A Etnografia Como Metodo Vigilancia Semantica e Terminologica Ciberespaco-libre

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Epistemologia, investigação e formação cientíica em comunicação

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Etnografia

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  • Epistemologia, investigao e formao cientica em comunicao

  • Centro Universitrio Para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itaja

    UNIDAVI

    Clio Simo MartignagoReitor

    Alcir TexeiraVice-Reitor

    Niladir ButzkePr-Reitoria de Ensino

    Charles Roberto HassePr-Reitoria de Ps-graduao de Pesquisa e Extenso

    Alcir TexeiraPr-Reitoria de Administrao

    *

    EDITORA UNIDAVI

    Editor ResponsvelProf. Dr. Nivaldo Machado

    Conselho EditorialProf. Dr. Alexandre Meyer Luz UFSC

    Prof. Dr. Carlos Manholi UELProf. Dr. Gustavo Leal Toledo UFSJ

    Prof. Dr. Jean Segata UNIDAVIProf. Dr. Nivaldo Machado UNIDAVI

    Prof. Dr. heophilos Riiotis UFSCProf. Dr. Joo de Fernandes Teixeira UFSCar

    Reviso e DiagramaoHelton Rubiano de Macedo

  • Alberto Efendy Maldonado Maria Elisa Mximo

    Juciano de Sousa Lacerda Graziela Bianchi

    (Organizadores)

    Epistemologia, investigao e formao cientica em comunicao

    Rio do Sul | Natal, 2012

  • Epistemologia, investigao e formao cientica em comunicao /

    organizadores: Alberto Efendy Maldonado ... [et al.]. Rio do Sul :

    UNIDAVI, 2012.

    362 p.

    ISBN 978-85-89234-31-3

    1. Epistemologia. 2. Pesquisa. 3. Comunicao. I. Maldonado, Alberto Efendy. II. Ttulo.

    CDU: 165

    E64

    Ficha catalogrica elaborada por Simone da Silva Conceio CRB 14/526.

    Reitora ngela Maria Paiva Cruz

    Vice-Reitora Maria de Ftima Freire de Melo Ximenes

    Diretora da EDUFRN Margarida Maria Dias de Oliveira

    Conselho EditoralCipriano Maia de Vasconcelos (Presidente)

    Ana Luiza MedeirosHumberto Hermenegildo de Arajo

    John Andrew FossaHerculano Ricardo Campos

    Mnica Maria Fernandes OliveiraTnia Cristina Meira Garcia

    Tcia Maria de Oliveira MaranhoVirgnia Maria Dantas de ArajoWillian Eufrsio Nunes Pereira

    Editor Helton Rubiano de Macedo

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte

  • Sumrio

    Prlogo ................................................................................9Introduo .........................................................................13

    1 Parte: Perspectiva epistmica transmetodolgica

    A transmetodologia no contexto latino-americano ..................21Alberto Efendy Maldonado

    A dimenso metodolgica na orientao de pesquisas em comunicao ................................................ 43Jiani Bonin

    Longe dos pensamentos totalizantes: o desaio de se inserir de forma dialgica e processual nas problematizaes epistemolgicas das cincias da comunicao ......................... 59Rafael Foletto

    Submerso e emerso do pesquisador no campo de pesquisa: o paradigma tecnolgico digital e o fazer do fotojornalista, sob orientao do olhar epistemolgico da transmetodologia ....... 81Beatriz Sallet

  • Para uma episteme da biograia: uma relexo sobre os atravessamentos epistemolgicos do biogrico e o seu lugar no jornalismo .................................................. 101Karine Moura Vieira

    Desaios terico-metodolgicos para a pesquisa em comunicao no sculo XXI ............................. 121Caroline Casali

    2 Parte: Propostas terico-metodolgicas para a pesquisa em comunicaoTrilhas sobre os processos comunicacionais do corpo ...........143Nsia Martins do Rosrio

    Comunicacin no-verbal: una investigacin necesaria..........161Alberto Pereira Valarezo

    A luta dos homens e das mulheres de milho: ciberpoltica, resistncia ancestral e novas subjetividades ...........................177Adrin Jos Padilla Fernndez

    De populares, cuarteteros y ciudadanos: apuntes sobre la coniguracin discursiva de los destinatarios de Radio Popular ...................................195E. Santiago Martnez Luque

    Hegemonia y prcticas culturales: experincias formativas com textualidades audiovisuales .......................... 219Noel Padilla Fernndez

    A inter-relao terico-metodolgica entre cidadania e etnograia ...........................................................237Joel Felipe Guindani

  • Experincias e contextos comunicacionais latino-americanos: algumas problematizaes sobre o sistema multimiditico TeleSUR ...............................................................................257Tabita Strassburger

    Created in Brazil: espao-conceito e a construo de marca-nao .........................................................................277Aryovaldo de Castro Azevedo Jr. e Fbio Caim Viana

    A etnograia como mtodo: vigilncia semntica e metodolgica nas pesquisas no ciberespao .................................................293Maria Elisa Mximo, heophilos Riiotis, Jean Segata, Fernanda Guimares Cruz

    3 Parte: Projetos integrados de formao cienticaA pesquisa da pesquisa em projetos de IC e TCC para a for-mao de novos pesquisadores ..............................................323Juciano de Sousa Lacerda, Helena Velcic Maziviero, Luciana Lima Garcia e Amanda Cnthia Medeiros e Silva

    Vozes da Vila: a histria oral da Vila de Ponta Negra no rdio ................................................................................339Maria Angela Pavan, Joanisa Prates Boeira e Ana Paula de Barros Ferreira

    Sobre os autores ...............................................................351

    Grupos da Rede AMLAT ..................................................357

  • Prlogo

    A Rede AMLAT (Comunicao, Cidadania, Educao e Inte-grao na Amrica Latina) congrega uma diversidade colaborativa que procura a cooperao, o intercmbio e a produo acadmica conjunta de conhecimento e pesquisa. Entre suas atividades, situa a produo editorial coletiva de livros como um eixo articulador central de seus afazeres. assim que, desde 2009, tem publicado trs livros de carter terico-metodolgico que renem relexes, explicitaes, propostas, experincias, argumentos e renovaes epistemolgicas, na perspecti-va da transformao qualiicada do campo acadmico e cientico na Amrica Latina, numa orientao de contribuies estratgicas para a estruturao de novas realidades educativas no subcontinente, como premissa e condio de transformao poltica e sociocultural.

    O trabalho de cooperao programado para o trinio 2009-2012 tornou possvel a realizao de um processo de explorao, conheci-mento e imerso nas realidades educativas institucionais da Venezuela (UNESR-CEPAP), Argentina (UNC-CEA), Equador (FACSO-UCE) e Brasil (UNISINOS-UFPB-UFSC-UFRN-IELUSC). A produo de pesquisa, nessa diversidade de culturas acadmicas, mostrou as diferen-as de complexidade, perspectiva, relao com a sociedade, concepes de trabalho, modelos metodolgicos e pontos de partida tericos nesse conjunto internacional. Ao mesmo tempo, ensinou formas e proces-sos concretos de construo coletiva de vida acadmica, nos quais o reconhecimento e a valorizao da alteridade intelectual e cientica tm sido um aspecto crucial do poder construtivo dos grupos, ncleos, equipes e instituies em ao colaborativa.

    Cabe mencionar que os contextos, de reestruturao poltica e sociocultural dos pases implicados no projeto, permitiram dinamizar

  • 10 | Prlogo

    os debates, formulaes e proposies, atravessando as investigaes e projetos em discusso de maneira decisiva. A Rede AMLAT, nesse sentido, deu passos importantes na perspectiva da superao do neo-colonialismo intelectual existente num expressivo setor do campo da comunicao na Amrica Latina e, em especial, no Brasil.

    Por outro lado, constatamos em nosso trabalho, tanto nas estru-turas macro quanto nas realizaes cotidianas das instituies, os in-meros obstculos que as estruturas institucionais, e os poderes vigentes nelas, colocam ao fazer investigativo e renovao das prticas educati-vas e de pesquisa, retardando os necessrios processos de transformao acadmica e cientica que nossas formaes sociais demandam.

    O reconhecimento do valor terico, metodolgico e epistemol-gico dessa diversidade nos levou a organizar, como uma das estratgias de conigurao da Rede AMLAT, a produo de livros conjuntos que recolhem as experincias de trabalho, ensino e investigao, nas suas complexidades e carncias, como forma de fortalecer, socializar e rea-lizar produtos intelectuais concretos para benefcio das comunidades acadmicas dos quatro pases participantes. O alto nvel de compromis-so tico intelectual dos colegas, a intensidade das trocas e vivncias e o rigor produtivo tornaram possvel o lanamento de quatro livros, pu-blicados em trs dos quatro pases participantes, e apoiados por editoras de instituies universitrias de prestgio. O resultado gratiica nossa entrega vital e, simultaneamente, nos desaia para novos empreendi-mentos e complexidades na perspectiva da transformao sociocultural, educativa, investigativa e poltica da Amrica Latina.

    Finalizando o trinio estamos avaliando o que conseguimos pro-duzir; assim como, tambm, estamos visualizando futuros. Nesta fase de passagem e alegria, preciso agradecer a todos (as) os (as) colegas que participaram nessa aventura intelectual; em especial aos articuladores (as) da Rede em cada pas Adrin Padilla (Venezuela); Marita Mata (Ar-gentina); Alberto Pereira (Equador); Jiani Bonin (Brasil); como tambm a contribuio crucial dos colegas coordenadores nas universidades Vir-gnia S Barreto (UFPB), Juciano de Sousa Lacerda (UFRN), hephi-los Riiotis (UFSC), Maria Liliana Crdoba (UNC-CEA), Maria Elisa Mximo (IELUSC), Nsia do Rosrio (UNISINOS-UFRGS). A Rede

  • Prlogo | 11

    AMLAT no teria realizado suas atividades, muito alm dos objetivos iniciais, sem a colaborao entusiasta, comprometida e construtiva de colegas que, indo alm dos formalismos institucionais, brindaram seu trabalho intelectual, organizativo e operativo de modo intenso, inventi-vo e produtivo; nesse grupo, cabe destacar a atuao de Lisiane Aguiar, Rafael Foletto, Tas Flores Motta, Martn Ghisio, Oscar Rodrguez P-rez, Julio Valdez, Susana Morales, Graziela Bianchi, Daniela Monje, So-ledad Segura, Noel Padilla e Alejandrina Reyes, que contriburam para que o projeto fosse aperfeioado, ampliado e muito bem realizado. Nos-so reconhecimento especial para os colegas que izeram os Encontros Discentes, e a produo intelectual que surgiu deles, Dafne Pedroso, Joel Felipe Guindani, Ricardo Machado, Bruno Alencastro, Tabita Strass-burger, Libera Guzzi, Maria Joseina Pividori, Valeria Meirovich, Rafael Tourinho Raymundo, Juan Alberto Ochoa, Ernesto Snchez, Glacio Pereira de Souza, Sidney Marlon de Azevedo, Cndida Portolan, Tas Seibt. Um imenso obrigado para Jiani Bonin, Maria Liliana Crdoba, Tas Motta, Rafael Foletto, Maria Elisa Mximo e Graziela Bianchi, pela coordenao desses eventos.

    Os livros so produto de uma cooperao investigativa, teri-ca e educativa, entre grupos, centros e ncleos participantes da Rede AMLAT; no obstante, essa produo coletiva de conhecimento, per-tinente destacar o trabalho decisivo de Adrin Padilla e Norah Gam-boa, na Venezuela; Alberto Pereira e Jiani Bonin no Equador e Brasil; Virgnia S Barreto, Juciano Lacerda, Lisiane Aguiar, Fernanda Dalpr Becker e Maria Elisa Mximo no Brasil.

    Meu profundo e comprometido agradecimento a todos os cole-gas que construram este projeto com inteligncia, solidariedade, com-promisso tico-poltico e rigor intelectual.

    Alberto Efendy Maldonado Gmez de la Torre Coordenador Geral da Rede AMLAT

  • IntroduoProcesso a palavra que melhor deine a experincia que gerou este

    quarto livro da Rede AMLAT, construdo com um quadro representati-vo do trabalho acadmico e investigativo latino-americano realizado no contexto de nossas universidades (UNISINOS, UNESR, UNC, UCE, UFPB, UFRN, UFSC, IELUSC). Apresenta um conjunto de relexes terico-metodolgicas cujo eixo articulador a perspectiva transmeto-dolgica, que constitui o ncleo transversal do projeto de cooperao Comunicao, Cidadania, Educao e Integrao na Amrica Latina.

    A diferena de livros que agrupam fragmentos de textos espe-culativos, esta obra o resultado de um trabalho de intercmbio, co-operao e imerso nas realidades acadmicas e de pesquisa de todas as instituies participantes. Os textos so um produto intelectual de intensos e sistemticos processos de investigao, realizados nos gru-pos de pesquisa, ncleos, centros e programas que integram a Rede AMLAT.

    A primeira parte, Perspectiva epistmica transmetodolgica, rene um conjunto de textos, que so o resultado da formao e orienta-o acadmica em epistemologia, coordenados por Efendy Maldona-do, entre 2009 e 2011, e por Jiani Bonin nos cursos de investigao e formao metodolgica nas instituies que compem a Rede. Rafael Foletto apresenta uma argumentao crtica questionadora dos posicio-namentos totalizantes em epistemologia, inserindo a igura do sujeito/pesquisador/cidado como ator histrico do fazer cientico, e prope em perspectiva transmetodolgica a inter-relao entre diferentes vises e concepes sobre cincia, buscando problematizar questes epistemo-lgicas em comunicao.

  • 14 | Introduo

    Beatriz Sallet participa com o texto Submerso e emerso do pes-quisador no campo de pesquisa, apresentando um dilogo epistemolgi-co na construo de uma tese sobre fotojornalismo digital, em termos das afetaes nos valores-notcia das fotograias em veculos impressos on-line e nas multiplataformas; apropria-se da vertente transmetodol-gica para abordar a multidimensionalidade do problema/objeto numa explorao instigante de possibilidades. Karine Moura Vieira traz no texto Para uma episteme da biograia uma argumentao sobre a neces-sidade de uma orientao transversal para problematizar metodologica-mente a gnese da biograia, a posio do bigrafo como investigador e produtor de conhecimento e a construo do relato biogrico como estratgia jornalstica em termos de reportagem.

    Caroline Casali contribui com o texto Desaios terico-meto-dolgicos para a pesquisa em comunicao no sculo XXI, deinindo a epistemologia como instncia de relexo sobre o fazer cientico nos empreendimentos de pesquisa concretos; problematiza o carter di-nmico, multicontextual da realidade comunicacional, orientando-se para a promoo de estudos de caso e visualizando a necessidade de trabalhar metodologias multifocais mediante uma contnua vigilncia epistemolgica.

    A segunda parte do livro est organizada pelo eixo de propostas terico-metodolgicas para a pesquisa em comunicao. Esse conjunto se inicia com a participao de Nsia Martins do Rosrio, que traz o texto Trilhas sobre os processos comunicacionais do corpo, problematizando essa vertente a partir das noes de corporalidades e redes de signiicao nos seus vnculos semiticos nos processos de comunicao contempor-neos. Alberto Pereira Valarezo participa com o texto Comunicacin no--verbal: una investigacin necesaria, propondo a necessidade de formu-lar um projeto estratgico que vincule aspectos lingusticos e semiticos para abordar experincias concretas em educomunicao; o autor convi-da a uma articulao terico-metodolgica que inclua as referencias Escola de Palo Alto e articulaes mltiplas contemporneas.

    Adrin Jos Padilla Fernndez apresenta A luta dos homens e das mulheres de milho. Nesse texto, relete sobre a problematizao inves-tigativa do conlito chiapaneco, no Mxico, e as implicaes que os

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    campos de batalha no ciberespao tm nas prticas discursivas revo-lucionrias do EZLN, que provocaram um conjunto de questionamen-tos instigantes, tanto para as prticas polticas quanto para o conheci-mento transformador em comunicao. E. Santiago Martnez Luque participa com o texto De populares, cuarteteros y ciudadanos: apuntes sobre la coniguracin discursiva de los destinatarios de Radio Popular. No trabalho so analisadas as estratgias discursivas de Rdio Popular, de Crdoba, Argentina, uma emissora para pblicos populares urbanos. A argumentao foca na construo de iguras de identiicao, explicitan-do as formas de legitimao desses reconhecimentos, como tambm os apagamentos, negaes e tergiversaes.

    Noel Padilla Fernndez argumenta sobre Hegemonia y prcticas culturales: experiencias formativas con textualidades audiovisuales. Nesse texto, problematiza as relaes entre processos miditicos e transforma-es socioculturais e polticas no contexto venezuelano, confrontando o projeto civilizatrio do capital, nos seus imaginrios sociais, com os processos formativos realizados pelo CEPAP-UNESR orientados ao autorreconhecimento dos estudantes como sujeitos mediados nas suas prticas culturais na dimenso miditica, que precisam para promo-ver processos de emancipao mediante o cultivo de competncias de leitura e escritura de textualidades audiovisuais. Joel Felipe Guindani trabalha o texto A inter-relao terico-metodolgica entre cidadania e etnograia, no qual prope estimular os pesquisadores a produzir um olhar mais sensvel, dinmico e atento sobre a realidade investigada; concebe a cidadania enquanto construo da ao social, vinculando-a com a etnograia como alternativa metodolgica pertinente e apresen-tando um quadro ilustrativo das suas dimenses operativas.

    Tabita Strassburger apresenta Experincias e contextos comunica-cionais latino-americanos: algumas problematizaes sobre o sistema mul-timiditico TeleSUR, problematizando esse sistema multimdia nos seus aspectos de democratizao, cidadania e integrao, tanto na conigu-rao miditica estruturada pela TeleSUR, quanto nas apropriaes que os pblicos realizam dessas produes e como as vinculam as suas rea-lidades. Aryovaldo de Castro Azevedo Jr. e Fbio Caim Viana mostram no texto Created in Brazil: espao-conceito e a construo de marca-nao

  • 16 | Introduo

    o processo de fabricao dessa marca no contexto do Pavilho Brasi-leiro na Exposio Mundial de Xangai 2010; problematizam a noo de espao-conceito em inter-relao com a noo de conceito-pas, expli-citando as formas simblicas de sua produo na construo de uma estratgia de marketing.

    O texto de Maria Elisa Mximo, heophilos Riiotis, Jean Segata e Fernanda Guimares Cruz situa-se no debate sobre as metodologias de pesquisa nas diferentes situaes de interao e comunicao on--line, oferecendo uma contribuio do ponto de vista da Antropologia. O texto contempla as relexes mais atuais do GrupCiber (Grupo de Estudos em Antropologia do Ciberespao, da UFSC) e prope uma reviso crtica de estudos recentes que tm como foco essa questo me-todolgica, mais especiicamente as possibilidades de apropriao da etnograia como mtodo apropriado para a investigao da vida social no chamado ciberespao.

    Na terceira parte do livro, Projetos integrados de formao cien-tica, Juciano de Sousa Lacerda, Helena Velcic Maziviero, Amanda Cnthia Medeiros e Silva e Luciana Lima Garcia apresentam o texto A pesquisa da pesquisa em projetos de IC e TCC para a formao de novos pesquisadores. A relexo metodolgica estruturada a partir da experi-ncia nas indagaes sobre as apropriaes das TICs em telecentros e lan houses. A equipe mostra as suas estratgias como tambm os obs-tculos e diiculdades para trabalhar em bancos de dados de teses, dis-sertaes, repositrios, portais e revistas cienticas nacionais on-line do campo da comunicao. Simultaneamente, expe as qualidades da pesquisa-da-pesquisa para a formao de novos investigadores e constru-o de habilidades para o exerccio crtico/analtico da produo cien-tica. Maria Angela Pavan, Joanisa Prates Boeira e Ana Paula de Barros Ferreira contribuem para o livro com o texto Vozes da Vila: a histria oral da Vila de Ponta Negra no rdio. Nessa relexo, explicitam e va-lorizam o procedimento metodolgico da histria oral como recurso crucial para trabalhar as culturas ancestrais presentes nas memrias das pessoas de uma vila da cidade de Natal. O trabalho mostra o esforo e a qualidade metodolgica da equipe na formulao do projeto e na realizao fecunda da pesquisa, comunicando as virtudes dos processos

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    de iniciao cientica quando organizados e sistematizados de maneira inventiva e problematizadora.

    Por im, importante dizer que este livro o ltimo volume do projeto editorial da Rede AMLAT, que contou com outras trs publi-caes, alm de artigos e trabalhos acadmicos inspirados e produzidos no mbito do dilogo, das trocas e das possibilidades de cooperao cientica promovidas pela Rede. Neste sentido, podemos entender este livro no como o im de um ciclo, mas como uma passagem para outros projetos, outras redes, enim, outras instncias de trocas e de coopera-o, certos de que as experincias fomentadas na e pela Rede AMLAT nos animam a continuar nas trilhas das transmetodologias, das meto-dologias transformadoras, do conhecimento produzido coletivamente.

    Alberto Efendy MaldonadoMaria Elisa Mximo

    Juciano de Sousa LacerdaGraziela Bianchi

    Organizadores

  • 1 PARTEPerspectiva epistmica transmetodolgica

  • A transmetodologia no contexto latino-americano

    Alberto Efendy Maldonado

    IntroduoO texto problematiza, numa perspectiva transmetodolgica, a in-

    vestigao em cincias da comunicao no contexto ibero-americano, focando suas anlises e relexo em projetos de cooperao acadmi-ca e pesquisa realizados entre 2004 e 2010 no Brasil, na Venezuela, no Equador, na Argentina e na Catalunha. Seu objetivo metodolgico busca sistematizar conhecimento sobre experincias, estratgias e re-alizaes de investigao nos mbitos dos grupos de pesquisa PRO-CESSOCOM (UNISINOS), MIGRACOM (UAB) e Rede AMLAT (UNESR, UCE, UNC, UFPB, UFSC, UFRN, IELUSC). Tem como objetivo terico a construo de inter-relaes entre processos sociocul-turais e comunicacionais em realidades de luxo, integrao e conlito, construindo argumentos a partir das investigaes tericas e das expe-rincias de cooperao em pesquisa e ensino. Seu objetivo operativo procura fortalecer a concepo transmetodolgica, compartilhando co-nhecimentos epistemolgicos e investigativos com os colegas dos vrios pases participantes na Rede AMLAT, nas associaes cienticas e uni-versidades da Amrica Latina e da pennsula ibrica.

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    Na primeira parte do texto, so inter-relacionados os conceitos de cidadania comunicacional; cultura midiatizada; xodos e migraes; identidades culturais; reconiguraes socioculturais; comunicao trans-fronteiras e poder em dilogo e confronto crtico com Bonin (2008; 2011); Rosrio (2008; 2011); Martn-Barbero (2008); Mata et al. (2009); Santos (2006); Cortina (2005); e Lacerda (2010). A argumen-tao busca tecer argumentos que aprofundem e ampliem as compre-enses sobre epistemologias multilticas, heursticas, interpretativas e transformadoras, seguindo uma orientao de prxis terica rigorosa, que qualiique os afazeres intelectuais, investigativos, socioculturais e polticos na atividade acadmica e cientica contempornea.

    Na segunda parte, o texto analisa estratgias e tticas postas em prtica nos projetos de investigao e cooperao acadmica1, reletin-do sobre os processos mediante um olhar multifocal, transmetodolgico, que problematiza as realidades e os pensamentos construdos em agir suscitador de novas coniguraes lgicas e conceptuais para a pesquisa em comunicao.

    Na terceira parte, conclusiva, procura-se a articulao das di-menses terica e investigativa, apresentando-se os resultados argu-mentativos e propondo alternativas de trabalho renovador para a inves-tigao em comunicao.

    1 Projeto CNPq-PROSUL 2009-2012: Rede Temtica Comunicao, Cidadania, Educao e Integrao na Amrica Latina. Projeto de investigacin: Medios, espacio pblico y ciudadana (CEA-UNC). Projeto: Impulso e desarrollo de lneas de investigacin (CEPAP-UNESR). Projeto: Culturas Televisivas e Dialogias Sociais: Coniguraes, pactos e sentidos de Comunidades Perifricas na TV (UFPB). Projeto: Diseo, anlisis y difusin curricular de la Comunicacin Social en el Ecuador (FACSO-UCE). Projeto: Estudo etnogrico das formas de apropriao dos centros pblicos de acesso pago Internet (UFSC-IELUSC). Projeto CAPES-MEC (2004-2008): Mdia e interculturalidade: estudo das estratgias de midiatizao das migraes contemporneas nos contextos brasileiro e espanhol e suas repercusses na construo miditica da Unio Europeia e do Mercosul (UNISINOS-UAB). Projeto: Tratamiento informativo de la inmigracin en Espaa (MIGRACOM-UAB).

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    Cidadania comunicacional: componente terico central da problemtica

    O eixo articulador da argumentao a noo de cidadania co-municacional. Ela atravessa o mundo contemporneo de luxos inten-sos, mudanas tecnoculturais, reconiguraes de poder poltico e re-estruturaes dos modelos de sociedade. A cultura midiatizada, com forte penetrao, reconhecimento e eicincia na maioria das socie-dades ibero-americanas, participou de modo estratgico nos intensos processos de urbanizao, xodos e luxos, provocados pelos processos de reorganizao econmica nos vrios formatos do capitalismo latino--americano, que teve sua orientao conduzida pelas estratgias neo-liberais, das duas ltimas dcadas, do sculo passado. O concreto real multifacetado e dinmico mostrou, em termos de sistemas miditicos, a concentrao anacrnica (prpria de pocas pr-capitalistas escravo-cratas e latifundirias) da propriedade e do poder miditico em poucas famlias das elites tradicionais, vinculadas aos setores mais conserva-dores das sociedades, tanto em termos polticos, quanto econmicos. No caso brasileiro, preocupante a defasagem entre os processos capi-talistas reais, de acelerao e reconigurao produtiva, e os discursos dos grandes meios comerciais que no conseguem acompanhar, nem vislumbrar, os processos concretos de reestruturao que o pas teve, e est tendo, no presente perodo.

    As concepes e posturas polticas da grande mdia brasileira a respeito da Amrica Latina se sintetizam numa concepo prpria do sculo XIX, poca do imprio; atualizam, propem, reinterpretam e su-gerem relaes de explorao, aproveitamento sistemtico e subjugao programada dos pases vizinhos mediante a fora econmica e militar. Foram ilustrativas desse posicionamento as crises durante o processo de nacionalizao das indstrias de gs e petrleo na Bolvia, fato que afetou diretamente os interesses da transnacional Petrobras; e o proces-so de renegociao do Tratado de Itaipu, defendido pelo governo para-guaio de Fernando Lugo. Nos dois casos, os arautos da grande mdia comercial demandaram do governo brasileiro uma poltica dura de continuidade das polticas deinidas em pocas autoritrias e ditato-

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    riais, que normatizavam uma relao de explorao dos recursos dos pases vizinhos por empresas nacionais.

    A profunda mudana na poltica internacional do Brasil, deini-da e realizada pelo governo Lula, comprovou-se imprescindvel, e justa, em perspectiva democrtica integradora; porm, foi qualiicada como fraca e de favoritismo poltico aos aliados regionais. Esses posicio-namentos poltico-ideolgicos, que manifestam a opinio e os com-portamentos dos grandes grupos de poder miditico, so expressivos dos seus graves problemas interpretativos em relao s mudanas ao interior do modelo capitalista brasileiro. As relaes econmicas, po-lticas, culturais com a Amrica Latina ainda so pensadas, por esses grupos de poder, em termos de domnio e degradao (relacionar-se com eles degradar-se). Reproduzem assim a matriz do Complexo Mi-litar Industrial estadunidense e das transnacionais do fundamentalismo de mercado, que olham para o mundo como campo de explorao em proveito prprio.

    Em investigaes sistemticas, que coordenamos entre 2000 e 2006, comprovamos o lamentvel tratamento que os grandes sistemas miditicos televisivos brasileiros do Amrica Latina e seus habitan-tes2. Numa sntese qualitativa, dos milhares de pginas de sistemati-zao investigativa sobre essa produo simblica, comprova-se uma ao miditica programada de distoro negativa sobre as pessoas e as sociedades latino-americanas. A nfase em temas como narcotrico, de-linquncia, contrabando, violncia poltica, crise, guerra, exploses, trico de armas e terrorismo na Rede Globo (MALDONADO, 2004, p. 108). O estilo autorreferencial miditico no SBT, que apresenta msica e pro-gramas de TV comercial como representao exclusiva da Amrica Lati-na, em quase metade de suas transmisses (MALDONADO, 2004, p.

    2 MALDONADO, A. Efendy (Coordenador). Relatrios de Pesquisa: Transnacionais da televiso latino-americanas: as inter-relaes Brasil-Amrica Latina apresentadas pela grande mdia televisiva (2002); As estruturaes televisuais sobre Amrica Latina nas redes Bandeirantes, SBT e Globo: Produtos miditicos, estratgias e recepo (2004); Amrica Latina midiatizada: produtos televisivos e recepo [...] (2006), Programa de Ps-graduao em Cincias da Comunicao UNISINOS (Doutorado/Mestrado).

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    150). A TV Bandeirantes, que segue a linha de caracterizao pejorativa de Amrica Latina, e produz sua marca miditica transmitindo, reitera-damente, programas esportivos com pouqussimas contribuies para a sade corporal, para a educao fsica e para a democratizao do espor-te nas sociedades latino-americanas (MALDONADO, 2004, p. 56). Esses sistemas miditicos investigados mostraram uma fragmentao programtica em vrios temas que, contudo, conluem numa estrutu-rao simblica distorcida sobre a cultura, a sociedade e a natureza da Amrica Latina.

    Nesses contextos de adversidade miditica, restries polticas e limitaes jurdicas, considera-se estratgico, para um movimento terico desestabilizador e reconstrutor das problemticas em cincias da comunicao, o trabalho investigativo e de gerao de teorias que contribuam estruturao de conhecimento sobre cidadania comuni-cacional. Para isso, alargamos a compreenso do conceito de cidadania para alm das restries jurdicas positivistas e das concepes polticas liberais. Pensamos cidadania desmontando seu carter ilosico demo-crtico representativo (positivista/liberal-burgus), leia-se restritivo, e ampliamos sua compreenso e pertinncia para outras dimenses da vida, como as tnicas, regionais, econmicas, de gnero, espirituais, cienticas, artsticas, cosmopolitas (contra as restries livre circula-o na Terra) (CORTINA, 2005; SANTOS, 2006; MALDONADO, 2010; MATA et al., 2009). Concebemos a cidadania comunicativa, poltica, como o direito/desaio/compromisso/pertena/participao para produzir estratgias e tticas de comunicao que possibilitem proces-sos e estruturaes enriquecedoras da diversidade cultural, da vida co-munitria, dos ecossistemas e dos modos de vida ps-capitalistas nas formaes (macro/meso/micro) sociais contemporneas.

    Um passo imprescindvel na vida cidad comunicativa aquele que permite superar, quebrar, a vivncia e a concepo unidimensional que s reconhece os sistemas miditicos comerciais, capitalistas, como a melhor possibilidade de estruturao e realizao social comunicativa. necessrio promover uma relexo sistemtica nos contextos, comuni-dades, faculdades, institutos, centros e ncleos e grupos de investigao, como tambm nos sistemas educativos, em especial nos universitrios,

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    sobre a pertinncia e urgncia de conceber, estruturar e desenvolver no-vas realidades, tanto estruturais, quanto culturais, em comunicao.

    A favor da mudana esto as novas condies de produo, circulao e reconhecimento simblicos. De fato, a partir de 1994, a Internet tornou possvel outras ordens, enquadramentos, formatos e coniguraes de meios. Lamentavelmente, ainda, boa parte da produ-o investigativa e terica continua restrita ao acompanhamento dos modelos analgicos, empresariais, de modelo concentrador e autorit-rio, focado em lgicas de maximizao de lucro para poucos. Na pro-blematizao da comunicao digital prima o tecnicismo funcionalista, que se apresenta como uma atualizao do cientiicismo positivista. assim que as ferramentas, os suportes, os arranjos eletrnicos e os jogos de funcionalizao dos procedimentos tcnicos para o mercado, tm primazia de inanciamento e apoio administrativo.

    A problematizao que nos ocupa, vincula cultura midiatizada cidadania porque considera crucial para as transformaes sociais neces-srias construo de pensamento forte, teorias, que expliquem, inter-pretem, questionem e critiquem os modos de existncia contemporne-os que tm gerado situaes de conservadorismo (ritualizao repetitiva dos usos e consumos) na vida cultural, privilegiando determinados for-matos, modelos, gneros, estratgias e costumes e, simultaneamente, restringindo as possibilidades de livre luxo e produo da cultura simb-lica mltipla criada por etnias, regies, classes sociais, grupos artsticos, redes produtivas, ncleos alternativos, pequenos e mdios empresrios, e setores populares. Os modelos tradicionais de estruturao miditica, que conluem numa matriz empresarial de grandes redes, sob proprie-dade de poucas famlias oligrquicas (Azcrraga, Marinho, Cisneros, Saad, Slim, Herrera, Abrabanel, para citar alguns exemplos na Amrica Latina), imitam a lgica das sete grandes transnacionais da mdia, e seu poder redutor da vida e a cultura, representados paradigmaticamente pelas iguras de Berlusconi e Murdoch no contexto mundial.

    Na Amrica Latina, na conjuntura atual, so ilustrativos os vn-culos da empresa Clarn com a ditadura genocida argentina dos anos 1970-1980, que ilustram de modo decisivo os modos de agir jurdi-cos e sub-reptcios dos donos da mdia na regio. Esses nexos so uma

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    amostra, que devidamente problematizada e investigada, pode oferecer subsdios valiosssimos para a compreenso da realidade hegemnica no campo da mdia na Amrica Latina no sculo XX e, ainda, nos incios do sculo XXI. Os governos, os grupos de poder poltico autoritrio das classes hegemnicas e o Estado liberal restritivo, em combinao com as ditaduras civis e militares, estruturaram e mantiveram uma or-dem jurdica miditica excludente que favoreceu as oligarquias locais. Esse modelo se mostra tanto nas formaes sociais de maior soisticao (Brasil, Mxico, Argentina), quanto nas estruturas sociais intermedi-rias (Venezuela, Colmbia, Chile, Peru), e tambm nas menores (Equa-dor, Bolvia, Paraguai e os pases centro-americanos e do Caribe, com exceo de Cuba), podem ser vistas as mesmas caractersticas de con-centrao de poder entre mdia/poltica; hegemonia: econmica/mdia e enquadramentos jurdicos que beneiciam a produo de mais-valia e lucro por essas elites.

    O que se coloca, portanto, a necessidade urgente de reformar e transformar o marco poltico/jurdico/econmico dessas realidades, tornando vivel e promovendo a participao de vrios setores das so-ciedades latino-americanas, que possuem competncias para produzir cultura miditica de qualidade, na reconstruo dos sistemas, institui-es, meios e culturas de comunicao; democratizando a gesto, o po-der e os modos de produo simblica. um desaio central do atual momento histrico, a reestruturao profunda das concepes, hbitos, prticas e culturas miditicas. Para isso, a ideia diretriz de participao produtiva se vincula com a noo de cidadania comunicativa na realida-de concreta, favorvel, de condies de produo simblica. Terminou a poca em que se necessitava de grandes capitais, estrutura industrial e vnculos com o poder para fabricar produtos comunicativos de circula-o mundial. Hoje a produo comunicativa de qualidade esttica, de contedo e compromisso tico com a humanidade, depende mais das competncias intelectuais e tcnicas dos meso e micro produtores, e a clareza que tiverem sobre os agires cidados, que de grandes inancia-mentos condicionados por todo tipo de poderes.

    A investigao em comunicao exigida, pelas novas conigura-es da realidade cultural e miditica, a problematizar, pensar, explicar,

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    compreender, elucidar e interpretar essas novas condies; orientando, numa linha de cidadania, seus esforos para as potencialidades transfor-madoras que as culturas comunicativas apresentam em profundo vn-culo com as reconiguraes tecnolgicas. Nessa perspectiva, interessa menos o que de continuidade reprodutiva consumista se apresenta nas prticas sociais, interessa sim, de maneira crucial, o que de renovador, reconstrutor, transformador, desestabilizador, fortalecedor de culturas de justia social, paz, solidariedade e inveno se apresenta nas prticas comunicativas e nas produes tericas relacionadas com esses fenme-nos e processos.

    A noo de cidadania comunicativa, para dar conta desses desa-ios, precisa incorporar a sua compreenso (deinio) elementos con-ceituais das culturas subalternas populares, tanto em termos de concep-es de poder quanto de diversidade cultural e favorecimento a fruio da vida, da inventividade e de compromisso de grupo. Na dimenso poltica, precisa superar a noo de gozo de direitos civis e polticos e desempenho de deveres, deinindo a cidadania como dimenso par-ticipativa, elucidativa, propositiva de novos modos de vida sociocultu-ral, em especial os comunicativos. Propor, por exemplo, processos de inter-relao comunicativa entre vivncias/modelos de distintos conti-nentes, culturas, sabedorias, realidades, valores e existncias. Ensaios e experimentaes renovadores que podem dar pistas de bem viver.

    Nas sociedades latino-americanas (com maior penetrao dos modos de vida liberal-burgueses, individualistas e utilitaristas), a pro-blematizao dos consumismos miditicos e o esclarecimento do pa-pel sociocultural liberador que as novas coniguraes comunicativas podem propiciar gerariam processos de formao investigativa qualii-cados em comunicao integradora, desestabilizariam a euforia tcnica eletrnica contempornea das telecomunicaes, orientando-as para a gerao de culturas renovadoras que potenciem a circulao e apro-priao de bens informativos, artsticos, cienticos, culturais, ticos, polticos, educativos e espirituais.

    Entre os setores dinmicos de reconstruo da cidadania comu-nicativa, o campo educativo e o campo cientico so urgentes de re-construo e construo para transformar as realidades de subalterni-

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    dade e neocolonialismo intelectual, que freiam nosso desenvolvimento e limitam signiicativamente nossa liberdade. No primeiro, importante a crtica do utilitarismo tcnico (LACERDA, 2010), focando as proble-matizaes na estruturao de sistemas digitais de comunicao em es-colas, universidades e institutos nos aspectos de cultivo de inteligncias, investigao em todas as atividades, aprendizagem de problemticas, for-mulao de projetos, inventividade e experimentao criativas. As escolas e colgios precisam de estratgias fortes para lutar contra os modelos de cultura da violncia (jogos produzidos para o Pentgono; produo mi-ditica que cultua formas de violncia sistmicas); como tambm con-tra os relacionamentos factuais, o consumismo miditico tradicional (tecnoilia fascinada pelas novidades instrumentais tcnicas) propondo uma mudana profunda e ampla dos mtodos de ensino e vida escolar, transformando os espaos educativos em cenrios de vida inventiva, fraterna e comprometida com as mudanas da sociedade. Os sistemas de poder poltico e miditico trabalham intensamente por manter as novas geraes ocupadas no seu enquadramento de rituais cotidianos.

    Paralelamente, imprescindvel trabalhar nos processos de for-mao/pesquisa/organizao fora das instituies educativas formais, em ambientes culturais, espaos alternativos, organizaes populares, movimentos sociocomunicativos, telecentros e comunidades tnicas no sentido de fortalecer os aspectos de emancipao cultural, poltica e es-piritual dos cidados. Para a comunicao cidad, um campo de luta e criao que deve ser assumido mediante a conluncia transmetodolgica de estratgias, tticas e culturas, que conigurem dimenses de conhe-cimento, liberdade, arte, prazer e energias produtivas.

    Dado que os processos, modos, tcnicas, recursos, culturas, es-truturas, conjuntos e sistemas de comunicao tm sido centrais, e fun-damentais, na constituio da espcie humana e de suas sociedades; considerando que, a atual fase histrica de profunda mudana das condies da prxis comunicativa; tomando em conta, tambm, que os dinmicos processos de luxos socioculturais, nos quais os nexos, vnculos e caractersticas comunicativas tem papel central; incluindo, nessa articulao, o recurso renovador das potencialidades produtivas culturais, que as tecnologias digitais brindam e; articulando politica-

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    mente esses fatores, na atual conjuntura que inicia a constituio de uma Amrica Latina que vai pensando e atuando com independncia, agindo com dignidade, preocupando-se pelos seus povos, questionan-do os formatos e modelos neocoloniais (dependentes, subservientes, subalternos, depredadores, violentos, fundamentalistas de mercado). necessrio trabalhar na construo de fortalezas cienticas que sejam propositivas de novas realidades de dignidade, justia, liberdade, traba-lho reconhecido, riquezas compartilhadas e solidariedade. Os processos investigativos comunicativos podem contribuir em muito nessa orien-tao, a alfabetizao comunicativa nos currculos escolares e a promo-o de atividades culturais/comunicativas, vinculadas ao exerccio da pesquisa em todos os nveis, formais e no formais, em espaos micro e meso sociais, misturando os tempos de entretenimento, descanso e lazer com processos ldicos de aprendizagem prazerosa e participao em projetos de pesquisa que alimentem as instituies e tornem poss-vel a estruturao de fortalezas estratgicas de sabedorias e conhecimen-to. Desse modo, temos a ruptura epistemolgica com o senso comum acadmico conservador, burocrtico e elitista provocando conluncias entre potencial criativo sociocultural e prticas cienticas renovadoras.

    Mltiplas experincias comunicacionais em vrios continentes (DOWNING, 2002) e, em especial, na Amrica Latina (MALDO-NADO, 2009; BARBALHO et al., 2010), mostram que possvel mudar qualitativamente para bem-estar da maioria da populao os atuais enquadramentos e culturas comunicacionais e miditicas. O de-saio exige trabalhar em duas linhas estratgicas; a primeira, focada nas culturas populares, tnicas, vizinhais, regionais, de gnero, migratrias, classistas e etrias, aproveitando todas as possibilidades socioculturais, educativas e polticas que as mobilizaes contemporneas tornam pos-sveis, concentrando a tarefa na promoo e gerao de movimentos so-ciocomunicacionais. Na segunda linha estratgica, no campo jurdico/poltico formal institudo da democracia liberal representativa restrita, so urgentes e necessrias estratgias de reformulao de normas, leis e condies de produo econmica da comunicao social, como um requisito imprescindvel de reformas democratizantes que melhorem os contextos e as realidades comunicativas contemporneas, situando

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    o complexo comunicativo das sociedades ao servio de todos os seus setores constitutivos.

    No campo cientico urgente a reformulao da linha estratgi-ca positivista que cultua as formas quantitativas; o empirismo abstrato; a dependncia metodolgica a receitas produzidas nas metrpoles aca-dmicas do hemisfrio norte; a repetio sistemtica de procedimentos, rituais e montagens de textos; como tambm a subservincia s lgicas do lucro fundamentalista de mercado. As fortalezas de conhecimento pre-cisam apropriar-se da signiicativa experincia da cincia transforma-dora em todos os campos do conhecimento; requerem da incluso, nas suas epistemologias, da riqueza ilosica que cultiva a perspectiva da mudana renovadora poltica, tica, esttica, social, cultural e gnosio-lgica. Construir fortalezas implica, em primeiro lugar, construir seus alicerces, seus pontos e bases de partida, formar os grupos humanos produtores desses complexos cienticos e culturais. Para isso, necess-rio avanar na cotidiana luta por situar a Investigao como atividade central e privilegiada dos pesquisadores, bolsistas, professores, estudan-tes e trabalhadores intelectuais em geral.

    Transmetodologia e experincias de investigao e educao na Rede AMLATA transmetodologia deine-se como uma vertente epistemolgi-

    ca que airma a necessidade de conluncias e confrontaes entre vrios mtodos, realizando processos de atravessamento lgico, desconstruo estrutural, reconstruo de estratgias e problematizaes redeinidas, em cada empreendimento/projeto de investigao iniciado. Nutre-se de conhecimentos transdisciplinares, na dimenso terica, e promove estratgias de explorao, experimentao e reformulao metodol-gicas. Para dar continuidade ao processo de aprofundamento, aper-feioamento e ampliao da proposta transmetodolgica, formulou-se um projeto de cooperao, intercmbio e encontro entre experincias e perspectivas tericas, diferenciadas, em quatro pases da Amrica Latina: Equador, Venezuela, Argentina e Brasil. Aproveitou-se o co-

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    nhecimento e os contatos sobre o trabalho de colegas pesquisadores e professores no CEA-Argentina (Universidad Nacional de Crdoba); no CEPAP-Venezuela (Universidad Nacional Experimental Simn Ro-drguez); na FACSO-Equador (Universidad Central de Ecuador) e a presena do grupo de investigao PROCESSOCOM na UNISINOS, na UFPB, no IELUSC/UFSC e na UFRN para trabalhar um processo de encontros/confrontaes metodolgicos, que permitam conhecer em profundidade e com detalhe os trabalhos de investigao e ensino em oito universidades da regio. Conigurou-se assim a Rede AMLAT: Co-municao, Cidadania, Educao e Integrao na Amrica Latina, numa perspectiva de intromisso em pluriperspectiva nos afazeres acadmicos e metodolgicos dos colegas das universidades participantes.

    O que possibilitou essa Rede de Colaborao Acadmica? Em primeiro lugar, uma aproximao, dilogo, conhecimento e reconhe-cimento, cultivo de afetos, aprendizado de alteridades, deinio de distines, vivncias coletivas em conluncia produtiva. Os nexos e os vnculos se combinam em formatos presenciais e digitais. As dimenses acadmicas, investigativas e polticas se interpenetram, confrontam e conluem. As culturas acadmicas, regionais, institucionais e pessoais se manifestam, abrem trilhas e possibilidades e aprendem jeitos diversos de produzir e construir problemticas, como tambm tticas de sobre-vivncia intelectual em contextos adversos. Nessa caminhada histrica da Rede AMLAT, constata-se no concreto real, do dia a dia, as signii-cativas carncias que a investigao ainda tem na Amrica Latina. No obstante essas adversidades, as pensadoras e pensadores, as professo-ras e professores; as estudantes e os estudantes em condies mnimas de trabalho, com laboratrios escassos, poucas bolsas, instalaes com problemas, recursos limitados e pouco fomento editorial, produzem in-vestigaes de qualidade, estabelecem compromissos pedaggicos, edu-cativos, sociais e polticos renovadores, sacriicando suas economias e bem-estar. Essas equipes de trabalho organizam grupos de investigao, ncleos, programas, linhas de investigao, redes e projetos aumentan-do sua carga de trabalho com carinho, dor e entusiasmo. O processo da Rede AMLAT e de projetos similares dos quais temos conhecimento mostram que o potencial humano latino-americano de produo inte-

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    lectual imenso e comprova, na dimenso educativa e cientica, am-plas possibilidades de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, constatam--se os empecilhos estruturados pelas culturas coloniais, neocoloniais, imperialistas culturais e de domesticao das juventudes e das crianas, que atuam com fora e sistematizao programtica buscando manter a condio de subjugao histrica que a populao latino-americana tem tido em relao com o poder transnacional. Simultaneamente, o mundo sociocultural latino-americano desestabiliza os ordenamentos formais, cultiva os afetos subversores, constri imaginrios e heteroto-pias construtivas e transformadoras diversas, como o trabalho de co-laborao acadmica e cientica nos mostra nas suas diversas etapas e estruturaes.

    No campo cientico, a modo de exemplo relexivo, so susci-tadoras as experincias do grupo de investigao PROCESSOCOM. Ele se nutre de uma cultura de pesquisa multimetodolgica iniciada na Universidade de So Paulo, entre os anos 1995 e 1999, quando um conjunto integrado de projetos de pesquisa trabalhou um mesmo pro-blema/objeto a partir da sociologia da cultura, a lingustica aplicada, a psicanlise, os estudos culturais, a histria oral, a antropologia ur-bana, a economia poltica da comunicao, a anlise de discurso e a teledramaturgia, investigando as relaes ico e realidade na telenovela brasileira. Esse processo tornou possvel a conluncia e confrontao de mtodos, de vrias reas, traduzidos para a lgica da comunicao. Essas estratgias foram reconstrudas para problematizar um processo comunicacional (telenovela), em que participam dezenas de milhes de brasileiros e latino-americanos desde a dcada de 1960, e que se constitui em um ethos midiatizado preferencial nas sociedades latino--americanas.

    Essa complexa experincia de pesquisa na USP conirmou e am-pliou conhecimentos sobre a fora estratgica das culturas populares na inveno da vida das sociedades contemporneas. Os trabalhos de cam-po mostraram a diversidade de formas, tticas, imaginrios, competn-cias, jeitos e inteligncias investidas na relao com os sistemas midi-ticos hegemnicos e, o que mais importante, os usos e apropriaes subversores das lgicas da produo e circulao industrial e comercial.

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    Na dimenso epistemolgica, foi uma base de lanamento csmi-ca que reabriu nossos olhares e trilhas metodolgicos ao conhecimento de vrias vertentes da ilosoia, histria e sociologia da cincia. Con-frontar, dialogar, reformular os problemas tericos colocados fez neces-srio organizar uma pesquisa terica sistemtica, que tornou possvel um reconhecimento srio, aprofundado e construtivo dos argumentos e processos em questo. As vertentes tericas da geograia humana, da se-miologia estrutural, da histria (historiograia, oral, anais, civilizaes, mentalidades, culturas), da ecologia da comunicao, da semitica, dos estudos culturais, da economia poltica, da antropologia conluram mediante transformaes e redeinies em teorias da comunicao que foram pensando as culturas em termos de cultura miditica; as histrias de vida como trajetrias de vida comunicativa; os modelos enunciativos sob o aspecto de estruturas programticas de seriados, telenovelas, te-lejornais, programas de auditrio etc.; as estruturas e sistemas culturais considerados como formatos, gneros, estratgias miditicos, pensados como um complexo comunicativo (semiosfera; tecnosfera; psicosfera; socio-sfera) dinmico e mutvel.

    No contexto do Rio Grande do Sul, a partir de 1999, tivemos que nos confrontar com atualizaes das vertentes cartesianas, sistmicas, or-todoxas e mdia-centristas, que ainda tentam estruturar uma discipli-na modelo Newton para a comunicao no sculo XXI. Esse conlito aprofundou e lapidou nossas concepes sobre as carncias do estrutural positivismo e fortaleceu nosso conhecimento sobre diversas vertentes que procuravam constituir-se em eixo central, unidimensional, do co-nhecimento terico em comunicao, esclarecendo a diversas facetas da estruturao conservadora dos estudos acadmicos na rea. Os processos de conlito nos deslocaram para uma nfase na combinao pesquisa te-rica/pesquisa emprica, movimento que impede uma centralizao em exerccios retricos, abstratos e de debate performtico, situando a in-vestigao no centro das articulaes do agir acadmico e intelectual. Esse posicionamento investigativo nos distanciou das culturas sofsticas, instrumentalistas, pragmticas e retricas, comuns nas comunidades intelectuais carentes de pesquisa, como o caso da cincia aplicada comunicao que se distingue pela sua fraqueza investigativa e cientica.

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    A nossa opo epistemolgica, que situou a investigao como valor central de orientao real nas prticas de trabalho, mostrou-se forte, prolica, coerente com as necessidades socioculturais contem-porneas de Nossa Amrica, comprometida com o aperfeioamento das comunidades de investigao cientica da rea, e renovadora da forma-o investigativa e intelectual das novas geraes. Organizamos nossas estratgias, primeiro no contexto de uma linha de pesquisa de Mdias e processos socioculturais (1999-2006) e, numa segunda fase, na linha Cul-tura, cidadania e tecnologias da comunicao (2006-2011), trabalhando mediante a perspectiva transmetodolgica os projetos, teses, dissertaes, TCCs e, simultaneamente, aprofundando e lapidando essa concepo para a investigao cientica em comunicao.

    O real, concreto, reconstrudo pela pesquisa cientica, mostra que os processos e fenmenos em comunicao so multidimensionais e multicontextuais. O confronto em cada projeto, na construo de cada problematizao, nos permitiu formular estratgias de pesquisa que convocaram vrios mtodos que reformulamos para a comunicao:

    histrias de vida comunicativa; etnograias de pblicos; anlises comunicativas de produtos miditicos; hermenuticas polticas sobre os poderes simblicos; psicanlises sociocomunicativos (sobre as inter-relaes mdia

    comunicantes); vdeo-fruns e vdeo-conversas (relexo, debate e dilogo in-

    tercomunicativo); exploraes livres de campos, ambientes e dimenses tericas; pesquisas tericas sistemticas (em orientao heurstica); pesquisa-da-pesquisa ou reconstrues metodolgicas (reco-

    nhecimento, imerso, confronto lgico, reformulao); laboratrios metodolgicos (formao, experimentao, ensi-

    no, aprendizagem); pesquisa documental organizao, sistematizao, operacio-

    nalizao (bancos de dados, bibliotecas, videotecas, portais, blogs, sites);

    organizao e sistematizao de material miditico (levanta-mento, classiicao, operacionalizao);

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    anlises de processos de produo de signiicaes; anlises socioculturais de contextos; hermenutica comunicativa

    (sobre culturas, ticas, sistemas, conjuntos); metodologias transformadoras (do senso comum acadmico e

    dos sensos comuns conservadores).

    Para construir esses problemas/objeto tivemos que entrar nas lgi-cas dos mtodos, mergulhar nos seus contedos conceituais, confrontar estes com os processos reais, concretos, repensar, redesenhar, recons-truir suas lgicas e redeinir seus contedos. Em sntese, conluir dia-leticamente em orientao mltipla para arranjos metodolgicos que potenciem as investigaes. Essa perspectiva rejeita o consumo intelec-tual mecanizado de lgicas e mtodos prontos; critica a adoo instru-mental de procedimentos, modelos, matrizes, paradigmas e propostas metdicas. Airma, como uma premissa inventiva imprescindvel da investigao cientica, a necessidade de reconstruo, reformulao, problematizao e experimentao metodolgica em todos os projetos e investigaes.

    Na perspectiva transmetodolgica no pertinente, vlido e pro-dutivo aplicar mtodos. Deine-se que toda investigao requer uma problematizao metodolgica, uma reconstruo metodolgica (con-ceptual e operativa), dado que, tanto os objetos/problema, quanto os sujeitos/investigadores, luem em processos dinmicos de mudana, em mltiplas inter-relaes, manifestaes, expresses e coniguraes. A riqueza inventiva da espcie humana nos brinda com um conjunto de mtodos instigantes e suscitadores. No obstante, essa mesma riqueza nos demanda e orienta para ampliaes, deslocamentos, reformulaes, variaes, tradues, combinaes; reestruturaes que tornem possvel trabalhar de modo autntico, frutfero e transformador cada processo de pesquisa.

    A concepo transmetodolgica nos orienta para os atravessamen-tos, as miscigenaes, os confrontos criativos, os dilogos renovadores, o conhecimento respeitoso das lgicas constitudas, a necessidade do entusiasmo por conhecer os mtodos dos outros; porm, ao mesmo tempo, a necessidade de explorao, subverso, ampliao, reformu-

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    lao e renovao do constitudo. Por tanto, a prtica de uma cultura cientica de promoo da cooperao, do reconhecimento, do inter-cmbio recproco de metodologias, procedimentos, experimentaes, propostas e projetos. Nesse sentido, temos aprendido em vrios cam-pos do conhecimento, no s do campo das humanas e sociais. Com efeito, na maioria das vezes, encontramos mais abertura, lexibilidade, esprito transformador em comunidades das cincias fsicas e naturais, que na comunicao e outros ramos das sociais. paradoxal constatar o conservadorismo tecnicista, instrumental, positivista em nosso campo, uma espcie de subservincia s formas mais atrasadas do conhecimen-to cientico das cincias fsicas e naturais. Constata-se, por exemplo, que ainda tm uma fora poltica singular aqueles que se consideram representantes contemporneos dos modelos de Newton e Descartes, s vezes disfarados, outras, autoritrios e explcitos. Nas cincias da comunicao o confronto metodolgico com esses modelos constan-te, cotidiano, intenso. A fora de acomodao que os modelos, esquemas e estratgias consagrados, instrumentais e pragmticos, apresentam para a maioria de estudantes, professores e tcnicos avassaladora. O instrumentalismo e a aplicao de roteiros metdicos formatados sob essa orientao constituem o senso comum acadmico metodolgico contemporneo da comunicao. rea de conhecimento ainda em pro-cesso de conigurao bsica, atravessada por um conjunto de fatores mercadolgicos, institucionais, polticos e culturais que a orientam para o reducionismo intelectual e a repetio de frmulas tecnicistas.

    O que nos ensina a experincia de conluncia/confrontao na Rede AMLAT, e no PROCESSOCOM, que problematizar O Meto-dolgico ainda uma exceo, incluso no campo crtico da pesquisa as problemticas metodolgicas no so concebidas como parte central, constitutiva, da dimenso terica e da dimenso epistemolgica. A ten-dncia separar a produo terica da pesquisa concreta, cotidiana, do bvio e do trivial, do emprico vulgar, do escolar institucionalizado, do poltico urgente transformador; simultaneamente, a fragmentao uma opo, e um procedimento, comum nos afazeres investigativos. Trabalhar sobre O Metodolgico em cada investigao, nos novos pro-jetos, no uma alternativa valorizada, s feito de modo aplicativo,

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    adotando receitas de moda disponveis no campo acadmico interna-cional (leia-se positivista, de preferncia anglo-saxo). Nesse aspecto, temos outro grande problema para resolver, o da dependncia meto-dolgica, fomentada pelos hbitos escolares das lgicas competitivas quantitativas, que valorizam a reproduo de culturas mecanicistas de pensamento e ao.

    A vertente transmetodolgica mostra, tanto nos seus argumentos epistemolgicos, quanto nas suas pesquisas empricas, que possvel produzir, investigar e formar em uma orientao que exija dos trabalha-dores intelectuais, aprendizes de pesquisadores, professores, estudantes e investigadores a formulao de problemticas metodolgicas amplas (concepes de mtodo) e especicas (estratgias e tticas adequadas aos problemas/objeto particulares). Dessa maneira, se airma a interco-nexo epistemolgica entre mtodo e conhecimento, deinindo o pro-cesso de investigao e produo terica como atravessado pela neces-sidade e pelo desaio de produzir estratgias (mtodo lgicas) para gerar e construir cincia. Distinguindo a pesquisa terica dos exerccios performticos dos soistas, retricos e mercadores intelectuais.

    Na pesquisa emprica, a vertente transmetodolgica se diferencia das correntes de pesquisa instrumental, administrativas, que concebem a investigao no estreito campo dos instrumentos de ao. assim, que a orientao transmetodolgica emprica demanda um esforo de pesquisa terica, de argumentao, que atravesse os desenhos, proce-dimentos, opes, decises, programas, planos e tcnicas (teorias em ato) trabalhados na pesquisa emprica. Esses atravessamentos so pen-sados em termos de aperfeioamentos, alargamentos, aprofundamentos e transformaes. Por isso, precisam da interveno da dimenso epis-temolgica, aglutinadora de todas as dimenses na sua fora de esclare-cimentos, vinculao, crtica e renovao.

    na Amrica Latina, nos seus processos histricos de miscige-nao, desestruturao, renovao, conluncia de culturas e cosmo-vises, que encontramos um contexto suscitador para essa vertente epistemolgica. Filosofemas, revolues, artes populares, comunidades de pensamento alternativo, sabedorias ancestrais, movimentos socio-comunicacionais contemporneos, em intensa mudana, nos inspiram

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    e nos fortalecem. Ao mesmo tempo, os mestres da cincia de vrias regies e continentes nos ilustram, confrontam, ensinam, apoiam e de-sestabilizam. na conluncia multiltica dessas fontes que nutrimos nosso pensamento, orientando-o pelo compromisso tico/poltico com a humanidade, com a vida e com as imprescindveis transformaes socioculturais.

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  • A transmetodologia no contexto latino-americano | 41

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  • A dimenso metodolgica na orientao de pesquisas em comunicaoJiani Bonin

    1 IntroduoNeste texto busco realizar algumas relexes sobre os processos

    de orientao1 de pesquisas em comunicao. Numa linha de conti-nuidade com um dos focos de minhas preocupaes acadmicas, ten-to pensar esses processos a partir da construo da pesquisa e da si-multnea formao do sujeito no sentido de capacitar-se para pensar e dominar o processo de fabricao do conhecimento que realiza. Ou seja, quero reletir sobre alguns desaios da orientao sob o prisma da dimenso metodolgica.

    Nesse sentido, premissas da proposta transmetodolgica deli-neada por Maldonado (2008) relacionada a essa dimenso formativa me acompanham nesta relexo. Em tais premissas, a formao do pes-quisador tomada como dimenso crucial, que no pode ser pensada a partir de um esquema de produo massiva. Seu carter complexo

    1 Penso aqui em processos de orientao em todos os nveis (iniciao cientica, mestrado e doutorado).

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    e multidimensional exige investimentos em explorao, construo e experimentao de mtodos formativos. A pesquisa precisa ser pensada como ncleo central no desenho desses processos.

    Trabalho aqui, tambm, com a premissa de que tomar conscin-cia e desenvolver o domnio da dimenso metodolgica na investigao fundamental para a formao do pesquisador. , portanto, uma exign-cia colocada ao desenvolvimento dos processos formativos, incluindo a orientao. Quando relito sobre a aprendizagem desse domnio, estou pensando a metodologia como exerccio de fabricao e de relexo con-cretamente encarnado nas prticas investigativas. Tomo a metodologia como dimenso que norteia, orienta, encaminha os processos de cons-truo da pesquisa, em todos os seus nveis; como instncia corporii-cada em fazeres, operaes, experimentaes e procedimentos que do feio ao objeto do conhecimento, que se inscrevem em lgicas atuantes na captura e fabricao pensada deste objeto (BONIN, 2006, 2011).

    Outros pesquisadores alimentam essa concepo, como Lopes (1990), que trabalha a noo de metodologia na pesquisa para pens-la, no plano da prtica, como conjunto de decises e opes particulares realizadas ao longo de um processo de investigao; como lgica em ato que orienta a dinmica real da pesquisa. Maldonado (2002, p. 3) tambm concebe o mtodo como instncia que constri caminhos, deinindo planos, sistematizaes, operacionalizaes, testes, explora-es, observaes, experimentaes, estratgias e tticas que, no caso da cincia, tm por objetivo produzir conhecimento sobre fenmenos e processos do cosmos.

    Entre os desaios que se colocam aos processos formativos esto o de desenvolver a compreenso de que a dimenso do mtodo coni-gura o objeto e responde tambm pelo tipo de conhecimento que se produz, por suas limitaes e pelo seu alcance (BACHELARD, 1977; BOURDIEU et al., 1999; LOPES, 1990). Vivenciada na prxis investi-gativa, a metodologia pode assim ser pensada e assumida como dimen-so de formao do sujeito para a pesquisa, mas tambm para a vida.

    A prxis na dimenso metodolgica a que me reiro tributria, tambm, do pensamento de Mills (1975) que, colocando-se contra a alienao no trabalho da pesquisa, pensa que essa dimenso precisa ser

  • A dimenso metodolgica na orientao de pesquisas em comunicao | 45

    vivenciada como artesania intelectual, o que implica laborar maneira do arteso no processo de fabricao do conhecimento, dominando seu sentido e seu produto. No concreto da investigao, deve ser expe-rienciada e incorporada como construo reletida dos objetos, como um habitus2 de natureza lexvel que, ao mesmo tempo em que expressa a aquisio desse domnio, incorpora nesses esquemas a necessidade de autorreviso e reformulao constantes.

    Essa concepo implica desaios para os quais tem que ser pensa-dos, concebidos, planejados e programados processos de orientao que permitam, por um lado, desconstruir habitus formalistas, burocrticos e positivistas trazidos pelos pesquisadores aprendizes, frutos de culturas de pesquisa que se exprimem em certas concepes e prticas ainda vigentes no campo da comunicao.

    Em relao metodologia, tais habitus se expressam na constru-o automatizada dos componentes arquitetnicos da investigao, na adeso acrtica a mtodos e a procedimentos que caracterizam o que se poderia chamar de cultura de receiturio. Com respeito ao mbito terico da pesquisa, associam-se a uma compreenso equivocada do pa-pel da teoria; prtica de reviso de literatura que na pesquisa adqui-re vida prpria, sem vnculos com os componentes da problemtica, com os procedimentos, prticas e processos de investigao emprica e com a anlise dos dados; supericialidade no trato da teoria e ao uso de conceitos como operadores semnticos; venerao acrtica a autores e proposies que assumem carter incontestvel, entre outras. Em se tratando da relao entre teoria e empiria, se manifestam na des-vinculao das problemticas dos contextos concretos e do mundo; na relao ilustrativa da empiria em relao aos conceitos e proposies assumidos na pesquisa. Em termos dos modos de conceber e vivenciar o processo de aprendizagem, caracterizam-se por uma cultura paternalista

    2 Utilizo a noo de habitus cientico levando em conta as proposies de Bourdieu em relao a este conceito que o formula como esquemas mais ou menos conscientes, de apreciao, ao e valorao, desenvolvidos ao longo dos processos de socializao e da trajetria dos sujeitos em seu lugar social (BOURDIEU 1994a, 1994b). Procuro pensar aqui o desenvolvimento de um habitus cientico como conigurao de esquemas no rgidos e diferenciados daqueles da cultura cientica dominante.

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    que negligencia o papel de sujeito do conhecimento, a necessidade de autorrelexo, de autoformao e de conquista progressiva de autono-mia; pela resistncia aceitao de questionamentos e correes; pela incapacidade de escuta na relao com o orientador e com seus pares, entre outras dimenses.

    Por outro lado, importante reconhecer o valor epistmico das pessoas, o que implica assumir e potencializar competncias trazidas pelos estudantes como fatores do saber, intercmbio e enriquecimento gnosiolgico (MALDONADO 2008, p. 42). Tais competncias de-vem ser includas nos processos formativos de modo a conluir para o desenvolvimento da pesquisa e do prprio pesquisador.

    Assumir o domnio da dimenso metodolgica como desa-io formativo exige, tambm, construir e sedimentar novas noes e prticas de investigao. Um dos pontos importantes desse desaio o desenvolvimento da capacidade de compreender e de operar concre-tamente a construo da problemtica cientica, colocando em ao operaes que concretizam elementos fundacionais dessa construo.

    Nesse sentido, vale recordar a advertncia de Bachelard (1977) de que a observao da realidade concreta, por si s, no base sui-ciente para fundar a fabricao do conhecimento cientico; de que a compreenso do mundo concreto/emprico necessita do pensamento, da teoria para realizar-se. Nem racionalidade vazia nem empirismo des-conexo do conta da lgica que preside a construo do conhecimento, que tem base na profunda unio e conexo de dois polos ilosicos na ao cientica: razo e empiria (ou teoria e dado emprico) cons-tituindo nessa ao uma mentalidade abstrato-concreta. O objeto de investigao, lembra-nos esse autor, construdo. Sua captura/compre-enso necessita da elaborao de uma problemtica, que se concretiza na dialtica entre esses dois polos.

    Assumindo que a construo do objeto cientico necessita da profunda convergncia entre esses polos (abstrato/concreto), dentro dos propsitos da relexo que me move neste artigo cabe perguntar: como, a partir de um projeto de pesquisa inicialmente delineado, con-ceber processos formativos/construtores da pesquisa que possibilitem realizar, reletir e internalizar essa perspectiva abstrato-concreta, neces-

  • A dimenso metodolgica na orientao de pesquisas em comunicao | 47

    sria para a consolidao da pesquisa? Tal questo me acompanha, ago-ra, na tentativa de identiicar, sistematizar e reletir sobre certas prticas ou procedimentos que, instaurados de maneira relexiva e sistemtica nos processos de orientao e em outras ambincias constitutivas da formao do pesquisador, podem potenciar a caminhada de construo da pesquisa e de aprendizado metodolgico concretamente vivenciado nesse processo. Para essa proposta, valho-me de experincias vividas em diversos mbitos da academia, em grupos de investigao, em prticas de docncia e de orientao.

    2 Prxis metodolgica na fabricao da pesquisa e simultnea formao do pesquisadorUma primeira questo a destacar relativa necessidade de

    construir processos que incluam simultaneamente teorizao, prtica e relexo metodolgica. Assim instauram-se ambincias de prtica pen-sada, ou de teoria concretizada, que permitem dominar simultanea-mente a prtica de fabricao e seu sentido.

    Em termos de construo da pesquisa, certas prticas que tenho experimentado e experienciado,3 alm de constituir bases de consoli-dao da investigao em processo, quando concomitantemente teo-rizadas e reletidas podem ser efetivamente lugar de aprendizado do domnio metodolgico da investigao. As pesquisas terica, metodo-lgica, da pesquisa, de contextualizao e exploratria so essas prticas

    3 Destaco como experincias relevantes para o desenvolvimento dessas propostas: a participao no projeto coletivo Recepo de telenovela, uma explorao metodolgica, coordenado por Maria Immacolata V. Lopes (a pesquisa realizada nesse subprojeto foi publicada em LOPES et al., 2002); a atuao em disciplinas relativas metodologia da pesquisa em comunicao nos mbitos da graduao, do mestrado e do doutorado; as orientaes de TCCs, dissertaes e teses; o trabalho desenvolvido no grupo de pesquisa PROCESSOCOM; as experincias e propostas de outros pesquisadores/autores como Bachelard (1977), Mills (1975), Bourdieu et al. (1999), Certeau (1994), Lopes (1990); Lopes et al., (2002) e Maldonado (2002; 2006), entre outros.

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    construtivas da pesquisa que, trabalhadas em conluncia, permitem ir constituindo uma perspectiva abstrato-concreta (em termos bachelar-dianos) na construo da problemtica. Trabalhadas concomitante e articuladamente, colocam o sujeito no vrtice de uma tenso produtiva em termos da construo da investigao e da formao investigador.

    Na sequncia, recupero o sentido e os fazeres que caracterizam algumas dessas prticas, especiicamente as pesquisas da pesquisa, teri-ca, metodolgica e exploratria. Busco, tambm, sinalizar alguns desaios que devem integrar sua realizao e para fazer avanar seu potencial formativo.

    2.1 A pesquisa da pesquisa

    A construo de nossas pesquisas se d no contexto concreto do campo da comunicao, o que a meu ver no exclui relaes e interfa-ces com outros campos j que nossos objetos so multidimensionais e complexos, exigentes de formulaes tambm complexas para apreen-d-los e nas quais se faz necessria a conluncia de saberes disciplina-res, apropriados e repensados para responder natureza desses objeto. Nosso campo j dispe de um acervo de mtodos, procedimentos, relexes, sistematizaes, estruturaes constitudos na sua caminhada histrica que no podem ser negligenciados pelo pesquisador (LOPES, 1990). A construo de novos conhecimentos se faz em conluncia e confronto com esse saber acumulado.

    Toda pesquisa que se compromete efetivamente com o avano do conhecimento necessita colocar-se em dilogo com a produo do campo onde se insere (e de outros ains) no que concerne problem-tica investigada, nos vrios mbitos da sua fabricao (domnios epis-temolgicos, tericos, metdicos, tcnicos). Dilogo este que implica operar com e contra com as proposies que se mostrem frteis para laborar na problemtica investigada e contra o que pode obliterar a construo e captura do fenmeno investigado por empenho da ao enrgica do pensamento polmico (BACHELARD, 1977), da relexo sensibilizada e alimentada pelas solicitaes e resistncias dos objetos concretos. A pesquisa da pesquisa torna-se, por conseguinte, uma pr-

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    tica relevante para tomar contato com essa produo, a im de que as novas investigaes contemplem e considerem esses desenvolvimentos e aquisies e busquem efetivamente avanar com e a partir deles.

    Realizar esse movimento implica trabalhar com investigaes rela-cionadas ao problema/objeto fazendo delas elemento ativo da fabricao da pesquisa em que laboramos. Concretamente, exige desde aes mais operativas de levantamento das pesquisas at o trabalho alentado de re-lexo e de desconstruo, que permita ao pesquisador empreender apro-priaes, reformulaes e alargamentos das propostas, em vrios nveis.

    Um levantamento e mapeamento geral das pesquisas realizadas importante para situar-se nesse processo e orientar o trabalho de rele-xo aprofundada daquelas que se mostrem relevantes para o trabalho de apropriao. Programas de pesquisa da pesquisa devem ser elaborados para que esse movimento se efetive. Os esforos de busca e de triagem das pesquisas deve ser estrategicamente pensado em sua concretizao. Operacionalmente, isso requer conhecer e adentrar nos lugares/espaos onde se pode encontrar tais pesquisas, o que tem relao com os pro-cessos de organizao do acervo do nosso campo no atual estgio de seu desenvolvimento, catalogao e publicizao.

    Localizadas e acessadas as pesquisas, o pesquisador passa ao processo de estudo interessado e relexivo daquelas que se mostrarem relevantes para a sua investigao. Nesse processo, importante a pr-tica da desconstruo metodolgica, que implica refazer relexivamente o percurso de construo da pesquisa, identiicando os elementos arqui-tetnicos que a estruturam, explicitando as bases da sua construo e reletindo sobre seu sentido e articulao com os demais componentes.4

    Essa prtica pode oferecer elementos concretos que, problema-tizados adequadamente, contribuem para a elaborao da pesquisa em processo em todos os seus nveis (construo do problema/objeto, da justiicativa, de contextos, da teorizao, das estratgias metodolgicas, dos procedimentos de descrio e de anlise dos dados); simultanea-mente, colabora para a autoformao do pesquisador, na medida em que propicia aprendizado metodolgico concretamente vivenciado a partir do trabalho alentado de exame e crtica de investigaes, contri-

    4 Para maiores detalhes dessa prtica concreta ver Bonin (2006).

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    buindo para o alargamento da capacidade de pensar/projetar a pesquisa de maneira consciente.

    A realizao da pesquisa da pesquisa permite visualizar os pro-blemas j enfrentados na investigao, os conhecimentos obtidos e da trabalhar na formulao de questionamentos que tragam luz novas dimenses dos fenmenos comunicacionais. Ela tambm fornece ele-mentos concretos para fundamentar a construo da relevncia cien-tica permitindo situar, problematizar e airmar a contribuio que a pesquisa em execuo vai oferecer ao conjunto de conhecimentos do campo relacionados ao problema/objeto investigado. Na dimenso te-rica, essa operao contribui para pensar possibilidades e propostas que se mostrem frteis para aprofundamento na pesquisa em construo, assim como para visualizar insuicincias nesse nvel que podem ser objeto de superao. Pode ainda fornecer elementos para situar con-textos pensados como relevantes para a problemtica investigada. No plano propriamente metodolgico, pode oferecer inspiraes e elemen-tos para arquitetar mtodos e procedimentos de coleta e de anlise dos dados na investigao em processo.

    2.2 A pesquisa metodolgica

    Consciente ou no, o pesquisador, ao iniciar um processo de investigao, trabalha com concepes de mtodo, tanto num nvel mais geral (teorias do conhecimento, do mtodo cientico) quanto em nveis mais especicos da sua construo (teorias dos mtodos de ob-servao, de descrio etc.). O domnio da fabricao da pesquisa exige instaurar processos de relexo desse nvel o que implica, entre outras aes, realizar pesquisa metodolgica. Isso signiica investir em trabalho de relexo de teorias do mtodo para alicerar a construo da inves-tigao e seu domnio relexivo. Lembremos com Bachelard (1977) e Bourdieu et al. (1999) que os mtodos so teorias em ato.

    Num primeiro plano, importante instituir processos de rele-xo relativos construo do conhecimento cientico que permitam pensar, problematizar e visualizar a natureza desse conhecimento, suas bases, seus processos. Essas relexes, ao longo da caminhada de cons-

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    truo da pesquisa, vo acompanhando as prticas investigativas e pro-piciando o domnio do seu sentido. Programas de estudo e relexo relacionados ao mtodo investigativo devem acompanhar o processo de formao do pesquisador, potencializado no espao de disciplinas de metodologia, nas atividades dos grupos de pesquisa, assim como nas prticas de orientao.

    No plano da construo do objeto emprico, crucial investir na relexo sobre os mtodos e no reconhecimento de que eles operam incluses e excluses, conferem existncia cientica a determinadas di-menses, obliterando a captura de outras (BOURDIEU et al. 1999). Essa relexo importante porque, em conluncia com os processos de aproximao emprica e de visualizao de especiicidades que o fenme-no apresenta, permite aprender a recriar e reinventar mtodos e proce-dimentos necessrios para superar limites e obstculos epistemolgicos.

    Os processos formativos e de orientao devem permitir aos pesquisadores em formao reconhecer que as problemticas propem modos de questionamento e de compreenso de um fenmeno que fa-zem exigncias em termos do objeto emprico a ser fabricado de que elas solicitam olhar dimenses ou aspectos, em cuja captura/constru-o interviro os mtodos e procedimentos de observao. necessrio investir na construo de arranjos metodolgicos que trabalhem em favor da captura/construo dessas dimenses (BACHELARD, 1977; BOURDIEU et al. 1999; MILLS, 1975).

    A pesquisa metodolgica (que tambm se realiza na pesquisa da pesquisa) exige a instaurao de processos de estudo, relexo, descons-truo, reformulao e apropriao de propostas metodolgicas (conti-das em textos metodolgicos relexivos e em pesquisas concretas), para delas extrair elementos que possibilitem arquitetar arranjos metodo-lgicos que respondam aos requerimentos das problemticas com as quais estamos trabalhando. As aproximaes empricas, pela via da pes-quisa exploratria, em conluncia com essa prtica, permitem realizar uma fabricao metodolgica sensvel s especiicidades do fenmeno estudado.

    A complexidade e a multidimensionalidade dos fenmenos co-municacionais/miditicos colocam-nos o desaio de operar, no apenas

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    no nvel terico, mas tambm no metodolgico, com coniguraes multiperspectivadas, no redutoras. A construo e a experimentao de estratgias multimetodolgicas em pesquisas comunicacionais tm revelado sua fertilidade nesse sentido (LOPES et al., 2002; BONIN 2001, 2004) e so importantes experincias de aprendizado, quando relexivamente instauradas. Grosso modo, elas implicam em construir arranjos de mtodos e de procedimentos diversos que conluam para a captura/construo das mltiplas dimenses requeridas pela proble-mtica concreta; para a fabricao de dados complexos, de angulaes distintas de um mesmo dado ou aspecto crucial (operaes multifocais na captura/fabricao dos dados); para a superao de limites de um mtodo ou procedimento por outro ou por redesenho desse mtodo/procedimento.

    A construo desses arranjos deve valer-se da relexo terica dos mtodos para dar conta do que fazem aos objetos, dos pressupostos que se instituem como coniguradores desses objetos, das possibilidades que oferecem a essa captura/construo e dos limites que impem. Essa relexo, em convergncia com as pistas advindas da pesquisa explora-tria, deve permitir obrar em processos de reinveno, de criao e de integrao com os demais mtodos e procedimentos, em um desenho coerente.

    2.3 A pesquisa exploratria

    Desaiada pelas reconiguraes nas dinmicas que conformam os objetos do campo, a pesquisa em comunicao enfrenta a necessida-de de construir suas problemticas com forte ateno dinmica con-creta dos fenmenos que investiga, da a necessidade de aproximaes empricas exploratrias para dar conta desses objetos mveis, nma-des, de contornos difusos (LOPES, 2006).

    Sobre a pesquisa exploratria se pode dizer, de modo simpliica-do, que signiica um movimento de aproximao ao fenmeno concre-to a ser investigado buscando perceber seus contornos, suas especiici-dades, suas singularidades. As aes de pesquisa exploratria abrangem planejamento, construo e realizao de sucessivas aproximaes em-

  • A dimenso metodolgica na orientao de pesquisas em comunicao | 53

    pricas a partir de vrias angulaes possveis que interessam ao proble-ma/objeto em construo.

    Os movimentos exploratrios podem ter natureza e procedi-mentos diversos. Podem incluir o levantamento de dados j existen-tes, armazenados em outras pesquisas ou instituies. Comumente, se fazem pela imerso direta no campo, que pode se dar, por exemplo, atravs de observao direta de produtos miditicos a serem investi-gados, de entrevistas com informantes-chave e/ou de procedimentos mais intensivos e estruturados, como a aplicao de entrevistas ou de questionrios a um grupo de interesse da pesquisa.

    A pesquisa exploratria traz contribuies importantes para a construo investigativa. As pistas relativas ao fenmeno investiga-do geradas atravs dela facilitam a construo e a concretizao dos problemas/objetos investigados; permitem trabalhar na elaborao de coniguraes tericas sensveis aos objetos concretos da realidade co-municacional e suscitam o aprofundamento de dimenses que se reve-lam importantes na sua conigurao. A pesquisa exploratria tambm oportuniza experimentar, vivenciar e testar mtodos e procedimentos para compor e construir arranjos metodolgicos sensveis s demandas da problemtica e das lgicas dos objetos empricos. Auxilia, ainda, na construo das amostras e/ou corpus a serem focalizados na investiga-o sistemtica. Exerccios multi-angulados de aproximao emprica so importantes porque aguam a percepo de dimenses dos objetos naturalizadas ao olhar pela possibilidade de distanciamento/estranha-mento que potencializam (BONIN, 2006).

    2.4 A pesquisa terica

    Pensando a construo das investigaes e a simultnea formao do pesquisador, um desaio fundamental que se coloca desenvolver uma compreenso genuna do que seja teoria, do que sejam conceitos, do seu papel na gerao de conhecimentos, no processo de pesquisa.

    Nesse sentido, importante que os processos formativos e de trabalho com a teoria permitam ao pesquisador compreend-las con-cretamente enquanto proposies e tentativas de compreenso do ob-

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    jeto de conhecimento do nosso campo, produto de esforos contextu-al e historicamente situados, cujo valor dado pela possibilidade que oferecem para a compreenso dos objetos investigados. Esses processos formativos e de orientao devero potencializar a compreenso das teorias como construes provisrias e sujeitas retiicao, cuja po-tencialidade explicativa necessitar ser pensada polemicamente e apro-priada para pensar os fenmenos comunicacionais e miditicos que se investiga.

    importante, nesses processos pedaggicos, laborar para ultra-passar vises reducionistas como as que colocam a teoria como mera reviso de literatura, associando-a prtica de arrolamento ou rese-nha de proposies tericas e de resultados de pesquisas relacionadas ao problema investigado. Realizar a teoria na pesquisa implica, funda-mentalmente, efetivar um trabalho de construo e de articulao de proposies tericas que permitam compor um quadro compreensivo para a especiicidade do problema/objeto investigado.

    Trabalhar em pesquisa terica abrange a busca e seleo de pro-posies relevantes para fundar linhas de compreenso do problema/ob-jeto investigado; estudo, relexo e desconstruo de propostas tericas e a sua reconstruo para atender s demandas do objeto concreto inves-tigado. O contato com elementos empricos contribui nesse processo ao permitir tensionar as proposies explicativas dos autores, question-las e aproxim-las do objeto emprico que se pretende estudar.

    Nesse processo deve-se