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1 CULTURA E POLÍTICA NA ELEIÇÃO DE 2002: AS ESTRATÉGIAS DE LULA PRESIDENTE Antonio Albino Canelas Rubim * Resumo Refletir sobre as estratégias esboçadas na campanha Lula Presidente, quase no calor da hora, é o objetivo do trabalho apresentado. Após destacar a importância que a mídia adquiriu nas eleições brasileiras pós-ditadura e de assinalar o caráter singular da visibilidade das eleições presidenciais de 2002, inclusive anotando suas peculiaridades, busca-se analisar o episódio eleitoral através dos dois momentos / movimentos característicos, simultâneos e distintos, da competição política e eleitoral em uma situação de Idade Mídia: a disputa pela interpretação da realidade e a disputa em torno das imagens públicas dos atores político-eleitorais. Ênfase analítica é dada à disputa das imagens públicas dos candidatos Lula e Serra nas eleições de 2002. As figuras emblemáticas do “Lulinha paz e amor” e do “Lula negociador” são tratadas como operadores políticos significativos e plenamente inscritos na estratégia de disputa eleitoral em 2002. Ao responder uma pergunta sobre as condições que levaram o Partido dos Trabalhadores à vitória no pleito presidencial de 2002, Luiz Dulci, ex-secretário-geral do PT e atual secretário-geral da Presidência da República, enumerou um conjunto bastante amplo e diverso de fatores. A resposta de Dulci foi textualmente a seguinte: “Foram muitos, com certeza, os fatores que contribuíram para a vitória, tanto gerais como específicos. A crise do modelo neoliberal, as fraturas no bloco dominante, a pertinência de nossa alternativa programática, nossas alianças sociais e partidárias, a escolha do candidato a vice-presidente, a sintonia fina de Lula com o sentimento popular, a admirável unidade do PT, a lucidez e o entusiasmo da base, a agilidade tática da coordenação, a competência dos programas de rádio e TV, entre tantos outros” 1 . 1 DULCI, Luiz. Mudança desde o início (entrevista à Ricardo de Azevedo). Teoria e Debate. São Paulo, (52):4, dezembro de 2002 – janeiro / fevereiro de 2003.

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CULTURA E POLÍTICA NA ELEIÇÃO DE 2002:

AS ESTRATÉGIAS DE LULA PRESIDENTE

Antonio Albino Canelas Rubim *

ResumoRefletir sobre as estratégias esboçadas na campanha Lula Presidente, quase no calor dahora, é o objetivo do trabalho apresentado. Após destacar a importância que a mídiaadquiriu nas eleições brasileiras pós-ditadura e de assinalar o caráter singular davisibilidade das eleições presidenciais de 2002, inclusive anotando suas peculiaridades,busca-se analisar o episódio eleitoral através dos dois momentos / movimentoscaracterísticos, simultâneos e distintos, da competição política e eleitoral em uma situaçãode Idade Mídia: a disputa pela interpretação da realidade e a disputa em torno das imagenspúblicas dos atores político-eleitorais. Ênfase analítica é dada à disputa das imagenspúblicas dos candidatos Lula e Serra nas eleições de 2002. As figuras emblemáticas do“Lulinha paz e amor” e do “Lula negociador” são tratadas como operadores políticossignificativos e plenamente inscritos na estratégia de disputa eleitoral em 2002.

Ao responder uma pergunta sobre as condições que levaram o Partido dos

Trabalhadores à vitória no pleito presidencial de 2002, Luiz Dulci, ex-secretário-geral do

PT e atual secretário-geral da Presidência da República, enumerou um conjunto bastante

amplo e diverso de fatores. A resposta de Dulci foi textualmente a seguinte:

“Foram muitos, com certeza, os fatores que contribuíram para a vitória,

tanto gerais como específicos. A crise do modelo neoliberal, as fraturas no

bloco dominante, a pertinência de nossa alternativa programática, nossas

alianças sociais e partidárias, a escolha do candidato a vice-presidente, a

sintonia fina de Lula com o sentimento popular, a admirável unidade do PT, a

lucidez e o entusiasmo da base, a agilidade tática da coordenação, a

competência dos programas de rádio e TV, entre tantos outros” 1.

1 DULCI, Luiz. Mudança desde o início (entrevista à Ricardo de Azevedo). Teoria e Debate. São Paulo,(52):4, dezembro de 2002 – janeiro / fevereiro de 2003.

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A complexidade da resposta de Luiz Dulci guarda intima relação com o próprio

caráter complexo e singular de qualquer decisão eleitoral que, em seu desenrolar, aciona

necessariamente inúmeros componentes vitais para a escolha do voto.

Dentre os tantos outros fatores explicativos da vitória de Lula para presidente deve ser

lembrado também, em um viés atento ao campo da comunicação e política, o

comportamento da mídia. Aliás, Duda Mendonça em palestra realizada em janeiro de 2002,

em Porto Alegre, em seminário promovido pela PUC-RS que antecedeu o Fórum Social

Mundial enfatizou, diversas vezes, que sua principal preocupação na disputa eleitoral do

ano passado seria o comportamento da mídia. A atenção reivindicada por Duda relativa à

atuação da mídia como ator importante na disputa eleitoral não era de modo algum

desmotivada. A história recente da intervenção da mídia nos pleitos presidenciais, em

especial no Brasil, deixou marcas profundas em nosso imaginário social e demonstrou

como a mídia tem desempenhado um significativo papel político e eleitoral, em especial, no

período pós-ditadura, quando o país já se encontra estruturado em rede e ambientado pela

comunicação midiática, vivendo uma situação de Idade Mídia2.

As atuações da mídia têm sido marcantes. Todos lembram da, já emblemática,

intervenção explícita da Rede Globo em favor do candidato Collor de Melo e das suas

acintosas manipulações na eleição de 1989 3. É fácil recordar também do alinhamento da

quase totalidade da mídia brasileira no pleito de 1994, ao assumir e fazer a propaganda,

gratuita e paga, do Plano Real, passaporte de Fernando Henrique Cardoso para sua vitória

presidencial. E o silenciamento deliberado da eleição de 1998, quando FHC ganhou sua

reeleição em uma disputa que quase não existiu, inclusive na mídia 4, deixando exposta

2 Para uma conceituação mais aprofundada da noção de Idade Mídia ver: RUBIM, Antonio Albino Canelas.La contemporaneidad como edad-media. In: LOPES, Maria Immacolata e NAVARRO, Raul (orgs.)Comunicación. Campo y objeto de estúdio. México, ITESO, 2001, p.169-181.3 Ver, por exemplo: RUBIM, Antonio Albino Canelas. Mídia e política no Brasil. João Pessoa, Editora daUFPB, 1999; LIMA, Venício Artur de. Mídia, teoria e política. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo,2001 e MACHADO, Maria Berenice da. Costa. O duelo final: Collor x Lula. Porto Alegre, UFRGS, 1991(monografia de conclusão de graduação).4 COLLING, Leandro. Agendamento, enquadramento e silêncio nas eleições presidenciais de 1998. Salvador,Faculdade de Comunicação da UFBA, 2000 (dissertação de mestrado) e MIGUEL, Luiz Felipe. Política emídia no Brasil. Episódios da história recente. Brasília, Editora Plano, 2002. Ver também diversos textossobre o tema, inclusive alguns depoimentos, em RUBIM, Antonio Albino Canelas (org.) Mídia e eleições de98. João Pessoa, Editora da UFPB, 2000. No pleito municipal de 2000, também constatamos um processo de

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uma convergência de interesses entre o governo e as empresas de comunicação midiática.

Tais estratégias político-midiáticas distintas guardam uma consonância ativa com os

diferentes cenários eleitorais vivenciados no país, mas sempre operaram, de modo explícito

ou sutil, contra a candidatura de Lula.

SOB O SIGNO DA VISIBILIDADE

Em 2002, as eleições no Brasil, em flagrante contraste com as de 1998, foram vividas

sob o signo da visibilidade. Ela emergiu como uma de suas características diferenciais mais

expressivas, sendo inclusive aceita pela maioria, senão a totalidade, dos analistas do

episódio eleitoral. A relevância do lugar atribuído à visibilidade impõe que ela seja tomada

como enigma a ser decifrado se existe alguma pretensão de análise acerca das relações

entre mídia, cultura e eleições de 2002 no Brasil. Mas essa visibilidade, avaliada de modo

distinto, por vezes, nos estudos já realizados, não foi acompanhada por uma intervenção

explícita, nem escancarada da mídia em prol de uma candidatura específica. Em 2002, a

mídia certamente foi bem mais sutil em sua intervenção. Os diversos trabalhos já

publicizados apontam em comum para uma superexposição das eleições e,

simultaneamente, para um não privilegiamento aberto de um candidato, para uma busca de

certa eqüidistância na relação com as candidaturas colocadas, em especial com os quatro

candidatos que, em verdade, disputavam com alguma chance a presidência da República 5.

A intensa visibilidade não significa, sem mais, nem uma informação de melhor

qualidade, nem um horizonte largo de interpretações, nem sequer neutralidade. Luiz Felipe

Miguel, por exemplo, acredita que a maior cobertura, em especial, no caso da Rede Globo,

silenciamento eleitoral, mas provavelmente circunscrito. Ver: RUBIM, Antonio Albino Canelas (org.) Mídiae eleições 2000 em Salvador. Salvador, Edições Feito à Facom, 2002.5 Consultar: RUBIM, Antonio Albino Canelas. Das visibilidades das eleições de 2002: uma reflexão dosenlaces entre política, mídia e cultura. In: Comunicação & Política. Rio de Janeiro, IX (3): 189-207,setembro/dezembro de 2002 e os trabalhos apresentados no III Encontro (Inter)Nacional de Estudos deComunicação e Política realizado de 11 a 13 de dezembro de 2002 em Salvador na Faculdade deComunicação da Universidade Federal da Bahia: ALDÉ, Alessandra. As eleições presidenciais de 2002 nosjornais; MIGUEL, Luis Felipe. A descoberta da política. A campanha de 2002 na Rede Globo; PORTO,Mauro. Televisão e eleições presidenciais 2002: notas sobre as relações entre horário eleitoral e cobertura doJornal Nacional no primeiro turno e VASCONCELOS, Rodrigo Figueiredo de. Mídia, Política e Eleições: ACobertura das Eleições Presidenciais de 2002 pelo Jornal Nacional.

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e a proclamada “imparcialidade”, através do tratamento mais equânime dos candidatos,

serviram para fixar fortemente as fronteiras do “politicamente aceitável”, do

comportamento “responsável” e “confiável”, fechando as fronteiras do campo político,

conforme uma interpretação inspirada em Pierre Bourdieu 6.

Luis Felipe assinala que “ Nas eleições de 2002, o principal instrumento de

fechamento do campo discursivo – e ‘enquadramento’ dos candidatos num figurino estrito

– foi o agravamento da crise econômica” (p.13). Assim, através principalmente da

recorrência à crise econômica em curso, o autor detecta duas estratégias principais de

fechamento do campo discursivo e enquadramento dos candidatos na cobertura eleitoral. A

primeira e mais evidente delas consistia na exigência que os candidatos assumissem

determinados compromissos. Tal estratégia está descrita por Luis Felipe Miguel nas

seguintes palavras:

“Nas entrevistas e nos debates, o âncora do Jornal Nacional, William

Bonner, cobrava de todos (mas em especial dos três oposicionistas) a

‘manutenção dos contratos’, o pagamento das dívidas externa e interna e o

compromisso com o ajuste fiscal. Da forma como o diálogo era posto (e uma

vez que nenhum candidato se dispunha a contestá-lo), parecia que Bonner

exigia algo tão evidente quanto à honestidade no trato com o dinheiro público –

isto é, algo que não permitisse discordâncias no campo da política, algo que

marcasse o desviante como portador de um déficit moral”. (p.14)

A segunda estratégia dizia respeito ao agendamento e ao enquadramento dos temas e

ao silenciamento de certas questões, como, por exemplo, a negociação com os Estados

Unidos para a formação da Área de Livre-Comércio das Américas (ALCA), considerada

crucial para o país não só por sua elite, como também por setores da oposição que naquele

instante realizavam um plebiscito nacional sobre o tema. Apesar disso, a ALCA pouco

esteve nos noticiários e quando apareceu era completamente dissociada das eleições. Em

6 BOURDIEU, Pierre. A representação política. Elementos para uma teoria do campo político. In: ___. Opoder simbólico. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, s.d., p. 172.

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contraste com esse silêncio, Luis Felipe cita, em sua análise da Rede Globo, não só uma

ampliação do tempo do noticiário dedicado à economia brasileira – de 6,9% do tempo do

Jornal Nacional em 1998 para 9,4 % em 2002 – como também, e principalmente, uma

atitude quase obcecada com as “sensibilidades” e os “humores” do mercado, com o sobe-e-

desce da bolsa e do câmbio, com o “risco-Brasil”, sempre estreitamente vinculados à

temática eleitoral.

Assim, conforme a análise de Luis Felipe, a intensa visibilidade das eleições, apesar

de não ter privilegiado um determinado candidato como em outros momentos, agiu

tentando restringir o espaço do dizível no campo do debate político possível, além de

buscar extrair dos candidatos compromissos cada vez mais abrangentes com a continuidade

da política econômica neoliberal vigente. Em suma, a mídia, através de sua atuação, buscou

delimitar a agenda pública possível de debate político, estigmatizando qualquer posição de

questionamento mais radical de aspectos do modelo econômico, tomados desse modo como

acima do embate eleitoral, além de buscar comprometer os candidatos com temas que

considerava inquestionáveis nessa agenda.

Mauro Porto em seu trabalho também observou a intensa visibilidade e o destaque

assumido pela agenda econômica nas eleições. Para este autor, inspirado nas teses do

enquadramento, a mídia atuou adotando um único enquadramento interpretativo restrito no

tratamento do tema da economia no Jornal Nacional, impedindo a pluralidade interpretativa

acerca da temática. Em quase 75% das matérias analisadas foi detectada a opção por um

enquadramento interpretativo restrito (p.7). Mas, diferente de Luis Felipe, Mauro Porto

associa tal enquadramento a uma atitude que privilegia uma das candidaturas postas:

“A partir destes dados preliminares podemos concluir que economia foi o

principal tema das controvérsias apresentadas pelo Jornal Nacional e que os

enquadramentos do governo e seu candidato tiveram uma posição privilegiada

no desenvolvimento destas controvérsias, em que pese a presença importante

dos candidatos de oposição.” (p.9)

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Independente da polêmica acerca do privilegiamento ou não de candidaturas, os dois

trabalhos convergem no sentido de apontar os limites - qualitativos e não quantitativos - da

visibilidade operada pela mídia, em especial pela Rede Globo que prometeu realizar em

2002 sua maior cobertura eleitoral. Também o recurso a determinados expedientes de

cobertura como destacar a “má política” - ou seja, os aspectos criticáveis da política, como

corrupção, beneficiamentos etc. e buscar associá-los aos candidatos e seus aliados -

contaminou essa visibilidade e a cobertura de alguns veículos de comunicação, com a Folha

de São Paulo.

De qualquer modo, pode-se concluir que a intensa visibilidade eleitoral se conformou

a partir de limites pronunciados da agenda pública selecionada pela mídia. O debate acerca

das possíveis interpretações da realidade, um dos movimentos significativos do embate

político, encontrou assim fronteiras bastante rígidas na mídia, apesar de todo a visibilidade

das eleições presidenciais de 2002.

DISPUTANDO A INTERPRETAÇÃO DA REALIDADE

A delimitação da agenda pública de discussão sobre a interpretação da realidade só

não foi ainda mais empobrecida, devido a singular possibilidade comunicativa existente no

momento eleitoral brasileiro representada pelo horário gratuito de propaganda eleitoral. Um

exemplo ilustrativo do descompasso possível entre a agenda pública construída pela mídia e

a agenda pública produzida pelo horário gratuito aparece no texto de Mauro Porto.

Enquanto o tema do emprego e do salário foi enfaticamente tratado no horário eleitoral por

praticamente todos os candidatos, servindo de mote central inclusive para algumas

candidaturas, como a de José Serra, ele solenemente foi desconhecido pelo Jornal Nacional,

pois a temática foi tratada em apenas 1% das 602 matérias do telejornal dedicadas ao pleito

presidencial (p.17).

Assim, o horário eleitoral na televisão e no rádio pode ser acionado, com base nas

estratégias de campanha dos candidatos, para tentar reinstalar determinados temas na

agenda pública da eleição, garantindo a possibilidade de disputa em torno da interpretação

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da realidade. A capacidade da reinserção do tema na agenda pública depende de um

conjunto de fatores, dentre eles a competência comunicativa do horário eleitoral e o próprio

lugar ocupado pelo assunto em cena na conjuntura eleitoral. Assim, uma interação, desigual

mais combinada, entre a agenda da sociedade - detectada através de sondagens de opinião e

expressa em atos e falas de atores sociais - a agenda da mídia e a agenda elaborada pelo

horário eleitoral conformam, pela via da complementação e do confronto, uma agenda

pública de temas inscrita no cenário eleitoral, que terá importante papel na disputa pela

interpretação da realidade, um dos movimentos vitais da luta política e eleitoral.

Mauro Porto em seu texto, depois de analisar os programas do horário eleitoral dos

quatro principais candidatos, concluiu que cada um deles utilizou uma estratégia de

campanha específica. De acordo com o autor: “ O candidato Lula priorizou a análise da

conjuntura; Serra, a apresentação do seu plano de governo; Ciro deu maior prioridade à

propaganda negativa; e, finalmente, Garotinho à apresentação de suas realizações

passadas” (p.17).

Fixando o olhar analítico em Lula, como base em dados da pesquisa de Mauro Porto,

pode-se detalhar a estratégia político-comunicacional adotada pelo PT. Lula dedicou 28,2%

do tempo total ao tratamento da análise da conjuntura. O apelo prioritário de sua campanha

na TV foi o diagnóstico dos problemas do país, sendo o programa que mais dedicou tempo

a essa temática. A atenção às políticas futuras a serem desenvolvidas ficou em segundo

lugar com 18,4% do tempo. Desse modo, Lula associou a avaliação da situação brasileira à

apresentação de soluções para os problemas e de propostas de seu governo. Cabe destacar o

tom light da campanha do PT. Nesse caso, dois números trazidos por Mauro Porto são

expressivos: Lula foi o candidato que mais dedicou tempo às músicas e jingles (10,6%) e o

que menos utilizou o recurso da propaganda negativa (2,5%).

Dentre os temas tratados por Lula em suas análises de conjuntura, podem ser

anotados: a situação da economia nacional, com quase metade do tempo; os problemas

sociais e a violência e a segurança pública, que ocupou um espaço bem menor. Com

relação as suas políticas futuras, a campanha Lula Presidente enfatizou as questões sociais,

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em especial a saúde e a educação; as propostas de política econômica – maior tempo dentre

os candidatos analisados por Mauro Porto – e a temática do emprego e do salário. Assim,

Lula deu destaque ao tema da economia no seu principal apelo, a análise de conjuntura,

além de ter sido o candidato que mais discutiu a política econômica e que dialogou de

modo mais explicito com as controvérsias apresentadas pelo Jornal Nacional.

A competência dos programas do horário eleitoral, anotada por Luiz Dulci, não pode

se circunscrever ao momento de embate acerca da interpretação da realidade, pois tal

disputa se realizou em meio a alguns obstáculos significativos. Como já se observou, a

mídia, por exemplo, impôs um fechamento do horizonte discursivo da agenda em debate e

também privilegiou um enquadramento restrito dos temas veiculados. Com isso, a cena de

disputa da interpretação da realidade se viu restringida.

Mas a fragilidade da disputa em torno da interpretação da realidade não decorre só da

visibilidade particular trabalhada pela mídia. Em uma eleição marcada pelo agendamento

de temas sociais, em especial desemprego/emprego e segurança, todos os candidatos

convergiram para uma plataforma bastante próxima de proposições sociais, apenas

acrescidas com sutis distinções. Deste modo, as contraposições entre as interpretações

diferenciadas que avaliavam a realidade brasileira e o governo FHC e as divergências entre

as formulações alternativas ao modelo político vigente ficaram em um patamar aproximado

e tornaram-se, muitas vezes, bastante genéricas.

O fechamento de proposições imposta pela mídia, a “convergência” dos discursos dos

candidatos e os compromissos assumidos, em especial em relação à colaboração com o

FMI, sem dúvida, tornaram restrito em muito o leque de disputa pela interpretação da

realidade na eleição de 2002, com a fragilidade de tal dimensão da competição eleitoral.

Aliás, os compromissos assumidos por Lula - em documentos como A Carta ao Povo

Brasileiro e o Compromisso com Soberania, Emprego e Segurança do Povo Brasileiro -

tiveram um papel importante no resultado da eleição de 2002, pois garantiam a todos uma

mudança sem grandes rupturas. O empresário Benjamin Steinbruch chegou até a escrever:

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“ A atitude e os compromissos publicamente assumidos por Lula naquela hora de tensão

provavelmente lhe garantiram a eleição” 7.

A rigor, uma análise que busque uma compreensão vigorosa e ampla da vitória de

Lula não se pode desconsiderar este e muitos outros aspectos envolvidos na competição

eleitoral. Um deles diz respeito aos movimentos da disputa. Como já se observou em texto

anteriormente publicado8, o embate político e eleitoral em uma sociedade instalada em

situação de Idade Mídia se efetua em dois movimentos, desiguais e combinados, para usar a

expressão de Trostky, que obedecendo hoje a dinâmicas diferenciadas, mantêm uma

profunda articulação.

Tais movimentos, que acontecem de modo simultâneo e imbricado, podem ser

nomeados como: disputa pela interpretação da realidade que irá predominar no processo

eleitoral e disputa envolvendo a existência e a caracterização públicas dos atores políticos

em competição. Em um movimento a disputa trava-se em torno da interpretação e da

avaliação da realidade que irá prevalecer no final do embate eleitoral, possibilitando, em

condições de normalidade, a vitória daquele que formulou tal interpretação. No outro

movimento a disputa se dá pela afirmação ou negação da existência social dos atores

sociais em competição e pela caracterização, positiva ou negativa, destes atores. A disputa

pela afirmação da existência social e da caracterização pública torna-se também decisiva

para o desenvolvimento da capacidade de vitória das candidaturas concorrentes.

Por conseguinte, um estudo eleitoral para ser coerente com tal formulação deve não

só analisar a disputa em torno das interpretações da realidade, consubstanciadas muitas

vezes nas formulações das propostas programáticas diferenciadas e nos discursos das

candidaturas, mas também dedicar sua atenção à luta, que acontece a cada instante, pela

construção e desconstrução das figuras políticas, individuais e coletivas, que participam da

competição eleitoral. A disputa pela construção e desconstrução acontece inclusive e

7 STEINBRICH, Benjamin. Mãos à obra, presidente. In: Folha de São Paulo, 31 de dezembro de 2002, p.B2.8 Sobre os dois movimentos ver com mais detalhes: RUBIM, Antonio Albino Canelas. Das visibilidades daseleições de 2002: uma reflexão dos enlaces entre política, mídia e cultura. In: Comunicação & Política. Riode Janeiro, IX (3): 189-207, setembro/dezembro de 2002.

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principalmente através do embate comunicativo, inerente a este momento singular da

política. Em suma, uma análise abrangente das eleições em uma situação de Idade Mídia

deve necessariamente abranger, de modo articulado, esses dois movimentos, ao mesmo

tempo distintos, indissociáveis e, por vezes, profundamente entremeados.

DISPUTANDO AS IMAGENS PÚBLICAS

Antes de avançar na análise deste tipo de competição no pleito eleitoral de 2002, cabe

assinalar a complexidade e exigências da disputa de imagens públicas. Em primeiro lugar,

deve-se anotar que a imagem pública emerge como um passaporte que possibilita a

existência visível do ator político na contemporaneidade. Sem habitar o espaço eletrônico

em rede, que ambienta a sociabilidade atual, fica impossível posicionar bem um ator na

cena política contemporânea. Em segundo lugar, cabe assinalar que a construção da

imagem pública na política sempre acontece em um campo de forças, no qual o

protagonista, seus aliados e seus adversários disputam a cada instante a construção e a

desconstrução das imagens públicas dos entes envolvidos no jogo político. Nas eleições,

um momento político singular, tal competição se potencializa e se acelera. Em terceiro

lugar, torna-se necessário afirmar que a construção de uma imagem pública não pode ser

pensada como ato arbitrário, porque descolado de seu tempo e espaço.

A construção aciona diversas dimensões espaciais e temporais. Do passado, a imagem

acolhe a história compartilhada, a tradição sedimentada e os estoques simbólicos que

conformam a personalidade do ente político. O passado comum não elimina interpretações

diferenciadas do personagem, mas fixa alguns limites significativos. Ainda que os ângulos

escolhidos e enfatizados possam ser diferenciados, possibilitando algumas nuances

importantes na construção das imagens públicas, existe um horizonte para a reinvenção das

imagens públicas políticas. Do presente, a imagem reivindica um encaixe adequado no

cenário político atualizado, recolhendo e reconhecendo suas demandas e seus

constrangimentos. O posicionamento satisfatório do ator político no contexto da atualidade,

colocando-se em posição privilegiada para a disputa eleitoral, exige uma imagem pública

que interaja substantivamente e se inscreva nos horizontes que tecem tal contexto. Do

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futuro, a imagem deve captar qualidades que deixem antever a possibilidade de construir

novas perspectivas.

Assim, a construção da imagem política é sempre disputa pública – em especial em

um momento político singular e intenso como a eleição – que se realiza considerando

demandas e constrangimentos do tempo (passado, presente e futuro) e do espaço geográfico

e/ou eletrônico. A imagem pública aparece como dado fundamental para o ator político

existir socialmente na contemporaneidade e para adquirir possibilidade efetiva de competir,

porque bem posicionado na cena da competição política.

Esboçadas tais premissas, torna-se possível analisar as estratégias da campanha Lula

Presidente com relação à disputa de imagens públicas, que juntamente com a disputa por

interpretações da realidade, já trabalhada, forjam a eleição presidencial de 2002 no Brasil.

Um dos instantes mais emblemáticos dessa disputa, ainda que não esteja vinculada de

modo direto à campanha de Lula, certamente aconteceu com a vertiginosa ascensão nas

sondagens de opinião de Roseana Sarney alimentada pelos programas e especialmente

pelos spots produzidos por Nizan Guanaes9. O intenso debate que aconteceu então sobre a

ausência de proposições políticas nas aparições da (pré)candidata parece elucidativo da

dificuldade de parcelas do campo político e mesmo da esfera midiática de perceber a

possibilidade de distinção, de autonomização e de tratamento operacional apenas do

movimento de disputa da imagem pública. A estratégia de Guanaes de construir uma

apresentação pública, uma imagem social e uma visibilidade nacionais da (pré)candidata

não imediatamente sedimentada em sua atuação e proposições políticas, portanto na sua

modalidade de interpretação da realidade, reforça e exemplifica a hipótese, defendida neste

e em outro texto, da distinção analítica dos dois tempos da luta política midiatizada.

9 Sobre o fenômeno Roseana Sarney ver: OLTRAMARI, Alexandre; LIMA, Maurício e GASPAR, Malu. Adama da sucessão. In: Veja. São Paulo, 14 de novembro de 2001, p.36-42; PINHEIRO, Daniela. A novacampeã de audiência. In: Veja. São Paulo, 14 de novembro de 2002, p.44-46 e principalmente CARVALHO,Rejane. Roseana: como se faz e desfaz um ‘fenômeno eleitoral’. Trabalho apresentado no XXVI EncontroAnual da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais. Caxambu, 22 a 26 deoutubro de 2002.

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Não só a construção da (pré)candidata instalou-se apenas no movimento de

construção de imagem pública, como também sua demolição aconteceu fundamentalmente

inscrita nesse ato. Não foram as suas interpretações da realidade ou as dos seus adversários

que detonaram sua (pré)candidatura, mas o acionamento de segmentos do Estado, por

adversários seus, para atingir sua imagem pública, alvejada especialmente através de uma

imagem visual contundente que registrava um possível envolvimento seu com desvio de

recursos públicos. A desqualificação se processou recorrendo-se uma vez mais aos aspectos

podres, negativos da política.

Retornando à campanha de Lula, fica fácil reconhecer que, simultânea a sua estratégia

para a disputa da interpretação da realidade, esboçada acima, aflorava a exigência de um

outro enfrentamento eleitoral a ser efetuado. Para Lula uma das questões essenciais para

tornar a quarta eleição competitiva e construir uma possibilidade efetiva de chegar à

presidência do Brasil colocava-se cristalinamente no âmbito da disputa de imagem. A

dialéctica entre esperança e medo, na já compacta formulação de Duda Mendonça, está no

cerne do problema. Imprescindível (re)construir a imagem pública de Lula de tal modo que

ela ajudasse a superar o medo, inclusive de votar e correr um risco com Lula, e

possibilitasse a vitória da esperança.

Lula deveria personificar a esperança da mudança – uma das demandas populares

detectadas nas sondagens e um dos emblemas mais potentes da eleição 2002 – o que não

parecia improvável por ele e pelo PT, mas simultaneamente – e isto era essencial – ele

deveria transmitir uma garantia que a mudança aconteceria e ocorreria sem sobressaltos,

deslocando a apreensão e superando o medo.

Uma das faces do dilema respondia pela denominação competência, ou melhor, pela

atribuição e reconhecimento públicos da competência de Lula governar o país, realizar a

mudança, trilhar um itinerário novo, mas seguro. O esforço da campanha para demonstrar

que o candidato Lula detinha um programa de governo qualificado e uma equipe

competente para poder gerir o país está presente já na formatação produzida para a

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apresentação inicial de seu programa no horário eleitoral gratuito: especialistas de diversas

áreas trabalham com Lula na construção de um projeto para o Brasil.

O desafio de demonstrar capacidade para governar o país implicou no enfrentamento

estratégico de, pelo menos, dois atributos, problemáticos em termos eleitorais, ambos

associados à anterior imagem pública de Lula: a sua radicalidade e seu despreparo para

governar, sendo este último aspecto sobredeterminado pelo preconceito social com relação

à falta extração social do candidato e a ausência do diploma universitário de Lula.

Um destes enfrentamentos foi fartamente anotado no período eleitoral. A formula

“Lulinha paz e amor”, que ganhou elogios até de FHC após a eleição 10, expressou com

precisão e sintetizou este empreendimento. A construção dessa imagem não foi um mero

produto de marketing. O próprio Duda Mendonça, em entrevista, reconheceu: “ Na verdade,

o Lula mudou porque o PT mudou” 11. A conversão da política do Partido dos

Trabalhadores e da imagem de Lula foi, em verdade, um processo longamente vivenciado,

formulado e construído, em termos políticos e de mídia, nos últimos anos pelas

experiências políticas e administrativas do partido e pela liderança do grupo hegemônico no

PT. Não foi algo meramente eleitoral ou mesmo alguma invenção genial de marketing de

Duda Mendonça. A política petista governou claramente esta reconversão eleitoral

midiática.

O empreendimento de mudança de Lula e do PT, além de estar alicerçado em um

longo processo político, também significou um maior investimento do partido no campo da

comunicação. Uma das exigências de Lula para ser novamente candidato foi contar com

uma estrutura de comunicação mais profissionalizada. O desempenho desta equipe

certamente está presente em um uso mais estratégico dos horários partidários não eleitorais,

em campanhas publicitárias como “No fundo, no fundo você é um pouco PT” e na

(re)significação das anteriores derrotas de Lula agora olhadas como signo de persistência e

não mais como perdas inevitáveis.

10 MELO, Murilo Fiúza de. FHC elogia ‘Lulinha paz e amor’. In: Folha de São Paulo, 20 de dezembro de2002, p.A14.11 MENDONÇA, Duda (entrevista). In: Soterópolis, dezembro de 2002 / janeiro de 2003, p.7.

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A fórmula - “Lulinha paz e amor” -, em verdade, traduz o enfrentamento e a

superação de duas dimensões da imagem - aproximadas, mas distintas - de um Lula radical.

De um lado, a radicalidade de Lula derivava de uma postura agressiva, crítica, negativa,

destrutiva, intransigente, oposicionista etc. É este Lula radical que aparece no seguinte

trecho do artigo do empresário Benjamin Steinbruch: “ Depois de eleito, Lula cativou e

tranqüilizou o país. Mostrou carisma, maturidade, moderação, paciência, tolerância e

humildade. Para a sorte dos brasileiros, é esse o Lula, e não o radical do passado, que

receberá amanhã a faixa presidencial” 12. De outro lado, a radicalidade de Lula provinha

das suas propostas políticas, inscritas na trajetória e no programa do PT, de enfrentamento

social, de luta de classes, de rupturas societárias e de mudanças bruscas.

A construção da imagem “Lulinha paz e amor” – substituindo a imagem do Lula

radical – foi produzida por um conjunto complexo de expedientes que conjugavam desde a

progressiva moderação do discurso político de Lula e do PT, a aceitação de atitudes

tomadas e de compromissos assumidos pelo governo FHC até o quase abandono da

propaganda negativa e dos ataques aos candidatos adversários e o uso intensivo de jingles e

músicas, como estratégia configurada para o horário eleitoral.

Tal reformatação da política petista e da imagem pública de Lula, realizada por meio

de procedimentos combinados e simultâneos, adquiriu uma tal relevância e visibilidade que

a formula “Lulinha paz e amor”, ao se tornar uma das marcas registradas da eleição de

2002, obscureceu um outro deslocamento fundamental também estrategicamente elaborado

e efetivado na imagem pública de Lula: a construção da imagem pública do Lula

negociador. Tal dimensão tem sido subestimada nas análises efetuadas acerca das eleições

de 2002. Cabe anotar sua relevância, sua precisão e sua oportunidade para o

posicionamento satisfatório da candidatura petista no embate eleitoral, realizado em meio a

uma crise econômica e social anunciada.

12 STEINBRUCH, Benjamin. Ob.cit.

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A construção da imagem de Lula negociador, do mesmo modo que a anterior, não

pode ser considerada apenas um mero expediente de marketing no horário eleitoral. O

trabalho de Alessandra Aldé, por exemplo, indica que a cobertura da imprensa, mesmo

antes do horário eleitoral, já realçava em Lula dimensões de articulador e de estadista

competente 13. Fácil perceber a proximidade de tais dimensões com a figura de um Lula

negociador. Caberia então trabalhar, desenvolver, aprimorar e consolidar tal imagem.

A construção da imagem pública do Lula negociador foi enfaticamente perseguida na

estratégia midiático-eleitoral, desenvolvida pelo PT e por Duda Mendonça. A potência da

imagem produzida não decorre principalmente desta persistência, mas das essenciais e

pertinentes conexões passadas e presentes em tal construção.

Primeiro, obrigatório ressaltar o caráter não arbitrário da (re)construção da imagem

em relação à Lula e sua trajetória política. Se foi possível atribuir uma dimensão de

intransigência a esse itinerário, com engenhosidade certamente seria possível, de modo

também pertinente através da utilização de um outro olhar privilegiado, destacar a

dimensão de negociador sempre presente na história de uma liderança, que oriunda do meio

sindical, teve que exaustivamente negociar com os patrões e com o governo. Aliás, o

próprio Lula não cansa de repetir em muitos espaços geográficos e midiáticos “que o que

mais fez na vida foi negociar” 14.

Tal construção foi então realizada com admirável competência e instalou a imagem

pública de Lula negociador na disputa de imagens que marcou a competição eleitoral.

Sintomático que a Folha de São Paulo na sua edição de 01 de janeiro de 2002, sob o

indicador jornalístico Perfil/Lula, tenha publicado a reportagem “ABC do negociador”, com

um subtítulo emblemático: “ Como líder sindical em São Bernardo do Campo (SP), Lula já

exibia o perfil conciliador que ensaia levar ao Planalto” 15. A potência e a impregnação

desta imagem podem ser também observadas na entrevista de Luiz Felipe de Alencastro,

13 ALDÉ, Alessandra. Ob. Cit. p.19.14 Por exemplo, ver: LULA propõe fundo contra a fome no mundo. In: A Tarde, 27 de janeiro de 2002, p.15.15 ANTENORE, Armando. ABC do negociador. Folha de São Paulo, 01 de janeiro de 2002, p.A11.

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quando ele afirma: “ O Lula é o conciliador das camadas sociais brasileiras. Isso é

percebido desse jeito, cada vez mais, dentro e fora do país” 16.

Ao tornar presente a imagem de Lula negociador, alicerçada em seu passado e

trajetória, a campanha petista posicionou politicamente a candidatura na cena eleitoral de

modo muito preciso e pertinente, considerada a conjuntura existente no país, dominada por

uma latente crise sócio-econômica. A crise potencial aparece como questão vital a ser

enfrentada e este enfrentamento - para ser efetuado de modo satisfatório - solicita

habilidades e capacidades bastante precisas, especialmente aquelas voltadas para a

construção coletiva de alternativas societárias e para a aglutinação das forças presentes no

cenário político e social. Neste contexto, a imagem do Lula negociador, não só serviu para

diminuir resistências, como aconteceu privilegiadamente com a imagem do “Lulinha paz e

amor”, mas politicamente posicionou o candidato em um lugar privilegiado na

circunstância de crise, dotando-o da possibilidade simbólica de liderar, via negociação, um

processo de reconstrução de alternativas para o país.

A pertinência e oportunidade da construção da imagem do Lula negociador fica

evidente por esta sua adequação aos desafios inscritos no momento presente. Mais que isto,

tal processo permite um interessante deslocamento que, sem dúvida, foi importante para a

vitória de Lula: o momento de crise requer para a sua superação uma competência política

– e não técnica – de conversar para aglutinar atores e interesses em torno de uma saída,

negociada e alternativa, que abra a possibilidade de desenvolvimento social e econômico

para o país. Este deslocamento das competências exigidas, não mais prioritariamente

administrativas e técnicas, mas agora essencialmente políticas guarda uma sintonia fina

com a imagem do Lula negociador e, por conseguinte, potencializa sua atuação eleitoral e

pós-eleitoral, inclusive17.

16 ALENCASTRO, Luiz Felipe (entrevista) “Viúvas da esquerda são risco para Lula”. In: Folha de SãoPaulo, 05 de janeiro de 2003, p.A-12.17 O depoimento Eleonora Mendes Caldeira, mulher do empresário Ivo Rosset, dono da Valisère, nessaperspectiva torna-se emblemático: “ As pessoas que tinham horror a esse personagem passaram a acreditarnele como mediador entre o Brasil que eles conhecem e o Brasil de que eles têm medo”. Na mesma matériajornalística, em que se encontra o depoimento, pode-se também ler: “ Sinal dos novos tempos: o antigoincendiário das greves metalúrgicas virou esperança de ‘diálogo’ entre ricos e pobres ”. “GOLDEN Lulaconquista ‘higt society”. In: Folha de São Paulo, 01 de dezembro de 2002, p.A-18.

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Simultaneamente, este deslocamento agrava a situação da candidatura José Serra que,

além dos problemas de apoio político e de ordem pessoal, se defrontou com a dificuldade

de ser candidato do governo em meio a uma conjuntura que solicita mudanças18. A

estratégia político-midiática de ser governo e ser mudança, sintetizada no improvável

slogan “continuidade sem continuísmo”, intentada por Serra, bloqueou, sem dúvida, sua

performance eleitoral. Mas o deslocamento das capacidades e competências exigidas pelo

momento, como assinalado, também teve um efeito talvez mortal para a sua capacidade de

competição e, enfim, para as suas pretensões presidenciais. Sua campanha estava

essencialmente baseada no confronto de sua imagem de competência administrativa e

técnica – melhor ministro da saúde do mundo, como dizia sua propaganda – com o

despreparo administrativo e técnico presumido de Lula.

Com o deslocamento acontecido nas competências requisitadas, conforme a hipótese

aqui sustentada, Serra não só perdeu certo lastro relevante para a sua candidatura, como se

viu questionado como liderança capaz de enfrentar a crise, posto que sua trajetória eleitoral,

longe de trazer marcas de alguma capacidade política de aglutinação, como aconteceu com

a de Lula, foi exaustivamente anunciada como um árduo combate e um violento atropelo

dos seus adversários. Basta lembrar: Tasso na disputa no interior do PSDB, Roseana na

pré-campanha eleitoral e Ciro, principalmente, e Garotinho durante a disputa das eleições.

O “vampiro” Serra, imagem adquirida na campanha, que atingia a jugular de seus

adversários, certamente não poderia passar com facilidade a imagem de ser o mais

competente para realizar a aglutinação de atores e de interesses que o momento de crise

estava a requerer. Nesse novo contexto eleitoral a candidatura Serra perdeu muito de suas

possibilidades de efetiva competitividade.

Assim, as estratégias das campanhas das principais candidaturas destacaram a disputa

entre imagens públicas, movimento imprescindível hoje da luta eleitoral midiática, como

estiveram enredadas mesmo nas suas teias e artimanhas. Os temas dominantes no segundo

18 Sobre o tema consultar: ALMEIDA, Jorge. Serra e a mudança: um discurso fora do lugar de fala. Trabalhoapresentado no III Encontro (Inter)Nacional de Estudos de Comunicação e Política. Salvador, 11 a 13 dedezembro de 2002.

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turno são exemplares neste sentido: a pretensa de fuga de Lula dos debates, conforme as

acusações da campanha de Serra que com isto buscava “demonstrar” o despreparo de Lula,

e o medo de um possível governo petista, devido às mutações de Lula, como exposto no

polêmico depoimento de Regina Duarte. Em ambos os casos a questão da imagem pública e

sua disputa governam a campanha.

A reconfiguração da imagem pública de Lula e do PT – já tentada bruscamente no

início da campanha de 1998 com a substituição das bandeiras vermelhas pelas bandeiras

brancas – resulta de um longo processo, no qual política e marketing interagem de modo

exemplar, assegurando a consistência e a competência das reformatações pretendidas. A

política empreendida pelo partido e o trabalho de Duda Mendonça apresentam-se como

dados imprescindíveis e imbricados do processo. Sua expressão no horário eleitoral pode

assim se realizar de modo bastante satisfatório, colocado o programa televisivo petista nas

sondagens realizadas pelo Datafolha sempre entre os de melhor avaliação do eleitorado.

A coexistência política de um mesmo Lula e de um Lula novo nas eleições de 2002

impõe-se como dado essencial para a vitória do PT. Esta essencialidade está sintetizada nas

perspicazes palavras de Luiz Dulci:

“ Lula conseguiu, nesta campanha, algo quase inacreditável: em sua quarta

campanha presidencial, sendo supostamente o mais previsível e ‘batido’ dos candidatos,

constituiu-se na grande novidade da disputa. E o que é fundamental: mantendo-se

rigorosamente fiel a si mesmo e aos seus compromissos históricos. Com ousadia e

humildade, soube superar-se, transcender-se, tornando-se uma enorme e positiva surpresa

para toda a sociedade brasileira, inclusive para a parcela que já o apoiava. Arrisco-me a

dizer que até nós, petistas, fomos surpreendidos com suas novas artes”19.

Por óbvio, tal novidade, essencial para a vitória presidencial de 2002, não foi uma

produção apenas individual. Ás qualidades e ao carisma indiscutíveis de Lula, devem ser

obrigatoriamente acrescidos componentes vitais como a mudança política do PT,

19 DULCI, Luiz. Ob cit. p.5.

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conduzida, em especial pelos grupos que têm liderado o partido, e o trabalho de marketing

político e eleitoral desenvolvido por Duda Mendonça e sua equipe. Tais estratégias

políticas e comunicacionais, em conjunto com as outras intervenções anotadas no início

deste texto, configuram-se como dados explicativos fundamentais para a compreensão da

vitória eleitoral de 2002.

SOB O SIGNO DA MUDANÇA: OBSERVAÇÕES ÚLTIMAS

Em uma cerimônia de posse inovadora e transbordante de participação popular, o

presidente Luis Inácio Lula da Silva reafirmou, em seu discurso e em seu comportamento, o

signo da mudança como emblema de seu governo. A atitude de Lula expressa a consciência

de que no Brasil de hoje mudança é a palavra-chave que rege e impulsiona o imaginário e a

prática sociais.

Em uma disputa presidencial agendada por esse tema, Lula foi o candidato que, pelo

seu passado, inclusive partidário, e pelo seu presente melhor corporificou tal exigência.

Razoável, pelo conjunto de aspectos mencionados, sua vitória com uma admirável votação.

No período pós-eleição os desejos e as expectativas da população, detectados por pesquisas

e diversos atos sociais, têm reiterado a constatação que o Brasil e o novo governo estão

instalados em um cenário marcado pela exigência da mudança.

Mas a eleição de Lula, independente de qualquer desdobramento que venha a ter seu

governo, se constitui já em um ato de mudança. E tal mudança teve como componente

essencial a manutenção e a transformação na imagem pública de Lula, como demonstrado

no texto. Este signo não se inscreve apenas no campo político. Ele tem um significado mais

largo e profundo. Hoje a mudança perpassa diversas dimensões sociais no país, inclusive

agindo como um potente amálgama da atualidade brasileira. Tem razão a deputada federal

eleita Luciana Genro quando escreve em seu artigo “Mudança é a palavra-chave” que a

posse de Lula é “sem dúvida, uma mudança política e cultural, sem precedentes na história

brasileira” 20.

20 GENRO, Luciana. Mudança é a palavra-chave. In: Folha de São, 14 de janeiro de 2003, p.A3.

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Nesta perspectiva, cabe formular para concluir um conjunto substantivo de perguntas:

qual a transformação política e cultural que já se encontra em curso? Qual o significado

desta mutação?

A já famosa e iluminada expressão “a esperança vence o medo” condensa de modo

perspicaz a mudança em processo. Ela aponta para um povo que, apesar de todas as

dificuldades e preconceitos, passou a acreditar em si mesmo, através da eleição de um líder

que, em termos da tipologia construída por Roger-Gérard Schwartzenberg no livro L’ État

Spectacle21, pode ser classificado como “homem comum”, como liderança que se conforma

através da empatia e da identificação popular com seus traços de gente do povo. Mas, e isto

é essencial, um homem do povo que, tendo enfrentado todas as dificuldades da pobreza,

venceu na vida. Tal raciocínio pode, guardado o devido cuidado e distancia, contemplar o

vice José Alencar, um homem do povo também vencedor, só que na esfera econômica da

vida e não na política, como é o caso de Lula.

Acreditar e ter esperança em um “igual” para dirigir o país implica em superar o medo

e o preconceito enraizados pela sociedade de classe. Significa acreditar em sua

potencialidade e apostar na abertura de um horizonte maior de possibilidades sociais. Trata-

se, em suma, da mutação da auto-estima do homem comum, dado essencial nas mudanças

culturais e políticas.

Ao revolver as práticas, sensibilidades e ideários cotidianos e ordinários, ao colocar

em cheque preconceitos, ao configurar novas cartografias de possibilidades para as vidas

prejudicadas, para lembrar a expressão de Theodor Adorno, a mutação da auto-estima tem,

por sua potencia, repercussões substantivas em inúmeras e diferenciadas dimensões, sejam

elas individuais ou sociais, todas intrinsecamente articuladas. Os indivíduos passam a ter

novas posturas. Os excluídos e marginalizados passam a se comportar e a exigir que sejam

vistos como cidadãos. O MST é exemplar neste aspecto. Enfim, a mutação da auto-estima

do povo brasileiro tem repercussões no modo de imaginar o país.

21 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. L’État spectacle . Paris, Flamarion, 1977.

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A profunda, e por vezes sutil, mudança política e cultural em processo foi percebida

pela escritora e psicanalista Betty Milan em seu texto “Brasileiro sem complexo de

inferioridade”. No parágrafo final do artigo, ela escreve: “Seja qual for o governo Lula, ele

já cumpriu um grande papel, porque nós devemos a ele a dissolução do nosso secular

complexo de inferioridade. A Lula e a nós mesmos, que o elegemos” 22.

A Era FHC foi perpassada, na prática e na imaginação, por um programa de fazer o

Brasil “contemporâneo” pela via de uma globalização subordinada ao chamado Primeiro

Mundo. A adoção, sem adequações, e mesmo a mera imitação dos valores e da cultura

daquele ideal de sociedade tornaram-se as suas marcas registradas. Em contrapartida a

nação e o nacionalismo foram reiteradamente estigmatizados, na prática e na imaginação.

Valores culturais como o globalismo, o individualismo, a competitividade, dentre outros,

conformaram-se como as matrizes do panorama cultural vigente. Em síntese, o horizonte

existencial orientava-se por um olhar subalterno e embevecido para o Primeiro Mundo. Ao

Brasil restava o esquecimento, quando não a vergonha e a repulsa. O amesquinhamento

cultural propiciado por essa atitude fica evidente. A “aventura interrompida” – para

recordar a expressão de Gilberto Gil em seu discurso de posse como Ministro da Cultura –

do país enquanto projeto de nação encontrava assim novas interdições, que reforçaram

nosso complexo de inferioridade nacional ao imaginar um outro sempre idealizado.

A reinvenção da auto-estima e a retomada de valores, como a solidariedade; a

preocupação com o outro e com o social; a atenção ao nacional, inclusive ao Brasil

profundo e excluído; a negociação e a paz social; a tolerância e a pluralidade conformam

uma nova constelação de valores que constituem uma consistente base para formular uma

política em sintonia fina com a mudança política e cultural ensejada pela ascensão de Lula

ao poder nacional.

22 MILAN, Betty. Brasileiro sem complexo de inferioridade. In: Folha de São Paulo, 07 de janeiro de 2003,p.A3.

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22

Ao contrário do antagonismo proclamado em manchete na Folha de São Paulo – “No

primeiro dia, PT substitui ‘paz e amor’ por mudança social” 23 – caberia perguntar se faz

sentido nesta trajetória do PT formular este antagonismo. Seria possível e eleição de Lula

sem, dentre outros movimentos, um enfrentamento estratégico, político e cultural, das

imagens públicas de Lula e do partido? Este enfrentamento aparece então como

imprescindível à superação de um dos principais obstáculos objetivos e subjetivos à eleição

de Lula: o medo de apostar em um homem comum, em um igual; de arriscar, de acreditar e,

enfim, de optar pela mudança. Aliás, a superação do medo foi prenunciada através da tênue

repercussão do apelo de Regina Duarte na propaganda midiática e foi enfaticamente

confirmada pelo resultado das urnas no segundo turno eleitoral.

* Professor e Diretor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da

Bahia. Pesquisador do CNPq. Coordenador do Grupo de Pesquisa Cultura e Política.

23 “NO primeiro dia, PT substitui ‘paz e amor’ por ‘mudança social’. In: Folha de São Paulo, 03 de janeiro de2003, p.A-4.