que os traba-lhadores sejam dotados de determinados conhecimentos, sem os quais são impossibilitados de disputar uma vaga no mercado de trabalho, que exige mão-de-obra cada vez mais qualificada.

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A EXPANSÃO DO ENSINO A DISTÂNCIA NO CON-TEXTO DA PROPALADA “SOCIEDADE DA INFOR-MAÇÃO”: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES.

A educação, em específico o ensino superior, tem lugar es-pecial nesse debate, já que é por meio dela que se adquirem os conhecimentos necessários ao “sucesso” nessa nova ordem mun-dial. Sendo o nível superior de ensino,o que prepara para o mer-cado de trabalho, desperta ainda mais interesse. Os defensores do projeto capitalista sob o argumento de que a educação é um bem público, propagam que não somente o Estado, mas todos devem zelar para que o acesso a este seja garantido.

Nessa lógica:

[...] a educação está submetida às exigências da lucratividade do capital internacional. [...] na medida em que as instituições públicas e priva-das prestam um serviço público, está justificada a alocação de verbas públicas para a educação pri-vada e a utilização de verbas privadas para finan-ciamento das atividades acadêmicas realizadas nas instituições públicas, diluindo-se os concei-tos de publico e privado e apresentando a noção de público- não estatal (LIMA, 2007, p. 65).

A diversificação do ensino superior dá-se tanto com a cria-ção de universidades públicas e privadas como com instituições não universitárias, cursos sequenciais, cursos técnicos à distância, todos com o intuito de atender às necessidades impostas pelo reordenamento do capital após a crise de 1970. “No mesmo sentido, o Ensino a Distância (EAD) é identificado como uma eficiente estratégia de diversificação das instituições de ensino su-perior (IES), garantindo o acesso das populações mais pobres” (LIMA, 2007, p. 66).

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Vários são os intelectuais que garantem a legitimidade da teoria segundo a qual a centralidade do trabalho na sociedade deu lugar à sociedade do conhecimento. De acordo com essa, o motor da produção, ao invés do trabalho humano capaz de produzir riquezas, passa a ser o conhecimento. Assim, aquele que detém o conhecimento detém os meios de produção.

De acordo com Schaff (apud LIMA, 2003) na atualidade processa-se uma revolução tecnocientífica que sucedeu a revolução industrial. Tal revolução é o fundamento da sociedade informática em que os processos informatizados perpassarão todas as dimen-sões da vida pública Nesse contextoa educação é concebida como mero instrumento de detenção de informações que capacitem para o manejo das TIC, conforme ilustra o pensamento que segue:

A sociedade informática apresentando um novo sentido da vida e um novo sistema de valores, gerará uma revolução total no sistema de ensino [...] por meio de uma didática proporcionada pelos autômatos falantes que podem servir como auxiliares no trabalho tradicional dos professores ou podem substituí-los no caso de adultos au-todidatas. (SCHAFF apud LIMA, 2003, p. 72)

Algumas transformações pelas quais a sociedade passou como: a reestruturação produtiva e o avanço científico-tecnoló-gico exigem um novo perfil profissional construído por meio de uma educação adequada ao mercado de trabalho que prioriza os conhecimentos técnicos, nessa perspectiva Lima aponta que:

Manuel Castells é outro renomado intelectual orgânico responsável pela defesa da nova ordem mundial chefiada pelos organismos internacio-nais. Este defende a era da informação na so-ciedade em rede, interligada pelo uso das TIC,

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especialmente a internet, essa sociedade é mar-cada por intensas transformações no mercado de trabalho e na qualificação dos profissionais que compõem a mão-de-obra genérica22. Para ele a informação, e não o trabalho é a base da pro-dução, o que leva à construção de relações mais flexíveis. O ápice de seu pensamento é a legitimi-dade que ele confere aos organismos internacio-nais, aos negócios corporativos e às organizações não-governamentais, todos se responsabilizando pela nova era da informação “identificada com as idéias de cooperação, liberdade e democratização do acesso à informação” (LIMA, 2003, p. 34).

Diferente do que afirmam os autores mencionados, não há uma homogeneização planetária, uma aldeia global em que todos os indivíduos têm acesso a todas as mercadorias, incluindo as TIC, pois como elucida Lima (2003, p.36): “a mundialização do capital não apaga a existência dos Estados Nacionais, nem as relações polí-ticas de dominação e dependência entre estes; acentua ao contrário, os fatores de diferenciação e hierarquização entre países e regiões”.

Fiori (1997) aponta que, o que existe é uma falaciosa glo-balização, pois:

Estes estados e suas economias podem ser con-siderados, de fato, um novo tipo de território econômico homogeneizado por uma mesma estratégia de reformas liberais e por uma ad-ministração convergente das políticas macro-econômicas desenhadas em função de planos comuns de estabilização monetária sustentados por moedas sobrevalorizadas e aberturas comer-ciais abruptas (FIORI, 1997, p. 139).

22 A mão-de-obra genérica é composta por profissionais que nem são habilidosos e nem possuem a potencialidade de se habilitar no processo de produção e na utilização das técnicas.

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O que se tem é uma organização mundial pautada na ação de organismos internacionais, que não representam os interesses de todos os países, mas que defendem os interesses políticos e econômicos dos países centrais, fortalecendo a hegemonia nor-te-americana, que conta com o apoio dos países periféricos, os quais implementam as políticas de desregulamentação e priva-tização de setores estratégicos como: eletricidade, telecomunica-ções, ciência e tecnologia e educação.

O processo de incorporação das políticas de desregulamen-tação e privatização supramencionadas é característico do que Mészaros (2003) aponta como a terceira fase do imperialismo, marcada pela supremacia dos Estados Unidos.

De acordo com os teóricos que acreditam na nova ordem mundial globalizada e informatizada, há um reordenamento pla-netário que impõe transformações referentes aos aspectos políti-cos, econômicos, sociais e espaciais. Para estes, há uma necessária mudança na legislação internacional definida pelo conjunto de tratados e contratos para a constituição de um novo poder so-berano e supranacional, apresentando a necessária existência de leis que orientam relações de poder internacionais e no interior de cada país.

Dentre as estratégias que garantem a atuação dos organis-mos internacionais, os quais são representantes dos interesses dos países centrais nos países periféricos, destacamos o binômio que norteia suas principais políticas: a necessidade de combater a po-breza e de garantir a segurança.

As políticas promovidas por estes sujeitos polí-ticos do capital- Grupo Banco Mundial (BM), UNESCO e mais recentemente Organização Mundial do Comércio vêm orientando um conjunto de reformas econômicas e políticas

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realizadas nos países periféricos do capitalismo. Neste conjunto de reformas neoliberais, que ar-ticula a reestruturação das esferas produtivas, o reordenamento do papel dos estados nacionais e a formação de uma nova sociabilidade bur-guesa, estão inseridas as reformas educacionais realizadas nos países periféricos e que atraves-sam o final do século XX e se estendem pelo início do século XXI (LIMA, 2003, p. 21).

Outra estratégia utilizada pelos organismos internacionais com vistas a legitimar a reprodução do capital em nível global (e aqui nesse estudo a que mais nos interessa considerar) é a retórica que concebe a educação como meio de formação do indivíduo, que é especialmente capacitado com habilidades tecnológicas e preparado para adentrar no mercado de trabalho, reafirma-se atualmente a teoria do capital humano:

[...] o investimento nas capacidades, habilida-des e competências de cada indivíduo associa-da à teoria do capital social, que se constitui a partir da ação de grupos voluntários, de orga-nizações não-governamentais e da responsabi-lidade social do empresariado para viabilizar a execução e o financiamento compartilhados da política educacional (LIMA 2003, p. 51).

Uma análise minuciosa das propostas dos organismos in-ternacionais para a educação apresentará claramente algumas di-ferenciações, a exemplo: o BM e a OMC a compreendem como serviço, já a UNESCO a encara como um descentralizado bem público, porém em ambas as perspectivas a utilização das TIC e principalmente o ensino à distância funcionam como uma estra-tégia de “internacionalização” e de “democratização do acesso”

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ao ensino superior, desviando a lógica dos verdadeiros interesses que estão por trás dessa ampliação de vagas nesse nível de ensino.

A prova de que a democratização do acesso ao ensino supe-rior na verdade é falaciosa e esconde o real sentido dessa amplia-ção de acesso pela via privada, é revelada nos dados do Censo da Educação Superior de 2007, os quais apontam:

[...] a existência de 2.281 Instituições de En-sino Superior (IES), sendo 89% de natureza privada. Há uma predominância, quanto à organização acadêmica , de instituições não universitárias, isto é instituições que não pre-cisam realizar pesquisa , somente transferir conhecimento: 86,7% das IES encontram-se registradas como faculdades , enquanto as uni-versidades e centros universitários respondem por 8% e 5,3%. Cabe salientar que os cen-tros universitários também não são obrigados à realização de pesquisa, o que faz as IES não universitárias representarem mais de 90% do total das IES existentes no país. [...] O maior número de faculdades (92.5%) está vinculado ao setor privado, enquanto as universidades es-tão distribuídas em proporção aproximada en-tre o setor público e o privado, 52,5% e 47,5%, respectivamente (quanto às matrículas), 74,6% (3,7 milhões), pertence às instituições privadas (DAHMER, 2009, p. 271-272).

Destarte, verifica-se a partir dos dados supracitados que apesar da ampliação de vagas no ensino superior, esta se deve ao crescimento da iniciativa privada na educação. Além disso, a estruturação desse crescimento aponta que a qualidade da for-mação profissional não tem sido preservada nas IES privadas que

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por não estarem obrigadas a promover o ensino, a pesquisa e a extensão (tripé que tem como lócus “privilegiado” a universida-de) garantem tão somente o ensino.

A ausência dessas dimensões tão importantes na formação profissional e na própria universidade descaracterizam-na já que, conforme Lampert (2003 )apud Dahmer 2009):

A pesquisa é uma função de capital importân-cia para o desenvolvimento econômico, social e cultural , -bem como- o compromisso com a qualidade , a busca de pertinência entre a educação e as demandas sociais, a liberdade a autonomia acadêmica, o financiamento da edu-cação pública, entre outros aspectos,que estão ameaçados com este acordo imperialista, que objetiva o lucro e a submissão dos povos menos desenvolvidos (p. 177).

Este autor atenta para a maneira como tem se processado essa ampliação, mostrando que suas principais estratégias e fra-gilidades têm sido: o crescimento quantitativo desenfreado sem a garantia mínima de condições acadêmicas para o processo de ensino/aprendizagem; ausência de condições de infraestrutura, como laboratórios, bibliotecas; a diversidade dos investimentos que ratificam a desobrigação do Estado em promover a educação que perde a noção de direito e passa a ser concebida como serviço comprado pelo cidadão-consumidor; e a própria ausência de po-líticas de assistência estudantil que auxiliem o estudante em suas necessidades, quereproduzem a lógica da massificação do ensino escamoteada na falaciosa democratização do acesso ao ensino su-perior (DAHMER, 2009).

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), vigente desde 1996, no capítulo que trata do ensino superior, em seu art. 43, inciso II,

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define como objetivo da educação superior: “incentivar o traba-lho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvi-mento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive”. Em seu inciso VII é definido que a extensão tam-bém deve ser promovida no ensino superior.

Apesar da LDB apontar a necessidade da pesquisa e da extensão no ensino superior, as mesmas não são garantidas no EAD. O fato é que tais dimensões são imprescindíveis para a for-mação profissional. Um profissional que investiga desvela o apa-rente e tem condições de desenvolver proposições mais eficientes. A extensão possibilita que o conhecimento produzido cumpra sua função social e o profissional em formação tenha contato di-reto com a comunidade.

Na reforma em questão, duas são as principais premissas: a privatização do ensino e uma oferta desmesurada de vagas na modalidade EAD, esta última é a estratégia mais viável de que o governo dispõe para cumprir as metas impostas pelos organismos internacionais e incorporadas pelo Plano Nacional de Educação aprovado pelo Congresso, o qual apontou como norte já para 2011, a inclusão de 30% dos jovens de 18 a 24 anos no ensino superior. Desde que essa meta foi deliberada, apenas 3% do per-centual foi cumprido, já que passou de 9% a 12%. (BRETTAS, 2008-2009).

Dessa maneira, se atenderá à demanda posta pelos organis-mos internacionais, que visam tão somente adaptar a formação profissional às necessidades do mercado, primando pelo saber fazer separado da salutar reflexão do para que fazer e a serviço de que projeto societário está o conhecimento.

A formação profissional torna-se, assim mero atributo do trabalhador da nova ordem mundial, que reforça a sociabilida-

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de capitalista e nega o proclamado objetivo do ensino superior: capacitar para o mercado de trabalho, ao qual é intrínseco à for-mação do exército industrial de reserva, que escolhe os melhores e deixa à margem os demais trabalhadores, tenham estes ensino superior ou não.

Desta feita, Iamamoto (apud BRETTAS, 2008-2009, p. 135) destaca que:

A massificação, o aligeiramento e a perda da qualidade da formação universitária estimulam mecanismos ideológicos que facilitam a submis-são dos profissionais às “normas do mercado” e a despolitização da categoria, favorecida pelo isolamento vivenciado no ensino a distância, acompanhado pela falta de experiências estu-dantis coletivas ao longo da vida universitária.

A maioria dos cursos ofertados na modalidade EAD repro-duzem a histórica hierarquização das áreas de conhecimento, em que determinadas graduações são concebidas como somente de cunho teórico e, por supostamente não exigirem a prática, não precisam dispor de uma formação tão qualificada: como bem exemplifica a grande oferta de cursos no âmbito das Humanas.

Apesar da inquestionável continuidade das reformas de base, inclusive na educação, por parte do atual governo, a reali-dade comprova que apesar das concessões minimalistas realizadas por este, que, aliás, nem são inéditas, são reapropriadas e imple-mentadas com muita popularidade e ganham feições de política de governo democrático, que, no entanto, possui um compro-misso escancarado com as orientações dos organismos internacio-nais, não só dando continuidade, mas aprofundando as ameaças aos direitos sociais.

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O EAD tem sido propalado como uma importante estraté-gia de “democratizar” a educação superior e modernizar o sistema de ensino, que deve garantir a capacitação no manejo das TIC e a inserção no mercado globalizado, do que discordamos, pois, como expõe Pereira Dahmer, (2009, p.271) “o ensino a distância representa na verdade um processo de certificação e não de for-mação qualificada de novos profissionais”.

Destarte, está posto um grande desafio para a educação superior nessa conjuntura, em que há a constante necessidade da diferenciação entre a democratização do acesso ao ensino su-perior e sua massificação desqualificada. Havendo também um horizonte de lutas por uma educação pública, gratuita, laica e baseada no tripé ensino, pesquisa e extensão, de modo a contri-buir com a emancipação humana e superar sua reles função na atualidade, que é suprir as demandas do mercado de trabalho e dos organismos internacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo pautou-se em uma análise do ensino superior brasileiro, o qual nesta conjuntura vivencia os rebatimentos da contrarreforma, e assim como as demais reformas implementa-das pelo Estado neoliberal é orientada pelos organismos inter-nacionais. A educação tem sido um dos principais alvos desses, que a fim de garantir legitimidade à sua intervenção nesse setor, difundem-na como um bem público não estatal, acarretando seu empresariamento.

O ensino a distância é uma das expressões da contrarrefor-ma em questão, que possibilita a ampliação das vagas no ensino superior. E por esse crescimento ser uma demanda histórica da classe trabalhadora, tem se transvestido de democratização do

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acesso ao ensino superior, quando na realidade das IES, em que são ofertados cursos à distância, esse ingresso se dá de forma pre-cária e pela via privada, retirando a perspectiva de direito que deveria nortear a educação.

Reafirmamos, portanto, a salutar defesa do direito à edu-cação pública, gratuita, presencial, laica e de qualidade, que não condiz com a contrarreforma do ensino superior vigente. O en-sino à distância não garante a democratização da educação, mas ao contrário, é uma estratégia precária de mercantilização de um direito social.

REFERÊNCIASANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2010.

BRETTAS, Tatiana. A mercantilização do ensino superior: uma análise da “Re-forma” Universitária no governo Lula. In: QUEIROZ, F. M. de, RUSSO, G. H. A.; RAMOS, S. R. (orgs).Serviço Social na contra corrente: Lutas, Direitos e Políticas sociais. Mossoró: Edições UERN, 2010.

FIORI, José Luís. Globalização, hegemonia e império. In: TAVARES, Maria da Conceição e FIORI, José Luís (Organizadores). Poder e dinheiro:uma economia política da globalização. 6ª ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 1997, p. 87-147).

LIMA, Kátia Regina de Souza. Contra-reforma na educação superior: de FHC a Lula. São Paulo: Xamã, 2007.

MÉSZÁROS, István. O século XXI: Socialismo ou barbárie? Tradução de Paulo Cezar Castanheira. 1ª Ed., São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, p. 33-80).

PEREIRA, Larissa Dahmer. Mercantilização do ensino superior, educação à dis-tância e Serviço Social. In: Revista Katál. V. 12, nº 2. Florianópolis: Editor: Revista Katálysis, 2009.

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AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: AFASTAMENTOS E APROXIMAÇÕES

Maria Helena Moreira Dias Serra23

Leila Maria Ferreira Salles24

INTRODUÇÃO

Paulo Freire (2001, p.30) argumenta que o cerne dos pro-blemas da educação não se localiza nas questões pedagógicas, mas sim, trata-se de questões políticas. Freire é enfático ao afirmar que “a alfabetização tem que ver com a identidade individual e de classe, que ela tem que ver com a formação da cidadania”, mas também, que “é necessário que a tornemos e a façamos como um ato político, jamais um que fazer neutro”. Portanto, este escrito tratará das políticas públicas que permeiam os documentos legais vigentes na legislação brasileira no que tange à Educação Básica e à Educação de Jovens e Adultos, bem como da interface de ambas com a profissionalização.

As políticas públicas repercutem nas diversas esferas da so-ciedade e sua formulação resulta no envolvimento de diversos mecanismos de interação entre aspectos econômicos, políticos e ideológicos. As decisões das ações do Estado surgem diante de uma determinada correlação de forças com a participação da so-ciedade civil organizada em uma arena de disputas de projetos e concepções em um determinado momento histórico. Leis, decre-tos e outros instrumentos legais são produtos dessas correlações,

23 Doutora em Educação pela UNESP/RC. Docente efetiva da área de Letras do IFMT, Campus Cuia-bá – Bela Vista.

24 Professora Livre-docente. Voluntária do Programa de Pós-graduação em Educação da UNESP/RC.

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cujo reflexo se evidencia nos textos legais (HÖFLING, 2001). Nesse contexto, políticas públicas são entendidas como “formu-lação de propostas, tomada de decisões e sua implementação por organizações públicas, tendo como foco temas que afetam a co-letividade, mobilizando interesses e conflitos” (RUA, 2009, p. 19). Em geral, vê-se que há diferença entre políticas de governo e políticas de Estado, tendo em vista que a primeira constitui-se em ações de um determinado governo e não do Estado, pois não há a garantia de continuidade a cada mudança de governante. O principal fundamento da política pública é concretizar direitos por meio das ações do Estado, utilizando-se, para isso, dos servi-ços públicos (HÖFLING, 2001).

Em tempos iniciais da república, o exercício dos direitos do cidadão brasileiro não estava ligado à alfabetização, mas às posses, sendo que somente os que fossem proprietários de terras ou de es-tabelecimentos comerciais é que tinham o direito ao voto, muito embora muitos desses analfabetos. Com o passar do tempo, a ins-trução passou a ser o mecanismo de acesso à cidadania, assim como a ter relação direta com a renda dos cidadãos e suas relações dentro dos processos econômicos e sociais. Nesse novo aspecto, o desen-volvimento econômico e social, com a eliminação das desigualda-des, deve estar no centro da elaboração e objetivação das políticas públicas de Estado, principalmente no que tange às políticas edu-cacionais, que dizem “respeito às decisões que o Poder Público, isto é, o Estado, toma em relação à educação” (SAVIANI, 2008, p. 7). Por enquanto, todavia, o que se tem visto é um paradoxo perverso e cruel: os mais ricos estudam o dobro que os mais pobres, enquanto que os que estudam mais conseguem até dobrar sua renda25.

Com a nova configuração geográfica brasileira, devido ao êxodo rural e, consequentemente, a grande concentração das massas nas cidades, somada à revolução tecnológica mundial, es-

25 Fonte: IBGE – PNAD 2009.

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forços também tiveram de ser aplicados na preparação da popula-ção para lidar tanto com as novas tecnologias como com as novas formas de viver em sociedade. Nessa perspectiva, a humanidade tem se deparado com a necessidade de um acesso maior ao co-nhecimento sistematizado pela escola em todos os níveis. Por sua vez, a escolarização viu-se impelida a ter sua universalização am-pliada para o nível médio (ainda que isso não tenha ocorrido nem mesmo em nível fundamental), tendo em vista que não é possível dissociar a questão da desigualdade social, promovida pela péssi-ma distribuição de renda, da baixa escolaridade em decorrência do descaso para com a educação.

Sob esse prisma, nenhum país resolverá plenamente todos os seus problemas com a educação, mas sabe-se que país algum os resolve se não der atenção especial a ela (RAMÃO; RODRI-GUES, 2011, p. 19). No entanto, a maior parte das políticas “são frágeis, produto de acordos, algo que pode ou não funcionar; elas são retrabalhadas, aperfeiçoadas, ensaiadas, crivadas de nuances e moduladas através de complexos processos de influência, produ-ção e disseminação de textos e, em última análise, recriadas nos contextos da prática” (BALL, 2001, p. 102). As políticas públi-cas, que deveriam atender e proteger os interesses da população nacional, são influenciadas por organismos internacionais que tem por finalidade moldar as políticas dos países periféricos aos interesses dos países centrais do sistema capitalista. Com efeito, as políticas públicas no Brasil voltadas à população adulta são, então, geridas a partir de dois eixos norteadores: a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que visa ao aumento da escolarização da-queles que na idade considerada própria para cursar a Educação Básica (EB) abandonaram a escola sem concluir essa fase; e os cursos de profissionalização, por meio da Educação Profissional (EP). A seguir, trataremos de ambos os eixos e da perspectiva de sua integração.

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A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E SUA INTER-FACE COM A EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

O Artigo nº 205 da Constituição Federal de 1988 (BRA-SIL, 1988) afirma que a educação é um direito de todos e um dever do Estado. Outros documentos legais, como a Lei de Dire-trizes e Bases da Educação Nacional, LDB nº 9.394/1996 (BRA-SIL, 1996), também garantem esse direito e, inclusive, o direito daqueles que não tiveram acesso à Educação Básica (EB) na cha-mada “idade própria”.

O Plano Nacional de Educação (PNE) 2000 a 2010 (BRA-SIL, 2001), em seus objetivos e metas do item 5, que trata da EJA, estabeleceu que se deveria ampliar a oferta da educação nes-sa modalidade, associá-la à EP, bem como articular as políticas de EJA às de emprego. Já o PNE 2014 a 2024 (BRASIL, 2014) estabeleceu metas que chamou de “estruturantes para a garantia do direito à educação básica com qualidade, que dizem respei-to ao acesso, à universalização da alfabetização e à ampliação da escolaridade e das oportunidades educacionais”, propondo a ex-pansão da EP e sua a articulação com a EJA, devendo: “oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação profissional” (Meta 10).

A LDB nº 9.394/96, já com a nova redação dada pela Lei nº 11.741, de 2008, preconiza que “A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação co-mum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Nos termos dessa LDB, os três últimos anos da Educação Bási-ca (EB), ou seja, o Ensino Médio (EM), terão, resumidamente, como finalidades: “a preparação básica para o trabalho e a cida-dania”; “o aprimoramento como pessoa humana, incluindo a

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formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”; a compreensão dos fundamentos cien-tífico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática” (Art. 22. Grifo nosso).

No que tange à EJA, a LDB assevera que “será destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria” (Art. 37) e sa-lienta que “A educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional” (Art.37, § 3o. Grifo nosso).

A mesma LDB, acerca “Da Educação Profissional e Tecno-lógica” (EPT), afirma que “A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia” (Art. 39. Grifo nosso).

Desse modo, para que se cumpra o estabelecido pela legis-lação, é necessário que o Estado implemente políticas públicas com as devidas finalidades. Nesse contexto, a elaboração dessas políticas deve estar de acordo com o estabelecido na Constitui-ção e demais documentos legais. Contudo, a política educacional neoliberal dos anos 1990 evidencia influências externas de orga-nismos internacionais, tanto nos diagnósticos como diretamente no teor dos instrumentos legais, bem como na aplicação da legis-lação “mediante o estabelecimento de condições para a utilização de recursos em programas nos quais aqueles organismos partici-pam como cofinanciadores” (LIMA FILHO, 2002, p. 275).

Sob o argumento da modernização, elevação da produtividade do trabalho e competitivida-de nacional, o Banco Mundial, a CEPAL e o BID formulam políticas educacionais dirigidas especialmente às nações periféricas da econo-

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mia capitalista mundial. Tais políticas adotam como postulado a concepção da educação como determinante do progresso técnico, fator de desenvolvimento econômico, de mobilidade social e de alívio da pobreza, apresentando-a associada à ideia de progresso social (BAN-CO MUNDIAL, 1995; CEPAL, 1995; BID, 1997). Nessas políticas, segundo Gimeno Sa-cristán (1998), as reformas são abordadas como programas técnicos, racionais, voltados à efici-ência e gestão, constituindo-se, pretensamen-te, como políticas públicas que têm em mira a descaracterização da noção de política como ideia e prática de transformação social (LIMA FILHO, 2002, p. 276).

Nesses termos, a pretensa intenção de retirar os países de baixa e média renda da condição de atraso, atribuída às deficiên-cias e baixa equidade de seus sistemas educacionais, tem um pa-pel nitidamente ideológico, cuja finalidade é a ocultação tanto das fontes de subdesenvolvimento, desemprego e pobreza quanto dos interesses dos países centrais, no atual estágio das relações so-ciais capitalistas em âmbito internacional. Dessa forma, as políti-cas públicas que visam às reformas educativas expressam projetos políticos que, por sua vez, visam à disputa de poder e nem sempre trazem consigo objetivos reais de reforma social. Em vez disso:

Na assimilação e implementação dessas polí-ticas nos países periféricos do sistema de rela-ções capitalistas mundiais ocorrem processos políticos diversos em que as elites dominantes nacionais se articulam ao capital internacional, de forma que a consecução das orientações de reformas educacionais se dá por mecanismos

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de adequação variados, como, por exemplo, o estabelecimento de condicionalidades para a concessão de financiamentos internacionais e critérios de utilização dos recursos (LIMA FI-LHO, 2002, p. 276).

Nesse contexto, a escola passa a ser forte aliada na prepara-ção para o trabalho, em especial em ações voltadas para a chama-da população economicamente ativa, haja vista o sistema capita-lista, engendrado pelo Estado Liberal (MACHADO, 2009). O EM, por sua vez, também tem mantido relações estreitas com a formação profissional, variando na forma de oferta e organização, conforme a legislação vigente as quais são elaboradas em conso-nância com as ideologias correntes. Dessa forma, a EP, o EM e a EJA se amalgamam ou, no mínimo, imbricam-se. Todavia, as modalidades EJA e EP percorreram trajetórias distintas no con-texto das políticas educacionais brasileiras. Ambas, no entanto, mostraram-se efêmeras, insuficientes e imediatistas, assim como ambas mantiveram cunho de formação para o mercado de traba-lho, com vistas à produtividade e empregabilidade, sem compro-misso com a formação humana integral.

Por quase um século, o objetivo da EJA foi a alfabetização, com o intuito de erradicar o analfabetismo. Tal fato se justifica-va devido ao grande percentual de analfabetos distribuídos pelos Estados brasileiros. Segundo Ferraro (2002, p. 28), nos anos de 1950, “o analfabetismo constituiu-se na grande vergonha nacio-nal. O voto foi repetidamente negado aos analfabetos sob o ar-gumento, principalmente, de sua incapacidade”. À época, 70% dos brasileiros adultos eram analfabetos. Naquele momento, era discurso corrente dentre os que defendiam a universalização da educação escolar no Brasil que o analfabetismo era a razão de todas as mazelas sociais, dentre elas a ociosidade, o vício e o cri-

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me praticados por aqueles que deixavam o campo e passavam a viver na cidade, devido que a grande maioria que vivia no campo era analfabeta. O índice de analfabetismo foi, todavia, reduzido. Mesmo assim, pode-se afirmar que a educação de adultos tem tido avanços lentos ao longo dos séculos. Nem mesmo a alfabeti-zação está universalizada. Nota-se nos últimos sensos divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que a maior incidência de analfabetismo ainda persiste entre os brasi-leiros com mais de 15 anos. Em 2011, havia 1,9% de analfabetos com idade de 10 a 14 anos e 8,6% com 15 anos ou mais.

O Século XXI tem sido chamado nas mídias de o século do conhecimento. No entanto, o Brasil o iniciou com mais de 16 milhões de jovens e adultos, com mais de 15 anos de idade, com menos de um ano de escolaridade, ou seja, analfabetos (BRASIL, 2000). Dessa forma, a EB voltada para jovens e adultos ainda tem, nesse início de século, o grande desafio de atender, com qua-lidade, a uma grande quantidade de pessoas. Para isso, deve-se considerar o perfil daqueles que demandam pela escolarização e esse deve ser o critério para que se organizem as políticas que nortearão uma oferta adequada. A legislação já reconheceu a al-fabetização, no sentido pleno do conceito, como direito de todos os cidadãos. A EJA possui caráter ampliado, no qual os termos “jovens e adultos” indicam que, em todas as idades e em todas as épocas da vida, é possível formar-se, desenvolver-se, constituir conhecimentos, habilidades, competências e valores que trans-cendam os espaços formais da escolaridade e conduzam à realiza-ção de si e ao reconhecimento do outro como sujeito (BRASIL, 2000, p. 12) e não apenas como um processo de escolarização em nível de alfabetização. Em outras palavras, esse público tem direi-to a uma educação de qualidade, como processo transformador de si mesmos e da sociedade.

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A Educação Profissional, por sua vez, tornou-se oficial no governo do presidente Nilo Peçanha, momento em que foram criadas 19 escolas de artes e ofícios, as Escolas de Aprendizes Ar-tífices, que até 1930, quando da criação do Ministério da Educa-ção e Saúde Pública, eram ligadas ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC). Tais escolas, após passar por di-versas transformações e nomenclaturas em mais de um século de existência, dão origem aos atuais Institutos Federais de Educação Técnica e Tecnológica (IFs), que integram a Rede Federal de Edu-cação Profissional, Científica e Tecnológica. A essa instituição de ensino cabe integrar a Educação Básica na modalidade EJA à EP e tem o desafio de proporcionar o aumento da escolaridade, a profissionalização e a formação integral do indivíduo, por meio do PROEJA.

A INTEGRAÇÃO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL COM A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS POR MEIO DO PROEJA

Muito embora a luta por uma educação de qualidade para alunos tanto do EM, da EP e da EJA seja antiga, a perspectiva de integração entre as modalidades é recente e sua origem “está na busca da superação do tradicional dualismo da sociedade e da educação brasileira e nas lutas pela democracia e em defesa da escola pública” (CIAVATTA, 2010, p. 86). O Decreto nº 5.154/2004 regulamentou a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e sua articulação com a EJA, sua relação com a formação voltada para os trabalhadores e para a formação tecnológica, as-sim como garantiu a possibilidade de sua realização, por meio de programas específicos, em todos os níveis de escolaridade. Na di-reção da integração da EJA com a EP, o Governo Lula aprovou o

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Decreto nº 5.478, de 24 de junho de 2005. Esses documentos le-gais geraram para a EP novas possibilidades e desafios de oferta de modalidade de educação, e a Rede Federal de Educação Tecnoló-gica, então, passa a ficar encarregada de oferecer cursos de EPT na modalidade de EJA (HÖFLING, 2001). Nessa perspectiva de integração da EJA com a EP e à EB, como ação positiva, pode-se destacar o Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio para Jovens e Adultos (PROEJA).

Por meio do Decreto nº 5.478, de 24 de junho de 2005, o governo Federal instituiu, no âmbito da Rede Federal de Educa-ção Profissional e Tecnológica (CEFETs, EAFs e Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais), o PROEJA, que prevê a formação inicial e continuada de trabalhadores e a EP técnica de nível médio. Em outras palavras, atribuiu aos então CEFETs a res-ponsabilidade de ofertar cursos relativos ao Programa. O referido Decreto também estabeleceu que os CEFETs seriam responsáveis pela estruturação dos cursos oferecidos e que as áreas profissionais escolhidas para a estruturação dos cursos seriam, preferencialmen-te, “as que maior sintonia guardarem com as demandas de nível local e regional, contribuindo para o fortalecimento das estratégias de desenvolvimento socioeconômico” (Art.5º, § único). Além dis-so, garantiu que os egressos do PROEJA, com aproveitamento, fariam “jus à obtenção de diploma com validade nacional, tanto para fins de habilitação na respectiva área, quanto para certificação de conclusão do ensino médio, possibilitando o prosseguimento de estudos em nível superior” (BRASIL, 2005, Art.6º). Esse mes-mo Decreto estabelece que os cursos da nova modalidade devem ser ofertados obedecendo ao mínimo inicial de 10% do total das vagas de ingresso, tendo como referência o quantitativo de vagas do ano anterior, e que o Ministério da Educação estabeleceria o percentual de vagas a ser aplicado anualmente.

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No ano seguinte, o Decreto nº 5.478 foi revogado pelo Decreto de nº 5.840/06, que definiu que o PROEJA seria um programa nacional (BRASIL, 2006. Grifo nosso). Dentre as al-terações promovidas, o novo decreto: ampliou a integração, que deixou de ser apenas com o EM para ser com toda a EB; aboliu o limite máximo da carga horária para os cursos; estendeu a oferta também para as redes estaduais, municipais e para as entidades privadas do Sistema S; estabeleceu o prazo até 2007 para os Cen-tros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), hoje Institutos Federais, implantarem o PROEJA, continuando estas instituições responsáveis pela estrutura dos cursos que ofertassem, podendo ser articulados ao EF e ao EM, de forma integrada ou concomi-tante; deixou claro que os cursos do programa deveriam “conside-rar as características dos jovens e adultos atendidos”; e estabeleceu a obrigatoriedade da construção de projeto pedagógico integrado único para a oferta dos cursos, mesmo quando a integração en-volvesse instituições distintas, como ocorre no caso da concomi-tância. Outro detalhe importante é que o referido decreto esclare-ceu que a integração da EPT ao EF ou ao EM tem como objetivo “a elevação do nível de escolaridade do trabalhador” (BRASIL, 2006, Art.1º, § 2º).

A importância da elevação da escolaridade do trabalhador é corroborada pela pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Var-gas, com base em dados dos anos entre 2002 a 2010 da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, na qual os resultados apontam que os cursos apenas de formação profissional não contribuíram para a melhoria da empregabilidade, nem para a melhoria salarial dos trabalhadores, enquanto que a elevação da escolaridade foi responsável pela melhoria de ambas. No caso do aumento sala-rial, pode este variar em até 50%, dependendo da escolaridade. Com relação à empregabilidade, as oportunidades multiplicam--se, principalmente, no que tange ao ingresso no serviço público.

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Muito embora os objetivos do PROEJA não sejam restritivos à empregabilidade, temos que admitir, ainda que com certa con-trariedade, que para o pleno exercício da cidadania, estar no mer-cado de trabalho faz-se necessário. Nesse sentido, Ruiz, Ramos e Hingel (2007) mostram estudos que demonstram a existência de uma relação direta entre a renda do trabalhador e o número de estudos por ele rea lizado. Segundo esses autores, “dados do Banco Mundial revelam que quatro anos de estudo ampliam em 33% a renda de um trabalhador; com oito anos de estudos, o impacto chega a 55% e, com 12 anos, a renda mais que duplica, alcançan-do 110%” (p. 3).

O PROEJA surge, então, com a dupla finalidade de enfren-tar as descontinuidades e o voluntarismo que marcam a modalida-de EJA no Brasil, no âmbito do EM e, além disso, integrar à EB uma formação profissional que contribua para a integração socioe-conômica de qualidade desses coletivos (MOURA, 2006, p. 62).

Além do direito à conclusão da EB e à formação profissio-nal de qualidade, o Documento Base do PROEJA, cujo objetivo é nortear a implantação do Programa, salienta que o PROEJA é parte integrante de um projeto de desenvolvimento soberano, que faz frente aos desafios da inclusão social e da globalização da economia, cujo objetivo fundamental é desenvolver “uma políti-ca educacional para proporcionar o acesso do público da EJA ao ensino médio integrado à educação profissional técnica de nível médio” (p. 30) e que os cursos da modalidade pressupõem a for-mação humana, de forma que produza “um arcabouço reflexivo que não atrele mecanicamente educação-economia, mas que ex-presse uma política pública de educação” (BRASIL, 2007, p. 11).

O fato de a Rede Federal de Educação Profissional, Cien-tífica e Tecnológica assumir o PROEJA significou não somente a inserção da EJA nessa instituição, na qual até então não era co-mum a oferta de cursos da modalidade, mas também um ganho

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para a EJA, tendo em vista que as escolas da referida Rede são consideradas como escolas de excelência no que tange à qualidade da educação ofertada (SANTOS, 2010).

Nas palavras de Moll, a inclusão plena dos jovens e adultos:

tem como um de seus fatores condicionantes a escolarização básica obrigatória, gratuita, de qualidade e articulada às dinâmicas produtivas da sociedade, não na perspectiva do alinha-mento subalterno da educação ao capital, mas da construção de projetos educativos plenos, integrais e integrados que aproximem ciência, cultura, trabalho e tecnologia na formação das novas gerações e das gerações historicamente construídas (MOLL, 2010, p. 132).

A autora destaca que cabe ao Estado possibilitar ao país ciclos de desenvolvimentos mais equilibrados e pode fazê-lo por meio da inserção de milhões de jovens e adultos nas dinâmicas societárias a partir da escolarização, trabalho, renda, moradia, in-fraestrutura, cultura e lazer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até chegar a essa possibilidade de integração com a EB, por meio do PROEJA, a EJA e a EP percorreram trajetos distintos, porém ambas sofreram as mesmas mazelas, pois suas trajetórias aproximam-se quando se trata da descontinuidade, da efemeri-dade e das ideologias que subjazem as políticas que as norteiam, bem como da aplicação em ações efetivas da legislação concer-nente a ambas. No contexto brasileiro, o PROEJA surge como uma possibilidade, uma alternativa, uma resposta à realidade de exclusão e desigualdade prospectadas pelos processos históricos

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em que a expansão da oferta da educação e das condições de aces-so, permanência e aprendizagem tem sido tardios com relação às demandas dos processos sociais, produtivos e de formação hu-mana. Todavia, trata-se de um Programa, um instrumento sem garantia de que se torne, de fato, parte integrante de uma política pública do Estado brasileiro que assegure o direito constitucio-nalmente garantido à educação e ao trabalho. Direito esse que tem sido negado ao longo da história, apesar de a educação ser re-conhecida, tanto pela sociedade como pelo poder público, como fundamental para assegurar a cidadania, tendo em vista ser um norteador social, cultural e econômico.

Nosso sonho, porém, é que o PROEJA deixe de existir. Que isso ocorra, entretanto, por não ser mais necessário, devido à extinção da demanda, e não por negligência por parte das polí-ticas de educação e das instituições, por desinteresse dos agentes que dele participam, ou, ainda, por falta de ações efetivas em sua implementação. Para a realização desse sonho, portanto, se-ria necessária a efetivação da universalização da Educação Básica, não apenas no que tange ao acesso, mas também com relação à permanência e ao êxito, de forma que ocorra a conclusão dessa etapa. Há que se cuidar ainda da qualidade da educação básica em todas as suas etapas e não apenas dos números para atender às exigências dos organismos internacionais.

Diante da realidade brasileira, enquanto não ocorrerem mudanças significativas na organização social e/ou, pelo menos, nas políticas públicas referentes à educação e à distribuição de renda, que resultam em profundas desigualdades sociais, infeliz-mente, serão necessárias políticas públicas que visem corrigir essas distorções e, consequentemente, de programas como o PROEJA. Sendo assim, é indispensável a manutenção, ampliação e melho-ria do PROEJA, cujo ensino ocorra na perspectiva da politecnia

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ou formação integral, ao encontro do que aspirava Carl Marx e numa perspectiva política, como defendido por Paulo Freire. A educação sob esse prisma não deve privilegiar o sentido estreito de formação para atender às demandas do mercado de trabalho, nem visar apenas à elevação do nível de escolaridade, mas é preci-so que agregue e articule cultura, conhecimento, tecnologia e tra-balho como direito de todos e condição de cidadania e democra-cia efetivas. É imprescindível que o PROEJA, considerando seu cunho educacional e social, seja parte integrante de uma política pública de educação e que essa política alcance a perenidade, bem como não caia na seara da descontinuidade, tendo em vista que a educação permeia e influencia as diversas áreas da vida humana, seja na esfera social, cultural, profissional ou econômica.

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POLÍTICA EDUCACIONAL, ECONOMIA E SOCIEDADE NA CONTEMPORANEIDADE

Lúcia Helena de Brito26

Alan Robson da Silva27

INTRODUÇÃO

Nosso objetivo neste artigo é apresentar uma reflexão acer-ca das mudanças no quadro de protagonistas envolvidos na ela-boração de projetos de educação que influenciaram na formula-ção de políticas públicas para a educação brasileira a partir dos anos de 1930. Este foi o período em que se inicia a estruturação de um sistema nacional de educação, com a articulação entre or-ganismos da sociedade civil e o Estado.

Os anos da primeira república foram palco de reformas educacionais já na tentativa de constituir normas e objetivos co-muns para a rede de escolas existente no país. Todavia, à época, a ideia de sistema nacional de ensino traduzia-se enquanto forma de organização prática da educação. Somente com o impulso à industrialização do país, o que resultou na emergência do traba-lho assalariado, a educação comparece como uma questão nacio-nal (SAVIANI, 2013).

A partir dos anos de 1930, as demandas social e econômica por educação representavam, respectivamente, a pressão da po-pulação excluída de escolarização, e a necessidade dos setores pro-

26 Doutora em Sociologia. Professora da Universidade Estadual do Ceará, Campi FAFIDAM - Limo-eiro do Norte. Docente do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE/UECE). E-mail: [email protected] 27 Mestre em Educação pelo Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino, da Universida-de Estadual do Ceará (MAIE/UECE). Professor da Rede Pública de Ensino no município de Russas-CE.E-mail: [email protected]

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dutivos por trabalhadores com formação escolar, técnica e profis-sionalizante. No centro da política governamental havia o proje-to de modernização para o Brasil. A necessidade de desenvolver a produção industrial era o caminho para superar a condição de país atrasado em relação aos centros desenvolvidos. A noção de atraso necessitava ser superada e para isso universalizar a educação servia como pilar para a unificação da cultura na sua função de construção da Nação, ou do sentimento de nacionalidade.

O projeto modernizador foi pautado na transferência de capital do setor agrícola para o industrial. Com isso vimos conso-lidar-se o trabalho assalariado e firmar-se certo consenso de mo-dernização como sinônimo de desenvolvimento industrial. A ne-cessidade de instrução em diferentes graus de especialização para atuar nos ramos da indústria incipiente promove a articulação entre educação escolar e desenvolvimento, fator a ser contempla-do pelo plano nacional de educação.

Romanelli (1983), em seus estudos sobre a relação educa-ção e sociedade, reconhece ter havido forte pressão da deman-da econômica implicando na ideia de educação e escolarização como fator de integração social. Todavia, em suas conclusões, a autora anuncia uma defasagem estrutural e quantitativa entre a demanda do desenvolvimento e a escolarização pela insuficiente capacidade de qualificação de um contingente humano para as demandas do mercado. Ao mesmo tempo, a persistente demanda social por educação crescia à sombra da herança cultural, que, segundo Romanelli (1983), foi marcada pelos anseios populares por ascensão social representado pelo acesso à cultura letrada ad-vinda da escola.

O mito da ascensão social por meio da escolarização acom-panhou a história da construção das políticas de educação uni-versalista, pública e gratuita no Brasil, ideia que foi culturalmente

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sedimentada no âmbito da relação educação e desenvolvimento, como orientação a pautar os debates em torno da formulação de um sistema nacional de ensino.

Ante o movimento político em torno da formulação de pro-postas pedagógicas para a unificação do sistema de ensino forças conservadoras representadas pelo ideário da tradição católica se confrontam com outras de feição modernizadora - o movimento renovador que se consubstanciou na denominada Escola Nova. De princípios liberais, o movimento renovador discutia mudan-ças sobretudo nas metodologias de ensino e no papel do Estado no que se refere à universalização da escola pública no país.

Gerou-se um fecundo debate com a presença maciça de educadores professores e intelectuais envolvidos com a questão educacional. Nesse debate a disputa política e pedagógica entre distintos projetos culminou na formulação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961).

Ressaltamos ter sido este um período em que se confiou aos educadores e intelectuais a formulação de políticas de edu-cação, de reformas no ensino, a ocupação de cargos públicos no Estado, garantia de adequação da escola às transformações sociais em curso. Destacamos, igualmente, que a ingerência de represen-tantes da demanda econômica na formulação de políticas educa-cionais cresce nos anos posteriores e consolida-se na formulação da segunda LDB (Lei n. 9.349 de 20 de dezembro de 1996). Considera-se importante observar a mudança de agentes na fun-ção de formular políticas públicas de educação nacional para se compreender os elementos que operam na estrutura do sistema nacional de ensino a partir dos anos de 1990.

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EDUCADORES E INTELECTUAIS NO DEBATE DA FORMULAÇÃO DO SISTEMA DE EDUCAÇÃO NA-CIONAL

Com a fundação da Associação Brasileira de Educação (ABE) em 1924, formaliza-se o debate acerca das vertentes pedagógicas na intenção de constituir-se como grupo influente na organização do sistema educacional, a considerar a educação um vetor para a mo-dernização do país, até então negligenciada pelo Estado.

Decorrem da ABE as Conferências Nacionais de Educação (CNEs) acontecidas no período de 1927 a 1967. Nessas confe-rências, o empenho dos educadores no debate das ideias pedagó-gicas e no esforço para ocupar espaços políticos e cargos na esfera estatal está relacionado à compreensão da ABE sobre a necessida-de de articular suas ideias pedagógicas às demandas do Estado, no contexto do projeto modernizador. Havia a compreensão de que às elites cultas cabia contribuir com a “formação da conciência nacional” e, para tanto, as CNEs tinham um papel de disseminar essa nova percepção como tarefa da educativa e sensibilizar a par-ticipação de professores (VIEIRA, 2017).

Como esclarece Saviani (2013, p. 167), o conceito de ideias pedagógicas não se restringia apenas à forma de organização práti-ca da educação, mas apresentava-se como mentalidade pedagógica: “(...) unidade entre forma e conteúdo das ideias educacionais, a mentalidade pedaógica articula a concepção geral de homem, do mundo, da vida e da sociedade com a questão educacional.”

Assim, em contextos determinados, concepções fiolosófico--educacionais desenham-se com suas diferenças de princípios. No caso brasileiro, delineram-se dois projetos: o oriundo da escola tra-dicional, representado pelos adeptos do catolicismo conservador a defenderem a permanência da moral e valores cristãos como fun-damentos da formação escolar, a autoridade do professor e o disci-plinamento dos alunos; e outro nascido das influencias do movi-

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mento renovador, centrado nos princípios liberais da Escola Nova, representado por intelectuais e educadores da ABE, signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, pubicado em 1932.

Vieira (2017, p. 27) assegura ter sido a disputa entre “o lai-cato católico e seus adversários defensores da laicidade da escola pública” o centro da tensão no interior da ABE e suas conferen-cias. A primeira CNE, realizada em 1927, abriu o debate com o intento de iniciar a sistematização das ideias para contribuir com a unidade nacional, pautando a educação como fundamento da modernidade.

Assim, o debate prosseguiu no curso das CNEs com a hege-monia dos escolanovista. Dentre os protagonistas do movimento político-pedagógico pautado pela ABE, destacamos Lourenço Filho, educador professor atuante nas áreas de Psicologia e Pe-dagogia, criador do Instituto Nacional de Pedagogia (INEP); Fernando de Azevedo, exerceu docência na área de Sociologia, ocupou cargos públicos como reformador do ensino, e contri-buiu sobremaneira na criação da Universidade de São Paulo (USP); e Anísio Teixeira, com vasto conhecimento em Filosofia, foi Conselheiro da Educação Superior na Organização das Na-ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no período de 1946 e 1947, tendo ocupado cargo de Secretário Geral da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

A partir de suas contribuições, fixaram-se os pressupos-tos psicológicos, pedagógicos, sociológicos e filosóficos advindos do movimento renovador escolanovista, a se consolidarem nas CNEs. Não é nosso propósito aqui refletir sobre as consequên-cias de tais orientações pedagógicas no processo formativo de-senvolvido na educação escolar brasileira que, ao longo dos anos, aprofundou a dualidade do ensino no contexto da desigualdade social. O destaque aos referidos educadores é tão somente para

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sublinhar a importância de suas atuações e influencias na formu-lação do sistema nacional de ensino.

Para reforçar o caráter protagonista da ABE, por ocasião da II CNE ocorrida em 1929, Vieira (2017, p. 27), cita Lourenço Filho quando este esclarece intenções das conferências:

(...) as conferências nacionais de educação não devem nem podem ser congressos de natureza técnica ou científica. O que devem é constituí-rem-se como centros de estudo de uma política nacional em matéria educativa. Uma intenção social profunda deve animá-las, mesmo porque só essa intuição as explica e as recomenda ao apoio e confiança dos governos (ABE, Notícias da II CNE, 1929, p. 21).

Nesse sentido, a ABE afirmava-se enquanto projeto polí-tico. A conformidade entre os objetivos da ABE e as demandas do Estado evidenciava-se na compreensão de que questões re-lativas a tais demandas eram debatidas nas CNEs, e, portanto, seus participantes compreendiam que “os resultados das CNEs eram subsídios para as políticas públicas de Educação” (VIEIRA, 2017, p. 27).

Das Conferências seguintes, ressaltamos a IX CNE reali-zada em 1945 com o tema sobre a educação democrática, a X CNE em 1950, com objetivo de elencar subsídios para integrar a primeira Lei de Diretrizes e Bases, a XI CNE em 1954 trazendo a questão do financiamento da educação pública pelo Estado e a XIII CNE, de 1967, antecipando o relação da educação voltada para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Na formulação dos princípios orientadores que resultaram na promulgação da primeira é importante destacar que os repre-sentantes do ideário escolanovista ocuparam a cena:

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[...] a ABE manteve-se atuante (...) na discussão so-bre as políticas públicas para educação. As reformas atingiram diretamente a organização jurídica do ensino e da escola, reverberando sobre as práticas de planejamento e controle dos processos educa-cionais, bem como sobre a formação e a profissio-nalização do magistério. (VIEIRA, 2017, p. 29).

Mesmo que a relação educação e sociedade estivesse pon-tuada pela demanda econômica, relativa às necessidades do de-senvolvimento industrial em curso, a formulação de um projeto educacional apresentado como diretriz para unificação da edu-cação nacional esteve nas mãos de educadores, demarcando um campo educacional especializado atuando em espaços políticos estratégicos no corpo estatal. As diretrizes para a educação ficou marcada pelas ideias pontuadas pelos signatários do Manifesto de 1932, e pela constante inserção das ideias fundamentais dos adeptos da escola tradicional de inspiração católica.

Um debate, portanto, aguardado pelos representantes em-presariais com anseios de que no Brasil se constituísse por meio da educação, a modernidade. Pensa-se modernidade como sinô-nimo de desenvolvimento, e este, vinculado ao processo de in-dustrialização.

Com alguns pontos consensuais às duas tendências, mas sob hegemonia dos escolanovistas, o anteprojeto da lei de dire-trizes e bases (LDB) foi concluído em 1948 sob a presidência de Lourenço Filho e entregue à Câmara Federal. A primeira LDB foi promulgada em 1961. Romanelli (1983, p. 171) analisa ter ocorrido a votação da referida lei após “uma longa luta cheia de marchas e contramarchas (...). Jamais, na história da educação brasileira, um projeto de lei foi tão debatido e sofreu tantos re-veses, quanto este.” Dos pontos centrais que marcaram o debate,

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além dos já citados anteriomente, destacam-se, por um lado, a defesa da educação como serviço público e gratuito a ser provido pelo Estado e, por outro, a proposta conservadora para quem a educação como um bem particular deveria ser ofertada por insti-tuições privadas. Abrem-se então ao abrigo da LDB nº 4024/61 a ingerência do setor privado na promoção da educação.

O período marcado pela ditadura militar de 1964 promove, de modo centralizador e autoritário, a reforma no ensino superior em 1968 e a reforma no ensino básico em 1971. A partir de 1964 alianças entre forças armadas e setores da burguesia empresarial gestam as condições políticas para a inserção do capital interna-cional no bojo da política de internacionalização da economia brasileira. Muitos são os trabalhos que analisam este período, e, nosso intuito é frisar as incursões de organismos externos no pla-no educacional coordenando as reformas no ensino nas década de 1960 e 1970. Essas reformas demarcaram uma mudança radical no modo de pensar, planejar e gerir o sistema nacional de ensino. A resposta das políticas públicas de educação às demandas do mercado inicam seu percurso cada vez mais à margem da pre-sença dos educadores, professores e intelectuais, estudantes e co-munidade escolar, na formulação das diretrizes para a educação.

Em linhas gerais, trata-se do domínio político e econômico dos Estados Unidos em relação à América Latina e outros países considerados então subdesenvolvidos. A ingerência dos planos de readequação do papel da educação na formação de força de traba-lho qualificada reconfigura-se no período da crise econômica e da necessidade do equilíbrio de forças políticas que perfilaram o pe-ríodo chamado de guerra fria. No Brasil, foi definidora a presença da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Interna-cional (United States for International Development – USAID) a partir de 1968, com acordos firmados entre o Ministério da Edu-cação e a USAID – os reconhecidos “acordos MEC-USAID”. O

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assessoramento dos técnicos da USAID se efetuam nas reformas educacionais de 1968 e de 1971.

Nosso proposito adiante é compreender os desdobramen-tos da incursão de agencias empresariais e financeiras na formula-ção das políticas educacionais orientadas pelas demandas sociais e econômicas, que proporcionaram o surgimento de novos prota-gonistas de projetos educaionais para implementação nas escolas públicas, redesenhando as funções sociais do sistema nacional de educação e ensino no Brasil e o papel dos educadores e professo-res como protagonistas na formaulação desses projetos e políticas. Sem perder de vista a relação Educação e desenvolvimento, é nesse contexto que se compreende a formulação da segunda LDB (Lei nº 9394, de 1996) e das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica de 2013, em cujos textos estão previstas outras reformas a exemplo da criação da Base Nacional Comum Cur-ricular, das reformas do ensino médio e superior, ora em curso.

A INTERFERÊNCIA DE SETORES FINANCEIROS NAS FORMULAÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Como constatamos, na história da educação brasileira o debate acerca da formulação de políticas educacionais para inte-grarem o sistema nacional de educação foi protagonizado por in-telectuais comprometidos com estudos da educação, educadores professores, na elaboração de políticas favoráveis a expansão do ensino laico, público e gratuito, sob correlações de forças repre-sentadas por demandas variadas.

Todavia, a partir do debate para formulação da LDB nº 9394/96 inicia-se uma incursão de interesses empresariais com gran-de força de interferencia nos projetos a serem executados nas escolas, bem como na formulação de políticas para a educação brasileira.

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Os representantes empresários de diversos setores da eco-nomia começam a se fazer presentes nas conferências mundiais para educação e propor orientações para as políticas públi-cas de educação. A “Conferência Mundial sobre Educação para Todos”, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, foi um marco dessas iniciativas. A re fer ida conferência foi orga-nizada por agentes do mercado f inanceiro mundia l : o Banco Mundial (BM), Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento (PNUD), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura (UNESCO), com o objetivo de lançar as novas diretrizes para uma política educacional para os países em desenvolvimento. Ou seja, para os países ocupantes da periferia do capital, endividados com o capital financeiro, este represen-tado pelo Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Interna-cional (FMI).

Nesse sentido, pode-se afirmar que a Conferencia de Jomtien (1990) foi, na verdade, a imposição de diretrizes edu-cacionais pelo capital financeiro internacional. Essas diretrizes educacionais propunham a diminuição do analfabetismo, a uni-versalização do ensino básico, formação a garantir aos alunos a apreensão do conhecimento que os capacitasse a ler, escrever e operacionalizar matematicamente. Não havia, de certo, uma coe-rência entre os propósitos da citada conferência e as reais con-dições de efetivá-los, uma vez que se anunciavam ajustes fiscais pelo FMI visando o pagamento da dívida pelos países latino-a-mericanos, impondo um “novo padrão de distribuição e alocação do produto social, gerado sob um novo paradigma capitalista – processo produtivo cientificizado – que reserva para os países da periferia a desindustrialização endividada” (ROMÃO, 1995, p. 87, grifos do autor).

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Em condições dimunutas de geração de postos de trabalho, um contingente de trabalhadores qualificados estaria, em pou-co mais de uma década, em situação precarizada de trabalho, a demonstrar indícios de que a educação e a escolarização isolada-mente tratadas não proporcionam melhoria de qualidade de vida àqueles que a ela têm acesso, desconstruindo o mito da educação como fator de integração social por meio da ascensão individual. Tais condições já se colocavam:

[...] as medidas restritivas dos países centrais sobre os periféricos do capitalismo parecem es-tar surtindo os efeitos desejados, uma vez que se escoam, anualmente, cerca de 60 bilhões de dólares em capital e outros recursos, dos países pobres para as mais ricas nações do globo (The Inter-Agency Comission for the World Con-ference on Education Fol All, 1990, p.2), sem que seja alterada a situação dos devedores em relação aos credores (ROMÃO, 1995, p. 87).

Pode-se afirmar que as proposições da Conferencia de Jom-tien (1990) assentam-se claramente em bases neoliberais quanto ao entendimento da relação Educação / Sociedade, e Educação / Desenvolvimento. Isso se traduz na justificativa de que a educação nos países em desenvolvimento necessita adequar-se aos novos patamares da demanda econômica, uma vez que, no documento acerca de resultados da Conferência de Jomtien dez anos após sua realização, a UNESCO, em Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, apresenta a seguinte avaliação:

Ao centrar as suas propostas em torno do con-ceito de educação ao longo de toda a vida, a Comissão não quis significar, com isso, que tal

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salto qualitativo dispensasse uma reflexão sobre as diferentes categorias de ensino. Pelo con-trário, achou por bem confirmar, igualmente, importantes orientações vindas da UNESCO, como a importância vital da Educação básica (...). É que, muito simplesmente, a educação ao longo de toda a vida permite ordenar as di-ferentes seqüências de aprendizagem, gerir as transições, diversificar os percursos, valorizan-do-os. O que nos libertaria do triste dilema: selecionar, multiplicando o insucesso escolar e o risco de exclusão social ou nivelar o ensino, sacrificando a promoção dos talentos. Estas re-flexões nada retiram às excelentes conclusões a que se chegou, quando da Conferência de Jom-tien, em 1990, sobre educação básica e neces-sidades educativas fundamentais. “Estas neces-sidades dizem respeito, quer aos instrumentos essenciais de aprendizagem (leitura, escrita, expressão oral, cálculo matemático, resolução de problemas), quer aos conteúdos educativos fundamentais (conhecimento, aptidões, va-lores, atitudes), de que o ser humano precisa para sobreviver, desenvolver as suas faculdades, viver e trabalhar com dignidade, participar ple-namente do desenvolvimento, melhorar a sua qualidade de vida, tomar decisões esclarecidas e continuar a aprender.” (UNESCO, 1998, p. 21/22, grifo do documento).

A flexibilização com que a escola básica trata os conteúdos disciplinares contidos no currículo das diversas áreas de conhe-cimento se justifica pela prioridade estabelecida ao letramento e ao raciocício matemático cobrados em programas obrigatórios de

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avaliações institucionais de aprendizagem. Nesses termos, coube o movimento de alianças com fundações e institutos a adentra-rem nas escolas de educação básica com projetos dos mais varia-dos teores e objetivos – desde a formação continuada de professo-res a atividades planejadas, a serem executadas com envolvimento dos alunos.

São projetos formulados por representantes do ideário neo-liberal onde a educação aprofunda dualidades em relação aos seus objetivos e a escola pública ganha a condição de assistencia social sob a ideia da equidade social. Os protagonistas das orientações para as políticas de educação e ensino e formulação de projetos a se inserirem na escola pública são a Fundação Lemann, a Fun-dação Itaú, o Instituto Unibanco, o Instituto Natura e Institu-to Inspirare, para citar os mais evidentes e frequentes na Escola Básica pública. O Estado, amplamente confortável no processo de reformulação de seu papel social, está a se desresponsabilizar cada vez mais de sua tarefa de promover educação pública, laica, gratuita e de qualidade para todos.

Outro aspecto a ser destacado é a inserção de proprietários empresariais no âmbito do debate sobre as reformas instituídas a partir do golpe branco, que destituiu a presidenta Dilma Rous-seff da presidência do Brasil. O presidente empossado, ilegitima-mente, aos 31 de agosto de 2016 inicia um ataque aos direitos sociais com propostas de mudanças de cunho neoliberal com a finalidade de reforma do Estado a consolidar o modelo de ges-tão empresarial em todas as instâncias estatais e suas vinculadas, inclusive as instituições educacionais, atingindo a Educação Bá-sica. A Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415/2017), aliada à Emenda à Constituição n° 55, de 2016, foi promulgada após parlamentares integrantes da comissão especial para formulação do projeto terem ouvido membros convidados da Fundação Le-

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mann, do Instituto Unibanco, da Fundação Itaú, do Instituto Inspirare, do Instituto Natura, a presidente-executiva do “Todos pela Educação” e o presidente do Instituto Co-Responsabilidade pela Educação (ICE).

Tem-se nesse panorama o esvaziamento do debate educa-cional dada a ausência de educadores e estudiosos da escola básica, bem como gestores, professores e estudantes no grupo destinado à elaboração da reforma do ensino médio. Há um movimento es-plícito que desloca o debate educacional das mãos dos educadores e intelectuais pesquisadores da ciência da educação para as mãos de empresários do sistema financeiro no processo de formulação de políticas educacionais para e educação pública.

Nesse contexto, a pergunta pela formação também se es-vazia, uma vez que a perspectiva da formação para o mercado norteia a demanda econômica e determina o sentido da formação direcionada ao suprimento de mão de obra adequada às mudan-ças das relações de produção dada a crise do capital financeiro e do processo de acumulação flexível que absorve intermitente-mente força de trabalho. Percebe-se que reduzir o aprendizado a itinerários formativos organizados por áreas de conhecimento, quais sejam, linguagens, matemática, ciências da natureza, ciên-cias humanas e formação técnica e profissional, com flexibilidade de escolha pelo aluno após o cumprimento de uma base nacio-nal comum curricular, significa desconstruir as possibilidades de formação crítica e emancipatória, desconsiderando o direito ao aluno de ter acesso ao conhecimento produzido e acumulado pela humanidade, e de ser obrigação do Estado promover e financiar integralmente a escola pública, gratuita e de qualidade para to-dos.

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À GUISA DE CONCLUSÕES: O PROCESSO FORMA-TIVO ESCOLAR E A PRECARIZAÇÃO PEDAGÓGICA

Historicamente, nas formulações das leis e diretrizes defini-doras de conteúdos e ações pedagógicas para a educação nacional, aparentemente democráticas, priorizou-se a atender a demanda social para formação da elite dominate. Para a classe trabalhado-ra, os processos formativos destinam-se a instrução adequada às demandas do mercado de trabalho.

A escola pública, aprisionada por sistemas de ensino volta-dos para adequação dos educandos à demanda do mercado, apa-rece como espaço que não potencializa a práxis educativa eman-cipatória. A classe trabalhadora permanece excluída do acesso à educação no seu sentido lato, de caráter universal, cujo objetivo é a apropriação do conhecimento produzido e acumulado pela humanidade.

Em síntese, a primeira e a segunda Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação brasileira revelam a permissividade crescente do processo de privatização da Educação e seus meios de acesso, bem como aprofunda a desigualdade quanto ao acesso aos bens cul-turais e à educação formal. Mais do que a dualidade entre escola profissionalizante para a classe trabalhadora e escola propedêu-tica para a elite que adentra aos níveis superiores de ensino, a política educacional instituiu a dualidade de sistemas: o público, destinado às classes pobres, e o sistema privado de ensino, para a expansão da educação como fatia mercadológica.

Para Libâneo (2012), a luta política pedagógica em torno da equidade e da educação pública, gratuita e de qualidade para todos, que marcou de certa forma a história da educação brasi-leira, demarcou a primazia do ideário liberal como fundamento da pedagogia da Escola Nova – o “aprender a aprender”. Esta orientação aparece, de modo superficial, mas não menos incisi-

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vo, como orientação pedagógica e política no documento “Edu-cação - Um Tesouro a Descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI” (UNESCO, 1998). Este documento apresenta os princípios nor-teadores da educação para o século XXI: “Aprender a conhecer”; “Aprender a fazer”; “Aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros” e “Aprender a ser.” (UNESCO, 1998, p. 90-99).

Consolidou-se a cisão entre formar para o trabalho (ensi-no técnico) e formar para as áreas de gestão e serviços (ensino propedêutico), a desqualificação do ensino público e gratuito e a desvalorização da classe de professores.

Nesse contexto, a escola pública voltada prioritariamente para atender os filhos da classe trabalhadora, passou a cumprir a função de assistência social e assim consolidou uma desigualdade estrutural quanto ao acesso à formação emancipatória, voltada para a autonomia, a reflexão crítica e a práxis como um ato polí-tico (LIBÂNEO, 2012). Se atribuirmos a educação o objetivo de formar para a realização da totalidade do ser humano, consciente de seu papel histórico na construção da emancipação humana, podemos afirmar que esta possibilidade histórica encontra-se em crise na escola.

Isso não implica afirmar que os processos formativos da es-cola não sejam imbuídos de contradições, mas implica reconhe-cer que a escola encontra-se ineficiente para construção de uma práxis educativa emancipatória visando a superação das relações sociais de dominação e de exploração do trabalho, não havendo, pois, condições dadas para a formação de uma consciência de si e para si, por parte do educando que dela faz uso como única possibilidade de acesso ao saber sistematizado.

Assim, a reunião de elementos capazes de proporcionar uma compreensão e superação da crise da escola pública brasilei-

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ra está atrelada ao reconhecimento dos espaços contraditórios no próprio fazer pedagógico e na construção de um pensamento crí-tico que se configure como resistência aos projetos hegemônicos. Para tanto, há que se ter clareza da ação pedagógica como práxis educativa, capaz de intervir sobre a realidade e promover, ain-da que no processo de transformação, as condições para a práxis emancipatória, com a clareza dos objetivos os quais se pretende alçar. Há, certamente, na práxis pedagógica, implicações políticas a traçarem rumos os quais possibilitem transformações quanto à formação, priorizando a relação educação e trabalho como um processo de reconhecimento da objetivação do homem no mun-do, tendo a práxis como princípio educativo.

Para concluir, apontamos as contradições dos processos for-mativos na escola pública. No século XXI, esta aparece como um problema para o Estado liberal por não representar mais uma instituição essencial à reprodução do capital. A pergunta pela di-mensão política da educação retorna com fundamental importâ-nica, uma vez que os educadores e professores, estudiosos da edu-cação escolar e não escolar encontram-se à margem dos processos de formulação de das políticas públicas para a educação, bem como da ocupação de cargos estrátégicos na estrutura do Estado. A dimensão política da atividade educativa não está dissociada da formulação de diretrizes e de projetos pedagógicos como or-ganizadores do ensino.

Nas contradições próprias da relação capital/trabalho, a educação pública torna-se um campo de luta e, sem o conhe-cimento da realidade não há ação transformadora possível para a superação dos problemas que assolam a escola pública como locus da práxis educativa, para emancipação da condição precari-zada, quando tudo lhe falta.

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CUNHA, Luiz Antonio. Educação e classes sociais no Manifesto de 32: pergun-tas sem respostas. Revista da Faculdade de Educação da USP, São Paulo, v. 20. N. 1-2, p. 132 – 150, jan./dez. 1994. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfe/article/view/33542/36280> Acesso em 18/05/2018.

LIBÂNEO, José Carlos. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres. Edu-cação e Pesquisa, São Paulo, v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v38n1/aop323.pdf> Acesso em 18/05/2018.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil (1930/1973). 4ª Edição. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1983.

ROMÃO, José Eustáquio (Org.). Dívida Externa e Educação para Todos. Cam-pinas, SP: Editora Papirus, 1995.

SAVIANI, Derneval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4ª ed. Campi-nas, SP: Autores Associados, 2013.

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VIEIRA, Carlos Eduardo. Conferências Nacionais de Educação: intelectuaus, Estado e discurso educacional (1927-1967). Educar em Revista, Curitiba, Bra-sil, n. 65, p. 19-34, jul/se. 2017. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/er/n65/0104-4060-er-65-00019.pdf> Acesso em 18/05/2018.

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GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL: TRANSFORMAÇÕES CAPITALISTAS E SUAS

IMPLICAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO NO BRASIL

Erika Roberta Silva de Lima28

Francisca Natália da Silva29 Lenina Lopes Soares silva30

CONSIDERAÇÕES INICIAISNos últimos anos vivemos profundas interações entre os

países conforme Boaventura Santos (2002). Essas interações são de cunho social, econômico, político e cultural e têm sido deno-minadas de globalização. Embora o termo globalização seja mui-to utilizado, é pouco compreendido, e algumas vezes, aparece, apenas, como expansão territorial, mas a globalização é um fe-nômeno que compreende novas dinâmicas com importantes di-mensões e impactos na vida social, econômica e cultural. Isso fica claro quando reconhecemos que esse processo não trouxe apenas o encurtamento da distância, na noção de tempo e espaço, mas também modificações nas relações sociais e de produção (MIL-TON SANTOS, 2001). Assim, a globalização é um conjunto de mudanças sociais com importantes impactos na organização da vida social e em outros aspectos incluindo os processos que demandam mediações sociais como a educação e o trabalho.

Consideramos, nessa perspectiva, que as mudanças globa-lizantes influenciam as políticas públicas para a educação, nota-damente, aquelas que se voltam diretamente para o atendimento do mercado globalizado, como a Educação Profissional, voltada,

28 Graduada em Pedagogia (UERN) e mestra em Educação (IFRN/PPGEP). [email protected] Graduada em Pedagogia (UERN) e mestra em Educação (IFRN/PPGEP). [email protected] Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEP/IFRN). [email protected]

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explicitamente, para a preparação para o trabalho. Não o trabalho em sentido ontológico pensado por Marx (1987), mas o trabalho árduo, duro sem condições de existência, dosado pelo mercado em busca de lucro.

Na lógica de ação sobre as práticas sociais do capitalismo globalizado, a educação, além de ser determinante no processo de fortalecimento do sistema, é tratada politicamente como meio, produto e produção dentro do mercado, notadamente nos países em desenvolvimento como o Brasil. Sendo assim, a globalização, não sendo um processo unificado, mas multifacetado, não pode influenciar de forma única todos os países, mas influencia de vá-rias forma a educação.

Nesse sentido, a educação passa a ser também fator que explica as diferenças de capacidade de trabalho, de produtividade e de renda, pois se volta à preparação do homem para o fazer, mas, lhe nega a formação humana integral por meio da ciência, da cultura, da arte e da tecnologia, além de impedir que este usu-frua dos bens de cidadania e de consumo, ou seja lhe impede de conquistar as condições materiais de existência de acordo com suas necessidades.

Nesse contexto, as relações de trabalho encontram-se na dinâmica do emprego informal. Para Ianni (1997, p. 149), “em última estância, o que comanda a flexibilização do trabalho e do trabalhador é o novo padrão de racionalidade do processo de re-produção ampliada do capital, lançada em escala global.” Para nós, a flexibilização do trabalho foi assumida sem crítica pelos mundos pós-coloniais em processo de desenvolvimento como o Brasil, principalmente, quando assume para a educação dos jo-vens um modelo de Ensino Médio e de Educação Profissional alijado da formação humana integral, demonstrando que as polí-ticas educacionais são atreladas às ideologias de mercado e não à realidade concreta vivida no país.

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Por essa razão, nesse artigo, nos ocupamos em refletir sobre os processos de globalização no contexto neoliberal, observando os determinantes histórico-sociais e econômicos, tendo como su-porte a discussão sobre as mudanças na organização da produção e do trabalho que vão influenciar as políticas educacionais nos Estados capitalistas, entre os quais, o Brasil. Diante disso procu-ramos apresentar as políticas educacionais para o Ensino Médio e para a Educação Profissional no Brasil, dos anos de 1990 até o ano de 2010, no contexto do processo de globalização neoliberal, que pressupõem a preparação dos estudantes para o mercado de trabalho capitalista, vistas à compreensão de suas influências so-bre as políticas educacionais no Brasil

Para realização do objetivo proposto neste trabalho, ado-tamos como percurso metodológico a pesquisa bibliográfica e documental. Na revisão bibliográfica dialogamos, entre outros, com trabalhos de Santos (2002), Bauman (1999), Milton Santos (2001) Antunes (2011) discutindo as concepções de globalização, de neoliberalismo e Estado e suas transformações no contexto da sociedade moderna; Kuenzer (2000), Santos (2007), Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005) e Silva (2003) abordando as reformas e organização do Ensino Médio e da Educação Profissional. Na pesquisa documental, utilizamos os documentos que norteiam a educação brasileira, como a LDB (1996) e aqueles que determi-naram as políticas para o Ensino Médio e Educação Profissional.

O presente texto está organizado da seguinte forma: no pri-meiro tópico tratamos de discutir sobre o conceito de globalização neoliberal, com foco nas implicações sobre a educação no Brasil. Em seguida, apresentamos as políticas para o Ensino Médio e Edu-cação Profissional dos anos de 1990 até o ano de 2010, no contex-to do processo de globalização neoliberal. Por último, nossas con-siderações finais sobre a globalização neoliberal e as transformações capitalistas e suas implicações sobre a educação no Brasil.

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A GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL E SUAS IMPLICA-ÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO NO BRASIL

O neoliberalismo é uma forma do liberalismo clássico, po-rém, de acordo com Antunes (2011), o neoliberalismo diferen-cia-se do liberalismo clássico quanto à circulação internacional de bens e capitais, visto que vivemos e vivenciamos a globalização em seus diversos processos como já discutimos. Desse modo, po-demos constatar, na vida cotidiana, suas interferências em todas as dimensões da sociedade e do Estado, notadamente em suas re-gulações sobre as políticas públicas e, entre essas, aquelas voltadas para a educação.

Nessa perspectiva, é possível verificarmos que o modelo de globalização neoliberal vem se constituindo de forma explicita desde 1945, em meio às críticas ao modelo de Estado de Bem--Estar Social, que foi adotado pelos países capitalistas até meados de 1970. O Estado de Bem-Estar Social é caracterizado como forte regulador de produção e das leis do mercado e tem como base de sustentação, o modelo taylorista-fordista de produção, que foi constituído como forma de reverter o processo imposto pelo liberalismo. Assim, o Estado tinha como objetivo a criação de políticas públicas na área social. (HOBSBAWN, 1995).

A crítica a esse modelo de Estado de Bem-Estar Social cen-tra-se, justamente, na redefinição do papel do Estado, pois, na ideologia do neoliberalismo o Estado deve favorecer o livre-mer-cado e o mercado é o modelo regulatório. Esse novo modelo capi-talista defende que os gastos públicos do governo com ações para atender às necessidades da sociedade civil, como, por exemplo, oferta de educação pública, deve ser reduzida ao máximo, pois argumentam que com o desenvolvimento da economia do país, a sociedade conseguirá prover essas necessidades.

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Dentro dessa racionalidade, o Estado deve ser mínimo, ou seja, caracterizar-se como um Estado onde os bens e serviços oferecidos à sociedade civil serão mínimos. Porém, esse mesmo Estado é forte para romper o poder dos sindicatos e assumir o controle financeiro, com características interventivas, apenas, quando for necessário agir para proteger o sistema capitalista e seu mercado globalizado.

São efeitos da globalização neoliberal: o Estado Mínimo, conduzido pela mínima intervenção estatal na economia e na so-ciedade; a expansão transnacional, que se refere à possibilidade da expansão das empresas que passam a se determinar como trans-nacionais; o desenvolvimento da alta tecnologia, porque, nessa conjuntura, é preciso ter esse desenvolvimento para ter acesso a outros mercados, por exemplo, meios de transporte e de co-municação mais avançados e rápidos; exigência de mão de obra qualificada, para atender às necessidades do mercado; e a priva-tização, regida por uma política de austeridade fiscal (corte nos gastos públicos) que estimula a privatização de algumas empresas estatais, com o discurso de oferecer serviço de qualidade (BOA-VENTURA SANTOS, 2007).

A privatização dos serviços sociais públicos desresponsabili-za o Estado de alguns serviços, retirando sua capacidade de inter-venção nos serviços sociais, deixando que sejam, apenas, regidos por leis do mercado. No Brasil, o termo privatização no sentido de “privatizar o público” na área social, precisamente na área da edu-cação, começa a ser discutido a partir dos anos 1960, passando, em 1968. A privatização acontece de forma implícita, por meio de parcerias, terceirizações de serviços e de outras formas, como por exemplo, por meio de programas de educação voltados para jovens e adultos, leiamos qualificação para o trabalho. Nesses são investidos recursos financeiros públicos em instituições privadas,

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com a justificativa de necessidade e urgência e de impacto de be-nefício social, leiamos, também, econômicos (CUNHA, 1998).

Na conjuntura da sociedade global, na qual o capitalismo se fortifica, em meio à globalização neoliberal, temos como desa-fio, educar para outra sociedade que promova a igualdade social. Para tanto, se faz necessária uma educação que forme indivíduos integralmente; que se reconheçam como protagonistas sociais e históricos, pois, na sociedade brasileira, que se forjou em meio ao processo de globalização, a educação tem se constituído como hegemônica de forma dual e excludente para os que vivem do trabalho e tem impossibilitado a formação humana integral.

Ao discutirmos o processo de globalização em suas diver-sas dimensões, consideramos que essas têm interferido de forma negativa, na concepção de educação, no papel da escola e na for-mulação das políticas educacionais, pois a literatura consultada ratifica o cotejamento excludente dessas vivenciado e assistido na hegemonia neoliberal presente no Brasil. Concluímos, assim, que a globalização em curso no Brasil e suas determinações neo-liberais repercutem, diretamente, nas políticas educacionais, no-tadamente, na Educação Profissional e no Ensino Médio, lócus educativo/formativo diretamente voltado para os jovens.

AS POLÍTICAS PARA O ENSINO MÉDIO E EDUCA-ÇÃO PROFISSIONAL DOS ANOS DE 1990 ATÉ O ANO DE 2010, NO CONTEXTO DO PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL

As políticas para o Ensino Médio e para a Educação Pro-fissional no Brasil são detentoras de intencionalidades relaciona-das ao projeto societário de poder que as embasam. Se estiverem relacionados ao projeto societário e educativo do capital, este

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apresenta como objetivo, de acordo com Frigotto (1998) um di-recionamento apenas para o mercado, particularmente, a Educa-ção Profissional, a qual se apresentará numa perspectiva de ades-tramento, acomodação, prática, mesmo que se utilize de noções como as de educação polivalente e abstrata. Seria, assim, uma educação mínima para sujeitos mínimos reagirem minimamente diante da realidade social e do Estado com suas exclusões em to-das as dimensões da vida e da sociedade.

Vale ressaltar que o Ensino Médio - última etapa da Edu-cação Básica - conforme estabelecido pela Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional (LDB) Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996) tem como finalidade consolidar e aprofundar os conheci-mentos adquiridos no Ensino Fundamental, além de possibilitar o prosseguimento dos estudos. No artigo 35 da LDB, fica claro que o intuito do Ensino Médio é “a preparação para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo que seja capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores” (BRASIL, 1996).

Todavia, é preciso esclarecer que, antes de se consolidar como última etapa da Educação Básica, o Ensino Médio passou por várias reformas e reformismos. Foi forjado desde a sua consti-tuição no Brasil nos entremeios do dualismo entre educação geral e formação profissional. A primeira orientada por uma cultura geral, com vistas à apropriação da ciência; e a segunda, de caráter utilitário e restrito para preparar os jovens para funções laborais específicas (MÔNICA SILVA, 2003).

Já a Educação Profissional, no país, sempre esteve associada à formação da mão de obra demandada pelo sistema capitalista, sugerindo necessidades de educação para o trabalho em suas in-fluências econômicas, sociais e culturais, disseminadas pelo pro-cesso globalizante em suas lógicas excludentes e contraditórias.

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Ao longo da história brasileira, a Educação Profissional foi se constituindo de diferentes formas e em diferentes espaços, dis-ponibilizados pelo poder público, em instituições de pequeno e grande porte (FICSCHES; WAIANDT, 2015).

Assim sendo, a Educação Profissional no Brasil, enquanto política de Estado é uma modalidade de educação orientada pela LDB e, complementada pelo Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004 (BRASIL, 2004). Contudo, os debates e polêmicas em seu entorno continuam, pois o principal objetivo da Educação Pro-fissional, nos instrumentos jurídico-legais, é a oferta de formação profissional, voltada para o acesso ao mercado de trabalho, e se dirige tanto para jovens estudantes quanto para trabalhadores que buscam ampliar suas qualificações profissional.

Em 1996 no governo de Fernando Henrique Cardoso- FHC esteve voltado para políticas neoliberais para a educação, o que consistiu em políticas de recuo da participação estatal nas atividades econômicas e em poucos investimentos nas escolas pú-blicas. Assim, as políticas educacionais propostas por esse gover-no expressavam uma concepção de educação orgânica e hegemô-nica ao modelo econômico em curso, versão nacional do processo globalizado de acumulação flexível. (KUENZER, 2000, p. 16), alinhado, portanto, com as políticas de Estado do neoliberalismo.

Durante o governo de FHC, foram elaborados vários do-cumentos legais para orientação e funcionamento da educação brasileira. Foi elaborada e promulgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/1996. Além disso foram criadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DC-NEM), os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) e o Decreto nº 2.208/1997, os quais representaram o grande marco normativo da Reforma do Ensino Médio:

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Aprender para vida. Esta é a filosofia básica da Reforma do Ensino Médio que o Ministério da Educação (MEC) vem implementando no país. A reforma começou com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996. Um dos pontos principais da reforma é a separação da Educação Profissional do ensino regular. A partir de agora, a formação técnica é um complemento da Educação geral e não um pedaço dela. Com essa mudança, o ensino profissional pode ser cursado ao mesmo tempo em que o ensino médio, mas o aluno tem que fazer os dois cursos para receber os dois diplomas (FOLHA DE S. PAULO, 19/8/99 apud KUENZER, 2000, p. 15).

A ideia central da reforma era adaptar o ensino às novas determinações do mercado de trabalho, centrado nas transfor-mações técnicas e científicas, na revolução tecnológica e na so-ciedade da informação, afinada, portanto, em todos os aspectos com os princípios neoliberais do mundo globalizado. (JEAN SANTOS, 2007), como já discutimos na seção anterior. Assim, “o ensino médio, agora, é para a vida”, foi anunciado com a in-tenção de aproximar a sala de aula dos elementos cotidianos da vida do aluno e dos interesses imediatos da sociedade. (BRASIL, PCNEM, 1999). Era um discurso pródigo de intenções políticas às quais tinham como finalidade atender aos interesses econômi-cos, tratando a educação como mercadoria.

Um ano após a reformulação da LDB (1996), foi estabele-cida a estrutura da Educação Profissional, por meio do Decreto nº 2. 208/1997, que instituiu regulamentações para a Educação Profissional, propondo as formas: concomitante e subsequente, como articulações entre a formação geral e a formação tecnoló-

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gica. O referido Decreto determinava, ainda, a separação entre o Ensino Médio e a Educação Profissional, ou seja, sem uma base curricular única. Estava, assim, estabelecida a cisão entre o ensino propedêutico e a Educação Profissional.

A definição do Decreto nº 2.208/1997, conforme Jean Santos, (2007), esteve de acordo com o contexto dos anos 1990, ou seja, com a elevação da Educação Básica à condição de prio-ridade política para a inserção do país no mundo competitivo: globalizado e neoliberal. Assim, tornou-se objeto da retórica de diferentes entidades públicas e privadas, porque, nesse contexto de globalização neoliberal, a Educação Básica é tida como priori-dade política para a inserção do Brasil no mundo.

Assim sendo, a relação estabelecida entre educação e traba-lho, no contexto da globalização neoliberal no Brasil, é de que a educação é o meio de capacitar pessoas para fortalecer o mercado de trabalho, de preferência, com uma qualificação aligeirada. Tra-balho, nesse caso, recebe também o sentido de empregabilidade, e não de princípio educativo como aquele que contribui para o processo formativo dos sujeitos.

Após o governo FHC, quem assumiu a presidência do Bra-sil foi Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. Nesse novo governo, o Ensino Médio também sofreu alterações, tais como: a revo-gação do Decreto nº 2.208/1997 e a promulgação do Decreto nº 5.154/2004. No âmbito dessa discussão, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 13) afirmam:

Não é difícil perceber que o amplo leque de forças de esquerda que reiteradamente busca-ram eleger Luiz Inácio Lula da Silva inscreve--se, de uma ou de outra forma, na tradição do projeto de desenvolvimento nacional popular comprometido com as reformas estruturais. Reformas, todavia, não para conservar ou ree-

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ditar a modernização conservadora e, portanto, a desigualdade social. No campo educacional, tratava-se de, imediatamente - assim se expres-sava o projeto do candidato Lula - revogar do Decreto n. 2.208/97 uma espécie de ícone do caráter autoritário e mercantilista das reformas.

O Decreto nº 2.208/1997 foi substituído pelo Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004, que regulamenta os art. 36, 39, 40 e 41 da LDB. Esse decreto define as formas de articulação entre a Educação Profissional (integrada, concomitante e sub-sequente) como apresenta o Parecer nº. 39/2004 do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Câmara de Educação Básica (CEB). Sendo assim, havia amparo legal para revogar o Decreto nº 2.208/1997. (BRASIL, 1997).

Portanto, enquanto o art. 5º, do Decreto nº 2.208/1997, define que “a Educação Profissional nível técnico terá organização curricular própria independente do Ensino Médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este” (BRASIL, 1997), o Decreto nº 5.154/2004 define que a Educação Profissional Técnica poderá ser desenvolvida de forma articulada com o Ensino Médio. Nele, a articulação “dar-se-á de forma integrada, concomi-tante e subsequente ao Ensino Médio” (Artigo 4º). Para Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 44) o Ensino Médio Integrado é:

[...] aquele possível e necessário em uma rea-lidade conjunturalmente desfavorável- em que os filhos dos trabalhadores precisam obter uma profissão ainda no nível médio, não podendo adiar esse projeto para nível superior de ensi-no- mas que potencialize mudanças para, su-perando-se essa conjuntura, constituir-se em uma educação que contenha elementos de uma sociedade justa.

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Assim, a “articulação”, como propõe o Parecer nº 39/2004, “é uma forma de relacionamento entre a Educação Profissional e o Ensino Médio, deixa, assim, de ser adotada a velha fórmula do ‘meio a meio’ entre as partes da educação geral e de formação es-pecial no Ensino Médio.” A Lei nº 5.692/1971, conhecida como a LDB de1971, já previa que a Educação Profissional acontecesse concomitante a formação em nível médio. A forma como era es-tabelecida essa articulação é o que diferencia o que foi proposto em 1971 para o que hoje é o Ensino Médio Integrado.

Diante dessas políticas para o Ensino Médio e Educação Profissional no Brasil é possível perceber que há momentos em que ocorrem de forma concomitante e em outros são separados. Observamos também que ambos foram alvos de muitas reformas, sempre direcionadas para o atendimento às necessidades impos-tas pelo contexto econômico. Compreendemos que delineamen-to histórico dessas políticas foi se constituindo nas tramas do ca-pitalismo globalizado que continua a forjar políticas educacionais não condizentes com as reais necessidades concretas do país, pois no início do século XXI ainda apresenta mazelas e contradições presentes no início da colonização.

CONSIDERAÇOES FINAISNesse artigo, discutimos os processos de globalização, que

consistem em um conjunto de decisões políticas identificadas no tempo e na autoria, tendo como resultado dessas decisões a compreensão de uma globalização hegemônica e outra con-tra hegemônica. Situamos o Brasil no processo de globalização hegemônica, que implica o crescimento da economia informal, no desemprego estrutural e o aumento da exclusão social, pois a história da educação brasileira vem sendo atravessada por esse processo hegemônico.

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Assim, em razão desses processos diversos de globalização, a educação é pensada numa lógica econômica, com práticas edu-cativas e políticas públicas educacionais afetadas pela privatização e comercialização da educação, como também pela competitivi-dade e pelo individualismo. Isso porque, no contexto da globali-zação econômica, a educação escolar é um elemento fundamental dentro do sistema capitalista, pois é concebida como produtora da capacidade de trabalho, potencializadora do fator trabalho. Nesse sentido é um investimento como qualquer outro. E sen-do, considerada investimento, e não um bem inalienável à pessoa humana, a educação.

Desse modo, são concepções políticas que diferem de um projeto societário de educação em uma perspectiva contra he-gemônica. Isso porque as concepções políticas não hegemônicas têm como horizonte uma formação capaz de proporcionar aos in-divíduos, qualificações amplas de modo a garantir-lhes os saberes necessários a uma formação humana integral; uma formação de cultura geral na qual o trabalho seja entendido como um princí-pio educativo, e não como uma utilidade imediata, inconsequen-te e alijado da vida com dignidade humana e social.

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_____.Presidência da República.Decreto nº. 2.208, de 17 de abril de 1997. Re-gulamenta o § 2º do art. 36 e os artigos 39 a 42 da Lei federal nº. 9.394/96. Brasília, DF: 17 abr. 1997.

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O PAIC: UMA ABORDAGEM A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA CRÍTICA

Sirneto Vicente da Silva31

Lydyane Maria Pinheiro de Lima32

José Eudes Baima Bezerra33

INTRODUÇÃO

O Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) surge como uma resposta do Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar (CCEAE) aos resultados da pesquisa reali-zada entre 2004 e 2005, com os alunos de 1ª à 4ª série do ensino fundamental. No entanto, o caminho já vinha sendo preparado, uma vez que além dos documentos oficiais definirem a erradica-ção do analfabetismo como princípio ou meta a ser alcançada, as experiências34 que vinham se consolidando no território brasilei-ro contribuíram para que o PAIC fosse instituído.

Ainda no governo Tasso Jereissati (1999-2003), através da publicação do artigo “A reforma da educação básica no Ceará”, escrito por Antenor Naspolini, na época, secretário de educação,

31 Mestre em Educação e Ensino (MAIE/FAFIDAM/FECLESC); Membro dos Grupos de Estudos Obra Filosófica e Histórica de Dermeval Saviani e Capitalismo e Teorias Críticas (FAFIDAM/UECE).

32 Mestre em Educação e Ensino (MAIE/FAFIDAM/FECLESC); Membro dos Grupos de Estudos Obra Filosófica e Histórica de Dermeval Saviani e Capitalismo e Teorias Críticas (FAFIDAM/UECE).

33 Professor Adjunto da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Professor do Mestrado Intercampi em Educação e Ensino (MAIE/UECE), Coordenador do Grupo de Estudos Obra Filosófica e Histó-rica de Dermeval Saviani (FAFIDAM/UECE).

34 Experiências de matriz semelhante surgem em outros estados brasileiros nesse período, todas tendo como objetivo priorizar a aprendizagem dos alunos da educação básica, a partir da implementação de um sistema de avaliação, como é o caso de Minas Gerais (início dos anos 1990), Bahia – Pacto pela Educação (2011), Acre – Pacto Pela Educação do Rio Branco (1999). Atualmente, a partir da experiência do Ceará, vista pelos governos de outros estados como exitosa, ao buscar alfabetizar todas as crianças de sete anos na idade certa, através do PAIC, outros estados brasileiros vêm insti-tuindo os seus programas, sempre em torno da estruturação de um sistema de avaliação, o que denota claramente o papel de Estado-Avaliador dos governos.

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já se anunciava a necessidade de o governo subsequente dar conti-nuidade às reformas que vinham ocorrendo no Estado do Ceará, sobretudo na educação, alertando que a “segunda geração de re-formas educacionais exigirá a articulação de três conceitos básicos de gestão educacional cearense: autonomia escolar, descentraliza-ção e avaliação” (NASPOLINI, 2001, p. 185).

Nesse sentido, nota-se a continuidade das reformas pelo governo seguinte, Lúcio Alcântara (2003-2006), cujo projeto de gestão “Escola Melhor, Vida Melhor”, foi definido contem-plando os princípios da gestão de qualidade e inclusão; gestão democrática e controle social; ação compartilhada entre poder público e sociedade; e desenvolvimento profissional permanente e valorização dos servidores da educação. Segundo Sofia Lercher Vieira, secretária de educação na época, buscando materializar os princípios definidos para essa gestão, dez (10) programas fo-ram planejados como condutores das políticas a serem realizadas, quais sejam:

universalização progressiva do Ensino Médio nas localidades urbanas e rurais; apoio ao de-senvolvimento da Educação Infantil e imple-mentação das políticas de inclusão para jovens e adultos, portadores de necessidades educativas especiais e comunidades indígenas; redução do analfabetismo de jovens e adultos; garantia da qualidade da escola com foco na aprendizagem do aluno; garantia do domínio das habilidades de leitura, interpretação e escrita; ampliação progressiva da jornada escolar; aprimoramento do processo de formação e valorização dos ser-vidores da educação; modernização do proces-so de formação e valorização dos servidores da educação; modernização do processo da gestão

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e controle social do sistema de ensino; aperfei-çoamento do processo de avaliação institucional e de análise dos resultados educacionais; regula-mentação e efetivação do regime de colaboração Estado/Município (VIEIRA, 2007, p. 58).

Os projetos elencados corroboraram a implementação de políticas definidas pelos organismos multilaterais, sobretudo para os países que compõe a América Latina, como resultado das orientações estabelecidas pelos organismos internacionais, após a Conferência Mundial de Educação para Todos ocorrida em 1990, em Jomtien, Tailândia. Em linhas gerais, vemos a priorida-de dada pelo Estado à educação básica, ao ensino de um currículo baseado na leitura, escrita e resolução de problemas matemáticos simples, à avaliação do desempenho escolar, ao regime de colabo-ração entre Estado e Municípios, sob a perspectiva da qualidade em educação.

Buscou-se implementar uma gestão para o sucesso escolar, como define Vieira (2007), concebendo-o como essência da tarefa educativa. Para tanto, as avaliações em larga escala passa-ram a desempenhar elemento fundamental para o levantamento do nível de aprendizagem escolar dos estudantes, determinado como indicador de sucesso. Com isso, percebeu-se a necessidade de aproximar o currículo teórico, ou seja, o currículo posto na matriz de referência, orientador das avaliações padronizadas, ao currículo real, o currículo escolar, “visando superar o fosso en-tre aquilo que o sistema de avaliação busca mensurar e o ensino ministrado por professores” (VIEIRA, 2007, p. 54). Como con-sequência, observou-se a introdução da Gestão por Resultados (GPR) e o Sistema de Inclusão Social (SIS), considerados pelo governo, como importantes instrumentos de monitoramento das políticas implementadas.

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Compreende-se, portanto, de modo mais claro, os ajustes realizados no sistema escolar – modelo de ensino, currículo mí-nimo, introdução de metas – impostos pelas avaliações padroni-zadas, das quais demandam também investimento na formação de professores, como o que foi realizado nessa gestão, através da oferta de 2.500 bolsas de especialização para professores da rede estadual nas disciplinas básicas – português e matemática; e a criação do Prêmio Escola Destaque, o qual “procura estimular as unidades escolares que conseguiram melhorias relativas no seu desempenho” (VIEIRA, 2007, p. 55). Logo, percebe-se o desen-volvimento do projeto neoliberal para a educação, voltado para a formação (des)humana para os filhos dos trabalhadores cearenses.

A POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL PAIC COMO IMPLEMENTAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES DOS ORGA-NISMOS INTERNACIONAIS

No final da gestão do governador Lúcio Alcântara (PSDB), em 25 de maio de 2004, é criado o Comitê Cearense para Eli-minação do Analfabetismo Escolar (CCEAE), sob a liderança da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, que tinha como pre-sidente o deputado Ivo Ferreira Gomes (PPS35), irmão de Cid Ferreira Gomes, prefeito de Sobral entre 1997 e 2004, cujo mar-co da sua segunda gestão foi a implantação das reformas educa-cionais, mormente, através da Política de Alfabetização. O Plano de Ação (2004-2005) do CCEAE estabelecia quatro objetivos, a saber:

Objetivo Específico 1: Identificar o nível de anal-fabetismo e as condições para a alfabetização escolar

35 Partido Popular Socialista. Desde 2015 é presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Atualmente é prefeito de Sobral – CE.

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de alunos egressos das primeiras séries do ensino fundamental (que estão cursando a 2ª série em 2004) de escolas públicas do Ceará, através de:- Diagnóstico do nível de alfabetização infantil (DNA – I): trata-se de um levantamento através de teste padronizado de leitura e escrita, em 49 muni-cípios cearenses;- Identificação das condições e formas de organi-zação do trabalho escolar e trabalho docente para garantir a alfabetização infantil;- Identificação dos mecanismos de formação inicial e continuada para a alfabetização infantil no Ceará;- Identificação de políticas e experiências exitosas de alfabetização infantil na rede pública de ensino fundamental.Objetivo Específico 2: Promover a discussão sobre a alfabetização de crianças, contemplando as ativi-dades:- Realização de dois Seminários sobre o tema da al-fabetização de crianças;- Realização de sete Audiências Públicas da Assem-bléia [sic] Legislativa nas macro-regiões [sic] do in-terior do Estado e em Fortaleza.Objetivo Específico 3: Sensibilizar e mobilizar a sociedade sobre o tema da alfabetização infantil, através da produção e divulgação de material de comunicação.Objetivo Específico 4: Contribuir para a formula-ção de Políticas Públicas para a Alfabetização, por meio da elaboração e disseminação do Relatório fi-nal dos trabalhos desenvolvidos pelo Comitê, com ênfase nos resultados encontrados nas pesquisas (CEARÁ, 2006, p. 27).

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Esses objetivos delinearam os eixos da pesquisa – diagnós-tico (avaliação da leitura dos alunos), formação dos professores e organização do trabalho escolar e docente. Em linhas gerais, os resultados coletados concluíram que dos 8.000 alunos avaliados, apenas 40% estavam alfabetizados, “os cursos de Pedagogia do Estado do Ceará não possuíam uma proposta clara para formar o professor alfabetizador; que as práticas docentes eram pobres, no que diz respeito ao ensino da leitura e escrita; e que as práti-cas docentes ocupavam pouco tempo das quatro horas de aula” (MARQUES et al, 2009, p. 278).

Como a intenção de formular uma política para a erradica-ção do analfabetismo infantil em nível de Estado já era prevista, conforme o Objetivo Específico 4, tendo como suporte a expe-riência de Sobral36, em março de 2006, foi instituído o Progra-ma Alfabetização na Idade Certa (PAIC), com a participação de apenas 60 municípios cearenses, cujos prefeitos fizeram adesão ao programa, assinando um pacto com o governo estadual, “no qual os prefeitos se comprometiam a priorizar a alfabetização das crianças nas séries iniciais” (MARQUES et al, 2008, p. 437). No ano seguinte,37 Cid Gomes toma posse e assume o Programa como proposta do Governo. De acordo com Marques et al (2008, p. 437), “a Secretaria de Educação do Estado resolveu oferecer to-das as condições, logísticas e financeiras, necessárias para atender a todos os municípios cearenses”, resultando na adesão em massa pelos municípios. No entanto, o que se percebe é a vinculação de repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

36 Em 2000, no último ano do primeiro mandato do prefeito de Sobral, Cid Ferreira Gomes, o governo municipal encomendou sua primeira avaliação estandardizada dirigida aos alunos das turmas de 2ª série do ensino fundamental, cujo foco foi a leitura. Os resultados dessa pesquisa, aliados aos de uma pesquisa encomendada pelo Programa Acelera Brasil, do Instituto Airton Senna, parceiro do municí-pio, subsidiaram o governo reeleito a implementar uma política educacional baseada na Gestão por Resultados (GPR), assentada no tripé descentralização, responsabilização e meritocracia.

37 O PAIC tem início no ano de 2006, porém, como a adesão de todos os municípios cearenses se deu no ano de 2007, esta é a data aceita como oficial para o lançamento do Programa. Logo, em 2017, comemorou-se os 10 anos dessa política cearense.

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(ICMS) aos resultados de aprendizagem dos alunos, implicando, portanto, na adesão do conjunto dos municípios38 ao Programa. Mais tarde, em 2009, essa adesão se fortalece, através do Prêmio Escola Nota 10, criado pela Lei Nº 14.371, de 19 de junho de 2009, com o objetivo de prestar cooperação técnica e financeira aos municípios cearenses, com vistas à melhoria dos resultados de aprendizagem, através de repasse financeiro para os municípios com melhores índices de aprendizagem, mensurados censitaria-mente, ao final do ano letivo, através do SPAECE.

O Prêmio Escola Nota 10, quando da sua criação, tinha como objetivo premiar as escolas públicas que apresentassem os melhores resultados de alfabetização, através do IDE-Alfa, Índice de Desempenho Escolar – Alfabetização. A Lei 15. 052, de 06 de dezembro de 2011, altera a lei anterior ampliando a premiação para as turmas e 5º ano (IDE-5), além das turmas do 2º ano (IDE-Alfa) que já são premiadas. A Lei nº 15.923, de dezembro de 2015, amplia a abrangência do Prêmio Escola Nota 10 para as turmas de 2º, 5º e 9º (IDE-9) anos. São premiadas as 150 escolas com melhores IDE em cada nível (2º, 5º e 9º anos), correspon-dendo ao montante de R$ 2.000,00 por aluno avaliado, sendo o valor total repassado em duas parcelas: a primeira de 75% e a se-gunda de 25%. As escolas com melhores desempenhos, de acordo com a Lei do Prêmio, ficam obrigadas a desenvolverem junto às escolas com menores desempenhos, cooperação técnico-pedagógica com o objetivo de manter ou melhorar os resultados de aprendi-zagem dos alunos, estando, portanto, o recebimento da segunda parcela, atrelado ao desempenho das escolas com baixo desempe-nho que são apoiadas.

38 Saviani coloca que a vinculação entre os resultados e o repasse financeiro para os municípios e escolas se dá numa nova roupagem do tecnicismo, o neotecnicismo, que tem na avaliação o papel de regular o trabalhador. Na educação, os governos instituem exames e provas de diferentes tipos, e de acordo com os resultados obtidos, condicionam “a distribuição de verbas e a alocação dos recursos conforme os critérios de eficiência e produtividade” (SAVIANI, 2013, p. 439).

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Para ser premiada no 2º ano do ensino fundamental, a es-cola deve ter, no momento da avaliação, no mínimo 20 (vinte) alunos matriculados no 2º ano do ensino fundamental regular; ter obtido média do IDE-Alfa no intervalo entre 8,5 (oito e meio) e 10,0 (dez); ter no mínimo 90% (noventa por cento) de alunos matriculados no 2º ano do ensino fundamental avaliados pelo SPAECE. Para a premiação das turmas de 5º e 9º anos, se-guem-se os mesmos critérios estabelecidos para os 2º anos, sendo modificados apenas os IDE-5 e IDE-9, que de acordo com a lei fica determinado o valor entre 7,5 (sete e meio) e 10,00 (dez).

No início do Prêmio, as escolas do 2º ano do ensino fun-damental com os menores resultados também recebiam aporte financeiro. Com sua ampliação para o 5º e 9º anos, a Lei atual (nº 15.923, de 15.12.2015) disciplina que serão premiadas as 150 escolas com menores resultados apenas no 5º e 9º anos. Os critérios para a concessão financeira às escolas com menores de-sempenhos são dois: ter, no momento da avaliação, pelo menos 20 (vinte) alunos matriculados, respectivamente, no 5º e 9º anos do ensino fundamental regular; e ter no mínimo 90% (noventa por cento) de alunos matriculados no 5º e 9º anos do ensino fun-damental avaliados pelo SPAECE. Cada escola recebe por aluno avaliado R$ 1.000,00, em duas parcelas, sendo cada uma de 50% do valor total.

Depreende-se desse contexto, que o Prêmio Escola Nota 10, configurando uma política de accountability, além de respon-sabilizar os trabalhadores da educação pelos resultados que as escolas devem alcançar nas avaliações estandardizadas aplicadas pelo SPAECE, ampliam essa responsabilização às escolas com melhores desempenhos, através da obrigatoriedade de coopera-ção técnico-pedagógica às escolas com menores desempenhos, condicionando a liberação da segunda parcela do Prêmio aos re-

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sultados de aprendizagem decorrentes dessa cooperação. Isto pos-to, fica claro o papel do Estado enquanto Estado-Avaliador, que através da implementação do sistema de avaliação em larga escala, planeja ações sem a participação dos professores, responsabilizan-do-os pelos resultados de aprendizagem como se não existissem fatores externos à sala de aula, também determinantes do desem-penho dos alunos. Através do papel que desempenha a Gestão por Resultados (GPR), o Estado se coloca à parte, uma vez que institui as políticas, mas não as desenvolve diretamente, somente as regula através das avaliações.

Os eixos orientadores da pesquisa, ora descritos – avaliação, formação de professores e organização do trabalho escolar e do-cente – configuram entre os cinco eixos estruturantes do PAIC39, como podemos observar:

No eixo da Gestão Municipal da Educação, [...] Os municípios são induzidos a rever e criar processos de definição de metas, elaboração de planos e acompanhamento e avaliação dos indicadores municipais, pela melhoria do desempenho dos alunos.A Avaliação Externa – segundo eixo – é pro-posta como um instrumento de gestão vital na promoção do direito à aprendizagem.No eixo Alfabetização, o apoio é fundamen-tado na formação de professores vinculada ao currículo e ao uso de material estrutura-do. [...] A formação de professores é articulada ao currículo e ao material, focando na prática em sala de aula. Integra-se ainda à formação o acompanhamento pedagógico realizado pelas equipes escolares e municipais.

39 Em 2016, com a ampliação do PAIC até o 9º ano, a alfabetização passou a compor o eixo Funda-mental I juntamente com o 3º ao 5º ano e foi acrescentado o eixo Fundamental II, com o 6º ao 9º ano.

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A Formação de Leitores, quarto eixo do Pro-grama, busca fomentar o gosto pela leitura.No eixo Educação Infantil, [...] Três estraté-gias principais são colocadas em prática: forma-ção de técnicos das Secretarias para que possam orientar um processo formativo nas próprias redes, contribuição na elaboração de propostas pedagógicas e apoio à ampliação da oferta de vagas (via editais de financiamento de constru-ção de Centros de Educação Infantil). (CEA-RÁ, 2012, p. 21-22, negritos nossos).

Esses cinco eixos são responsáveis pela dinamização do PAIC e tomados para a garantia da alfabetização dos alunos das turmas de 2º ano do ensino fundamental, como preconiza a meta 5 do Plano Estadual de Educação (PEE 2016-2024), e para a continuidade de aprendizagem dos alunos das demais turmas – 3º ao 9º ano.

O eixo Avaliação Externa configura um dos mais importan-tes, uma vez que a avaliação é entendida como um instrumento vital ao direito de aprendizagem, isso porque avalia a leitura dos alunos para determinar o nível de aprendizagem apresentados por estes nas avaliações padronizadas. Logo, os outros eixos e ações são mediados pelo eixo da Avaliação Externa. Cabe ressaltar que a importância dada pelos gestores municipais a esse eixo, diz res-peito ao repasse de recursos financeiros, embora muitos profes-sores, coordenadores e diretores das escolas e alguns membros das secretarias municipais de educação ainda não tenham plena consciência desse fato. A avaliação, no entanto, é vista, realmente, como um instrumento representativo da aprendizagem dos alu-nos, sendo o seu resultado, por um lado mensurador do trabalho docente e por outro entendido pelo professor como diagnóstico para o planejamento didático-pedagógico de ações que visem ele-var o nível de aprendizagem dos estudantes. Em suma, as ava-

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liações estandardizadas ao mesmo tempo em que mensuram a “aprendizagem do aluno”, avaliam a competência do professor, enquadrando-o, ou não, entre os melhores professores.

É o sistema de avaliação externa, no caso do Ceará, o Sis-tema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Estado do Ceará (SPAECE), que molda a formação continuada docente, não somente pelos resultados divulgados, mas principalmente pelo material estruturado que é planejado levando em conside-ração as habilidades e competências postas nas matrizes de re-ferência a partir das quais são elaborados os testes de medição. No tocante à alfabetização, a matriz de referência prioriza apenas dois eixos, a apropriação do sistema de escrita e a leitura, em detrimento à oralidade e à produção textual. Quando analisado o material estruturado, percebemos orientações que privilegiam a discussão e a produção de gêneros textuais diversificados, mas concluímos que dentre as competências que tornam o estudante proficiente em leitura, estão as que exigem o reconhecimento do gênero textual, bem como a identificação do seu propósito comu-nicativo. Desse modo, inferimos que as intenções que permeiam a existência de tais atividades dentre as que o material estrutura-do apresenta relacionam-se diretamente com o treinamento dos alunos para as avaliações estandardizadas; dito de outro modo, o estudo e a produção de diversificados gêneros textuais contidos no material estruturado preparam os alunos para resolverem as questões que avaliam as habilidades e competências relativas ao reconhecimento do gênero e à identificação de sua função, per-meando também questões que tratam da inferência, uma vez que cada gênero contém marcas linguísticas próprias. O objetivo de tais atividades é, portanto, preparar os alunos para as questões que exigem o reconhecimento e a identificação da função dos gêneros textuais que aparecem nas avaliações aplicadas pelo Es-

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tado, as quais mensuram a aprendizagem dos alunos em leitura, ficando os demais conteúdos à margem do processo de ensino e aprendizagem.

Nesse quadro, o eixo Alfabetização é responsável pela instrumentalização dos professores para que repliquem, nas sa-las de aula aos seus alunos, as atividades aprendidas/praticadas/treinadas nas formações. Estas caracterizam-se como pragmáti-cas, tendo em vista que seu objetivo é que o professor “aprenda fazendo” e reflita sobre a sua prática, a fim de que as atividades executadas gerem a aprendizagem dos alunos, alcançando o nível de proficiência que determina essa aprendizagem. Tais ativida-des são desenvolvidas em sala mediante uma rotina pedagógica40 preestabelecida no manual didático que acompanha o kit de ma-terial estruturado41. Essa rotina determina os horários de cada atividade, não permitindo mudanças, sob o argumento de que deve ser cumprido o tempo pedagógico, identificado na pesquisa do CCEAE como um dos fatores que implica na não aprendiza-gem dos alunos. Nessa perspectiva, o acompanhamento pedagógico realizado, principalmente, pelas equipes das SME contribui para que a execução das atividades e metodologias que foram “apren-didas” nas formações sejam praticadas, observando-se as instru-ções realizadas nas formações mensais.

Torna-se relevante destacar que, embora o eixo Formação do Leitor perpasse os eixos Alfabetização e Educação Infantil, o mesmo não se apresenta com tanta vitalidade, ficando durante um longo período desativado, sendo reestruturado em 2017, com um dia destinado à sua formação. Outro destaque é para

40 A rotina pedagógica determina qual atividade deve ser realizada em que horário. Ao professor cabe apenas observar as orientações descritas no manual e aplicar a atividade preestabelecida.

41 O material estruturado é composto, de modo geral, por um manual que traz a descrição das atividades que devem ser realizadas com os alunos e as estratégias didáticas que os professores devem utilizar em suas aulas; sendo composto também por cadernos de atividades, cartazes, livros de literatura infantil e jogos didáticos de alfabetização.

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o eixo Educação Infantil que, implicitamente, é compreendida como condição para que os alunos cheguem ao primeiro ano com as competências iniciais de leitura, escrita e matemática de-senvolvidas para que sejam alfabetizadas na idade certa. A esse eixo é dada uma grande relevância, através do investimento em formações e acompanhamento pedagógico, uma vez que o Ban-co Mundial (BM) compreende que “o desenvolvimento infantil e educação inicial constituem um apêndice e uma prolongação antecipada da escolarização, uma estratégia preventiva ao fracasso escolar” (TORRES, 2003, p. 175). Embora o governo do Estado do Ceará ainda não adote material estruturado para as crianças da Educação Infantil, há municípios que fazem parceria com edito-ras e compram kits para seus professores e alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo desse percurso analítico realizado sobre o Pro-grama Alfabetização na Idade Certa, percebemos que o mesmo configura-se como uma política de erradicação do analfabetismo infantil, assentado no princípio da accountability. Nesse sentido, visivelmente observamos que no PAIC é dado prioridade à for-mação do docente, como meio de instrumentalizar os professores com técnicas como forma de garantir que os alunos aprendam; e às avaliações externas, com vistas à mensuração da aprendizagem e a divulgação de que o Estado está garantindo que todos apren-dam na idade certa através da oferta de uma educação de quali-dade. Tais prioridades são evidenciadas pelo BM como elementos que contribuem para a “qualidade educativa”, a qual “localiza-se nos resultados e esses verificam-se no rendimento escolar. Esse é julgado a partir de objetivos e metas propostos pelo próprio equi-pamento escolar [...], sem questionar a validade, o sentido e os

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métodos de ensino daquilo que se ensina” (TORRES, 2003, p. 134, itálicos do original).

A formação continuada do professores e as avaliações de medição configuram, portanto, elementos primordiais para que a aprendizagem das crianças aconteçam, constituindo o ciclo AVA-LIAR – FORMAR – EXECUTAR – AVALIAR. Nesse processo, os professores avaliam sistematicamente seus alunos no tocante à leitura e à escrita, obtendo um diagnóstico dos níveis de leitura e escrita dos mesmos e refletem sobre sua prática, reelaborando atividades para elevar a aprendizagem dos alunos com maiores dificuldade; participam das formações que fornecem as atividades a serem desenvolvidas para a superação das dificuldades de cada aluno, executando-as em sala e avaliam novamente42, repetindo-se esse ciclo mensalmente, com vistas à preparação para a avaliação padronizada, aplicada no final do ano letivo, através do SPAECE.

A proposta didática do PAIC toma como contribuições teórico-metodológicas os cursos de formação continuada de pro-fessores do Ministério da Educação (MEC) - Profa e Pró-Letra-mento, e as pesquisas de três centros de estudos e pesquisas - Cen-tro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais; Centro de Estudos em Educação e Linguagem (Ceel), do Centro de Educa-ção da Universidade Federal de Pernambuco, e Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação do Rio Grande do Sul (Geempa) (CEARÁ, 2013, p. 24).

Isto posto, depreende-se sob quais pedagogias o processo de ensino e aprendizagem se desenvolve, uma vez que tanto o PROFA e o Pró-Letramento, enquanto programas de formação

42 Essa avaliação ainda não é a avaliação do SPAECE, é uma avaliação para detectar como o nível de leitura e escrita dos alunos, denominada “Diagnóstico”, que deve acontecer mensalmente para que seus resultados sejam inseridos no SAAP. A base de fundamentação teórica para a realização desse diagnóstico é a Psicogênese da Língua Escrita, desenvolvida por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, introduzido no Brasil na década de 1980.

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de professores para a alfabetização, quanto o CEALE, o CELL e o GEEMPA adotam como fundamentação teórica a Psicogênese da Língua Escrita para o desenvolvimento de estudos e metodo-logias de ensino. As pedagogias do “aprender a aprender” são, portanto, a base teórica do PAIC, percebidas na Proposta Didáti-ca para Alfabetizar Letrando (PDAL), elaborada por uma equipe de consultores formada por professores da UFC, tendo à frente a professora Amália Simonetti. Por outro lado, compreende-se que o PAIC conforma a junção de políticas de alfabetização já imple-mentadas como o PROFA e o Pró-Letramento, ambos estrutura-dos pelo governo federal em 2000 e 2005, respectivamente.

Portanto, o modo como o PAIC é estruturado e desenvol-vido, materializa uma formação humana básica para os filhos dos trabalhadores, oferecida através de um currículo mínimo para que aprendam apenas a ler, cuja aprendizagem é mensurada por um sistema de avaliação estandardizada que, baseado em núme-ros determina a aprendizagem dos estudantes e, consequente-mente, a qualidade em educação.

REFERÊNCIASCEARÁ. Assembleia Legislativa do Ceará. Relatório Final do Comitê Cearense para a Eliminação do Analfabetismo Escolar: Educação de qualidade começan-do pelo começo. Fortaleza: Assembleia Legislativa do Ceará, 2006.

CEARÁ. Lei nº 14.371, de 09 de junho de 2009. Cria o Prêmio Escola Nota Dez, destinado a premiar as escolas públicas com melhor resultado no índice de desempenho escolar – Alfabetização (IDE-Alfa), e dá outras providências.

CEARÁ. Lei nº 16.025 de 30 de maio de 2016. Dispõe sobre o Plano Estadual de Educação (2016 – 2024).

CEARÁ. Regime de Colaboração para a garantia do direito à aprendizagem: o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) no Ceará. Secretaria de Educação. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Fortaleza: SEDUC, 2012.

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CEARÁ. Secretaria de Educação. Proposta didática para alfabetizar letrando por Maria Amália Simonetti Gomes de Andrade. 4. ed. ver. amp. – Fortaleza: Seduc, 2013.

MARQUES, Cláudio de Albuquerque; AGUIAR, Rui Rodrigues; CAMPOS, Márcia Oliveira Cavalcante. Programa Alfabetização na Idade Certa: concepções, primeiros resultados e perspectivas. Est. Aval. Educ., São Paulo, v. 20, n. 43, p. 275-291, maio/ago. 2009.

MARQUES, Cláudio de Albuquerque; RIBEIRO, Ana Paula de Medeiros; CIASCA, Maria Isabel Filgueiras Lima. Paic: o pioneirismo no processo de ava-liação municipal com autonomia. Estudos em Avaliação Educacional, v. 19, n. 41, set/dez. 2008.

NASPOLINI, Antenor. A reforma da educação básica no Ceará. Estudos Avan-çados, v. 15, n. 42, p. 169-186. 2001.

SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4. ed. Campi-nas, SP: Autores Associados, 2013. (Coleção memória da educação)

TORRES, Rosa María. Melhorar a qualidade da educação básica? As estraté-gias do Banco Mundial. In: TOMMASI, L. de; WARDE, M. J.; HADDAD, S. (Orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais. 4. ed., SP: Cortez, 2003. p. 125-193.

VIEIRA, Sofia Lerche. Gestão, avaliação e sucesso escolar: recortes da trajetória cearense. Estud. av. [online]. 2007, vol.21, n.60, pp.45-60.

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NOVOS MODELOS ORGANIZACIONAIS E FORMATIVOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR

BRASILEIRA

Marilene Assis Mendes43

Stela Maria Meneghel44

A INSTITUIÇÃO UNIVERSITÁRIA BRASILEIRA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

O modelo de Educação Superior (ES) e de suas instituições do século XX, nos países ocidentais, estão desgastados e inadequa-dos para o período atual devido, dentre outros fatores: às mudan-ças no mundo do trabalho, à evolução do conhecimento, à trans-formação da ciência em força produtiva e às necessidades de profis-sionais flexíveis e interdisciplinares (CHAUÍ, 1999; GOERGEN, 2000; MACEDO, 2005; SANTOS, 2008, MELLO, 2011).

Essas transformações ocorridas no mundo do trabalho, na economia, na política e na sociedade como um todo afetam, de maneira especial, a ES “[...] em razão da responsabilidade que lhe é atribuída de produzir, fomentar e dissemi nar os conhecimentos, as técnicas e habilidades úteis ao desenvolvimento das condições de possibilidade da economia global” (DIAS SOBRINHO, 2014, p. 645). Tal economia, baseada na instrumentalização do conhe-

43 Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau - FURB (2017). Especialista em Educação à Distância: Fundamentos e Ferramentas, pela Universidade Estadual do Ceará - UECE (2015), e em Metodologias para o Ensino de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, pela Uni-versidade Estadual do Ceará - UECE (2008). Licenciada em Letras pela Universidade Estadual do Ceará - UECE (2004). Ocupa o cargo de Técnica em Assuntos Educacionais do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - Campus de Limoeiro do Norte. E-mail: [email protected]

44 Doutorado e mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e pós--doutorado pelo Instituto Internacional para a Educação Superior na América Latina e Caribe - IE-SALC/UNESCO (2008). Atua na Universidade Regional de Blumenau (FURB/SC), onde integra o corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Educação. E-mail: [email protected]

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cimento, impõe à Universidade, o papel estratégico e decisivo na formação de políticas que visem o desenvolvimento humano, de forma autossustentável e em longo prazo (MELLO, 2011, p. 53).

Para além da cessão ou não aos interesses da economia glo-bal, diversos autores (CHAUÍ, 1999; GOERGEN, 2000; MA-CEDO, 2005; SANTOS, 2008, MELLO, 2011) e pesquisadores da área apontam que o modelo da Universidade Moderna, inicia-do em 1810 e fundamentado na pesquisa, não está conseguindo lidar com as novas formas de produção e de disseminação do conhecimento, e muito menos em resolver conflitos ideológicos e políticos de grupos de diferentes interesses que constituem a sociedade atual.

Assim, no Brasil, após a promulgação da Constituição Fe-deral de 1988, o cenário sócio-político da economia neolibera-lista adentra à reforma do Estado e concebe o conhecimento e a educação como um bem regulável pelo mercado, como uma mercadoria (SGUISSARDI, 2008). Nesse contexto, o documen-to do Banco Mundial, de 1994, Higher education: the lessons of experience (educação Superior: as lições da experiência), aponta para, entre outras questões, a diversificação dos formatos de IES e de seu financiamento e a substituição da “universidade de pes-quisa” pela “universidade de ensino”, voltada para as necessidades do mercado (SGUISSARDI, 2008, p. 1.000).

É à sombra dessas orientações do Banco Mundial que é aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (do-ravante LDB), em 1996. Dela deriva uma legislação que vai no sentido do que preconiza o Banco Mundial para a ES. Entre essa legislação está o Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997, que reconhece a ES como mercadoria, logo, comercializável (SGUIS-SARDI, 2008). Sobre a diversificação institucional, Sguissardi (2005, p. 85) afirma que a LDB 9.394/96 foi aprovada à luz da economia neoliberalista que adentra a reforma do Estado e con-

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cebe o conhecimento e a educação como um bem regulável pelo mercado, como uma quase-mercadoria.

Neste contexto, a ES viu “florescer” no país diversos e no-vos tipos de instituição e de modalidades de cursos e programas, a fim de adequar-se ao ‘mercado’ demandante de educação. Isso resultou na expansão e na diversificação do sistema de ES no país e, como contrapartida, também foi criado e consolidado um Sis-tema Nacional de Avaliação da Educação Superior, o SINAES, criado pela Lei 10.861/2004 no sentido de regulamentá-la.

No Brasil do séc. XXI, muitos especialistas e gestores insti-tucionais defendem uma reestruturação do sistema de ES. Assim, alguns dos desafios a serem enfrentados são apontados por Mace-do (2005), como a dimensão, complexidade e juventude do “sis-tema nacional” de ES e sua heterogeneidade, decorrente tanto das diversidades e desigualdades regionais, como das características dos diferentes momentos de expansão que vivenciou o sistema de ES no país. Impõe-se, desse modo, à necessidade de um novo modelo de Universidade, com Instituições de Educação Supe-rior (IES) diversificadas e com novas modalidades de formação (MACEDO, 2005), para atender às demandas sociais, políticas, econômicas e do mundo do trabalho do século XXI.

Em face deste contexto, este trabalho com abordagem qualitativa (ANDRÉ, 2009) e realizado por meio de pesquisa bibliográfica (GIL, 1999) tem como objetivo caracterizar as pro-postas de formação e organização institucional que constituem, desde o início deste século, o sistema de ES no Brasil. Para tanto, além desta seção introdutória, este estudo foi organizado com a seguinte sequência: 1 A instituição universitária brasileira no início do século XXI; seguida das seções: 2 Novos Modelos Or-ganizacionais da Educação Superior no Brasil e 3 Novos Modelos Formativos da Educação Superior Brasileira; e finalizado com a seção Considerações Finais; seguida das Referências.

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NOVOS MODELOS ORGANIZACIONAIS DA EDUCA-ÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

Da reforma universitária de 1968 até à LDB 9.394/96, a ES brasileira se expandiu e se diversificou no que toca aos mode-los institucionais e formativos. Essas modificações, incentivadas e regulamentadas por dispositivos legais, refletem os contextos social, político e econômico do país de cada época em que foram implementadas, ratificando o caráter situado da ES.

A LDBN/1996 afirma que a educação se divide em dois níveis: educação básica e superior. Esse documento faz referên-cias às IES de forma genérica, limitando-se a caracterizar a Uni-versidade. Dessa forma, os modelos de organização acadêmica das IES no Brasil são definidos pelo decreto nº 9.235/2017, que apresenta as seguintes modalidades de organizações acadêmicas das instituições de ES, com as quais elas são ou serão credencia-das: faculdades; centros universitários; e universidades.

Este decreto ainda faz referência à Lei nº 11.892/2008, que regulamenta a criação dos Institutos Federais de Educação, que prevê que: “Para efeito da incidência das disposições que regem a regulação, avaliação e supervisão das instituições e dos cursos de educação superior, os Institutos Federais são equipa-rados às universidades federais” (BRASIL, 2008, art. 2º, §1º).

Assim, além da LDBN/1996 e do decreto supracitado, os relatórios emitidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesqui-sas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) ratificam a existência de quatro modelos organizacionais de IES no Brasil. Cada modelo se caracteriza pelas principais funções exercidas e é nítida a pre-dominância do setor privado sobre o público, conforme tabela a seguir:

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Tabela 1 – Modelos organizacionais de IES no Brasil

UNIVERSIDADE CENTRO UNIVERSITÁRIO FACULDADE IF e CEFET TOTAL

Funções Ensino, pesquisa e extensão.

Ensino e Extensão;Pesquisa não obrigatória.

Somente ensino.

Ensino, pesquisa e extensão.

Foco educação técnica/tecnológica

4

Tipo de IES 8,2% 6,3% 83,8% 1,7% 100

Matrículas na ES 53,3% 16,9% 28,0% 1,8%45 100

Categoria Administrativa N % N % N % N % N %

PÚBLICA 107 54,87 9 6,04 139 7,02 40 100 295 12,48

PRIVADA 88 45,13 140 93,96 1.841 92,98 - 2.069 87,52

TOTAL 195 100 149 100 1.980 100 40 100 2.364 100Fonte: Elaboração própria, a partir da LDBN/1996, Decreto nº 9.235/2017 e INEP (2018).

Dentre os quatro modelos de IES apresentado na Tabela 1, cabe destacar a contradição entre os percentuais de tipos de IES e sua contribuição na oferta de matrículas na ES, com destaque para as Universidades, que representam apenas 8% das IES, po-rém são responsáveis pela oferta de 53,3% das matrículas.

As Universidades são definidas, de acordo com a LDB 9.394/96 como “[...] instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de exten-são e de domínio e cultivo do saber humano” (BRASIL, 1996, s/p). Elas são caracterizadas por:

I - produção intelectual institucionalizada me-diante o estudo sistemático dos temas e proble-mas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional;II – um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;III – um terço do corpo docente em regime de tempo integral (BRASIL, 1996, s/p)

45 Cabe ressaltar que os IF também ofertam cursos técnicos, no nível da educação básica.

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Tais instituições possuem autonomia para criar, organizar e extinguir seus cursos, assim como os Centros Universitários. No entanto, o credenciamento de uma IES como Centro Universi-tário dar-se-á mediante o atendimento aos requisitos seguintes, dentre outros:

I - um quinto do corpo docente estar contrata-do em regime de tempo integral;II - um terço do corpo docente possuir titulação acadêmica de mestrado ou doutorado;III - no mínimo, oito cursos de graduação te-rem sido reconhecidos e terem obtido conceito satisfatório na avaliação externa in loco realiza-da pelo Inep;IV - possuírem programa de extensão institu-cionalizado nas áreas do conhecimento abran-gidas por seus cursos de graduação;

V - possuírem programa de iniciação científica com projeto orientado por docentes doutores ou mestres, que pode incluir programas de ini-ciação profissional ou tecnológica e de iniciação à docência (BRASIL, 2017, grifos do autor, s/p)

Dessa forma, pode-se inferir que são IES pluricurriculares – dada a quantidade mínima de cursos ofertados a serem reconhe-cidos pelo Ministério da Educação (MEC) -, que se caracterizam pela excelência do ensino oferecido, uma vez que exigem a quali-ficação do corpo docente da mesma forma que na Universidade -, além da cobrança pela prática da extensão de forma institucio-nalizada, em detrimento da prática da pesquisa, que se limita a programas de iniciação.

Enquanto isso, o credenciamento de uma IES como Facul-dade corresponde ao estágio inicial de uma instituição privada,

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uma vez que as IES públicas têm a sua organização acadêmica inicial definida na sua Lei de criação (BRASIL, 2017). As Facul-dades não possuem autonomia para criar cursos e, como primei-ro estágio de credenciamento, não têm exigência de possuir um corpo docente altamente qualificado, nem de exercer institucio-nalmente práticas de pesquisa e extensão. Logo, é caracterizada como uma IES de ensino, o que pode explicar a grande existência de IES credenciadas como Faculdades - 1.980 (INEP, 2018) -, pois a pesquisa e a manutenção de um corpo docente com alta titulação demandam custos financeiros elevados.

Por fim, como quarta e última modalidade organizacio-nal, tem-se os Institutos Federais. De acordo com a Lei nº 11.892/2008,

Os Institutos Federais são instituições de edu-cação superior, básica e profissional, pluricur-riculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas di-ferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecno-lógicos com as suas práticas pedagógicas (BRA-SIL, 2008, s/p).

Assemelham-se às Universidades quanto à avaliação e re-gulação, logo, possuem autonomia para criar, organizar e excluir cursos. E assim como as universidades desenvolvem ensino, pesquisa e extensão, voltados para a educação profissional e tec-nológica, principalmente (BRASIL, 2008, s/p). Nessa categoria estão incluídos todos os Institutos Federais (IF), a Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UFTPR), os Centros Federais de Educação Tecnológica do (CEFET) do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, as Escolas Técnicas vinculadas às universidades federais e Colégio Pedro II (BRASIL, 2008).

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Dessa forma, para atingir as proposições impostas pela sociedade atual, faz-se necessário que a Educação Superior seja diversificada não apenas no tocante aos formatos institucionais, mas também aos modelos de formação oferecidos por essas IES, como abordado na seção a seguir.

NOVOS MODELOS FORMATIVOS DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA

A LDB/1996 possibilitou a flexibilização do atendimento às peculiaridades institucionais, favorecendo uma flexibilização do currículo e dos modelos formativos, pelo menos em nível le-gal. O cenário mundial no qual foi promulgada a LDB/96 vinha apontando para uma tendência de formação geral a ser ofertada pelas Universidades, respeitando-se as especificidades locais e ins-titucionais, uma vez que com o mesmo objetivo formativo “[...] a forma da composição curricular é própria de cada país e de cada instituição” (PEREIRA et al, 2015, p. 721).

Nesse ponto, destaca-se a discussão sobre o currículo, que não é uma relação neutra de conhecimentos, mas sim, uma seleção intencional, tradicional, de um grupo seleto que determina o que tem importância e deve ser trabalhado na instituição escolar. Dessa forma, o currículo ocasiona tensões que interferem diretamente em uma nação (APPLE, 2001 apud LOPES; MACEDO, 2002). As-sim, a LDB 9.394/1996 possibilitou os seguintes modelos formati-vos da ES no Brasil: Os Cursos Superiores de Tecnologia, os Cursos Sequencias de Formação Específica, os Bacharelados Interdiscipli-nares e a Educação a Distância, os quais são tratados a seguir.

Os Cursos Superiores de Tecnologia (CST) constituem um tipo de graduação, logo conferem um diploma ao egresso. Sua origem remonta às décadas de 1960 e 1970, durante o regi-me militar e a eminente necessidade de modernizar o país. Nesse

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período, o Brasil de modo geral estava sob a influência do modelo norte-americano em diversas áreas, inclusive a ES, e foram cria-dos alguns cursos CTS em diversas IES públicas do País. Desde sua criação, os CST constituem o nível superior do sistema de ensino profissionalizante, com o profissional tecnólogo podendo ter livre acesso à pós-graduação (BRASIL, 2001, s/p). Além da orientação para o mercado de trabalho, os CST ganharam um viés de formação geral, que pode ser percebido nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais dos CST (BRASIL, 2002, s/p).

A transformação dos CEFET em IF e a expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica tiveram como objetivo espe-cífico promover o aumento nos CST, que passaram de 634, em 2000, para 6.618, em 2015 (INEP, 2018). A ideia é promover mais vagas e formação mais rápida a milhares de jovens brasilei-ros, dando-lhes ainda uma formação profissional que, a princí-pio, é demandada pelo setor produtivo. A maior expansão ocor-reu no setor privado, pois dos 6.618 cursos ofertados em 2015, 5.460 eram de IES privadas (INEP, 2018). Esse dado só reforça que expansão e privatização da ES estão continuamente inter-re-lacionadas no Brasil (FAVERETTO; MORETTO, 2013).

Os Cursos Sequenciais de Formação Específica, doravan-te cursos sequenciais, foram criados por meio da LDB 9.394/96 e sua proposta foi apresentada pelo senador Darcy Ribeiro. Eles constituem uma modalidade de cursos de nível superior, logo, somente podem ser cursados por alunos que já concluíram o en-sino médio; e podem ser ofertados tanto por instituições públicas quanto privadas (VIVAS, 2007). Devem ter uma carga horária mínima de 1.600 horas e, no mínimo, 400 dias letivos, incluin-do-se estágio e ou práticas profissionais e acadêmicas. Seus estu-dos podem ser aproveitados na integralização de cursos de gra-duação, atendidos os critérios determinados na legislação. Esses cursos estão sujeitos aos processos de reconhecimento, quando ofertados por universidades (SEGENRICH, 2000).

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Entre as críticas e os questionamentos aos cursos sequen-ciais, percebe-se que a preocupação com a possibilidade de pre-carização da ES, com a qualidade da oferta dessa modalidade de maneira que ela não fosse associada a uma espécie de ensino “a quilo”, feito em pedaços desconexos (SEGENRICH, 2000). Apesar de terem surgido com a LDB/96, os cursos sequenciais foram regulamentados apenas em 1999, com a resolução CES nº 01. Após essa regulamentação, começou-se a registrar uma significativa expansão do ano 2001 até o ano 2005 – período a partir do qual os cursos sequenciais começam a apresentar uma diminuição da sua oferta. Desde então, o país vivencia um au-mento significativo dos CST e a transformação de muitos cursos sequenciais em CST (VIVAS, 2007).

No contexto da Universidade Nova (SANTOS, 2008), surgem no Brasil os Bacharelados Interdisciplinares (BI). De acordo com os Referenciais Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares (ROBIS), de novembro de 2010, “Bacharelados Interdisciplinares (BIs) e similares são programas de formação em nível de graduação de natureza geral, que condu-zem a diploma, organizados por grandes áreas do conhecimento” (BRASIL, 2010, p. 04). A proposta é mudar o modelo da estru-tura acadêmica da ES, implementando o modelo semelhante ao proposto pelo Processo de Bolonha, que passaria a se compor por três ciclos: 1º – Bacharelado Interdisciplinar; 2º – Formação Profissional; 3º – Pós-Graduação (LIMA et al, 2008).

De acordo com De Paula (2015), existem no Brasil 15 cursos de BI ofertados por 14 IES públicas. Todos esses BIs são muito recentes e estão em estágio de desenvolvimento. Tiveram início a partir do REUNI (Programa de Apoio a Planos de Rees-truturação e Expansão das Universidades Federais), em 2007. Os programas dos BI têm características e estruturas diferentes, ge-ralmente definidas de acordo com as necessidades do município

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ou região onde o campus se encontra. Os ROBIS constituem-se no único documento norteador dessa modalidade formativa até a presente data (LIMA et al, 2008). Sobre os BI, questiona-se a importação de modelos de ES de outros países/continentes e propõe-se um modelo próprio de ES no Hemisfério Sul, que não seja nem como a universidade europeia, nem como a estaduni-dense; mas que responda aos anseios e necessidades dos países da América do Sul (LIMA et al, 2008).

Por fim, a quarta modalidade formativa, a Educação a Distância (EaD)46, tem ganhado bastante importância nas últi-mas décadas, embora já fosse utilizada desde antes da LDB/96. Porém, este documento no seu art. 80 confere a EaD status de modalidade formativa. E, em 1998, o Decreto nº 2.494 a regu-lamenta para o nível superior. A partir desse decreto, inicia-se a oferta de cursos de graduação e também de extensão e pós-gra-duação lato sensu via internet. A expansão da EaD ocorreu muito rapidamente, devido, entre outros fatores, ao avanço tecnológico, aos baixos custos para a oferta dessa modalidade e à ideia difun-dida da necessidade de formação ao longo da vida.

O número de matrículas em cursos de graduação oferta-dos na modalidade a distância aumentou significativamente. Em 2000, eram 5.287 alunos passando a 1.393.752 alunos em 2015, o que representa 17,36% do total de matrículas em cursos de nível superior no país (INEP, 2018). Com todo esse crescimento acontecendo de forma tão rápida, algumas questões precisam ser repensadas para garantir a efetividade e a qualidade da EaD no Brasil. Entre elas, Alonso (2010) pontua a relação professor versus tutor, uma vez que este último desempenha funções próprias de um professor, e a consequente precarização do trabalho docente.

46 A EaD teve origem nas aulas por correspondência, cujas primeiras iniciativas foram registradas por volta de 1856, na Inglaterra (VIDAL et al, 2014). Como política pública de formação, teve início em 1972, com aulas transmitidas pela televisão para níveis de formação básica e ensino médio.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, pode-se observar que a expansão e a diversificação institucional e formativa da Educação Superior no Brasil situam-se na discussão global da necessidade, ou imposição e transformações na instituição universitária. Esses novos modelos organizacionais – Universidade, Centro Universitário, Faculdade e Instituto Federal/CEFET – e formativos – Cursos Superiores de Tecnologia, Cursos Sequenciais, Bacharelados Interdisciplina-res e Educação a Distância – constituem tentativas de permitir que a ES brasileira adquira formatos que tornem o acesso à ES mais ampla e ‘flexível’. No entanto, o conflito entre as exigências do mercado de trabalho e a proposição de novos modelos, quer de instituição, quer de formação na ES, esteve sempre presente, quando da introdução de formas alternativas de formação.

Os novos modos de formação, cujas matrículas tem cresci-do bastante, tem tudo a ver com mercadorização, uma vez que são mais rápidos, baratos, flexíveis e muito aplicados ao mercado. No entanto: (i) sua qualidade tem sido cada vez mais questiona-da; (ii) a EaD tem apresentado forte evasão; (iii) tecnólogos rece-bem conhecimento aplicado que se esgota em curto tempo, de-mandando nova formação – exatamente como deseja o mercado.

Assim, ratifica-se a necessidade e a importância de a Uni-versidade se modificar na tentativa de atender às exigências da sociedade atual, visando constituir sua identidade nesse período histórico. Contudo, questiona-se a qualidade da educação ofer-tada através desses novos formatos de IES e seus respectivos mo-delos formativos. Pois, se a qualidade não for considerada, esses novos modelos, que poderiam favorecer a abertura, diversificação e enriquecimento do sistema de ES, podem implicar em um ca-minho para a precarização e a privatização desse nível de edu-cação, ratificando, portanto, a mercadorização da ES brasileira.

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A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO E SEUS DESDOBRAMENTOS NA

PRIVATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR

Marcos Adriano Barbosa de Novaes47 Maria das Dores Mendes Segundo48

INTRODUÇÃONo contexto da crise estrutural do capital, Mészáros (2016)

afirma que o processo de restauração produtiva é implementado a partir da década de 1970, reconfigurando, deste modo, todas as forças e relações de produção, com severos desdobramentos nos complexos sociais. Para administração destes problemas de consequentes precarização do trabalho e produção destrutiva, o complexo da educação, sob a orientação dos organismos interna-cionais, assume importante papel como chave para resolução dos problemas sociais do capital contemporâneo.

Com o advento da crise mundial do capital, aprofunda-da em meados 1970, foram impostas mudanças no papel de in-tervenção do Estado na esfera do mercado, com o propósito de extinguir o Estado de bem-estar social, o Welfare State, também denominado Estado providência ou Benfeitor, considerado pelos defensores da regulação do mercado na economia como respon-sável pelo decréscimo das taxas de lucro e acumulação. Concomi-tante a isso, ganham espaço as ideias neoliberais e suas diretrizes,

47 Professor na Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam/UECE), Mestre em Educação e Ensino pelo Mestrado Acadêmico Intercampi da Universidade Estadual do Ceará (MAIE/FAFI-DAM/FECLESC).

48 Pós-Doutora pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Professora do Mestrado Acadêmi-co Intercampi em Educação e Ensino (MAIE). Professora Associado da Universidade Estadual do Ceará (UECE) - Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam) e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UECE; Professora Colaboradora do Programa de Pós Graduação de Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará (UFC).

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aplicadas primeiramente na Inglaterra pelo governo Thatcher em 1979 e nos Estados Unidos pelo governo Reagan em 1981.

Neste contexto, são implantadas reformas institucionais em inúmeros países, sobretudo os países pobres e dependentes econo-micamente. Assim, a reforma do Estado brasileiro propagado em discurso de que a máquina pública não dispõe de competência e recursos financeiros suficientes para atender às demandas sociais reivindicadas pela população, faz opção pela privatização ou ter-ceirização dos serviços públicos. Neste cenário, o Banco Mundial e os organismos internacionais exercem importante papel sobre o Estado, defendendo a criação de políticas de ajustes socioeconô-micos focalizadas na perspectiva de que estes países pobres hon-rassem os compromissos de pagamento das suas dívidas.

Ademais, entendemos que a reorganização das funções do Estado culmina não na ampliação de direitos conquistados his-toricamente, mas reflete num extenso processo de privatização e terceirização desses direitos (saúde e educação). Nesta direção, para compreensão desta lógica mercadológica do Estado brasilei-ro, o estudo em tela, busca apreender os antecedentes históricos da Reforma do Estado brasileiro e seus rebatimentos na educação superior brasileira.

Explanaremos o papel do Estado na sociedade capitalista e no Brasil como foram formuladas as políticas educacionais nos anos 1990, ajustadas as estratégias neoliberais de contenção de crise e a função da educação sob a lógica do capital.

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS SOB LOGICA DO CAPITAL: O PAPEL DO ESTADO NESSE PROCESSO.

A disseminação do receituário neoliberal ganha terreno na Inglaterra em 1979 com o governo de Margaret Tatcher, respon-sável por reanimar a economia depois da crise 1970. Em 1980,

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com Ronald Reagan assumindo a presidência dos Estados Uni-dos, Anderson (1995) afirma que a concretude da hegemonia liberal levou cerca de uma década para se realizar. Em meados de 1980 é que começou a colocar em prática tal ideologia, os governos implementaram ações,

[...] contraíram a emissão monetária, eleva-ram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos mais altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplas-taram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais [...] (AN-DERSON, 1995, p. 12).

Nos Estados Unidos, as ações de Reagan foram voltadas para concorrência militar com a União Soviética. Visando des-truir a economia soviética e extinguir o regime comunista na Rússia, Reagan implantou medidas na política interna pouco distantes das realizadas por Tatcher, “[...] também reduziu os im-postos em favor dos ricos, elevou as taxas de juros e aplastou a única greve séria de sua gestão [...]” (ANDERSON, 1995, p.12).

Anderson (1995) apresenta algumas conquistas alcançadas pela hegemonia neoliberal nos países de capitalismo avançado na década de 1980. Para o autor, a principal prioridade deste pe-ríodo era deter a enorme inflação dos anos 1970, nesse âmbito o sucesso foi glorioso. Com a deflação foi possível recuperar os lucros proporcionados pela derrota do movimento sindical com o fim das greves e contenção dos salários dos trabalhadores. Sobre esses elementos Anderson (1995),

[...] No conjunto dos países da ODCE, a taxa de inflação caiu de 8,8% para 5,2, entre os anos 70 e 80, e a tendência de queda continua

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nos anos 90. A deflação, por sua vez, deveria ser a condição para a recuperação dos lucros. Também neste sentido o neoliberalismo obteve êxitos reais. Se nos anos 70 a taxa de lucro das indústrias nos países da OCDE caiu em cerca de 4,2%, nos anos 80 aumentou 4,7. Essa recu-peração foi ainda mais impressionante na Eu-ropa Ocidental como um todo, de 5.4 pontos negativos para 5.3 pontos positivos [...] (AN-DERSON, 1995, p. 15).

Se, por um lado a ordem neoliberal obteve grande conquis-ta, aumentou as taxas de desemprego, processo considerado im-portante para qualquer economia de mercado eficiente, ou seja, era necessária a desigualdade para recuperar a economia, mas tal objetivo não foi alcançado.

Anderson (1995) elenca vários elementos49 que impossibi-litaram o fim desejado pelas ações neoliberais nos países de ca-pitalismo avançado e afirma que existem dois motivos básicos que culminaram para o paradoxo dessas ações. A primeira foi ocasionada pelo aumento dos gastos sociais advindo do aumento expressivo de desempregados e o aumento demográfico dos apo-sentados, que forçou o Estado a gastar bilhões em pensões.

Mesmo com as contradições causadas, o neoliberalismo se expandiu para regiões que até então resistiam em se conver-ter a sua ideologia, a saber: Alemanha, Áustria e Itália, chegou à Europa Ocidental (pós-queda do comunismo) e União Sovié-tica. Avançando para América Latina50 trazendo as experiências

49 Ver em Balanço do neoliberalismo p.16 in Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático, 1995.

50 Anderson (1995) comenta que o Chile foi pioneiro da experiência neoliberal do mundo, vivenciada na ditadura de Pinochet, realizando ações dez anos antes de Tatcher na Inglaterra. Dentre as me-didas realizadas por Pinochet estão a “[...] desregulação, desemprego massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos, privatização de bens públicos [...]” (ANDERSON, 1995, p.19). A segunda experiência aconteceu na Bolívia, país que em meados da década de 80 precisava acabar com hiperflação.

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exitosas do México, Argentina e Peru, esses países conseguiram implantar o ideário neoliberal, vivenciados nos países da OCDE “[...] A condição política da deflação, da desregulamentação, do desemprego, da privatização das economias mexicana, argentina e peruana foi uma concentração de poder formidável [...]” (AN-DERSON, 1995, p.21).

O Neoliberalismo à brasileira, assim chamado por Oliveira (1995), é marcado pela dilapidação do Estado brasileiro precedi-do pelo período da ditadura que persistiu por vários governos51. No governo de Collor de Melo foi criado o plano Collor I, pre-tendia-se frear a inflação para então prosseguir com o plano de redefinição do padrão de acumulação capitalista e desmontar os direitos sociais e trabalhistas,

[...] Esta ofensiva tornava-se crucial para os interesses do grande capital monopolista, seja em função da perspectiva de aumento da taxa de mais-valia como forma de reversão da ten-dência de queda na taxa de lucro motivada pela recessão econômica, seja pela imperiosa neces-sidade de desencadear o processo de reestrutu-ração produtiva, com a incorporação de novas tecnologias e novas formas de gerenciamento do processo produtivo, baseadas na desregula-mentação do mercado de trabalho [...] (MA-CIEL, 2016, p. 102).

Assim como aconteceu no governo Tatcher, na Inglaterra, em que a dama de ferro aplicou vários mecanismos para a con-solidação do neoliberalismo, no Brasil, Collor caminhou rumo a não intervenção estatal na economia redefinindo o papel deste

51 A literatura aponta que anterior às ações de cunho neoliberal praticadas no governo Collor, no Brasil tivemos no Sarney (1985-1990) medidas do movimento neoliberal.

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econômica e socialmente. O prelúdio das ações neoliberais no governo Collor foi caracterizado por dois planos: Plano Collor I e Plano Collor II.

Com a redefinição do papel do Estado, foi possível a cria-ção de um terreno fértil para a disseminação do neoliberalismo e formação de sociedades52 cada vez mais desiguais e desestatizadas. Segundo Peroni (2003), depois da segunda guerra mundial a po-lítica passou a ocupar o centro das decisões, em que evidencia os erros do mercado, e, portanto, o Estado deveria assumir o papel na correção desses erros. A Public Choice criou uma teoria que apontava as falhas do Estado conhecida como rente seeking so-ciety. A autora supracitada afirma que a Escola de Virgínia foi à base que deu sustentação a Reforma do Estado brasileiro.

Na esteira de Buchanan, Peroni (2003) destaca dois pontos fundamentais que nortearam a redefinição do papel do Estado, elucidando os seguintes aspectos: o primeiro é referente à decisão constitucional pautada no estabelecimento de regras, enquanto o outro aspecto é referente ao da pós-constitucional, que são regras que estão dentro das regras. A decisão constitucional é duramente criticada por Buchanan, pois, conforme atesta, está alicerçada na concepção do poder público de exercer mais proteção e menos produção. “[...] A crítica de Buchanan é no sentido de que a legis-lação corrói a propriedade pelos não-proprietários, o que, para ele, é uma degradação do contrato básico, que exige de regras as quais delimitem o poder dos governantes [...]” (PERONI, 2003, p.30).

Além das debilidades que o Estado apresenta, a Public Choice elenca outra crítica ao poder público que diz respeito à distinção entre governo e Estado. Nessa concepção teórica, o go-verno é transitório, pois ao atender as reinvindicações dos eleito-

52 No Brasil a ideologia do capital neoliberal mantém a sustentação na concepção teórica de Buchanan mentor da Teoria da Escolha Pública (Public Choice) ou também de Escola Virgínia que realiza análise econômica da política. Na visão desta escola economia e política de um país são inseparáveis e afirma que toda ação humana é permeada pela relação de troca munida pelo jogo de interesses.

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res gera inflação e déficit público e mantém o estadista no cenário político. O Estado permanece com suas regras gerais que possibi-litam a liberdade e a propriedade.

Peroni (2003) afirma que Buchanan defendia que para bar-rar as ações irresponsáveis das instituições democráticas baseadas na distribuição de renda através de políticas públicas é necessário

[...] medidas restritivas constitucionais que con-tivessem os governos, colocando os instrumen-tos de controle fora das instituições representati-vas, partindo-se do princípio, para tanto, de que os controles políticos seriam inferiores ao con-trole de mercado [...] (PERONI, 2003, p. 31).

Essa medida limitaria o poder governamental, delimitando ações dos legisladores propensos a atender as demandas dos elei-tores. Notamos que a Public Choice de Buchanan é totalmente contrária às instituições democráticas atuais. Essa teoria cogitou até o fim do voto ou a restrição de seu poder através da privatiza-ção e desregulamentação.

Ademais, Buchanan e sua escola buscam a ação mínima do Estado para políticas sociais conquistadas durante o período de bem-estar social, o Estado nesse construto seria mais abrangente para o capital, fazendo com que este passasse a atuar na regulação das atividades financeiras do capital corporativo.

Neste contexto mundial da redefinição do papel do Estado, a disseminação da ideologia neoliberal pelo governo Collor apre-sentou medidas que contemplassem a não-intervenção estatal na economia. Almejava-se nessa concepção que o funcionamento da economia deveria estar sob as leis do mercado, para a consolidação do neoliberalismo como modelo econômico dominante em escala global principalmente nos países da periferia do sistema capita-lista, objetivando o ajustamento macroeconômico desses países.

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A década de 1990, no Brasil, foi marcadamente caracteri-zada por um amplo processo de privatização, de desregulamen-tações, de reestruturação, crescente onda de financeirização e a desenfreado ritmo de precarização social. Sendo assim, o Estado deixaria de garantir direitos inalienáveis como segurança, educa-ção, saúde e emprego. Neste sentido, passaria a ter a função de assegurar o livre mercado.

No que concerne ao campo social, à lógica neoliberal im-põe a privatização, que se torna o epicentro das recomendações dos organismos multilaterais. Como a educação não pode ser des-vestida do seu caráter político e econômico, este último prevalece sobre o primeiro na medida em que o Banco Mundial passou a ditar o modelo de educação dos países pobres e o Estado se des-responsabilizaria pela oferta deste direito. Esta condição torna-se patente a transformação da educação numa mercadoria que pode ser terceirizado ou privatizado.

Diante do exposto, a ascensão do neoliberalismo no Brasil se expressa pela necessidade de questionar o papel do Estado na educação brasileira, uma vez que este pende mais para o campo econômico que para o social. A questão crucial que fica no des-locamento da função do Estado para a esfera econômica não se limita em ajustar a oferta da educação ao mercado, mas, sobre-tudo, condicionar as políticas educacionais a classe trabalhadora através de ações compensatórias de viés mercantil.

A proliferação do setor privado na educação superior bra-sileira tem legislado sob este modelo de Estado, definido por Pe-reira (1999) como,

[...] organizações ou formas de controle “públi-cas” porque estão voltadas ao interesse geral; são “não estatais” porque não fazem parte do apara-to do Estado, seja porque não utilizam servido-

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res públicos ou porque não coincidem com os agentes políticos tradicionais [...] (PEREIRA, 1999, p. 16).

Desta forma, começou no Brasil o processo de transferência de atividades do Estado para as organizações não estatais como universidades, centros de pesquisa, hospitais e museus. A con-cretização deste novo modelo de Estado culminaria na expansão dos direitos sociais, o setor privado ficaria incumbido de realizar atividades sociais com o custeio de recurso estatais, mais objeti-vamente transferência de dinheiro público para instituições pri-vadas com ou sem fins lucrativos com suas diferentes categorias jurídicas (confessional, filantrópico ou comunitário).

Com essa diversidade jurídica, o setor privado foi ampla-mente contemplado com recursos públicos para a execução das atividades sociais, no qual reportamos nossa ênfase para a edu-cação, mais especificamente o Ensino Superior. Nas palavras de Minto (2014), o ensino superior brasileiro vive sob a lógica do capital na forma de privatismo. “[...] chama-se de ‘privatismo’ ao processo pelo qual a lógica do capital se hegemoniza crescen-temente no campo educacional, do qual a ampliação do setor privado de ensino é uma das formas [...]” (MINTO, 2014, p. 248). O autor atenta que o caráter privatizante do ensino supe-rior brasileiro tem raízes mesmo antes de 1964, antes da ditadura militar, sendo por sua vez, legitimado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 4024/61.

Em 1961 é, portanto, criado novo regime jurídico das universidades sob o rótulo de fundações ao invés de autarquias. Processo este que regularizou a desobrigação do Estado com o ensino superior público, possibilitando a operacionalização e consequente expansão de Instituições de Ensino Superior Privada (IES).

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Minto (2014) alerta que todo este processo de criação de mecanismos para a privatização da educação superior vai além do privatismo, ou seja, articulado as leis do mercado, o Estado pro-duz um emaranhado de ações que visam à materialidade de um setor próprio para além do estatal, nas palavras do autor, partindo de uma “[...] perspectiva mais ampla, tampouco a lógica do capi-tal no campo educacional se esgota na tendência de mercantiliza-ção/mercadorização, entendendo-o como própria de um setor do ensino: o privado [...]” (MINTO, 2014, p.250).

Como ilustração das novas funções do Estado sob as reco-mendações do Banco Mundial, detalhada no Relatório Sobre o Desenvolvimento Mundial (RDM) de 1997, intitulado “O Es-tado num mundo em Transformação”. Esse documento almejava e de certa forma alcançou seus anseios em projetar um novo mo-delo entre a relação Estado e Sociedade. “[...] apresentado como parte da estratégia de consenso do Banco Mundial, mostra novos sentidos para o processo de realização do projeto neoliberal que se modifica historicamente, no processo de mundialização do ca-pital” (MELO, 2004, p. 133).

O documento visava redefinir as ações que seriam de res-ponsabilidade do Estado. Feito isso, seria possível ter uma ação estatal eficaz e eficiente, sem, no entanto, expandir o tamanho do Estado e evitar sua capacidade de intervenção. “[...] O Estado só deve assumir tarefas que tenha a capacidade de realizar. Para tornar-se mais eficiente, deve selecionar e focalizar as suas ações, restringindo-as aos seus recursos e à capacidade de gerá-los [...]” (MELO, 2004, pp.137-138).

A partir deste relatório que o Brasil começa a elaborar seu plano de reforma do Estado, que tem início com governo Collor de maneira ainda tímida, só materializada em 1995, no gover-no de Fernando Henrique Cardoso através do documento Plano

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Diretor da Reforma do Estado, com a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE, tendo como idea-lizador o ministro Luís Carlos Bresser Pereira.

Segundo Peroni (2003) assistimos na década de 1990, a inserção da lógica empresarial e mercadológica na educação e no interior do aparelho do Estado, eximindo-se de parte de suas atividades passando-as para o campo público não-estatal via Or-ganizações Sociais (OS). Ademais, fica mais evidente a partir de 1995 com Fernando Henrique Cardoso que a educação superior nos seus múltiplos elementos - expansão, gestão, financiamen-to - será a principal área a sofrer com a influência da lógica da educação como serviço, numa visão explicitamente economicista.

A GESTÃO NEOLIBERAL NO ENSINO SUPERIOR

No contexto de redefinição da máquina pública, é impor-tante reafirmar que o Estado tem colaborado para a recuperação do capitalismo monopolista de Estado. Na esteira de Mészaros, concordamos que Estado, no contexto de crise do capital, apro-funda as suas ações para proteger, financiar e suportar o capitalis-mo monopolista nos países hegemônicos e nos países dependen-tes. Dito de outro modo, o estado capitalista articula de modo coincidente as suas atividades de fraudador, pagador, auditor, legislador e juiz, em prol dos contratos e praticas lucrativos do complexo industrial militar.

Com a assunção do neoliberalismo no cenário de crise do capital, o Estado assume a minimização das áreas de sua atuação no campo social, restringindo suas políticas públicas para ações focalizadas ou específicas, de caráter compensatório ou de alívio a pobreza, como afirma Leher (1998). Assim sendo, a relação entre Estado e políticas sociais tornou-se dependente do ajuste

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fiscal, promovendo a digressão do Estado da oferta de políticas universais em detrimento das políticas focalizadas de cunho so-cioeducativo e de inclusão.

Portanto, as políticas sociais encerram em dupla função no sistema capitalista. Se por um lado elas atendem a demandas rei-vindicatórias da classe trabalhadora que está à margem do acesso a alguns direitos, por outro é um chamariz para o empresariado atuar no campo social e executar funções que eram de natureza estatal.

As políticas sociais formuladas em diversos países, inclusi-ve no Brasil, possuem em sua essência elementos predominan-temente oriundos da visão liberal, que pregava a livre ação do mercado como promotor de equilíbrio entre todos os indivíduos, mas, no entanto, essa concepção de mercado benfeitor foi fala-ciosamente impossível, uma vez que, é o próprio mercado que propicia as desigualdades entre os indivíduos.

Nessa perspectiva, o Estado, através das políticas sociais, acaba exercendo duas ações, conforme nos atenta Faleiros (2009): de estímulo à demanda e subvenção às empresas, atendendo por meio de ações paliativas a classes que estão à margem do acesso aos direitos sociais. A parceria entre Estado e economia vem dan-do força e sustentação para a reprodução do capitalismo, que se fundamenta nas relações de exploração e, consequentemente, as relações de produção, principal mecanismo que coloca em lados opostos ricos e pobres, permanecem intactas.

Apesar das reconfigurações da ordem neoliberal, com uma forte presença estatal no capital, as estratégias de ajuste fiscal e racionalização dos gastos dos Estados na supressão de políticas universais seguem com rigor e sistematização, sobretudo nos paí-ses devedores e pobres, a exemplo do Brasil. Assim sendo, as po-líticas focalizadas de alívio à pobreza sobre o pseudodiscurso da

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justiça social, subjaz a priorização da universalização das políticas em prol da classe trabalhadora, minimizando a intervenção do Estado nas áreas sociais e direcionando os sistemas de proteção social públicos para a mercantilização.

No campo educacional, especialmente na Educação Supe-rior, são diversas as ações focalizadas implementadas pelo Estado em atender a demanda de ingresso da juventude a esse nível de en-sino, dentre elas o Programa Universidade para Todos (PROUNI) constitui o carro-chefe da expansão do ensino superior privado mediante a isenção fiscal as empresas educacionais em troca de bolsas de estudos e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) programa do Ministério da Educação (MEC) que concede finan-ciamento a estudantes regularmente matriculados em cursos supe-riores na modalidade presencial não gratuitos. Ambos os progra-mas têm sido enaltecidas como principais promotores de acesso a Universidade, no entanto, configuram-se como ações deliberada-mente de cunho neoliberalista agindo como política compensa-tória, favorecendo a burguesia de serviços educacionais no Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa discussão apresentou alguns apontamentos críticos ao ideário neoliberal, na formulação das políticas educacionais dos anos 1990 e sua relação com a redefinição do papel do Es-tado, elucidando as múltiplas condições que favoreceram a pro-liferação do ensino superior privado, visto pelo capitalismo em crise, como um novo campo de exploração e obtenção destinado à produção de lucros.

Ressaltamos que o Estado ao transferir suas atividades para entidades com ou sem fins lucrativos, injeta verbas públicas atra-vés de políticas sociais de cunho mercantilista sob o discurso de democratização do acesso da juventude pobre a educação superior.

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O processo de desresponsabilização do Estado na oferta e garantia de qualidade da educação com um direito de cidadania, impulsiona e consolida a expansão privatizada da educação su-perior brasileira. As reconfigurações da máquina estatal têm re-fletido em vários âmbitos da educação superior brasileira como: acesso-permanência, expansão, avaliação, financiamento, gestão, trabalho docente.

Reiteramos que essa reforma do Estado brasileiro expressa profundo viés privativo realizada, sucessivamente, por governos neoliberais, que explicitamente ou implicitamente assumem e defendem da concepção política-teórica do Estado privado im-plementando o receituário dos organismos internacionais de financeirização da econômica destinados aos países tomadores de empréstimos, sob pena destes serem excluídos do chamado mundo globalizado e perderem a sua governabilidade e susten-tabilidade econômica. Nesta ótica, a educação, complexo uni-versal, se particulariza em prol da regulamentação do mercado, se ajustando ideologicamente as premissas de empregabilidade e empreendedorismo, tornando, também um produto disputado no grande mercado da educação.

Por fim, atestamos que reforma educacional no Brasil, particularmente, a do ensino superior aparece como uma ação política de transformação social capaz de possibilitar a redução da pobreza e a inserção da classe trabalhadora ao mercado. Nes-sa direção, a política educacional do ensino superior apresenta a lógica mercantil e gerencial como aquela a ser consolidada pelas reformas em todos os níveis educacionais.

Nessa direção, concluímos que o ensino superior no Brasil se consolida mediado pelo discurso de uma Universidade Para todos, revestida pela concepção do privado, que domina a esfera pública, no sentido de atender as determinações do capitalismo contemporâneo em crise estrutural.

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LEHER, Roberto. Da Ideologia do Desenvolvimento à Ideologia da Globali-zação: a educação como estratégia do Banco Mundial para “Alivio” da Pobreza. 1998. Tese (Doutorado em Educação).Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP. São Paulo, 1998.

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POLÍTICAS DE ACESSO À EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: UM ESTUDO ACERCA DA INCLUSÃO DOS JOVENS NA EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL DE 2010 A 2017

Adriana Aparecida de Souza53 Dante Henrique Moura 54

INTRODUÇÃO

Nesse artigo, buscamos refletir sobre o acesso dos jovens à educação profissional, observando se esse acesso pode propi-ciar a inclusão desses sujeitos ao exercício da cidadania plena. Procuramos considerar nas análises as implicações da legislação que regulamenta a educação profissional de nível médio no Brasil direcionada para esses sujeitos. A reflexão ampara-se em auto-res como Moura (2008) e Frigotto (2001) que tem seus estudos vinculados à pesquisa histórico-crítica e com visão dialética da dinâmica social. Logo, analisamos as políticas da educação profis-sional norteadas por dados quantitativos que dão conta da quan-tidade de jovens matriculados na educação profissional de nível médio e daqueles que estão excluídos desse processo.

A metodologia adotada nesse estudo é de natureza biblio-gráfica em que debatemos políticas educacionais, e em específico, as políticas para educação profissional de nível médio, delineando o papel do Estado no atendimento das garantias legais, no sentido de analisar a democratização do acesso à educação profissional.

53 PPGEP/IFRN – [email protected] PPGEP/IFRN – [email protected]

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Também consideramos como metodologia a pesquisa do-cumental em que, analisamos documentos legais como o Estatu-to da Juventude e os Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que envolvem a temática.

Consideramos que, apesar de nos últimos anos algumas po-líticas terem garantido o direito à educação para esses jovens, há um grande contingente fora da escola, principalmente da educa-ção profissional, o que retira dos jovens o sonho de melhorias de suas condições de vida material e de existência.

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A sociedade brasileira enfrenta na atualidade uma crise na forma de educar e compreender a relação entre formação/edu-cação no processo de socialização de instituições sociais como a família e a escola. Acredita-se que é necessário a constituição de políticas públicas estruturantes para a juventude brasileira e que essas se coadunem à prática social dos jovens como forma de se expressarem no mundo social, garantindo-lhes o direito ao tra-balho como forma ontocriativa da existência (SAVIANI, 1994).

O direito à profissionalização é garantido pela Constituição Federal de 1988 e é regulamentado no Estatuto da Juventude. Esse deveria auxiliar a juventude na difícil tarefa de acesso à edu-cação e prepará-la para o ingresso no mercado de trabalho ou no mundo do trabalho, como princípio basilar da dignidade da pessoa humana e de sua inserção social como cidadão. A Lei n.º 12.852/2013 que promulgou o Estatuto da Juventude determina quais são os direitos dos jovens que devem ser garantidos e pro-movidos pelo Estado brasileiro, independente de quem esteja à frente da gestão dos poderes públicos.

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Essa Lei poderia servir de base para a formulação de políti-cas públicas para educação profissional, isso porque traz em seu contexto legal onze direitos específicos: Direito à Diversidade e à Igualdade; Direito ao Desporto e ao Lazer; Direito à Comuni-cação e à Liberdade de Expressão; Direito à Cultura; Direito ao Território e à Mobilidade; Direito à Segurança Pública e ao Aces-so à Justiça; Direito à Cidadania, à Participação Social e Política e à Representação Juvenil; Direito à Profissionalização, ao Trabalho e à Renda; Direito à Saúde; Direito à Educação; Direito à Susten-tabilidade e ao Meio Ambiente. (BRASIL, 2013).

Sendo assim, é necessário pontuar a importância por parte do Estado de uma agenda pública que assuma e incorpore as vá-rias políticas governamentais de forma incondicional, de modo que permita e articule ações de enfrentamento das várias viola-ções de direitos que afetam os jovens, pois como se percebe ape-nas a promulgação da lei não garante a sua efetividade.

Entendemos que os jovens são cidadãos e esses têm direito à educação de qualidade, em todos os níveis, e que esta deve se adap-tar às necessidades e especificidades da juventude, inclusive no pe-ríodo noturno. Direito este garantido pelo Estatuto da Juventude.

Ressaltamos também que o Estatuto enfatiza a importância das políticas afirmativas e a expansão da educação superior nas ins-tituições públicas, do financiamento e da assistência estudantil, das bolsas de estudos e do transporte escolar. Postula ainda, atenderas necessidades dos jovens negros, do campo, indígenas e com defi-ciência. Garantindo a esses a liberdade de organização e a sua parti-cipação efetiva para a gestão democrática das escolas e universidades.

Em 2012, os jovens na faixa etária de 15 a 17 anos, so-mavam 81,2% frequentando a escola formal, mas destes apenas 54,4% estavam no Ensino Médio o que já mostra uma enorme distorção idade-série, no caso idade-etapa da Educação Básica. O INEP destaca neste mesmo ano, com relação às matrículas da

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Educação Profissional vinculada ao Ensino Médio em torno de 16,3%. Assim, das 1.362.200 matrículas, apenas 538.761 cursa-vam o Ensino Médio nas formas integrada e concomitante e os demais 823.429 cursavam a forma subsequente. (INEP, 2015)

Nesse sentido, enfatizamos a necessidade de aumento da oferta da Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio, pois a forma subsequente supera as duas formas articuladas em 284.668 matrículas. Isto demonstra que os jovens desejam uma formação profissional. (INEP, CENSO DA EDUCAÇÃO PRO-FISSIONAL, 2010).

Compreendemos a Educação Profissional em sua perspecti-va legal, como uma configuração de modalidade de ensino regida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9.394/96, complementada pelo Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997 que foi reformado pelo Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Essa tem como objetivo principal a implementação de cur-sos que, voltados para o acesso ao mercado de trabalho, se dirija tanto para estudantes quanto para profissionais que buscam am-pliar suas qualificações para o trabalho.

Como destacamos a Educação Profissional no Brasil em seus indicadores mostra a dimensão da desigualdade social e po-lítica que afeta os jovens em idade escolar no Brasil, porém, é preciso enfatizar que a situação atual na qual os jovens estão imer-sos tem enraizamento sócio-histórico. Este vem se fecundando pelos desmandos do sistema capitalista no país, amparados por um Estado cujos governos não têm se preocupado com a popula-ção para a qual se dirige esta Educação, isto é, os filhos da classe trabalhadora, ou como diz Moura (2015), os filhos daqueles que vivem do trabalho.

A educação profissional preceituada pelo Decreto nº 11.741 de 2008 (BRASIL, 2016, s/p), é definida nos seguintes artigos:

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Art. 36-B. A educação profissional técnica de nível médio será desenvolvida nas seguintes for-mas: I - articulada com o ensino médio; II - sub-seqüente, em cursos destinados a quem já tenha concluído o ensino médio. Parágrafo único. A educação profissional técnica de nível médio de-verá observar: I - os objetivos e definições conti-dos nas diretrizes curriculares nacionais estabele-cidas pelo Conselho Nacional de Educação; II - as normas complementares dos respectivos sistemas de ensino; III - as exigências de cada instituição de ensino, nos termos de seu projeto pedagógi-co. Art. 36-C. A educação profissional técnica de nível médio articulada, prevista no inciso I do caput do art. 36-B desta Lei, será desenvolvida de forma: I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, efetuando-se matrícula única para cada aluno;

II - concomitante, oferecida a quem ingresse no ensino médio ou já o esteja cursando, efe-tuando-se matrículas distintas para cada curso, e podendo ocorrer: a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportuni-dades educacionais disponíveis; c) em institui-ções de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando ao planeja-mento e ao desenvolvimento de projeto peda-gógico unificado.

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Percebemos que a educação básica e a educação profissio-nal são direitos e são requisitos fundamentais para todas as di-mensões da vida. Assim, a compreensão de sua forma integrada traz uma dinâmica coerente com o que Frigotto (2001) e Moura (2008) enfatizam, qual seja, a formação que integra a escola de educação básica à profissional, possibilitando construir nos alu-nos uma consciência crítica, um conhecimento global do mundo do trabalho, bem como de cidadania e de visão de democracia da vida em sociedade.

Observamos, no entanto, que a educação profissional no Brasil vem se ampliando desde os anos de 2007, em particular, na sua forma subsequente. Assim, no Anuário Brasileiro da Edu-cação Básica de 2014 do total de 1.362,200 no ensino médio; 17,65% ou 240.226 são matriculados na forma concomitan-te; 21,91% ou 298.545 são matriculados na forma integrada e 60,44% ou 823.429 são do subsequente. Oliveira (2012) destaca que a Educação Profissional democrática e emancipatória é um elemento essencial à formação dos jovens e adultos que integram os processos educacionais no Ensino Médio e na Educação Pro-fissional. Ainda de acordo com a autora:

O contexto atual, marcado pela continuidade no governo federal das forças políticas que se dizem comprometidas com um projeto societá-rio includente, torna possível pensar a elabora-ção e a execução de uma modelo de formação profissional cujo princípio político-pedagógico seja a formação de sujeitos capazes de efetivar práticas sociais direcionadas à construção de uma sociedade mais igualitária; neste novo con-texto, a educação profissional há de ser muito mais que a formação para uma atividade espe-cífica no local de trabalho. Não pode se resumir

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apenas ao desenvolvimento de competências, como tanto defende os advogados do capital; muito menos pode ser uma ação compensatória e manipuladora de mentalidades (OLIVEIRA, 2012, p. 101)

Nesse sentido, podemos compreender que a autora defende a relevância da oferta da Educação Profissional articulada com as mudanças presentes no mundo do trabalho. Seria uma proposta de formação que visa atuar no sentido de transformação da realidade e inclusão dos que estão excluídos do direito à produção material e cultural, o que possibilita a oportunidade de se atingir expectativas reais de exercício do direito à cidadania (OLIVEIRA, 2012).

Apreendemos que a educação representa tudo aquilo que pode ser feito para desenvolver o ser humano e, nesse sentido, pressupõe a instrução e o desenvolvimento de competências e ha-bilidades. Logo, o processo educacional tem um significado im-prescindível para o desenvolvimento do ser humano, permite que o homem alcance avanços significativos, no sentido da garantia de um futuro melhor. Partindo desta compreensão, podemos di-zer que a educação é fundamental para vida em sociedade. Dessa forma, a percepção de Silva (2000) quando enfatiza o artigo 205 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) mostra que essa dispõe a educação como um direito e cabe ao Estado e a família promo-verem-na de modo que visem o pleno desenvolvimento da pes-soa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Esses são construtos que podem ser agregados à formação dos jovens no processo da educação profissional de nível médio.

A educação é um direito fundamental de natureza social, principalmente quando compreendemos que para os indivíduos que se configuram como cidadãos em uma sociedade capitalista,

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o trabalho é a fonte de subsistência e garantia de satisfação de suas necessidades. Dessa forma, a formação e qualificação para o tra-balho pode se configurar em um problema social, por essa razão, podem ser exigidas do Estado, ações que visem a sua satisfação, a sua garantia por meio de políticas públicas.

Por conseguinte, as políticas públicas de educação no Bra-sil no contexto do direito social e de responsabilidades estatais pela via de instrumentos da ação pública federativa, e de polí-ticas de abrangência nacional são uma realidade, mas essas não tem conseguido, em uma observação contextual, dar conta de incluir, principalmente os jovens da classe trabalhadora na edu-cação profissional. O eixo da análise desse fenômeno de exclusão seria a luta envolta no processo de democratização da educação, impulsionado pelo alargamento dos direitos à educação e da ação do Estado. De tal modo, as normas educacionais federativas comportam uma série de responsabilidades estatais na educação, tanto no sentido de garantias como de efetivação do direito à educação e ao trabalho de forma articulada.

Assim, para Frigotto (2001), o projeto do governo fede-ral desde a organização ao conteúdo da (LDB) que regulamenta a Educação Profissional subordina-se às ideias do mercado e do capital, bem como, de um modelo excludente, concentrador de renda e predatório que tira dos jovens o direito à vida digna e o sonho de um futuro com melhores condições de subsistência.

Seguindo esse pensamento Frigotto (2001) defende uma educação que possibilite a mudança social. Mas, para isso é ne-cessário que a educação seja apreendida na sua dimensão ontoló-gica e histórica, de modo que permita a formação de um sujeito autônomo e crítico de sua realidade, social, econômica, política e cultural. Isto é, um ser que possa transformar sua realidade com responsabilidade e cônscio de seus deveres para com uma socie-dade mais justa e igualitária.

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Nessa perspectiva, Moura (2008) destaca que as institui-ções de Educação Profissional e Tecnológica (EPT) enfrentam diversos desafios para cumprir a função que lhes demanda à so-ciedade. Defende que é necessário aproximar mais a ação de cada instituição de EPT do seu entorno para que possa penetrar mais na realidade social, econômica e laboral, visando, assim, contri-buir para a sua transformação. Ainda de acordo com o autor é necessário estabelecer um diálogo social, que envolva as institui-ções e as áreas de conhecimento como a sociologia, a educação, a psicologia, a economia, a filosofia e a organização empresarial, bem como, sindicatos e sociedade civil.

Nessa perspectiva de diálogo contribuiriam essas institui-ções de uma forma mais profunda à realidade socioeconômica. Assim, poderiam atender às demandas e também, potencializar processos voltados para transformação da realidade socioeconô-mica e cultural, garantindo pelo menos aos jovens ali matricula-dos seus direitos constitucionais.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Entendemos que, os jovens são cidadãos que têm direito à educação de qualidade no nível básico e no nível superior, e que esta deve se adaptar às necessidades e especificidades da juventu-de, inclusive no período noturno. Direito esse garantido legal-mente pelo Estatuto da Juventude.

Assim, dentro do quadro nacional essa oferta ainda é inci-piente, especialmente, se imaginarmos a população nacional de mais de 200 milhões de habitantes (IBGE, 2016), que necessitam de mínimas condições de educação para ingresso de forma eficaz no mercado de trabalho. Esses por si já são indícios de que a Educa-ção Profissional atende minimamente à demanda a qual se destina.

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As políticas em implementação e em execução de 2010 a 2016 constantes do portal da Secretária de Educação Continua-da, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - (SECADI) e da Se-cretaria de Educação Profissional e Tecnológica - (SETEC) são as seguintes:

a) Política de Expansão da oferta da EPT _ O Progra-ma Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONA-TEC). Congrega várias ações anteriores à sua criação e institui o Bolsa Formação, iniciativa que visa à qualificação e à habilitação de trabalhadores e estudantes brasileiros, constituindo foco de disputa pelos recursos públicos - (Bolsa Formação, Rede e-tec Brasil, Acordo de gratuidade).

b) Política de Educação Profissional e Tecnológica (EPT) articulada à Educação de Jovens e Adultos (EJA) - obje-tiva ampliar a oferta de cursos de EPT para jovens e adultos que não tiveram a oportunidade de se escolarizar na idade certa asso-ciando a formação profissional com a elevação de escolaridade.

Consideramos também a expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica que desde 2010 teve um aumento substancial saindo de 356 para 644 em termos de campi55. Essa expansão apesar de ser uma política de Estado implantada de forma estruturante em todo país não atende em termos de inclusão dos jovens em idade escolar no ensino médio em número de matrículas.

Considerando-se que o país em 2010 tinha 16.990.870 jo-vens com idade entre 15 e 19 anos, vemos que 1.727.523 estavam fora da escola. Na Tabela 1 mostramos a evolução de matrículas na Educação Profissional em suas formas de oferta concomitante e subsequente.

55 Informações do MEC disponível em: http://redefederal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal. aces-sado em maio de 2018.

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Tabela 1 – Evolução do número de matrículas na Educação Profissional (Concomitante e subsequente) – Brasil – 2010/2016

NÚMERO DE MATRÍCULASANO

2010 2012 2014 2016EDUC. PROF. (CONCOMITANTE

E SUBSEQUENTE) 924.670 1.063.655 1.374.569 1.210.603

Fonte: Inep (2017) (adaptada)

Ao destacar a evolução do número de matrículas na edu-cação profissional no contexto brasileiro, a partir dos dados da Tabela 1, observamos um aumento significativo de 76,4%. Con-tudo, ao se analisar a Projeção do Censo Populacional de 2016 percebemos a necessidade de um aumento ainda maior na oferta desta modalidade de ensino para a promoção do direito à edu-cação e ao trabalho de modo a garantir o que prevê a legislação pátria e que é desejado no meio social para que os jovens das clas-ses pobres possam ter acesso ao mundo do trabalho em melhores condições de paridade com os das classes consideradas médias e altas.

Seguindo a estimativa do ano de 2016, o IBGE (2013) ti-nha uma estimativa de que a população jovem e adulta (dos 15 aos 29 anos) totalizaria um total de 51,3 milhões. O Ministério da Educação, segundo a Tabela 2, destaca que há uma oferta de educação profissional na rede pública para mais de 1,2 mil de matrículas, o que equivale a média de 1% da população jovem e adulta.

No que se refere a educação profissional, conforme Tabela 2, o levantamento do Ministério da Educação a partir do Censo Escolar de 2016, a educação profissional técnica, atende a mais de 1 milhão 97 mil e 473 educandos.

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Tabela 2 – Número de matrículas na Educação Profissional por rede de ensino – Brasil – 2016

REDE DE ENSINO

Concomitante ou subsequente ao ensino médio

Integrado ao ensino médio (inclusive ensino

médio normal/magistério)

Integrado à EJA de nível médio ou Cursos FIC)

TOTAL

PÚBLICA 495.682 506.538 95.253 1.097.473PRIVADA 714.921 25.233 21.377 761.531TOTAL 1.201.603 531.771 116.630 1.859.004

Fonte: Inep (2017) (adaptada)

Esses dados também mostram que a rede pública na edu-cação profissional cresceu 5,1% em 2016 enquanto a da rede privada apresentou queda de 12,6%. A matrícula de curso téc-nico integrado ao ensino médio da rede pública apresentou um crescimento de 11% em 2016. Já na rede privada, a matrícula de cursos concomitantes ou subsequentes ao ensino médio, que possuem participação significativa na educação profissional dessa rede, apresentou queda de 12% nesse mesmo período. E nesse sentido, é fundamental refletir que a educação é o meio primor-dial para a formação dos jovens, logo, é necessária para melhorar as condições de subsistência desses sujeitos.

Dessa maneira, acreditamos que seja relevante a oferta da Educação Profissional articulada com as mudanças presentes no mundo do trabalho. Para tanto, uma proposta de formação que busque atuar na transformação da realidade e na inclusão dos que estão excluídos do direito à produção material e cultural, isto é, que possibilite o exercício do direito à cidadania de fato.

De acordo com os dados do Anuário Brasileiro da Educa-ção básica de 2017, temos 1,7 milhão de jovens de 15 a 17 anos que não estão matriculados no Ensino Médio. A taxa líquida de matrícula está em 62,7%. Isto é, a educação básica nessa fase esta longe de ser universal. (ANUÁRIO BRASILEIRO DA EDUCA-ÇÃO BÁSICA, 2018).

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Entendemos que, os estudos sobre políticas públicas são importantes para a compreensão do sucesso e do fracasso dessas, pois são fundamentais para o melhoramento do desempenho da administração pública, o que demanda apreender o “Estado em ação” (TREVISAN e BELEN, 2008).

Nessa perspectiva, Moura (2008) destaca que as instituições de Educação Profissional e Tecnológica (EPT) enfrentam diver-sos desafios para cumprir a função que lhes demanda a sociedade.

Ainda seguindo esse pensamento podemos enfatizar o que o Estatuto da Juventude, instituído pela Lei n.º 12.852/2013, determinou para os direitos dos jovens, informando as garantias e como devem ser promovidos pelo Estado brasileiro. Estabelece ainda, dentre as garantias já previstas pela Constituição, quais são as especificidades da juventude que precisam ser afirmadas.

Todavia, observamos que as políticas públicas não têm aten-dido às demandas dos jovens por educação profissional. Percebe-mos também que algumas que parecem ser demandas sociais, são demandas geradas pela própria organização da educação, cita-se o caso da oferta de Educação Profissional como subsequente ao En-sino Médio. Essa oferta ratifica a “inclusão excludente” (KUEN-ZER, 2006), pois os filhos da classe trabalhadora retornam para a escola, não para mudar de nível de escolarização, mas para per-manecer onde estavam. Dessa forma, compromete não apenas sua formação como cidadão crítico, mas a qualidade da vida social.

Apreendemos que Educação representa tudo aquilo que pode ser feito para desenvolver o ser humano e, nesse sentido, representa a instrução e o desenvolvimento de competências e habilidades. Corrobora esse pensamento, Frigotto (2001) quan-do argumenta que para uma educação que possibilite a mudança social, é preciso que a educação seja compreendida em uma di-mensão ontológica e histórica, de modo que permita a formação de um sujeito autônomo e crítico de sua realidade, social, econô-

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mica, política e cultural. Isto é, um ser que consiga transformar sua realidade para uma sociedade mais justa e igualitária. Para tanto, as políticas públicas, como ações de Estado, precisam aten-der às demandas de uma forma igualitária e justa, pautadas em indicadores e conforme o contexto social demandado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos em nossos estudos a necessidade de existir a continuidade das táticas focais no sentido de implementação das ações do Estado, de modo, a assegurar maior eficiência das po-líticas públicas de educação e para atender os sujeitos que ainda estão excluídos, oferecendo-lhes a possibilidade de atingir os cri-térios de elegibilidade para o ingresso no ensino médio integrado à educação profissional.

Dessa forma, o acesso não depende, meramente da am-pliação do público-alvo ou da taxa bruta de matrícula, pois tão importante quanto existir a oferta de vagas é garantir que os edu-candos atendam plenamente os critérios de elegibilidade para o ingresso no ensino médio, bem como, é fundamental garantir--lhes a permanência.

Os estudos e os indicadores de matrícula apontam que, os objetivos e finalidades atribuídos ao ensino médio seguem osci-lando, entre os estudos ditos propedêuticos, de formação geral, e aqueles profissionalizantes, de formação específica, o que nos evi-dencia as disputas sociais em torno de distintos direcionamentos para a formação dos jovens na sociedade brasileira em referência, notadamente, à educação profissional de nível médio.

Chamamos a atenção que embora as ações do Estado te-nham se configurado em um aumento das matrículas nas institui-ções públicas de ensino de ensino médio e educação profissional,

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essa não garantiu nem a igualdade e nem a universalidade. Resta saber se este é um quadro conjuntural ou se representa a desistên-cia do governo brasileiro em persistir na expansão da rede pública para atender o empresariado da educação.

Por fim, é importante destacar que tanto o investimento quanto a melhora da qualidade do ensino médio e da educação profissional são urgentes, porém, é importante entender que a melhoria dos indicadores dependerá também, em boa medida, da melhoria da primeira etapa da Educação Básica desde os pri-meiros anos.

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INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS

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DESIGUALDADE SOCIAL NO CAPITALISMO: A MERCANTILIZAÇÃO DO GÊNERO

HUMANO

Alídia Paula Teixeira de Carvalho56

Geysse Gadelha Rocha57

Daniele Kelly Lima de Oliveira58

INTRODUÇÃO

Pode-se compreender através da história da acumulação primitiva do capital, como o trabalho foi desenvolvido na so-ciedade capitalista. Desde a expropriação dos camponeses no sistema feudal até os dias atuais, a existência de uma massa po-pulacional destituída de quase tudo é prerrogativa para que este modo de produção possa impor o trabalho de forma assalariada e explorada.

Nesse artigo pretendemos, à luz dos pressupostos da on-tologia marxiana-lukacsiana, refletir acerca do processo de mer-cantilização do gênero humano no sistema capitalista. Para isso a metodologia aplicada a essa pesquisa foi um apanho teórico bi-bliográfico, contanto com as contribuições de Karl Marx (2013), no livro I de sua obra O Capital, e intérpretes da obra marxiana que versam da temática do complexo da educação, por exem-plo, Aníbal Ponce (1989) Educação e Luta de Classes e Ivo Tonet

56 Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – (UVA). Membro do Grupo de Estudos Gramsci e a Formação do Educador (UVA/UECE/UFC), e GELUTE – Grupo de Estu-dos Lutas Universitárias, Trabalho e Educação (UVA). E-mail: [email protected]

57 Graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – (UVA). Membro do Gru-po de Estudos Gramsci e a Formação do Educador (UVA/UECE/UFC), e GELUTE – Grupo de Estudos Lutas Universitárias, Trabalho e Educação (UVA). E-mail: [email protected]

58 Professora Adjunta da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA). Coordenadora do Grupo de Estudos Gramsci e a Formação do Educador (UVA/UECE/UFC) e do GELUTE - Grupo de Estudos Lutas Universitárias, Trabalho e Educação (UVA). E-mail: [email protected]

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(2007) Educação contra o capital. Contamos ainda com a obra de José Paulo Netto e Marcelo Braz (2007), no que diz respeito ao entendimento quanto ao surgimento da sociedade de classes.

AS DESIGUALDADES SOCIAIS COMO PRODUÇÃO HISTÓRICA

Se tomarmos a história como base para nosso entendimen-to, veremos que a classe expropriada foi destituída de terras e meios de produção, com isso adentrou ao capitalismo somente com sua força de trabalho. É neste ponto que a exploração capi-talista se perfaz, pois, não tendo como subsistir, a opção existente para esta classe é vender a única coisa que lhe restou nesta cons-trução histórica.

No capitalismo o trabalhador é compelido a vender sua força de trabalho para sobreviver. E o faz sob as exigências do ca-pitalista que, tendo tomado posse dos meios de produção, impõe o valor a ser pago pela força de trabalho e as condições nas quais se realizará o trabalho.

Sendo o interesse do capitalista inverso ao do trabalhador, o valor pago ao trabalhador, que deve causar o mínimo de decrés-cimo no lucro do capitalista, não atende nem mesmo às necessi-dades físicas do trabalhador. Este, por sua vez, é mantido preso a esta situação pelos mesmos motivos que o obrigam a vender sua força de trabalho: não possuir nada, além disto.

O trabalho assalariado é a forma específica do regime a que vivem submetidos os produtores diretos no modo de produção capitalista. Isso significa que ele é parte constitutiva do sistema de exploração do modo de produção capitalis-ta [...] Do ponto de vista ideológico, aliás, o

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regime salarial contribui para difundir a falsa ideia, tão cara aos capitalistas, segundo a qual, mediante o salário, os trabalhadores obtém a re-muneração integral do seu trabalho (NETTO E BRAZ, 2007, p. 104).

A venda da força de trabalho por um salário explora o tra-balhador, inicialmente, pelo fato de que, a este, não se paga o equivalente ao que por ele foi produzido. Paga-se somente parte disto, pois, a parte que não é paga é o lucro do capitalista e, sem isto, o capitalismo não se sustenta, uma vez que, é este lucro, ge-rado pela força de trabalho, que mantém este modo de produção.

Tomando nota desta lógica de funcionamento que necessita da força de trabalho para existir, é possível compreender a razão pela qual o capitalismo precisa subordinar toda uma classe a con-dições de extrema pobreza e miséria, posto que, desta forma, é possível manter um exército de reserva que é formado por pessoas desprovidas de tudo que possa atender às suas necessidades e terão que vender a si mesmas como única possibilidade de subsistência.

O capitalismo, com suas relações mercantis baseadas na acumulação de capital, criou um movimento de troca no qual tudo, absolutamente tudo, é transformado em mercadoria. O ho-mem não escapou a este movimento. O mais rico compra o mais pobre. E, esse negócio é sempre lucrativo para o mais rico, não há preocupação com a vida degradante a qual o mais pobre é sub-metido, pois, o que está em jogo é a geração de lucro capitalista.

O trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma sorte para ele conseguir chegar ao homem que se interesse por ele. E a procura, da qual a vida do trabalhador depende, depende do capricho do rico e capitalista (MARX, 2010).

A divisão de classes com base na propriedade privada atin-giu no capitalismo contornos ainda mais cruéis quando compa-

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rados aos das antigas sociedades. À classe dos não proprietários não restou nem mesmo o direito de subsistir, como os servos nos feudos. Lançados ao completo desprovimento de suas necessida-des e a condições degradantes tornou-se difícil manter inclusive a própria vida. E esta situação não é amenizada pela venda da força de trabalho. Esta circunstância é inerente ao capitalismo, um sistema apoiado na desigualdade da distribuição de renda, no acesso de poucos à riqueza produzida e nos interesses individuais e particulares.

O agravamento crescente dos problemas sociais de toda ordem está aí para confirmar que a di-nâmica desta ordem social não vai ao sentido de ampliar, mas de diminuir – relativamente – o universo daqueles que têm acesso ao pa-trimônio da humanidade. Se houve, ao longo desses últimos cento e cinquenta anos, ilhas e períodos de elevação do padrão de vida (sem levar em conta que mesmo esse conceito de pa-drão de vida é muito questionável), da maioria da população de alguns países (welfare state), também houve, do ponto de vista do conjunto espaço-temporal da humanidade, um crescente retrocesso (TONET, 2007, p. 4).

As condições de privação e penúria da classe historicamen-te expropriada e empobrecida são uma constante do capitalismo que não se resumem à esfera material. A degradação se estende ao processo de complexificação do homem, à construção de sua totalidade, que são resumidos a uma incompletude do ser social, resultado de uma ideologia dominante que dividiu por classe não só a riqueza material, mas também o conhecimento socialmente produzido pela humanidade.

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O homem, dominado pelo centro deste sistema, a produ-ção de mercadorias, se torna uma delas, pois, se transforma em um valor de troca e em objeto, algo sem espírito. Atribui-se isso, além da ideologia dominante ao fato que o trabalho, no capitalis-mo, deixa de ser uma atividade de transformação da natureza, na qual o homem também se transforma e se constrói na interação com essa atividade, e esta, é outra pobreza que o capitalismo cau-sa ao trabalhador.

O trabalho estranhado e alienado traduz o oposto do que Marx relatou sobre o trabalho enquanto categoria ontológica do ser social, que é capaz de contribuir para o desenvolvimento do homem de forma universal. O estranhamento e alienação do tra-balho causam ao homem a deterioração do seu ser através da falta de reconhecimento e de interação com a atividade, com o pro-duto, com a natureza e consigo mesmo. Dessa forma, o homem não realiza novas descobertas e não incorpora novas objetivações a sua constituição.

Dentro da sociedade de classes o trabalho é posto como ati-vidade criadora de lucro para o capital por intermédio da venda da força de trabalho para geração de mais-valia. Esta é a lógica que sustenta a exploração de uma classe por outra.

Desde o surgimento da propriedade privada, evento crucial na criação da sociedade de classes, o trabalho vem sendo tomado pelos mesmos contornos que delineiam este tipo de sociedade, ou seja, passou a existir uma divisão social do trabalho na qual o trabalho não é uma atividade coletiva, mas sim, um meio de ex-ploração de um homem por outro por intermédio de uma forma de sociabilidade onde existe uma classe que trabalha e outra que vive do trabalho desta.

Imerso nesta condição o processo social de trabalho foi in-serido em uma lógica de relações de produção determinadas pela

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propriedade dos meios de produção que indicará a posição social dos indivíduos em uma sociedade, bem como, à sua função em relação à categoria trabalho.

Se a propriedade dos meios de produção funda-mentais é coletiva (como na comunidade pri-mitiva), tais relações são de cooperação e ajuda mútua, porque os produtos do trabalho são desfrutados coletivamente e nenhum membro do grupo humano se apropria do fruto do tra-balho alheio; se tal propriedade é privada, par-ticular (de um membro do grupo, de um con-junto de membros), as relações decorrentes são de antagonismo, posto que os proprietários dos meios de produção fundamentais apropriam-se dos frutos do trabalho dos produtores diretos, ou seja, estes são explorados por aqueles (NET-TO E BRAZ, 2007, p. 59).

A sociedade dividida em classes criou dois pólos antagôni-cos, proprietários e não-proprietários dos meios de produção, que marcou não somente a divisão do trabalho, mas também os mo-dos de produção fundados por ela e como se dariam as relações sociais de produção a partir desse contexto, influenciando direta-mente na criação do trabalho explorado e suas consequências nas condições humanas e sociais do homem.

O TRABALHO ENQUANTO CATEGORIA FUNDANTE DO SER SOCIAL

A partir daqui é preciso compreender a relação existente entre trabalho e formação humana para que possamos analisar os desdobramentos do primeiro e de sua divisão, baseada na divisão

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de classes, na constituição e no desenvolvimento do homem en-quanto ser social fundado pelo trabalho.

O trabalho enquanto categoria ontológica fundante do ser social permitiu ao homem diferenciar-se das demais espécies atra-vés do salto da esfera biológica para a esfera social, ou seja, foi através do trabalho que o homem fez-se homem e, a partir de en-tão, construiu sua história e sua existência. Tem-se, portanto que, sem o trabalho, o homem não teria se desenvolvido enquanto ser social, tampouco, complexificado a existência deste ser.

O trabalho é a categoria que possibilita ao homem consti-tuir-se um ser social, adaptando a natureza a si por meio de trans-formações e produção do novo e, a partir disso, transformando a si mesmo. Tais transformações direcionam o homem rumo à sua totalidade através de objetivações e subjetivações que complexi-ficam cada vez mais o seu ser e permitem-no desenvolver-se e ampliar-se no sentido de produzir sua existência.

É essa propriedade essencial ao trabalho – ser um tipo de reação ao ambiente que produz algo ontologicamente antes inexistente, algo novo – que possibilita ao trabalho destacar os homens da natureza. Em outras palavras, é a capacidade essencial de, pelo trabalho, os homens constru-írem um ambiente e uma história menos de-terminadas pelas leis naturais, que constitui o fundamento ontológico da gênese do ser social. E toda essa processualidade tem, no processo de generalização detonado pelo trabalho, seu mo-mento fundante (LESSA, 2016, p. 65).

Temos, portanto, que o trabalho, através da produção cons-tante do novo e as consequentes transformações obtidas a partir desta produção, originaram um ciclo que tornou possível a exis-

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tência humana, sua construção e sua manutenção em uma relação de dependência mútua entre homem e trabalho, por conseguinte, a existência humana é inerente ao trabalho, assim como o traba-lho é inerente à existência humana. Sendo assim apresenta-se o trabalho como pressuposto da formação do homem enquanto ser social que idealiza, produz, transforma e transforma a si.

O processo de trabalho, como expusemos em seus momentos simples e abstratos, é atividade orientada a um fim – a produção de valores de uso -, apropriação do elemento natural para a satisfação de necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre homem e natu-reza, perpétua condição natural da vida huma-na (MARX, 2013, p. 261).

Nesse sentido, o trabalho não é somente uma atividade de produção e transformação rasa, da qual o homem participa apenas como manipulador, operador ou mero coadjuvante. Da mesma forma, o homem também não é atingido pela atividade de for-ma superficial. O trabalho em sua concepção ontológica torna-se um meio efetivo para a formação dos homens, sendo esta, voltada para o sentido de uma formação humana emancipatória na qual o homem desenvolve a totalidade e a complexidade do seu ser.

No contexto das sociedades divididas em proprietários e não-proprietários, no qual domina a exploração de uma classe por outra, é consequência direta dela que a classe que é explorada tenha sua formação reduzida ao necessário para continuar sub-jugada à exploração, pois, no interior deste funcionamento so-cial, o trabalho foi sendo distorcido e distanciado do seu papel de contribuição no desenvolvimento e na emancipação do homem, uma vez que, historicamente, o trabalho dissolveu-se na atividade criadora de lucro para as classes que detém os meios de produção.

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Na linha histórica do trabalho, este, vem sendo revestido pelo contorno da divisão de classes que perpassou, com exceção das comunidades primitivas, todas as formas de sociabilidade até a atual sociedade capitalista. Faz-se necessário entender esta cons-trução para que seja possível analisar seus desdobramentos nos processos de educação e formação humana.

Nos primórdios das comunidades primitivas, o trabalho possuía um caráter comum e coletivo no qual os indivíduos de-sempenhavam de forma igualitária as atividades necessárias à ma-nutenção de sua subsistência e praticamente não havia divisão social do trabalho. É importante também ressaltar que neste tipo de sociedade, além de realizar a atividade, os homens se apropria-vam do conhecimento acerca da mesma, desde sua idealização até seu fim último, e isto, permitia ao homem acompanhar todos os processos do trabalho, o que lhe permitia aprender integralmente com as atividades que realizava, portanto, o trabalho permitia ao homem objetivar-se e subjetivar-se, uma vez que, a relação traba-lho-homem era genuína e ainda não havia sido violada.

[...] numa sociedade sem classes como a comu-nidade primitiva, os fins da educação derivam de estrutura homogênea do ambiente social, identificam-se com os interesses comuns do grupo, e se realizam igualitariamente em todos os seus membros, de modo espontâneo e inte-gral: espontâneo na medida em que não existia nenhuma instituição destinada a inculca-los, integral no sentido que cada membro da tribo incorporava mais ou menos bem tudo o que na referida comunidade era possível receber e ela-borar (PONCE, 1989, p. 21).

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Verifica-se assim que a transmissão dos conhecimentos, as-sim, como o trabalho, também era concebida de forma coletiva e, assim como no trabalho não havia divisão social, na educação também não havia divisão dos conhecimentos a serem repassa-dos, portanto, todos os membros da comunidade, igualitaria-mente, aprendiam sobre o que aqueles povos descobriam e acu-mulavam historicamente, configurando uma formação humana baseada, principalmente, no trabalho comum e coletivo e na totalidade que podia ser alcançada dentro dos limites daquelas comunidades.

A passagem das comunidades primitivas para a sociedade escravista marcou a criação da sociedade de classes e da divisão social do trabalho, ou seja, o trabalho deixou de ser coletivo e passou a seguir a forma como estava organizada a sociedade. A divisão de classes originou a separação entre aqueles que traba-lhavam e os que viviam do trabalho alheio.

Para a classe que trabalhava, os escravizados, o trabalho era realizado em função dos proprietários de terra e o que produziam lhes era expropriado. Além disto, os escravizados encontravam-se em situações tão degradantes que não havia como o desenvolvi-mento de uma atividade ser significativa ao ponto de promover transformações no homem.

Conforme Maia Filho et. al. (2014), de fato, neste período, o trabalho era tido como labor e significava ser escravizado pela necessidade: a escravidão era inerente a certas condições de exis-tência da vida humana.

Concomitante ao modo de produção escravista, também surgiu o modo de produção asiático que se estabeleceu em regiões do extremo oriente e que, basicamente, admitia a mesma lógica do escravismo em relação ao trabalho, isto é, a submissão dos homens àqueles que detinham o controle sobre a propriedade e os meios de produção. Por conseguinte, a forma de trabalho no

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modo de produção asiático também distanciou-se da promoção de realização do homem através do trabalho.

Com a dissolução dos modos de produção escravista e asiá-tico foi estabelecida a sociedade feudal. Nesta sociedade, as terras estavam concentradas nas mãos dos senhores feudais que, por meio disto, estabeleceram um sistema social de servidão no qual os servos, teriam que produzir para os senhores e entregar-lhes o excedente produzido por meio do seu trabalho.

Há que se analisar no feudalismo sua diferença em relação ao modo de produção escravista.

Do ponto de vista dos donos da terra, a servidão representava uma real vantagem sobre a escravi-dão. Era necessário um grande capital para ad-quirir e manter os escravos necessários, ao passo que a servidão não requeria qualquer gasto; o servo custeava a sua própria vida, e todas as vi-cissitudes do trabalho corriam por sua conta. A servidão constituía, pois, a única maneira de que o patrão dispunha para tirar proveitos dos seus fundos, ao mesmo tempo que também consti-tuía o único modo dos que não possuíam terras proverem o seu sustento (PONCE, 1989, p. 85).

Enquanto no escravismo o escravizado havia sido destituí-do de tudo e não tinha como produzir sua subsistência e tam-pouco o senhor de escravos a fornecia e, por isso, não havia a menor condição do escravizado produzir o que era demandado para custear as despesas dos proprietários de terra e da sociedade, no feudalismo, o senhor feudal cedia uma parte do feudo para que o servo produzisse a sua subsistência e, através disso, o man-tinha subordinado às suas exigências, assim fomentava o trabalho explorado em suas terras.

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O homem estava aprisionado ao trabalho explorado para que pudesse subsistir e, portanto, não havia como o trabalho pro-piciar, naquela sociedade, a libertação, formação e emancipação pretendidas pela ontologia do trabalho, uma vez que o servo o realizava sob ameaças de lhe serem retirados os meios através dos quais ele matinha a própria vida.

Conforme Ponce (1989), descendentes dos antigos escra-vos, o servo estava, como aqueles, ao serviço total do seu senhor, e não podia, em momento algum, abandonar esse serviço.

Este quadro de degradação do trabalho e, consequente-mente, do homem tornou-se ainda mais grave com inauguração do sistema capitalista pela burguesia, classe responsável pela que-da do sistema feudal. Momento histórico este que determinou os contornos do trabalho e da vida dos homens desde então.

Naquele momento, pequenos camponeses, produtores di-retos, servos e os não-proprietários em geral, foram expropriados e destituídos de tudo que lhes permitia produzir sua subsistência, dando origem assim a uma classe que só possuía sua força de tra-balho e, nestas condições, agudizou-se o processo de mercantili-zação dos homens, posto que, a partir de então, estes precisariam vender sua força de trabalho para ter acesso às necessidades bási-cas de subsistência, tornando-se obrigatória a troca da realização de uma atividade por um salário.

O trabalho na sociedade capitalista foi reduzido a um obje-to de sobrevivência do homem. O homem encontra-se imputado a realizar um trabalho, ainda que alienado e estranhado, apenas porque o que recebe pela atividade realizada é o que garantirá mi-nimamente a sua vida. No interior da lógica do capitalismo não interessa que o trabalho seja um meio fecundo para a formação e transformação do homem, visto que, nesta forma de sociabilida-de o trabalho é não mais que o emprego da força de trabalho de um indivíduo para a geração de mais-valia.

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O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quan-to mais mercadoria cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O tra-balho não produz somente mercadorias; ele pro-duz a si mesmo e ao trabalhador como uma mer-cadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral (MARX, 2010, p. 80).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final de nossa exposição podemos perceber que a cons-trução histórica que dividiu as sociedades em classes reverberou significativamente na forma como o trabalho viria a ser posto após essa divisão, implicando em uma deturpação da categoria trabalho que a afastou das proposições de suas definições ontoló-gicas e resumiu-a, desde o fim das comunidades primitivas até a atual sociedade capitalista, em objeto para produção e manuten-ção de riquezas das classes dominantes.

Consideramos que este processo histórico de dominação de proprietários sobre não-proprietários acarretou na desvalori-zação do trabalho e da vida humana que descendeu o homem à condição de mercadoria, que precisa se vender às vistas de não sobreviver se não o fizer. Tal condição agudizou-se na sociedade capitalista onde a produção de excedentes para a troca de mer-cadorias e acúmulo de capital encontrou na força de trabalho a principal fonte para a multiplicação de lucros.

Em suma, compreendemos que somente a supressão da propriedade privada e da divisão de classes aliadas ao resgate do trabalho livre e associado poderá ascender o gênero humano das

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condições de vida degradantes, que o impele a uma situação de submissão que o deixa exposto às barbáries de uma sociedade que, com base na alienação do trabalho e das relações sociais, não permite ao homem desenvolver-se e emancipar-se enquanto gênero humano, ser social e sujeito da sua história, e porque não é possível fazê-lo, o homem torna-se objeto, passível de troca, uso e desuso.

REFERÊNCIASLESSA, Sérgio. Para compreender a ontologia de Luckács. 4. ed. Maceió: Co-letivo Veredas, 2016.

MAIA FILHO, Osterne Nonato et. al. O impacto da aceleração tempo-espaço nas relações de produção. Cadernos de Pesquisa, São Luís, v. 21, n. 2, mai/ago 2014.

MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos. 4. reimpr. São Paulo: Boi-tempo, 2010.

______ . O capital: crítica da economia política. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013.

NETTO, João Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crí-tica. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. 9. ed. São Paulo: Editora Cortez: Editora Autores Associados, 1989.

TONET, Ivo. Educação contra capital. Maceió: EDUFAL, 2007.

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O COMPLEXO EDUCATIVO, A FORMAÇÃO DO SUJEITO SOCIAL REVOLUCIONÁRIO E

A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: UMA ANÁLISE ONTO-CRÍTICA.

Daniela Glicea Oliveira da Silva59 Maria Das Dores Mendes Segundo60

José Ernandi Mendes61

INTRODUÇÃOO papel social da educação, como práxis humana intencio-

nal, é sempre fruto de discussões e dissensos. Este artigo insere-se nessa discussão crítica a respeito do fenômeno educativo: sua im-portância na formação das consciências humanas e na mediação para a transformação social. Buscamos, portanto, analisar o para-doxo existente nos escritos dos autores: Gramci, Pistrak e Sousa Junior a respeito do papel da Educação Formal na constituição do sujeito social revolucionário e na transformação social.

O referencial teórico metodológico em que nos baseamos é o onto-marxismo62, partindo da premissa fundamental da cate-

59 Graduada em Pedagogia (2015). Mestre em Educação e Ensino (2018). Pesquisa nas áreas: Traba-lho e educação; ontologia-marxiana; crise estrutural do capital.

60 Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (2005). Pós-Doutora pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora Associado da Universidade Estadual do Ce-ará (UECE), do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) da UECE; Professora Colaboradora do Programa de Pós Graduação de Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará (UFC).

61 Doutor em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (2005). Pós-Doutor em socio-logia da educação na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Professor adjunto da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Integra o corpo docente do Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE) da UECE.

62 Lukács realizou a recuperação da obra onto-revolucionária de Marx, desconstruindo os equívocos existentes com relação à teoria marxista que apontavam para um determinismo econômico na obra do autor. Lukács, por outro lado, defende a existência na obra de Marx de uma ontologia do ser social, expressão da fundação do ser social como ser que se diferencia da natureza por sua ação teleologicamente orientada no intercâmbio com a natureza, que é o trabalho.

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goria trabalho enquanto fundante do ser social e dos demais com-plexos sociais que compõem a totalidade social (LESSA, 2007). Apoiamo-nos, portanto, nos escritos dos autores que realizam a crítica marxista ao sistema sociometabólico do capital, como Mészáros63 (2008), e seus intérpretes: Lima e Jimenez (2011), Tonet (2016) e Lessa (2007).

Para o alcance do objetivo exposto, nos debruçamos em um estudo de caráter teórico-bibliográfico sobre as obras de Mochco-vitch (1992): “Gramci e a Escola”; Pistrak (2008): “Fundamentos da Escola para o Trabalho”; e Sousa Junior (2010): “Marx e a crítica da educação: da expansão liberal-democrática à crise re-gressivo-destrutiva do capital”.

Destacamos que este embate teórico não é peculiar destes autores. Há na verdade um divisor de águas entre os adeptos da teoria marxista a respeito desta temática. O que leva a divisão dos autores em dois grupos distintos é justamente a questão da dependência ontológica da educação ao trabalho, pois, para al-guns autores, o complexo educativo, dependendo do modo como está organizado o processo produtivo, tenderá a reproduzi-lo. Em contraponto, para outros teóricos da área, a educação escolar tem relação independente do processo produtivo, desse modo, no con-texto das relações de produção estranhadas, a educação se insere como ponto fundamental de formação do sujeito social revolucio-nário, lançando as bases para o processo de transformação social.

Nesse sentido, trataremos a seguir de realizar um diálogo com os autores supracitados, possibilitando um caminho de re-flexão possível ao leitor, no intuito de despertar o interesse de leituras posteriores sobre a temática, e, quem sabe, lançar as bases para novos estudos e achados.

63 István Mészáros foi um renomado filósofo marxista. De origem húngara, deixou um legado em de-fesa da humanidade, defendendo a urgente superação do capital, como condição para se vislumbrar um devir humano. Outubro de 2017 marca a perca irreparável do obstinado marxista, aos 87 anos falece sem constatar a tão almejada superação do sistema sociometabólico do capital. Sua obra vasta e de suma importância relegou-o o título de um dos mais importantes intelectuais marxistas.

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Cabe apontar que o complexo educativo é de suma impor-tância na reprodução do ser social e, em sua forma lato, atua na conformação do indivíduo humano, transmitindo os conteúdos históricos acumulados pela humanidade, tornando as novas gera-ções participantes do gênero humano. Já em sua forma estrita esse complexo atua na reprodução da sociedade de classes, o que não anula, porém, seu potencial para a formação das consciências dos sujeitos históricos, os próprios sujeitos da transformação social, uma vez que a educação exerce com o trabalho uma relação de de-pendência ontológica, autonomia relativa e reciprocidade dialética.

O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E A ATUAÇÃO DO SUJEITO SOCIAL REVOLUCIONÁRIO

A transformação social conforme Marx (2002) terá alcance única e exclusivamente através da revolução. Processo mediado pelo sujeito da revolução, ou como aponta Gramci (apud MO-CHCOVITCH, 1992), pelo “Intelectual Orgânico”. Este pro-cesso foi descrito por Marx n’A ideologia Alemã:

A revolução não é só necessária porque a classe dominante de nenhum outro modo pode ser derrubada, mas também porque a classe que a derruba só numa revolução consegue sacudir dos ombros toda a velha porcaria e tornar-se capaz de uma nova fundação da sociedade. (MARX, 2002, p. 56).

O processo de transformação social visa o alcance da eman-cipação plena do gênero humano através da libertação das re-lações de produção estranhadas, onde o sujeito é expropriado dos meios de produção, da produção em si e até de si mesmo (MARX, 2006).

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De pronto, percebemos em Marx que mudanças dentro da mesma estrutura não são capazes de promover relações sociais igualitárias, mas apenas com a superação do sistema do capital64 essas podem ser efetivadas. Foi dentro desse contexto de pensa-mento que Marx fez uma crítica radical aos teóricos que chamou de socialistas utópicos. Pois, conforme Mochcovitch (1992, p. 10), seguindo o pensamento expresso por Marx na décima pri-meira das Teses sobre Feuerbach (2007), que defende que mais importante que entender a realidade, é transformá-la, ele dis-corda, por exemplo, de um dos primeiros pensadores socialistas, chamado Robert Owen, que acreditava em uma sociedade ideal, mas que se restringia a diminuir as jornadas de trabalho de seus operários, pois era, paradoxalmente, um industrial britânico.

A teoria marxista, nesse sentido, traz uma nova perspectiva sobre o tão idealizado modelo de sociedade, como uma possibi-lidade real a ser alcançada pelos proletariados, pois, conforme o autor, medidas conformistas e de ajuste não convergem para o êxito necessário à emancipação social. Se restringir a isto, era para Marx, reproduzir a ideologia burguesa.

Nessa conjuntura, devemos nos perguntar: qual o papel dos sujeitos sociais nesse processo de transformação da socieda-de? Qual classe social deve empenhar-se em efetivá-la? E quais os meios de formação dos sujeitos que influem nesse processo? Frente a esses apontamentos sobre o processo de transformação social e a atuação do sujeito social revolucionário, discorreremos, com base nos autores reiterados, qual a influência da educação formal, em sentido estrito, neste processo.

64 Mészáros (2011) defende que a necessária transição socialista só será alcançada com a superação do sistema sociometabólico do capital, como sistema de controle social que é anterior mesmo ao capitalismo e pode ser a ele posterior. Para o autor existe uma diferença cabal entre capital e ca-pitalismo, mesmo em outros modos de sociabilidade o capital pode existir, ocasionando as expe-riências definidas pelo autor como sistema de capital pós-capitalistas, como exemplo do ocorrido na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS. Portanto, a transição para um modo de sociabilidade superior está condicionada a superação do capital e não apenas do capitalismo.

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EDUCAÇÃO FORMAL E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: EMBATES TEÓRICOS

Conforme Sousa Junior (2010), na obra “Marx e a críti-ca da educação: da expansão liberal-democrática à crise regres-sivo-destrutiva do capital”, as relações travadas na sociedade de classes somam elementos para o processo de formação do sujeito social revolucionário. Isso porque, na atual manifestação do tra-balho, a condição de estranhamento do ser social promove a re-primida, mas, não inexistente, manifestação contrária à condição de exploração. Essa manifestação ocorre por meio da participação em sindicatos de classe, associações de moradores, movimentos sociais, dentre outros.

Nessa conjuntura, a formação humana está condicionada, na sociedade capitalista, pela dualidade do trabalho. Nesta so-ciedade que produz contradições, de um lado há a negação do homem, e do outro há a possibilidade de emancipação humana. Segundo o autor, o foco da formação humana nesta sociedade é a formação do proletariado, pois pela contradição reiterada, ela comporta as condições para a revolução, e, em corolário, para a superação do modo de sociabilidade atual em busca da possibi-lidade do pleno desenvolvimento das potencialidades humanas.

Nessa esteira, a práxis é tratada como revolucionária e extre-mamente educativa. Sendo que o conceito de revolução assume uma perspectiva pedagógica. Portanto, o autor apresenta o que seria o problema central da educação na perspectiva marxiana. Para a formação do proletariado, enquanto classe revolucionária, concorrem à articulação de uma série de processos, que se faz relevante destacar: a educação escolar articulada ao trabalho e a participação nos sindicatos das categorias de trabalhadores.

Todavia, conforme Sousa Junior (2010), a educação que lança as bases para a transformação social não é a educação formal em caráter estrito, pois, como salienta o autor, este modelo de edu-

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cação apesar de ser, assim como a revolução, um momento peda-gógico que nasce no seio dessa sociedade de contradições, é inca-paz de proporcionar uma oposição ao sistema capitalista de modo geral, pois se encontra, por outro lado, a seu favor, contribuindo para sua reprodução. Essa afirmação pode ser constatada na pas-sagem da obra de Sousa Junior (2010, p. 27), quando baseado em Mészáros, ele afirma: “no caso da revolução social se estabelece uma evidente relação de oposição que a escola (educação formal) jamais será capaz de estabelecer”. A oposição tratada refere-se ao modo de produção capitalista e as relações sociais engendradas por ele, atuando a escola, portanto, no seu processo de reprodução.

Esse fato se justifica devido à contribuição da educação for-mal no processo de reprodução e de naturalização das desigual-dades e mazelas produzidas pelo sistema capitalista, que tem seu fundamento na exploração humana. Destarte, a educação formal é apenas um dos momentos do programa de educação do sujeito revolucionário. Por outro lado, a educação dos espaços amplos, onde se desenvolvem as lutas sociais, são percebidos pelo autor como o lócus de formação das consciências dos atores da revolu-ção social. Outra afirmação de Sousa Junior (2010) que nos leva a esta constatação do caráter limitado da educação formal em se contrapor ao sistema capitalista é a seguinte:

A educação formal aparece apenas como estru-tura auxiliar que, embora se constitua como es-paço de contradições, não é capaz de estabelecer oposição de forma radical àquelas mediações, ou seja, a educação formal é uma estrutura que, ainda que contraditória, em última instância, pertence ao metabolismo social do capital e con-tribui para com os processos de interiorização dominantes. (SOUSA JUNIOR, 2010, p. 30).

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De certo, a contradição que fornece os meios para a educa-ção do proletariado enquanto classe para si se dá no contexto das relações estranhadas, onde este modelo social nega a humanidade do homem, oprimindo-o, explorando-o e realizando a expropria-ção do trabalho, ao mesmo tempo em que produz as condições necessárias para que a classe de trabalhadores lute pela superação dessa realidade.

Ocorre, pois, que o processo de revolução é entendido por Sousa Junior (2010) como um processo autoeducativo devido a três aspectos principais, que são: os sujeitos do processo de en-sino-aprendizagem; as estratégias; os métodos pedagógicos e os conteúdos.

Além disso, o autor reconhece a importância da revolução como única maneira possível da classe oprimida libertar-se da opressão e fundar um novo modelo de sociedade não explorada. Vemos, destarte, o papel da educação nesse processo, no senti-do de criar as estratégias necessárias para mudar as condições de reprodução, bem como de criar uma nova consciência nos indi-víduos.

O autor conclui este achado apresentando que em Marx a educação formal tem várias limitações que a impedem de contri-buir com o processo de revolução, principalmente pelos conteú-dos do processo de ensino. Confere-se assim, a importância que Sousa Junior delega ao caráter educativo das lutas sociais na for-mação dos trabalhadores. O autor defende, por outro lado, que a educação formal está no modelo de sociabilidade atual, condicio-nada a certos fatores que a impedem de realizar seu papel social na emancipação humana.

Já nos autores Pistrak e Gramsci percebemos outros senti-dos para a educação formal. Para estes autores o complexo edu-cacional assume um duplo papel, pois, tanto contribui com a

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formação do sujeito social revolucionário, como este, por conse-guinte, atuará no processo de transformação social.

Deteremo-nos primeiramente as análises do fenômeno educativo realizadas por Pistrak (2008). Moisey Mikhaylovich Pistrak foi um educador Russo, militante socialista que tinha pre-tensões e anseios audaciosos com relação à educação formal das classes populares. Pistrak elaborou reflexões pedagógicas a par-tir de sua própria prática. Teve bastante influência na educação da República Soviética no contexto revolucionário da revolução Russa de 191765. Seu livro, do qual tomaremos como base para cumprir os objetivos deste artigo, teve a primeira publicação em 1924, e intitula-se: “Fundamentos da Escola para o Trabalho”.

Este autor vem contrapor-se a Sousa Junior no que tange ao papel da educação formal na formação dos sujeitos para revo-lução e, consequentemente, transformação social. É interessante destacar, e por esse motivo realizamos um breve situar do mo-mento em que se gesta a obra de Pistrak, que compreender o pa-pel da educação formal em um momento revolucionário - onde os anseios do legado socialista de Marx estavam sendo empreen-didos no intuito de distribuir as riquezas produzidas socialmente e promover a justiça social - surge antagônico à compreensão des-se mesmo papel na conjuntura atual.

Todavia, mesmo em momentos distintos da sociabilidade humana, é interessante perceber como a educação tem sido pen-sada pelos estudiosos da área. Pistrak, como reiterado, pensou - a partir de suas experiências como professor e como estudioso da teoria Marxista - um modelo de escola para formação das classes subalternas, cujo julgava serem os sujeitos revolucionários, que promoveriam a revolução social.

65 2017 demarca o ano do centenário da Revolução Russa como um dos acontecimentos revolucionários mais importantes da História Mundial rumo à transição socialista. Entender o desencadear dos acon-tecimentos na URSS, os seus méritos e os condicionantes históricos que influenciaram o insucesso da Revolução quanto ao seu objetivo é de suma importância para atualização da luta dos trabalhadores.

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Pistrak reconhecia a educação escolar como uma arma po-derosa nas mãos das classes dominantes, compreende-a como servindo a interesses determinados dessas classes. Mas por outro lado, acredita no potencial desta na construção da consciência de classe das massas de trabalhadores.

Para o autor, a escola para revolução demanda novos obje-tivos, conteúdos, métodos e uma nova forma de organização. Os seus objetivos devem estar preocupados em formar um homem novo, que tenha as condições necessárias para lutar por um novo modelo de sociedade distante do atual, que se apresenta pauta-do na exploração e na desumanização do gênero humano. Nesse sentido, o trabalho na nova escola deveria levar em consideração, conforme o autor, os seguintes aspectos:

Primeiramente, sem teoria pedagógica revolu-cionária, não poderá haver prática pedagógica revolucionária. Em segundo lugar (e em con-sequência do que já foi dito), a teoria marxista deve ser adotada como uma nova arma capaz de garantir a transformação da escola, e é preciso adotá-la sem modificações na prática de todo o trabalho escolar. (PISTRAK, 2008, p.24).

A escola pensada por Pistrak tinha dois princípios básicos norteadores, que são: relações com a realidade atual e auto-or-ganização dos alunos. O primeiro está relacionado ao desenvol-vimento e aplicação da teoria revolucionária de Marx na prática educativa, pois antes de construir as bases para mudança da reali-dade atual, se faz necessário conhecê-la. Assim, educar os alunos para puramente conhecer a realidade não se faz suficiente, mas é necessário educá-los para que tenham uma posição frente a ela. Já o segundo princípio refere- se à práxis autoeducativa que deve se realizar na escola. Os alunos precisam ter autonomia para se or-

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ganizar politicamente e todos os conteúdos devem levar em con-sideração o movimento mais amplo dos acontecimentos e fatores que os influenciaram. Ou seja, para serem fidedignos à teoria de Marx, os conteúdos não devem ser estudados como divorciados da totalidade do real, mas sim inseridos nesta.

O autor trata ainda que o ensino deve ser unificado, para que possa “educar os combatentes a serviço dos ideais da classe operária, dos construtores da nova sociedade” (PISTRAK, 2008, p. 14). Além de unificado, ele defende que este trabalho deve começar bem cedo, já com as crianças bem pequenas. Ele refuta o ideário que, baseado na psicologia, defende que a criança em ten-ra idade tem interesses distintos e não possuem as estruturas cog-nitivas amadurecidas para compreender sua importância na luta por uma sociedade igualitária, uma vez que, para ele, em idades diferentes as crianças reagem de formas diferentes aos estímulos exteriores, mas os seus interesses sofrem grandes influências nos estímulos do ambiente.

Por fim, Pistrak salienta que as crianças e jovens devem ain-da ser educados para trabalharem coletivamente: dirigindo em al-guns momentos e obedecendo em outros, e assim sejam formados numa perspectiva que una paralelamente “a revolução e a escola”, “porque a escola é a arma ideológica da revolução” (PISTRAK, 2008 p. 30). A escola para o trabalho, em Pistrak, é justamente em sentido literal, uma escola que esteja preparada para formar os sujeitos sociais revolucionários para, em consequência, supe-rar o trabalho estranhado, característico do modo de produção capitalista.

Em suma, é clara a importância depositada pelo autor na educação formal, no sentido de contribuir para a revolução social e na promoção de uma sociedade onde se possa obter o devir livre, onde o homem possa se reconhecer na sua atividade vital e fundante que é o trabalho.

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Como terceiro e último autor apresentamos então a pers-pectiva gramsciana sobre a educação formal a partir dos estudos de Mochcovitch (1992). Antonio Gramsci foi filósofo, jornalista e fundador do partido socialista na Itália. Lutou a vida toda con-tra o fascismo italiano e por esse motivo ficou em cárcere por dez anos. Na prisão foi onde escreveu extensa bibliografia, as famosas cartas do cárcere, que só foram editadas após sua morte.

Mochcovitch (1992), no livro “Gramsci e a Escola”, faz uma síntese das ideias de Gramsci, mormente as ideias pedagó-gicas e sobre a escola, a partir de um estudo denso das obras do autor. Conforme a autora, para se falar em “educação política” em Gramsci “é quase obrigatório tratar do aspecto pedagógico deste pensamento”. (MOCHCOVITCH, 1992, p. 52).

No capítulo sete do livro, Mochcovitch trata do conceito de Escola Unitária desenvolvido por Gramsci. O termo unitário vem de único, comum, em oposição ao ensino dual proposto na reforma Giovanni Gentile. Esta reforma visava à divisão entre ensino humanista geral e a formação profissional. Gramsci apud Mochcovitch expressa este pensamento:

Se se quer destruir esta trama, por tanto, deve--se evitar a multiplicação e graduação dos tipos de escola profissional, criando-se, ao contrário, um tipo único de escola preparatória (elemen-tar-média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o entremen-tes como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. (GRAMS-CI apud MOCHCOVITCH, 1992, p. 52)

Para o autor, a escola que devemos lutar pela existência é uma escola verdadeiramente democrática, oferecida pelo Estado “ético” e “educador”, cujo objetivo principal é formar cultural-mente as massas para que possam torna-se “governantes”.

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Nesse sentido, o papel da escola em Gramsci é, segundo Mochcovitch (1992, p. 62), “à elevação das massas do senso co-mum à consciência filosófica, à superação de uma visão de mun-do marcado por resíduos de concepções de épocas anteriores”.

Nessa égide, a escola, para Gramsci, deve elevar cultural-mente as massas de trabalhadores na compreensão dos direitos e deveres e na formação para a cidadania, bem como do aprendi-zado dos códigos dos conhecimentos acumulados pela humani-dade, para que os indivíduos possam situar-se frente ao Estado e para que prevaleçam as suas visões de mundo e sua própria pro-posta hegemônica. Esta escola deve estar voltada à transformação da ordem e não à reprodução e ao conformismo.

Gramsci compreende que essa formação cidadã, cuja escola deve ser responsável, não é com um fim em si mesma, e, tão pou-co, alcançará sozinha a transformação social, mas por outro lado, esta formação escolar, simultânea à participação nas lutas sociais, na atuação nos partidos políticos como intelectual orgânico, e nos sindicatos de classe, possibilitará as condições intelectuais necessárias às classes oprimidas para lutarem efetivamente na su-peração desta sociedade desigual.

Este autor não nega o caráter reprodutivista e ideológico da escola na sociedade de classes, mas acredita que, na via da contramão, esta, em certa medida, poderá possibilitar a elevação cultural e cidadã das classes subalternas, elevando-as a condição de esclarecimento para que tenham as condições necessárias às lutas políticas. E de posse dos conhecimentos, possam utilizá-los como arma de luta. É evidente, entretanto, que ele compreende que este é um processo longo, de conscientização, onde haverá o tempo em que os governados chegarão a governar.

Diante dessa discussão realizada pelos teóricos é importante revelar que a realidade social é movimento, onde a aparência dos fenômenos pode tornar o imediato caótico de difícil apreensão.

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Cabe aos pesquisadores, portanto, mergulhar na essência dos fe-nômenos, partindo da realidade objetiva que é sempre um com-plexo de complexos.

Frente a essa compreensão de que a realidade comporta con-tradições, concordamos com Mészáros (2008) sobre o fato de que uma educação para além do capital precisa, necessariamente para se efetivar, de uma sociedade para além do capital. Prossegue o autor:

[...] seria realmente um absurdo esperar uma formulação de um ideal educacional, do ponto de vista da ordem feudal em vigor, que conside-rasse a hipótese da dominação dos servos, como classe, sobre os senhores da bem-estabelecida classe dominante. Naturalmente, o mesmo vale para a alternativa hegemônica fundamental en-tre o capital e o trabalho. Não surpreende, por-tanto, que mesmo as mais nobres utopias edu-cacionais, anteriormente formuladas do ponto de vista do capital, tivessem de permanecer estritamente dentro dos limites da perpetuação do domínio do capital como modo de reprodu-ção social metabólica. (MÉSZÁROS, 2008, p. 26, grifo do autor).

O complexo educacional exerce com o trabalho uma rela-ção de dependência ontológica; autonomia relativa e reciproci-dade dialética (LIMA; JIMENEZ, 2011). Este complexo que é imprescindível para reprodução do ser social, por sua dependên-cia ontológica à base econômica acaba reproduzindo suas deter-minações. Contudo, por resguardar certa autonomia do trabalho, conforme as devidas mediações sociais, a educação em sua forma estrita possibilita, mesmo que minimamente, uma contraposição às relações sociais gestadas no sociometabolismo do capital e, sen-

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do um potencial na influência das consciências humanas, pode sim contribuir com a formação crítica dos sujeitos da transfor-mação social.

CONSIDERAÇÕES FINAISDiante do contexto das relações de produção capitalista,

muitos teóricos têm se debruçado sobre o estudo do papel da es-cola enquanto instituição formadora de consciências. Tendo como base a teoria marxista sobre a revolução e a superação desse mo-delo de sociedade fundada na exploração do trabalho, os autores buscam compreender as condições necessárias para sua efetivação. A escola ganha foco no sentido de possibilitar os meios necessá-rios à elevação cultural das classes subalternas. Por outro lado, esta assertiva não é consenso, pois há inúmeros autores que defendem que a escola, como um complexo do Estado, busca garantir a do-minação de classe, reproduzindo e naturalizando as desigualdades.

Na esteira de Marx, o modo de sociabilidade atual, onde se fez necessária à divisão do trabalho em tarefas mínimas para au-mentar a produtividade e consequentemente a exploração, nega ao homem o que a ele é mais intrínseco enquanto gênero huma-no. O homem passa a não mais se reconhecer em sua atividade vital e constitutiva. O trabalho para ele, nesse viés, é agonizante, desprovido de significado, é um trabalho para outro, que se apro-pria sem limites dessa possibilidade criadora.

Diante dessa conjuntura, a transformação social, a verda-deira possibilidade de emancipação humana e do devir livre, são sempre mais almejados pela classe de explorados. A hipótese da socialização dos meios de produção, onde o produto do trabalho terá como fim a satisfação das necessidades humanas e o valor de uso das mercadorias não mais será subsumido ao valor de troca,

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tendo essa nova sociabilidade como fundamento o trabalho asso-ciado, propiciado pelo desenvolvimento das forças produtivas, é uma possibilidade real que poderá ser alcançada pela ação huma-na, pois: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. [...]” (MARX, 2002, p. 07) .

Asseveramos, outrossim, que há um embate teórico entre as concepções de Sousa Junior, Pistrak e Gramsci a respeito do papel da educação escolar na formação dos sujeitos sociais revo-lucionários e na transformação social. Como constatado na apre-sentação deste escrito, Sousa Junior percebe a escola na sociedade capitalista como incapaz de efetivar seu papel neste feito, pois está conjugada a determinismos do Estado, que é em si uma instância classista. A educação formal para ele possui várias limitações que a impedem de contribuir com o processo de revolução, principal-mente pelos conteúdos do processo de ensino. Esta se encontra condicionada na sociedade capitalista a certos fatores que a impe-dem de realizar seu papel social na emancipação humana.

Já em Pistrak e Gramsci percebemos um antagonismo com relação ao pensamento de Sousa Junior sobre o papel da escola. Claro que cada um com suas particularidades. Pistrak escreveu um ideal de escola a partir de suas experiências como educador e revolucionário, em um momento de efervescência do pensamen-to socialista. Pensou conteúdos, métodos, objetivos e organização da nova escola. Para este autor a escola tem papel fundamental na formação dos sujeitos revolucionários. E esta nova escola deve ter como objetivo principal a superação da forma atual de organiza-ção do trabalho.

Gramsci, do mesmo modo, reconhece o papel significativo da escola no sentido de possibilitar a formação cidadã necessá-ria ao enfrentamento das condições de exploração. Ele acreditava

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que através desta formação a classe que é gerida poderá gerir, em um processo contra hegemônico, que demanda além da forma-ção escolar, a participação nos movimentos sociais, partidos polí-ticos e sindicatos de classe.

Em suma, o complexo educativo comporta uma dupla pos-sibilidade diante de sua dependência ontológica e autonomia re-lativa ao trabalho. Tem um potencial tanto para a reprodução da sociedade de classes, como pode se contrapor a ela, influenciando a consciência dos sujeitos sociais, atores da transformação social.

Concluímos este artigo apontando, conforme Tonet (2016), em sua proposta de Atividades Educativas de Caráter Emancipatório, que são inúmeros os limites presentes no atual modelo de organização escolar, em promover a emancipação humana plena, mas salienta o autor, que é melhor fazer pouco, mas na direção certa, do que fazer muito na direção errada. Com efeito, a proposta de realização de atividades educativas de caráter emancipador de Tonet, leva em consideração a autonomia rela-tiva da educação em relação ao trabalho e demonstra a urgência de se forjar situações reais de aprendizagem no contexto escolar que se contraponham a proposta formativa que visa reproduzir e legitimar o capital para assim, se vislumbrar as reais contribuições da educação em uma prática verdadeiramente emancipadora.

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