A essência do herói, por Rafael Potenza

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    FACULDADE CSPER LBERO

    A essncia do heriAnlise da Jornada do heri de Batman, na HQ O cavaleiro das

    trevas, e Capito Nascimento, no filme Tropa de elite

    Rafael Potenza Fernandes

    So Paulo

    2008

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    FACULDADE CSPER LBERO

    A essncia do heri

    Anlise da Jornada do heri de Batman, na HQ O cavaleiro dastrevas, e Capito Nascimento, no filme Tropa de elite

    Rafael Potenza Fernandes

    Monografia apresentada Faculdade CsperLbero como resultado de pesquisa de Iniciao

    Cientfica desenvolvida no Centro Interdisciplinarde Pesquisa, sob a orientao do ProfessorIrineu Guerrini Jr.

    So Paulo2008

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    Para L.F.

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    A essncia do heri

    Anlise da Jornada do heri de Batman, na HQ O cavaleirodas trevas, e Capito Nascimento, no filme Tropa de elite

    RESUMO

    Batman, criado por Frank Miller, no gibiBatman - o cavaleiro das trevas, de 1987, e opersonagem central Capito Nascimento, do filme Tropa de elite, de Jos Padilha, 2007,

    trazem certas semelhanas no que diz respeito s suas construes como heris em suas

    respectivas histrias. O jeito de agir, as justificativas para os atos, seus discursos, a

    repercusso de suas aes e as consequncias do herosmo na sociedade, so, para eles

    mesmos, pontos que convergem entre os dois e levam a crer na existncia de apenas um heri

    legtimo. Um modelo que, fora a roupagem contempornea e uma ou outra modificao,

    atravessa a mesma jornada herica que tantos outros heris atravessaram. A anlise dos doisobjetos e o encontro com a Jornada do heri, elaborada nos estudos de Joseph Campbell e

    posteriormente adaptada para o cinema por Christopher Vogler, revelam o porqu da

    semelhana e apontam uma universalidade que pode ser identificada em qualquer histria, no

    importando a linguagem na qual apresentada.

    Palavras-chave:jornada do heri, heri, Batman, Capito Nascimento, O cavaleiro das

    trevas, Tropa de elite.

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    SUMRIO

    Introduo .............................................................................................. 08

    1. A jornada em O cavaleiro das trevas..................................................... 151.1. Histria............................................................................................ 151.2. Heri ............................................................................................... 191.3. Jornada do heri............................................................................. 24

    2. A jornada em Tropa de elite..................................................................... 392.1. Histria............................................................................................ 392.2. Heri ............................................................................................... 412.3. Jornada do heri............................................................................. 44

    3. Comparaes ............................................................................................ 523.1. Cinema e histria em quadrinhos ................................................... 523.2. Batman e Cap. Nascimento............................................................ 53

    Consideraes finais ..................................................................................... 57

    Referncias bibliogrficas............................................................................. 59

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    Porque existe uma certa sequncia de aes hericas

    tpica, que pode ser detectada em histrias

    provenientes de todas as partes do mundo, de vrios

    perodos da histria. Na essncia, pode se at afirmar

    que no existe seno um heri mtico, arquetpico, cuja

    vida se multiplicou em rplicas, em muitas terras, por

    muitos, muitos povos.

    CAMPBELL, Joseph. O poder do mito, p.145.

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    Introduo

    Ao ler o gibi O cavaleiro das trevas, em 2005, fiquei espantado com a maneira em queas aes de Batman contra os criminosos eram interpretadas pela sociedade e pela mdia

    retratada na histria. No lugar de ser considerado um heri, Batman era acusado de atuar de

    maneira criminosa contra os bandidos.

    Em 2007, estreou o filme brasileiro Tropa de elite, com muita ateno da mdia devido

    ao seu carter de crtica maneira como a polcia denominada BOPE (Batalho de Operaes

    Especiais), subdiviso da Polcia Militar do Rio de Janeiro, atua em suas incurses nos morros

    cariocas, com o objetivo de alcanar a paz e fazer a lei vigorar. Capito do batalho,Nascimento, personagem principal da trama, representa bem o estilo de pensamento e ao do

    BOPE: discurso autoritrio e repreensivo, culminando em meios de ao violentos.

    Com um discurso reacionrio, meios de ao anticriminosos agressivos e traos

    psicolgicos parecidos, Batman e Capito Nascimento so dois personagens que, cada um na

    sua histria ficcional, so acusados pela mdia e pela sociedade de serem criminosos. Essa

    primeira semelhana despertou em mim um raciocnio comparativo entre os dois e apontou

    mais tantos outros laos de unio.

    Minha hiptese que Batman e Capito Nascimento so heris, e, como tal, foram

    construdos com inmeras semelhanas, apontando para a existncia de um arqutipo do heri

    como Campbell afirma existir.

    O jeito de agir, as justificativas para os atos, seus discursos, a repercusso de suas

    aes e as consequncias do herosmo na sociedade, so para eles pontos que convergem entre

    os dois, e levam a crer na existncia de apenas um heri legtimo. Um modelo que, fora a

    roupagem contempornea e uma ou outra modificao, atravessa a mesma jornada herica

    que tantos outros heris atravessaram.

    (...) Porque existe uma certa sequncia de aes hericas tpica, que pode

    ser detectada em histrias provenientes de todas as partes do mundo, de

    vrios perodos da histria. Na essncia, pode se at afirmar que no existe

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    seno um heri mtico, arquetpico, cuja vida se multiplicou em rplicas, em

    muitas terras, por muitos, muitos povos.1

    Escritor norte-americano nascido em 1904, Joseph Campbell considerado uma das

    maiores autoridades em mitologia comparada. Quando preparava sua tese de mestrado,

    Campbell percebeu que muitos dos elementos contidos na lenda do rei Artur e os cavaleiros

    da Tvola Redonda faziam parte das antigas tradies dos ndios norte-americanos. Essa

    primeira semelhana, aliada a estudos posteriores sobre snscrito, filologia indo-europia,

    Freud, Jung e pelo hindusmo, deu ao autor a cadeira de Mitologia do departamento de

    literatura do Sarah Lawrence College, e permitiu longos estudos sobre os mais variados mitos.

    Da sua pesquisa e conhecimento surgiu o livro O heri de mil faces, que relaciona mitos de

    inmeras culturas espalhadas pelo mundo e apresenta um padro nos heris e nas suas

    aventuras, denominadoA jornada do heri.

    O heri de mil faces seu trabalho sobre o tema mais persistente da

    tradio oral e da literatura escrita: o mito do heri. Em seu estudo sobre os

    mitos mundiais do heri, Campbell descobriu que todos eles, basicamente,

    so a mesma histria, contada e recontada infinitas vezes, em infinitas

    variaes.2

    Com elementos estruturais universalmente comuns em mitos, sonhos, contos de fadas,

    filmes, histrias em quadrinhos, literatura, novelas, etc, enfim, sob qualquer linguagem em

    que uma histria for contada, possvel identificar a Jornada e uma das razes para os mitos

    ou sonhos apresentarem caractersticas to semelhantes, por mais distantes culturalmente ou

    historicamente que estejam. a idia do inconsciente coletivo, desenvolvida por Jung. Como

    um imenso arquivo de material simblico3, a idia de uma tradio milenar, de

    antepassados que j viveram a aventura e desenvolveram atitudes e idias que se repetiram at

    serem absorvidas pela mente, como instintivas e ento passadas gerao aps gerao, j

    incutida no inconsciente de cada um, explica a universalidade de figuras, representaes,

    entendimento de fenmenos e at questes a serem respondidas como pra onde vamos

    depois de morrer?.

    1CAMPBELL, Joseph. O poder do mito, p.145.2 VOGLER, Christopher.A jornada do escritor, p.24.3 GOLDBRUNNER, Josef.Individuao, p.105.

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    Jung descobriu o inconsciente coletivo, que era uma idia totalmente nova.

    Freud, como devemos lembrar, concebeu a mente inconsciente como sendo

    formada pela represso de experincias perturbadoras ocorridas na

    infncia. As provas obtidas pela anlise de sonhos de pacientes e pelo

    estudo de mitos, simbolismo e religio convenceram Jung de que parte da

    mente inconsciente est pr-determinada ao nascer e que igual para

    todos. Assim, passou a denomin-la inconsciente coletivo.

    O inconsciente coletivo compe-se de predisposies inatas para reagir ao

    ambiente de certas maneiras. Essas predisposies chamam-se arqutipos.

    Por exemplo, pelas crianas sempre terem tido mes, o crebro evoluiu de

    tal modo que, o recm-nascido, se encontra em sintonia para responder a

    me como uma pessoa particular em seu ambiente. Isso se chama

    arqutipo maternal.4

    Com o inconsciente coletivo, Jung passou a apontar condutas padres e a diferenci-

    las por nomes. Seriam como comportamentos padres que se ativam ou so refletidos em

    determinadas situaes pelo homem. Seriam esses os arqutipos, sendo o heri um dos mais

    representativos e base para os estudos de Campbell e, consequentemente, de Vogler.

    Todas as experincias do mundo de todos os tempos foram precipitadas

    nos arqutipos. So a condensao do que a mdia e o caso normal na

    histria, formas tpicas de concepo humana. Aqui, se conservam os

    sentimentos e pensamentos mais antigos da humanidade. Os arqutipos

    so a formulao da resultante de inmeras experincias tpicas da srie de

    ancestrais, so um corte transversal de milhes de experincias.

    Quando trazemos a luz e traduzimos os arqutipos para a linguagem da

    conscincia, experimentamo-los como as dominantes, como aquelasfiguras, imagens e smbolos arcaicos, que foram a razo porque

    enveredamos em procura deles. As imagens, figuras e smbolos arqutipos

    esto sempre carregados de desejos e impulsos obscuros e finalsticos, os

    instintos. Os arqutipos so as percepes ou os auto-retratos dos instintos

    na conscincia. So as manifestaes dos instintos, isto , impulsos

    criadores provenientes do inconsciente. (...) A soma dos instintos e de seus

    4 LINDZEY, Gardner; HALL, Calvin S. e THOMPSON, Richard F. Psicologia, p.308.

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    correlatos, os arqutipos, enchem a camada do inconsciente coletivo.

    Constituem o fundo da alma.5

    Outra razo para universalizao das histrias e seus heris a funo de aprendizado

    e revelao. A tradio oral apresentada como forma de passar um ensinamento prxima

    gerao e as histrias dos mitos passam a ser representaes simblicas dessa lio. So

    maneiras de mostrar, por exemplo, ao jovem, que os problemas que ele ir enfrentar ao chegar

    na fase adulta sero duros, mas devem ser encarados sem medo, pois algum j passou por

    isso, sobrevivendo experincia, e voltou para contar essa histria, que agora pode ser usada

    como uma auxiliadora.

    [...] quer se apresente nos termos das vastas imagens, quase abismais, do

    Oriente, nas vigorosas narrativas dos gregos ou nas lendas majestosas da

    Bblia, a aventura do heri costuma seguir o padro da unidade nuclear

    acima descrita: um afastamento do mundo, uma penetrao em alguma

    fonte de poder e um retorno que enriquece a vida.6

    Os sonhos tm o carter de revelao e, como so produzidos pelo inconsciente,

    invocam figuras e representaes ligadas ao inconsciente coletivo, na tentativa de expor

    conscincia algo que deve ser revelado. Por se tratar de uma aventura tambm, os sonhos

    podem muito bem ser traduzidos posteriormente como mitos.

    Os arqutipos so as expresses psicolgicas das verdades da vida7

    As histrias modernas de filmes e histrias em quadrinhos tm o mesmo aspecto dos

    mitos apesar de bvios intuitos comerciais pois ainda surgem de um fundo inconsciente e

    tm a inteno de apresentar um conflito que ser solucionado, que deve ser identificado pela

    platia como um problema que ela deve solucionar. A universalidade do tema e seus aspectos,

    que remetem ao inconsciente coletivo de cada um, tornam a histria algo verdadeiro, algo que

    o pblico se identifica. Uma jornada que ele deve trilhar tambm, na qual o filme est l pra

    5 GOLDBRUNNER, Josef.Individuao, p.125.6 CAMPBELL, Joseph. O heri de mil faces, p.20.7 GOLDBRUNNER, Josef.Individuao, p.127.

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    auxili-lo. Quanto mais universal, mais a histria cativa a platia e, assim, os filmes podem

    ser denominados como os mitos modernos.

    Numa sociedade como a contempornea, onde mitos e lendas so repetidamente

    atacados como falsos pela cincia e razo humana, que tanto se desenvolveu nos ltimos anos,

    o papel de contar histrias e criar imagens hericas, servindo de modelos que devem ou no

    ser seguidos, coube ao cinema e aos meios de comunicao. Que importncia damos s

    figuras hericas?

    MOYERS: Isso que me intriga. Somos felizes quando os deuses e as

    musas nos do ateno, e a cada gerao aparece sempre algumservindo de fonte inspiradora para a jornada que cada um de ns

    empreende. No seu tempo, era Joyce, Thomas Mann. No nosso, muitas

    vezes parece que o cinema. Os filmes criam mitos hericos? Voc acha,

    por exemplo, que um filme como Guerra nas estrelas corresponde a algo

    daquela necessidade de um modelo de heri?

    CAMPBELL: Ouvi jovenzinhos usando alguns dos termos de George Lucas:

    a Fora e o lado negro. Deve estar batendo com alguma coisa. E uma

    boa maneira de ensinar, eu diria.8

    Todos esses estudos foram posteriormente dispostos por Christopher Vogler, avaliador

    de roteiros para Hollywood, como uma teoria para a anlise e escrita de histrias,

    especialmente roteiros de cinema. Suas pesquisas tiveram forte impacto sobre Hollywood,

    pois se assemelhavam a uma frmula mgica: bastava seguir as 12 etapas e articul-las em

    seus devidos lugares, que a probabilidade de um filme encantar a platia se tornaria maior.

    Mesmo com esse uso comercial, Vogler no v a Jornada do Heri como uma frmula pronta,e sim, como um auxiliador nos momentos de dvida com relao criao ou avaliao de

    um roteiro.

    A forma deve se adaptar ao contedo, e no o contrrio. Com essa mxima, Vogler

    adverte que, mesmo universal, o padro no absoluto e responsabiliza a criatividade do ser

    humano pela excelncia de qualquer histria. As etapas no precisam ser claramente expostas

    no filme, nem estar na ordem apresentada no livro. No necessrio que o roteirista se atenha

    a elas como 12 mandamentos, so apenas padres por onde a histria pode passar. Subverter

    8 CAMPBELL, Joseph. O poder do mito, p.152.

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    as regras uma maneira de contar sua histria e pode se tornar algo interessante ao

    espectador.

    As estaes no caminho da Jornada do Heri emergem naturalmente,

    mesmo quando o escritor no est consciente delas.9

    A organizao da Jornada do heri disposta por ele em 12 etapas no livro A jornada

    do escritor serve de base para esse trabalho, onde procuro identificar as etapas nos dois

    objetos de estudo, compreendendo assim mais a fundo os dois heris para depois compar-los

    entre si.

    A 12 etapas so: Mundo comum; Chamado aventura; Recusa do chamado; Encontro

    com o Mentor; Travessia do primeiro limiar; Testes, aliados, inimigos; Aproximao da

    caverna oculta; Provao suprema; Recompensa; Caminho de volta; Ressurreio; e Retorno

    do elixir.

    possvel dividir a histria em trs partes ou, como comum falar, em trs atos. O

    primeiro ato compreende a iluminao do heri, ou seja, a descoberta de que algo tem que

    mudar e ele deve efetuar isso. No MUNDO COMUM apresentado ao espectador a situao

    do heri, antes de tomar parte da aventura. J a apresentao de um problema que deve ser

    resolvido, um objetivo alcanado, ou um desafio, ocorre no CHAMADO AVENTURA.

    Encarar a aventura significa ir para um mundo desconhecido e enfrentar foras poderosas. O

    medo se instaura e comum o heri, antes de embarcar na tarefa, RECUSAR O CHAMADO.

    necessrio estabelecer uma influncia poderosa para fazer o heri enfrentar esse medo e dar

    sequncia histria. um dos temas mais comuns da mitologia e mais ricos em valores

    simblicos, devido representao entre pais e filhos, criador e criatura, Deus e o ser humano.

    O ENCONTRO COM O MENTOR a etapa em que uma figura assume a funo do Mentor,

    um arqutipo poderoso, que prepara o heri para a aventura, aconselhando-o; dando objetos

    que o auxiliaro na aventura; compartilhando a experincia de suas aventuras passadas,

    muitas vezes o Mentor j foi heri da mesma aventura a qual passa o heri da histria; ou

    dando um empurro para que a aventura se inicie. Quando o heri se compromete com a

    aventura, ocorre a TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR, onde o espectador e o heri

    entram no Mundo especial.

    9 VOGLER, Christopher.A jornada do escritor, p.29.

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    Aps a travessia, tem inicio o segundo ato, que a ao propriamente dita, na qual o

    heri vai se empenhar para alcanar o objetivo. Em TESTES, ALIADOS E INIMIGOS, como

    o nome dessa etapa j mostra, so apresentadas tanto ao heri quanto platia as regras do

    Mundo especial, suas dificuldades, quem amigo e quem no . Nessa fase, comum e

    possvel um desenvolvimento maior do personagem, mostrando sutilezas dele conforme se

    relaciona com a aventura e, consequentemente, com seus medos. Lembrando que uma

    aventura fsica revela muito do ntimo, como uma busca maior.

    Depois dos testes, est na hora do heri buscar seu objetivo, enfrentando o inimigo

    que guarda tal tesouro. Mas o heri no pode ser imprudente e deve planejar tudo. A

    APROXIMAO DA CAVERNA OCULTA a fronteira na qual o heri se prepara antes de

    se lanar a um confronto de vida ou morte. O heri j se preparou e pode ir de confronto ao

    seu maior medo. Esse um momento chave da histria, A PROVAO SUPREMA para o

    heri, onde o pblico, que j se identificou com o heri, sofre junto com ele. As emoes

    devem ser deprimidas, com uma quase morte do heri, para depois, com sua volta da morte e

    vitria, causarem entusiasmo e euforia na platia. Depois de vencer seu medo, enfrentar e

    derrotar o mau, o heri pode celebrar e se apossar do seu objetivo. A RECOMPENSA. Nesse

    ponto, comum o heri solucionar algum conflito particular.

    Alcanar seu objetivo essencial, mas a aventura no acaba enquanto o heri no

    voltar ao mundo comum. O terceiro ato explora as consequncias de ter-se confrontado com

    as foras obscuras da provao suprema. Ainda h perigos, tentaes e testes sua frente no

    decorrer do CAMINHO DE VOLTA, alm de um segundo encontro com a morte certa,

    servindo como uma maneira de purificar o heri para o retorno ao mundo comum.

    Funcionando como uma prova de final de ano, a RESSURREIO serve para ver se o heri

    realmente aprendeu as lies da Provao suprema. Depois de ressurgir purificado, o heri

    volta ao Mundo Comum e RETORNA COM UM ELIXIR, seja fsico, como um tesouro, ou

    abstrato, como uma lio ou uma experincia.

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    1. A jornada em O cavaleiro das trevas

    1.1. Sobre a histria

    O cavaleiro das trevas (CDT) um gibi norte-americano com argumento, roteiro e

    desenhos de Frank Miller, cores de Lynn Varley e arte-final de Klaus Janson, e foi

    originalmente publicado em quatro partes nos Estados Unidos, no ano de 1986, com o ttulo

    de The dark knight returns.

    A publicao revitalizou a indstria dos gibis nos Estados Unidos nos anos 80 e

    redefiniu o personagem Batman, criado por Bob Kane para a DC Comics. Alm de ser

    considerado por muitos como o primeiro Elseworld da histria dos gibis, apresentou um

    desvio da histria normal de Batman, lanando um panorama alternativo: e se o Batman

    estivesse a mais de 10 anos sem vigiar Gotham City?

    Lanado no Brasil pela Editora Abril, em 1987, essa histria, originalmente em

    quadrinhos, vem ganhando novas edies de sua mini-srie completa pelo Brasil e pelo resto

    do mundo, sendo a mais recente em dezembro de 2006, pela Panini Comics. Considerada uma

    obra-prima de Frank Miller, ao lado de 300 de Esparta e Sin City, tambm de sua autoria, O

    CTD um clssico da franquia Batman e do mundo das histrias em quadrinhos (HQs).

    A mini-srie O CTD, que j teve sua continuao lanada, O CTD 2, uma histria

    dividida em trs partes, tambm escritas por Miller, em dezembro de 2001. Cultuada no

    mundo todo, em primeiro lugar pelo tratamento dispensado ao personagem Batman, a mini-

    srie apresenta o bilionrio Bruce Wayne com 55 anos e afastado h 10 do uniforme de

    justiceiro de Gotham. Miller cria um personagem que sofre com ansiedade, distrbios

    compulsivos e frustrao. Resumindo: um neurtico.

    [...] Precisava de um gnio obsessivo, hrculeo e razoavelmente manaco

    para pr as coisas em ordem.10

    Essa imagem do homem-morcego passou a ser considerada por muitos como a melhor

    caracterizao do heri, e deveria ser seguida por todos que quisessem trabalhar com o

    personagem posteriormente _ uma forma clara de crtica a outros seriados, como o estrelado

    10 MILLER, Frank. O cavaleiro das trevas, introduo da Edio definitiva.

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    por Adam West, nos anos 60. Porm, no foi s pelo tom do personagem principal que a

    mini-srie foi aclamada. Em termos mercadolgicos, ela foi uma revoluo.

    A indstria americana de quadrinhos, em suma DC Comics e a Marvel, buscava ainda

    um jeito de se adaptar ao modelo europeu de publicao, um modelo mais autoral de

    produo. Tentativas foram feitas pelas duas empresas, e apenas com a entrada de Frank

    Miller na DC, com total liberdade criativa, e do lanamento de O CDT, o modelo autoral se

    adequou s expectativas do mercado americano e, consequentemente, do brasileiro e do

    mundial. A novela de Miller tambm foi fundamental, junto com o lanamento de Watchmen,

    de Alan Moore, na viabilidade de edies mais requintadas das HQs no Brasil. O CDT foi

    lanado no, at ento indito, modelo Prestige, com papel de alta qualidade e tamanho 17x26.

    Mas o mais impressionante feito da revista, alm de se sagrar como uma das melhores

    HQs de todos os tempos, foi a descoberta de um novo pblico alvo para a indstria dos

    quadrinhos: o adulto. Foi realizada uma pesquisa na poca do lanamento de O CDT e

    comprovado que universitrios, profissionais liberais e leitores mais velhos do que os

    habituais fs de quadrinhos, haviam comprado, lido e gostado da publicao. O mercado

    brasileiro, por exemplo, at o lanamento de O CDT, tratava em um mesmo departamento

    tanto de gibis de super-heris como de publicaes infantis, dispensando para os dois

    produtos um nico tratamento e entendimento.

    Para a Editora Abril daqueles tempos, qualquer gibi era tratado de uma

    mesma maneira padronizada e homognea. A filosofia vigente rezava que

    era coisa de criana ou pr-adolescente. Super-Heris, quaisquer que

    fossem, deveriam ter o mesmo tratamento que a Turma da Mnica ou os

    quadrinhos Disney.11

    At certo ponto, pode ser compreensvel essa confuso entre obra direcionada ao

    pblico infantil e ao adulto. Batman, por exemplo, um personagem encomendado pela DC

    Comics, em 1939, a Bob Kane, na esperana de criar um heri que causasse o mesmo impacto

    que o Superman causava na poca, j que o homem de ao praticamente dobrou a tiragem dos

    gibis ao conquistar as crianas logo que surgiu. O empreendimento da empresa deu certo, e o

    11 MARTINS, Jotap. Crnicas omelticas: O Cavaleiro das Trevas e eu.

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    fruto da imaginao de Kane est at hoje presente no imaginrio infanto-juvenil, com os

    inmeros desenhos na TV, filmes, quadrinhos e acessrios de consumo.

    A anlise da origem do heri revela um tratamento muito maduro e obscuro para um

    simples personagem infantil. Batman uma criatura da noite, parecido com um vampiro, por

    sua aparncia aterrorizadora, e com uma determinao implacvel. Ele inspira medo aos

    criminosos mais insensveis, tornando-se um justiceiro impiedoso. Seu motivo para lutar

    contra o crime foi ter presenciado, aos 10 anos de idade, a morte de seus pais na mo de um

    criminoso. No conseguindo se recuperar nunca deste trauma, jurou vingana aos criminosos,

    caando-os impiedosamente.

    Miller, conhecendo este lado maduro da origem do Batman, props a DC Comics um

    projeto de HQs que retomasse as origens do heri, criando O CDTe Batman Ano Um. Ele

    utilizou esse trauma pessoal como pano de fundo para uma histria cheia de crticas, stiras e

    doses de realidade, em uma Gotham dominada pela violncia e assustada com uma iminente

    guerra nuclear. O Batman, de Miller, o avesso de todo o discurso de igualdade e justia

    pregado pelo Superman, por exemplo. Sendo assim, o avesso de todo conceito de estrutura

    social.

    A stira com fundo crtico aparece em todos os momentos. Dois exemplos so: asseqncias que mostram o empurra-empurra dos governos, tentando se eximir da culpa pelo

    estado de caos em Gotham City, dominada por bandidos; e as justificativas para a Guerra

    Fria, dadas pelo presidente dos Estados Unidos, que foi desenhado com uma fisionomia

    abobalhada e canastrona.

    No texto de introduo da edio definitiva de O CDT, lanado em 2006 pela Panini

    Comics, Frank Miller disserta sobre as dificuldades em se produzir gibis aps o lanamento

    do livro Seduction of the Innocent. Esse livro, do psiquiatra Frederic Wertham, no incio dosanos 50, no chegou ao Brasil, e acusava os gibis de serem a principal razo da delinqncia

    infantil, clamando por um rgo censor aos gibis. A opinio pblica abraou a causa do

    psiquiatra e o congresso foi obrigado a colocar a questo em pauta, mas nada foi concludo.

    Mesmo assim, a indstria dos quadrinhos, para no ser mercadologicamente prejudicada,

    criou o Comic Code Authority, um selo que atestava que as publicaes no eram ofensivas

    moral e aos bons costumes. Aos poucos, os prprios artistas e produtores foram mudando

    esse cenrio, retomando nos quadrinhos assuntos at ento proibidos pelo selo de qualidade,como violncia, stiras aos poderes governamentais e erotismo. E foi ento que os anos 80

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    chegaram, e junto com ele um panorama muito bom para os quadrinhos. nesse contexto que

    O CDTse insere.

    Criado nessa data, com as ameaas de ataque nuclear entre Estados Unidos e Unio

    Sovitica, e uma escalada da violncia urbana e da mdia acompanhando todos esses eventos

    como se fossem a transmisso de um espetculo, Miller transportou todos esses fatos para a

    HQ. Dando toques pessoais a algumas passagens, acontecimentos e motivaes semelhantes

    censura dos gibis, ele escreveu sobre o caso das justificativas dadas pelo fictcio psiquiatra

    Bartholomew Wolper priso de Batman, por ser uma ameaa s crianas de Gotham e

    principal responsvel pelos crimes cometidos na cidade.

    O CDTfoi originalmente publicado em quatro partes, sendo elas, respectivamente: O

    retorno do cavaleiro das trevas (lanada nos EUA em maro de 1986), O triunfo do cavaleiro

    das trevas (abril de 1986), A caada ao cavaleiro das trevas (maio de 1986) e A queda do

    cavaleiro das trevas (junho de 1986).

    Com essas divises, Miller adotou para cada parte da histria uma batalha final

    extrema com um vilo, seja ele novo na trama ou velho da franquia Batman. Na primeira

    parte, vemos a volta de Batman para as suas aes de vigilantismo e a volta de Harvey Dent, o

    Duas-caras, para o mundo do crime, culminando num confronto entre os dois no final dessetrecho. Na segunda parte, Batman emprega sua fora contra a organizao criminosa que toma

    conta de Gotham, a gangue Mutante. A disputa com o lder da gangue o grande confronto da

    parte dois. Na terceira parte, o clssico arqui-inimigo de Batman, Coringa, volta a atacar e

    detido pelo homem-morcego. A quarta parte trs um confronto bem inusitado. Convocado

    pelo governo norte-americano, Superman designado para conter as investidas de Batman

    contra o submundo de Gotham, pois suas aes eram consideradas criminosas por serem

    violentas e sem aval institucional. O encontro de dois heris, que teoricamente defendem o

    mesmo ideal, mostra as seqelas de decises polticas do passado, que condenaram todos os

    super-heris ao exlio.

    Logo na primeira pgina da histria em quadrinho, Frank Miller nos d um resumo da

    histria inteira de O CDT: Bruce Wayne (Batman) est no cockpit de um carro de corrida e a

    linha de chegada est prxima. De repente os controles no respondem mais. Ele tenta mudar

    para manual, mas o computador de bordo no aceita, fazendo com que Bruce tenha que

    fora, ou seja, quebrando o computador, assumir os controles. Ele sabe que corre risco demorrer, mas no se intimida. Tudo que ele quer cruzar a linha de chegada. O carro todo

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    comea a recusar a andar, os pneus giram sozinhos, parte da carroceria se choca contra o

    asfalto e o motor explode. Bruce descreve o carro agora como sendo o centro de um sol. O

    carro vira um tmulo flamejante, e Bruce conclui que esta seria uma boa morte, mas no o

    bastante. Ele cruza a linha de chegada e escapa nos ltimos segundos, sofrendo apenas

    queimaduras leves.

    1.2. Sobre o heri

    Uma caracterstica fundamental para a anlise, tanto da histria como da figura de

    Batman em O Cavaleiro das Trevas, o fato do gibi ser um Elseworld, ou seja, uma histria

    que no pertence e no interfere na continuidade da saga original de Batman.

    Com essa liberdade, Frank Miller inovou ao apresentar o bilionrio Bruce Wayne com

    55 anos e Gotham City h 10 anos sem sinal da existncia de Batman, fato primordial na

    anlise da personalidade do homem-morcego nesta histria. Outra caracterstica em que

    Miller inovou, foi na neurose da perda dos pais, que acentuada e somada abstinncia do

    Batman, gerando um heri frustrado e ansioso; agressivo e impulsivo; inicialmente dividido

    entre duas personalidades; e constantemente temeroso de sua idade.

    Ao presenciar o assassinato de seus pais por um assaltante, na sada de um cinema,

    Bruce Wayne, com apenas oito anos de idade, desenvolveu uma averso por bandidos e atos

    criminosos em geral. Provavelmente o fato proporcionou outras consequncias para a

    juventude de Bruce, mas o gibi no deixa isso claro, e apenas foca a averso criminalidade e

    a busca por vingana desenvolvida pelo jovem.

    A soluo encontrada para superar a morte dos pais foi adotar como suporte uma

    identidade alternativa, funcionando como uma segunda personalidade, para assim dar vazo

    agressividade e frustrao que o acontecimento traumtico lhe trouxe. Essa seria uma

    simplificao da funo de Batman como catalisador do trauma de Bruce. Porm, Miller

    deixa bem claro na dinmica de sua histria e em certo momento da trama que na realidade

    no houve o desenvolvimento de uma segunda personalidade, mas sim uma descoberta de

    caractersticas primitivas e inconscientes de sua prpria personalidade. Essa descoberta

    ocorreu dois anos antes do assassinato de seus pais, quando Bruce, ento com seis anos, ao

    tentar apanhar uma lebre, caiu dentro de uma caverna e se assustou com inmeros morcegos,

    em especial por um deles, ao qual segue a descrio:

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    [...] ento... algo se move. Oculto... algo que suga o ar viciado... e sibila.

    Planando com graa milenar... ele no se afasta como seus outros irmos.

    De olhos radiantes, intocados pela alegria ou tristeza... seu hlito quente e

    tem o sabor de inimigos vencidos... o odor de coisas mortas, coisas

    condenadas. Com certeza ele o mais feroz sobrevivente... o mais puro

    guerreiro.. brilhando, odiando... tomando o meu ser.12

    De acordo com o profundo estudo dos mitos, realizado por Joseph Campbell, o uso do

    tema descida caverna representa uma submerso ao inconsciente da mente. O fato de

    Bruce ter cado na caverna, e descoberto o mais puro guerreiro que toma o seu ser,

    representa a descoberta de muitas caractersticas de sua personalidade, at ento desprezadas

    pelo consciente. Caractersticas como agressividade, instinto, dio e superioridade, que

    surgiriam em Bruce sem a conscincia da maioria das pessoas, sero retomadas aps o

    assassinato de seus pais, sendo configuradas como uma segunda personalidade, na tentativa

    de, agora sim, dar vazo sua frustrao e raiva. Batman a institucionalizao de emoes,

    sentimentos, motivaes e lgicas de uma mente que sofre perturbaes ainda infantis.

    Mesmo Miller dando essa origem para Batman, ainda o trata com uma personalidade

    diferente da personalidade de Bruce Wayne, afinal, o prprio Bruce parece acreditar queBatman uma entidade separada da dele. Para traduzir ao leitor que um parte integrante do

    outro, sem acabar com a dupla-personalidade logo de cara, ele mantm em todo momento

    uma diferena entre pensamentos do Batman e pensamentos do Bruce _ os pensamentos

    de Batman aparecem em box acinzentado e os pensamentos de Bruce em box branco. Com

    essa distino, ficam claros os dilogos entre os dois, alm da ntida e total dominao de uma

    personalidade sobre a outra em dado momento da histria. Ao mesmo tempo em que brinca

    com esse jogo, colocando falas que poderiam muito bem ser do Batman em boxes brancos e

    vice-versa. h tambm narraes que do a entender tanto a existncia de duas personalidade,

    como a combinao das duas. Um exemplo disso acontece na passagem em que Bruce volta a

    atuar como Batman, numa sequncia na qual ele relembra a cena da morte de seus pais e

    Batman comea a falar (importante ressaltar que toda esta narrao foi feita em boxes

    brancos):

    12 MILLER, Frank. O cavaleiro das trevas.

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    O momento chegou. Em sua alma voc sabe... pois EU sou sua alma. No

    h como escapar de mim. Voc FRGIL... voc PEQUENO. Voc

    menos do que NADA... uma carcaa vazia... um trapo que no pode me

    conter. Ardentemente, eu o queimo... E queimando-o eu brilho, em chamas,

    belo e feroz. Voc no pode me deter... no com vinho, nem com

    juramentos, nem com o peso da IDADE. Voc no tem como me deter... e,

    mesmo assim, ainda TENTA... ainda FOGE. Voc tenta me ABAFAR... mas

    sua voz DBIL.13

    A sutileza e respeito de Miller com o leitor, na maneira como vai moldando Batman

    sua vontade e primitividade, beirando o limite a que submete seus atos e motivaes, tornou

    essa personalidade de Bruce/Batman um arqutipo do justiceiro de Gotham para toda e

    qualquer obra da franquia de Bob Kane.

    Reinterpretando a origem e inventando um final, Miller acentua ainda mais as

    consequncias do trauma de Bruce ao aposentar Batman h 10 anos. O motivo inventado por

    Miller para a aposentadoria, foi uma manobra poltica que impediu os heris de praticarem o

    vigilantismo, depois que seus meios de atuao foram interpretados pela sociedade e governo

    como criminosos.

    Como um ex-alcolatra, Bruce est sem uma vlvula de escape para sua neurose, e a

    abstinncia se revela insustentvel. A comparao com a bebida est presente no prprio gibi.

    Bruce, no inicio da histria, aparece inmeras vezes bebendo e seu mordomo Alfred chega a

    comentar: a prxima gerao herdar uma adega vazia.

    A bebida se torna um substituto ao justiceiro, mas no suficiente, levando em conta o

    trauma e o atual estado de caos em que Gotham se encontra. Dominada pela criminalidade e

    enfrentando uma onda de calor insuportvel, a cidade se deixou vencer pelo medo, e issoincomoda Bruce: talvez Batman pudesse fazer alguma coisa.

    Essa combinao lembrana do trauma infantil e escalada da criminalidade

    fertiliza o ressurgimento de Batman, que, como a fria de Deus, investe contra a cidade de

    forma implacvel, volta a defender Gotham dos crimes. Com seu usual uniforme, colante

    cinza; mscara que cobre os olhos e simula as orelhas pontiagudas do morcego; capa longa e

    preta; cinto de utilidades; e o smbolo de um morcego no peito, o justiceiro implacvel,

    destacando o seu modo de agir como: violento, vingativo, autoritrio e superior. Sem

    13 Idem 12.

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    considerar os direitos humanos, bate antes de perguntar e cruel. A seguinte narrao aparece

    no momento em que Batman vai atacar um bandido.

    H sete tipos de defesa nesta posio. Trs delas desarmam com o mnimo

    contato. Outras trs matam. A restante... aleija.14

    O box escrito ...aleija exatamente o box que mostra a aplicao de um chute

    certeiro no quadril do bandido, dando a entender qual foi sua escolha.

    Uma das primeiras coisas que os psiclogos aprenderam a respeito da

    agresso e do conflito que estas manifestaes encontram-se

    freqentemente associadas a frustrao.15

    O papel da mdia na histria como narradora j foi apresentado, mas as acusaes de

    que Batman to criminoso quanto os bandidos que caa ganha fora, resultando em tais

    vises graas escolhas como essas, feitas pelo justiceiro.

    Vrios criminosos espancados e feridos esto sendo encontrados pela

    polcia, enquanto as descries das testemunhas so confusas e

    conflitantes. A maioria dos relatos parece coincidir com os mtodos e com a

    aparncia do Batman, ou pelo menos com a impresso que ele costumava

    causar...16

    Acusando-o de criminoso, a mdia, a polcia e a sociedade sero os maiores inimigos

    de Batman durante a trama de Miller. Sem que isso altere a maneira do mascarado enfrentar o

    crime, o fato gera problema para a concluso de algumas de suas misses. Batman tem

    conscincia de suas atitudes e ele mesmo se considera um criminoso.

    14 Idem 12.15 LINDZEY, Gardner; HALL, Calvin S. e THOMPSON, Richard F. Psicologia, p.380.16 Idem 12.

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    Quando os grupos de pais comearam a se queixar e a comisso do

    congresso nos convocou pra depor... foi voc quem deu risada... aquela sua

    gargalhada assustadora. Claro que somos crimonosos, voc disse. Ns

    sempre fomos. Ns temos que ser.17

    Mesmo com as acusaes, seu grande aliado, e muitas vezes mentor no combate ao

    crime, o comissrio James Gordon, que se aposenta na terceira parte do gibi. Nas duas

    primeiras partes, auxilia e aconselha Batman, oferecendo ao leitor, numa conversa com Ellen

    Yindel, sua substituta no cargo e contrria s atuaes do vigilante, uma descrio de todo o

    poder que a figura de Batman invoca: esprito de luta, senso de justia e coragem desmedida.

    GORDON - Tenho certeza de que j ouviu fsseis como eu falarem de Pearl

    Harbor. S que ns sempre mentimos. A gente faz parecer que ficamos de

    prontido e logo atacamos o eixo. Que nada. Todo mundo estava

    apavorado. A gente pensou que os japoneses tinham invadido a Califrnia.

    Nem mesmo tinhamos um exrcito. Nossa vontade era ficar na cama,

    cobrindo a cabea com um lenol. Foi ento que Roosevelt falou no rdio

    com firmeza, transformando nosso medo em esprito de luta. Resultado da

    guerra... ns vencemos. (...) Alguns anos atrs eu estava lendo, numa

    revista de notcias, muitas pessoas com um monte de evidncias afirmarem

    que Roosevelt sabia que Pearl Harbor ia ser atacada... e que deixou isso

    acontecer. Nada foi provado... coisa dessse tipo nunca ... mas eu comecei

    a imaginar como seria horrvel se fosse verdade... e como Pearl Harbor

    despertou o pas pra derrotar o eixo. Muitos inocentes morreram... mas ns

    vencemos a guerra. Essa idia ficou na minha cabea at eu perceber que

    no podia julgar esses fatos. Eles eram grandes demais. Ele era... grande

    demais.

    YINDEL No vejo o que isso tem a ver com o vigilante.

    GORDON Um dia voc ver.18

    Yindel comprovou as palavras de Gordon quando, na quarta parte do gibi, em meio ao

    caos do pulso eletromagntico, Batman recrutou os bandidos que fugiam da cadeia para o

    17 Idem 12.18 Idem 12.

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    auxiliar a colocar a cidade em ordem. Ela assistiu ao discurso do vigilante e no emitiu voz de

    priso, como at ento vinha fazendo. Apenas olhou e disse ele grande demais.

    Assim como Gordon, h outros aliados de Batman que o admiram, cada um a seu jeito,

    seja a garota Carrie, adotada como nova Robin, smbolo da juventude que Batman acusado

    de corromper, seja o seu mordomo Alfred, que relata acontecimentos reveladores da infncia

    de Bruce e de suas futuras convices de justia e punio, ou o incentivo de seu colega

    Oliver, o Arqueiro-verde. Com relao disputa contra o Superman, os aliados funcionam

    como uma contra-parte s acusaes da opinio pblica e do governo, ora representado pela

    mdia, ora por Yindel, ora por Superman.

    O choque entre as acusaes e as defesas mostra que o julgamento de Batman no

    pode ser feito. Ele est acima do bem e do mal, mesmo sendo um mortal. Quando Bruce

    inventou Batman e passou a dialogar com ele, j denunciava que apenas ele mesmo podia ser

    seu sensor. Ele grande demais e sabe disso.

    1.3. A jornada do heri

    Traar a jornada herica de O cavaleiro das trevas, usando como suporte a estrutura

    de jornada exposta no livroA jornada do escritor, de Christopher Vogler, no foi tarefa fcil.

    O fato de ter sido lanado em quatro partes, culminando na narrao de quatro confrontos de

    vida ou morte para Batman, fez com que a jornada desta histria completa parecesse mais

    complexa do que realmente .

    Analisando em termos mercadolgicos, e mesmo de tradio nas histrias em

    quadrinhos de super-heris, a ao herica e o confronto com situaes de vida ou morte so

    obrigatrios. Frank Miller desejava claramente penetrar nos aspectos psicolgicos e

    sociolgicos que transformaram Bruce Wayne no justiceiro Batman, nas conseqncias para a

    sociedade de atos hericos e solitrios de mascarados, e em como a mdia e as autoridades

    encararam tanto a violncia quanto a justia. Como ferramenta para tratar desses assuntos,

    criou um panorama poltico-social violento para Gotham, resgatando e inventando viles e

    situaes que conseguissem refletir os aspectos pretendidos, para assim juntar as necessidades

    do meio a que se destinava a histria e seus objetivos enquanto autor e artista.

    Abaixo, temos etapa por etapa detalhada: a jornada herica de Batman e uma

    interpretao das intenes de Frank Miller ao narrar O cavaleiro das trevas.

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    MUNDO COMUM

    Gotham City est nas mos dos marginais. Assolada por uma avalanche de crimeshediondos, atribudos a uma organizao criminosa, denominada Mutantes, e sofrendo uma

    onda de calor, a cidade est s voltas com a aposentadoria do comissrio de polcia James

    Gordon, que est h 26 anos no cargo, e relembra o aniversrio de dez anos da ltima apario

    de Batman.

    Bruce Wayne, com 55 anos, dedica-se apenas administrao da bilionria fortuna

    Wayne e de aes filantrpicas. H dez anos, ele combatia o crime como o justiceiro Batman,

    fazendo justia e tentando vingar a morte precoce de seus pais em um assalto, uma tragdia aqual ele presenciou quando tinha apenas 8 anos. O hiato nas aes do vigilante no aparece

    claro no gibi, mas tudo indica que algo de ruim aconteceu a seu parceiro Robin em alguma

    misso do passado, traumatizando o heri.

    Na noite de aniversrio do sumio do homem-morcego, Bruce brinda com Gordon

    com dedicatria a Batman. O dilogo a seguir evidencia como as pores Batman e Bruce

    esto bem divididas na mente do bilionrio.

    BRUCE: Bom ele ter se aposentado, no?

    GORDON: E sobrevivido ao afastamento.

    BRUCE: Ele no sobreviveu, mas Bruce Wayne est... vivo e bem.19

    Quando Bruce est retornando a p para sua casa, lemos em seus pensamentos que

    uma criatura, em suas entranhas, rosna e se contorce, e que ele, Bruce, no passa de umzumbi, um cadver morto h dez anos. No meio do caminho, Bruce chega ao local exato onde

    seus pais foram assassinados e sua sina de justiceiro fora declarada. O nome do local Beco

    do crime. Ele confessa ainda sentir vontade de assumir a identidade de Batman quando ouve

    sirenes da polcia, mas conclui que se era vingana o que Batman queria, ele a encontrou. O

    assassino de seus pais, o homem que roubou todo o sentido de sua vida, poderia estar bem ali,

    naquele beco... Perdido em pensamentos, Bruce no percebe que dois delinqentes da gangue

    Mutante se aprontam para assalt-lo.

    19 Idem 12.

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    CHAMADO AVENTURA E RECUSA DO CHAMADO

    Quando Bruce percebe a presena dos dois assaltantes, eles j se fazem ouvir pedindosua carteira. Nessa hora, um recurso grfico usado para evidenciar a primeira apario

    concreta de Batman na histria. Um balo de pensamento na cor cinza aparece, dando voz a

    Batman, dialogando com o balo branco dos pensamentos de Bruce. Batman afirma que o

    homem que tirou a vida de seus pais um desses delinqentes, e, que hoje, ele e Bruce

    conhecem muitas maneiras de pun-lo, incitando Bruce briga no primeiro CHAMADO

    AVENTURA da histria.

    Bruce se contem e conclui que nenhum desses jovens similar ao homem que matouseus pais, pois este sentiu remorso e queria apenas dinheiro, diferentes daqueles, que so

    crianas e se consideram os atuais donos do mundo.

    Os dois criminosos desistem do roubo, pois Bruce senta na sarjeta e aparenta, como

    descreveu um dos assaltantes, estar doido. A voz de Batman foi silenciada, e os bandidos

    saram impunes. Com isso, h a evidncia da RECUSA DO CHAMADO, mas no como

    nica e principal, pois pode-se considerar todo o ambiente do MUNDO COMUM de Bruce

    como uma recusa ao chamado, que j dura dez anos. Para acabar com uma recusa to grande eintensa, sero necessrios muitos chamados aventura.

    Outro momento com essa funo de chamado, mas que tambm trs uma recusa,

    uma sequncia onde Bruce sonha com o dia em que encontrou a caverna, depois usada pelo

    Batman, e com os morcegos que nela habitavam. No sonho, ele corre atrs de um coelho e,

    quando entra em sua toca para agarr-lo, o cho se abre, fazendo com que Bruce, de apenas 6

    anos, casse no fundo da caverna. Ento... algo se move. Oculto... algo que suga o ar

    viciado... e sibila. Planando com graa milenar... ele no se afasta como seus outros irmos.

    De olhos radiantes, intocados pela alegria ou tristeza... seu hlito quente e tem o sabor de

    inimigos vencidos... o odor de coisas mortas, coisas condenadas. Com certeza ele o mais

    feroz sobrevivente... o mais puro guerreiro... brilhando, odiando... tomando o meu ser. Esta

    descrio dos morcegos que viu na caverna e que se tornaram o smbolo de sua busca por

    vingana.

    Quando Bruce acorda, ele est de p frente caverna, que hoje tem todos os objetos

    antes usados pelo Batman cobertos por lenis brancos. Bruce fala em pensamento que,

    dentro dele, a criatura se debate tentando libertar-se, mas que ele no ir permitir. Nunca.

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    Alfred, o mordomo de Bruce, acorda, devido insnia de seu patro, e vai at a caverna para

    acompanh-lo de volta cama, e observa que o bigode, que antes dava um ar envelhecido a

    Bruce, fora raspado, para espanto do bilionrio.

    Na noite do dia seguinte, Bruce assiste a televiso, a qual transmitir o filme A marca

    do Zorro, justamente o filme que ele e seus pais assistiram antes da tragdia que mudaria suas

    vidas por completo. Bruce pensa em mudar de canal, mas diz a si mesmo que aquilo era s

    um filme e que mal nenhum poderia fazer. Voc gostou tanto que pulava e danava como um

    bobo, lembra? Depois dessa pergunta, uma outra mais inquietante aparece: Lembra daquela

    noite?. A expresso que Frank Miller conferiu a Bruce ao som dessa pergunta indescritvel

    com palavras. A exibio do filme, a pergunta, as feridas... todos os elementos fundamentais

    para uma seqncia de flashback da noite de assassinato dos pais de Bruce e uma tentativa

    pfia dele em trocar de canal, tentando afastar seus demnios. A cada troca de canal, uma

    notcia de jornal mostra a violncia da cidade. A cada troca uma nova notcia. A cada notcia

    uma nova chance de Batman se mostrar til. intil tentar se esconder. Batman vem tona.

    E, junto com ele, uma tempestade assola Gotham, acabando com a onda de calor, que, de to

    intensa, chegou a ser acusada de incitar a violncia urbana. A chuva veio para resolver o

    problema.

    ENCONTRO COM O MENTOR

    Em seqncia cena acima descrita, Batman toma as rdeas e comea a narrar a

    histria. O momento chegou. Em sua alma, voc sabe... pois eu sou sua alma. No h como

    escapar de mim. Voc frgil... voc pequeno. Voc menos do que nada... uma carcaa

    vazia... um trapo que no pode me conter. Ardentemente, eu o queimo... E queimando-o eu

    brilho, em chamas, belo e feroz. Voc no pode me deter... no com vinho, nem juramentos,nem com o peso da idade. Voc no tem como me deter... e, mesmo assim, ainda tenta... ainda

    foge. Voc tenta me abafar... mas sua voz dbil....

    Com estas palavras, Batman convence Bruce a deix-lo emergir, funcionando como

    Mentor, mesmo sendo o heri da histria. Como evidenciei anteriormente, as duas

    personalidades, Bruce e Batman, estavam bem separadas uma da outra: uma atuando

    conscientemente e outra trancafiada no inconsciente. Mesmo com as duas atuando no

    consciente a partir deste ponto da histria, podemos observar que em alguns casos os quadrosapresentam bales de pensamento na cor cinza e na cor branca, ou indicaes do tipo uma

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    voz dizia tal coisa, mas eu no escutava, expondo dilogos entre as duas personalidades,

    como se uma funcionasse como mentor para a outra.

    TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR E TESTES, ALIADOS E INIMIGOS

    A tempestade cai em Gotham e o jornal anuncia blecaute em todo o subrbio da

    cidade. A tempestade violenta e est se dirigindo para o centro de Gotham. Com a fria de

    Deus, ela investe contra a cidade de forma implacvel....

    Frank Miller inverte a ordem desta parte da jornada, mostrando primeiro os testes,

    aliados e inimigos, e depois caracterizando graficamente a travessia do primeiro limiar, com a

    inteno de esconder a figura de Batman o maior tempo possvel, um recurso de estilo.

    Batman comea a lutar contra o crime, impedindo um estupro, um cafeto de mutilar

    uma prostituta TESTES e um assalto a duas garotas umas delas Carrie, a futura Robin,

    ou seja, sua ALIADA. E, em paralelo, vemos os jornais fazendo a cobertura das aes do

    Batman e apresentando-o como brutal mdia essa que passa a ser sua principal INIMIGA

    durante toda a histria.

    Todas as aes realizadas acima foram desenhadas com o justiceiro a sombra e com

    apenas parte de seu corpo a mostra. A TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR ou BATISMO

    acontece na primeira vez em que Batman aparece de corpo inteiro no gibi. Batman est de

    baixo da chuva e diz: Onde est a dor? Eu deveria ser uma massa de msculos exaustos e

    doloridos... fracos, desgastados, incapazes de se mover. Se eu fosse mais velho, com certeza

    estaria assim... mas hoje eu sou um homem de trinta anos... no, vinte. A chuva em meu peito

    um batismo. Eu nasci outra vez..

    APROXIMAO DA CAVERNA OCULTA

    No foi apenas Batman que ficou ausente por anos. Alguns de seus principais viles

    esto presos em hospcios e receberam tratamentos mdicos, na tentativa de reabilit-los ao

    convvio com a sociedade. Um desses viles Harvey Dent, o Duas-Caras. Ex-promotor

    pblico, tornou-se obcecado pelo nmero dois quando metade de seu rosto foi deformada por

    um cido, fazendo com que ele acreditasse que a desfigurao havia revelado um lado oculto

    e maligno de sua natureza. Ele adotou como smbolo a moeda de um dlar, com um dos lados

    riscados, para representar as parcelas em conflito de sua personalidade dividida. Foi capturado

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    h 12 anos por Batman, e desde ento foi submetido a tratamento psicolgico e a vrias

    cirurgias plsticas, custeados por Bruce Wayne na tentativa de cur-lo.

    Enfim, seus mdicos acreditam que ele pode se reintegrar sociedade, agora com o

    rosto refeito e o tratamento concludo. Sua soltura ocorreu quase que ao mesmo tempo em que

    Bruce recebia as chamadas decisivas aventura. Logo aps ser solto, desapareceu e voltou ao

    crime. Seu plano pedir cinco milhes em troca de no explodir as torres gmeas de Gotham.

    Batman, ao empregar suas primeiras aes aos criminosos de Gotham, persegue

    ladres de banco e descobre que eles atuaram a mando de Dent. Mas algo pe em dvida a

    sua descoberta: a moeda de um dlar que encontrou no bolso do criminoso pode no ser a

    moeda de Dent, pois seus dois lados estavam riscados, ao invs de um s. Batman sente que

    tem que descobrir o que est acontecendo e passa a persegui-lo.

    No dia em que Dent ataca as torres gmeas, com duas bombas instaladas em dois

    helicpteros, cada um parado sobre uma torre, Batman detm seus capangas e desativa a

    primeira bomba. Quando vai atacar Dent, ele tenta fugir de helicptero e Batman se

    dependura nele, quase morrendo devido a um tiro e a um ataque cardaco que o faz apagar por

    alguns segundos. Dent, na tentativa de matar o justiceiro, pula em queda livre para tentar

    alvej-lo. Dent ir cair no cho e morrer, mas Batman tem que impedir, pois ele precisa saberse realmente Harvey Dent que est por trs de tudo, e aquela queda acabaria com qualquer

    chance de identificao do corpo.

    Batman pega Dent no ar e os dois caem dentro de uma sala escura. Depois de aplicar

    golpes em Dent, as faixas que cobriam seu rosto caem e mostram um rosto perfeito, acabando

    com qualquer dvida quando ao causador dos estragos. Ento, Dent pede que Batman olhe

    para ele e veja que consertaram seu rosto. Agora as duas metades estavam iguais. Pede a

    Batman que olhe e ria. Batman, em pensamento, diz que sem se iludir com a aparncia, podeenxergar os dois lados iguais. Frank Miller desenha o rosto de Dent ora perfeito e ora

    inteiramente deformado. Em seguida, Batman diz que o que via era um reflexo, e Frank

    Miller faz o mesmo, colocando entre os planos da face de Batman o rosto de um morcego.

    Essa disputa est como APROXIMAO DA CAVERNA OCULTA, porque afirma

    para Bruce que sua identidade realmente uma s, no mais dividida com a do Batman.

    Assim como o rosto de Dent, Bruce e Batman agora coexistem como um s. Foi necessrio

    enfrentar um inimigo com o mesmo problema para ver isso refletido, como o prprio Batmanobservou, e Frank Miller fez to claro ao colocar em justaposio, um plano que mostra quem

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    o exterior e quem o interior de cada um dos referidos. Agora, Batman pode seguir em

    frente com sua guerra contra o submundo do crime, em especial os Mutantes, com a certeza

    de que o retorno do mascarado no um erro.

    Assim termina a primeira parte, O retorno do cavaleiro das trevas.

    PROVAO SUPREMA

    O jornal anuncia: o Conselho de mes enviou uma petio ao prefeito solicitando a

    emisso de um mandado para a imediata priso de Batman, acusando-o de ser uma influncia

    nociva para as crianas de Gotham. O Movimento pelos direitos das vtimas exige uma

    sano oficial das atividades de vigilantismo. Inmeros casos de violncia contra criminosos

    esto ocorrendo e a mdia no sabe ao certo quais foram cometidos por Batman.

    Carrie, a garota salva por Batman na fase de Testes, aliados e inimigos, ficou

    impressionada com as atuaes do mascarado e resolve investir contra o crime tambm,

    vestindo um uniforme idntico ao usado por Robin. Suas aes ocorrem simultaneamente s

    aes de Batman, que, ao salvar uma criana sequestrada pelos Mutantes, observa que o

    armamento por eles usados s pode ter sido obtido por meio de algum acordo militar.

    Na busca por informaes referentes a tais acordos, acompanhamos duas torturas

    realizadas por Batman contra criminosos, ao mesmo tempo em que Carrie combate pequenos

    crimes, como desmascarar charlates que propem jogos de azar na rua. Os destinos dos dois

    se cruzam quando ambos ficam sabendo de uma reunio dos Mutantes com seu lder no lixo

    de Gotham.

    Batman se apresenta na reunio com seu Batmvel, objeto que desperta saudades de

    seu companheiro Robin. Logo no comeo do discurso do lder Mutante, Batman j se irrita edispara um tiro de alerta. Comea assim um ataque massivo da gangue Mutante contra o

    Batmvel, que se mostra intil, pois, como Batman afirma, a nica coisa talvez capaz de

    perfurar sua fuselagem no deste planeta.

    Ao fim dos tiros, Batman est intacto e a gangue Mutante dizimada, com exceo de

    seu lder, que chama Batman de covarde, exigindo uma luta corpo a corpo. Batman sente

    inveja do corpo e da juventude de seu oponente, e, sem medir as consequncias, parte para a

    luta corporal, mesmo tendo o vilo na mira de sua arma e sabendo que atirar o mais sensato.

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    A luta violenta e Batman sofre duras penas para acertar e se esquivar dos golpes.

    Durante toda a luta, Batman inveja o corpo de seu oponente e deseja que Robin estivesse ao

    seu lado. Depois de muita briga, o lder Mutante prova ser mais forte e est para finalizar

    Batman quando Carrie (Robin) aparece e ataca o vilo. Com essa ajuda, Batman consegue

    atirar uma bomba no oponente, salvar Carrie e se salvar.

    De volta no Batmovel, com a ajuda de Carrie, Batman est gravemente ferido e

    extremamente feliz com a volta de Robin. To feliz que, ao perguntar o nome da pequena e

    obter em resposta o nome verdadeiro da garota, acaba revelando sua identidade, e quando

    Alfred tenta disfarar a gafe do patro, Batman insiste e diz que a garota ir com eles para a

    Batcaverna.

    O lder Mutante foi preso e, em depoimento ao jornal televisivo, intima Batman para

    uma segunda luta. Batman chega na Batcaverna e deixa tudo para trs, indo de encontro ao

    local mais escuro do recinto e invocando a criatura que viu quando tinha apenas 6 anos.

    Batman tem medo de morrer, mas a presena da criatura o reabilita para a luta.

    Acontecimentos em Gotham City: o prefeito tomou duas importantes decises. A

    primeira a escolha de um substituto a James Gordon, a tenente Ellen Yindel, forte opositora

    s aes de Batman. E a segunda um encontro com o lder Mutante para que negociem umacordo. A nica exigncia do criminoso que o encontro seja a ss. O prefeito concorda e

    isso o sentencia morte, pois no encontro, o criminoso o ataca mortalmente, antes mesmo que

    se passassem cinco segundos. Nesse momento, Batman percebe que toda a resistncia da

    gangue est apoiada em seu lder. Derrotando-o, acabaria com a gangue inteira.

    Ento, ele pe em prtica um plano que conta com a ajuda de Carrie e de James

    Gordon: marcar uma reunio com toda a gangue, prxima delegacia em que o lder est

    preso, e facilitar sua fuga para que Batman possa, na frente de toda a gangue, derrot-lo numduelo at a morte.

    Assim feito e a luta se inicia. Batman tem dificuldades de enfrentar seu oponente por

    conta da diferena de idade, mas ele tem que vencer, e para isso conta com a inteligncia:

    marca a luta em meio lama, o que torna a locomoo de ambos mais lenta, e aplica golpes

    certeiros em pontos estratgicos, que ou quebram os membros, ou os paralisam. Mesmo

    assim, Batman apanha muito e a raiva vai tomando conta dele. Quando o lder Mutante est

    imobilizado por uma chave de pernas, Batman comenta que algo lhe diz para parar de usar aperna, mas ele no d ouvidos.

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    RECOMPENSA

    O lder Mutante foi derrotado, e no jornal televisivo j possvel ver uma novamanifestao criminosa fazendo anncio de suas futuras aes. So os Filhos do Batman, que

    pregam investidas contra os criminosos da cidade. O mesmo jornal relata depoimentos de

    inmeras pessoas contra as aes do Batman, considerando-as como criminosas, mas Batman

    no parece arrependido, como pode ser observado no ltimo quadro da Parte 2 O triunfo do

    cavaleiro das trevas. Suas vestes so de Bruce, mas o balo cinza indica que quem est

    falando Batman. Seus olhos miram o cu escuro da noite com um semblante rude, que aos

    poucos se torna radiante, intocados pelo amor, alegria ou tristeza, mas que revelam satisfao.

    Sua face faz lembrar a face do morcego, que representa to bem sua poro Batman.

    CAMINHO DE VOLTA

    Para tentar acabar com a m impresso causada por Harvey Dent, ao ser considerado

    curado e, aps solto, ter voltado ao crime, o mdico responsvel pelo tratamento de Dent e de

    outros perturbados mentais, como so descritos seus clientes, resolveu propor uma

    entrevista com um de seus pacientes a uma emissora de televiso, para mostrar que o

    tratamento funciona e que, na realidade, o grande culpado pelos crimes Batman. A

    representante da emissora resiste idia, mas acaba cedendo espao para uma entrevista de

    cinco minutos com o paciente, o criminoso Coringa.

    A terceira parte da histria, intitulada A caada ao cavaleiro das trevas, comea com

    Batman perseguindo Bruno, ex-comparsa de Coringa, a procura de informaes sobre

    qualquer suposto plano de fuga do Coringa no dia de sua apresentao na televiso. A

    perseguio vai bem, Batman captura Bruno, mas quando est prestes a agir, ele comea a

    falar, interrompendo o momento. Uma voz diz Bruce, temos que falar. Batman diz que eles

    podem se encontrar amanh, mas por enquanto no queria ser incomodado. Provocando um

    claro azul, o intruso atravessa o teto de um prdio rumo ao cu. Convocado pessoalmente

    pelo presidente dos Estados Unidos, Superman tem a misso de convencer Bruce Wayne a

    aposentar Batman mais uma vez.

    Batman segue atrs de outra pista que pode lev-lo a desvendar os planos de Coringa,

    enquanto a nova comissria, Yindel, assume o seu posto e, como primeira deciso, emite um

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    mandado de priso para Batman. No sanatrio, Coringa no consegue dormir. Amanh ele

    estar solto.

    A procura e o confronto com Coringa podem ser considerados o estgio de

    CAMINHO DO VOLTA da jornada, porque so encarados por Batman como uma busca

    pessoal. Se a televiso acusa Batman de incitar os criminosos a cometer os crimes, como se

    fossem apenas seus fantoches, Batman tambm se sente responsvel, mas por ter deixado

    essas ameaas vivas.

    So esses dois acusadores, o interno (Batman) e o externo (opinio pblica), que o

    acusam de criminoso e dividem o CAMINHO DE VOLTA de Batman em dois momentos

    distintos. No primeiro momento, Batman enfrenta seu sentimento de culpa pelos crimes,

    representado na disputa com Coringa. E, no segundo, mostra sociedade que ele no mais o

    culpado pelos crimes, e sim responsvel pela justia, num momento adiante.

    a noite da apresentao de Coringa na televiso. Batman, assim como o criminoso e

    a polcia, se prepara para o espetculo. A comissria Yindel coordena duas equipes nos prdio

    da emissora: uma para garantir a segurana no estdio, e outra para prender Batman, caso ele

    aparea. Esta ltima fica posicionada no topo do prdio da emissora.

    Na hora certa, Batman salta de seu helicptero, auxiliado por Robin, e tem queenfrentar a polcia para chegar at o Coringa. O cerco se fecha quando a polcia ataca o

    homem-morcego e o Coringa realmente ataca a platia, matando todos com seu gs mortal e

    fugindo. Batman no consegue nem chegar perto do palhao, j que a luta com a polcia foi

    dificlima, culminando na hospitalizao de 12 policias e no resgate de Batman no meio da

    luta por Robin.

    Batman agora corre contra o tempo para pegar Coringa antes que ele alcance seu

    prximo alvo: a Feira da Amizade. Um evento da cidade que realizado num parque de

    diverses. L chegando, Batman encontra Coringa distribuindo bonecos-bomba para as

    crianas com seu comparsa. Ento, a equipe se separa: Robin persegue o comparsa, que leva

    uma bomba para a montanha-russa, e Batman segue atrs de Coringa, que foge. No primeiro

    confronto direto dos dois, Batman diz Passei noites em claro... planejando... visualizando a

    cena. Noites sem fim... considerando todos os mtodos possveis... saboreando cada momento

    imaginrio. Desde o comeo eu sabia... que no h nada de errado em voc... que eu no

    possa consertar... com minhas mos. A perseguio se prolonga at que ambos esto dentrodo Tnel do amor. Batman est baleado e Coringa tem uma lmina enfiada no olho direito. A

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    luta continua at Batman conseguir agarrar a cabea de Coringa e tentar quebrar sua coluna,

    mas o palhao aproveita a proximidade para esfaque-lo. Batman torce a cabea de seu

    inimigo at um grande estalo acontecer. Coringa cai no cho, paraltico, e reclama: Eu estou

    muito desapontado com voc, querido. O momento era to perfeito e voc no teve

    coragem....

    Coringa quem se retorce, quebrando sua prpria coluna para cometer suicdio.

    Batman, muito ferido, senta ao seu lado. E com essa viso dos dois sentados, um ao lado do

    outro, como um casal enamorado que se abraa, que termina a terceira parte.

    o prprio Frank Miller que assume o simbolismo da disputa entre Batman e

    Coringa, num dos documentos referentes criao e publicao de O Cavaleiro das trevas,

    quando diz notvel como esses cones reafirmam um ao outro tinha que ser o Coringa.

    Durante a perseguio de Coringa por Batman, inmeras vezes aparece esse sentimento de

    culpa traduzido no palhao, como por exemplo, aps a exploso de um prdio por uma bomba

    do Coringa: Pretendo contar os mortos um a um. Vou por todos na lista, Coringa. A lista das

    pessoas que eu assassinei... por ter deixado voc viver.

    Com o Coringa morto, Harvey Dent mais uma vez capturado. Com o lder Mutante

    fora de combate e com os Filhos do Batman atacando criminosos, mesmo que com atuaescontroversas, Batman praticamente acabou com a violncia que antes assolava Gotham, e no

    se sente mais pessoalmente responsvel pelos crimes. O primeiro momento do CAMINHO

    DE VOLTA foi superado. Basta agora provar isso mdia, sociedade e policia. Polcia essa

    que o espera na sada do Tnel do Amor, com a ordem de prend-lo junto com o Coringa. O

    justiceiro, sabendo disso, j se prepara para fugir, mas o encontro inevitvel. A sequncia de

    fuga de Batman d incio quarta e ltima parte da saga: O cavaleiro das trevas, A queda

    do cavaleiro das trevas.

    A disputa com a polcia intensa e termina com o desabamento da estrutura do Tnel

    sobre os policiais. Com isso, Batman resgatado por Robin e levado para a caverna, onde

    recebe cuidados mdicos de Alfred. Com a morte de Coringa lista de acusaes de Batman,

    soma-se um homicdio.

    A televiso transmite alguns casos de crimes contra bandidos de Gothan, inspirados

    em Batman, quando interrompida para um informe extraordinrio do presidente dos Estados

    Unidos, anunciando um ataque nuclear ao pas. Agora a narrativa do gibi dividida em duas,

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    pois acompanhamos as consequncias do ataque na cidade de Gotham e a tentativa do

    Superman em conter o ataque.

    Superman consegue desviar a bomba, lanando-a em um deserto, o que evita a morte

    de inocentes. Porm, gera um forte pulso eletromagntico, provocando a parada de qualquer

    objeto eletrnico. Lana ento milhes de toneladas de fuligem na estratosfera, criando uma

    nuvem negra que bloqueia a luz solar de incidir, privando Gotham e toda a Amrica de luz e

    calor. Agora a cidade se transforma em trevas.

    Acidentes de avio, pessoas desesperadas, incndios e assaltos. Instantes depois da

    exploso, Gotham j vivia um pesadelo urbano. Esse o momento perfeito para mostrar a

    todos de que lado da lei Batman se encontra.

    No muito recuperado da disputa com o Coringa, Batman sai na cidade para,

    acompanhado de Robin, aliciar os Filhos de Batman e os membros remanescentes da gangue

    Mutante, que fugiram da cadeia, para juntos se transformarem na lei. Batman no est nem

    direita nem esquerda da lei. Ele est acima. Ele a lei.

    Hoje, ns somos a lei. Hoje, eu sou a lei. Assim termina o discurso que Batman faz

    aos Filhos do Batman quando os convoca luta. Com palavras e atos mais severos, o

    justiceiro coordena uma ao que visa acabar com o caos na cidade, para assim, a comunidadeconter incndios, ajudar nos acidentes e restabelecer a ordem para os prximos dias que se

    seguiriam negros e fora do comum.

    A ao d certo, e, aps uma semana dos ataques, Gotham continua submersa em

    trevas, mas a nica cidade que no est tomada pelo pnico, a exemplo de Nova York,

    Chicago e Metrpolis. Os crditos so de Batman e sua gangue de justiceiros, como

    denomina a mdia.

    Os crditos da mdia: a sociedade admite para os jornais a liderana positiva de

    Batman naqueles momentos assustadores e, na seqncia do gibi _ onde Batman convoca os

    membros da gangue Mutante em frente delegacia, com um policial perguntado comissria,

    que observa o discurso de Batman, se devia prend-lo e recebe como resposta de Yindel um:

    No. Ele ... grande demais _ mostra que Batman conseguiu provar a sociedade sua

    oposio ao crime e luta pela justia, mesmo que seus meios no sejam politicamente

    corretos. Ele passa pelo segundo momento do CAMINHO DE VOLTA triunfante e poderia

    voltar ao MUNDO COMUM em paz, se no fosse o alerta que seu amigo Clark Kent

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    (Superman) j havia lhe dado: o governo no apia e quer punir as aes do homem-morcego.

    O momento do castigo aguardado por Batman.

    RESSURREIO

    O governo convoca Superman e ordena que ele d um jeito em Batman, encerrando

    com suas aes. O primeiro anncio da batalha acontece antes mesmo de Batman aniquilar

    Coringa, numa tarde ensolarada em sua manso. Clark tenta lembrar Bruce do passado, de

    porqu os super-heris se aposentaram e garante que, mais dia, menos dia, algum com

    autoridade o designar a det-lo. Bruce retruca dizendo: Quando isso acontecer Clark... Que

    vena o melhor.

    A designao chega aps o ataque de bomba e a tomada de poder de Batman sobre

    Gotham. Do cu negro, o Homem de ao escreve com sua viso de raio-laser um Onde?

    flamejante. Beco do crime a resposta de Batman. Onde tudo comeou, com seus pais

    assassinados, onde tudo terminar.

    noite, o governo interdita os arredores do Beco do crime e a mdia j especula sobre

    o duelo do justiceiro de Gotham e do homem mais poderoso do mundo. O primeiro possui a

    imagem da revoluo que toma as ruas, o segundo um ttere do governo de tanques.

    Batman se prepara para a luta e conta agora com o apoio de Oliver, o Arqueiro-verde,

    o qual veio a Gotham para dar seu apoio na batalha e confidncia, j que sempre soube que o

    confronto entre Batman e Superman era inevitvel. O mundo pequeno demais para os

    dois. Oliver, na verdade, um desafeto de Superman, e tudo indica que foi o homem de ao

    quem arrancou um de seus braos, anos atrs, provavelmente a mando do governo. Outro

    recurso, alm das alianas e da tecnologia, para a batalha, a qumica: Batman toma um

    coquetel de remdios, com o intuito de programar um ataque cardaco a meia-noite, bem no

    meio da luta. Uma morte grandiosa.

    No local combinado, Batman espera por Superman usando uma enorme armadura, e

    quando este chega, prontamente atacado por armadilhas. Aps os ataques, Superman se

    recupera e se aproxima de Batman, que est conectado ao poste de luz na tentativa de usar a

    energia eltrica da cidade contra Superman. Durante a luta, Batman afirma sua opinio sobre

    as atitudes de Superman: um traidor que se tornou uma piada do governo.

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    pretende levar, comunicando e ensinando a uma legio de soldados o que aprendeu na sua

    jornada. Mas, alm da experincia, h algo a mais que Bruce traz consigo da jornada. Fica

    evidenciado isso nas suas falas, todas em um box cor cinza. Afinal, ele e Batman so um s.

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    2. A jornada em Tropa de elite

    2.1. Sobre a histria

    O longa-metragem nacional Tropa de Elite, dirigido por Jos Padilha e estrelado por

    Wagner Moura, foi um dos mais importantes lanados em 2007. Ganhou a ateno da mdia

    por sua qualidade acima da mdia; contedos crticos reveladores do estado de caos das foras

    policiais e da dinmica urbana do Rio de Janeiro; polmicas envolvendo a pirataria de cpias

    no finalizadas antes do lanamento; e caracterizao da personagem Capito Nascimento,

    dividindo opinies quanto interpretao de seu discurso e atitudes perante o crime.

    Com roteiro de Padilha e Brulio Mantovani, e montagem de Daniel Rezende, Tropa

    de elite conta a histria da busca de Capito Nascimento, capito do BOPE (Batalho de

    Operaes Policiais Especiais) e narrador da histria, por um substituto ao seu cargo no

    batalho, devido ao nascimento de seu filho. O filme traz luz todo o funcionamento

    desestruturado, desorganizado e corrupto da Polcia Militar do Rio de Janeiro, e a brutalidade

    das aes do BOPE nos morros cariocas, dominados pelo trfico.

    O embrio do BOPE o Ncleo da Companhia de Operaes Especiais da

    PMRJ foi criado em 19 de janeiro de 1978, sob inspirao do ento

    capito PM Paulo Csar Amndola de Souza, mas apenas em 1991 foi

    batizado com o nome atual. O BOPE no foi preparado para enfrentar os

    desafios da segurana pblica. Foi concebido e adestrado para ser mquina

    de guerra. No foi treinado para lidar com cidados e controlar infratores,

    mas para invadir territrios inimigos. Tropas similares servem-se de

    profissionais maduros. O BOPE acelerava meninos de 20 e poucos anos

    at a velocidade de cruzeiro do combate blico. Vamos cobrar a loucura da

    guerra a quem foi treinado para matar?20

    Pela tica de Capito Nascimento, acompanhamos sua busca e recebemos, com suas

    palavras, a explicao de como a corrupo acontece na polcia e como so as aes do

    BOPE. Percebemos ento qual o tipo de discurso e pensamento que Nascimento tem sobre a

    criminalidade e sobre a hipocrisia da sociedade, em especial na classe mdia e alta. Aos

    poucos, entramos na vida de Nascimento e vemos que, fora o policial linha-dura da farda

    20 BATISTA, Andr; PIMENTEL, Rodrigo e SOARES, Luis Eduardo. Elite da tropa, prefcio.

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    preta, h um pai preocupado, um homem com medo de morrer e um membro da sociedade

    indignado.

    A indignao de Nascimento provocou reflexos nos espectadores e na opinio pblica

    enquanto esteve em evidncia. As discusses giravam em torno da figura de Capito

    Nascimento com a seguinte questo em pauta: heri ou vilo? Como classificar um policial

    incorruptvel, que entrou para as foras armadas por acreditar na justia e tem disposio de

    faz-la vingar, nem que seja necessrio adotar medidas violentas, que violam claramente os

    direitos humanos, como a tortura? A pergunta no parece ter uma resposta certa e necessrio

    avaliar cada ponto de vista pra chegar a uma concluso. Padilha, na ocasio da polmica,

    declarou que no considerava Capito Nascimento um mocinho da histria, mas o

    personagem se tornou muito maior que uma simples marionete do diretor para contar uma

    histria e se tornou um modo de interpretar a sociedade em que vivemos atualmente.

    Criado a partir de uma idia do primeiro longa-metragem de Jos Padilha, em 2002,

    um documentrio sobre o BOPE - nibus 174 - o qual foi destaque de festivais nacionais e

    internacionais, Capito Nascimento se tornou smbolo de tudo que esse Batalho Especial da

    Polcia do Rio de Janeiro representa para a sociedade e Estado.

    O filme todo uma crtica, que deixa de lado a stira e se aproxima de uma linguagemdocumental. Mostra, sem meias imagens, como funciona a polcia do Rio de Janeiro, e

    escancara todos os seus pontos fracos, comprovando ser um recurso poderoso e bem aceito

    pelo pblico em termos de disseminao e impacto da mensagem/crtica do filme. Prova disso

    o fato de ter liderado o Ranking nacional de 2007 de maiores espectadores em salas de

    cinema, com 2,47 milhes de espectadores, alm de haver uma estimativa de que a cpia

    ilegal do filme, que circulava no mercado negro - polmica na poca de estria, pois ainda no

    era o corte final do filme foi vista por um milho de pessoas em DVD.

    A estria (de Tropa de elite) estava marcada para 12 de outubro, mas o

    governador (Srgio Cabral) do Rio (de Janeiro) recebeu uma cpia em DVD

    do diretor do filme, Jos Padilha. (...) graas a Tropa de elite, o governador

    conheceu a rotina de abandono de um batalho da PM (...). Cabral pede

    que as medidas (correo das malesas expostas no filme) sejam adotadas

    antes do filme estrear.21

    21 ALMEIDA, Gustavo de.Homens de preto, revista Rolling Stones, n 13.

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    E o bandido? Acima da vida ou da morte vem o orgulho. A misso deve ser cumprida, mas,

    como diz Capito Nascimento, homem com farda preta entra na favela para matar, nunca pra

    morrer.

    "Voc sabe quem eu sou?

    Sou o maldito co de guerra.

    Sou treinado para matar.

    Mesmo que custe minha vida,

    a misso ser cumprida,

    seja ela onde for

    espalhando a violncia, a morte e o terror."23

    De forma autoritria, o policial do BOPE tenta fazer a lei e a ordem prevalecer, sem

    que a paz seja fruto diretamente relacionado s suas aes. Seus soldados so treinados sob

    presso para se acostumarem com o ambiente de trabalho. A paz nada tem a ver com suas

    motivaes e aes.

    "Alegria, alegria,

    sinto no meu corao,

    pois j raiou um novo dia,

    j vou cumprir minha misso.

    Vou me infiltrar numa favela

    com meu fuzil na mo,

    vou combater o inimigo,

    provocar destruio.

    Se perguntas de onde venho

    e qual minha misso:

    trago a morte e o desespero,

    e a total destruio."24

    23 BATISTA, Andr; PIMENTEL, Rodrigo e SOARES, Luis Eduardo. Elite da tropa, prefcio.

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    Acompanhamos no filme, o curso de formao de soldados do BOPE. O instrutor

    Capito Nascimento, e dois dos inscritos que nos interessam so Matias e Neto. Vamos tomar

    como experincia a entrada dos dois no curso, pois o filme no mostra a seleo de

    Nascimento, apenas referncias a ela em suas narraes, e a certeza de que muitos dos

    processos a que os dois foram submetidos ocorreram ao Nascimento. Comprovando o uso

    deles como seu reflexo, temos a afirmao do prprio Capito de que Neto parecia muito com

    ele quando se formou no BOPE, justificando a existncia de algo como um arqutipo do

    policial convencional e um do soldado do BOPE.

    O curso do BOPE, como num ritual de passagens, tem a funo de afastar os

    aspirantes de seus ambientes comuns (famlia, relacionamentos, vida social) e no introduzi-

    los de cara no novo mundo da Tropa. So deixados num limbo, espcie de purgatrio onde a

    seleo feita, e posteriormente retornam s suas vidas comuns e ao novo mundo. No

    processo de seleo, policiais que desonram a imagem da polcia, especialmente os corruptos,

    so logo marcados e sofrem de tudo para que desistam. Apenas os mais fortes e honestos

    passam no curso. Nascimento confessa que no curso dele, apenas ele e mais dois foram

    aprovados.

    Depois de atravessarem o limbo, os aspirantes ao peloto so submetidos a testes

    tticos e treinos, onde os instrutores escolhem os aprovados. Nascimento passou pelo curso, e,

    aps ser Capito da Tropa por um bom tempo, hoje seu instrutor. O curso no serve apenas

    para buscar um novo membro, serve para buscar seu substituto.

    Nascimento busca um substituto porque ser pai em breve. O ano 1997, e o Rio de

    Janeiro vive uma guerra civil entre traficantes das favelas e o governo. guerra, Nascimento

    j estava acostumado, mas a paternidade algo novo e ele no podia correr o risco de perderessa novidade sendo morto em combate. Designado a acalmar uma favela para a visita do

    Papa ao Rio de Janeiro, uma misso que considerava besta, Nascimento sente medo de

    morrer.

    Justificando seus meios violentos de conduta contra o crime, principalmente depois

    que a busca por um substituto foi levada ao limite, vemos que fora o policial linha dura da

    farda preta, em Nascimento, h um pai preocupado, um homem com medo de morrer e um

    membro da sociedade indignado.

    24 BATISTA, Andr; PIMENTEL, Rodrigo e SOARES, Luis Eduardo. Elite da tropa, prefcio.

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    CHAMADO AVENTURA E RECUSA DO CHAMADO

    Se eu soubesse que voc no ia sair, eu no tinha engravidado. Sua mulher deixaclaro o desejo de ver Nascimento fora do comando do BOPE. Ela ainda o adverte que sua

    constante preocupao com o marido, numa profisso to perigosa, e a tristeza que sente ao

    ver que seu filho nascer sob a falsa promessa do cnjuge, est acarretando problemas sua

    gravidez. O CHAMADO foi dado, mas Nascimento, antes mesmo da intimao, j tinha se

    pronunciado voc quer que eu faa o que? Voc quer que eu pare de trabalhar?. No fundo,

    ele sabe que toda guerra cobra seu preo, mas quando o preo fica muito alto, est na hora de

    pular fora, e mesmo assim ignora o pedido da mulher. Termina seu cafezinho e sai de casa

    rumo ao trabalho, RECUSANDO O CHAMADO.

    Esse o primeiro de uma srie de chamados e recusas da poro pai de Nascimento.

    So chamados que concentram a um lado sentimental, intimo e psicolgico. Eu denomino de

    CHAMADO INTERNO.

    O chamado feito poro policial, agora CHAMADO EXTERNO, difere pelo tipo de

    aventura e impede uma recusa por parte de Nascimento. Com a vinda do Papa Joo Paulo II

    ao Rio de Janeiro, e graas a uma deciso do Sumo Pontfice em se hospedar prximo a umadas favelas, o BOPE recebe a misso de apaziguar os morros, garantindo assim que nenhum

    mal ocorra ao Papa durante sua visita.

    A operao Papa recebida com muitas ressalvas por Nascimento, que analisa as

    perdas que ocorrero em uma srie de incurses dirias das tropas nos morros. O comandante

    do peloto no d ouvido, alegando ser uma deciso imutvel por parte da Igreja Catlica e do

    governo do Estado do Rio de Janeiro. Sem poder RECUSAR O CHAMADO, Nascimento

    apresenta o primeiro de uma srie de sintomas, que s desapareceram quando, de fato, ele

    pde aceitar o chamado de aventura particular. O nervosismo toma conta do Capito e abala

    seu comportamento.

    Logo na primeira misso, Nascimento est descontrolado. O segundo sintoma comea

    a interferir na sua dinmica de trabalho: o medo. Nascimento justifica que estratgia s tem

    lgica quando a misso faz sentido, e a operao Papa era muito arriscada para algum que

    ia se tornar pai em breve. Seu medo de morrer em combate aparece do choque entre o

    CHAMADO INTERNO e o CHAMADO EXTERNO.

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    O conflito surge dos desejos negados de aceitar o chamado interno e recusar o

    chamado externo.

    ENCONTRO COM O MENTOR

    No posso considerar exatamente como encontros com mentores na forma arqutipa

    de mentor, mas sim como smbolos de impulsos da vida e conflito de Nascimento.

    O primeiro encontro ocorre com seu remorso, personificado na Me de um jovem

    criminoso que foi morto depois da primeira ao operao Papa. No foi Nascimento quem

    o matou, mas ele usou o garoto para dedurar um dos traficantes apreendidos e depois o

    liberou, mesmo sabendo que dedo-duro na favela morto pelo comando. A me do garoto

    no quer achar culpados, deseja apenas enterrar seu filho e pergunta onde est o corpo dele.

    Nascimento afirma que no sabe onde o corpo se encontra.

    Um misto de orgulho e assombrao permeia o segundo encontro, dessa vez com a

    psicloga do batalho de polcia. Uma consulta com ela foi solicitada aps Nascimento se

    sentir mal enquanto praticava exerccios fsicos, onde sua mo tremia sozinha e seu corao

    disparava. O mdico que o examinou revelou que o problema de Nascimento no era fsico, e

    sim emocional. Na psicloga, a dvida gira em torno do sigilo: Nascimento no sabia quanto

    do que ele contasse seria reportado. Sem garantia de que tudo seria mantido em segredo ou