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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS MARIANA DELGADO BARBIERI SOCIEDADE CIVIL, ESTADO E QUESTÃO AMBIENTAL NA CHINA CAMPINAS 2020

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

MARIANA DELGADO BARBIERI

SOCIEDADE CIVIL, ESTADO E QUESTÃO AMBIENTAL NA CHINA

CAMPINAS

2020

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MARIANA DELGADO BARBIERI

SOCIEDADE CIVIL, ESTADO E QUESTÃO AMBIENTAL NA CHINA

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Ambiente e Sociedade, na Área de Aspectos Sociais de Sustentabilidade e Conservação.

Orientadora: Profa Dra Leila da Costa Ferreira

Coorientador: Prof Dr David Montenegro Lapola

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA MARIANA DELGADO BARBIERI, E ORIENTADA PELA PROFA DRA LEILA DA COSTA FERREIRA.

CAMPINAS

2020

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta

pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 17 de

março de 2020, considerou a candidata Mariana Delgado Barbieri aprovada.

Profa Dra Leila da Costa Ferreira

Prof Dr José Augusto Valladares Pádua

Prof Dr Mateus Batistella

Prof Dr Thales Haddad Novaes de Andrade

Prof Dr Valeriano Mendes Ferreira Costa

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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Dedico aos meus pais, Cláudia e Fausto

E ao meu filho, Inácio

Por todo amor e sabedoria

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AGRADECIMENTOS

Uma tese de doutorado demanda muito tempo, dedicação, leitura, reflexão.

Tudo isso só foi possível graças a presença de diversas pessoas ao meu redor.

Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais por todo apoio e dedicação

nesses últimos 35 anos. Sem vocês eu não seria quem sou e não chegaria aonde

estou.

Ao Inácio, meu filho, que nasceu quando eu ainda estava no mestrado.

Quando entrei no doutorado ainda era uma criança, e agora, ao final, já se tornou um

grande moço. Que você entenda minha paixão pelos livros, pela educação e pela

pesquisa e reconheça o quanto tudo isso é importante para nossas vidas.

Esse doutorado só se concretizou pelo apoio, carinho e amizade com

minha orientadora Leila, com quem, desde o início, desenvolvi grande afinidade.

Como uma mãe ela esteve ao meu lado nos últimos 5 anos, ajudando, instruindo,

colaborando. Os primeiros frutos dessa parceria já estão sendo colhidos e tenho

certeza de que por muitas estações iremos continuar escrevendo, lendo, aprendendo

e ensinando.

Agradeço também a todo grupo do LABGEC, em especial à Fabiana Barbi,

que me acompanha desde o início do doutorado, auxiliando de inúmeras maneiras.

Um obrigado especial a todos que sugeriram mudanças à tese, dedicaram tempo e

fizeram tantos comentários construtivos. Valeu, Felipe, Niklas, Si, Marília, Jefferson,

Charles, Eduardo, Lígia, Marcelo e também aos antigos membros do nosso grupo,

Lisandra, Ana Paula, Marcelo, Estevão, Luiz. Em algum momento dessa trajetória

todos tiveram participação.

Da mesma forma, tenho um carinho especial à minha turma de doutorado,

com quem partilhei intensamente o primeiro ano de doutoramento, auxiliando na

definição do projeto, dando coragem para seguir em frente. Agradeço ao Felipe, Carol,

Isabel, Rodrigo, Natália, Tiago, André, Gabriela, Kelly, Raissa, Ana Paula.

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A China também me fez conhecer pessoas tão especiais no grupo Brasil-

China, como a Mariana Ueta, Niklas, Augusto, Caroline. Tenho certeza que nossa

parceria e amizade continuarão crescendo. Aos professores do grupo Brasil-China

também deixo registrado meu agradecimento pelos ensinamentos, dicas, críticas,

sugestões de leituras e debates tão interessantes, em especial ao Prof. Tom Dwyer e

Prof. Celio Hiratuka.

Aos professores do NEPAM, com quem pude compartilhar tantos

momentos, saibam que vocês foram essenciais nessa caminhada. Em especial à

Profa Lúcia da Costa Ferreira, que tanto me ensina e se tornou uma amiga nessa

jornada. Roberto, Aline, Cris, Simone, David, Célia, em sala de aula ou durante as

reuniões da SubCPG muito pude aprender com vocês.

Funcionários do NEPAM, saibam que nós, alunos, só sobrevivemos graças

a vocês! Em especial agradeço ao Waldinei, por toda ajuda na questão burocrática, à

Maria pelo café sempre fresco e à Adreilde por toda ajuda com livros e referências.

Mas, sem dúvida, todos são peças fundamentais para que o NEPAM e o programa

ambiente e sociedade existam: Débora, Eduardo, Marcos, André, Neusa. Só

conseguimos ser um programa nota 6 graças ao apoio de todos vocês.

Por fim, o doutorado foi compartilhado com alguém que chegou sem avisar

e encheu minha vida de amor e alegria. Obrigada, Emerson, pelo companheirismo,

compreensão, amor e cuidado.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de

Financiamento 001.

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“If China cannot do it, no one can.”

(Mark Beeson)

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RESUMO

Num momento em que a China surpreende o mundo em virtude de seus índices

econômicos, é fácil identificar as consequências ambientais das escolhas políticas e

econômicas adotadas nesse país. Compreender como as organizações não

governamentais (ONGs) ambientais se constituíram historicamente na China, sua

atuação, limites e o papel fundamental desempenhado na sociedade global em que

estamos inseridos são os objetivos principais dessa tese, que busca identificar como

as organizações não governamentais ambientais estão agindo no interior da China e

como elas se posicionam entre o Estado e a sociedade civil. Recuperando a noção de

ambientalismo autoritário (centralizado) podemos propor a ideia de que na ausência

de espaço para uma atuação política das ONGs ambientais chinesas, elas se moldam

ao ambientalismo autoritário do Estado e se distanciam da atuação política direta. O

que as ONGs propõem não são questionamentos das políticas adotadas pelo Estado

chinês ou confronto político direto, o que temos na China é um ambientalismo dotado

de delicadeza e suavidade, que foge dos conflitos políticos e é praticado à distância

das direções políticas. Identificamos a existência de três fases no desenvolvimento do

ambientalismo chinês e apresentamos na tese a primeira e segunda fase. Na primeira

fase, diretamente relacionada com a estruturação do Estado e a constituição da

sociedade civil, identifica-se que as ONGs ambientais, durante toda a década de 1990

e início da década de 2000, são caracterizadas por uma grande concentração em

Beijing e Shanghai, mas com difusão restrita no restante do país. Ademais, há uma

fragmentação no movimento e a ausência de constituição de um movimento capaz de

agir nacionalmente e representar interesses da sociedade chinesa como um todo. Na

segunda fase há um maior reconhecimento dos novos atores sociais por parte do

Estado, que promulga novas leis que incentivam a expansão e ação das ONGs

ambientais, que se multiplicam em todo país, diversificando suas áreas e temáticas

de atuação e expandindo sua influência. Naquele momento, década de 2000, temos

um aumento no número de protestos e maior mobilização da sociedade civil,

mostrando que a população passa a se preocupar com as condições ambientais do

país, estando disposta a reivindicar melhorias, alterar hábitos de consumo, dando

início a uma transição rumo a um ambientalismo democrático (participativo).

Palavras-chave: China; ONGs; Políticas Ambientais; Governança Ambiental;

Sociedade Civil

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ABSTRACT

At a time when China surprises the world because of its economic indicators, it is easy

to identify the environmental consequences of the political and economic choices

made in that country. Understanding how environmental non-governmental

organizations were historically constituted in China, their actions, limits and the

fundamental role they have played in the global society in which we live are the main

objectives of this thesis, which seeks to identify how environmental non-governmental

organizations are acting within China and how they are positioned between the state

and civil society. Restoring the notion of authoritarian (centralized) environmentalism

we propose the idea that in the absence of space for political action by Chinese

environmental NGOs, they shape up to the authoritarian environmentalism of the state

and are distanced from direct political action. The NGOs do not question the policies

adopted by the Chinese state or propose direct political confrontation. In China,

environmentalism is delicate and gentle, running away from political conflicts and

practiced at a distance from political directions. We identify the existence of three

phases in the development of Chinese environmentalism and present the first and

second phases in the thesis. In the first phase, throughout the 1990s and early 2000s,

environmental NGOs are directly related to the structuring of the state and the

constitution of civil society, being largely concentrated in Beijing and Shanghai, with

restricted diffusion throughout the rest of the country. Moreover, there is a

fragmentation in the movement and the lack of national action, representing the

interests of Chinese society as a whole. In the second phase, there is greater

recognition of the new social actors by the State, which promulgates new laws that

encourage the expansion and action of environmental NGOs. They multiply throughout

the country, diversifying their areas and themes and expanding their influence. At that

time, during the 2000s, we have an increase in the number of protests and greater

mobilization of civil society, showing that the population starts to worry about the

environmental conditions of the country, being willing to claim improvements, change

consumption habits, beginning a transition towards democratic (participatory)

environmentalism.

Keywords: China; NGOs; Environmental Policy; Environmental Governance; Civil Society.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Ação de GONGO em Shanghai.................................................................21

Figura 2 – Disposição das organizações não governamentais e a relação com o

Estado........................................................................................................................69

Figura 3 – Emissões incorporadas no comércio internacional (em 2013)...................84

Figura 4 – Macaco do nariz arrebitado (Yunnan snub-nosed monkey).....................110

Figura 5 – Obra Dong Qichang Project 2..................................................................144

Figura 6 – Obra de Xu Xiaoyan.................................................................................145

Figura 7 – Fotografia e protesto ambiental...............................................................147

Figura 8 – Mapa de qualidade do ar disponibilizado pelo IPE...................................156

Figura 9 – Representação convencional do surgimento das ONGs

ambientais................................................................................................................168

Figura 10 – Campos institucionais e o desenvolvimento das ONGs

ambientais................................................................................................................173

Figura 11 – Distribuição espacial das 3.550 ONGs ambientais mais

atuantes....................................................................................................................181

Figura 12 – Ambientalismo autoritário versus Ambientalismo democrático..............198

Figura 13 – Aumento do nível do mar em Shanghai (projeção)................................206

Figura 14 – Logos da CCAN e CYCAN – Redes de Ação Climática..........................220

Figura 15 – Cartaz do projeto de economia de energia nos campi.........................224

Figura 16 – Responsabilidade pela ação climática..................................................230

Figura 17 – Projeto de reflorestamento no trajeto entre Shanghai e Beijing............237

Figura 18 A;B – O tradicional e o moderno na China atual.....................................241

Figura 19 – Fases de atuação das ONGs ambientais chinesas...............................242

Figura 20 – Ambientalismo autoritário versus Ambientalismo democrático..............252

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Campanhas ambientais na China (1995 – 2002)...................................113

Quadro 2 – Atuação de ONGs por tema e região......................................................185

Quadro 3 – Atuação de ONGs por tema e região (continuação).............................186

Quadro 4 – Atuação de ONGs por tema e região (continuação).............................187

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Número de Organizações na China.........................................................72

Gráfico 2 – Produto interno bruto (PIB) da China (1978-2016)...................................79

Gráfico 3 – Emissão de CO2 (tonelada métrica per capita) na China (1978-

2014)..........................................................................................................................80

Gráfico 4 – Emissões per capita (tCO2/pessoa).........................................................83

Gráfico 5 – Funcionários governamentais empregados nos departamentos de

proteção ambiental da China (1991 – 2004)..............................................................100

Gráfico 6 – Número de ONGs ambientais registradas..............................................116

Gráfico 7 – Número de usuários da Internet na China (1998-2018)..........................151

Gráfico 8 – Número de usuários de internet via celular.............................................152

Gráfico 9 – Crescimento das ONGs ambientais na China........................................178

Gráfico 10 – Classificação das ONGs ambientais em 2005......................................180

Gráfico 11 – Temáticas de atuação das ONGs ambientais chinesas.......................184

Gráfico 12 – Emissões cumulativas de CO2.............................................................202

Gráfico 13 – Emissões de CO2 equivalente – China.................................................203

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIA – Avaliação do Impacto Ambiental

CAS – Chinese Academy of Sciences

CCAN – Chinese Civil Climate Action Network

CCICED – China Council for International Cooperation on Environment and Development

CCPC – Comitê Central do Partido Comunista

CCTV – China Central TV

CECPA – China Environmental Culture Promotion Association

CEPF – China Environmental Protection Foundation

CO2 – Dióxido de Carbono

COP – Conferência das Partes

CSES – Chinese Society of Environmental Sciences

CYCAN – China Youth Climate Action Network

ECO 92 – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente ocorrida em 1992 na cidade do Rio de Janeiro

EPB – Environmental Protection Bureau

EUA – Estados Unidos da América

FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

FON – Friends of Nature

GEE - Gases de Efeito Estufa

GONGO – Government organized non-government organization

Gt - Gigatonelada

GVB – Global Village Beijing

GWe – GigaWatt-eletric

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HBF – Heinrich Boell Foundation

HIV – Human Immunodeficiency Virus

ICF – International Crane Foundation

IPCC - Intergovernmental Panel of Climate Change

IPE – Institute of Public & Environmental Affairs

KM - Quilômetro

LABGEC – Laboratory of Social Dimensions of the Global Environmental Changes in the Global South

MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

MEP – Ministry of Environmental Protection

MV – Megavolts

NDRC – National Development and Reform Commission

NEPA – National Environmental Protection Agency

NIMBY – Not-in-my-backyard

NLWGACC - National Leading Working Group on Addressing Climate Change

NO – Óxido de nitrogênio

OMC – Organização Mundial do Comércio

ONG - Organização não-governamental

ONGA – Organização Não-Governamental Ambiental

ONGIs – Organizações Não-governamentais internacionais

ONU – Organização das Nações Unidas

PCC - Partido Comunista Chinês

PIB – Produto Interno Bruto

PM2.5 – Material Particulado com até 2,5 micrômetros

PNUD – Programa Nações Unidas para o Desenvolvimento

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

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PX – Paraxileno

SARS – Síndrome Respiratória Aguda Grave

SEPA – State Environmental Protection Administration

SMS – Short Message Service

SO2 – Dióxido de enxofre

tCO2/pessoa – Tonelada de Dióxido de Carbono por Pessoa (métrica de emissão)

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNFCCC – Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

WWF – World Wildlife Fund

ZEE – Zona Econômica Especial

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 19

INTRODUÇÃO 27

A China Contemporânea 27

China e Sociedade de Risco 33

Questão ambiental e governança na China 38

Capítulo 1 – A emergência da sociedade civil e de novas organizações sociais

na China Contemporânea 44

1.1 Uma sociedade em transformação: novos elementos, modernização e

surgimento da sociedade civil 44

1.2 Sociedade Civil na China 51

1.3 O caso das organizações sociais na China 62

1.4 Considerações do Capítulo 73

Capítulo 2 - Surgimento e desenvolvimento das ONGs ambientais (década de

1990) – uma reconstrução histórica 76

2.1 A intensificação da problemática ambiental na China 76

2.2 A Política Ambiental Chinesa 91

2.3 O surgimento das ONGs ambientais 102

2.4 Considerações do capítulo 122

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Capítulo 3 – Avanços e conquistas do ambientalismo chinês na década de

2000 125

3.1 Avanços políticos, legislação e problemática ambiental 126

3.2 Greenspeak – papel da mídia e outras artes na formação do espaço

público verde 138

3.3 Protestos ambientais e mobilização social 159

3.4 O avanço das ONGs na década de 2000 167

3.5 Considerações do capítulo- Dificuldades e dilemas das ONGs

ambientais chinesas 191

Capítulo 4 – O enfrentamento às Mudanças Climáticas e a atuação das ONGs

de 2007 a 2015 200

4.1 A questão das mudanças climáticas na China 200

4.2 As políticas de mudanças climáticas 208

4.3 A participação de outros atores sociais na política climática 216

4.4 Considerações do Capítulo – avanços recentes e desafios futuros

234

Considerações Finais – do desespero à esperança? 240

As três fases das ONGs ambientais 242

Transição ao ambientalismo democrático? 252

China rumo à governança multiatores e multiníveis 255

Referências Bibliográficas 258

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APRESENTAÇÃO

A presente tese busca compreender as relações existentes entre

Sociedade Civil e Estado, no contexto das Mudanças Climáticas e das questões

ambientais pertinentes à China Contemporânea. Tal estudo insere-se no Projeto de

Pesquisa Regular da FAPESP (2017/06347-3) O desafio das mudanças ambientais

globais no Antropoceno: Ênfase nas questões das dimensões humanas das

mudanças climáticas (Brasil, China e Moçambique), uma continuação do Projeto de

Pesquisa Regular da FAPESP (2013/19771-7) Mudanças Ambientais Globais: As

Políticas Ambientais na China com referência ao Brasil, ambos coordenados pela

Profa. Dra. Leila da Costa Ferreira.

Tais pesquisas são conduzidas pelo LABGEC (Laboratory of Social

Dimensions of the Global Environmental Changes in the Global South), e buscam

aprofundar os debates acerca das dimensões sociais e políticas das mudanças

climáticas, concentrando-se na questão de como a sociedade responde aos riscos

decorrentes dessas mudanças, quais os impactos sociais e as políticas adotadas

perante o problema. O foco atual dessas pesquisas são os países do sul global,

principalmente Brasil, China e Moçambique.

A oportunidade de se fazer uma pesquisa vinculada a outras pesquisas

desenvolvidas na mesma temática e com objetivos comuns permite que as pesquisas

distintas focalizem alguns aspectos particulares, mas ao se vincularem às demais

pesquisas promovem a consolidação de um panorama mais vasto e extremamente

significativo, ainda mais quando o objeto de pesquisa se trata da China, país tão

distante cultural e geograficamente, mas que nos últimos anos se aproxima da nossa

realidade em virtude do crescimento econômico e da conquista de poderio enquanto

potência mundial.

A inserção nesse grupo de pesquisa foi fundamental para o

desenvolvimento desta tese. A troca de informações e bibliografias, as viagens à

China realizadas por membros do grupo, as entrevistas feitas e o material

compartilhado propiciaram grande enriquecimento ao conteúdo e reflexões desta tese.

Por ser parte desse grupo foi possível utilizar entrevistas feitas por pesquisadores,

que em visita à China entrevistaram pessoas ligadas às ONGs e à administração local

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com foco nas minhas perguntas de pesquisa1. Destaco ainda a presença de uma

pesquisadora chinesa, que veio à Universidade Estadual de Campinas para fazer o

doutorado e trouxe consigo sua bagagem acerca da cultura, história e língua chinesa.

Esses elementos agregam-se diretamente ao material de pesquisa, baseado em

fontes primárias e secundárias, em sua maioria disponível na língua inglesa. Boa parte

das fontes primárias estão disponíveis na Internet, em sites oficiais do governo chinês

e das ONGs (chinesas e internacionais).

A seleção de autores feita ao longo da tese busca contemplar

principalmente autores chineses, que se dividem em duas categorias: os que

escrevem a partir da China e os que escrevem a partir de outros países onde

desenvolvem suas pesquisas. Podemos afirmar que os autores que estão fora da

China gozam de plena liberdade de escrita, não se submetendo à possíveis censuras

por parte do governo. Tal censura, no âmbito acadêmico, é mais rara na China atual

– a Universidade goza de mais liberdade de expressão e debate, porém nos anos de

1980 e 1990 (período analisado nessa tese) a censura impedia diversos estudos e

publicações. A dificuldade maior fica restrita às entrevistas, surveys, debates abertos

com a população, pesquisa de campo, publicação de artigos, que são diretamente

influenciados pelo medo em se contrapor ao Partido Comunista Chinês. A questão da

língua, a princípio uma grande barreira, mostrou-se não tão grande: em um mundo

globalizado, os acadêmicos chineses já estão escrevendo diretamente em inglês,

visando maior alcance e difusão de suas ideias. Além dos autores chineses buscamos

autores especialistas em China, com reconhecimento internacional, publicações peer-

review, selecionando uma literatura extremamente especializada e muito variada.

Em setembro de 2018 realizei uma viagem a campo2 com duração de um

mês. Nesse período estive nas cidades de Beijing e Shanghai, buscando captar a

dimensão ambiental nos mais diversos lugares e das mais variadas formas. Pude

acompanhar a ação de duas ONGs em Shanghai. Uma GONGO (Government

organized non-government organisation), a Shanghai Greening, que trabalha com

educação ambiental a partir da ação com crianças, e uma ONG internacional, a Nature

Conservancy, que naquele momento estava com um projeto de hortas comunitárias.

1 Agradecimentos especiais ao Luiz Henrique Vieira de Souza e Alina Gilmanova 2 A pesquisa de campo foi viabilizada graças ao apoio do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade, que disponibilizou verba Proex para pagamento de diárias, e da FAPESP, por meio do projeto regular coordenado pela Profa Leila da Costa Ferreira.

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A pesquisa de campo foi fundamental ao permitir entender um pouco melhor o modo

chinês de ser, a maneira como os indivíduos se relacionam, como interagem com a

natureza, além de outras dimensões como questões de consumo, mobilidade urbana,

construção civil. Também foi possível observar políticas públicas e investimentos

públicos em áreas de energia solar e eólica, trem eletromagnético, reflorestamento e

recuperação florestal, cadastramento das árvores nas áreas urbanas, coleta seletiva,

eletrificação do transporte urbano, e até mesmo pude presenciar dias seguidos de céu

azul, com baixos índices de poluição (em torno de 50 a 70 µg/m3 de PM2.5), graças

às recentes políticas voltadas à poluição atmosférica. A viagem à China alterou

completamente minhas percepções sobre o país, pois é inegável o impacto que a

China pode causar em qualquer visitante.

Figura 1: Ação de GONGO em Shanghai

Fonte: autoria própria (Shanghai, 2018).

Ao estudarmos a China estamos olhando e refletindo sobre uma realidade

e uma sociedade completamente distinta da Ocidental, a qual estamos acostumados.

Fazemos isso a partir das mediações conhecidas por nós: elementos e conceitos-

chaves que iluminam essa outra realidade. Para captar uma novidade é preciso

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associá-la ao que conhecemos, na busca de compreensão do objeto. Procuramos

dessa forma pôr em prática certo cosmopolitismo metodológico, no qual olhamos de

longe para uma outra realidade, a partir de diversas áreas do conhecimento e a partir

de perspectiva diferenciada entre o ator e o observador cientista social, combinando

elementos distintos da dimensão espacial e temporal (BECK, 2006; FERREIRA,

2017). A opção pelo cosmopolitismo metodológico se pauta na concordância com a

produção de Ulrich Beck, que defende que “a dinâmica dos riscos ambientais só pode

ser compreendida a partir de um cosmopolitismo metodológico” (BECK, 2008, p. 219),

evitando o chamado nacionalismo metodológico, incapaz de captar a complexidade

da sociedade atual.

Esta tese se insere no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e

Sociedade, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais, um programa

eminentemente interdisciplinar e por esse motivo lança-se ao desafio de ser

interdisciplinar, afinal, a todo momento nos deparamos com um problema complexo,

e uma única disciplina não é capaz de fornecer subsídios teóricos suficientes para

responder às perguntas lançadas. A sociologia e a ciência política são as disciplinas

nitidamente mais utilizadas ao longo da tese, mas elementos de ecologia e ciências

climáticas aparecerão permeados em toda trama tecida a fim de se compreender

holisticamente o problema de pesquisa. A intenção foi tornar as barreiras disciplinares

permeáveis, de modo a facilitar a mobilização de temas e conceitos de diversas áreas.

Lidarei com a questão dos riscos ambientais, que por sua complexidade e

necessidade de uma solução global/cosmopolita, necessita de um novo instrumento

analítico (o cosmopolitismo metodológico), a partir dos esforços em se produzir uma

ciência social cosmopolita:

a cosmopolitização deve ser vista como um processo não-linear e dialético, no qual o universal e o contextual, o semelhante e o diferente, o global e o local são apreendidos não como polaridades culturais, mas como princípios estritamente ligados entre si (BECK, 2006, p. 144).

O cosmopolitismo metodológico nos permite olhar a China nas suas

particularidades, preservando as diferenças de culturas, etnias, religiões, sem que

caiamos no erro de ocidentalizar suas experiências e práticas, reconhecendo a

existência do multiculturalismo e da pluralidade de experiências históricas, sociais e

políticas. Beck e Beck-Gernsheim (2010) destacaram que as variedades da

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individualização é uma das tarefas mais importantes do cosmopolitismo metodológico,

reconhecendo a diversidade de formações sociais e a importância de seu estudo para

o renascimento da teoria social (FERREIRA, 2018).

O cosmopolitismo metodológico auxilia na superação das amarras do

ocidentocentrismo, perspectiva que prioriza o desenvolvimento ocidental, seus

valores essenciais (como direitos humanos e democracia), em detrimento de outras

experiências históricas, desconsiderando que o Ocidente exerceu um domínio na

ordem global apenas no último um século e meio (STUNKEL, 2018).

O ocidentocentrismo presume que o Ocidente é fundamentalmente diferente de qualquer outra coisa, e produziu a premissa intelectual que divide o mundo entre o Ocidente e o resto (ou centro e periferia). Isto rebaixa o “resto” a um agrupamento cuja característica principal é a sua alteridade, isto é, o fato de não serem ocidentais (STUNKEL, 2018, p. 41).

Como destaca Christian Baudelot, no prefácio de Société chinoise vue par

ses sociologues (ROCCA, 2008), para compreendermos a sociedade chinesa não

precisamos trabalhar com a noção dicotômica de “pensamento ocidental” e

“pensamento chinês”, mas devemos nos esforçar para utilizar as ferramentas que as

ciências sociais nos oferecem e que permitem entender a China em sua

particularidade e totalidade.

Tal ideia também foi debatida por Edward Said (SAID, 1990), ao afirmar

que a noção de Oriente construída pela visão ocidental é de algo que se opõe, é uma

experiência contrastante, e tal dicotomia só se fortalece com a construção de

estereótipos antagônicos. É preciso superar as dificuldades de se compreender a

China, rompendo estereótipos, preconceitos, incompreensões, que permeiam tantas

pesquisas sobre a China. Isso só será possível com muito estudo, reflexão e

reconhecimento das dificuldades, que muitas vezes se assentam nas diferenças

fundamentais existentes entre as diversas civilizações, elementos intrínsecos à

sociedade e ao indivíduo, tais como diferenças conceituais sobre filosofia, religião,

organização social, padrões hierárquicos, ação coletiva, que influenciam no cerne da

constituição das sociedades distintas. É preciso esforço intelectual para entender que

a China não precisa se encaixar nos moldes aos quais estamos acostumados, afinal,

há um contexto e desenvolvimento histórico completamente diverso do ocorrido na

Europa e até mesmo nas Américas.

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Já em 1969 Josué de Castro (CASTRO, 1969) afirmava que o

desconhecimento sobre a civilização com mais de 4 mil anos de existência, e a pouca

preocupação ocidental em desvendar os mistérios do Oriente, refletia diretamente no

espanto sobre tal civilização. Essa tese buscará iluminar pequenos pontos sobre a

sociedade chinesa, levantando hipóteses e reflexões sobre sua organização social e

poder político, e suas inter-relações num momento em que as mudanças climáticas

se tornam uma preocupação efetiva para o século XXI e um problema que deve ser

enfrentado globalmente.

Meu interesse por estudar a China remonta a 2003, quando ainda no

primeiro ano de graduação fui apresentada à China maoísta. Desenvolvi minha

iniciação científica e mestrado em Sociologia a respeito da educação no período de

transição socialista, a partir da análise da Revolução Cultural Chinesa (BARBIERI,

2009). Nesse momento me dediquei a aprender mais sobre a língua e cultura chinesa,

me matriculando na Escola Chinesa de Campinas, num período em que poucos se

interessavam academicamente pela China, no Brasil.

Anos após a defesa do Mestrado soube das pesquisas do Grupo Brasil

China, e fui incorporada como assistente técnica de pesquisa (FAPESP 2014/22384-

8). Entre as pesquisas que estavam sendo conduzidas pelo grupo, a lacuna existente

sobre a questão da sociedade civil era clara. A bibliografia apontava para alguns

estudos sobre o movimento ambientalista e sua importância crescente na condução

das políticas ambientais nacionais, e nesse instante se definiu o objeto de pesquisa

dessa tese. As questões iniciais que nortearam a pesquisa buscavam reconhecer se

havia um movimento ambientalista, como era possível sua existência em um Estado

autoritário3, como as Organizações Não-Governamentais (ONGs) ambientais se

3 Segundo Bobbio: “Na tipologia dos sistemas políticos, são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas. Nesse contexto, a oposição e a autonomia dos subsistemas políticos são reduzidas à expressão mínima e as instituições destinadas a representar a autoridade de baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente esvaziadas (Bobbio, 1998, p. 94); “os regimes autoritários se caracterizam pela ausência de Parlamento e de eleições populares, ou, quando tais instituições existem, pelo seu caráter meramente cerimonial, e ainda pelo indiscutível predomínio do poder executivo. No segundo aspecto, os regimes autoritários se distinguem pela ausência da liberdade dos subsistemas, tanto no aspecto real como no aspecto formal, típica da democracia. A oposição política é suprimida ou obstruída. O pluralismo partidário é proibido ou reduzido a um simulacro sem incidência real. A autonomia dos outros grupos politicamente relevantes é destruída ou tolerada enquanto não perturba a posição do poder do chefe ou da elite governante” (BOBBIO, 1998, p. 100).

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desenvolveram. Tais perguntas serão respondidas ao longo do primeiro e segundo

capítulo da tese.

Entre andanças e revisões bibliográficas o objeto de pesquisa foi se

delineando, mostrando ser impossível desvincular o Estado e a Sociedade Civil,

elementos que andam lado a lado na realidade social chinesa, conforme apresento no

capítulo 1.

A pergunta central desta tese reflete exatamente a necessidade de

compreender melhor essa relação: De que maneira a sociedade civil chinesa,

através das ONGs ambientais, participa da governança ambiental num país

autoritário?

A partir desse questionamento central buscam-se alcançar os seguintes

objetivos: 1 – compreender o desenvolvimento histórico das ONGs ambientais

chinesas, reconhecendo suas atuações e formas de organização; 2 – analisar a

relação que se estabelece entre o Estado chinês e as ONGs ambientais; 3 – Refletir

sobre os impactos e contribuições que o movimento ambientalista, representado pelas

ONGs, causa nas políticas estatais e na sociedade chinesa, isto é, compreender a

internalização da problemática ambiental a partir da atuação das ONGs ambientais; 4

– reconhecer e refletir sobre o papel da governança ambiental frente às mudanças

climáticas e a importância da atuação da sociedade civil.

As hipóteses de pesquisa construídas a partir da reflexão inicial sobre o

tema sugerem que: 1 – na ausência de espaço para atuação política do movimento

ambientalista chinês, esse se molda ao ambientalismo autoritário do Estado e se

distancia da atuação política direta durante toda a década de 1990; 2 – entretanto, ao

longo dos anos 2000 há profundas alterações na relação entre Estado e Sociedade

Civil, que permitem reconhecer um período de transição para um ambientalismo

democrático, com aumento na participação política e atuação pública, além de

reconhecimento por parte do Estado da importância que os movimentos sociais

conquistaram perante a sociedade; 3 – a complexidade dos riscos, com as mudanças

climáticas e a degradação ambiental, necessitam da governança multiatores, quando

não basta o Estado, por isso a sociedade civil e demais atores conquistaram seu

espaço de atuação.

A cada nova descoberta, uma certeza: um gigante começava a se

desvendar sobre os meus olhos, e suas relações, tão camufladas, começavam a fazer

sentido. Estudar a China não é apenas exótico, é essencial, ainda mais quando

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tratamos de mudanças climáticas e impactos ambientais. Afinal a China, hoje, já é o

maior emissor de gases de efeito estufa e suas ações repercutem diretamente no

mundo todo. Além disso, o país possui 20 das 30 cidades mais poluídas do mundo

(GRUNOW; HEBERER, 2011; IEA, 2015). Numa geopolítica conturbada, na qual os

Estados Unidos, sob direção do Presidente Donald Trump, se afastam das

negociações internacionais e negam as mudanças climáticas, a China conquista o

papel de ator principal nessas negociações, e tem se esforçado, ao longo da última

década, para implementar políticas efetivas e alcançar seus planos estabelecidos

(FERREIRA, 2017; BARBI, 2015; BARBI; FERREIRA, 2016).

Para compreender as mudanças na condução das políticas ambientais e

no papel desempenhado pelas ONGs ambientais, abordarei no capítulo 2 a

problemática ambiental chinesa e o início da atuação das ONGs ambientais. No

capítulo 3 apresentarei as novas legislações ambientais e a atuação mais recente das

ONGs ambientais – a partir dos anos 2000. No capítulo 4 tratarei das recentes ONGs

voltadas, especificamente, para as mudanças climáticas, identificando como elas

atuam, como compreendem a problemática, o papel do Estado perante essa atuação

e a relação dialética que se estabelece entre as ONGs e as esferas políticas. Por fim,

nas considerações finais retomarei alguns conceitos fundamentais trabalhados ao

longo da tese, como ambientalismo autoritário, ambientalismo democrático e

governança multiatores, buscando pontuar as contribuições inéditas dessa tese.

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INTRODUÇÃO

A China Contemporânea

Para compreender a China contemporânea, acompanhar as decisões

atuais e a maneira como o Estado e a Sociedade Civil se relacionaram nos últimos

trinta anos, é preciso reconhecer as profundas transformações políticas, econômicas

e sociais ocorridas em solo chinês, a partir de 1978.

Após quase 30 anos da vitória comunista na Revolução de 1949, conduzida

por Mao Zedong4, foi preciso repensar estratégias políticas, equacionar economia e

crescimento, objetivando a conquista de um novo momento histórico, responsável por

transformar a China em uma nova superpotência mundial.

O fracasso da Revolução Cultural (1966-1976) podia ser sentido em várias

esferas: na política, com caos e destruição no interior do Partido; na economia, com

forte recessão e estagnação econômica; no fracasso do modelo stalinista de controle

estatal; no questionamento ao modelo de coletivização de terras; no

descontentamento social com os rumos tomados pela Revolução Cultural e na falta

de crença no socialismo. Em 1976 temos a morte de Mao Zedong, culminando a

necessária sucessão no poder, que já vinha sendo cogitada desde o início da década

de 1970, quando forças opositoras à Gangue dos Quatro5 já se articulavam para

garantir seus postos no interior do partido. Em uma complexa manobra de poder, Deng

Xiaoping assume o poder em 1978, sendo o responsável pelo desenvolvimento da

China contemporânea.

Quando Deng Xiaoping assumiu o poder, a necessidade de transformações

políticas, econômicas e sociais era premente. A China encontrava-se fechada para o

mundo, ainda era um país pobre e rural, com um pesado fardo de três décadas

4 Usaremos o sistema de romanização Pin Yin, adotado desde 1982, como o modelo padrão para o chinês moderno. 5 A chamada Gangue dos Quatro é o grupo responsável pela implementação da Revolução Cultural, formado por Jiang Qing (esposa de Mao Zedong), Zhang Chunqiao, Wan Hongwen e Yao Wenyuan. Com o fim da Revolução Cultural foram condenados pelos excessos praticados. Jiang Qing e Zhan Chunqiao foram condenados à morte, com penas comutadas para prisão perpétua, e Yao Wenyuan e Wang Hongwen foram condenados a vinte anos de prisão (SPENCER, 1995; HSÜ, 2000).

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orientada pela política maoísta, que esfacelou a economia nacional6. Ainda que o

período pós 1949 tenha conquistado alguns avanços, como expansão da rede de

energia elétrica, expansão do ensino primário em áreas rurais, avanço nas indústrias

pesadas, a China se encontrava muito distante de uma inserção na economia

globalizada (CHANG, 1991).

De maneira diferente do que ocorreu na antiga União Soviética, exemplo

seguido pela China nos primeiros anos após 1949, as transformações da década de

1980 são vagarosas, cumprindo diversas etapas previstas e calculadas, possibilitando

a melhoria de vida da população e um significativo incremento na produção agrícola

e industrial (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008).

O comando político oficializou a adoção de reformas econômicas em 1978,

com o intuito de promover um grande crescimento econômico, mas sem alterar as

bases da política, isso é, sem que o Partido Comunista saísse do poder. Chamado de

Plano das Quatro Modernizações, visava tornar a China uma grande potência

mundial, a partir do desenvolvimento da agricultura, da indústria, da defesa e da

ciência e tecnologia, estimulando a reinserção internacional (GAMER, 1999; LEITE,

2013). Deng Xiaoping afirmou que o objetivo era quadruplicar o PIB, além de absorver

os investimentos estrangeiros, a tecnologia e a ciência, abrindo a China para o mundo,

com a chamada política de portas abertas (HSÜ, 2000). Houve uma completa virada

política em relação aos anos maoístas, que manteve a China isolada. Deng defendia

abertamente a impossibilidade de se desenvolver sem se relacionar com os demais

países, a modernização demandava as relações entre Estados, a partir de trocas

comerciais, científicas e tecnológicas. Entretanto, tais trocas não deveriam permitir a

influência cultural e de valores ocidentais, pois temia-se que o poderio do Partido

ficasse abalado.

O setor industrial, no plano das quatro modernizações, ficou responsável

por desenvolver mais de 120 grandes projetos, nas áreas de ferro, óleo, gás, estações

de energia elétrica, minas de carvão, metais não ferrosos, responsáveis por

fornecerem a matéria prima necessária para o enorme crescimento chinês planejado

já em 1976, durante o 5º Congresso Nacional. A estimativa era de aumentar a

6 Esse período histórico foi abordado na tese de Lisandra Zago, pesquisadora do LABGEC. Ver: ZAGO, Lisandra. Estratégias político-econômicas chinesas e suas consequências socioambientais: uma análise do período entre Mao Zedong a Deng Xiaoping. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2017.

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produção de ferro de 60 milhões de toneladas em 1985 para 180 milhões em 1999; a

extração de carvão deveria saltar para 900 milhões de toneladas, praticamente o

dobro da média anual da década de 1970; mas entre tantos números grandiosos a

expansão da produção de energia elétrica era a menor entre todos os crescimentos

previstos pelo plano de modernização. A instalação de novas plantas para produção

de energia elétrica deveria aumentar em cerca de 6 a 8 milhões de quilowatts por ano,

muito distante do necessário para sustentar um crescimento econômico de 10% ao

ano, já ficando claro a necessidade e o estímulo ao consumo do carvão (HSÜ, 2000).

Num primeiro momento, os reformadores efetuaram uma descentralização dos poderes de iniciativa econômica e protegeram sistemas socioeconômicos internos com uma delimitação tanto geográfica como setorial das experiências das reformas, que tomaram como modelo os pequenos dragões asiáticos, o Japão e o Ocidente. Essa foi a fase das zonas econômicas especiais (SANJUAN, 2009, p. 11).

Já a modernização científica, outro pilar do plano de Deng Xiaoping, visava

estimular a troca de conhecimentos e produções científicas da China com diversos

países, além de incentivar a formação acadêmica, aumentando o número de

intelectuais, pesquisadores e cientistas capacitados para fundarem novos centros de

pesquisa, integrados por um sistema nacional de pesquisa científica e tecnológica.

O setor militar, que contava com um grandioso número de membros das

forças armadas, necessitava de urgente modernização, pois apesar de ser o maior

poderio mundial em termos numéricos, contava com uma estrutura e tecnologia

antiga, ainda calcada nas indústrias bélicas inspiradas pela União Soviética na década

de 1950. Tal atualização tecnológica das forças armadas custou em torno de 33

bilhões de dólares, estimativa feita por países ocidentais, já que o governo chinês não

divulgou o valor na época. Entretanto, ao menos 330 bilhões de dólares seriam

necessários para uma completa atualização e modernização das forças armadas,

custo excessivamente alto para um momento em que tantos outros investimentos

estatais eram mais necessários (HSÜ, 2000; GAMER, 1999).

Ao lado dessas áreas, a reforma ocorrida no campo foi o principal fator para

uma série de mudanças econômicas e sociais experimentadas pela China durante a

década de 1980. A transformação se inicia a partir da população rural, que percebendo

o esgotamento do modelo de agricultura baseado no sistema de comunas passa a

adotar o sistema de responsabilidade familiar, numa transformação endógena que

recebeu apoio de Deng Xiaoping após as primeiras experiências bem-sucedidas

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(HUANG, 2008). Com esse sistema a terra é distribuída entre as famílias, que

conquistam autonomia para escolher seus métodos de gestão, plantação e colheita.

Uma parte da produção é entregue ao Estado, que paga baixos valores em troca. O

excedente da produção pode ser vendido ou trocado. Tão simples transformação

impactou profundamente a organização econômica e social do país: a possibilidade

de venda do excedente cria um mercado consumidor, um mercado de troca e

comercialização. Para além disso, já sinaliza a existência de uma organização social

capaz de propor alterações nas legislações e modos de produção e comercialização

(LEITE, 2013; BARBIERI; ZAGO, 2015).

Esse pequeno mercado que surge passa a estimular o advento de

pequenas indústrias e a contratação de mão de obra, afinal, aumentando a

produtividade das terras aumenta-se o excedente produzido, colocando mais produtos

no recém mercado criado. A população rural torna-se uma população consumidora,

comprando produtos e serviços no comércio local, permitindo a circulação econômica

e a consolidação de um ciclo consumidor (LEITE, 2013). Inicia-se a produção de bens

de consumo de baixo valor, acessível a muitas famílias e também vendido para o

mercado internacional, internacionalizando a produção, ao mesmo tempo que permitiu

a expansão da mão de obra assalariada e do consumo local.

A possibilidade de comercialização do excedente incentivou o aumento da

produtividade, assim como a competitividade entre os produtores e a regulação dos

preços dos produtos. Provocou uma completa transformação na dinâmica do campo,

não prendendo todos os membros da família ao trabalho no campo, liberando

trabalhadores para o emprego nas pequenas empresas que começavam a

surgir. Dados indicam (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008) que entre os anos de 1980 e

1986, apesar da redução da população rural, que se deslocava para as cidades, a

produção bruta mais que duplicou – efeito direto da política econômica voltada para a

agricultura, que conferiu dinamismo e incentivo à produção.

A vida no campo passa a ter melhores condições, com incremento na renda

per capita - ainda que a renda per capita anual fosse de 250 dólares, enquanto a renda

de um americano chegava a mais de 12 mil dólares (HSÜ, 2000). A pobreza era a

regra entre a população rural, mas o dinamismo provocado por essa mudança na

estrutura agrária é uma pequena faísca capaz de provocar grandes mudanças no

futuro do país.

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Com a modernização do campo e as reformas do mercado, ao longo da

década de 1980, houve um intenso processo migratório do campo para a cidade. O

ano de 1984 marcou oficialmente a expansão do mercado para as áreas urbanas;

assim como nas áreas rurais, as forças do mercado conduziram transformações

também nas cidades, impulsionando um novo desenvolvimento econômico

responsável por permitir um maior acréscimo na economia urbana na segunda metade

da década de 1980, em comparação com a economia rural, que voltava a se estagnar

em virtude da ausência de novas reformas e incentivos governamentais.

Ao mesmo tempo em que ocorre um estímulo à economia urbana e rural e

à criação de empresas privadas, por outro lado há um enfraquecimento das empresas

estatais que ocasiona uma redução na arrecadação pelo governo central. Em

contraposição, as esferas locais se fortalecem a partir da aliança com as empresas

privadas, aumentando a arrecadação de impostos municipais, beneficiando os

funcionários locais (a partir da corrupção), mas também trazendo melhorias para as

populações locais. Disso decorre um fortalecimento do poder político e econômico

local, que provoca um enfraquecimento no poder central. Ao manter o imposto

arrecadado em sua própria região há um maior estímulo ao crescimento, pois é

possível visualizar as melhorias que a vinda de empresas causava à região

(FAIRBANK; GOLDMAN, 2008).

O governo cria as Zonas Econômicas Especiais como meio de atrair

investimento estrangeiros, oferecendo incentivos fiscais em troca de produção de

novas tecnologias e aumento nas exportações. Tais Zonas provocaram intensa

urbanização nas áreas ao longo da costa sudeste da China, no delta de Guangdong

e no rio Yangzi, atraindo mão-de-obra barata que produzia bens não-duráveis, como

vestuários.

Uma economia de mercado efetivamente se consolida, com empresas

estrangeiras expandindo suas atividades, empresas privadas aumentando

exponencialmente, e consequentemente, o Estado começa a ter menor controle sobre

a vida pessoal dos chineses; as escolhas individuais passam a ser possíveis,

conferindo flexibilidade à vida pessoal, que se vê cada vez mais autônoma em relação

ao Partido.

A década de 1980 vivenciou, graças à abertura comercial ao exterior e ao

envio de chineses para outros países, a introdução de ideias políticas e valores

ocidentais. Centenas de livros, filmes, músicas e influências por meio da televisão,

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rádio, fax, entraram nos lares chineses e nas rodas de conversas, principalmente nos

grandes centros urbanos. Tal fenômeno se intensifica na década de 1990, quando

novas tecnologias de comunicação expandem as áreas de influência para a área rural,

levando novas perspectivas aos chineses que habitavam locais longe dos centros

urbanos (DAVIS, 2010).

Nos últimos anos da década de 1980 fica nítida a influência de valores e

culturas ocidentais, perceptível nas manifestações de estudantes, no questionamento

ideológico, na crise da legitimidade do Partido e dos ideais socialistas, com diminuição

na capacidade de liderança (HSÜ, 2000). O episódio da Praça da Paz Celestial, que

teve repercussão internacional em 1989, é um exemplo significativo do que estava

acontecendo na China, conforme veremos no capítulo 1. Ao mesmo tempo em que a

insegurança pelo presente dominava as diversas camadas da população, ideias

positivas e políticas governamentais incentivavam uma visão idílica de futuro, com a

modernidade resolvendo os conflitos existentes.

O crescimento econômico e o dinamismo que a sociedade conquistava

tornou possível maior expressão intelectual, cultural e individual, e Deng Xiaoping não

reprimiu tal acontecimento. Diferentemente do período de Mao Zedong houve uma

diminuição no controle do Partido sobre a vida pessoal, social, cultural e sobre as

atividades econômicas, porém, mantendo o controle na área política e fortalecendo a

política do filho único (FAIRBANK; GOLDMAN, 2008). As ideologias oficiais deixam

de ser as únicas possíveis, e há um crescente número de chineses em busca de uma

religião, seja o catolicismo, o protestantismo, daoísmo ou budismo. Novas práticas

filosóficas e religiosas são permitidas, possibilitando pela primeira vez após 1949, a

manifestação das crenças e valores individuais, sem a interferência e orientação do

Partido comunista. Tal cenário é fundamental para o surgimento da sociedade civil,

objeto a ser estudado no capítulo 1 dessa tese.

As cidades passam a ser o locus privilegiado de desenvolvimento e

recomposição da sociedade chinesa, acompanhada pelas novas estratificações

sociais, grandes prédios, intensa atividade industrial, com profundas alterações nas

unidades de trabalho, que trazem novos problemas à sociedade: os riscos do

desemprego, das doenças, da velhice, novas formas de desigualdades e injustiças.

Novos contrastes se evidenciam: megalópoles se desenvolvem e permitem o

surgimento de níveis e estilos de vida semelhantes aos dos países da Europa; há uma

elevação no nível de instrução da população mais jovem; as universidades crescem e

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melhoram muito, tornando-se novos pólos de ensino e pesquisa adequados aos

desafios internacionais. Ao mesmo tempo, as zonas rurais não acompanham tal

desenvolvimento no mesmo ritmo. As áreas rurais próximas aos grandes centros

urbanos foram incorporadas às cidades, mas as áreas distantes seguem à periferia

do desenvolvimento: poucos serviços sociais, escassa rede de transporte, poucas

escolas, baseadas numa agricultura de base, num claro exemplo de modernização

desigual (SANJUAN, 2009).

China e Sociedade de Risco

A intensa transformação social vivenciada a partir da década de 1980 foi

conduzida a partir de três forças principais: desenvolvimento econômico (vinculado ao

incremento da manufatura, do setor de serviços e da urbanização), transição

econômica (do modelo socialista planificado para a economia de mercado) e

globalização (integração econômica da China com outros mercados, influenciando a

vida social) (ALPERMANN, 2011).

Novas significações foram conferidas às estruturas sociais, modos de

organização, com uma nova reestruturação da sociedade como um todo. Para

entender a profundidade dessas transformações, diversos analistas buscam

reconhecer a existência de uma modernização comprimida, fenômeno no qual

mudanças típicas da primeira modernidade e da segunda modernidade ocorrem

concomitantemente, em um curto período de tempo (BECK; GRANDE, 2010; HAN;

SHIM, 2010). Tal fenômeno é identificado no leste asiático, em países como Japão,

Coréia do Sul e China, que foram diretamente influenciados por uma tendência global

ao desenvolvimento da segunda modernidade, a partir da década de 1960, sem que

houvessem vivenciados plenamente a primeira modernidade. De certa forma todas as

sociedades de desenvolvimento tardias foram, de alguma maneira, locais de

ocorrência de uma modernidade comprimida, ainda que experienciada de maneiras

distintas (CHANG, 2010).

Segundo definição de Kyung-Sup Chang (2010),

A modernidade comprimida é uma condição civilizadora na qual as mudanças econômicas, políticas, sociais e/ou culturais ocorrem de uma maneira extremamente condensada em termos de tempo e espaço, e em que a coexistência dinâmica de elementos históricos e sociais mutuamente díspares levam à construção e reconstrução de um sistema social altamente

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complexo e fluido. A modernidade comprimida (...) pode ser manifestada em vários níveis de existência humana – isto é, na vida pessoal, família, organizações, espaços urbanos, unidades sociais (incluindo sociedade civil, nação, etc), e, sobretudo na sociedade global. Em cada um desses níveis, a vida das pessoas precisa ser gerenciada de forma intensa, intrincada e flexível para permanecer normalmente integrada com o resto da sociedade (CHANG, 2010, p. 6, tradução minha).

A primeira modernidade é característica da sociedade industrial europeia e

há uma forte estrutura social que protege os indivíduos dos riscos, a partir da

existência da família, da religião, do welfare state. As diversas instituições são

fortalecidas e com isso há uma forte confiança no progresso e no desenvolvimento

científico e tecnológico. A primeira modernidade marcou um novo período no qual os

sistemas de produção se diferenciaram fundamentalmente dos sistemas

preexistentes, permitindo expansão da produção e acumulação de riqueza, a partir de

uma alta taxa de inovação tecnológica (GIDDENS, 2005).

Modernização significa o salto tecnológico de racionalização e a transformação do trabalho e da organização, (...) a mudança dos caracteres sociais e das biografias padrão, dos estilos e formas de vida, das estruturas de poder e controle, das formas políticas de opressão e participação, das concepções de realidade e das normas cognitivas (BECK, 2010, p. 23).

A primeira modernidade é marcada pela desincorporação sucedida pela

reincorporação de formas tradicionais pelas estruturas sociais industriais (BECK,

1997), no qual o pensamento religioso e tradicional é substituído pela razão

instrumental, pela crença na ciência, numa constante busca pela ordem e pelo

progresso (BAUMAN, 1999). Nesse momento, o sistema produz auto-ameaças, mas

essas não se tornam questões públicas ou produtoras de conflitos políticos (BECK,

1997).

A segunda modernidade, a modernização da modernização (BECK, 1997),

surge como uma consequência da radicalização da primeira modernidade, a partir da

dinamização do desenvolvimento alcançado. Ela destrói os padrões da primeira

modernidade e cria novos padrões, a partir de uma reinvenção da modernidade. Ela

representa “a vitória da modernização ocidental” (BECK, 1997, p. 12) que se expande

por todo o mundo com a globalização.

Tal radicalização da modernidade promove uma reconfiguração

institucional, a partir da ruptura com os padrões da primeira modernidade. As

instituições da modernidade, como a família e o Estado, se enfraquecem e não

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conseguem mais proteger os indivíduos (HAN; SHIM, 2010). O desenvolvimento

científico e tecnológico passa a criar novos riscos e alcança-se um ponto de não

retorno na relação homem-natureza (BECK, 1997). A utilização desenfreada dos

recursos naturais, a partir da Revolução Industrial, impõe a impossibilidade de se

retornar ao estado natural do planeta.

Se a primeira modernidade é característica da sociedade industrial, a

segunda modernidade é marcada pela sociedade de risco. Conceito central na obra

de Ulrich Beck, o risco é fruto dos avanços científicos, que geram não apenas

benefícios, mas também novas situações de risco. As inovações tecnológicas e

científicas produzem efeitos colaterais negativos e cada vez mais complexos (BECK,

1997), fazendo com que o poder do progresso seja cada vez mais ofuscado pela

produção de riscos e de potenciais autoameaças até então desconhecidas (BECK,

2010). O risco torna-se um elemento global, uma ameaça que pode atingir a todos e

que pode promover uma possível autodestruição da vida humana na Terra.

Por conta da complexidade, da natureza dos riscos e das estruturas sociais

da segunda modernidade, os riscos são cada vez mais abrangentes e globalizados,

tornando-se imprevisíveis, com uma espacialidade e temporalidade que não se

restringe mais às fronteiras geopolíticas nacionais. Além disso, pode-se dizer que os

riscos são institucionalmente fabricados e muitas vezes são invisíveis e incalculáveis.

Conforme Beck (2010), os riscos “contém uma tendência globalizante que tanto se

estende à produção e reprodução como atravessa fronteiras nacionais, e, nesse

sentido, com um novo tipo de dinâmica social e política, faz surgir ameaças globais

supranacionais e independentes de classe” (BECK, 2010, p. 16).

Temos, dessa forma, a modernização produzindo os riscos -

“modernização como causa, dano como efeito colateral” (BECK, 2010, p. 37). A

radicalização dessa modernidade e o aumento exponencial dos riscos geram então a

reflexividade – a modernidade reflexiva. Os novos riscos da modernidade reflexiva são

variados: mudanças climáticas, destruição ecológica, desigualdade econômica,

desemprego, pandemias globais (BECK, 2010). A partir da reflexividade, que se

diferencia da mera reflexão por não ser individual e consciente, coletivamente há o

reconhecimento das deficiências do desenvolvimento e suas consequências. Os

riscos possuem um componente futuro, eles estão diretamente relacionados com a

antecipação das destruições que ainda não ocorreram, mas que são previstas. A

reflexividade propõe a autoconfrontação e a crítica, a partir da imaginação dos danos

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no futuro e a luta por aquilo que deve ser evitado, e como resultado temos o estímulo

à individualização e à quebra das instituições modernas. “Na sociedade do risco, o

passado deixa de ter força determinante em relação ao presente. Em seu lugar entra

o futuro” (BECK, 2010, p. 40).

A emergência dos riscos abala a crença nas instituições tradicionais, e

surge a necessidade de os indivíduos assumirem sua própria biografia afinal, na

modernidade reflexiva, eles se desconectam de estruturas coletivas, como a família e

o estado-nação. A individualização impõe a necessidade de os sujeitos serem

responsabilizados por seus atos, afinal, a estrutura social não mais protege os

indivíduos dos riscos, como acontecia na primeira modernidade (HAN; SHIM, 2010).

As formas radicalizadas de dinâmicas da modernização produzem, então,

a individualização, o risco e a cosmopolitização. Esta última refere-se ao

reconhecimento da interdependência existente entre os seres humanos que habitam

as diversas partes do planeta. O risco civilizacional demanda uma solução integradora

e a necessidade de superar as barreiras físicas e políticas dos países – uma solução

cosmopolita.

A cosmopolitização é uma resposta à imprevisibilidade dos riscos, que

estimulam respostas morais e políticas que devem transcender as barreiras nacionais

e os conflitos nacionais (BECK; DENG; SHEN, 2010). Assim, conforme sua definição

originária na filosofia grega, cosmopolitização significa que o indivíduo deixa de ser

cidadão da polis e passa a ser cidadão do mundo. Tal processo é fundamental para

se enfrentarem os novos desafios da segunda modernidade, que demandam

governança global e interconexões transnacionais (HAN; SHIM, 2010).

O framework teórico da Sociedade de Risco de Ulrich Beck, assim como as

proposições teóricas formuladas por Ferreira (2017; 2018), Ferreira e Barbi (2012) e

Barbi (2015), acompanharão o desenvolvimento dessa tese, afinal, é possível

reconhecermos que a China vivencia o processo de modernização comprimida a partir

do final da década de 1970.

A presença de um forte Estado burocrático autoritário, responsável por

promover um elevado crescimento econômico, intensificou inúmeros riscos, que se

agravaram em virtude da coexistência de riscos típicos da sociedade tradicional, da

sociedade moderna e da sociedade pós-moderna. Os riscos produzidos são

condensados na escala temporal e a diversidade de riscos gera maior complexidade

e heterogeneidade. Riscos como desigualdade social e falta de democracia, típicos

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da primeira modernidade e que já foram, de certa maneira, resolvidos nos países

ocidentais, coexistem com os riscos ambientais, que são intensificados em virtude do

apressado desenvolvimento, que gera maiores efeitos colaterais. Ademais, a rápida

modernização não propicia as habilidades necessárias para controlar os riscos

iminentes (HAN; SHIM, 2010).

A utilização de tal aparato teórico para compreender a realidade chinesa

leva-nos, necessariamente, a confrontar uma crítica muito comum à obra de Ulrich

Beck: nos textos iniciais desse autor há uma forte tendência em lidar apenas com a

experiência europeia de modernização (principalmente a partir da Alemanha

Ocidental), que o leva a preconizar a existência de um padrão único de modernidade,

baseado na realidade ocidental/europeia (CALHOUM, 2010).

Entretanto, os últimos anos de sua vida foram voltados, em grande parte,

em compreender a diversidade de modernidades, com clara aproximação e interesse

ao que acontecia no Oriente, especialmente na China e Coréia do Sul.

Em Chinesische Bastelbriographie? Variationen der Individualisierung in

kosmopolitischer Perspektivec Beck e Beck-Gernsheim (2010) apresentam tipologias

de modernidades: as diferentes formas de integração social associadas a diferenças

históricas geram quatro tipos de modernidade e individualização. (1) Modernidade

Europeia, (2) Modernidade Americana, (3) Modernidade Chinesa, (4) Modernidade

Islâmica. Essas variantes de modernidades baseiam-se em papéis distintos que o

Estado assume, assim como o indivíduo, alterando o funcionamento das estruturas

sociais. Entretanto, os autores destacam que há outras experiências híbridas, que

unem características de mais de um desses tipos.

A noção de sociedade de risco incorpora essas diferenciações e variedades

históricas de modernidades, porém, como ela abarca a noção de cosmopolitismo, de

globalização, ela é pensada como fenômeno global. Dessa forma, a modernização

reflexiva, ainda que no local adquira características particulares, ritmos e caminhos

diversos, trata-se de um acontecimento que atinge a todos do planeta, em maior ou

menor grau, validando, dessa forma, a utilização de sociedade de risco para

compreender as transformações da China.

Conforme enunciado anteriormente, essa tese dedica-se a investigar a

atuação da sociedade civil na China contemporânea, a partir da dimensão ambiental.

Tal atuação está diretamente vinculada ao desenvolvimento da chamada subpolítica

híbrida, característica da modernidade reflexiva, quando em virtude do

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enfraquecimento das instituições políticas tradicionais, agentes que não fazem parte

do sistema político formal passam a atuar e a interferir na política formal de maneira

mais direta, a partir da inserção de questões reflexivas no debate público e também

no debate político formal (SÁ, 2010). É uma nova forma de se fazer política, a partir

de um desdobramento não-institucional do político, típico da modernização reflexiva,

que incorpora novos atores sociais a partir de uma nova cultura política (BECK, 1997;

BECK, 2010).

Subpolítica, então, significa moldar a sociedade de baixo para cima. No despertar da subpolitização há oportunidades crescentes de se ter uma voz e uma participação no arranjo da sociedade para grupos que até então não estavam envolvidos na tecnificação essencial e no processo de industrialização: os cidadãos, a esfera pública, os movimentos sociais, os grupos especializados, os trabalhadores no local de trabalho (BECK, 1997, p.35).

Dessa forma, iremos percorrer nessa tese o delinear do surgimento e

desenvolvimento da subpolítica híbrida em atuação na China, a partir da existência de

organizações que visam atuar diretamente em dois dos riscos mais significativos da

segunda modernidade: o risco ecológico e as mudanças climáticas.

Questão ambiental e governança na China

A problemática ambiental na China se intensificou a partir da década de

1980, em virtude do intenso crescimento econômico incentivado pelo Plano das

Quatro Modernizações, proposto por Deng Xiaoping. Tal plano objetivava atingir a

agricultura, a indústria, a defesa e a ciência e tecnologia, estimulando a reinserção

internacional (GAMER, 1999; LEITE, 2013), de forma a tornar a China uma grande

potência mundial até 2050. Deng Xiaoping afirmou que o objetivo era quadruplicar o

PIB, além de absorver os investimentos estrangeiros, a tecnologia e a ciência, abrindo

a China para o mundo, com a chamada política de portas abertas (HSÜ, 2000).

Para obter tal crescimento econômico foi necessário aumentar

exponencialmente o consumo de carvão, a principal matriz energética da China, e

responsável por boa parte das emissões de gases de efeito estufa (LIU, 2015). O que

observamos ao longo da década de 1980 é o incremento nas emissões desses gases,

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além de sérios casos de poluição da água, do solo, desertificação e chuva ácida,

fenômenos ligados diretamente ao aumento da produção industrial e ao consumo de

recursos naturais sem qualquer preocupação com conservação e o correto uso destes

recursos.

O crescimento econômico chinês veio acompanhado do adensamento

populacional e do aumento no consumo energético, gerando consequente aumento

vertiginoso da poluição e emissão de gases de efeito estufa (GEE), atuando

diretamente nas atuais mudanças climáticas sentidas em todo mundo. A China, em

2008, era responsável por 23% da emissão mundial de GEE, com crescimento de 5%

ao ano, sendo então considerada uma potência climática, que juntamente com EUA e

Rússia contribuem com 60% das emissões de GEE (VIOLA, 2010). O aumento da

queima de carvão, principal fonte de energia na China, contribui diretamente com o

aumento da poluição e eleva os índices de gases tóxicos e material particulado

disperso no ar, afetando localmente a saúde da população, e contribuindo

globalmente com as mudanças ambientais (IPCC, 2007; IPCC, 2013).

O impacto na qualidade de vida é nítido e diversas cidades da China vem

apresentando índices alarmantes de gases tóxicos. Estudos recentes apontam a

morte de mais de 366.000 pessoas por ano em virtude da intensidade de poluição, e

esse número pode chegar 1,3 milhão de mortes em 2030, se não for reduzida a

poluição (WANG, 2016). Além das mortes a população é afetada diariamente, a partir

da suspensão de atividades escolares e fabris, proibição na circulação de veículos,

paradas no funcionamento das usinas de carvão, tudo em decorrência dos altos

índices de poluição.

Não são apenas as atividades antrópicas que intensificam a vulnerabilidade

da China perante as mudanças climáticas. Sua enorme extensão territorial, a posição

geográfica, e suas condições climáticas tornam o território extremamente sensível a

tais mudanças e por isso é fundamental que o país reveja suas estratégias de

crescimento e utilização da matriz energética (FERREIRA, 2017).

Como resposta à necessidade de conter o avanço das emissões de GEE,

buscando controlar o aumento da temperatura na superfície terrestre, a atuação dos

governos é elemento fundamental. A constituição de uma governança preocupada

com a questão ambiental é primordial para o controle dos riscos. Reconhecendo tal

importância, acordos como o de Copenhague, de Kyoto, e mais recentemente o de

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Paris, buscam apresentar metas a serem cumpridas pelos governos, entretanto ainda

enfrentam uma efetividade limitada (VIOLA, 2010; MOREIRA; RIBEIRO, 2017).

Nesse sentido, uma sociologia preocupada com o global environmentalism,

conforme define Davidson e Frickel (2004), se concentra no potencial dos problemas

ambientais globais e na internacionalização da política ambiental, incentivando a

construção de políticas ambientais no nível nacional-estadual-local, porém,

reconhecendo que as crises ambientais globais problematizam os limites territoriais

dos Estados, demandando a constituição de uma agenda política internacional.

Em todo o mundo, temos a partir da década de 1970, a emergência de um

“ambientalismo complexo e multissetorial”, conforme afirma Pádua (2010), afinal

diversos campos de saber são mobilizados, juntamente com diversos atores, tornando

a problemática ambiental presente nos meios de comunicação, nas escolas, na vida

cotidiana, na política pública. A globalização dissemina a percepção de problema

ambiental enquanto um grave problema planetário, e nessa onda a China também

passará a reconhecer a necessidade de agir frente à degradação ambiental e às

mudanças climáticas.

A noção de governança traz embutida a perspectiva de que nenhum ator,

público ou privado, possui conhecimentos ou informações suficientes para resolverem

os novos problemas complexos, dinâmicos e diversificados que a modernidade nos

traz (YU; GUO, 2012).

Nenhum ator tem uma visão geral suficiente para tornar efetiva a aplicação dos instrumentos necessários e nenhum ator único tem potencial de ação suficiente para dominar unilateralmente um modelo de governo específico (YU; GUO, 2012, p. 4, tradução minha).

Enquanto elemento espacialmente planetário, as questões relativas à

governança ambiental necessitam de uma nova ressignificação, abrangendo diversas

esferas sociais, atores, instituições políticas. A governança ambiental requer uma

atuação multiescalar, multiator e multinível, principalmente para lidarmos com as

mudanças climáticas. A governança multiescalar refere-se principalmente às

questões de escala do problema de adaptação às mudanças climáticas, a criação de

responsabilidades para a adaptação nos diversos níveis de governança, e em como

lidar com a tensão entre escala de governança e o problema da adaptação (DEWULF

et al., 2015).

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É uma efetiva governança que se relaciona diretamente com a governança

multinível, isto é, a governança ambiental, em virtude de buscar soluções para um

problema transversal e complexo, deve ser enfrentada nos diversos níveis do setor

político: local, regional, estadual, nacional, transnacional, global, que implementam

políticas de adaptação e mitigação em seus níveis, mas com resultados que impactam

todos os demais níveis (DEWULF et al., 2015; NEWELL et al., 2012).

Nessa tese, apesar do reconhecimento da importância da governança

multiescalar e multinível, iremos priorizar a compreensão da governança multiatores,

na qual os diversos atores públicos e privados desempenham papéis e assumem

responsabilidades na governança das mudanças climáticas, que demandam novas

formas de arranjos em função da complexidade da problemática ambiental. Ao

lidarmos com a dimensão multiatores focalizaremos nos modos de governança, na

alocação das responsabilidades públicas e privadas, na interação entre os atores

públicos e privados, e nos papéis específicos desempenhados pelas organizações

não-governamentais e pela sociedade civil. Quando tratamos desses múltiplos atores

nos referimos não somente ao Estado/governo (a esfera pública), mas também às

empresas/mercado, ciência/centros de pesquisa, mídia, sociedade civil/ONGs, sendo

todos esses atores fundamentais na condução da governança ambiental, e com uma

atuação muitas vezes interconectada e com estabelecimento de parcerias e redes de

apoio (DEWULF et al., 2015).

Diferentes tipologias já foram desenvolvidas para tentar compreender os

diversos atores e classificá-los de várias formas. As tipologias mais comuns buscam

identificar como as relações são definidas (hierarquia, rede ou mercado), a essência

do ator (público, privado ou híbrido; ou público, não-lucrativo, lucrativo), a partir de

triangulações que visam compreender a importância de cada categoria na

governança. Há também tipologias que utilizam a noção de regimes complexos, no

qual coexistem formas públicas e privadas de autoridade, em organização hierárquica

ou não-hierárquica, que deixam claro a proliferação de diversos arranjos de

governança (NEWELL et al., 2012; PATTBERG; STRIPPLE, 2008; ABBOTT; SNIDAL,

2009)

A globalização, as relações transnacionais, a complexificação dos riscos e

a radicalização da modernidade demandam uma transição do governo para a

governança. Os desafios da governança são enormes, afinal para uma boa

governança global é preciso superar os padrões ocidentais de governança e também

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o domínio dos atores ocidentais e dos países desenvolvidos. A globalização traz em

si a necessidade de se superar a diferença existente entre os países do ocidente e

oriente, entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre países do Norte e

do Sul global. Essas dicotomias precisam desaparecer para que a governança global

passe a atuar adequadamente, com ampla participação dos governos, organizações

e demais atores sociais (DENG, 2011).

No caso chinês, a incapacidade política e administrativa do Estado em

enfrentar sozinho os problemas ambientais fez com que a transição governo-

governança ocorresse. Tal passagem não é politicamente neutra, conforme defende

Newell et al.:

O processo de iniciar a governança multiator não é politicamente neutro, nem surge do vácuo. Em vez disso, reflete as interpretações concorrentes do desempenho da política: sua efetividade, eficiência, equidade e tentativas de atores políticos para influenciar a direção da mudança política (NEWELL et al., 2012, p. 367, tradução minha).

Veremos no capítulo 2 que o Estado chinês atuou sozinho na formulação

de leis e normas relativas à problemática ambiental, a partir da década de 1970,

entretanto sua atuação foi insuficiente para lidar com o problema e, ao longo dos anos

2000, passou a incorporar novos atores, numa clara transição do governo para a

governança. Tal passagem não ocorre voluntariamente pelas decisões estatais, mas

sim por pressão dos atores nacionais e também internacionais, que acompanharam a

intensificação dos danos ao ambiente, que surgiu com o forte desenvolvimento

econômico dos anos de 1980. Não basta a criação de legislação específica, que não

é nada mais que letras num papel em branco, é preciso que essa legislação se

converta em ações efetivas, em fiscalização, punição, controle, orientação, educação,

e é nessa implementação e difusão das ações que os diversos atores sociais podem

colaborar.

A governança multiatores demanda que as decisões não mais sigam o

padrão top-down, mas efetivamente promove processos multiníveis e dialógicos, que

permitem uma governança ambiental não só no nível local e nacional, mas também

global. Destacamos que muitas vezes esses novos atores têm fundamental papel em

promover uma governança global ao superarem as barreiras políticas nacionais e

extrapolarem suas políticas para o maior nível de governança. As ONGs e

corporações econômicas são grandes atores que possuem a capacidade de atuação

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global, perpassando os limites do nacional, ao qual o Estado muitas vezes fica restrito

(NEWELL et al., 2012). Num momento em que os Estados estão falhando em

responder aos desafios ambientais em larga escala, os demais atores têm se

destacado ao oferecerem novas abordagens experimentais e soluções inovadoras,

demonstrando maior capacidade para propor soluções transnacionais.

O surgimento de uma governança ambiental multiatores na China atual

demonstra a existência de microliberdades de atuação, ainda que na essência o

Estado chinês continue sendo autoritário. Esta questão da transição governo-

governança será amplamente debatida ao longo da tese, pois ela ilumina uma ideia

central desenvolvida nesse trabalho, que é a existência de um ambientalismo

autoritário até final da década de 1990, com claros sinais de um emergente

ambientalismo democrático que passa a se desenvolver no século XXI, a partir da

incorporação dos novos atores sociais, que lentamente vêm conquistando maior

espaço de atuação e colaboração na política ambiental chinesa. Tais atores,

principalmente a sociedade civil, são fundamentais ao conseguirem mobilizar a

sociedade e uma massa crítica: “mais pessoas são trazidas à mesa, mais atores estão

sendo envolvidos, e mais mãos, corações e cabeças são mobilizados em prol de um

problema complexo” (NEWELL et al., 2012, p. 370, tradução minha).

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Capítulo 1 – A emergência da sociedade civil e de novas organizações sociais

na China Contemporânea

Neste capítulo será abordada a questão do desenvolvimento da sociedade

civil, buscando compreender quais foram os elementos essenciais que permitiram a

emergência dessa esfera social na China Contemporânea, a partir de uma revisão

bibliográfica sobre o tema, privilegiando autores chineses.

As bases da sociedade civil alicerçadas nas transformações econômicas e

políticas do final da década de 1970 propiciaram o surgimento das organizações

sociais. As organizações não-governamentais ambientais, objeto central de análise

dessa tese como via de compreensão da atuação da sociedade civil, são apenas um

dos tipos de organizações sociais que se desenvolveram a partir da década de 1990.

Desse modo, esse capítulo intenta reconstruir o desenvolvimento histórico e social

das organizações sociais, permitindo a compreensão do contexto e das intensas

transformações do período.

Esse capítulo é fundamental para os demais: serão elencados os

elementos que precedem tanto as organizações ambientais como também a

intensificação da problemática ambiental, que será apresentada no capítulo 2.

1.1 Uma sociedade em transformação: novos elementos, modernização e

surgimento da sociedade civil

O Plano das Quatro Modernizações, implementado a partir de 1978,

abrangia a agricultura, indústria, ciência & tecnologia, e defesa nacional. Foi aprovado

pela Constituição do Partido e pela Constituição do Estado, visando tornar a China um

Estado moderno até 2020. A ideia central era modernizar a sociedade chinesa em

suas várias vertentes, sem alteração do comando político (HSÜ, 2000).

Como consequência de sua implementação a China vivencia ao longo da

década de 1980 uma ampla gama de transformações, responsáveis por modelar a

China contemporânea. A liberalização e modernização da economia foi estimulada a

partir de mudanças na agricultura, que deixou de ser comunal e passou a ser um

empreendimento individual ou de pequena coletividade, com a implementação do

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sistema de responsabilidade familiar (LULL, 1992). Tal alteração impacta diretamente

na organização social do meio rural: o fim da década de 1970 marca o aumento da

iniciativa local e aumento da responsabilidade dos trabalhadores. Permite a venda da

produção no mercado aberto, a preços não controlados pelo governo; com liberdade

para venda há o estímulo à maior produção, logo surge um mercado que emprega

mão-de-obra, e essa mão-de-obra assalariada deseja consumir os novos produtos

que começaram a surgir no mercado (SPENCER, 1995).

Ao mesmo tempo a China vivenciava alterações em suas indústrias, que

deixavam de ser apenas indústria pesada, expandindo a produção de bens de

consumo (LULL, 1992). A privatização também avançou significativamente desde

1978, influenciada diretamente pela industrialização e modernização, em oposição à

tendência estatizante que predominou a partir dos anos de 1950, após a Revolução

de 1949, alterando a configuração industrial até então estatal, com baixos salários

(PINHEIRO-MACHADO, 2013)

Apesar da liberalização da economia alguns setores se mantiveram

fortemente ligados ao Estado, como é o caso de bancos e empresas petrolíferas. No

início dos anos 1990 houve recuo do Estado na indústria e no comércio, incentivando

o desenvolvimento das empresas privadas, com rápida implantação de grupos

internacionais, facilitando a expansão do mercado de trabalho e a redução das

estruturas de proteção social do indivíduo (SANJUAN, 2009).

A China se define como uma economia socialista de mercado com características próprias. Hoje, os mecanismos de mercado governam a produção e a venda de bens e serviços não coletivos. Os mercados são, porém, estritamente regulados, embora em diferentes graus. Não existe propriedade privada da terra. (...) o crescimento chinês deriva da industrialização e da urbanização de uma sociedade predominantemente rural, por vias que refletem a especificidade das suas instituições (DUNFORD, 2015, p. 228).

O poder central legitimou, e até estimulou, a corrida para os negócios,

incentivando a abertura de fábricas privadas que geravam empregos e levavam a

melhoras na economia local. Havia um grande contingente populacional ocioso, que

começava a abandonar as áreas rurais em busca de melhores perspectivas nas

cidades. Junto a isso o mercado consumidor (externo e interno, que começava a

surgir) estava ávido por consumir: logo era preciso cada vez mais indústrias, o que

levou à dinamização econômica (PINHEIRO-MACHADO, 2013).

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O aumento da produção e do consumo não foram fenômenos que

ocorreram no mesmo momento. Demorou quase uma década para que o mercado

consumidor se tornasse significativo e apto a consumir os bens. O início dos anos de

1990 é marcado por campanhas para que as pessoas passassem a consumir. O

prazer de consumir foi estimulado, ligando o consumo à modernidade. O consumo

também foi uma iniciativa de cima para baixo, na qual o Estado procurava conectar a

economia nacional à global. Comprar passou a ser algo positivo, consumir produtos

ocidentais (como Coca-Cola, Nestlé) passou a ser uma experiência de vida moderna,

que todos deveriam desejar (PINHEIRO-MACHADO, 2013).

A busca pelo lucro privado, o incremento do consumo e o maior anseio por

liberdade e realização pessoal são característicos das populações urbanas, que

vivenciavam fortemente as transformações econômicas e conferiam um novo

significado à vida pessoal, numa clara transformação da consciência cultural, fruto da

modernização e avanço tecnológico. O indivíduo toma o destino em suas mãos, as

pessoas pensam em mudar de emprego, em busca de melhor rentabilidade

(PINHEIRO-MACHADO, 2013; LULL, 1992).

As cidades são, sobretudo, lugares privilegiados de recomposição da sociedade chinesa e de novas estratificações sociais. Ao desmantelamento das comunas populares nas zonas rurais sucedeu a descoletivização urbana. A transformação da maior parte das unidades de trabalho obriga as populações a enfrentar os riscos do desemprego, da doença e da velhice, e os governos locais tentam, como resultados diversos e de formas diferentes, novas soluções coletivas para atenuar as desigualdades e as injustiças (SANJUAN, 2009, p. 12).

As cidades passam a se organizar de novas maneiras, alcançando níveis

de vida similares aos dos países altamente industrializados, com possibilidades de

consumo, maior nível de instrução, mais oportunidades de emprego (SANJUAN,

2009). Isso incentivou as migrações internas de trabalhadores, que foi considerada

incontrolável. O governo estimava 8 milhões de pessoas se mudando para as cidades

a cada ano, e 400 milhões já moravam nas 365 maiores cidades (SPENCER, 1995).

Tal contingente criou novas pressões: houve aumento na demanda de moradias,

educação, saúde, postos de trabalho. O rápido crescimento econômico elevou a renda

de toda a população, entretanto em velocidade e intensidade diferente, ampliando a

desigualdade social. Conforme afirma Dunford: “A reforma chinesa traz prosperidade

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sem criar perdedores, embora os proveitos sejam muito desiguais” (DUNFORD, 2015,

p. 227).

Na década de 1980 uma nova classe média se constituiu7. Ela

representava 20% das famílias urbanas, e seu consumo era voltado para bens e

serviços. O aumento dos gastos com saúde e educação é representativo da política

de privatização desses serviços sociais. Tal mudança no padrão de consumo

promoveu maior diferenciação entre os habitantes urbanos e rurais. Esse consumo

trouxe consequências de ordem ambiental, como aumento da dependência

energética, maior poluição, maior produção de lixo (SANJUAN, 2009).

A industrialização estimulada em determinadas áreas provoca maior

diferenciação social entre moradores dessas cidades, que usufruem de melhores

salários, maior mobilidade ascendente e melhor padrão de vida. Essa diferença de

vida fica ainda mais nítida quando comparada com os padrões das áreas rurais,

intensificando a oposição entre o campo e a cidade (HSÜ, 2000). A área rural sofre

uma modernização desigual, com serviços públicos de baixa qualidade, falta de infra-

estrutura, pouca oportunidade de crescimento pessoal (SANJUAN, 2009).

Outro fenômeno fruto da modernização é a emergência de novos grupos

sociais. Uma nova camada da sociedade começa a gozar de maior prestígio:

cientistas, engenheiros, técnicos, administradores, escritores, artistas, intelectuais,

principalmente os vinculados aos altos postos do partido, passam a fazer parte de um

grupo privilegiado (HSÜ, 2000). A estratificação se tornou uma realidade, com grandes

disparidades de renda, apesar de Deng garantir que a reforma não geraria uma

sociedade estratificada (LULL, 1992).

Outra importante transformação ocorrida no período foi a abertura

econômica da China que a inseriu no contexto da globalização. A globalização

influenciou diretamente as bases da sociedade chinesa, que por milênios se pautou

no confucionismo e ordenava a estrutura tradicional e ritualística (PINHEIRO-

MACHADO, 2013).

7 “Enquanto a maioria dos cientistas sociais, incluindo os economistas acadêmicos, tem rejeitado a ideia de uma classe média chinesa na última década, por não conseguirem identificar uma identidade coerente, uma cultura de classe, atitudes e valores sociopolíticos ou ação de classe, entre os pesquisadores chineses (embora a definição exata do termo seja muito contestada) há um acordo geral agora que esse grupo existe e está se expandindo rapidamente” (ZHANG; SHAW, 2015, p. 103, tradução minha).

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A globalização, contudo, é um processo composto por diversas camadas, fluxos ou panoramas (econômico-financeiro, tecnológico, informacional, cultural, artístico etc.) no qual circulam bens, pessoas e informações. Ao mesmo tempo em que essas camadas possuem características próprias, é impossível dissociar uma das outras. Ideologias acompanham mercadorias. Ideias, visões de mundo e valores capitalistas entram no país junto aos bens, ainda que os chineses confiram significados próprios a esses bens. Globalizar é abrir os horizontes, apontar novas possibilidades e mostrar um leque de escolhas aos sujeitos no processo de construção da individualidade e cidadania (PINHEIRO-MACHADO, 2013, p. 175).

A globalização atingiu as diversas esferas da China, não apenas a esfera

econômica. Regras e modos ocidentais são incorporados ao comportamento dos

chineses, importando regras de etiqueta que acabam controlando as ações cotidianas

e alterando padrões de comportamento milenares, como o escarro em público. As

reformas pós 1978 trouxeram o consumo de bens, a percepção de moda,

anteriormente julgados como práticas burguesas, para toda a população jovem e

urbana, que via com grande orgulho o aumento do consumo em todo país.

Efetivamente temos a “revolução das aparências”, que se intensifica com a

individualização, marcada pela diferenciação e afirmação pessoal (PINHEIRO-

MACHADO, 2013).

A Política de Portas Abertas e a expansão da economia trouxeram para a China mais do que comércio, turistas, tecnologia e especialização. Uma cultura popular contemporânea, em parte formada pela importação de programas de televisão, de filme, de músicas e de outros materiais da mídia também se desenvolveu durante o período de modernização. Mas a dinâmica cultural contemporânea da China não é fruto apenas de influências estrangeiras. Os produtos e ideologias da cultura popular ocidental estavam sendo importados ao mesmo tempo em que escritores, produtores de TV, cineastas, músicos e outros artistas do próprio país estavam conquistando uma liberdade sem precedentes e provocando grande impacto (LULL, 1992, p. 87).

A individualização passa a ser reconhecida até mesmo na maneira de se

vestir: o vestuário padrão que prevaleceu a partir da Revolução Cultural (1966-1976)

era marcadamente masculinizado e uniformizante. A população usava o uniforme de

revolucionário, na cor azul, e as elites do Partido Comunista usavam a cor verde. O

consumo passou a ser a personificação das escolhas individuais, ligando-se

diretamente aos direitos individuais de autonomia e liberdade, que passam a ser

possíveis no micro nível das relações sociais (YANG, 2002). O padrão de consumo

muda: as pessoas das cidades compravam bicicleta, televisão, geladeira. Queriam

consumir por moda e não mais por mera necessidade (LULL, 1992).

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Os ‘Quatro Necessários’, que definiam os anseios materialistas sob o maoísmo, eram uma bicicleta, um rádio, um relógio e uma máquina de costura. No novo mundo de Deng Xiaoping, eles foram substituídos pelos ‘Oito Grandes’: uma televisão em cores, um refrigerador, um aparelho estereofônico, uma máquina fotográfica, uma motocicleta, mobília, uma máquina de lavar e um ventilador (SPENCER, 1995, p. 681).

A modernização atinge então as diversas esferas da vida social chinesa, a

partir da liberalização da economia e da inserção da China nos fluxos da globalização.

Com isso os chineses começaram a ousar pensar em mudanças políticas,

influenciados diretamente pela atmosfera liberal da economia e da cultura (LULL,

1992). O avanço dos direitos individuais, representados pela liberdade de consumo e

de escolhas de vida passam a formar a base para protestos e resistências, assim

como objeto de luta política (YANG, 2002). “Pode-se ver nas mutações atuais uma

simples modernização e, por maioria de razão, uma mera ocidentalização da

sociedade” (SANJUAN, 2009, p. 14), entretanto apesar das mutações há

continuidades que sobrevivem, como o primado da família.

A modernização afeta as instituições, que procuram se adequar aos novos

padrões sociais. “Surgiram formas de democratização local em algumas zonas rurais,

bem como em alguns bairros urbanos” (SANJUAN, 2009, p. 14). Observou-se uma

retração do poder estatal sobre a economia, a mobilidade social, e outras áreas de

proteção social dos indivíduos, com redução do controle ideológico, com o surgimento

das eleições nos níveis locais, com distribuição de poder entre outras esferas,

principalmente no nível local, que conquistou maior autonomia. Houve também a

formação de associações, a consolidação de um sistema legal, a entrada da China

em acordos e organismos internacionais. Todas essas transformações claramente

sinalizam a adaptação e o esforço em modernizar a economia, a esfera social e

cultural (YU, 2007).

O movimento por “liberdade e democracia”, encabeçado por estudantes no

final da década de 1980 demonstra que o movimento de reforma enfrentava novos

desafios. A inflação aumentava, chegando em 27% em março de 1989; o cenário de

intensa transformação fez com que aumentasse o descontentamento de parcelas da

população, com o aumento do desemprego e a insegurança quanto ao futuro como

elementos importantes, além do descontentamento dos intelectuais e estudantes cada

vez mais visível, como demonstraram as manifestações de 1989, que provocaram o

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conhecido episódio do Massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen)8. Os

chineses cada vez mais reivindicavam direitos democráticos para acompanhar o

processo de modernização econômica (LULL, 1992; SPENCER, 1995).

Se a China queria se desenvolver como nação moderna, através de sistemas de incentivo, zonas de empresas, contratos individuais de longo prazo e joint ventures, aqueles que se arriscavam teriam que desempenhar algum papel nas tomadas de decisões políticas. Para os dirigentes chineses da década de 1980, tal como para os dos quatro séculos anteriores, o protesto político e o desejo de participar do governo continuavam a ser uma prova de deslealdade ou o prenúncio do caos. Mas essas atitudes teriam de mudar na década de 1990, se o país não quisesse cair em um novo ciclo de desamparo miserável. Os cintilantes tetos amarelos e os espaçosos pátios de mármore da Cidade Proibida ainda estavam lá, mas reverberavam agora um novo tipo de desafio que acontecia no grande espaço aberto diante deles. Não haveria uma China verdadeiramente moderna até que o povo recebesse de volta sua voz (SPENCER, 1995, p. 693).

Essas profundas transformações sociais são os elementos constituintes da

consolidação da sociedade civil na China, que analisaremos a seguir, a partir da

problematização conceitual e revisão da caracterização de tal conceito aplicado à

realidade chinesa.

Na década de 1990 ficou claro que não haveria como controlar as

consequências sociais decorrentes das transformações econômicas, das transações

do mercado e do desenvolvimento das empresas privadas (Davis, 2000). O regime

político se manteve intacto, mas as relações entre os agentes do governo e os

cidadãos comuns se transformaram. Os ganhos para os moradores das áreas rurais

foram enormes, com grandes ganhos financeiros conquistados pelas reformas

econômicas pós-Mao, que trouxeram rapidamente números expressivos.

Ganharam novas formas de comunicação, mas também novos

vocabulários de discurso social, deixando claro haver uma revolução no consumo.

Não é apenas um incremento no consumo, mas uma completa alteração na maneira

como se consomem os bens, seus significados, e também uma profunda alteração

com relação aos bens fornecidos pelo Estado, que era a prática existente desde 1949.

Quando se reduz o controle estatal sobre os produtos é permitida uma maior

8 Em 4 de junho de 1989 estudantes e intelectuais contestadores tomaram conta da praça Tiananmen, erguendo a “deusa da democracia”, uma escultura inspirada na Estátua da Liberdade, com o objetivo de reivindicar maior liberdade política. O Exército reprimiu violentamente a manifestação, matando dezenas de manifestantes, ainda que não divulgue o número oficial de mortos. O episódio foi um desfecho depois de mais de dois meses de constantes manifestações populares (LULL, 1992; SANJUAN, 2010).

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autonomia na sociabilidade diária. A separação entre o local de produção e o local de

vivência também traz novas oportunidades de interação e socialização fora dos

ambientes domésticos ou do trabalho (DAVIS, 2000).

Criação de um mercado, comercialização, industrialização, urbanização,

descentralização, burocratização, secularização, diversificação e globalização não

alteram somente o equilíbrio e a dinâmica das forças sociais, mas também criam

terreno fértil para o surgimento de novos grupos sociais, associações e culturas com

maior autonomia, liberdade, direitos e acesso ao poder e ao lucro, o que contribui para

o estabelecimento e solidificação de uma enérgica sociedade civil (YU, 2007).

Tais elementos surgem intrinsecamente relacionados, mas é fundamental

analisá-los para elucidar a dinâmica social de intensas transformações que marcaram

o período pós 1978.

1.2 Sociedade Civil na China

O termo sociedade civil pode apresentar diferentes definições, de acordo

com o referencial teórico adotado, sendo uma das categorias mais confusas e

emaranhadas usadas pelas ciências sociais, conforme Boron (2003). Se no Ocidente

tal termo ainda enfrenta dificuldades para ser plenamente definido, tratar de sociedade

civil na China requer ainda mais cuidado. É preciso abandonar pressupostos

ocidentais para compreendê-lo com mais exatidão, buscando em teóricos e

intelectuais chineses a chave para a compreensão do que vem a ser a sociedade civil

chinesa.

No Ocidente acompanhamos uma ressignificação do conceito de

sociedade civil a partir da década de 1980, quando as definições surgidas no seio

intelectual do norte (EUA e Europa) passam a ser reinterpretadas para se adequar

aos acontecimentos do chamado sul global. As novas democracias da América Latina

incentivaram a reflexão sobre sociedade civil, e algo semelhante também ocorreu na

China (BALLESTRIN; LOSEKANN, 2013).

A produção teórica sobre sociedade civil situa-se no norte global e

corrobora a noção de que há uma geopolítica do conhecimento, conforme Mignolo

(2002). Se o norte se vincula com a produção teórica, o sul global traz as experiências

práticas. Tal divisão entre norte e sul não assume significado meramente geográfico,

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mas é uma metáfora sociológica e ideológica para os países desenvolvidos,

subdesenvolvidos e em desenvolvimento (BALLESTRIN; LOSEKANN, 2013). Nesse

aspecto, a China é vinculada ao sul global, por estar em desenvolvimento apenas nas

últimas décadas.

Conceitualização do termo Sociedade civil na perspectiva da experiência chinesa

A diversidade de definições do termo sociedade civil é enorme, e com

significativas variações de acordo com o momento histórico, local e autor que tratou

do termo. Acompanhando as discussões da ciência política ao longo de séculos é

possível reconhecer a variedade de definições e no século XX a multiplicidade de

interpretações continuou se intensificando, mostrando, claramente, ser possível

entender a terminologia de infinitas maneiras. Enquanto uns associam o termo a uma

perspectiva gramsciana e enxergam a sociedade civil como parte orgânica do Estado,

outros compreendem como algo dissociado do Estado e da economia, outros como

um arranjo que permita a articulação em prol da viabilização de políticas públicas

(NOGUEIRA, 2003).

É fundamental reconhecer que é preciso uma perspectiva contextualizada

para entender o termo sociedade civil, afinal não podemos desconsiderar as

realidades diferentes, o histórico político-social e a existência de forças sociais que

variam de país para país. O que Atilio Boron e tantos outros teóricos do sul global

defendem é a necessidade de reconhecer a existência de sociedades civis, e é nessa

linha interpretativa que apresentaremos o desenvolvimento e uso do termo sociedade

civil para o caso chinês.

O conceito de sociedade civil na China aparece nos primeiros estudos a

partir de 1990, quando influenciados pelas transformações que a sociedade chinesa

sofreu nos últimos anos (principalmente pelos ocorridos em 1989 em Tiananmen),

além da importante tradução da obra de Jürgen Habermas em 1989, A transformação

estrutural da esfera pública, os intelectuais chineses passam a se debruçar sobre a

questão, a fim de compreender: existe na China Contemporânea uma sociedade civil?

Como ela se define? (YANG, 2002).

O ano de 1993 é um marco nos estudos sobre sociedade civil na China. A

partir de um encontro realizado em Hong Kong, diversos especialistas no tema

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produziram uma série de textos sobre a temática9. Desde 1990 sinólogos começaram

a se debruçar sobre a questão, produzindo diversas interpretações e difundindo a

necessidade de se desenvolverem estudos chineses sobre sociedade civil, não sendo

mero esforço retórico, mas sim algo imprescindível para se compreender as

transformações que fundam a China Contemporânea.

Em 1993 também foi divulgado um número especial da revista acadêmica

Modern China, voltada para o debate sobre sociedade civil desde a China tradicional.

Nesse número se difundiu a ideia de que havia uma esfera social autônoma já na

China Antiga, em virtude da dificuldade do Estado em penetrar nas áreas rurais,

criando um terceiro reino no qual o Estado e grupos sociais interagiam e cooperavam

(HUANG, 1993; CHAN, 2009). Alguns sinólogos identificam o surgimento de algo

semelhante à sociedade civil entre os séculos XIX e início do XX, quando grupos se

formam para debater não apenas assuntos culturais e econômicos, mas também para

discutir participação política e social.

A sociedade chinesa é marcada pelo confucionismo, e dentro dessa

tradição não haveria espaço para uma esfera pública tal qual Habermas a define10.

Nessa tradição há apenas quatro elementos fundamentais: o homem, a família, o

Estado e o mundo (Tianxia) (CHEN, 2009). Para Confúcio, o objetivo do

desenvolvimento, social e pessoal, é produzir aquilo que se deseja, em harmonia

social, em que cada um sabe qual seu papel social. A família ocupa o espaço central

da sociabilidade e a ética que se desenvolve ordena as relações sociais. Nessa

tradição há uma hierarquia das relações políticas, mediadas pela burocracia e pela

meritocracia.

Um problema inicial para os sinólogos tratava-se da dificuldade em se

traduzir o termo sociedade civil para o mandarim. É passível de tradução para alguns

termos em mandarim, mas cada um deles pode assumir noções diferentes do uso

9 34th International Congress of Asian and African Studies teve a presença dos principais teóricos

chineses que organizaram painéis sobre o tema Civil Society – Liberalism and Nationalism as Factors in the Development/Non-development of Civil Society in East Asia (CHAN, 1997).

10 Para Jürgen Habermas, a esfera pública é uma dimensão do social que atua como mediadora entre Estado e sociedade, a partir da organização do público, portador de uma opinião pública. Para haver essa opinião pública é preciso que haja liberdade de expressão, de reunião e de associação. A expressão da esfera pública ocorreria por meio de eleições, que seriam antecedidas por discussões e confrontação de argumentos racionais (BARROS, 2008; HABERMAS, 1987).

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comum de sociedade civil que cientistas sociais ocidentais estão acostumados a

adotar11.

O termo mais utilizado é minjian shehui, que poderia ser traduzido como

espaço social autônomo, e identifica a existência de organizações populares ou não-

governamentais, que atuam a partir da mobilização e participação popular em uma

esfera pública, onde os indivíduos podem opinar e debater sobre questão públicas,

livres do controle direto do Estado. Entretanto, alguns autores utilizam o termo shimin

shehui, algo próximo de “sociedade de cidadãos” ou sociedade urbana, e está

diretamente ligada aos processos de urbanização e comercialização que promoveram

uma modernização da China, além da noção de direitos civis vinculada ao termo

cidadão. Mais recentemente, em 2005, a Universidade de Beijing passou a empregar

gongmin shehui, o termo mais próximo de sociedade civil, no qual se enfatiza a

consciência pública e cívica, a partir de uma cultura participativa que permite a

construção de uma cidadania chinesa (CHAN, 2009; YU, 2007; TAI, 2006). Tal termo

reconhece a particularidade do contexto social e político e do percurso histórico da

sociedade chinesa. Tal alteração na nomenclatura acompanha um processo de

aceitação e lapidação da noção de sociedade civil enquanto categoria apta a ser

utilizada na compreensão das transformações da China.

Historicamente, entre teóricos ocidentais, temos a noção de sociedade civil

sendo utilizada para compreender organizações sociais típicas de Estados-nação,

ocidentais, desenvolvidos, fruto do desenvolvimento do século XVIII e XIX, do

Iluminismo, da secularização, a partir da reivindicação de grupos sociais por

participação política/democratização (SEGBERS, 2009). A sociedade civil se constitui

como uma arena para disputas, pressões e discursos, a partir de uma clara distinção

entre público e privado, entre Estado e não-Estado. Com raras exceções, na China o

surgimento da sociedade civil é identificado na década de 1980.

Para compreender o surgimento da nova sociedade civil chinesa, diversas

linhas interpretativas buscaram explicar e contextualizar o fenômeno. Através de uma

perspectiva marxista, autores como Rong Jian, Tong Xin, Yan Qiang buscaram captar

11 Reconhecemos a diversidade de definições para o termo entre os teóricos ocidentais, mas apesar das nuances entre essas interpretações há um núcleo comum a todas elas. A definição de Sociedade Civil sempre vem acompanhada por uma conotação positiva, algo que possibilita os ideais democráticos e enquanto conceito científico, basicamente, significa que a regulação política deve incorporar os interesses e objetivos dos atores sociais, muitas vezes representados por organizações não governamentais. Ela se situa na esfera intermediária entre o Estado, o mercado e a família (SEGBERS, 2009; YU, 2007).

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as mudanças ocorridas no sistema político, a partir de uma alteração da função do

Estado, que deixa de ser exclusivamente político e passa a desempenhar papel

administrativo, num momento em que ocorre um deslocamento de um sistema

centrado no Estado para um centrado na sociedade (HE, 1997).

Uma outra visão buscou reconhecer o surgimento de um novo discurso

civil, afinal, apesar da existência de uma autoridade ideológica, as normas sociais e

as políticas passam a ser vistas como objetos de disputa, de questionamento e

rejeição. Essa linha interpretativa buscou identificar a transição intelectual que a China

passou na década de 1970 e 1980, com novas ideias e novas arenas emergindo,

visando reconhecer como que novas opiniões e posturas podiam ser formuladas de

maneira independente das restrições e censuras políticas da época. Intelectuais como

Jin Guantao, Yan Jiaqi e Fang Lizhi estavam preocupados em captar as dinâmicas

possíveis de modernidade que estavam acontecendo na China, entendendo a

sociedade civil como o resultado direto da modernidade, ultrapassando os debates

sobre tradição e modernidade (HE, 1997).

Yu Keping (2009) analisa as transformações resultantes da Reforma e

Abertura promovida por Deng Xiaoping e reconhece que elas ocasionaram mudanças

sociais fundamentais na China, entre elas o surgimento de uma sociedade civil

relativamente independente, a partir das organizações da sociedade civil que surgem

em grande número na década de 1990.

Um documento de 2006, intitulado Civicus Civil Society Index Report (NGO

Research Center of Tsinghua University) conclui que há uma nascente sociedade civil

se desenvolvendo na China, e essa sociedade possui uma estrutura frágil com uma

participação limitada dos cidadãos, com 37% da população participando de algum

grupo ou associação civil (CHAN, 2009), entretanto destaca a importância de valores

universais encontrados nela, tais como igualdade, não-violência, tolerância.

Xin Gu (1993) fez uma retrospectiva dos estudos sobre a sociedade civil

chinesa e identificou que os eventos de 1989 – os protestos estudantis na China e a

queda do muro de Berlim -, foram os fatos propulsores para se buscar novas

interpretações que pudessem explicar as transformações ocorridas.

Ostergaard (1989) foi um dos primeiros intelectuais a sugerir que havia uma

sociedade civil nascente, fruto da reforma e reabertura chinesa, responsáveis pela

formação da China Contemporânea.

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Já Craig Calhoun (1989) procurou entender como o episódio de Tiananmen

pôde se transformar em uma esfera pública apta a promover discursos críticos. A

noção de sociedade civil aparece para explicar a emergência e atuação dos

movimentos estudantis.

Kin-Man Chan (2009) nos mostra que tal categoria foi negada no início da

década de 1990, mas ao final dos anos 2000 conquistou seu espaço perante a

comunidade acadêmica, o que não significa que seu uso tenha deixado de ser

controverso. Marco importante dessa aceitação acadêmica é a fundação do Center

for Civil Society Studies, da Universidade de Beijing em 2005, e do Institute for Civil

Society, da Universidade Sun Yat-sen, em 2006.

Guobin Yang (2002), grande estudioso do tema, reconhece que a

discussão sobre a adoção do termo sociedade civil para explicar aquilo que emergia

na China em fins de 1980 e começo de 1990 é típica dos intelectuais ocidentais, fruto

dos intensos debates sobre etnocentrismo, eurocentrismo e orientalismo, enquanto

que para Guobin Yang o que estava em discussão entre os acadêmicos chineses

eram as consequências e as reais mudanças que estavam por trás da mera

nomenclatura. Desta forma, ele identifica duas grandes correntes de análises: a

primeira foca a questão dos direitos individuais e a liberdade; a segunda procura

entender a sociedade civil como portadora da função de mudança e oposição ao

Estado.

Na esfera pública, na qual age a sociedade civil, se estabelecem

comunicações entre os grupos sociais, mas também entre os cidadãos e o governo,

através das agências governamentais. Com isso “a sociedade civil é criada através

das práticas discursivas das pessoas que se identificam com a sociedade” (KLUVER;

POWERS apud YANG, 2002, p. 5, tradução minha) – entretanto essas práticas

discursivas podem ou não ser sobre problemas políticos; elas podem ser sobre aquilo

que o indivíduo vivencia, sobre artes, música, não tendo apenas uma função política,

mas possibilita o fortalecimento da comunidade e das relações sociais (YANG, 2002).

Tal visão advém diretamente da criação do mercado consumidor e do individualismo

frutos das transformações da década de 1980, que criou novos espaços de

sociabilidade (como por exemplo as lanchonetes do McDonald’s12), revolucionou o

consumo, emergindo novas maneiras de se fazer amigos e de se comunicar.

12 Ver: YAN, Yunxiang. Of Hamburguer and Social Space. IN DAVIS, Deborah (ed.), The Consumer Revolution in Urban China. Berkeley: University of California Press, 2000.

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The Consumer Revolution in Urban China (DAVIS, 2000) demonstra como

os novos espaços para o consumo e as novas formas de comunicação permitem

novas experiências individuais, favorecendo a formação de novas identidades, além

do surgimento de autonomias individuais. Os novos espaços de convívio social

alteram a percepção de gênero, de relações, criando novas formas de relacionamento

que congregam diferentes interesses a partir de uma perspectiva única: o consumo

enquanto reafirmação da individualização.

Autores de In Search of Civil Society (WHITE; HOWELL; XIAOYUAN,

1996), uma das primeiras obras sobre o tema, apresentam duas contribuições

importantes para entender a problemática do surgimento da sociedade civil na China

Contemporânea, ou a dinâmica dual da sociedade civil. A primeira dinâmica é política,

compreendida a partir da maneira como as organizações sociais surgem como um

meio de luta e resistência contra o Estado e o Partido; a segunda dinâmica refere-se

ao mercado. A China vivencia uma transição econômica que cria bases para o

surgimento de novas organizações sociais, a partir da desvinculação direta que havia

entre os indivíduos e o Estado. Se antes o Estado era o responsável pelo bem-estar

dos indivíduos, promovendo o mínimo necessário para a sobrevivência, com as

transformações no mercado o indivíduo assume um papel central na China

Contemporânea, conquistando o poder de escolha mas também a responsabilidade

por elas e por seu futuro; a possibilidade de se consumir bens e serviços significa a

possibilidade de se consumir direitos individuais de autonomia e liberdade (YANG,

2002; ZHANG; ONG, 2008). Com isso a sociedade civil marca um novo campo de

atuação dos indivíduos, que difere da sociedade política (Estado), mas também da

sociedade doméstica/privada (família).

Apesar de reconhecerem a dinâmica política envolvida na consolidação da

sociedade civil, os autores de In Search of Civil Society tentam desvincular o conceito

de sociedade civil de qualquer projeto político ou ideológico, indicando que a conexão

entre democracia e sociedade civil precisa ser empiricamente investigada e não

assumida como uma relação lógica (YANG, 2002). Conforme afirmam: “A sociedade

civil (...) tem um ambíguo potencial político. Ela contém as sementes da construção

política e do colapso” (WHITE; HOWELL; XIAOYAN, 1996, p. 215, tradução minha).

Já Adrian Chan (1997) levanta questões importantes: “Por que essa

ferramenta analítica tão imprecisa para o desenvolvimento das sociedades da Europa

Ocidental seria apropriada para analisar o desenvolvimento social da China?” (CHAN,

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1997, p. 243, tradução minha). Sua crítica principal baseia-se na ideia de que, ao

adotar a noção de sociedade civil, parte-se do pressuposto de que há escalas de

desenvolvimentos sociais que todas as sociedades devem percorrer, e ter a

constituição de uma sociedade civil significaria que a sociedade atingiu alto nível de

desenvolvimento. Ademais, adotar tal conceito confere ao intelectual alta dose de

etnocentrismo, por considerar que o desenvolvimento europeu é o melhor e os demais

países devem procurar se desenvolver da mesma forma.

Yin-Hong Shi (2004) elabora características fundamentais para descrever

o que é sociedade civil (independência em relação ao poder central; capacidade de

resistência; auto-consciência autônoma e independente; presença de uma forte classe

média, que se constitui como principal força econômica; é necessário uma sociedade

desenvolvida, “civilizada”), como maneira de argumentar sua ideia central que é a de

que não existe na China uma sociedade civil; o que temos é uma sociedade civil

embrionária, na qual a natureza civilizada e não-civilizada ainda coexistem; ademais,

ele não reconhece a existência de organizações autônomas e independentes – tais

organizações existem sob a primazia do Estado.

O que existe na China no início dos anos 1990, para Yin-Hong Shi (2004), é

uma sociedade civil imatura, mas que já se distancia da ideologia do Estado, da cultura

política vigente, do discurso oficial, lutando contra uma doutrinação política que

impeça sua ação, amadurecimento e crescimento. Novamente os frutos da reforma e

reabertura da China promovida por Deng Xiaoping são valorizados: o crescimento

econômico e a formação do mercado consumidor ocasionam uma retração do poder

estatal; há conquistas significativas na qualidade de vida e melhoria na educação; a

intensificação da estratificação social (que substitui a estratificação maoísta que

reduzia a sociedade à proletariados, burguesia e pequena burguesia); a abertura para

o mundo e as conquistas culturais e sociais que isso ocasiona; e por fim, uma

transformação gradual nos valores sociais possibilitam priorizar o indivíduo em

detrimento do poder estatal.

Já Salmenkari (2008) defende a ideia de que há um modelo chinês de

sociedade civil, na qual esta se origina no próprio Estado. Para defender sua hipótese,

o autor justifica que a ideologia oficial comunista se utiliza da linha de massa para

promover uma espécie de comunicação política entre o Partido e os cidadãos. Nesse

modelo, a população articula suas demandas e necessidades e o Partido propõe

políticas e planos de desenvolvimento.

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A ideia original de linha de massas remete a Mao Zedong e à tentativa de

criar uma comunicação direta entre o Partido Comunista e as massas, possibilitando

criar políticas de acordo com o retorno e as informações dadas pelas massas, daí

vindo a concepção das massas para as massas, explicitada na citação:

Em todo trabalho prático de nosso Partido, toda liderança adequada é necessariamente "das massas, para as massas". Isso significa: tomar as idéias das massas (idéias dispersas e não sistemáticas) e concentrá-las (por meio do estudo, transformá-las em idéias concentradas e sistemáticas), então volte para as massas e propague as idéias, explique essas idéias até que as massas as abracem como suas, segure-as e traduza-as em ação e teste a adequação dessas idéias em tal ação. Então, mais uma vez, concentre as idéias das massas e mais uma vez vá às massas para que as idéias sejam perseveradas e realizadas. E assim por diante, uma e outra vez em uma espiral sem fim, com as idéias cada vez mais corretas, mais vitais e mais ricas a cada vez (SALMENKARI, 2008, p. 399, tradução minha).

O autor (SALMENKARI, 2008) defende que tal modelo confere certa

autonomia à sociedade, e permite à população influenciar o governo sem sofrer

pressão, fazendo com que a sociedade civil assuma uma função deliberativa. Dessa

forma, o Estado recebe dois tipos de informações: aquelas sobre as necessidades e

sobre a realidade social dos grupos sociais, mas também informações técnicas de

setores especialistas.

A adoção desse modelo acaba por moldar a organização social do país:

ocorre uma estruturação vertical da sociedade, na qual as diversas esferas sociais se

ligam diretamente ao Estado, se submetendo a ele. Além disso, se estimula a

permeabilidade do Estado entre os cidadãos comuns, a partir da presença constante

de quadros do Partido em todos os ambientes sociais, uma característica da linha de

massas. Com isso as associações e organizações das massas gozam de certa

autonomia, visto que necessariamente estão ligadas ao Estado pelo caráter vertical

da estrutura social.

Reconhecendo que nesse modelo não há completa independência da

sociedade civil com relação ao Estado, Salmenkari propõe que talvez a ideia de esfera

pública seja mais adequada para compreender a peculiaridade social chinesa, visto

que se estabelece uma relação de cooperação entre Estado e Sociedade Civil

(entendida então como esfera pública), concluindo que não há na China algo próximo

a um modelo ideal de sociedade civil, conforme estamos habituados a identificar no

Ocidente.

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Michael Frolic é reconhecido como um dos grandes estudiosos da questão

da sociedade civil na China. Em sua análise, o que há na China é uma sociedade civil

liderada pelo Estado (FROLIC, 1996). Para Frolic a formação da sociedade civil ocorre

por um mecanismo top-down, que visa primeiramente auxiliar o governo e cooptar

elementos potencialmente políticos que estão entre a população (BRUNDENIUS,

2005). Ele defende a ideia de um estado corporativista e a existência de dois tipos de

sociedade civil na China: uma conduzida pelo Estado e outra que é autônoma,

resultado direto do amálgama de quatro características: sociedade civil enquanto

oposição ao Estado, enquanto cidadania, como espaço político e como boa

governança (FROLIC, 1996). Essa sociedade civil autônoma, característica do

ocidente, é incipiente na China, onde predomina a sociedade civil liderada pelo Estado

(state-led civil society).

A sociedade civil liderada pelo Estado surge como resposta à liberalização

econômica e às transformações sociais da China. O Estado criou centenas de

organizações e grupos para servirem aos mecanismos estatais. Essas organizações

ocupam o espaço existente entre o governo e a sociedade, e servem à múltiplas

funções. Há um canal de comunicação entre os órgãos do governo e os membros das

organizações, que facilitam a coordenação do governo e o controle político e

ideológico. As organizações facilitam a atuação do governo em determinadas áreas

sociais, exercem atividades antes específicas do governo, tornando-se agentes da

administração estatal. A sociedade civil não se torna opositora ao Estado, mas sim é

uma parte dele, por isso existe um corporativismo, que garante a manutenção do

Estado e seus princípios, ainda que as organizações conquistem certo grau de

autonomia.

Para Frolic (1996) esse modelo de sociedade está diretamente ligado ao

modelo leste-asiático de corporativismo estatal, uma herança do confucionismo, que

favorece a figura do Estado como elemento central do desenvolvimento político e

econômico da China.

Em oposição, Takahashi (2008) defende que a sociedade civil chinesa

emerge a partir da perda do poder do Estado, que se fragiliza e se fragmenta, e desses

fragmentos surgem as organizações sociais, que mantém algum vínculo com o Estado

a partir da organização vertical da sociedade. O autor afirma que a emergência de

uma sociedade civil não significa uma negação da relação estado-sociedade, mas um

rearranjo em que as forças sociais podem atuar nos espaços fragmentados do poder.

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Dessa forma, a sociedade civil não goza de independência em relação ao Estado, ela

não tem meios adequados para resistir ao Estado centralizador e autoritário, mas isso

não impede a sua existência. Sob democracia ou autoritarismo é possível a

emergência e constituição de uma sociedade civil.

Takahashi defende a possibilidade de utilização do termo sociedade civil:

O conceito de sociedade civil, mesmo que tenha sua origem no Ocidente, também pode ser valioso para a pesquisa da história chinesa, bem como a pesquisa em outras regiões não-ocidentais do mundo. Pode se tornar um quadro flexível para organizar o retrato da história, ligando mutuamente os resultados de vários esforços de pesquisa individuais sobre política, economia, sociedade e cultura que, aparentemente, têm pouco a ver com o outro (TAKAHASHI, 2008, p. 50, tradução minha).

Jianxing Yu e Sujian Guo (2012) afirmam que apesar da ausência de

consenso sobre o conceito de sociedade civil e sua aplicabilidade à experiência

chinesa, a compreensão da relação entre Estado e sociedade é fundamental para o

estudo das transformações sociais que ocorreram a partir de 1978. Para os autores a

China vivenciou três mudanças fundamentais a partir desse período: produção

material e comunicação social com maior independência em relação ao Estado,

aumento da autonomia individual, e desenvolvimento das ONGs e das demais

organizações sociais. Yu e Guo relacionam o efetivo surgimento da sociedade civil

com alterações na noção de governança, afinal há o reconhecimento por parte do

governo das limitações em governar sozinho a partir do momento em que o

autoritarismo se fragmenta e permite a participação das organizações sociais. Dessa

forma, a noção de governança participativa pode iluminar as mudanças vivenciadas

na relação sociedade e Estado (YU; GUO, 2012).

O termo sociedade civil pode então reunir diferentes aspectos

fundamentais para análise social: esfera pública, organizações sociais, autonomia

individual e resistência popular, e são aspectos importantes para classificar o caso

chinês, e elencar aquilo que podemos chamar de características chinesas (ASHLEY;

HE, 2008). Tal qual o modelo socialismo com características chinesas reconhece a

particularidade da existência do modelo na dada sociedade, vamos adotar a mesma

noção ao lidar e definir a categoria sociedade civil nesta tese. Não negamos a

existência de uma sociedade civil, mas defendemos a necessidade de diferenciar da

produção teórica e conceitual do norte global. As particularidades, ligadas diretamente

ao desenvolvimento histórico, político e social da nação chinesa, conferem um caráter

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diferenciado ao termo e por isso há a necessidade de reconhecer as semelhanças e

diferenças.

Independentemente do tipo ou estrutura de sociedade civil que emerge na

China, ela é fruto de disputas entre grupos sociais e o poder político, e acaba se

apropriando de espaços e formas desse poder para se consolidar, a partir das

organizações da sociedade civil, chamadas adiante de organizações não-

governamentais (ONGs).

1.3 O caso das organizações sociais na China

Se o uso do termo sociedade civil é muito controverso para a realidade e

experiência chinesa, os diversos autores concordam com o fato de que na década de

1990 há o importante surgimento e consolidação das organizações da sociedade, tais

como as organizações não-governamentais (ONGs), que tornam visível o

florescimento da sociedade civil (YU, 2007; ASHLEY, HE, 2008).

Existe uma sociedade civil na China? Su Shaozhi, Barret McCormick e Xiao Xiaoming argumentar que dez anos de reforma econômica começaram a corroer o rígido controle que o Estado impôs violentamente à sociedade durante a fase inicial do Stalinismo. Além disso, argumentam que se a sociedade civil é definida por organizações autônomas, atividade empreendedora ou discurso público autônomo, há evidências claras de uma sociedade civil emergente na contemporaneidade (HE, 1997, p. 46, tradução minha).

A modernização da China, as reformas na economia, a separação entre

Partido e Governo, a descentralização, o declínio da influência dos danwei13,

promoveram uma diminuição do controle governamental sobre o setor privado e sobre

as autoridades locais. Com isso passou a ser adotado a estratégia de small

13 Danwei, ou unidade de trabalho, constituiu uma forma de organização social na China maoísta.

Seguiu-se o princípio da organização do local de trabalho e da habitação como unidade espacial. Todos os cidadãos da República Popular da China foram designados para uma unidade que providenciasse suas necessidades de trabalho, sociais e culturais. "O sistema chinês na década de 1950 planejava que cada empresa providenciasse habitação, bem como instalações sociais e culturais de seus funcionários, tornando essas unidades entidades auto-suficientes. Independentemente do tamanho, qualquer empresa foi obrigada a fornecer um conjunto completo de instalações, incluindo habitações, escolas, cuidados médicos, uma cantina, etc. Por esta razão, muitas vezes as pequenas empresas vizinhas compartilhavam "um conjunto comum de instalações" (LUE; ROWE; ZHANG, 2001, p. 117, tradução minha).

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government, big society (xiao zhengfu, da shehui), delegando ao setor privado

algumas das responsabilidades do governo. Um dos primeiros passos para isso foi a

estratégia governamental de legalizar e estimular a criação de ONGs (MA, 2002).

Se no período maoísta a ideologia socialista fez com que a esfera pública

fosse dominada pelo Partido e houvesse uma proibição à existência das ONGs, afinal

o Estado era o responsável por prover todos os serviços sociais necessários à

população, as transformações de Deng Xiaoping fizeram com que o Estado passasse

a estimular o nascimento de uma sociedade civil, capaz de assegurar as deliberações

do governo, sem contestação (BRUNDENIUS, 2005). O Estado passou a recrutar

organizações sociais como grupos capazes de auxiliá-lo na prestação de serviços

sociais. Casos significativos são as organizações que trabalham com prevenção ao

HIV, ao uso de drogas, que prestam apoio às crianças abandonadas. Essas

organizações passam a assumir um espaço que antes era restrito ao Estado

(RICHTER; HATCH, 2013), novas arenas de participação são criadas, suprindo as

necessidades dos novos serviços que a sociedade demandava (saúde e educação,

por exemplo) (TEETS, 2011).

A expansão da participação privada, tanto na provisão quanto na regulação de bens públicos, pode mudar a relação entre Estado e sociedade para uma mais pluralista, onde os grupos privados possuem um direito legítimo e legalmente protegido de participar de políticas públicas (DENG, 2011, p. 7, tradução minha).

O incentivo às organizações da sociedade civil também foi uma resposta à

pressão interna e internacional, que surgiu quando a China passou a fazer parte do

fluxo econômico global e foi questionada a respeito de suas posturas políticas pouco

democráticas. A adoção de tendências internacionais, como é o caso do

fortalecimento da sociedade civil, confere legitimidade externa e, mais ainda, interna,

principalmente entre as elites urbanas que passam a vislumbrar espaços sociais

semelhantes aos existentes em países do ocidente (RICHTER; HATCH, 2013).

O reconhecimento da existência de uma sociedade civil e o estímulo ao seu

fortalecimento foi algo bem visto pelos olhos dos cidadãos e pelos outros países, por

ser um esforço por democratização, em um país autoritário. Os burocratas do governo

perceberam que as organizações civis poderiam conferir maior flexibilidade e

eficiência à governança central, a partir do monitoramento das localidades e do

fortalecimento das políticas governamentais. Com isso as organizações sociais não

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habitam simplesmente o espaço público existente entre a esfera privada e o Estado,

elas ajudam a construir e transformar essas esferas (RICHTER; HATCH, 2013).

As organizações também servem como efetivos canais de comunicação,

através das quais os descontentamentos populares são ouvidos e direcionados ao

governo, que busca agir da melhor maneira e impedir transtornos sociais. Com isso,

o Estado passa a ver a sociedade civil como um mecanismo capaz de fortalecer o

governo central. As organizações passam a ser as ferramentas mais poderosas com

as quais o povo chinês pode participar das relações públicas e ter sua voz ouvida

(BRUNDENIUS, 2005).

Disso decorre uma atitude paradoxal do governo com relação às ONGs: ao

mesmo tempo em que incentiva o desenvolvimento delas como parceiras na

promoção de serviços sociais, há o temor de que tal processo gere o questionamento

da autoridade do Partido e do Governo.

Definindo as organizações

As organizações da sociedade civil incluem uma gama de grupos, como as

organizações de massas criadas e fundadas por autoridades do Partido ou Estado, as

pequenas associações registradas sob as normas nacionais de regulação, e diversas

organizações de base, populares (grassroots).

Existem muitos tipos diferentes de organizações não-governamentais, e é

fundamental compreender isso quando se estudam regimes autoritários, como é o

caso da China (BRUNDENIUS, 2005). Por serem extremamente complexas as

interações entre sociedade e estado chinês alguns autores sugerem não ser possível

aplicar o conceito de sociedade civil e de organizações não-governamentais,

entretanto observa-se que há enorme crescimento dessas organizações nos últimos

trinta anos, com diferentes graus de autonomia em relação ao Estado. Por conta do

tamanho da China, do seu dinamismo, existem “consequências inesperadas, mesmo

quando o Estado cria organizações sociais e ONGs” (WU apud BRUNDENIUS, 2005,

p. 3, tradução minha). Entre essas consequências está a liberdade de atuação

conquistada por diversos setores da sociedade civil.

Ma Qiusha (2005) alerta que é preciso usar as definições ocidentais de

ONG com cuidado, porque as diferenças culturais podem levar à enganos: “os líderes

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das ONGs não veem como objetivo central o confronto com o governo, ou a proteção

da sociedade em relação ao Estado. Em vez disso eles veem sua missão como a

necessidade de colaborar com o governo a partir da responsabilidade cidadã” (MA,

2006, p.3, tradução minha). Há uma forte tendência no ocidente em ver as ONGs com

foco em sua orientação política, de contestação e oposição ao Estado, entretanto, na

China, as ONGs mais proeminentes são aquelas que prestam serviços sociais, de

assistencialismo, educação, caridade. Dessa forma é possível afirmar que as ONGs

chinesas não negam o Estado e o Partido, não se opõe a eles, buscando exercer uma

ação complementar ao Estado, penetrando nas áreas em que o Estado não age.

De acordo com meus entrevistados, o propósito das ONGs não era enfraquecer ou substituir o Estado, mas sim fortalecer o Estado e ajudá-lo a cumprir suas responsabilidades com seus cidadãos. Por sua vez, as agências estatais estavam dispostas a construir alianças com ONG, não necessariamente para controlá-las, mas para ter benefícios que atendessem às necessidades organizacionais das agências estaduais (HSU, 2010, p. 260, tradução minha).

As ONGs podem ser definidas de diversas maneiras, mas cinco

características são comumente encontradas nas definições de Organizações não-

governamentais: elas são organizadas, institucionalmente e estruturalmente; são

privadas, isto é, se diferenciam do Estado; são não-lucrativas, não visam o lucro aos

seus proprietários ou gestores; são auto-governadas, elas estão fundamentalmente

no controle de seus próprios assuntos; e são formadas por voluntários; seus membros

são atraídos por vontade própria, e fornecem seu tempo ou seu dinheiro livremente,

sem uma imposição legal (ZHANG, 2003).

Em 1998, com a divulgação da Regulations of Registrations of Social

Organizations o governo estabeleceu duas possibilidades de registro de

organizações: as organizações sociais (shehui tuanti) e as empresas não

governamentais e não comerciais (minban fei qiye danwei). Essa regulamentação

marca o surgimento de definições oficiais mais explícitas para as ONGs, inexistentes

até aquele momento. As organizações sociais são definidas então como

“organizações não-lucrativas que são voluntariamente fundadas por cidadãos

chineses por suas necessidades comuns e operadas com seus recursos próprios”

(BRUNDENIUS, 2005, p. 9, tradução minha), enquanto as empresas não

governamentais e não-lucrativas são “entidades sociais engajadas em atividades

sociais não lucrativas, fundadas por empresas lucrativas ou não lucrativas, por

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organizações sociais, outras forças sociais ou indivíduos que não usam financiamento

governamental” (MA, 2003, p. 4, tradução minha).

Conforme já elucidado anteriormente no capítulo, a separação Estado e

Sociedade na China é potencialmente frágil. Deste modo as características das ONGs

apresentadas dificilmente serão encontradas em um modo puro: as ONGs chinesas

se desenvolvem com graus diferentes de autonomia, separação do Estado,

voluntarismo, dentre outras. A relação Estado e organização social é rica em

paradoxos: não-governamental não significa necessariamente relação zero com o

governo, assim como as ONGs não são apenas mais uma organização estatal

(BENKE, 2013).

Como ocorre na maioria dos países emergentes, as ONGs enfrentam um

grande dilema: elas demandam autonomia, porém necessitam de financiamento, o

qual, na maioria das vezes, vem por meio do Estado. No caso da China, onde não há

uma tradição de doações, há leis que dificultam a doação, histórico de corrupção e

desvio de verbas das ONGs, deste modo o financiamento é um grande empecilho

para garantia da autonomia. Para aumentar a autonomia é preciso o compromisso

organizacional, diversificação dos financiamentos, uma base popular, expertise

técnica, conhecimento social e administrativo, conhecimento estratégico, staff

treinado e com experiência (BRUNDENIUS, 2005).

Essa dificuldade de financiamento faz com que os líderes das organizações

reconheçam ser importante a aproximação com o governo, pois essa é a única

maneira de sobreviver, pois o governo possibilita o funcionamento e financiamento

das ONGs. Com isso, todas as organizações que prestam serviços sociais, geram

informações e conhecimentos às agências governamentais, mobilizam grupos a partir

de políticas estatais, recebem encorajamento e apoio oficial. As organizações de

massas que já existiam anteriormente e possuíam forte ligação com o Partido foram

as primeiras a serem beneficiadas, como é o caso de alguns sindicatos e grupos

femininos (RICHTER; HATCH, 2013).

A questão da autonomia também fica clara ao reconhecer que só haveria

completa autonomia se não houve regulamentação para a existência das ONGs. A

partir do momento em que há regras, há uma autonomia relativa. Apenas as ONGs

que sobrevivem na ilegalidade podem gozar de autonomia, entretanto sua ação pode

ser desqualificada socialmente por não ser um instrumento socialmente reconhecido

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e legal para ação social junto à população, além de ser uma atividade ilegal, algo

perigoso em um Estado autoritário (BENKE, 2013).

Surgimento e desenvolvimento das organizações

É possível reconhecer duas fases distintas nas quais surgem as

organizações sociais contemporâneas na China14. A primeira, conforme apresenta

Chen (2009), remete ao período de 1978 a 1992, quando em virtude da reforma e

abertura da China surgiram condições propícias para o nascimento de muitas

organizações. Esse momento coincide com o contexto apresentado anteriormente e

remete ao nascimento da sociedade civil chinesa. Anteriormente à 1989 não existia

claramente uma legislação acerca das organizações sociais, o que favoreceu o

surgimento dessas novas formas, principalmente entre estudantes e intelectuais. Com

o ocorrido na praça Tiananmen, em 1989, o governo passou a se preocupar com

maneiras de regular a atuação das organizações e promulga em outubro de 1989

algumas regras para registro e gestão das organizações sociais (CHEN, 2009).

As organizações podiam ser registradas no Ministério das Relações Civis

como organização social, organização não-governamental ou ainda como empresa

não comercial (BRUNDENIUS, 2005). Com a nova regulamentação de 1989 tornou-

se necessário o registro das organizações no Ministério das Relações Civis e a

necessidade de haver uma tutela governamental ou paragovernamental, que

acompanhasse a atuação de cada organização. Era uma forma de apadrinhamento

político (guakao danwei), quando havia o acompanhamento da ONG por dois anos

até conseguir o efetivo registro no Ministério. Por conta dessa regra muitas

organizações preferiam fazer o registro como empresa lucrativa, por ser menos

burocrático, outras correram o risco e se desenvolveram na ilegalidade (TSIMONIS,

2013).

Outra dificuldade para o registro referia-se à anuidade que deveria ser

paga. Uma taxa de aproximadamente US$ 12.000 para ONG com atuação nacional e

US$ 3.000 para atuação local, além da apresentação de um plano de atividade. Por

14 A partir do final da década de 2000 ocorrem importantes mudanças que possibilitaram o avanço e consolidação das ONGs, conforme será visto no Capítulo 3 – Avanços e conquistas do ambientalismo chinês na década de 2000.

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fim, a regulação estabeleceu que poderia haver apenas uma ONG atuando em cada

setor por área geográfica, uma maneira de diminuir a concorrência e disputa política.

Por fim, a regulamentação das organizações sociais estipulava que as ONGs não

deveriam participar de protestos contra o governo, assegurando que elas não se

tornassem uma ameaça à integridade nacional (BENKE, 2013).

Nessa primeira fase de consolidação das organizações sociais temos um

incentivo ao surgimento das GONGOs (government organized non-government

organization), que são as organizações mediadas pelo governo, seja a partir de

financiamento direto ou presença de quadros do Partido em sua administração. As

GONGOs são um modelo paradoxal de organização que congrega autonomia e

dependência, liberdade e controle. Elas desempenham importante papel por serem

privilegiadas pela presença de membros do Partido e pela íntima relação que possui

com o Estado, e para isso elas se amparam na estrutura política existente

(SCHWARTZ, 2004). Elas conseguem maiores verbas e boa implementação de seus

projetos, auxiliando outras ONGs populares nas conquistas de seus interesses.

Principalmente em áreas rurais e distantes dos grandes centros, as GONGOs

conquistam maior legitimidade perante a população e às autoridades, estabelecendo

relações de cooperação com as ONGs locais, possibilitando um maior sucesso frente

aos objetivos dessas organizações (XIE, 2009; SCHWARTZ, 2004). A presença desse

modelo contraditório (organização não governamental organizada pelo governo) é

fundamental para a ideia de ambientalismo autoritário, que será abordada ao longo

dos próximos capítulos, visto que na ausência de uma democracia, o governo dispõe

de mecanismos de controle social e político associados à aparente liberdade de

participação popular que as GONGOs possibilitam.

No período de 1993 a 2007, temos uma nova fase em relação ao

surgimento das organizações sociais. Tal período é marcado pelas organizações de

base, populares (chamadas grassroots – em mandarim caogen zuzhi). Essas novas

organizações são mais independentes e autônomas em relação ao Estado, porém

desempenham importante papel em relação ao Estado: elas atuam em áreas

negligenciadas pelo governo e participam, ainda que indiretamente, da elaboração e

revisão de políticas públicas.

As organizações populares, surgidas principalmente ao longo dos anos

2000, muitas vezes acabam atuando na ilegalidade, ao não se sujeitarem à toda

legislação pertinente à atuação das ONGs. Com isso elas tem a aprovação popular,

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social, entretanto não possuem aprovação do governo. As GONGOs encontram-se

em situação oposta: elas funcionam legalmente, recebem apoio do governo, mas

muitas vezes se distanciam da aprovação popular, por serem julgadas como

favoráveis ao governo e ao Partido Comunista.

A disposição das organizações sociais segue uma lógica hierárquica,

conforme representada na figura abaixo (figura 2): no topo estão as organizações

diretamente ligadas ao Partido e herdeiras do período maoísta. São as All-China

(renmin tuanti) e as organizações de massas (qunzhong zuzhi), como por exemplo

All-China Federation of Trade Unions e a Chinese Communist Youth League. Essas

organizações são submissas ao controle estatal e partidário e são em pequeno

número. Abaixo delas estão as GONGOs, criadas ou mantidas pelo governo, com

baixa autonomia, ainda que em alguns casos tenham conquistado liberdade de

atuação e maior desvinculação ao Estado. Já as organizações populares legalizadas

são as que possuem maior autonomia, apesar de se submeterem às regulamentações

do governo, existindo legalmente e de acordo com todas as regras. Por fim, temos as

organizações ilegais, sem registro, que não possuem relação alguma com o Estado.

Estas últimas podem chegar a mais de 3 milhões de organizações, apesar da

dificuldade em serem contabilizadas pela falta de registro (YU, 2007).

Figura 2: Disposição das organizações não governamentais e a relação com o

Estado

Fonte: elaboração própria (2020)

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Os participantes dessas organizações sociais chinesas são, em sua

maioria, membros das elites políticas, intelectuais e econômicas. A nova classe média,

a qual nos referimos no início do capítulo, é a principal responsável pela criação e

condução de tais ONGs. Os motivos são vários: essas elites estão em circulação

global e não se restringem ao território chinês, com isso estão em contato com

organizações internacionais; reconhecem a importância das ONGs enquanto

representação de direitos civis contemporâneos; possuem uma maior consciência

cidadã, que os motiva a participarem ativamente em prol de melhores condições

sociais para o povo chinês; além disso são compostas pelas classes letradas, com

amplo acesso à informação e conhecimento, além de acesso à internet e outros meios

de comunicação; ademais, é nítido o engajamento dos estudantes secundários e

universitários nas diversas causas nas quais as ONGs chinesas atuam; por fim, há

uma maior concentração de ONGs nas grandes cidades, como Beijing e Shanghai,

locais em que é visível a presença das novas classes médias e elites (YU, 2007; MA,

2002; WU, 2009).

Apesar do crescimento das ONGs populares, mais de 50% das ONGs

ainda eram semi-oficiais em 1996, sendo baixo o número de ONGs efetivamente auto-

organizadas, com auto-suporte e auto-governo (MA, 2002).

Em 1998 a nova política regulatória fortaleceu o controle do governo sobre

as organizações sociais, com restrições à atuação das ONGs, grande burocracia a

ser cumprida, com muitos documentos a serem entregues anualmente, além de

monitoramento financeiro das ONGs, buscando identificar a origem dos recursos

utilizados pelas ONGs (TSIMONIS, 2013). Nesse momento também foi estipulada a

proibição de pesquisas acadêmicas sobre a atuação das ONGs, com estatísticas

monopolizadas e não divulgadas pelo Ministério das Relações Civis. Tal fato esclarece

a ausência de estudos chineses sobre o tema ao longo da década de 1990 (MA, 2002).

Ainda que repleto de dificuldades para se estabelecerem, a partir do final

da década de 1990 há um crescimento exponencial no número de ONGs. Um membro

do Ministério das Relações Civis argumentou: “As ONGs representam uma

indispensável força em uma economia de mercado, uma parte essencial da gestão

social, o elo que liga o Estado e a sociedade” (RICHTER; HATCH, 2013, p. 18). O

reconhecimento do papel das ONGs enquanto benéfico ao Estado foi o principal

elemento que garantiu o crescimento dessas organizações.

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Para o governo local as organizações são uma maneira de garantir serviços

a baixo custo, e por isso algumas regulamentações do governo central podem ser

burladas, como a regra que impõe a existência de apenas uma ONG de determinada

atividade por cada região. As autoridades locais fazem uso das ONGs para atender

às demandas sociais e do governo central, e o governo central se utiliza das ONGs

como recurso alternativo para implementação de leis e diminuição da corrupção

(RICHTER; HATCH, 2013).

Peter Ho (2007) defende a ideia de um desenvolvimento paradoxal do

ativismo social apoiado na existência de um semiautoritarismo, onde há um controle

restrito ao mesmo tempo em que existe o estímulo à ação coletiva em todo país. Para

sobreviver às restrições do governo é preciso que os movimentos sociais e

organizações se submetam às regras, adotando uma postura não confrontacional. Tal

estratégia é chamada por Peter Ho de embedded activism, algo como ativismo social

incorporado, e possibilita captar o dinamismo paradoxal do desenvolvimento das

organizações sociais na China em um ambiente semiautoritário, no qual a autoridade

do Partido e do Estado não é questionada. Essa noção será aprofundada no próximo

capítulo, quando abordaremos as estratégias de desenvolvimento das ONGs

ambientais.

Susan H. Whiting (1991) apresenta um ponto polêmico: a questão da

autonomia. Enquanto alguns autores sinalizam que a ausência de autonomia é um

grande empecilho para o desenvolvimento das ONGs chinesas, Whiting afirma que a

autonomia não é necessariamente essencial para o desenvolvimento socioeconômico

promovido através da atuação das ONGs, reconhecendo que a interdependência

existente entre Estado e ONGs pode ter um caráter funcional, com melhores impactos

socioeconômicos em comparação a situações de completa autonomia das ONGs.

Diversos estudos empíricos conduzidos por pesquisadores chineses encontraram uma interdependência entre o Estado e a sociedade. Esses estudos sugerem que a sociedade civil pode crescer a partir da participação e cooperação com o Estado no contexto chinês, enquanto as organizações sociais se mantêm dependentes do Estado. Autonomia não é uma precondição para o desenvolvimento da sociedade civil, como ocorre na experiência ocidental. Enquanto isso, entretanto, o Estado também se torna dependente das organizações sociais para governar. Estado, sociedade e mercado entrelaçam-se para remodelar as relações Estado-sociedade na China (YU; GUO, 2012, p. 6, tradução minha).

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Anthony Spires (2011) argumenta que há na China um contingent

symbiosis, afinal o Estado tolera e até encoraja o ativismo local, desde que as

organizações respeitem as regras e não conclamem um governo democrático. Muitos

autores defendem que o estímulo à expansão da sociedade civil não é sinal de

aumento da democracia na China, mas é uma adaptação ao mercado. Os benefícios

em permitir a emergência de uma sociedade civil superam os riscos, afinal, com a

redução do Estado foi preciso criar mecanismo para promover serviços sociais de

maneira efetiva. Tal estímulo à sociedade civil é visível no gráfico abaixo, que

representa a evolução no número de organizações sociais registradas na China,

segundo o Ministério das Relações Civis.

Gráfico 1: Número de Organizações na China

Fonte: Congressional-Executive Commission on China, 201615.

A década de 2000 vivencia um novo momento, onde as ONGs passam a

atuarem como uma terceira força, ao lado do Estado e do mercado, na promoção de

melhorias de vida para a população, prestando assistência para os grupos

marginalizados. As ONGs se aproveitaram desse novo momento, experimentando

forte expansão em seus números, alcançando sucesso em muitas de suas ações

15 Disponível em http://www.cecc.gov

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(YANG, 2002). No capítulo 3 retornaremos a esse momento histórico e as mudanças

em relação às ONGs.

1.4 Considerações do Capítulo

A sociedade civil chinesa pode ser compreendida a partir de quatro

componentes distintos: esfera pública, organizações sociais, autonomia individual e

resistência popular. Esses componentes se combinam de várias formas de modo a

operar na esfera social que surge com a modernização da China e se localiza como

ponto intermediário entre o Estado (sociedade política) e a família (sociedade

doméstica).

Na China, assim como em outros países do sul global, não há uma clara

separação entre Estado, mercado e sociedade civil, que a todo momento acabam se

entrelaçando e tornando tênue suas delimitações, diferenciando-se das experiências

do norte global que caracterizaram as definições tradicionais de sociedade civil. Já a

diferença fundamental entre a China e outros países do sul global, como é o caso dos

países da América Latina, refere-se ao processo de democratização, que no caso

chinês não é elemento fundamental para o desenvolvimento da sociedade civil, e

muito menos consequência futura de um amadurecimento e fortalecimento da

sociedade civil. Tal diferença soa estranha aos ocidentais, que sempre viram o

crescimento econômico e o desenvolvimento da sociedade civil como diretamente

associados ao processo de democratização (STUNKEL, 2018).

Repleta de paradoxos, a sociedade civil chinesa desenvolveu-se

energicamente a partir do final dos anos de 1980, acompanhando as intensas

transformações políticas, econômicas e sociais que ocorreram no país. Reconhecer

os elementos propulsores desse desenvolvimento, tais como urbanização,

industrialização, consumismo, comercialização, descentralização, modernização, foi

um dos objetivos centrais desse capítulo. Para além, destacamos que o

desenvolvimento da sociedade civil provocou significativas mudanças na sociedade

chinesa, com novas dinâmicas sociais e políticas, incentivo a uma sociedade plural,

com aumento do espaço público, e novas relações entre Estado e sociedade,

avançando rumo a uma nova governança.

A construção da sociedade civil chinesa mostra-se completamente

diferente da experiência ocidental, e por isso é fundamental buscar diversas

interpretações. Tal construção está diretamente relacionada com a modernidade

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reflexiva que a China passa a vivenciar a partir das intensas transformações da

década de 1980, e desta forma, a sociedade civil já nasce na reflexividade, porém ela

é uma necessidade do próprio Estado, que já não consegue atuar em todas as áreas

de maneira suficiente. Dito isso, é fundamental reconhecer que a sociedade civil não

nasce da oposição Estado versus sociedade, como ocorre, em grande medida, no

ocidente, mas grande parte dos autores reconhece que ela surge quase que de

maneira top down.

A modernidade reflexiva traz uma importante transformação nas diversas

esferas da vida social, abrangendo o Estado, a família, os estratos sociais, conferindo

uma nova dinamização aos atores sociais a partir do processo de autoconfrontação,

afinal os novos riscos escapam das instituições e dos arranjos existentes até então.

Assim, na sociedade de riscos há uma intensificação da percepção dos riscos e o

reconhecimento dos problemas de uma maneira coletiva, por toda sociedade, em

espaços que não são nem exclusivamente públicos, nem exclusivamente privados.

Não basta mais o Estado agir isoladamente, nem o indivíduo, portanto a sociedade

civil e as diversas organizações sociais ganham importância nesse cenário, ao

introduzirem uma série de novas reinvindicações, além de se articularem de modo a

atuarem em parceria com o projeto político vigente.

Ainda que carente de plena autonomia, a sociedade civil passou a se

organizar em diferentes tipos de organizações sociais, que estabeleceram relações

distintas com o Estado. Formada principalmente pela classe média urbana,

intelectuais e estudantes secundários e universitários, as ONGs tiveram sua

existência reconhecida formalmente a partir das novas regulamentações de 1989 e

1998, quando regras impuseram condutas e formas de atuação, dificultando a ação

das ONGs que tiveram que se adaptar à ausência de autonomia.

Relacionadas com o Estado em diversos graus, algumas ONGs

conquistaram maior autonomia em relação ao Estado, como é o caso das ONGs

ambientais, objeto de análise do próximo capítulo. Outras, como as ONGs voltadas

para direitos humanos, possuem baixa autonomia e ação restrita, por representar risco

à manutenção do poder central.

A existência de um governo autoritário implica na necessidade de se

adequar às legislações vigentes caso a organização social deseje se manter ativa.

Reconhecemos dessa forma a presença de relação orgânica entre o governo e as

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ONGs, onde cada um vislumbra a necessidade do outro para sua sobrevivência. Tal

relação será explicitada a partir da análise de caso das ONGs ambientais.

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Capítulo 2 - Surgimento e desenvolvimento das ONGs ambientais (década de

1990) – uma reconstrução histórica

Nesse capítulo será abordada, inicialmente, a problemática da questão

ambiental na China. As transformações econômicas e sociais analisadas no capítulo

1 fizeram com que houvesse uma intensificação no uso dos recursos naturais, além

do aumento da poluição atmosférica, contaminação de rios e solos, aumento na

produção de lixo e aumento no consumo de carvão.

Tal situação torna-se visível no início da década de 1990. Após a

promulgação de novas regulamentações referentes ao ambiente tornou-se claro que

o Estado é incapaz de gerir sozinho os problemas ambientais evidentes que a China

vivenciava. Impulsionadas por esse contexto e por ONGs internacionais, diversas

ONGs ambientais surgem nos anos 1990, como é o caso da Friends of Nature, com o

objetivo inicial de promover a educação ambiental, formando novos cidadãos com

consciência ambiental, que permita usar adequadamente os recursos naturais,

diminuindo desperdício e poluição.

Uma reconstrução histórica do desenvolvimento dessas ONGs ambientais

nos permitirá vislumbrar a maneira como se mobilizavam, quais atores estavam

envolvidos, como se relacionavam com o Estado. As campanhas ambientais e as

GONGOs também serão apresentadas ao longo desse capítulo.

2.1 A intensificação da problemática ambiental na China

Ao longo da história da China temos a presença de problemas ambientais

impactando diretamente a vida humana e sua organização social. Naturalmente o

ambiente se modifica e enfrenta diversos fenômenos, como ocorrência de inundações,

terremotos, tornados, entretanto pode-se afirmar que a ação humana tem intensificado

a ocorrência desses problemas (IPCC, 2018).

Um exemplo dessa intensificação é a ocorrência de inundações no Rio

Yangtze. Durante a Dinastia Qing (1644 – 1911) ocorria uma vez a cada década; entre

1921 e 1949 passou a ocorrer a cada 6 anos (em média); na década de 1980 a cada

2 anos; e a partir dos anos 1990 passou a ser um fenômeno anual (ZABIELSKIS,

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2014). As alterações no uso do solo, construções, expansão das áreas urbanas,

impermeabilização do solo são alguns dos fatores responsáveis por alterar a

periodicidade das inundações.

Conforme afirma Lisandra Zago (2017), a vulnerabilidade da China aos

desastres naturais não é restrita às últimas décadas:

A China sempre foi vulnerável a desastres naturais, como: epidemias, secas, enchentes, inundações, sismos, terremotos, tufões, furacões, tempestades de neve e areia. A fome era um risco constante, e para alimentar a população era necessário o desmatamento para a agricultura, mas como visto na introdução, a agricultura não foi a única causa de desmatamentos [...]. Do desmatamento, a erosão e a consequente enchente e/ou inundação, que arrastavam consigo minerais e matéria orgânia, lavando os nutrientes do solo, se não a própria plantação e, novamente, havia fome. Comunidades mudavam de lugar, abriam floresta para a plantação e o ciclo se repetia, além do intenso manejo socioambiental para a construção da Grande Muralha. Enfim, a maior população mundial vem sofrendo há muito tempo com os impactos socioambientais, todas as dinastias entendiam essa vulnerabilidade e a necessidade concomitante de manter a base agrícola da China e “controlar” o Yantze e o Huang He (ZAGO, 2017, p. 246).

As mudanças socioeconômicas vivenciadas a partir da segunda metade do

século XX trouxeram novos desafios à administração política do país. O forte

crescimento populacional, o aumento da demanda por alimentos, as políticas

econômicas de desenvolvimento industrial, somados à expansão do desmatamento,

aumento da erosão e enchentes, provocaram fortes impactos ao ambiente, entretanto,

na visão de Mao Zedong os problemas ambientais eram fenômenos temporários que

seriam resolvidos a partir do avanço da ciência e tecnologia (ZABIELSKIS, 2014). O

líder chinês defendia a necessidade de domínio da natureza, lançando campanhas

como “a luta contra os quatro males”, que dizimou a população de ratos, pardais,

moscas e pernilongos, alterando profundamente o equilíbrio do ecossistema local

(ZAGO, 2017).

O período maoísta, que antecede o período de abertura e reforma, é

marcado pela visão de que os problemas ambientais eram típicos do capitalismo, e

por isso não incluía esses problemas como pauta governamental. Os anos seguintes

à morte de Mao Zedong deixam claro que problemas pequenos e locais, mudanças

ambientais pontuais, podem se acumular e se transformar num enorme problema,

com diversas consequências para a localidade, mas também para o país e o planeta

como um todo (ZABIELSKIS, 2014). O legado histórico do período de Mao é marcado

pelos efeitos cumulativos da destruição ambiental, pela pressão populacional e pela

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gestão econômica ineficaz. “[...] sob a ideologia de “batalhar com o céu e a terra”, o

ambiente foi descaradamente ignorado, abusado e destruído pelas políticas do

governo comunista na tentativa declarada de construir o socialismo” (KASSIOLA;

GUO, 2011, p. 28, tradução minha).

As questões ambientais não são limitadas pelas demarcações geopolíticas,

logo a poluição do ar e da água na China, a construção de barragens, o consumo de

recursos, têm impacto profundo em todo o mundo. O que a China faz afeta a mudança

climática global, o esgotamento da camada de ozônio, a perda da biodiversidade, a

desertificação, a chuva ácida, os preços das commodities, a pesca, a vida selvagem,

e mais diversos outros aspectos ambientais do globo (SHAPIRO, 2012; FERREIRA,

2017).

Plano das Quatro Modernizações e os impactos ambientais: a questão energética

As mudanças advindas com a implementação do Plano das Quatro

Modernizações a partir do final da década de 1970 são responsáveis por uma série

de graves consequências ambientais em toda a China. Conforme visto no capítulo 1

houve a intensificação da produção de mercadoria, expansão das cidades, aumento

do consumo, inserção da China no mercado internacional (com exportação de bens

de baixo valor agregado). Essas mudanças provocaram uma dramática erosão da

qualidade ambiental, apesar de esforços governamentais terem sido feitos de maneira

a minimizar esses impactos (ver item 2.2).

Como resultado de uma nova reorganização social que conjugava mercado

e Estado, produção e lucro, consumo e sucesso, e um sucessivo crescimento do poder

das localidades, que gozavam de fortes incentivos para seu desenvolvimento

econômico a qualquer custo, burlando as coordenadas do governo central em

benefício próprio, a China vivenciou sucessivos anos com forte crescimento

econômico – diretamente acompanhado pelo aumento da demanda de recursos

naturais e energéticos para suprir essa expansão da economia (JAHIEL, 1997).

O gráfico abaixo mostra a evolução do crescimento do PIB nos últimos 40

anos. Na década de 1980 o PIB se expandia em média 10% ao ano, enquanto na

década atual está ocorrendo uma diminuição no ritmo de crescimento, com média de

6,5% a 7% ao ano.

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Gráfico 2: Produto interno bruto (PIB) da China (1978-2016)

Fonte: elaboração própria a partir de dados dos Indicadores de Desenvolvimento

Mundial16

Acompanhando o crescimento econômico temos uma série de outros

indicativos, como: consumo energético, PIB per capita, urbanização, emissão de

poluentes, produção de lixo. Todos esses indicadores apresentam uma curva

crescente, com significativo aumento a partir da década de 2000. No gráfico 3 temos

a evolução da emissão de dióxido de carbono (CO2) na China. Essa emissão é

significativa, afinal o CO2 é um subproduto da queima de combustíveis fósseis e da

biomassa, além de também ser emitido a partir de mudanças no uso da terra e outros

processos industriais, como a produção de cimento. É o principal gás de efeito estufa

antropogênico que afeta o equilíbrio radiativo da Terra. A queima de combustíveis

baseados em carbono, desde a revolução industrial, aumentou rapidamente as

concentrações de dióxido de carbono atmosférico, aumentando a taxa de

aquecimento global, causando Alterações Climáticas. É também uma importante fonte

de acidificação oceânica, uma vez que se dissolve em água para formar ácido

carbônico (WORLD BANK, 2018).

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Gráfico 3: Emissão de CO2 (tonelada métrica per capita) na China (1978-2014)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos Indicadores de desenvolvimento

mundial17.

Atualmente a China é o maior consumidor mundial de energia e também

maior emissor de CO2, responsável por 30% das emissões globais. Um dos desafios

apresentados é a compilação de dados capazes de estimarem essas emissões com

precisão, visto que a China não divulga oficialmente dados de emissões anuais, sendo

essas emissões estimadas por institutos de pesquisas e centro universitários,

havendo grandes discrepâncias entre eles (SHAN et al., 2018).

O governo chinês publicou inventário nacional de emissões apenas em

1994, 2005 e 2012, mas, de qualquer forma, é inegável a gigantesca emissão, que

apresenta um crescimento constante e lento no período entre 1980-2002, conforme

demonstra o gráfico acima, mas se intensifica a partir de 2002, ano em que o país

ingressou na Organização Mundial de Comércio (OMC)18, e a fabricação de bens para

17 Disponível em http://databank.worldbank.org

18 A China tornou-se membro da OMC em dezembro de 2001, após 15 anos de negociação. A aceitação da China como membro da OMC foi condicionada pelo cumprimento às normas da OMC relativas ao meio ambiente. O Acordo de Marrakesh estipula: “os membros da OMC devem reconhecer que as suas relações no domínio do comércio e dos esforços econômicos devem ser conduzidas com o objetivo de elevar os padrões de vida, [...] permitindo ao mesmo tempo utilização otimizada dos recursos do mundo, de acordo com o objetivo de desenvolvimento sustentável, buscando tanto proteger e preservar o meio ambiente quanto os meios para fazê-lo”. Ver: Yang, Wanhua.Environmental provisions in the WTO Agreements and their implications for China as a member. Review of European Community & International Environmental Law, v. 11, n. 3, 2002.

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exportação expandiu rapidamente. No período entre 2002 e 2007, o incremento das

emissões ficou em pouco mais de 13% ao ano, sendo que em 2007 a China assumiu

a liderança no volume de emissões (SHAN et al., 2018; BEASLEY, 2014).

A queima do carvão, principal fonte energética da China, ainda é

responsável por aproximadamente 68% da energia primária, sendo o mais importante

poluidor da atmosfera. Comparado a outros combustíveis fósseis, como o petróleo e

o gás natural, o carvão possui o menor rendimento em termos energéticos e é o mais

poluente - para produzir uma mesma quantidade de energia a queima do carvão emite

o dobro de CO2 que o gás natural. Ele polui em todas as fases do seu ciclo, desde a

extração, passando pelo transporte, pela lavagem, queima, rejeitos, contaminando o

ar, o solo, a água (MARQUES, 2015).

O consumo de carvão pela China representava, em 2011, 47% do consumo

global. Desde 1986 o país é o maior consumidor do mundo (SHIFFLETT et al., 2015).

Foi na década de 1970 que o carvão se tornou estratégico para o crescimento chinês.

Com a crise internacional do petróleo em 1973, com poucas reservas nacionais, a

opção pelo carvão mostrou-se o melhor caminho para suprir as demandas energéticas

do momento. Investiu-se muito em infraestrutura e produção de carvão, sustentando

um crescimento econômico às custas do meio ambiente e da saúde pública, conforme

Basso e Viola afirmam (2014).

Nos anos 1980 e 1990 o crescimento econômico, a expansão do consumo

interno e o boom das exportações se basearam quase que exclusivamente na energia

gerada pelo carvão, logo a política energética chinesa se preocupava apenas com a

oferta e demanda de energia, não havendo indícios de transição energética e estímulo

para o desenvolvimento de novas fontes (MARIA, 2017).

Segundo Boyd (2012), nos anos 1980 e 1990, a frase ‘primeiro desenvolvimento; depois meio ambiente; primeiro poluir, depois limpar’ se encaixava perfeitamente na realidade chinesa que subordinava totalmente as questões ambientais ao crescimento econômico e não suscitava nenhuma preocupação ou ação do governo chinês, no entanto, assim como a conservação de energia passou a ter destaque a partir do 11º Plano Quinquenal, a questão ambiental passou a figurar no planejamento de longo-prazo do governo. Duas razões principais estão ligadas a essa mudança de postura: a pressão internacional e as consequências ambientais desastrosas do padrão de crescimento intensivo em carbono (MARIA, 2017, p. 151, tradução minha).

Apesar do reconhecimento dos malefícios do carvão e das políticas

ambientais recentes, principalmente com o 11º plano quinquenal (2006 - 2010) que

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incitava a construção de uma sociedade harmoniosa, em 2007 “a China construiu,

por semana, duas usinas termelétricas movidas a carvão com capacidade equivalente

a cerca de 500 MV. Cada uma dessas usinas de 500MV gera por ano três milhões de

toneladas de dióxido de carbono” (MARQUES, 2015, p. 262). Em 2013 foram

aprovadas novas construções de minas de carvão, injetando 860 milhões de

toneladas a mais de carvão, até 2015 (MARQUES, 2015).

O resultado desse intenso uso do carvão foram os índices altíssimos de

poluição, que atingiram seu auge entre 2013 e 2015, principalmente na região norte

do país. Em 2000 a China tinha 16 das 20 cidades mais poluídas do mundo, e dados

da SEPA (State Environmental Protection Administration) indicaram que 200 das 300

grandes cidades apresentavam índices de qualidade do ar abaixo dos níveis

considerados seguros (BASSO; VIOLA, 2014).

As consequências dessa poluição são diversas: estima-se em mais de 200

milhões de pessoas com doenças pulmonares ligadas à poluição (BEASLEY, 2014),

mais de 1,2 milhão de mortes prematuras anuais por complicações respiratórias,

cardiovasculares e cerebrais (ALBERT; XU, 2016), redução da expectativa de vida em

áreas mais poluídas (na região norte a expectativa é 5,5 anos mais baixa que ao sul

do país) (ALBERT; XU, 2016), ocorrência de chuva ácida, perdas econômicas, intensa

degradação ambiental, além das mudanças climáticas, que serão tratadas no capítulo

4.

A situação da poluição atmosférica tornou-se uma preocupação

governamental na década de 2000, quando pressões domésticas e internacionais

passaram a ameaçar a estabilidade política do país. Uma das discussões refere-se

ao aumento das emissões e a necessidade de a China ratificar acordos internacionais

a fim de reduzir o volume de emissões. Dois dos pontos defendidos pelos governantes

chineses referem-se diretamente ao gráfico e a imagem apresentados a seguir:

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Gráfico 4: Emissões per capita (tCO2/pessoa)

Fonte: LIU, 2015

O gráfico acima apresenta as emissões per capita dos maiores emissores

globais, mostrando que apesar do crescimento intenso das emissões na China,

principalmente a partir de 2002, sua emissão per capita ainda é bem inferior ao de

vários outros países. Somado a esse dado os governantes chineses também buscam

justificar suas emissões com base nos produtos exportados, isto é, os países

consumidores dos bens made in China devem assumir parte da responsabilidade

pelas emissões.

Mais de um terço das emissões de CO2 da China em 2007 [...] pode ser atribuído às suas exportações. [...] A responsabilidade para cada tonelada de dióxido de carbono é compartilhada entre o país no qual o CO2 é emitido e os países onde os produtos que o geraram são consumidos. Um trabalho de Jintai Lin, da Universidade de Pequim, mostra que, apenas em 2006: 36% das emissões antropogênicas de dióxido de enxofre, 27% de óxidos de nitrogênio, 22% de monóxido de carbono e 17% de partículas de carvão produzidas na China estavam associadas à produção de bens para exportação (MARQUES, 2015, p. 34).

A imagem a seguir ilustra as emissões que são incorporadas no comércio

internacional. Calcula-se que 25% das emissões totais da China estão diretamente

relacionadas às exportações. A largura do fluxo representa proporcionalmente o

volume incorporado de emissões, e a cor representa a região de produção original.

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Por exemplo, o amarelo representa todas as emissões advindas de bens produzidos

na China. Os maiores fluxos são da China para os Estados Unidos e União Européia

(WILBY, 2017; LIU,2015).

Figura 3: Emissões incorporadas no comércio internacional (em 2013)

Fonte: LIU, 2015.

Com essas informações de emissões per capita, emissões incorporadas

aos bens exportados, além da preocupação com a manutenção do crescimento

econômico, a China teve, ao longo da década de 2000, uma difícil negociação nos

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acordos internacionais, colocando-se como um país em desenvolvimento,

sustentando que as mudanças climáticas eram resultados das atividades econômicas

dos países desenvolvidos, principalmente Europa e América do Norte, desde a

Revolução Industrial (IMURA, 2013). Nesse sentido, posicionou-se defendendo a ideia

de “responsabilidades comuns porém diferenciadas”, ou seja, a responsabilidade

histórica dos países desenvolvidos deveria guiar as políticas climáticas, com os países

desenvolvidos (representados pelos Estados Unidos) arcando com cortes mais altos

nas emissões, enquanto os países em desenvolvimento (representados por China e

Índia) se comprometeriam a reduzir as emissões desde que não impactassem em seu

desenvolvimento econômico19. Além disso, na COP 21 a China posicionou-se

fortemente a favor dos amplos investimentos em tecnologia e financiamento de

projetos pró melhoria do clima vindos de países desenvolvidos, que deveriam firmar

parceria com os países em desenvolvimento (LI, 2016). Esse posicionamento da

China sofre uma significativa mudança a partir do início da década de 2010, conforme

veremos no capítulo 4. Ademais, na década de 2010 a China deixa de ser vista como

“fábrica do mundo”, como fornecedora de mercadorias baratas produzidas a partir de

mão-de-obra mal paga. Isso faz com que lentamente haja um deslocamento da

produção de bens manufaturados e altamente poluentes para outros países, da Ásia

e África, o que também pode alterar os volumes de emissões na próxima década

(ARCE; LÓPEZ; GUAN, 2016).

A questão da água e do solo

Ao lado da poluição atmosférica a contaminação e escassez da água é

outro problema ambiental de grande impacto na China. Nenhum outro recurso é tão

importante quanto a água para a China: permite a produção de alimentos, a produção

industrial, a geração de energia e a sobrevivência da população.

19 Sobre a atuação na China nos acordos internacionais do Clima, recomendo a leitura da tese de Jefferson Estevo (Os Riscos e Negociações Climáticas (2009- 2018/9): Os Casos de Brasil e China, políticas domésticas e internacionais), também membro do LABGEC e parceiro no projeto de pesquisa regular “O desafio das mudanças ambientais globais no Antropoceno: ênfase nas questões das dimensões humanas das mudanças climáticas (Brasil, China e Moçambique)” (Processo FAPESP 2017/06347-3).

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O problema da escassez vincula-se diretamente às condições naturais e

sociais: seus recursos hídricos são mal distribuídos, tanto geográfica quanto

sazonalmente; o país possui 19% da população mundial, mas apenas 6% do recurso

hídrico (GALL, 2012; SHAPIRO, 2012), tornando compreensível a afirmação de Wen

Jiabao, primeiro-ministro chinês no período de 2003 a 2013, sobre a escassez da água

enquanto ameaça à sobrevivência da nação chinesa (GALL, 2012). Para além da

escassez de água são diversas as causas dos problemas de água na China:

1ª) Desvalorização, desperdício e uso excessivo 2ª) Rápido esgotamento dos grandes reservatórios subterrâneos acumulados ao longo de milhares de anos 3ª) Erosão, desmatamento e assoreamento dos rios 4ª) Deterioração da infraestrutura de irrigação 5ª) Poluição dos rios e lençóis freáticos por resíduos agrícolas, industriais e domésticos (GALL, 2012, p.1, tradução minha).

O rápido esgotamento dos grandes reservatórios subterrâneos evidenciou-

se principalmente nas grandes cidades, que vivenciaram um afundamento da terra em

pelo menos 2 metros de profundidade, em mais de 50 cidades no norte da China.

Beijing, que obtém 2/3 dos recursos hídricos através de dezenas de milhares de

poços, sofreu com o afundamento de terras que danificou encanamentos de água e

gás, além de atrasar os planos de expansão do metrô. Em Shanghai, a construção de

mais de 5000 prédios acima de aquíferos esvaziados provocou afundamento e causou

colapso em mais de 7 km de novas vias da rota Shanghai-Beijing (GALL, 2012). Ao

lado do intenso esvaziamento dos aquíferos temos a poluição que faz com que apenas

3% dos aquíferos urbanos sejam considerados limpos, uma situação extremamente

preocupante, visto que 1/3 do abastecimento hídrico do país é feito a partir dos

aquíferos (MARQUES, 2015).

A poluição afeta 75% dos rios e lagos da China e 90% das águas

subterrâneas urbanas, 28% dos rios são classificados como pertencentes ao nível

cinco, o pior nível numa escala de um a cinco, sendo tão tóxicos que suas águas são

impróprias para consumo, agricultura ou processo industrial (SHAPIRO, 2012). Cerca

de 4.050.000 de hectares (7,4% da área total) de terras irrigadas utilizam água

contaminada (SHIFFLETT et al., 2015). Em 2010 foram estimados que 600 a 700

milhões de pessoas, dependentes do abastecimento de água pelo rio Yangzi,

consumiram água contaminada por lixo, animais mortos e esgotos industriais.

Relatórios indicam que houve um aumento significativo nos casos de cólera, hepatite,

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diarreia e câncer no aparelho digestório, diretamente relacionados à má qualidade da

água consumida (BEASLEY, 2014). Só em 2007 houve mais de 800 milhões de casos

de diarreia, resultado direto do consumo de água contaminada (BASSO; VIOLA,

2014), além de 60.000 mortes prematuras por ano em decorrência da baixa qualidade

da água consumida, e mais de 360 milhões de camponeses sem acesso a água

adequada para o consumo humano (ZABIELSKIS, 2014). O geógrafo Lee Liu divulgou

em 2010 que ele identificou 459 “cancer villages”, isto é, localidades em que a taxa de

ocorrência de câncer é muito maior do que o padrão, em torno de 30 vezes maior que

a média nacional. A maioria dessas localidades estão situadas ao redor de rios com

altas taxas de contaminação (ECONOMY, 2014).

A poluição hídrica é causada principalmente pelo uso de pesticidas, pela

ausência de tratamento de lixo orgânico doméstico e industrial, pelos gases nocivos

liberados pelas algas em decomposição, além do aumento crescente de amônia,

nitrogênio e metais pesados (BEASLEY, 2014). A produção de energia através da

queima do carvão também contamina a água, afinal a água utilizada nas caldeiras e

nos sistemas de resfriamento volta aos corpos de água próximos das usinas

contaminada por metais pesados, como o arsênico (SHIFFLETT et al., 2015).

A queima do carvão também emite componentes responsáveis pelas

chuvas ácidas, principalmente dióxido de enxofre (SO2) e óxido de nitrogênio (NO),

que ao reagirem na atmosfera produzem ácido sulfúrico e ácido nítrico, que acidificam

a chuva e causam uma série de consequências ao ambiente e aos seres humanos.

No solo a chuva ácida mata insetos, animais e envenena plantas; dissolve substâncias

existentes no solo; corrói cera protetiva das folhas, tornando-as suscetíveis; e causam

danos à infraestrutura, à cultura e ao patrimônio, corroendo uma série de elementos

utilizados nas construções, esculturas, revestimentos, etc. (MARQUES, 2015). Na

agricultura, a chuva ácida tem provocado perdas de colheitas com prejuízos de mais

de 4 bilhões de dólares por ano, e para além das fronteiras geográficas, a chuva ácida

tem atingido países como o Japão e Coréia do Sul, que perderam florestas inteiras

por conta do fenômeno provocado pelas emissões de poluentes na China (SHAPIRO,

2012; ZABIELSKIS, 2014).

Outro ponto extremamente sensível vincula-se diretamente à produção de

alimentos. As plantações e o gado consomem 62% da água doce total disponibilizada,

ademais o setor agrícola acaba por poluir a água através do uso de fertilizantes,

pesticidas, e também pelo escoamento de resíduos animais. A escassez da água

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afeta diretamente a produção de alimentos, demandando cada vez mais a importação

de produtos agrícolas para suprir a necessidade doméstica. A distribuição irregular da

água pelo território também é outro fator: o norte do país, que detém 60% das terras

cultiváveis, tem apenas 16% da água, enquanto o sul, com 40% da área plantada, tem

84% da água disponível nacionalmente (SHAPIRO, 2012). Essa desigualdade da

distribuição de água pode levar a um número massivo de refugiados ambientais, já

que grande parte da China enfrenta escassez de água, que deve se intensificar nas

próximas décadas, e o deslocamento populacional pode ser uma das alternativas

encontradas para suprir a carência hídrica.

Ao lado do problema da contaminação da água temos a contaminação do

solo e a perda de terras agricultáveis, outros graves problemas ambientais na China.

Séculos de desmatamento combinado com sobrepastoreio e uso excessivo da terra

para agricultura, proporcionou alta degradação do solo, principalmente no norte e

nordeste da China (ECONOMY, 2014). A perda de terras agricultáveis intensificou-se

a partir da década de 1970 em virtude da degradação ambiental (BASSO; VIOLA,

2014), entretanto apenas na década de 2000 que efetivamente o governo passou a

se preocupar com a contaminação do solo e com os efeitos cumulativos da poluição

industrial e agrícola. Da mesma forma que a água, o solo é contaminado

principalmente pelas indústrias de mineração e seus rejeitos, pelo uso excessivo de

fertilizantes e pesticidas, pelo crescente volume de excrementos de animais, pelo

esgoto não tratado, pelo uso de água contaminada na irrigação de terras aráveis

(IMURA, 2013).

Dados divulgados pelo Ministério da Proteção Ambiental, em 2013,

indicaram que 16,1% da área total e 19,4% da terra agrícola foram contaminadas,

sendo que 82,8% dessa área contaminada apresentou altos índices de materiais

inorgânicos, como cádmio, níquel e arsênico, reconhecendo um crescimento

acentuado desses elementos nos últimos 30 anos (IMURA, 2013).

A contaminação da terra suscita preocupações com a qualidade dos

alimentos, além de estimular a reflexão sobre o uso intenso de pesticidas. A China é

o maior produtor e consumidor de pesticidas químicos desde 2007, quando

ultrapassou os EUA. Na década de 1980 utilizava-se em torno de 862.000 toneladas

de pesticida por ano. Esse número aumentou para 1.672.000 toneladas em 2008.

Questiona-se a quantidade de pesticida que passou a ser ingerido pelas famílias

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chinesas e o medo com as consequências dessa ingestão é uma realidade (IMURA,

2013).

Além da contaminação das terras, a China tem vivenciado o aumento da

desertificação (marcada pela redução da cobertura vegetal e declínio na

produtividade) e o empobrecimento do solo, em virtude da falta de remoção de

resíduos, combinada com práticas negligentes dos agricultores, sobrepastoreio e

efeito das mudanças climáticas. Em torno de 1,68 milhão de quilômetros quadrados

já se tornaram desertos, afetando mais de 400 milhões de pessoas (ALBERT; XU,

2016). Em 1998 o governo criou um programa para realocar populações atingidas pela

desertificação, retirando mais de 1 milhão de pessoas de seu local de origem,

principalmente da região oeste do país. Tal deslocamento ocasiona perdas

econômicas, desintegração social, além de perda de cultura tradicional, visto que essa

região é constituída por minorias étnicas, fazendo com que alguns analistas tenham

interpretado o programa como um genocídio cultural (KASSIOLA, GUO, 2011). O

aumento do processo de desertificação intensificou a ocorrência das tempestades de

areia, principalmente no norte do país, atingindo Beijing diversas vezes. Tal fenômeno

não se restringe à China, mas também impacta Coréia do Sul, Japão e até mesmo os

Estados Unidos, países que são atingidos pelas nuvens de areia (SONG; WOO,

2008).

A distribuição desfavorável das terras aptas para o uso agrícola e o difícil acesso aos recursos hídricos têm representado, desde sempre, um problema para os chineses. Quase dois terços do território consistem em desertos e montanhas acima de mil metros, que permitem – na melhor das hipóteses – uma agricultura apenas marginal. No terço restante, localizado principalmente na região leste do país e onde vivem quase 90% da população de mais de um bilhão de pessoas, o uso intensivo dos solos e a alta densidade demográfica geram forte pressão sobre os recursos naturais. [...] Em consequência do sobrepastoreio, salinização do solo, erosão, expansão das terras agricultáveis, 90% das áreas de pasto sofrem graus variáveis de degradação. A cada ano os desertos da China aumentam em mais de 2.500 quilômetros quadrados (STERNFELD; WALDERSEE, 2006, p. 77, tradução minha).

O desmatamento é outro problema ambiental enfrentado e impacta

diretamente a questão da segurança alimentar, que se relaciona com a questão da

água e do solo tratada anteriormente. O desmatamento é ocasionado pela expansão

das cidades sobre as áreas rurais, mas também pelo aumento da demanda por

madeira para construção civil e expansão do rebanho. As áreas desmatadas perdem

os nutrientes do solo, tornando-se menos produtivas; aumentam a erosão;

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intensificam as inundações, visto que o desmatamento gera assoreamento dos rios,

que tem seus leitos reduzidos em tamanho. Na década de 1980 a taxa de

desmatamento era de 1,2% ao ano

Por fim, entre os principais problemas ambientais enfrentados na China,

temos a questão do lixo, que impacta diretamente na qualidade da água e do solo.

Destacamos que apenas 37% do lixo produzido na China é adequadamente

descartado, e o país ultrapassou os EUA no volume de resíduos sólidos descartados.

O esgoto também é um elemento responsável por contaminações, afinal das 669

cidades chinesas, 264 não tem tratamento de esgoto. Com relação ao lixo, são 130

cidades que não possuem locais adequados para coleta e tratamento, afetando

diretamente o ambiente (ZABIELSKIS, 2014).

Reflexões sobre a degradação ambiental na China

A intensa degradação ambiental na China levou a uma crise ecológica

multidimensional, com causas e consequências diversas. Uma pergunta central para

melhor compreender o fato é: qual a natureza da crise ambiental?

Os propulsores da degradação ambiental e das mudanças ambientais na

China são variados: aumento populacional, ascensão da classe média e aumento do

consumo, globalização do comércio e manufatura, mudanças no uso da terra e perda

de terras aráveis devido à urbanização e ao desenvolvimento, aumento no uso dos

recursos naturais, elevado consumo de carvão e combustíveis fósseis (SHAPIRO,

2012).

O boom populacional vivenciado na segunda metade do século XX, fez com

que a China passasse de 600 milhões de habitantes em 1949 para quase 1,4 bilhão

na década de 2010. Esse crescimento exponencial demanda alimentos, água,

moradia, serviços de saúde, transporte, e isso gera um custo direto ao ambiente, com

uma série de implicações negativas, que somada aos novos padrões de riqueza e

consumo, impulsionados pela globalização, incentiva nas pessoas o desejo de possuir

automóveis, morar em casas espaçosas, consumir mais carnes, consumir mais

energia para alimentar seus eletrodomésticos. Esses novos padrões de consumo

incentivam a extração de recursos e avolumam a produção de lixo e resíduos (IMURA,

2013; SHAPIRO, 2012; FERREIRA, 2017; MOL, 2006).

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O intenso processo de urbanização, industrialização e crescimento

econômico também demandam cada vez mais recursos como ferro, cimento, níquel,

cobre, alumínio, papel e plástico. Esse é um dos desafios atuais da China: como

conjugar crescimento econômico com sustentabilidade; como garantir os recursos

necessários para manter sua população; como garantir a produção energética,

reduzindo emissões, além de lidar com os efeitos já existentes das mudanças

climáticas (SONG; WOO, 2008).

A crise ecológica chinesa é uma das maiores pressões e desafios que

emergem com a rápida industrialização do país. A degradação ambiental pode

comprometer a continuação do crescimento econômico e é um risco à estabilidade

social do país, pois, como veremos adiante (ver item 2.3), a população tem

reivindicado melhores condições e qualidade de vida, questionando as condutas

políticas e até mesmo a legitimidade do partido (ALBERT; XU, 2016; ECONOMY,

2014). Calcula-se que a degradação ambiental tenha um custo anual entre 3 a 10%

do PIB, evidenciando o fato de que a degradação ambiental impacta as diversas

esferas da sociedade: o ambiente, a economia, a saúde, a política (ALPERMANN,

2010; STERNFIELD, 2006).

Perante esse desafio que a degradação ecológica traz à China, o governo

chinês fez grandes esforços para proteger o ambiente, estabelecendo uma estrutura

administrativa e legal para a lidar com esses problemas. Para melhor compreensão

dos mecanismos criados pelo governo, iremos recapitular, a seguir, os principais

pontos da política ambiental chinesa. Tal esforço visa captar as mudanças sociais

necessárias para enfrentar o desafio da crise ecológica. Esse desafio coloca aos

analistas da China o dever de reconhecer que esta é uma questão vital ao governo

chinês e à toda sociedade, afinal, como o governo e os cidadãos estão respondendo

à severa condição ecológica vivenciada na China (KASSIOLA; GUO, 2011)?

2.2 A Política Ambiental Chinesa

Após a consolidação da República Popular da China, em 1949, a China

viveu mais de duas décadas de intenso isolamento internacional, com suas políticas

domésticas sendo direcionadas à luta de classes e ao desenvolvimento econômico,

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ignorando demais preocupações plausíveis, como a questão ambiental e até o mesmo

a questão da expansão populacional. O período de 1949 a 1972 é marcado por uma

ausência, quase que completa, de políticas ambientais e de agências governamentais

responsáveis pelo ambiente. As poucas leis ambientais dessa fase referiam-se a

problemas sanitários, e foram criadas pelo Conselho do Estado e seus

departamentos, tendo pouco impacto nas localidades e com fraca implementação

(CAI; VOIGTS, 1993; TSANG; KOLK, 2010).

É importante notar que durante esse período os problemas ambientais não pareceram muito sérios, por isso foi fácil desconsiderar sua importância em relação aos outros problemas enfrentados pela China. Isso não surpreende, considerando que a China tinha uma população de mais de 500 milhões, com um consumo anual per capita de aproximadamente quinze dólares (CAI; VOIGTS, 1993, p. S-20, tradução minha).

O ano de 1972 marca uma importante virada em termos de preocupação

ambiental, não só na China, mas em todo o mundo. Na China houve dois desastres

ecológicos significativos, que despertaram o interesse público e político: na cidade

costeira de Dalian as praias ficaram contaminadas e muitos peixes morreram; em

Beijing um grande número de peixes impróprios para o consumo foi comercializado

nos mercados locais. Esses peixes eram provenientes de um reservatório muito

poluído próximo da cidade (MACBEAN, 2007; FERREIRA; BARBI, 2013).

Porém, o evento fundamental de 1972 foi a realização da Conferência de

Estocolmo (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano),

organizada pela ONU com o propósito de discutir temas como poluição ambiental e

uso dos recursos naturais, na tentativa de estabelecer metas capazes de frear o efeito

nocivo das atividades humanas frente à natureza. Surpreendendo a todos os

participantes, a China enviou uma grande delegação, que participou ativamente dos

debates e influenciou diretamente na confecção da declaração final da conferência.

Foi a primeira conferência multilateral que a China participou após seu retorno à ONU

(TSANG, KOLK, 2010). Com a ausência da URSS e da Alemanha Oriental na

Conferência, a China assumiu importante papel de representação dos países em

desenvolvimento, fazendo um contraponto às visões dos países desenvolvidos

(FARAMELLI, 1972).

Por diversas vezes os delegados chineses criticaram abertamente o

capitalismo, o imperialismo, as superpotências, afirmando:

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Consideramos que a principal causa da poluição ambiental é o capitalismo, que se transformou em um imperialismo, com monopólio, colonialismo e neocolonialismo, buscando altos lucros, não se preocupando com a vida ou a morte das pessoas, descarregando venenos por aí. São as políticas das superpotências que resultaram no mais grave dano ao meio ambiente. [...] Cada país deve ter o direito de utilizar e explorar seus recursos para suas próprias necessidades. Nós nos opomos resolutamente à pilhagem de recursos nos países em desenvolvimento pelos altamente desenvolvidos (FARAMELLI, 1972, p.472, tradução minha).

Apesar da Conferência ter falhado em estabelecer metas comuns a serem

cumpridas pelos países, formalizou-se o primeiro documento internacional a

reconhecer o direito humano a um ambiente de qualidade, despertando nos diversos

países participantes a necessidade de se atentarem à questão ambiental,

implementando políticas nacionais aptas a lidarem com os problemas ambientais.

Na China o resultado imediato foi a sensibilização dos delegados chineses

que retornaram ao país com muita informação e atentos à situação ambiental,

principalmente ao compararem as estatísticas de poluição chinesa com as divulgadas

por outros países, reconhecendo que a China tinha sérios problemas ambientais

(McELWEE, 2011). Nesse momento dez livros foram traduzidos e publicados na

China, incluindo o Only One Earth.

Após a participação em Estocolmo, a questão da proteção ambiental

passou a ganhar destaque: com o esclarecimento ambiental trazido pela Conferência

de 1972, o governo chinês começou a reconhecer que a poluição do ar em grandes e

médias cidades, bem como em áreas industriais, era algo sério. Rios, lagos e mares

estavam poluídos em diferentes graus, e era preciso agir (KITAGAWA, 2017). Soma-

se a isso o desejo de estabelecer melhores relações com outros países, além dos

recentes desastres internos que suscitaram a atenção popular para o problema

(MACBEAN, 2007).

O primeiro passo tomado rumo a uma política ambiental foi a realização,

em agosto de 1973, da Primeira Conferência Nacional de Proteção Ambiental, que

identificou estratégias de proteção ambiental, controle de resíduos industriais e

planejamento ambiental (ZHANG; WEN; PENG, 2007). Durante a Conferência, o

Premier Zhou Enlai afirmou que as economias planejadas socialistas conseguiriam

controlar mais facilmente a poluição ambiental porque elas serviam às massas,

enquanto os estados capitalistas eram incapazes de resolver a poluição industrial

devido à existência de propriedade privada, anarquismo de suas produções e a

orientação para o lucro (McELWEE, 2011).

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A conferência formulou um conjunto de princípios orientadores e políticas

proativas, a partir do qual o Conselho de Estado promulgou seus primeiros

regulamentos ambientais – o regulamento de proteção e o de melhorias ambientais,

a partir de uma ação entre a Comissão de Construção Básica do Estado e o Ministério

da Saúde Pública (McELWEE, 2011). Surgia a percepção de que o Estado deveria

gerenciar o ambiente ao invés de simplesmente responder ao dano (MACBEAN,

2007).

Para auxiliar na formulação da nova política ambiental em 1974 foi criada

a primeira instituição ambiental, o Environmental Protection Bureau (EPB), com 20

funcionários (RAMAN, 2016). Essa instituição apenas atingirá sua maturidade na

década de 1980, com expansão no número de funcionários, e com a implementação

das várias leis e regulamentos ambientais aprovados no final da década de 1970

(MOL, 2006).

Apesar dos esforços iniciais da primeira metade da década de 1970, a

política ambiental chinesa era praticamente inexistente, e essa situação começou a

se alterar com a chegada de Deng Xiaoping ao poder. Reconhecendo que o

desenvolvimento econômico estava tendo um efeito devastador no ambiente, a

Constituição da China foi alterada, em 1978, adicionando um dispositivo que afirmava

que o Estado deveria proteger e melhorar o ambiente de vida e o ambiente ecológico,

prevenindo e remediando a poluição e outros riscos públicos (McELWEE, 2011;

TSANG; KOLK, 2010).

Em 1979 foi promulgada a Lei Nacional de Proteção ao Meio Ambiente,

como resposta à poluição do ar, da água e ao descarte de resíduos sólidos

(FERREIRA, 2017). Iniciou-se uma nova fase da política ambiental, que acompanhou

as alterações da política econômica, construindo uma base jurídica e administrativa

para a proteção do ambiente. A Lei incluía um capítulo sobre estruturas

governamentais e responsabilidades, exigindo a participação dos departamentos do

Conselho de Estado, dos governos provinciais e municipais (McELWEE, 2011). A

partir de então, a China passou a aprimorar seu sistema regulatório ambiental. A

comunicação ambiental também se tornou mais efetiva e a China se tornou um

membro ativo na Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

(ZHANG; WEN; PENG, 2007).

Jahiel (1997) afirma que a preocupação ambiental surgiu, em parte, porque

além dos sérios sinais de deterioração ambiental, os planos de crescimento

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econômico exigiam uso eficiente de materiais, disponibilidade de recursos naturais e

estabilidade social, logo foi estratégico para o país o desenvolvimento das

regulamentações ambientais.

Em 1984, a proteção ambiental ascendeu ao posto de política básica

nacional, ao lado do crescimento econômico. Alguns princípios foram propostos, como

a necessidade de reforçar a gestão ambiental, de prevenir o dano, além de o poluidor

ser responsável pelo controle da poluição (MOL; CARTER, 2006). Os escritórios de

proteção ambiental, os EPBs, passaram a ser criados em todos os níveis (nacional,

provincial, municipal, distrital), seguindo a política nacional de descentralização, que

conferiu maior poder e responsabilidade às autoridades locais.

Nesse mesmo ano foi estabelecida a National Environmental Protection

Agency (NEPA), um órgão responsável pela coordenação das atividades ligadas ao

meio ambiente no interior dos ministérios, que funcionando como um gabinete

executivo passou a contar com mais de 120 funcionários, conectando-se diretamente

aos escritórios provinciais, de forma a estabelecer regras e regulamentos a serem

aplicados (FERREIRA, 2017; McELWEE, 2011).

Apesar do aparato estatal criado não foi possível evitar a total deterioração

da qualidade ambiental na China durante a década de 1980 (SHI; ZHANG, 2006).

Os primeiros anos da legislação ambiental demonstraram que o grande

desafio era a gestão ambiental. Apesar das preocupações com a preservação

ambiental e controle da poluição, por muito tempo não houve planejamento financeiro

para sustentar as ações de gestão ambiental. Para driblar essa dificuldade foi

estipulado que 80% do valor arrecadado com as multas de poluição deveriam retornar

às indústrias como investimento para o controle da poluição; os outros 20% iam para

as agências ambientais locais. Essa medida resolveu alguns problemas de imediato,

entretanto outros surgiram: para muitas indústrias era mais barato pagar a multa do

que adequar suas instalações; os salários dos funcionários públicos locais estavam

atrelados à arrecadação com as multas, logo, reduzir a poluição significaria reduzir

seus salários. Esse desafio paradoxal só se resolveu após 1998, quando os salários

passaram a ser pagos pelo governo e o dilema deixou de existir (ZHANG; WEN;

PENG, 2007).

As reformas pós-1978 implementaram a descentralização como modo de

operação em toda a China. Com isso as autoridades locais conquistaram maior poder,

ao mesmo tempo que se tornaram responsáveis pela execução do programa de

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desenvolvimento econômico da China e pela implementação das leis de proteção

ambiental. Na maioria dos casos isso significou um favorecimento ao crescimento

industrial em detrimento da redução da poluição, afinal os funcionários locais recebiam

fortes incentivos financeiros ao promover a expansão econômica (MA; ORTOLANO,

2000).

Os EPBs locais sofriam constantes ataques por sua incompetência em

efetivamente monitorar e aplicar as regulamentações. Se o processo de

descentralização deu maior autonomia às localidades, e elas passaram a ter maior

responsabilidade pelo cumprimento das legislações, faltava um maior

empoderamento dos órgãos ambientais e maior ecologização dos departamentos

econômicos, além de uma fraca atuação do judiciário, que se mantinha à distância da

governança ambiental da China (SHI; ZHANG, 2006).

Dada a sua fraca posição estrutural, não é de admirar que os EPB locais raramente tragam casos para o gabinete do prefeito para decisões, mas tentem da melhor maneira possível resolver por conta própria. Aqui surgem outros problemas que limitam suas habilidades de execução. Os autores observam que a cultura chinesa favorece o consenso em vez do conflito, então os oficiais do EPB tendem a desenvolver boas relações de trabalho com os gerentes das empresas (conhecido em chinês como guanxi20), permitindo que todos os envolvidos em situações complicadas “salvem a cara”. Apesar de as leis de proteção ambiental permitirem processos judiciais, os EPBs locais raramente tomam esse recurso, tanto por causa do desejo de evitar conflitos, quanto porque o sistema legal da China ainda está em desenvolvimento. Além disso, os autores mostram que a equipe local do EPB, mesmo que quisesse, não tinha as habilidades técnicas para implementar os novos padrões em relação às taxas de fluxo total de efluentes (MA; ORTOLANO, 2000, p. 92, tradução minha).

Fica claro nesse relato acima que critérios subjetivos estavam em jogo, e

as relações pessoais influenciavam a proteção ambiental. Ao lado disso, a corrupção

crescente e a necessidade de manter a lucratividade de empresas que eram

importantes para a localidade, pois geravam empregos e lucros para a região, faziam

com que houvesse uma baixa implementação dos regulamentos. Com isso muitas

EPBs locais adotaram como meta implícita não melhorar a qualidade da água, mas

apenas evitar que ela piorasse (MA; ORTOLANO, 2000).

20 Guanxi são redes informais que permeiam todos os níveis da sociedade, envolvendo um sistema de relacionamentos hierárquicos, horizontais (por exemplo, colegas) e “contratados”. Essas relações estabelecem um conjunto de obrigações que podem, em certas situações, superar a autoridade inerente às relações construídas por lei, tais como no contexto ambiental, entre reguladores ambientais e os atores regulados (McELWEE, 2011). Sobre a noção de guanxi ver: PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Fazendo guanxi: dádivas, etiquetas e emoções na economia da China pós-Mao. Mana, v. 17, n.1, 2011.

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Uma revisão da legislação ambiental ocorreu em 1989, com uma ideia

central de que a legislação ambiental não pode ser muito rigorosa e não pode

aumentar o ônus sobre o desenvolvimento econômico, sinalizando que a proteção

ambiental deveria ser coordenada com o desenvolvimento econômico. Essa revisão

reforçou a noção de que que os governos locais são responsáveis pela qualidade

ambiental dentro de suas respectivas jurisdições, e estipulou medidas de gestão

ambiental, em que deveria haver declaração e registro da descarga de poluentes,

recolhimento de taxas pela poluição, e necessidade de tratamento da poluição, além

de aperfeiçoar um sistema de responsabilidades legais, administrativas, civis e

criminais (KITAGAWA, 2017). A Lei de 1989 também permitiu, aos governos locais, a

criação de normas adequadas a sua realidade ou mais rígidas do que estava

estabelecido pelo governo central (FERREIRA, 2017).

A lei de proteção ambiental de 1989 tornou-se um marco histórico e fez

com que a China tivesse um conjunto de leis e normas ambientais extremamente

avançado, ainda que apenas no papel (FERREIRA, 2017). A descentralização

governamental, que funcionou tão bem para o crescimento econômico, não se

mostrou adequada para lidar com a problemática ambiental (FERREIRA; BARBI,

2012; BARBI; FERREIRA; GUO, 2016). “Simplificando, as oportunidades para

enriquecer rapidamente são mais facilmente captadas do que aquelas destinadas a

proteger o meio ambiente” (ECONOMY, 2014, p. 185, tradução minha).

Conforme afirma Shapiro (2012), o desejo de sustentabilidade compete

com o ethos “polua primeiro, mitigue depois”, que é encontrado em muitos ramos do

governo, assim como entre autoridades locais que afirmam estar apenas seguindo o

mesmo padrão de desenvolvimento das nações industrializadas, e se consideram

pobres demais para priorizar questões ambientais. O modelo de política ambiental

centralizado e de cima para baixo mostra algumas fraquezas no estabelecimento de

autoridade e cumprimento de burocracias, com funcionários dos departamentos

ambientais das localidades respondendo às autoridades locais unicamente, e não às

autoridades centrais do governo, situadas em Beijing.

Charles McElwee (2011) enumera uma série de empecilhos à

implementação de uma política ambiental na China:

- baixo status da lei como meio de atingir objetivos sociais

- as leis chinesas são muitas vezes curtas, vagas e ambíguas

- falta de capacidade das burocracias e instituições legais do país

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- autoridades locais que são responsáveis pela proteção ambiental

- influência do guanxi e de relações pessoais no cumprimento das normas

- falhas estruturais nas leis e regulamentos existentes

- baixa poder de aplicação de leis pelos EPBs

- ausência de EPBs em muitas localidades

Muitos desses problemas se relacionam diretamente com o modelo

administrativo que pode ser entendido como um autoritarismo fragmentado

(SHAPIRO, 2012), que se baseia na verticalidade e na horizontalidade, isto é, existe

uma hierarquia vertical, mas na localidade existe uma hierarquia horizontal que

compete por poder, fazendo com que os governos provincianos tenham o mesmo

status de poder que os ministérios centrais. Ademais, existe uma sobreposição, uma

contradição burocrática e uma má coordenação no interior do governo central, já que

alguns ministérios, como o Ministério do Comércio, que goza de maior poder e

autoridade, estipula metas de crescimento a qualquer custo, desprezando as

determinações dos escritórios e departamentos de proteção ambiental (McELWEE,

2011; SHAPIRO, 2012; SHI; ZHANG, 2006).

No período de nascimento da proteção ambiental, a China manteve as características típicas das economias centralmente planejadas: envolvimento restrito dos cidadãos; resposta limitada aos acordos internacionais, organizações e instituições; um forte foco na autoridade do Estado central, especialmente do Partido Comunista Chinês, com pouca margem de manobra para organizações privadas e não governamentais; problemas com a coordenação entre as autoridades estatais e departamentos e um poder limitado das autoridades ambientais (MOL, 2006, p. 38, tradução minha).

Muitos desses erros e dificuldades começaram a ser resolvidos na década

de 1990, quando efetivamente a proteção ambiental começou a exercer papel

relevante na agenda política chinesa, com novos regulamentos ambientais, revisões

e maior articulação entre governo central e governo local (FERREIRA, 2017). A China

começou a experimentar e empregar novos instrumentos e programas, incluindo

incentivos econômicos, programas de voluntariado, divulgação de informações (SHI;

ZHANG, 2006).

Mol (2006) argumenta que houve uma descontinuidade na política

ambiental chinesa, já que esta não seguiu um processo linear em função das

mudanças econômicas, políticas e sociais que a China vivenciou nas décadas de 1970

e 1980, que afetaram o “modelo original de governança”. A transição econômica para

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um crescimento orientado pelo mercado, a dinâmica de descentralização, a abertura

crescente ao exterior, e os processos de reorganização burocrática causaram

mudanças na política ambiental da China. Outro fator foi o reconhecimento da

ineficiência e ineficácia da política ambiental inicial. Tal descontinuidade, na visão de

Mol, acompanhou um processo de modernização política, com profundas

transformações nas hierarquias tradicionais, permitindo que os governos locais e

EPBs locais gozassem de maior liberdade no desenvolvimento de suas prioridades

ambientais, estratégicas, com novos modelos financeiros e arranjos institucionais. Um

sinal claro desse processo de modernização é o estabelecimento de um sistema de

leis ambientais, e o aprimoramento da estrutura jurídica para lidar com a questão. O

processo de modernização significou maior participação das instituições legislativas e

judiciais, além do aumento da participação de novos setores, como a indústria e a

comunidade, no novo padrão de governança.

Iniciando a década de 1990, a China anunciou que implementaria uma

estratégia de desenvolvimento sustentável. Os esforços pró-ambientais se

fortaleceram após a ECO 92, quando a China publicou sua Agenda 21, elaborada por

mais de 300 especialistas, de 57 ministérios e agências governamentais da China.

Autoridades locais também divulgaram suas próprias Agenda 21, focando áreas como

planejamento, legislação política, comunicação e participação pública.

No mesmo ano foi criado o China Council for International Cooperation on

Environment and Development (CCICED), uma organização consultiva internacional,

de alto nível, para o Conselho do Estado, com o propósito de fornecer recomendações

ao governo chinês em políticas integradas de desenvolvimento e ambiente (ZHANG;

WEN; PENG, 2007).

Em 1993, pela primeira vez, departamentos governamentais apoiaram uma

campanha nacional de mídia para expor os poluidores e incentivar a proteção

ambiental. Antes disso a mídia tinha se isentado nessas questões, por receio de soar

anti-socialista. A nova postura da mídia ficou conhecida como “furacão verde”, afinal,

no período de 15 anos foram divulgadas mais de 220 mil reportagens sobre os

problemas ambientais (SHAPIRO, 2012). Foi nesse mesmo momento que os grupos

ambientais se formaram, conforme veremos no item 2.3, aproveitando o incremento

da preocupação ambiental do governo e a divulgação dos problemas ao grande

público.

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Nos anos 90 a legislação ambiental foi sendo aprimorada, ano após ano.

Foram sancionadas 9 leis ambientais, voltadas para proteção ambiental, prevenção e

controle da poluição, além de 15 leis acerca dos recursos naturais, incluindo lei das

florestas e das águas. Além das leis sancionadas, foram aprovadas cerca de 200

regulamentações, 500 normas ambientais nacionais, 51 convenções ambientais

internacionais ou multilaterais (ZHANG; WEN; PENG, 2007).

A organização administrativa também acompanhou as intensas mudanças

na política ambiental, transformando-se em um setor mais robusto no interior do

governo. Em 1990 foi criado o National Environment Protection Agency (NEPA), com

um número de funcionários entre 120 e 300 pessoas. Mas a mudança mais efetiva na

esfera administrativa ocorreu em 1998, quando após uma profunda reestruturação dos

ministérios e departamentos da China, o NEPA se transformou em State

Environmental Protection Administration (SEPA), órgão que antecedeu a formação do

Ministério da Proteção Ambiental, criado em 2008 (JAHIEL, 1998; SHAPIRO, 2012;

FERREIRA, 2017). O SEPA, considerado uma agência de nível ministerial, gozava de

maior liberdade de atuação e mais rápida implementação de suas propostas, que

conseguiam virar uma lei mais fácil do que antes.

A estrutura administrativa voltada para a proteção ambiental se expandiu

ao longo dos anos 90, tendo, em 1995, mais de 88.000 funcionários em todos os níveis

governamentais. Tal número continuou em forte expansão, chegando em mais de

160.000 em 2004 (MOL; CARTER, 2006).

Gráfico 5: Funcionários governamentais empregados nos departamentos de proteção

ambiental da China (1991 – 2004)

Fonte: MOL; CARTER, 2006.

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O aumento no número de quadros, principalmente nas localidades,

desempenha fundamental papel na proteção ambiental, com alterações nas formas

de avaliação desses funcionários, que não respondem mais apenas pelos critérios

políticos e econômicos, mas são avaliados também pelos resultados ambientais

obtidos, pelo cumprimento das normas de qualidade ambiental, pelo monitoramento

dos níveis de descarga de emissões (MOL; CARTER, 2006).

Como maneira de intensificar a proteção ambiental, no final da década de

1990, a esfera judicial passou por importantes mudanças. Alteração na esfera do

direito penal conferiu, explicitamente, a possibilidade de causadores de danos

ambientais graves sofrerem sanções penais, iniciando uma nova etapa da política

ambiental, onde torna-se possível sanções administrativas, civis e criminais quando

da ocorrência de violação de leis e regulamentos ambientais (SHI; ZHANG, 2006). O

código penal foi revisado em 1997, tendo um novo capítulo voltado para os crimes ao

meio ambiente, estipulando catorze crimes que prejudicam o meio ambiente e a

proteção dos recursos (KITAGAWA, 2017).

Para intensificar os trabalhos judiciais nessa nova área de atuação,

treinando juízes e advogados na perícia em direito ambiental, foi criado um comitê de

direito ambiental, em 2001, para promover treinamento profissional em direito

ambiental. Juntamente com o trabalho de ONGs, esse comitê passou a auxiliar

judicialmente vítimas da poluição.

Ao longo da década de 1990 começou a ocorrer maior coordenação entre

os diversos atores institucionais, mobilizando os formuladores de leis e normas, os

responsáveis pela implementação, pela avaliação e cumprimento delas, mas também

os responsáveis por punir os infratores, seja a partir de multa ou responsabilização

criminal (MATSUZAWA, 2012). Diversas alterações ocorrem na década de 2000,

visando facilitar a atuação desses atores institucionais, conforme será abordado no

capítulo 3.

Apesar de tantos avanços, a degradação ambiental continuou se

intensificando, acompanhando o crescimento econômico exponencial, evidenciando

que a política ambiental, com o Estado no papel condutor, não era suficiente para

deter os danos. É nesse cenário que emergem as organizações da sociedade civil

preocupadas com a questão ambiental, que serão analisadas a seguir.

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2.3 O surgimento das ONGs ambientais

As ONGs ambientais surgiram, efetivamente, no início da década de 1990,

aproveitando o contexto político com maior espaço de atuação (conforme visto no

capítulo 1), mas também em decorrência do processo de ecologização do Estado

chinês, que já identificava a importância da proteção ambiental. Somado a isso, houve

o fortalecimento do movimento ambiental global que criou uma oportunidade política

para que as organizações de meio ambiente se desenvolvessem, a partir da

consolidação da proteção ambiental como temática fundamental da comunidade

internacional (TONG, 2005). A visibilidade dos problemas ambientais e as tentativas

de enfrentamento conduzidas pelo governo também motivaram o surgimento das

organizações mais ou menos autônomas (MATSUZAWA, 2012).

O caso das GONGOs ambientais

O desenvolvimento e atuação das ONGs ambientais pode ser dividido em

duas fases distintas. A primeira fase vai do início da década de 1990 até 2003, ou

seja, da fundação da Friends of Nature e de GONGOs ambientais até o início das

campanhas contra a hidrelétrica no Rio Nu, na província de Yunnan.

Uma das primeiras GONGOs ambientais foi fundada ainda em 1979, a

Chinese Society of Environmental Sciences (CSES), em Beijing, a partir do estímulo

governamental que reconhecia a importância de reunir cientistas aptos a discutirem

os problemas ambientais e capazes de sugerir mudanças às autoridades

competentes. Nesse momento as GONGOs eram uma herança do modelo de

organização do período maoísta, que via as organizações de massas como uma

“correia de transmissão” entre a sociedade e o Estado (WU, 2003). A CSES foi a

primeira organização de pesquisadores a ser criada, sob controle direto do governo e

do partido. Ao longo da década de 1980 o governo promoveu trocas de experiência

internacional e comunicação com outros especialistas e funcionários das áreas

ambientais de outros países (FEI, 2015).

O ano de 1992, após a realização da ECO 92, foi marcado pela criação de

duas GONGOs ambientais: a China Environmental Protection Foundation (CEPF) e a

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China Environmental Culture Promotion Association (CECPA). A ECO 92 teve um

papel fundamental ao desencadear mudanças profundas na concepção chinesa de

governança ambiental, pois a China não levou nenhuma ONG para participar do

Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais, enviando apenas delegados do

governo central. Esse fato causou certo constrangimento aos delegados, que

começaram a reconhecer a importância de participação popular e do papel das ONGs

na área de proteção ambiental, visto que apenas a governança de cima para baixo

mostrava-se insuficiente (HO; EDMONDS, 2008). Além disso, era preciso alterar a

imagem da China, vista como país com forte poder centralizado e com ausência de

espaço para a participação pública. Com isso, estimular a criação das GONGOs

ambientais foi um mecanismo de incentivo à participação e ao envolvimento de

cidadãos, num processo de descentralização da governança ambiental.

A CEPF21 foi fundada após Qu Geping, o primeiro administrador da SEPA,

ganhar o Prêmio Sasakawa durante a ECO 92, no valor de US$ 100.000, pela sua

contribuição e promoção da proteção ambiental na China. Qu Geping propôs

estabelecer um fundo destinado aos trabalhos ambientais na China e com auxílio da

SEPA e de outras agências do governo central fundou a CEPF, com o intuito de

facilitar a cooperação ambiental entre a China e outros países, conseguindo

financiamento para projetos na área. A CEPF é supervisionada pelo Ministério da

Proteção Ambiental, que elege membros do conselho e acompanha as atividades

desenvolvidas. Importante destacar que a CEPF possui autonomia em suas atividades

diárias e projetos, e desenvolveu desde então importantes colaborações com outras

ONGs, além de criar numerosos projetos ambientais, como o importante projeto do

Ecology Great Wall, responsável pelo plantio de árvores na região nordeste da China

(SHAPIRO, 2012).

Já a CECPA22 foi fundada pela SEPA, patrocinada pela Agência de Notícias

Ambientais da China e reestruturada por Pan Yue, vice-ministro do Ministério da

Proteção Ambiental, em 2003, com funcionamento semelhante à CEPF. Possui

registro no Ministério dos Assuntos Civis e é a única organização de nível nacional na

área de cultura ambiental. Seus membros são especialistas, acadêmicos, escritores,

artistas, jornalistas, empresários e celebridades, que defendem intercâmbios culturais

21 Site da organização: http://www.cepf.org.cn/en

22 Site da organização: http://www.tt65.net

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e ambientais de forma a promover a sensibilização do público para o ambiente, em

defesa de uma “civilização verde” (SHAPIRO, 2012).

Apesar da criação das GONGOs nesse primeiro momento, os anos

seguintes viram o surgimento das ONGs populares, sem o intermédio do governo,

consolidando o início de relações diretas das agências governamentais e do Ministério

da Proteção Ambiental com as ONGs ambientais.

As GONGOs ambientais são analisadas de diversas maneiras, entretanto

elas não são simplesmente órgãos estendidos do governo, como muitos analistas

ocidentais acreditam, nem são completamente independentes como alguns analistas

chineses identificam. As GONGOs são bastante diversificadas, em termos de

independência política, de força, de status, de acesso a organizações e recursos

internacionais. Não é possível determinar um perfil que identifique o funcionamento

de todas as GONGOs (WU, 2002; WU, 2003).

O que diferencia uma GONGO de uma ONG genuína é o fato de a GONGO

ser criada a partir do estímulo de uma agência ou instituição governamental, ou

receber investimentos estatais diretos. Já a diferença entre uma GONGO e uma

agência governamental reside no fato de que as GONGOs não implementam projetos

diretamente por meio dos sistemas administrativos estatais, elas funcionam mais

como centros de pesquisa ou consultores de agências governamentais, além de terem

entre seus membros voluntários (WU, 2002). As GONGOS acabaram desenvolvendo

sua própria organização, ideologias e capacidades, diferenciando-se dos órgãos

estatais. Quanto maior a separação legal, financeira e organizacional entre as

GONGOs e o Estado, maior a autonomia conquistada (WU, 2003).

Embora todas as GONGOs sejam criadas pelo Estado para fins particulares, a evolução em suas ideologias organizacionais, o escopo de suas atividades e o reconhecimento que obtiveram de pessoas de dentro e de fora ultrapassaram em muito o que o estado pretendeu (WU, 2003, p. 40, tradução minha).

Por conta dessa relação com o governo, as GONGOs gozam de benefícios,

como acesso mais fácil aos funcionários do governo, às informações, e possibilidade

de suporte financeiro no início de suas atividades. Seus membros, por serem afiliados

do governo, podem criticar o governo local, mas não podem fazer o mesmo com o

governo central. Essa característica fez com que muitas GONGOs funcionassem

como “olhos do governo central”, acompanhando as atividades do governo local,

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fiscalizando a implementação das leis e denunciando ao governo central os casos de

desvio. Com isso as GONGOs influenciaram novas leis, regulamentações e políticas,

e também impactaram e direcionaram um novo modo de fazer política (EWOH;

ROLLINS, 2011).

No nível nacional existem três GONGOs principais diretamente ligadas à

SEPA: China Environmental Science Association, criada em 1979; a China

Environment Protection Industry Association; e a China Environmental Fund (WU,

2002). Diversas outras GONGOs existem no nível nacional, mas sob tutela de outros

ministérios e agências, e muitas GONGOS existem no nível local, espalhadas por toda

a China. O processo de descentralização da política, privatização de agências e

redução do aparelho burocrático do Estado chinês, consequências diretas da reforma

administrativa de 1998, também incentivaram o surgimento das GONGOs, que

passaram a abrigar os antigos funcionários do governo. Esse processo também criou

alguns campos políticos, isto é, áreas em que o Estado exerce um menor papel,

permitindo a atuação das ONGs e da sociedade civil, como é o caso da educação,

saúde, alívio da pobreza, combate ao HIV (MA, 2006; BONDES, 2011; WU, 2003),

conforme visto no item 1.3.

No caso particular das GONGOs ambientais, elas desempenharam um

papel fundamental ao facilitar o intercâmbio de ideias e pessoas com outros países,

ao conseguir financiamento internacional, ao oferecer suporte técnico e ao incentivar

a consolidação de uma sociedade civil preocupada com a questão ambiental (WU,

2002). No nível local, as GONGOs facilitam a interação entre a comunidade e os

escritórios de proteção ambiental, criam espaço para o trabalho de profissionais de

ciência e tecnologia, e criam cooperação entre sociedade, governo e universidades.

Nesse sentido, as GONGOs acabam ocupando um lugar de destaque

dentro da política ambiental chinesa, pois possuem recursos humanos altamente

qualificados, uma estável relação com o governo, além de boa estrutura

organizacional, facilidade no acesso ao financiamento internacional. Importante

destacar que as GONGOs costumam ter um alto número de membros, como, por

exemplo a China Society of Environmental Science (CSES) que tem mais de 35.000

membros. Esses elementos tornam as GONGOs poderosas e capazes de influenciar

as políticas governamentais, tendo um maior sucesso em suas ações, conseguindo

mobilizar um número maior de pessoas (LEE, 2007; LI; XU; LI, 2008; EWOH;

ROLLINS, 2011).

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Um exemplo de atuação de GONGO que influenciou a política

governamental foi a campanha lançada pela Beijing Environmental Protection

Foundation, que visava conscientizar os cidadãos sobre a importância de terem suas

próprias sacolas retornáveis. A campanha foi extremamente forte e como resposta o

governo local proibiu os supermercados de disponibilizarem sacolas plásticas em

junho de 2008. Essa GONGO possui como um dos objetivos principais a reforma legal

da legislação ambiental de Beijing, e sua proximidade com o governo central facilita

essa atuação (LI; XU; LI, 2008).

Fengshi Wu (2012), uma das principais analistas das GONGOs ambientais,

afirma que as GONGOs conquistaram maior autonomia a partir dos anos 2000, em

virtude do sucesso de seus projetos, das suas redes de apoio e financiamento

internacional, e até mesmo em decorrência de novos regulamentos que incentivaram

a autossuficiência financeira das organizações, com cortes nos orçamentos estatais.

O Estado passa a incentivar as GONGOs a serem autossuficientes, cessando o

financiamento público a elas no período de 3 a 5 anos após sua criação (WU, 2003).

Por causa da estrutura institucional menos restritiva, líderes e equipes das GONGOs podem desfrutar de uma considerável margem de manobra, tirando vantagens de seus conhecimentos, conexões pessoais e inovações de gestão. GONGOs estão se tornando a mais importante arena não-estatal para a política ambiental da China (WU, 2002, p. 48, tradução minha).

As primeiras ONGs ambientais

Em 1980 o governo chinês convidou, pela primeira vez, uma ONG

ambiental internacional a trabalhar no seu território. O convite foi feito à WWF (World

Wild Fund for Nature) para que seus especialistas auxiliassem os cientistas chineses

na conservação dos pandas gigantes, considerados um tesouro nacional e

ameaçados de extinção em virtude da redução do seu habitat natural em mais de 50%

entre a década de 1970 e 1980. Apesar de ter sido convidada pelo governo, a WWF

enfrentou enormes desafios, tanto na pesquisa de campo na área montanhosa em

que vivem os pandas, como em virtude dos desafios culturais e políticos existentes

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num momento em que a China começava a se abrir para o mundo exterior23. A WWF

aproveitou a oportunidade para estimular a cooperação de organizações com o

governo, com empresas e com outras ONGs. Fundou, oficialmente, seu escritório em

Beijing em 1991 e desde então tem atuado na China, com dezenas de projetos

voltados para a conservação de espécies e educação ambiental, além de estimular e

gerar iniciativas ambientais locais (MA, 2006; FEI, 2015).

Aproveitando-se do crescente interesse individual pela proteção do

ambiente e em decorrência da preocupação com a perda dos habitats naturais, das

florestas e das espécies raras, em 1991 foi fundada a primeira ONG ambiental da

China, a Saunders’Gull Conservation Society of Panjin City24, com o intuito de proteger

as aves raras, principalmente a gaivota do bico preto, espécie típica da região de

Panjin, na província de Liaoning. Com auxílio de especialistas da WWF e da

International Crane Foundation (ICF), seu fundador Liu Detian, jornalista do Panjin

Daily, registrou a organização no escritório de proteção ambiental de Panjin, e ao

longo dos anos conquistou mais de 3,2 milhões de membros que atuam na proteção

das aves mas também na educação ambiental, atendendo jovens e crianças da região

(FEI, 2015). Apesar desses dados essa ONG raramente é identificada como a primeira

ONG ambiental chinesa, título que é comumente dado a Friends of Nature (FON).

A Friends of Nature foi fundada em 31 de março de 1994 e foi a primeira

ONG ambiental com atuação nacional. Registrada no Ministério de Assuntos Civis

com o nome de Green Culture Institute of the Interntional Academy of Chinese Culture,

possui mais de 30.000 membros afiliados ao longo da sua história. Possui como

missão “promover a conscientização pública sobre questões ambientais e criar

plataformas para a participação pública na tomada de decisões ambientais”25.

Foi criada a partir de determinações do governo que acreditou que permitir

a atuação de ONGs autônomas ajudaria a melhorar a imagem internacional da China,

demonstrando sensibilidade às normas internacionais (MATSUZAWA, 2012). Foi

fundada por intelectuais famosos, como Liang Conjie, Yang Dongpin, Liang Xiaoyan

e Wang Lixiong – todos da área de humanidades e ciências. A influência política

pessoal de seus fundadores foi essencial para conseguir o registro da organização,

23 Site da organização: http://www.en.wwfchina.org

24 Site da organização: http://www.heizuiou.com

25 Site da organização: http://www.fon.org.cn

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visto que a SEPA se negou a responsabilizar-se pela ONG e Liang Congjie usou

contatos pessoais para conseguir filiar a FON ao China Cultural College (FEI, 2015).

Sua criação virou um marco histórico, servindo de contra-ataque à ideia

central de desenvolvimento econômico que vigorava desde o final da década de 1970.

A FON passou a ter publicações regulares, traduziu e divulgou publicações ocidentais

recentes, convidou ambientalistas estrangeiros para palestras, recrutou membros em

todo território, incentivando a discussão sobre a problemática ambiental (WU, 2009).

Publicou um dos principais livros para crianças sobre proteção ambiental, intitulado

The Earth as home.

Seu foco principal é a educação ambiental, por isso iniciou suas atividades

oferecendo treinamento aos professores primários e secundários. Por meio do Comitê

Nacional do CCPC a ONG ofereceu consultoria aos departamentos relevantes do

governo central em relação às questões ambientais, como tratamento da poluição

ambiental em Beijing e proteção ecológica dos corpos hídricos. A atuação da FON

ocorre em áreas menos sensíveis politicamente, evitando o confronto político, sendo

estrategicamente não conflituosa, ao menos em relação ao governo central (FU, 2016;

TAI, 2015).

Seguindo os passos da FON outras ONGs se estabeleceram em território

chinês a partir de 1994, como a Global Village Beijing (GVB), Chongqing Green

Volunteers, Green Civil Association of Weihai City, Green Earth Volunteers of Beijing,

Green River of Sichuan (WU, 2009).

A Global Village Beijing26 , outra ONG ambiental conhecida, fundada por

Liao Xiaoyi (filósofo da Academia Chinesa de Ciências Sociais) e por Li Hao

(epidemiologista com PhD feito em uma universidade alemã), foi registrada em 1996

como uma empresa e conseguiu autorização para transmitir um programa de

educação ambiental na China Central TV (CCTV), o maior canal estatal. Durante o

período de 1996 a 2001 o programa foi ao ar uma vez na semana, sendo o único

programa realizado por ONG ambiental na China. O foco principal da ONG era a

produção de documentários e campanhas que incentivavam o consumo responsável

de energia e água, além de meios para reciclagem do lixo (FEI, 2015; MATSUZAWA,

2012).

26 Site da organização: http://www.gvbchina.org.cn

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A GVB foi registrada como empresa sem fins lucrativos, ou seja, há o

pagamento de imposto sobre as doações recebidas, e as entidades não podem

realizar atividades que gerem lucro. Esse tipo de registro é mais fácil de ser obtido e

permite um maior distanciamento da organização em relação ao governo. Tanto a

GVB quanto a FON são organizações que se aproximam do padrão ocidental de ONG,

pois gozam de maior liberdade de atuação e não são uma GONGO, organização

coordenada pelo governo (ALPERMAN, 2010).

Campanhas ambientais

A preocupação da sociedade civil com a problemática ambiental não

resultou apenas no surgimento das ONGs ambientais, mas se materializou em

campanhas ambientais, que articularam diversos atores sociais na década de 1990.

A campanha mais conhecida foi a realizada em prol da proteção do macaco

do nariz-arrebitado (Rhinopithecus Bieti), uma das espécies mais ameaçadas da

China. Essa campanha teve início em 1995, na província de Yunnan, quando o

governo local de Deqin permitiu o desmatamento de uma área de 200 quilômetros

quadrados de floresta nativa. Esse era o habitat de mais de 200 macacos do nariz

arrebitado, o que significava em torno de 20% da população total remanescente.

Nessa área da floresta trabalhava um fotógrafo oficial do governo, Xi Zhinong, que foi

a primeira pessoa a fotografar essa espécie rara (MATSUZAWA, 2012; SUN; ZHAO,

2008). Ao saber da licença para o desmatamento ele enviou uma carta ao ministério

pedindo intervenção e enviou uma foto tirada por ele, de uma macaca com seu filhote.

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Figura 4: Macaco do nariz arrebitado (Yunnan snub-nosed monkey)

Fonte: Xi Zhinong (Julho, 1995).

ONGs também foram acionadas, além da mídia e grupos estudantis, que

juntos enviaram dezenas de cartas a funcionários do governo e ministros. Por meio

da mídia a comunidade nacional e internacional ficou sabendo da campanha

(MATSUZAWA, 2012; FU, 2016). A Friends of Nature teve um papel fundamental

nessa campanha, pois ela possuía membros que eram dos principais meios de

comunicação, além de conexões pessoais do presidente da FON, que permitiu que a

campanha chegasse até o vice premier Jiang Chunyun. Estudantes realizaram uma

expedição à campo em 1996, o que repercutiu em todo país. O resultado foi

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satisfatório: o governo central respondeu às petições e ordenou que o governo

provincial suspendesse a licença para o desmatamento.

Como essa era uma região muito pobre e o fim da licença para exploração

madeireira da área afastou os investimentos na região, o governo central enviou

fundos como compensação pelas perdas econômicas causadas pela campanha

(SUN; ZHAO, 2008).

Entretanto, esse não foi o desfecho do episódio. Em 1998, ambientalistas

foram informados que o desmatamento em Deqin continou. A mídia se dirigiu ao local

e fez a denúncia pela televisão. Novamente o governo central teve que agir, e Zhu

Rongji, o primeiro-ministro da época, interveio pessoalmente. Governantes locais

foram repreendidos e disciplinados (SUN; ZHAO, 2008).

Esse episódio ilustra um problema recorrente na China: o embate entre os

interesses econômicos e ambientais, além da dificuldade de implementação das leis

que emanam do governo central, mas não são cumpridas na localidade. A atuação do

governo central, ao repreender os governantes locais, foi necessária para garantir a

legitimidade do governo central, afinal a mídia denunciou a situação e não resolver o

problema poderia enfraquecer o poder central, suscitando críticas e desconfianças da

sociedade com relação ao governo. Além disso, o governo central estava muito mais

consciente da importância ambiental do que o governo local. Porém, como alerta

Alpermann (2010), esse tipo de reportagem investigativa que denuncia a conduta de

funcionários locais tem sido tolerado pelo governo central, entretanto esse apoio do

estado central e a tolerância com esse tipo de jornalismo nunca é garantido, não sendo

claro quais são os limites tolerados pelo governo.

Por fim, nesse episódio do macaco do nariz-arrebitado, Xi Zhinong, o

fotógrafo que deu início à campanha, foi demitido do governo local de Yunnan e até

recebeu ameaças de morte (ECONOMY, 2004). Já o macaco do nariz-arrebitado

passou a ser uma espécie protegida, assim como o panda gigante, marcando o

nascimento do movimento de proteção dos animais na China (MATSUZAWA, 2012).

Outra campanha que também mobilizou ONGs, indivíduos e mídia foi a

campanha contra a caça do antílope tibetano (Pantholops hodgsonni), também

conhecido como chiru, uma espécie nativa do platô tibetano. A lã do chiru é muito

valorizada no ocidente, que produz xales e vende por elevados preços.

No início do século XX a população de Chiru era de mais de 1 milhão, e

após anos de caça furtiva esse número caiu para 70 mil nos anos 1990. O alto valor

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das peles do antílope incentivou a aumento da caça, que praticamente dizimou a

espécie. Apesar de ser proibida a comercialização da pele na China, contrabando era

realizado para Índia e Caxemira, onde a pele de cada animal era avaliada em torno

de US$ 80, um valor bem elevado para a realidade socioeconômica da região

(LARSON, 2012).

Alertados pela diminuição dos Chirus, grupos se formaram na região para

combater a caça ilegal. Um dos líderes, Sonam Dorje, acabou sendo morto em um

tiroteio com os caçadores, em 1994. A Friends of Nature auxiliou na instalação de uma

base para combater os caçadores ilegais, em 1996, e a partir de então deu visibilidade

a campanha. Palestras foram realizadas em diversas cidades, outras ONGs se

envolveram no caso, tentando obter apoio do governo central (SUN; ZHAO, 2008).

A partir da mobilização não apenas o governo central tentou exterminar a

caça ilegal, como também o governo local agiu, criando a Reserva Natural Chang

Tang, sendo a segunda maior reserva natural terrestre do mundo, firmando um grande

compromisso com a preservação da espécie (LARSON, 2012).

Essa campanha em prol do Chiru foi a primeira a mobilizar um grande

número de pessoas, estabelecendo a área ambiental como um espaço político que

pode ser organizado e aberto, em contraste com outros movimentos, como de direitos

humanos, democracia, que são muito mais sensíveis politicamente (SHAPIRO, 2013).

Foi também o momento que demonstrou ser possível a formação de alianças entre

ONGs das diversas localidades, que passaram a ter contato, trocar experiências e

articular ações. A criação de uma rede de contato entre as ONGs foi fundamental para

fortalecimento do ambientalismo naquele momento (SHAPIRO, 2012).

Essas duas campanhas foram emblemáticas na década de 1990, em

virtude dos atores sociais mobilizados, das respostas das autoridades locais e

centrais, porém não foram as únicas campanhas ocorridas. O quadro abaixo

apresenta outras campanhas realizadas no período, que não envolveram apenas a

preservação de espécies, mas também campanhas diversas acerca de conservação,

preservação e conscientização ambiental.

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Quadro 1: Campanhas ambientais na China (1995 – 2002)

1995-96 Proteção ao macaco do nariz arrebitado

1997 Boicote ao uso do kuaizi (hashi) descartável

1998-99 Protegendo o antílope tibetano

2000 Campanha de publicidade do Dia da Terra

2000 Protegendo o antílope tibetano (campanha na

internet)

2001 Boicote aos medicamentos que usam tartaruga

selvagem

2001-03 Protegendo o Jiangwan – zonas úmidas de Shanghai

2002 Protesto contra construção de um complexo de

entretenimento perto das zonas úmidas suburbanas

de Beijing

2003 Combate à Síndrome Respiratória Aguda Grave

(SARS)

2003 Protegendo a Represa Dujiangyan na província de

Sichuan

2003-04 Protesto contra a construção de barragens do rio Nu

Fonte: YANG, 2004

Primeira fase do desenvolvimento das ONGs ambientais

A primeira fase do desenvolvimento das ONGs ambientais, ocorrida na

década de 1990 até início dos anos 2000, é marcada pelo surgimento das primeiras

organizações e um crescimento lento no número das ONGs.

Como uma novidade que começa a conquistar seu espaço, o

ambientalismo enfrenta uma série de dificuldades, nos mais diversos âmbitos de sua

existência: seja no cumprimento da legislação, na aceitação pelo Estado e pela

sociedade, na necessidade de articulação com outros movimentos. Foi um

desenvolvimento importante não apenas para o ambiente chinês, mas também para

a sociedade civil chinesa (LIN, 2007).

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A problemática ambiental passa a estar presente no cotidiano do cidadão

chinês com maior frequência na década de 1990. Pesquisas conduzidas pela FON

mostraram que o número médio de artigos sobre questões ambientais, publicados em

jornais nacionais e regionais, foi de 125 em 1994, 136 em 1995, saltando para 630 em

1999. Esse aumento é representativo da importância do tema, considerando que a

mídia chinesa, de maneira geral, é feita por órgãos do Estado, deixa claro que o

governo chinês apoiou a cobertura da mídia sobre os problemas ambientais, ao

mesmo tempo em que os ambientalistas conseguiram mobilizar a mídia de massa,

demonstrando que houve uma crescente desideologização e maior liberdade de

expressão da mídia (HO; EDMONDS, 2008).

Outro dado interessante é o número de queixas ambientais registradas

pelos funcionários dos escritórios de proteção ambiental. Tais queixas são feitas a

partir de cartas enviadas aos EPBs ou registradas pessoalmente. Em 1991 foram

111.359, enquanto em 2004 saltou para 682.744, um número 513% maior. Isso indica

que a percepção ambiental se transformou, e os cidadãos passaram a se importar

com o ambiente, da mesma forma em que reconheceram seu papel e a possibilidade

de participar na governança ambiental. As transformações ocorridas na década de

1990 resultaram nessa mudança de postura da população, e isso pode ter

consequências políticas importantes, conforme veremos no próximo capítulo (HO;

EDMONDS, 2008).

O crescimento no número de grupos estudantis preocupados com a

questão ambiental é outro elemento significativo da mudança de percepção sobre a

problemática, além da abertura de espaço para atuação pública nessa área. Os

grupos estudantis, de maneira geral, não se envolviam diretamente com os EPBs, se

afastando de questões políticas propriamente ditas (TANG; ZHANG, 2008). Em

Shanghai um grande número de estudantes se envolveu com as ONGs locais,

fortalecendo seu crescimento e garantindo espaço para atuação. Por estar mais

distante geograficamente do poder central, localizado em Beijing, e por características

próprias do poder local, Shanghai tinha um número pequeno de GONGOs ambientais

e teve um crescimento muito lento das ONGs nos anos de 1990. Seungho Lee (2007)

identifica que a cidade tinha um menor número de ONGs ambientais porque o governo

local fez significativos avanços na área de proteção ambiental, mas também porque

os ambientalistas viam um pequeno espaço de ação, visto que o governo local possuía

um forte controle sobre a mídia, censurando notícias e campanhas de participação

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popular, além de poucas ONGs internacionais terem escritórios em Shanghai, o que

dificultava a articulação e financiamento (LEE, 2007).

De maneira geral, nos anos 2000, quase toda universidade chinesa

presenciou a criação de ao menos um grupo ambientalista, responsável por realizar

palestras e exposições no campus, promover o plantio de árvores, atividades de

reciclagem, excursões e camping. Alguns desses grupos levaram à articulação de

alianças regionais e redes, fortalecendo o ambientalismo chinês (SUN; ZHAO, 2008).

Os grupos estudantis são afiliados com as ligas da juventude, herança do período

maoísta, e diretamente com as instituições de ensino, mas esses grupos funcionam e

são reconhecidos pela sociedade como ONGs.

Em 1994 havia apenas 4 organizações estudantis; em 1996 esse número

passou para 9; em 1999 subiu para 43 grupos e em 2002 atinge 73 grupos (YANG,

2005). Na década de 2000 esse número cresce exponencialmente, assim como

ocorreu com as ONGs de maneira geral. Os grupos estudantis possuem facilidade no

registro, já que não se enquadram nas leis das ONGs em geral, além de ter, entre

seus membros, jovens, conectados à internet, muito mais receptivos ao que está

acontecendo ao redor do mundo, e preocupados com seus próprios futuros. Esses

jovens constituirão um grande número de ONGs ambientais ao longo de toda década

de 2000, após deixarem as universidades.

Pesquisa conduzida por Yang (2005) mostra que os jovens universitários

se engajavam nos assuntos ambientais em virtude da visibilidade pública oferecida

pela mídia, além do fato das atividades ambientais oferecerem experiências

significativas e divertidas, que permitem o autoconhecimento e a socialização,

incluindo treinamentos em liderança, desenvolvimento de habilidades em relações

interpessoais, além de expandirem os horizontes de vida e expectativas em relação à

vida futura. Os grupos ambientalistas se firmam como local onde é possível vivenciar

a ação cívica, testando limites políticos existentes, colocando os jovens como agentes

de mudança política.

Os jovens compõem a maior parte das ONGs ambientais, principalmente

os que frequentam universidades e que fazem parte dos estratos sociais mais

abastados. Ao lado dos jovens temos um grande número de pessoas que pertencem

a elite intelectual do país, jornalistas, professores, pesquisadores. Na primeira fase do

ambientalismo chinês esse é o perfil principal dos participantes, que fundam as ONGs

em Beijing e em outras grandes cidades do país. Beijing é o local com maior número

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de ONGs, provavelmente em virtude da presença do governo central e seus

funcionários, que são mais engajados na causa ambiental do que os membros do

governo local, que se preocupam com o desenvolvimento econômico de suas regiões.

O gráfico abaixo representa o crescimento das ONGs ambientais, excluindo

nessa soma os grupos estudantis e as GONGOs. No capítulo 3 veremos que o número

de ONGs ambientais passará por um crescimento surpreendente nos anos 2000,

atingindo o número de 2.768 ONGAs em 2005, incluso nessa soma as GONGOs e

grupos estudantis (FEI, 2015).

Gráfico 6: Número de ONGs ambientais registradas

Fonte: YANG, 2005.

Dificuldades no registro, alta burocracia, custo elevado, são alguns

elementos que impediam a legalização de organizações, afinal, conforme visto no

capítulo 1, item 1.3, as regras para registro eram bem complexas. Necessidade de

apadrinhamento político, permissão para apenas uma ONG por localidade em cada

setor de atuação, permissão para atuação apenas local, pagamento de taxas anuais,

eram algumas das exigências da regulamentação de 1998 (LEE, 2007; GAO, 2013).

Ao mesmo tempo os problemas de financiamento, baixo número de voluntários, baixa

visibilidade das ações, são outros problemas enfrentados pelas ONGs (TANG; ZHAN,

2009). Era difícil recrutar novos membros, pois de maneira geral a população não

acreditava que uma pessoa ou grupo sem afiliação ao governo, pudesse mudar

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alguma coisa (EWOH; ROLLINS, 2011), temiam se envolver com organizações que

pudessem ser consideradas anti-governamentais e anárquicas (TAI, 2015), mas os

ambientalistas se esforçaram para mobilizar as pessoas comuns em torno da causa,

afinal, as questões ambientais estão sempre intimamente relacionadas ao cotidiano

das pessoas (LIN, 2007). Em decorrência disso, diversas organizações foram criadas

na década de 1990, mas só conseguiram registro oficial nos anos 2000.Outras

centenas de organizações permaneceram ilegais, por impossibilidade de cumprirem

todos os requisitos necessário para serem registradas. Estas acabam sofrendo, com

grande limitação em seu potencial de ação e eficácia (BONDES, 2011).

O crescimento das ONGs na primeira fase do ambientalismo é marcado

pela atuação das ONGs nas áreas de educação ambiental, conscientização ambiental

e participação pública. As atividades prioritárias eram as palestras, aulas públicas,

workshops, viagens à campo, rodas de discussão, discussão online, listas de email,

petições virtuais. A maneira como as ONGs agiam demonstra claramente o perfil de

atuação do ambientalismo, que é marcado pelo estímulo ao aprendizado, à

cooperação, à participação, esquivando-se de métodos confrontacionais, típicos do

movimento ambientalista em diversos países do ocidente (YANG, 2005; BONDES,

2011; MA, 2006).

O ambientalismo na China diverge da imagem popular dos movimentos

sociais vistos como “massas de pessoas que tomam as ruas e erigem barricadas” em

oposição a uma ordem estabelecida. Diferentemente de algumas experiências

vivenciadas em antigos países socialistas da Europa central e oriental, onde o

movimento ambientalista funcionou como catalisador para a democratização da

sociedade, na China ele assume um caráter fragmentário, localizado e não conflituoso

(HO; EDMONDS, 2008).

Entender o movimento ambientalista com características chinesas (LIN,

2007) demanda compreender a relação que se estabelece entre Estado e sociedade,

Estado e organizações. Inicialmente o ativismo ambiental chinês foi liderado por

pessoas que tinham conexões políticas, mentalidade empreendedora e capital cultural

para negociar com o Estado, como foi o caso de Liang Congjie, da FON, e Liao Xiaoyi,

da GVB. Inicialmente essas ONGs se engajaram em áreas que não entravam em

conflito com os interesses do governo central (MATSUZAWA, 2012; GAO, 2013).

Por outro lado, a emergência de tantas ONGs e outras organizações sociais

significa que os líderes chineses reconheceram a legitimidade de formas alternativas

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de associação, passível de existir fora das esferas do partido (TAI, 2015). Com isso

há uma ressignificação das forças top-down e bottom-up:

Em um cenário, mais pessimista, o aumento dos conflitos sociais e políticos pode resultar em uma grande disjunção entre as duas forças, ou seja, a reforma top-down falha em acomodar crescentes demandas bottom-up [...], validando a preocupação de Johnson (2003) sobre a profunda instabilidade inerente ao atual sistema político chinês. Em outro cenário, mais otimista, as forças top-down e bottom-up irão se desenvolver gradualmente e se ajustarão para criarem mais espaço para as associações cívicas trabalharem autonomamente e participarem na formulação de políticas e processos de implementação. [...] O sistema político da China será reconstruído para ser mais orientado para o meio ambiente, o Estado-partido se tornará mais aberto, mais tolerante e mais atento às vozes das ONGs ambientais (TANG; ZHAN, 2008, p. 442, tradução minha).

Sheng Fei (2016) afirma que pelo fato dos pioneiros das ONGs ambientais

serem intelectuais ou membros das elites sociais, eles mantinham forte conexão com

membros do governo e por isso eram reticentes em se envolver em assuntos

delicados. Não que esses líderes não tivessem compaixão com os sentimentos de

base ou com a realidade da grande maioria da população, mas para eles era mais

fácil usar suas conexões pessoais para alcançar objetivos ambientais. Como exemplo,

Liang Congjie, da FON, aproveitou de sua amizade com um oficial da SEPA, que

encaminhou ao conselho de Estado uma emenda requerendo que todos os níveis do

governo auxiliassem as atividades das ONGs ambientais. A medida originada desse

episódio foi a primeira manifestação oficial sobre a atuação das ONGs ambientais, em

1997 (FEI, 2015). A partir disso, e como parte do programa de reforma do governo em

1998, “muitas lideranças nacionais encorajaram as agências governamentais a

transferirem algumas funções às ONGs, porém muitas agências e governos locais

foram relutantes, afinal isso reduziria o poder e os recursos deles” (LU, 2005, p. 4,

tradução minha).

As ONGs ambientais, desde o seu início, têm uma natureza distinta

daquela dos protestos de 1989 ou de organizações como o Falun Gong27, que são

preparadas para desafiar as restrições do governo (TANG; ZHAN, 2008). As próprias

regulamentações estatais acabam por moldar a forma de atuação das ONGs

ambientais. Ao assumir uma posição não confrontacional em relação ao governo, as

27 Falun Gong é uma prática espiritual tradicional chinesa proibida de ser realizada na China desde 1999 em virtude da mobilização de milhares de pessoas que se reuniam para praticá-la. Estima-se que no final da década de 1990 havia mais de cem milhões de praticantes, o que fez com que o Partido Comunista e o governo chinês vissem o Falun Gong como uma ameaça.

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ONGs garantem sua sobrevivência, seu registro, conquistando objetivos de promoção

da conscientização ambiental e influência na política ambiental (LIN, 2007). Ao mesmo

tempo, as ONGs ambientais foram bem recebidas inicialmente, pois auxiliariam o

governo central a resolver os problemas que não conseguia solucionar (SAICH, 2000).

A SEPA foi um forte incentivador das ONGs ambientais, e trabalhava próximo a elas

para conseguir conquistar objetivos comuns. Já as agências locais permaneceram

cautelosas com as iniciativas da ONGS, pois muitas vezes o governo central

encorajava as ONGs a confrontarem o governo local abertamente, como maneira de

superar o protecionismo local (LIN, 2007; GRANO, 2012; YANG, 2004). Logo, a

emergência das ONGs não é uma simples reação espontânea da sociedade chinesa

perante os problemas ambientais, mas é também uma importante reação da política

ambiental central (FEI, 2015).

Quando as ONGs se envolvem em denúncias de poluição de empresas, a

relação com o governo fica tensa, principalmente se for uma empresa estatal. Não há

um padrão estabelecido que esclareça como as ONGs podem participar do processo

político, e com isso há diferenças visíveis na atuação de acordo com a localidade e o

governo local. Por outro lado, uma atitude não-confrontacional não significa falta de

progresso político, afinal os ativistas aprendem a sutileza da política através de uma

série de tentativas e erros, conseguindo um amplo alcance de suas ações e

conquistando mudanças políticas (GRANO, 2012). Na segunda fase do ambientalismo

chinês as ações passam a ser mais confrontacionais, mas as ONGs ambientais em

momento algum desempenham um papel claro no sentido de alterar o autoritarismo

governamental, mas a governança ambiental se torna mais aberta à participação e

engajamento popular na última década (TANG; ZHAN, 2008).

Segundo as pesquisas conduzidas por Bao Maohong (2009), as ONGs

ambientais esperam ajudar o governo no combate à deterioração ambiental,

principalmente a partir da revelação de incidentes ambientais na mídia. Quando

verificado o incidente, apenas 24,4% das ONGs escolheram entrar em conflito ativo

com as empresas que poluíram o meio ambiente e 68,6% preferem denunciar as

infrações. Existem poucos processos judiciais e protestos, pois 95% das ONGs

ambientais praticam o princípio de “ajudar, mas não causar problemas; participar, mas

não intervir; supervisionar, mas não substituir; agir, mas não violar” (BAO, 2009, p. 8,

tradução minha). Por fim 84,7% concordam em compartilhar a responsabilidade da

proteção ambiental com o governo.

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Fengshi Wu (2009) defende que as ONGs ambientais e seus ativistas são

avant-gardes, e promoveram o envolvimento e negociação entre governo e

participação pública. Para ela os ambientalistas estão cientes das preocupações

governamentais com ativismo social, e se manter numa postura não confrontacional

é a melhor forma de conseguir promover mudanças graduais. Guobin Yang (2005)

também compreende que manter uma atuação não confrontacional é o melhor

método.

As ONGs ambientais da China estão na vanguarda da atividade não governamental. Assim, a questão não é apenas se os atores não-governamentais podem moldar o futuro da proteção ambiental na China, mas também se eles podem desempenhar um papel na mudança política mais ampla, no contexto da transformação contínua das relações entre Estado e sociedade (ECONOMY, 2004, p.131, tradução minha).

Entre os analistas das ONGs ambientais chinesas, Peter Ho propõe que

em virtude das ONGs serem fragmentadas e locais, elas são incapazes de mobilizar

demonstrações de oposição ao governo. Ho defende a ideia de que a ecologização

do Estado, antes mesmo da pressão popular por mudanças e preocupações

ambientais, acabou roubando a oportunidade e a urgência de confrontar o governo, e

por isso ele cunha o termo greening without conflict para entender o ambientalismo

que ocorre com uma distância segura da ação política (HO, 2001; HO; EDMONDS,

2008).

Numa análise próxima a de Peter Ho, Lo e Leung (2000) argumentam que

a ausência de uma tradição democrática impõe restrições a uma participação popular

na governança ambiental. Para eles não existe uma ONG ambiental independente e

capaz de mobilizar a opinião pública, transformando-a em uma força política

poderosa. Tony Saich (2000) defende que há um novo padrão de negociação entre a

sociedade civil e o Estado, mas para ele essa negociação minimiza a capacidade do

Estado de penetrar nos grupos sociais. Jessica Teets (2010) argumenta que as

organizações não questionam, nem explicitamente nem implicitamente, o status quo,

constituindo um modelo de comunicação política vertical, em que as organizações

tentam impactar e promover mudanças a partir de meios deliberativos, negociando

espaço diretamente com o governo local e central.

Em oposição a essa interpretação, Jennifer Turner (2004) defende que os

ambientalistas são conscientes da necessidade de envolvimento com a política. Ela

identifica que as ONGs não são fantoches das agências governamentais, possuindo

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suas próprias visões, objetivos e esferas de influência. Turner reconhece o

pioneirismo dos ambientalistas em propor ações coletivas para expressarem suas

opiniões e conquistarem mudanças políticas, como ocorreu com as diversas

campanhas ambientais. Essas campanhas demonstram a habilidade das ONGs

ambientais chinesas de trabalhar como grupo de pressão, conquistando

reconhecimento nacional e internacional (FU, 2016).

Durante a primeira fase do movimento ambiental, entre 1994 e 2003, as organizações ambientais chinesas de base se engajaram principalmente na educação ambiental e na conscientização. O ativismo ambiental nesse período foi dirigido em grande parte ao público em geral. Era politicamente neutro e estrategicamente não conflituoso. Um dos principais focos foi a proteção da biodiversidade. Esse tipo de educação ambiental não teve precedentes históricos na China, e também é significativo que foram as ONGAs que iniciaram esse esforço antes que o governo o tornasse uma prioridade (FU, 2016, p. 273, tradução minha).

É inegável que o ambientalismo e as ONGs ambientais só se

desenvolveram graças às alianças entre GONGOs, ONGs internacionais, ONGs

locais, que formaram redes e empoderaram a ação popular. Na visão dos funcionários

do governo, a participação pública deve apoiar as políticas do governo, e não criticá-

las (LEE, 2007). Por esse motivo, Deng Zhenglai, famoso sociólogo e pesquisador do

direito, afirma que uma questão crítica para as ONGs ambientais pode não ser como

equilibrar o poder do Estado e da sociedade civil, mas sim como tornar o sistema

burocrático chinês em algo eficaz e apto a resolver os problemas ambientais (FEI,

2015).

Compreender essa natureza e dinâmica social implica em reconhecer o

papel do confucionismo na formação da sociedade chinesa e na interpretação da

relação sociedade e natureza. Na tradição confuciana a população apela à alta

autoridade quando há necessidade de corrigir problemas; a população também é

obediente à autoridade; ademais a cultura chinesa tende a aceitar a hierarquia,

entendendo os governantes como “os pais do povo”, o que implica em respeito às

suas decisões, afinal os governantes devem estar imbuídos de uma atitude ética com

a manutenção da ordem social e com o bom governo (SHAPIRO, 2013; POLIDO;

RAMOS, 2015; SCHUMAN, 2016). Ainda que o período maoísta tenha tentado

extirpar o confucionismo, ele se perpetua na cultura chinesa, afinal é uma das

principais bases da sociedade, e tem sido revivido nas últimas décadas.

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Sem dúvida alguma o componente cultural acaba influenciando o

desenvolvimento e modos de atuação das ONGs. Nesse sentido, uma outra

importante discussão emerge do contexto histórico e político da China naquele

momento, que é a questão do autoritarismo e sua relação com a problemática

ambiental.

2.4 Considerações do capítulo

O capítulo buscou apresentar, primeiramente, a problemática ambiental da

China e a degradação dos recursos naturais como uma consequência do crescimento

econômico, das reformas promovidas nas últimas décadas, do intenso processo de

urbanização e de profunda mudança da vida cotidiana de milhões de chineses.

Tais transformações estão diretamente relacionadas com a noção de

modernidade comprimida presente em Ulrich Beck, vivenciada na China nas últimas

décadas, em virtude da radicalização das mudanças da primeira modernidade, que

acabam alterando profundamente as relações sociais, políticas e econômicas. Tal

fenômeno acaba potencializando os novos riscos, entre eles o risco ecológico e o risco

das mudanças climáticas.

A degradação ambiental traz problemas à saúde humana, traz prejuízos

econômicos, altera a rotina das cidades, influencia no comércio internacional, ameaça

a legitimidade do governo. Por esses e vários outros motivos a política ambiental

chinesa começou a se desenvolver no final da década de 1970, mas por dificuldades

em sua implementação, foi incapaz de deter o incremento dos danos.

Nesse contexto as ONGs ambientais surgem na década de 1990 como

resposta à degradação ambiental. Em virtude das características do governo chinês

as ONGs precisam se adaptar a essa realidade e acabam conquistando espaço de

atuação a partir da aproximação ao governo, colocando-se como um instrumento hábil

para conquistar melhorias no ambiente.

É preciso recuperar os pontos principais de constituição e desenvolvimento

recente da sociedade civil chinesa, para entender melhor a forma de atuação das

ONGs ambientais. Conforme Yu Keping (2009) destaca, as mudanças promovidas por

Deng Xiaoping são o ponto fundamental para a promoção de um espaço social de

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ação, onde os indivíduos podem agir em novas temáticas, como a ambiental. Tal

espaço está diretamente vinculado às alterações do Estado e do mercado, impactados

pelo intenso processo de modernização (YANG, 2002).

Michael Frolic (1996), ao afirmar que existe na China uma sociedade civil

formada a partir de mecanismo top-down, ou seja, criada pelo Estado para servir aos

seus interesses, auxilia na compreensão dos mecanismos de sobrevivência das

ONGs, e, em especial, permite captar a dinâmica das GONGOs, afinal, Frolic defende

a existência de duas sociedades civis, uma autônoma e outra conduzida pelo Estado.

Dessa noção é possível articularmos a existência das GONGOs como sendo o

resultado de uma sociedade civil conduzida pelo Estado, enquanto as ONGs

populares são resultantes da sociedade civil autônoma. Frolic já identificava que na

China a sociedade civil autônoma ainda estava em uma fase embrionária. Tal ideia é

reforçada ao compararmos o número de GONGOs e de ONGs populares, conforme

veremos no capítulo 3.

Se, de acordo com as diversas perspectivas apresentadas no capítulo 1,

há uma ausência de consenso sobre a caracterização da sociedade civil chinesa, uma

perspectiva é fundamental: não podemos tratar de sociedade civil enquanto uma

esfera autônoma em relação ao Estado. Os diversos autores concordam que no caso

chinês a sociedade civil possui uma relação intensa com o Estado.

Por conta disso, o caráter não-confrontacional talvez seja a principal

característica das ONGs nessa primeira fase, que evitam embates com o governo, e

se utilizam de contatos pessoais e de redes de colaboração, de forma a garantir o

espaço de atuação sem confrontos com o governo, vislumbrando algum futuro e

formas de concretizarem suas atividades – maneira de construir uma sociedade civil

autônoma. Naquele momento, o movimento ambientalista ainda era embrionário, com

muito pouca influência na governança ambiental do país, mas mostrando sua

presença sempre que possível, descobrindo espaços para ação, esforçando para

mostrar aos cidadãos que era possível produzir mudanças a partir de esferas externas

ao governo.

Peter Ho (2001) capta essa dinâmica da relação entre as ONGs ambientais

e o governo a partir da compreensão que o processo de ecologização presente no

Estado se antecipa às pressões populares, dessa forma o ambientalismo nasce no

seio do governo, o que facilita o controle das organizações e restringe o

desenvolvimento amplo e irrestrito das novas ONGs que surgem na década de 1990.

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Essa é uma diferença fundamental em relação a muitas ONGs ocidentais, que

incorporam a missão de proteção da sociedade em relação ao Estado, na visão de

Ma Qiusha (2015).

Com isso os temas prioritários das primeiras ONGs ambientais são aqueles

que não apresentam ameaças às políticas governamentais, não havendo contestação

acerca das escolhas governamentais. As ONGs se fortalecem e se multiplicam a partir

de atividades como a educação ambiental, preservação de espécies, programa de

separação e reciclagem de lixo, áreas em que o Estado não estava atuando, mas que

são imprescindíveis para melhoria da qualidade ambiental e implementação das

políticas públicas ambientais.

De acordo com a estratégia small government, big society, apresentada no

capítulo 1, vemos que as ONGs ambientais se aproveitaram da redução do aparelho

estatal e da diminuição do controle governamental sobre o setor privado e sobre as

autoridades locais, para conseguirem agir e estabelecer as organizações. Apesar do

controle governamental, da burocracia para registro e legalização das organizações,

elas passaram a desempenhar um papel significativo na sociedade, ao mobilizar

opiniões, educar as crianças e adolescentes sobre a importância de preservar a

natureza e ter comportamentos pró-ambientais, principalmente a partir do

engajamento de indivíduos dos estratos mais altos das áreas urbanas, com acesso à

educação universitária e com contatos internacionais, que se inspiravam e aprendiam

com as ações executadas por organizações em diversos outros países, porém

adequando para a realidade chinesa, seus valores e culturas.

O capítulo seguinte apresentará como as ONGs ambientais avançaram nos

anos 2000, incorporando novos temas, novas atuações. Os protestos ambientais se

tornam representativos; a internet altera a maneira como as pessoas se conectam e

se informam; o movimento ambientalista evolui e mobiliza outros indivíduos, como os

artistas, pintores, escritores, músicos; as políticas ambientais avançam e passam a

reconhecer a participação popular como essencial para conquistar melhorias

ambientais.

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Capítulo 3 – Avanços e conquistas do ambientalismo chinês na década de 2000

Os chineses comuns começaram a sentir falta do céu azul, rios limpos, florestas verdes e pássaros. Tragédias devastadoras em minas de carvão tornaram-se notícias regulares na TV. A poluição fez do câncer a principal causa de morte na China. A poluição do ar, sozinha, é responsável por centenas de milhares de mortes todos os anos. Quase 500 milhões de pessoas não têm acesso à água potável segura. A China está sufocando no próprio sucesso. A OMS concluiu que a morte relacionada à poluição agora chegou a 750.000 por ano. Em comparação, 4.700 pessoas morreram nas minas inseguras da China em 2006... a consciência de baixo para cima sobre a necessidade de proteção ambiental contribuiu para a redefinição do que constitui interesse nacional pelo governo. Líderes chineses desenvolveram uma nova maneira de pensar que busca diminuir o chamado PIB ‘preto’ do país... Os líderes da China reconhecem que eles devem mudar de rumo (WEI apud KASSIOLA; GUO, 2010, p. 1, tradução minha).

Superados os desafios iniciais de constituição das ONGs na década de

1990, os anos 2000 possibilitam o reconhecimento do papel das ONGs ambientais

como importante ator na condução das políticas voltadas ao ambiente.

Acompanhando o desenvolvimento das políticas ambientais formuladas

pelo governo, as ONGs conquistam maior autonomia, expandindo sua atuação e

efetivamente promovendo melhorias ao meio ambiente. Nesse capítulo serão

abordados diversos casos de ação das ONGs, como a atuação das ONGs ambientais

perante o projeto de construção da Hidrelétrica no Rio Nu, que teve um resultado

distinto da atuação na construção da Hidrelétrica das Três Gargantas, iniciada na

década de 1990.

Além da atuação das ONGs, os protestos ambientais, a expansão do

greenspeak por meio das novas mídias, evidenciam que a população, de maneira

geral, começa a se mobilizar em prol de melhorias ambientais, indicando uma

participação mais ativa na governança ambiental chinesa, o que enseja o

reconhecimento de uma transição de um ambientalismo autoritário para um

ambientalismo democrático, a partir dos anos 2000.

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3.1 Avanços políticos, legislação e problemática ambiental

Hu Jintao, em 2002, foi eleito como presidente da China, cargo que ocupou até

2012. A quarta geração de líderes28 ficou marcada pela preocupação com a crescente

desigualdade social, pelo reconhecimento da necessidade de conjugar crescimento

econômico com desenvolvimento social e sustentável. O marco das ideias de Hu

Jintao foi a defesa da noção de desenvolvimento científico, que desloca o centro das

preocupações políticas – o foco deve ser o desenvolvimento social e a diminuição da

desigualdade entre as áreas costeiras e interioranas, a política deve ser centrada nas

pessoas e não no PIB (FEWSMITH, 2004).

A reorientação da estratégia de desenvolvimento da China passa por um

redirecionamento ambientalmente sustentável. Hu Jintao e o premier Wen Jiabao

repetidamente enfatizaram a necessidade de proteção do ambiente e conservação

dos recursos energéticos, criando uma unidade dialética entre pessoas e natureza

(JOHNSON, 2009). Tal reorientação, na visão de Johnson (2009), fez com que as

questões ambientais se tornassem parte fundamental das estratégias de

desenvolvimento, alinhadas com conselhos vindos de agências internacionais, como

o Banco Mundial, que defendiam que apenas mudando a estratégia de crescimento a

China poderia enfrentar com sucesso os desafios ambientais.

Hu Jintao inseriu a necessidade de desenvolvimento de uma sociedade

harmoniosa, noção apresentada em 2004, durante a 4ª sessão plenária do 16° Comitê

Central do Partido Comunista da China. Tal noção objetivava consolidar na China a

convivência harmoniosa entre os indivíduos e a natureza, por meio de uma sociedade

democrática, de direito, justa, segura e ordenada, além da implementação de uma

agenda social sustentável.

O discurso de Wen Jiabao, na Conferência Nacional de Proteção Ambiental de

2006, apresenta os principais pontos do novo redirecionamento estratégico e

conclama a participação da população:

Proteger o meio ambiente está relacionado ao desenvolvimento geral e de longo prazo da modernização da China, e é uma causa que beneficia o presente e as futuras gerações. [...] apresentamos a importante ideia de estabelecer um conceito de desenvolvimento científico e construir uma

28 A primeira geração foi a de Mao Zedong, que ficou no poder de 1949 a 1966; a segunda geração foi Deng Xiaoping, de 1978 a 1992; e a terceira geração foi de Jiang Zemin, de 1993 a 2003.

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sociedade socialista harmoniosa, e propusemos o objetivo de construir uma sociedade que poupasse recursos e fosse favorável ao meio ambiente. [...] Proteger o meio ambiente é uma causa comum de toda a nação, devemos confiar nas amplas massas populares e mobilizar a força de toda sociedade para participar. Órgãos de todos os níveis devem assumir a liderança na conservação de recursos e proteção do meio ambiente, e servir de exemplo para toda sociedade. [...] Todos os cidadãos, todas as famílias, todas as unidades, todas as comunidades, devem partir de si, começar do que podem e participar voluntariamente das atividades de proteção ambiental. É necessário realizar vigorosamente a publicidade e a educação ambiental, melhorar a consciência ambiental de todo o povo, promover a cultura ambiental e criar um bom ambiente para proteger o meio ambiente em toda a sociedade (CHINA, 2006, pp. 1- 3, tradução minha).

Com objetivo de promover melhorias no bem-estar social e acompanhado

por uma reestruturação do Estado, houve um deslocamento no modelo de

responsabilidade, antes focado no Estado. Foram incorporados “mais atores na

provisão de bem-estar social para estabelecer o equilíbrio entre igualdade e

crescimento econômico” (SANDER; SCHMITT; KUHNLE, 2012, p. 29, tradução

minha). Há um deslocamento da responsabilidade pelo bem-estar social, do Estado

para a comunidade e indivíduo. Analisando a situação, Saich (2004) afirma que se

desenvolve um “autoritarismo populista”, no qual a abordagem centrada nas pessoas

visa a preservação da estabilidade social, fundamental para a continuação do

crescimento econômico.

Bao Maohong (2012) reconhece que a partir de 2003 o pensamento

ambiental chinês enfatiza a harmonia entre homem e natureza e entre

desenvolvimento econômico e proteção ambiental, porém afirma que “ainda existem

lacunas decepcionantes entre teoria e realidade, academia e política,

desenvolvimento econômico e proteção ambiental” (BAO, 2012, p. 482, tradução

minha). Ainda que o direcionamento político seja mais abrangente e razoável que os

anteriores, e por mais que siga tendências do ambientalismo internacional, ainda há

falhas na implementação dessa nova política.

Para compreender melhor como a construção da noção de

desenvolvimento científico e sociedade harmoniosa interfere na relação entre

sociedade civil, Estado e questão ambiental, apresentaremos algumas modificações

ocorridas na legislação e nos regulamentos ambientais, destacando a implementação

da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) e as alterações na política ambiental de

2007, que afetaram diretamente as ONGs e campanhas ambientais. Afinal,

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o ambiente não controlado gera sérios custos econômicos que ameaçam a modernização da economia; por outro lado, a degradação ambiental gera protesto social (ou ‘instabilidade’, em termos governamentais). Assim, uma política ambiental global contribuiria para a construção de uma ‘sociedade harmoniosa’. Isso exigiria ‘coordenação e desenvolvimento sustentável global e abrangente’, significando que as várias dimensões do desenvolvimento (econômica, política, cultural e social) devem ser coordenadas – com preservação ambiental como prioridade – bem como equilibrar o desenvolvimento a fim de reduzir as disparidades entre a cidade e o campo, entre regiões, entre desenvolvimento econômico e social (GOLDEN, 2017, p. 14, tradução minha).

Lei de Avaliação de Impacto Ambiental

Um conjunto de fatores propiciou uma janela de oportunidade política no

início da década de 2000, como meio de lidar melhor com os problemas ambientais.

A mudança na administração política com Hu Jintao e Wen Jiabao, a entrada da China

na OMC, a expansão das ONGs ambientais e o agravamento da poluição e da

degradação ambiental são fatores importantes que motivaram a criação da Lei de

Avaliação do Impacto Ambiental.

A participação pública passou a ser reconhecida como importante elemento

de boa governança (ASIAN DEVELOPMENT BANK, 1999), facilitando a concepção e

implementação de projetos, auxiliando na responsabilização oficial, permitindo que o

público acompanhe a implementação das leis pelos funcionários locais de diversos

escalões. Ademais, a participação pública na área ambiental permite que os desejos

dos cidadãos sejam conhecidos, funcionando como balizadores da política ambiental

e de sua implementação (JOHNSON, 2009).

A Lei de Avaliação do Impacto Ambiental (AIA) entrou em vigor em 1 de

setembro de 2003:

Art. 1º Esta lei é formulada com a finalidade de implementar a estratégia de desenvolvimento sustentável, evitando impactos adversos ao meio ambiente devido à execução de planos e projetos de construção, e facilitando o desenvolvimento coordenado da economia, da sociedade e do meio ambiente (CHINA, 2002, p. 1, tradução minha).

O caráter inovador da lei repousa no artigo 5, que afirma “o Estado

incentivará as unidades pertinentes, os peritos e o público a participarem na avaliação

do impacto ambiental pelos meios adequado” (CHINA, 2002, p. 1). Tal incentivo à

participação popular não havia sido expresso anteriormente, e as cláusulas presentes

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na Lei da AIA facilitam a incorporação da opinião pública sobre os projetos de grande

escala, ao menos em teoria. Os planos e projetos governamentais também ficaram

sujeitos a avaliações ambientais de especialistas e do público em geral.

O artigo 11 da AIA especifica que os departamentos de planejamento do

governo local deveriam criar condições favoráveis para a expressão das opiniões

públicas através de reuniões, audiências e outros canais, como meio de melhorar a

governança ambiental da China (JOHNSON, 2009; CARTER; MOL, 2007). Outra lei

que reforça essa participação é a Lei de Licenciamento Administrativo, de 2003, que

determina que os cidadãos que se sentem afetados pelos licenciamentos devem ter

possibilidade de participação nas audiências. Com isso, o público e as ONGs

ambientais passam a ter um espaço de participação reconhecido legalmente.

A fraca participação pública na China contribuiu para a baixa

implementação da legislação ambiental e, segundo Martens (2006), um maior

envolvimento do público potencializaria a proteção ambiental, sendo um dos

elementos fundamentais para obter melhorias no sistema de governança ambiental.

Com a Lei de AIA, o governo central encorajou a participação pública

ambiental, principalmente a partir de canais legais criados oficialmente e a

incorporação de um anexo com relatório da Avaliação de Impacto Ambiental em todos

os projetos de grande porte, indicando razões pelas quais as opiniões públicas foram

aceitas ou rejeitadas. Ao final de 2005, 70% das divisões administrativa haviam

estabelecido hotlines de poluição, por meio dos quais a população podia registrar

queixas e fazer denúncias. As cartas e visitas aos escritórios oficiais também foram

outros meios encontrados pela população para ter sua voz ouvida pela administração

política (JOHNSON, 2009).

Tal incentivo também permitiu uma participação mais ampla na formulação

do 11º Plano Quinquenal, quando o governo recebeu um grande número de

comentários públicos na fase de elaboração do plano. Apesar da alta participação

pública, um empecilho importante era a falta de mão-de-obra apta a analisar as

sugestões e selecionar aquelas que poderiam ser incorporadas ao Plano.

O mesmo problema ocorria com a participação pública na proteção

ambiental, afinal, muitas vezes o público não sabia se suas opiniões foram

compreendidas e adotadas pelo governo, ou se o processo de participação era mera

formalidade instituída pela lei da AIA. Tal fato enfraquece o interesse pela

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participação, pois os cidadãos não veem impactos diretos decorrentes da realização

de audiências, cartas etc (CHEN; QIAN; ZHANG, 2015).

Visando esclarecer as formas de participação popular, foram promulgadas

em 2006 as Medidas Temporárias de Participação Pública na Avaliação do Impacto

Ambiental, reconhecendo cinco maneiras distintas de participação: através de opinião,

consulta, seminários, debates e audiências. Apesar dos esforços Wang e Li (2005)

reconhecem que não havia divulgação suficiente de informações que propiciassem a

participação pública, além de muitas vezes a participação ocorrer muito tarde no

processo de tomada de decisão.

A princípio esse novo modelo de governança, com possibilidade de

participação pública, foi bem aceito pelo público e pelas ONGs, e tolerado pelos

diversos órgãos do governo. De toda forma, significou um fortalecimento das ONGs,

afinal o governo percebe que havia uma necessidade de fortalecer a sociedade civil

(HO, 2001), pois o público é mais propenso a acreditar nas organizações da sociedade

do que no governo (SCHWARTZ, 2004). As ONGs passaram a atender os anseios do

governo ao assumir responsabilidades antes exclusivas do Estado, ao mesmo tempo

em que melhoram a governança ambiental e mantém a estabilidade social (HO, 2001).

Johnson (2009) defende que a lógica autoritária prevalece, afinal o medo

das autoridades é que os novos atores ambientais possam causar desassossego e

provocar insatisfação popular. Por isso, o Estado controla rigidamente as informações,

muitas vezes não responde às reclamações populares, mantendo sob controle o

espaço de ação das ONGs e da população. Tal fato será retomado adiante.

Ainda que apresente falhas, a Lei de AIA possibilitou a atuação da

população em diversas campanhas e avaliações de empreendimentos. Dois exemplos

significativos serão apresentados a seguir, o caso da hidrelétrica do Rio Nu e do lago

do antigo Palácio de Verão, em Beijing.

O caso da hidrelétrica do Rio Nu

O projeto hidrelétrico do Rio Nu foi aprovado em 14 de agosto de 2003 pela

National Development and Reform Commission (NDRC). O projeto previa a

construção de 13 represas no curso inferior do rio, na província de Yunnan. A

capacidade instalada do projeto seria da ordem de 21 milhões de quilowatts,

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superando o projeto da hidrelétrica das Três Gargantas, e geraria mais de 8 bilhões

de yuans anualmente em receitas fiscais ao governo local. O projeto foi desenvolvido

pela empresa estatal National Huadian Power Corporation (REN, 2010; YANG,

CALHOUM, 2007; THIBAUT, 2011; SUN; ZHAO, 2008).

Em setembro de 2003, a ativista ambiental Wang Yongchen teve acesso

ao projeto a partir de informações vazadas por funcionário do governo. Ela entrou com

contato com outros ambientalistas e jornalistas de Beijing, iniciando o movimento anti-

barragens do rio Nu. Concomitantemente, ambientalistas e ONGs de Yunnan

organizaram visitas aos locais de construção das barragens, com o intuito de informar

a comunidade da província e agricultores sobre as consequências ecológicas e sociais

das grandes barragens. Ao menos 50.000 moradores locais seriam realocados. Ao

final de 2003, os ativistas de Yunnan e Beijing se encontraram, fortalecendo o

movimento (WU; XU, 2013).

As controvérsias do projeto também foram identificadas pela SEPA, que

promoveu dois fóruns (em setembro e outubro de 2003) para discutir as implicações

do projeto. O fórum realizado em Beijing foi marcado por críticas severas ao projeto,

enquanto o fórum realizado em Kunming, Yunnan, com a presença maciça de

funcionários do governo local e especialistas, foi marcado pela defesa veemente do

projeto. A mídia local apresentou uma visão desenvolvimentista, mostrando como a

produção de energia hidrelétrica no rio Nu era viável, eficaz e ambientalmente

amigável, levando riqueza e desenvolvimento à região. Com o impasse instaurado a

partir dos dois fóruns, a campanha contra a construção encabeçada pelos

ambientalistas, jornalistas e agricultores teve um papel fundamental na mobilização

da opinião pública contra o projeto, e também na conscientização da população

(YANG, 2004; LIU; LI; LIU, 2012).

Após o fórum de Kunming uma petição pública assinada por 62 cientistas,

jornalistas, escritores, artistas e ambientalistas foi divulgada, pedindo que a recente

Lei de Avaliação do Impacto Ambiental fosse aplicada. A ONG Green Volunteer

League de Chongqing, mobilizou 15.000 estudantes universitários que assinaram

petição se opondo ao projeto. Em janeiro de 2004, ONGs nacionais e internacionais,

como a Friends of Nature e Green Watershed, organizaram um fórum em Beijing para

discutir impacto econômico, social e ecológico dos projetos hidrelétricos, fazendo

críticas ao projeto do rio Nu. Em fevereiro de 2004, ambientalistas e jornalistas

realizaram uma excursão ao longo do Rio Nu, e em seguida fizeram uma exposição

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fotográfica em Beijing, mostrando as riquezas naturais da região, a vida dos

agricultores, a riqueza histórica e social da área. A exposição fotográfica foi levada

para o 5º Fórum Global da Sociedade Civil do PNUMA, realizada em Jeju, na Coréia

do Sul, conseguindo mobilizar apoio internacional (YANG, 2004; YANG; CALHOUM,

2007).

O rio Nu faz parte dos Três Rios Paralelos das Áreas Protegidas de

Yunnan, que foram tombados como Patrimônio Mundial pela UNESCO em 3 de julho

de 2003. Esse fato reforçou o argumento dos ambientalistas, que defendiam a

preservação da área, marcada por uma biodiversidade que é única no mundo, logo, a

construção das barragens ameaçaria uma herança mundial, conforme eles

argumentaram (YANG; CALHOUM, 2007). ONGs, como a Green SOS e a Friends of

Nature, apontaram que a área dos Três Rios Paralelos representa apenas 0,4% do

território chinês, porém concentra 25% das espécies animais e vegetais, incluindo 77

espécies protegias pelo Estado, sendo um significativo repositório global de recursos

genéticos (DENG, 2013).

A mídia nacional teve um papel importante ao divulgar informações,

opiniões, fotos, principalmente o jornal China Youth Daily, que publicou mais de 200

artigos sobre o tema. A internet também foi utilizada como meio de divulgação da

campanha, principalmente a partir da ação da ONG Green Earth Volunters, que

organizou debates mensais com jornalistas e utilizou diversos sites para fomentar a

discussão. A ONG Instituto do Meio Ambiente e Desenvolvimento criou o site

www.nujiang.ngo.cn, que tinha uma versão online da exposição fotográfica do Rio Nu,

além de conter muitas informações sobre o projeto e toda região (LI, 2012).

As campanhas, manifestações e fóruns atrasaram o cronograma do

projeto, e fizeram com que o projeto devesse cumprir as novas regras que entraram

em vigor com a Lei de AIA. Em virtude da pressão social e da divulgação do fato na

imprensa nacional e internacional, em fevereiro de 2004, o premier Wen Jiabao

suspendeu o projeto, escrevendo no relatório sobre o projeto do rio Nu que “dado o

alto nível de preocupações sociais e ambientais sobre a grande construção de

hidrelétrica, é necessária uma pesquisa mais cuidadosa para se chegar a uma decisão

científica” (MENG, 2011, p. 1). Wen Jiabao defendeu que o projeto fosse

cuidadosamente discutido, com envolvimento de todas as partes interessadas (REN,

2010).

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Desde 2005, os ambientalistas defendem a participação formal do público

na tomada de decisão sobre o projeto, reivindicando a aplicação da Lei da AIA.

Conforme fala de Wang Yongchen, ambientalista da ONG Green Earth Volunteers:

Nós não somos cegamente contra as barragens...Queremos que o público saiba prós e contras ambientais de tais projetos. O que as organizações verdes exigem é um processo justo de tomada de decisão. A avaliação ambiental foi feita? Haverá uma audiência pública? Como os interesses dos afetados serão protegidos? (JOHNSON, 2010, p. 437, tradução minha).

O movimento contra as barragens aproveitou-se da crescente importância

da política nacional de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável,

conquistando apoio de agências governamentais, como a SEPA. Tal movimento

coloca-se contrário às práticas de negócios, políticas governamentais locais, mas não

se opõe diretamente ao governo central, pelo contrário, tenta formar aliança com

lideranças governamentais (YANG, 2004).

A campanha contra a construção das barragens teve sucesso até o

presente momento, porém, debates recentes mostram que a preocupação nos anos

2010 é voltada para a produção de energia limpa, e nesse sentido, o governo central

está mais interessado em atingir os objetivos do 12º e 13º Plano Quinquenal, o que

inclui reiniciar os planos de construção de hidrelétricas. Diversas reuniões ocorreram

em Beijing, entre a empresa estatal Huadian Power e agências governamentais, na

tentativa de liberar a construção (DENG, 2013).

Esse exemplo da campanha contra as barragens do Rio Nu é ainda mais

significativo se comparado com o episódio da hidrelétrica das Três Gargantas. O

projeto das Três Gargantas foi aprovado pelo Congresso Nacional em 1992, com as

obras iniciadas em 1994. Em 2003, teve início a geração de energia e a obra foi

finalizada em 2006 (LIANG, 2010). Com mais de 200 metros de altura, a obra possui

um reservatório com mais de 600 quilômetros de extensão e capacidade de

armazenamento de 40 bilhões de metros cúbicos. Com 26 turbinas gerados

instaladas, alcançou a produção de 98,8 milhões de MW/h, superando a marca de

Itaipu (LIANG, 2010; BARBIERI, 2019).

A obra apresentou uma série de impactos ambientais, sociais, ecológicos

e geológicos, com alteração das características climáticas locais, mudando índices

médios de temperatura e precipitações (GLEICK, 2009). Estima-se que entre 1,3 e 2

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milhões de pessoas tiveram que se deslocar da área, com 13 cidades, 140 vilas e

1300 vilarejos submersos (MAHER, 2010).

Uma das maiores obras da humanidade e a mais significativa alteração na

paisagem natural do mundo, ocorreu a partir de um processo decisório centralizado

no Estado, sem que houvesse a participação popular na tomada de decisão. A

aprovação das obras das Três Gargantas ocorreu pouco tempo após o episódio do

Massacre na praça da paz celestial, ocorrido em 1989. Tal fato dificultou a

manifestação de expressões políticas contrárias ao governo e questionamento dos

impactos advindos com a construção. As campanhas iniciadas por moradores locais

atingidos, ambientalistas e jornalistas foram duramente reprimidas, com prisões e forte

ação do aparato estatal. A legislação ambiental também era recente, com baixa

implementação e fiscalização. Pouco mais de uma década separa a aprovação das

Três Gargantas e o projeto do Rio Nu, entretanto é possível reconhecer muitos

avanços no campo da participação popular e possibilidade de expressão de opiniões,

mas também com avanços na legislação ambiental e preocupação estatal com

proteção ambiental e desenvolvimento sustentável (BARBIERI, 2019).

Autores como Xie & Heijden (2010) e Hensengerth (2010) apontam que o processo decisório relacionado à usina de três gargantas foi marcado por autoritarismo e repressão, onde contradições intragovernamentais não foram tornadas visíveis ao público e a sociedade civil contrária à usina sofreu repressão e não tinha canais para manifestação e participação no processo decisório. Já o caso do Nu River Project, reflete um momento no qual a legislação ambiental chinesa contempla um processo de licenciamento ambiental, conflitos intragovernamentais são visibilizados e a sociedade civil encontra formas de manifestação e influencia no processo decisório, permitidas por um governo que cada vez mais se preocupa com sua legitimidade e adere a pactos globais para a sustentabilidade ambiental. A mobilização contrária ao Nu River Project teve sucesso em frear – pelo menos por um breve período – a construção do complexo de hidrelétricas (FONSECA, 2013, p. 10).

O caso do lago do Palácio de Verão (Yuanmingyuan)

Em 22 de março de 2005, Zhang Zhengchun, um acadêmico e professor

de ciências naturais, visitava o antigo Palácio de Verão, em Beijing. Durante sua visita

ele percebeu que funcionários estavam instalando um forro de plástico impermeável

no lago, com o intuito de evitar que a água escorresse para o solo. Incomodado com

a cena observada ele publicou um artigo no site www.people.com.cn, descrevendo o

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fato como “desastre ecológico devastador”, mobilizando a mídia e alertando a opinião

pública. Zhang Jingjing também alertou para o potencial dano ao elemento histórico

do parque (ZHANG, 2011).

O palácio de verão foi construído em 1709, composto por uma série de

jardins, palácios e lagos. Foi queimado por soldados franceses e britânicos em 1860,

e novamente destruído em 1900 por exércitos de oito países estrangeiros. Em 2003,

as autoridades do parque e agências governamentais lançaram os planos de

renovação do palácio de verão, incluindo reparação das margens de rios, proteção

das ruínas e limpeza dos lagos. A renovação também foi motivada pelo desejo das

autoridades do parque de introduzirem atividades comerciais, como passeio de barco

e construção de casas particulares em algumas ilhas (JOHNSON, 2009).

Com a denúncia feita por Zhang na mídia local, uma série de manifestações

culminaram na realização da primeira audiência pública de nível nacional da China

sobre a questão, cumprindo a Lei de Avaliação de Impacto Ambiental. A imprensa

nacional, incluindo grandes jornais como o Southern Weekend e o China Youth Daily,

publicaram a história e relatórios muito críticos ao projeto (JOHNSON, 2010).

A audiência pública trouxe à tona as motivações comerciais do parque e a

ausência de preocupação com uma relíquia cultural e histórica. As autoridades do

parque recuaram e cancelaram os projetos. A audiência contou com a participação de

mais de 70 pessoas selecionadas, incluindo representantes de órgãos administrativos,

da imprensa, e de ONGs (Friends of Nature, Global Village Beijing, Green Earth

Volunters e Earthview Environmental Education Centre) (JOHNSON, 2009).

Moore e Walren (2006) destacam que embora as agências governamentais

locais na China tenham realizado audiências públicas sobre outras questões antes

desse caso, o nível de atenção e interesse com esse caso foi merecido, afinal as

audiências do caso do Palácio de Verão responderam a verdadeiros movimentos da

sociedade civil a nível local e nacional. Deve-se destacar também que a campanha foi

bem-sucedida por ocorrer em Beijing, sede política do governo central e da SEPA.

Provavelmente se algo semelhante ocorresse em outra localidade a repercussão seria

muito menor, e provavelmente o governo local encobriria os problemas, privilegiando

o desenvolvimento econômico em detrimento da preservação ambiental e cuidado

com o patrimônio histórico.

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Tempestades ambientais e implementação da política ambiental

Em janeiro de 2005 iniciou-se a fase de tempestades ambientais, termo

cunhado pela mídia chinesa para nomear as sucessivas interrupções de grandes

projetos, a partir da atuação da SEPA, que promoveu esforços para aplicar a Lei de

Avaliação do Impacto Ambiental.

De imediato foram vetados 30 megaprojetos, que estavam ilegais, isto é,

não haviam submetido seus projetos à avaliação de impacto ambiental, que estava

vigente desde 2003. Líderes locais, empresários e diversos departamentos

governamentais acreditavam que poderiam escapar da responsabilização ambiental

em virtude do pretexto de desenvolvimento econômico que esses projetos gerariam.

Estima-se que o investimento total desses 30 projetos era de 117,94 bilhões de yuans,

sendo 20 projetos de energia térmica, três projetos hidrelétricos, 3 projetos de

transmissão de energia e outros petroquímicos, papel e rodovia (XIONG, 2005).

No ano seguinte, em 2006, os principais alvos foram as fábricas químicas

e petroquímicas situadas nas margens dos rios. A suspensão de projetos foi uma

reação ao desastre do Rio Songhua, ocorrido em novembro de 2005, quando uma

explosão numa fábrica causou o despejo de poluentes no rio, necessitando suspender

o abastecimento de água para a cidade de Harbin (JOHNSON, 2009). As autoridades

locais ocultaram o incidente por duas semanas, não reconhecendo a extensão da

contaminação da água, que estava com benzeno em nível 108 vezes acima do padrão

nacional de segurança. O incidente alertou as autoridades para a possibilidade de a

poluição industrial ameaçar a estabilidade social e a imagem da China na comunidade

internacional, já que o Rio Songhua flui para a Rússia. A demora em assumir o

incidente e tomar ações corretivas abalaram a confiança do público no Estado como

garantidor do bem-estar ambiental. Em dezembro de 2005, o governo chinês sinalizou

aos governos locais que a proteção ambiental devia ser parte da agenda do governo,

e a poluição industrial era o alvo prioritário, já que era a principal causa da degradação

ambiental (LI, 2012; McELWEE, 2011).

Já em 2007, com a terceira tempestade ambiental, 82 projetos foram

interrompidos por não cumprirem as regulamentações ambientais. Tais projetos

teriam custo de 112 bilhões de yuans. Além da interrupção dos projetos, o Ministério

da Proteção Ambiental determinou restrições comerciais e permissão de comércio à

quatro cidades e quatro das cinco maiores corporações do setor energético. Tais

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restrições determinavam que só haveria novos projetos aprovados após terem

cumpridos os regulamentos ambientais (JOHNSON, 2009).

As tempestades ambientais foram apoiadas pelo governo central, afinal

eram uma tentativa de melhorar a legislação ambiental e promover o estado de direito.

As ações visavam adequar a implementação da lei aos objetivos do governo de Hu

Jintao – desenvolvimento científico, sustentável, em busca de uma sociedade

harmoniosa. Buscou-se, também, promover a responsabilização dos funcionários do

governo, que deveriam fazer esforços para plena aplicação da legislação vigente, já

que a taxa de implementação da Lei de AIA era estimada em apenas 30% (JOHNSON,

2009; XIONG, 2005).

Pan Yue, diretor da SEPA, foi uma figura central na condução das

tempestades ambientais, tendo sua atuação reconhecida internacionalmente pela

revista BusinessWeek, que o chamou de “uma voz corajosa para uma China mais

verde”.

Pan esteve na vanguarda de iniciativas governamentais amplamente elogiadas para construir uma ‘eco-civilização’, mudando a economia que mais cresce no mundo para um caminho mais sustentável. [...] Ele aproveitou o poder da mídia nomeando e envergonhando os piores violadores, introduziu uma lei de liberdade de informação que obrigava as autoridades locais a divulgar dados de poluição e encorajou organizações não-governamentais e jornalistas a denunciar irregularidades ambientais. Suas ações – extraordinárias nos círculos do Partido Comunista Chinês – foram possíveis graças ao apoio do primeiro-ministro, Wen Jiabao, fortes credenciais familiares e o otimismo gerado por uma economia em rápido crescimento (WATTS, 2009, p. 1, tradução minha).

As tempestades ambientais, que ocorreram de 2005 a 2007 e vetaram mais

de 100 grandes projetos, deixaram alguns legados importantes: sinalizaram a atitude

do novo governo na implementação do desenvolvimento científico; promoveram a

ideia de que participação pública tem um papel importante na condução de políticas

ambientais, com destaque às ONGs, que auxiliaram na divulgação de informações,

participaram de audiências e estimularam a consciência ambiental do público; por fim,

as tempestades ambientais propiciaram a promoção da avaliação de impacto

ambiental como item essencial para ajudar no “controle de origem” dos danos

ambientais e da poluição.

As ONGs ambientais demonstraram pleno apoio ao fortalecimento e

aplicação da Lei de Avaliação de Impacto Ambiental, emitindo uma carta aberta à

SEPA, que foi assinada por 56 ONGs. O debate sobre maneiras de fortalecer a

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participação pública foi estimulado, objetivando estabelecer e melhorar o sistema legal

para a participação pública, focando em padronizar o tempo, forma e conteúdo para a

participação, visando aumento da eficácia. Diversas ONGs passaram a citar a Lei de

Avaliação do Impacto Ambiental e Lei de Divulgação de Informações do Governo para

justificar suas ações contra governos locais e empresas poluidoras (ZHAN; TANG,

2011).

Nessa busca por melhores condições de funcionamento da AIA, a mídia

recebeu um papel de destaque, como meio primordial para a difusão de informações,

conscientização pública, e mobilização popular. Assim como ocorreu nos casos do

Palácio de Verão e das barragens do Rio Nu, a mídia passa a ser elemento essencial

para o ambientalismo chinês.

3.2 Greenspeak – papel da mídia e outras artes na formação do espaço público

verde

As diversas mídias desempenham um papel extremamente significativo na

consolidação das ONGs ambientais, mas também na divulgação das campanhas

ambientais e na denúncia dos problemas ecológicos. Conforme visto no capítulo

anterior, desde o início do surgimento das ONGs e das campanhas ambientais havia

a presença da mídia e forte envolvimento de jornalistas. Há um número significativo

de ONGs que são lideradas por jornalistas ou ex-jornalistas, como a Green Camp e a

Green Earth Volunters, que teve um papel central no caso da hidrelétrica do Rio Nu.

Exemplos de ações bem-sucedidas podem ser encontrados tanto em

jornais e revistas quanto na televisão. O programa “Expedição do Rio Huangpu”,

transmitido pela TV de Shanghai, foi feito sob orientação de líderes de ONGs

ambientais, e promoveu melhor conscientização sobre a necessidade de proteger o

rio Huangpu da poluição (LEE, 2007). Já o jornal Southern Weekend denunciou

desmatamento e extração ilegal de madeira, a partir da divulgação de matérias

jornalísticas investigativas, que motivaram ações do governo central para deter o

problema, nos anos 1990 (TONG, 2014). A ONG Global Village of Beijing produziu

uma série de filmes sobre diferentes temas ambientais que foram transmitidos na

televisão, conseguindo influenciar diretamente na campanha de eficiência energética

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que previa o uso do ar condicionado apenas em dias quentes, regulando a

temperatura dos aparelhos de ar condicionado a 26°C ou mais. Tal campanha motivou

a aprovação de um regulamento ambiental sobre o uso do ar condicionado em

edifícios públicos, visando poupar energia e proteger a saúde humana (LEHRACK,

2006). Diversas ONGs se envolveram com a campanha, como a China Association

for NGO cooperation (CANGO), a Green Earth Volunteers, Friends of Nature, Institute

for Environment and Development (IED), WWF China. As ONGs desempenharam

papel fundamental ao encorajar os hotéis, shoppings e restaurantes a aderirem à

campanha, apesar de muitos se mostrarem temerosos em não seguir os padrões

internacionais de temperatura.

O papel da mídia na área ambiental é fundamental, afinal, os meios de

comunicação influenciam fortemente as percepções do público sobre essas questões

(ENTMAN, 1993), induzindo a construção de significado da realidade, moldando a

tomada de decisão e o comportamento (TONG, 2014). O jornalismo é essencial na

criação de uma consciência de risco, pois traz ao público os tais riscos e interpreta-

os, buscando expor causas e consequências (BECK, 2010). O desafio das mídias

passa a ser conseguir mudanças na política capazes de resolver os problemas

expostos.

No caso chinês, é preciso destacar que a mídia tradicional é de propriedade

exclusiva e operada pelo Estado, sendo um porta-voz do Partido Comunista

(ENTMAN, 1993), como é o caso do China daily. Porém, com níveis decrescentes de

subsídios financeiros do governo e maior descentralização do aparato estatal, a mídia

passou a sobreviver na economia de mercado, conquistando maior liberdade para

discutir assuntos públicos, com um controle estatal mais relaxado em áreas vistas

como menos suscetíveis politicamente (XIE; VAN DER HEIJDEN, 2010).

A partir dos anos 1990, diversos problemas ambientais passaram a chamar

a atenção de jornalistas, com o incremento de episódios de tempestades de areia,

poluição, desertificação, desmatamento, e outros fatos, que começaram a aparecer

na mídia com maior frequência. Juntamente com o processo de descentralização

estatal, os meios de comunicação ganharam maior autonomia para apresentar os

problemas ambientais, sofrendo menor censura, afinal as preocupações ambientais

geralmente se enquadram nos objetivos coletivos, orientados por políticas nacionais

que visavam a melhoria ambiental (LIU; GOODNIGHT, 2016). As questões de

sustentabilidade e preservação ambiental são percebidas como temas que excedem

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os interesses individuais e agem em nome da humanidade, por isso são menos

controlados e sujeitos à censura (GRANO, 2012). O desejo do governo chinês de

modernização e progresso cria espaço político para as manifestações acerca dos

problemas ambientais na sociedade, e tal espaço possibilita exercer maior pressão

aos governos locais, resistentes em assumir suas responsabilidades na proteção

ambiental (LI, 2012). Tanto as mídias quanto as ONGs são influenciadas pelas

mesmas mudanças no sistema político, conquistando força, autonomia, espaço de

ação, ajudando a criar uma esfera pública, fortalecendo a sociedade civil e circulando

o recém criado discurso ambiental (YANG, 2005; JOHNSON, 2009). “Como um canal

para o público se envolver em questões de governança ambiental, esses atores não-

estatais são tolerados, aprovados e até incorporados no trabalho das agências

governamentais” (XIE; VAN DER HEIJDEN, 2010, p. 64)

A cobertura midiática cresceu exponencialmente na última década, porém,

os jornalistas são conscientes de seus limites de atuação, e criam alternativas para a

exposição de seus temas, sendo cautelosos em atribuir responsabilidades e

preferindo temas politicamente mais seguros, como aquecimento global, em

detrimento de temas mais controversos como energia nuclear ou impactos ambientais

e sua relação com a alta incidência de câncer (LIU; GOODNIGHT, 2016; YANG,

2010). Os jornalistas encontram-se em uma difícil posição, pois precisam “agradar e

servir dois senhores: os superiores do Partido que tem autoridade política sobre a

imprensa e o mercado, que coloca restrições econômicas sobre ele” (YANG, 2006, p.

56, tradução minha).

Segundo Wanxin Li (2012), de 1978 a 2008 o People’s Daily publicou 2.131

artigos sobre ambiente, sendo que mais da metade foi publicado no período de 1998

a 2008, o que evidencia o elevado nível de preocupação do público e do governo com

a questão ambiental, afinal, não é possível ignorar o descontentamento com a

situação ambiental.

A parceria entre as ONGs e as mídias impressas e televisivas permitiram a

difusão de mensagens ambientais ao grande público, funcionando como um

importante meio para a criação da esfera pública verde29, gerando um imaginário

social verde. Yang e Calhoum (2007) afirmam que a esfera pública verde é formada

29 Esfera pública verde é entendida como uma esfera pública do discurso ambiental, onde cidadãos e ONGs se engajam para debater questões ambientais e canalizar suas opiniões para influenciar políticas governamentais (YANG; CALHOUM, 2007).

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por três elementos: um discurso ambiental (greenspeak), o público que produz ou

consome greenspeak, e meios utilizados para produzir a circular o greenspeak.

No contexto chinês, a esfera pública é similarmente, mas mais amplamente, conceituada como “um espaço para o discurso público e a comunicação” (YANG; CALHOUN, 2007, p. 4), que poderia ser avaliada criticamente com base nos ideais normativos de Habermas para capturar empiricamente e refletir os aspectos mutáveis das relações entre Estado e sociedade e política na China transicional. Na arena ambiental, juntamente com o florescente movimento ambiental na China, surgiu uma “esfera pública verde” (YANG; CALHOUN, 2007, p. 2). Isso se refere a um espaço onde diferentes públicos se reúnem para articular questões ambientais, produzir e consumir discursos verdes e contar com a mídia para disseminação (SUN; GRAHAM; BROERSMA, 2018, p. 244, tradução minha).

Nesse sentido, a mídia é elemento central desse processo, assim como as

ONGs, que fornecem a base cultural para a produção e circulação do greenspeak, a

partir de programas de televisão e rádio, jornais, folhetos, cartazes, que inserem novos

vocabulários e conhecimentos. Termos como consumo sustentável, aquecimento

global, desertificação, desmatamento, biodiversidade, desenvolvimento sustentável,

passam a fazer parte da vida de pessoas que se identificam com as preocupações

ambientais. Para além de mero vocabulário, uma nova relação entre homem e

natureza passa a ser construída por intermédio das informações divulgadas pelas

mídias e ONGs, e no caso chinês há uma importante ênfase na participação e

voluntariado, no papel dos cidadãos e no esforço conjunto do governo com os

indivíduos.

Boa parte das ONGs ambientais priorizam a inserção das questões verdes

na esfera pública, por meio de campanhas que visam criar visibilidade e discussões

públicas sobre determinadas questões, conseguindo, muitas vezes, influenciar

políticas específicas, por meio da mídia impressa, de material de publicidade, etc.

Apesar do crescimento da esfera pública verde, críticos argumentam que

há limitações importantes ao seu crescimento, pois a maior parte do greenspeak é

produzido e restringido pelo governo, pelas elites, por especialistas, corporações e

ONGs, não envolvendo o público geral, ficando restrito aos membros das ONGs,

ativistas, intelectuais e setores da educação (EBERHARDT, 2015; SUN; GRAHAM;

BROERSMA, 2018). Porém, essa situação começa a se transformar graças à internet,

conforme veremos adiante.

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Arte como instrumento de difusão do greenspeak

Além do papel da mídia enquanto meio fundamental para difusão do

greenspeak, a arte, em suas várias formas, possui a capacidade de mobilização de

indivíduos, sensibilização com relação à temática ambiental, aumento da

conscientização, funcionando como meio privilegiado para influenciar e atuar na

experiência coletiva frente aos desafios ambientais que surgem com o processo de

modernização e urbanização.

A arte e sua força retórica são aspectos cruciais a serem considerados na crescente discussão ambiental na China por três razões principais. Primeiro, a arte é sempre política (RANCIÈRE, 2010). Arte tem sido amplamente utilizada em propaganda de movimentos, campanhas e recrutamento militar em numerosos países, incluindo os EUA e a China. Em segundo lugar, a arte é e tem sido uma força importante em movimentos ambientais em todo o mundo. Arte é usada pra divulgar informações, documentar abusos e vitórias, e provocar a contemplação, incentivando novas maneiras de considerar a degradação, crises e proteção. Finalmente, o governo central da China investiu pesadamente em arte chinesa na última década (CHEN, 2007)[...] Se quisermos entender melhor o agenciamento das questões ambientais que a China enfrenta, não podemos deixar de nos voltar para a arte (BRUNNER, 2017, p. 3-4, tradução minha).

A temática da natureza e da relação entre natureza e homem sempre

esteve presente na arte tradicional chinesa, influenciada diretamente pelos valores

morais confucionistas e pela sabedoria taoísta da harmonia cósmica. O período

maoísta rompeu com essa linha tradicional, influenciando pintores, músicos e poetas,

que passaram a expressar por meio da arte a noção maoísta de necessidade de

domínio da natureza pelo homem; o homem torna-se o elemento dominante, que

subjuga a natureza, ou seja, havia uma atitude antropocêntrica extrema em relação à

natureza. Os recursos naturais deveriam ser dominados para possibilitar a criação da

“utopia socialista” (SHAPIRO, 2001). Há a substituição do ideal de harmonia entre

homem e natureza pelo ideal de luta, com eliminação de características como

tranquilidade e serenidade, muito presentes nas pinturas tradicionais (YANG, 2016).

Tal visão aparece em diversos posters oficiais, em numerosas obras de arte e,

também, em canções, como essa apresentada abaixo, do período do Grande Salto

Adiante:

Não há Deus de Jade no céu, Nem Rei Dragão no fundo da água. Eu sou exatamente Deus de Jade e Rei Dragão.

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Lá vem meu alto clamor E todas as montanhas e vales abrirão caminho para mim. Lá vou eu! Ali estou eu! (YANG, 2016, p.4, tradução minha)

Com as mudanças econômicas, sociais e políticas advindas a partir da

década de 1980, com o desenvolvimento industrial e o crescimento econômico

ocupando o centro das atenções e direcionamentos políticos, a arte chinesa começou

a assumir uma nova forma, com transformações fundamentais vindas a partir do recuo

da ideologia maoísta, e avanço do domínio da estrutura de mercado e do anseio de

acúmulo de capital.

Diversos artistas residentes nos grandes centros urbanos começaram a

reconhecer o contraste existente entre o avanço econômico e a piora da degradação

ambiental, motivando novas temáticas que passam a estar presentes nas pinturas,

poemas, músicas, filmes. Há um deslocamento do caráter antropocêntrico da relação

homem e natureza, com incremento da consciência ambiental retratada de maneira

explícita por muitos artistas. Ao mesmo tempo há uma releitura da arte tradicional, a

partir da inserção da relação homem e natureza, ainda que por meio de críticas

explícitas à maneira como o homem tem afetado diretamente a natureza (YANG,

2016).

Shang Yang é um dos artistas chineses contemporâneos que por meio de

seus quadros busca mostrar as mudanças sofridas na relação entre a humanidade e

a natureza, denunciando os impactos ambientais causados pelo homem, numa leitura

crítica da realidade. Shang Yang acredita que por causa das ações humanas o mundo

se tornou frágil e vulnerável. Uma de suas séries mais conhecidas trata dos efeitos da

construção da hidrelétrica de Três Gargantas. A obra Dong Qichang Project-2 (figura

5 abaixo) retrata o desaparecimento das Três Gargantas, com peixes nadando no céu

e um submarino emergindo entre as montanhas, uma representação dos alagamentos

necessários para a construção da hidrelétrica. Os homens tornam-se deuses da

natureza, alterando a história de milhões de anos, submergindo toda beleza natural e

relíquias da cultura humana (YANG, 2016; WANG, 2011).

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Figura 5 – Obra Dong Qichang Project 2

Fonte: Shang Yang - The Dong Qichang Project-2 (2003) - 148x699cm.

Em uma entrevista, Shang Yang declarou:

Somos muito arrogantes para este mundo; embora todos estejam falando sobre esse assunto, nós ainda nos apegamos obstinadamente a esse caminho errado. Por exemplo, todos nós sabemos o dano da arma nuclear para a humanidade, mas ainda estamos produzindo mais. Eu acho que a humanidade é uma combinação de sabedoria e cegueira. Acredito que os artistas têm a responsabilidade de discutir essas questões para aumentar a conscientização entre mais pessoas (WANG, 2011, n.p. tradução minha).

A ideia de promover a conscientização ambiental entre as pessoas

também está presente na obra de Xu Xiaoyan, uma artista de Beijing, que retratou

como as mudanças no sistema econômico e o aumento do consumo impactaram o

ambiente de Beijing. Xiaoyan foi uma das primeiras artistas a desenvolver a arte com

foco ambiental no período contemporâneo. Seus trabalhos ganharam diversos

prêmios nacionais e internacionais, como o prêmio da US Freeman Art Foundation.

Grande parte de sua obra buscou mostrar o ambiente impactado pelo lixo, poluição,

contaminação. A artista vivenciou esse impacto pois morava em uma região rural de

Beijing e acompanhou na década de 1990 a expansão da cidade, das indústrias,

vendo de perto a alteração no ambiente natural. Sua morte, em 2012, em decorrência

de câncer de pulmão, pode ter sido mais um impacto dessa degradação ambiental

denunciada em suas obras (BRUNNER, 2017). Em toda sua obra está presente o

questionamento: afinal, o progresso obtido com o crescimento econômico,

modernização, desenvolvimento industrial, efetivamente gerou progresso?

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Figura 6 – Obra de Xu Xiaoyan

Fonte: Xu Xiaoyan – “A Small Gulley” 150x180cm (óleo sobre tela).

Muitos artistas contemporâneos buscam superar o dualismo

homem/natureza, a partir de processos que visam repensar o ambiente como um

resultado de relacionamentos e interações. Nesse sentido, a arte promove uma

provocação, uma conscientização. O desafio é criar respostas sobre o que pode ser

feito, é motivar a autorreflexão sobre as mudanças rápidas vivenciadas, as

transformações nos relacionamentos entre as pessoas e seu meio.

Refletindo sobre essas questões, Cai Guoqiang busca por meio de suas

obras e instalações mostrar como a destruição de uma interação tradicional com a

natureza causa desastres ecológicos e perdas da identidade cultural. Em sua obra

The Bund Without Us, presente na exposição The Ninth Wave que ocorreu na Power

Station of Art em Shanghai, é possível ver o famoso horizonte de Shanghai sem vida

humana, dominado pela natureza (DUGGAN, 2014). Simbolizaria o fim da espécie

humana? A vitória da natureza?

A arte ecológica adentrou também o campo das criações audiovisuais,

como é possível ver no filme chinês Personal Tailor (2013), no qual a cena final se

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passa em frente a um rio severamente poluído. O ator-diretor Yang Zhong faz um

discurso confessional, direcionado ao rio, de desculpas à natureza:

Eu queria me desculpar com você tantas vezes. Dizem que você é vil, poluído e venenoso. Mas eu lembro quando você estava limpo e puro. Eles dizem que a água é a mãe da vida. Veja o que seus filhos fizeram com você. Eu sei que isso é mais do que você pode suportar. Às vezes, eu me pergunto se você se arrepende, se arrepende de ter nos dado a vida... (YANG, 2016, p. 1, tradução minha)

A arte funciona, então, como instrumento de sensibilização e

conscientização da problemática ambiental, sendo um importante aliado das ONGs

na aproximação do público em geral com a natureza, fazendo uso dos sentidos para

conseguir despertar a sociedade para a realidade.

De maneira ainda mais explícita, a fotografia também é um recurso muito

utilizado, por registrar a realidade e conseguir evocar simpatia e noção de

responsabilidade, de uma maneira muito mais poderosa do que o uso apenas de

palavras.

Com enquadramentos seletivos e calculados, as representações visuais das questões ambientais são frequentemente vistas como um meio eficaz de influenciar o discurso público e as convenções de governança. A influência sociopolítica das representações visuais é alcançada não apenas pela exibição de fotos, mas também pela produção delas. O público, em vez de meramente ser o destinatário das imagens profissionais, é incentivado e auxiliado pelos especialistas chineses a segurar suas lentes e observar a natureza por meio de seus próprios visores (ZHANG; BARR, 2013, p. 37, tradução minha).

As ONGs foram grandes incentivadoras das expedições de fotografias, do

uso da fotografia para monitorar políticas governamentais, além de usarem imagens

para construir narrativas. Um exemplo do uso da fotografia para monitorar políticas

governamentais refere-se ao Da’erwen Nature Knowledge Club que divulga fotos de

poluição de rios no Weibo, com suas datas e locais, de modo a acompanhar e registrar

a situação desses rios. Outros usam a fotografia de maneira artística, como meio de

denúncia da situação ambiental, como é o caso de um casal de ativistas ambientais

que fizeram suas fotos de casamento em um dia extremamente poluído em Beijing, e

decidiram usar máscaras de gás como forma de protestos. Suas fotos foram

divulgadas na internet e milhões de pessoas visualizaram (figura 7).

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Figura 7 – Fotografia e protesto ambiental

Fonte: Reprodução Daily Mail, 201430.

A arte estimula o reconhecimento dos problemas ambientais, aumenta a

conscientização sobre os atos individuais, ilustrando de diversas maneiras como a

relação homem e natureza passou por uma ressignificação, que causou uma série de

impactos negativos. Porém, para além de denúncia dessa relação é necessário que o

público seja estimulado a repensar seu próprio papel na proteção ambiental.

Internet e as novas formas de ação e envolvimento ambiental

A internet é um recurso fundamental quando se analisa o desenvolvimento

histórico das ONGs ambientais chinesas, mas também da sociedade civil e da esfera

pública verde. Diversas ONGs ambientais nasceram online, em virtude da facilidade

de organização, baixo investimento e pouca mão de obra necessária. Outras ONGs,

como a Friends of Nature, fizeram amplo uso da internet para divulgar suas causas e

agendas, conquistar apoio público, mobilizar cidadãos em diversas atividades, a partir

30 Disponível em https://www.dailymail.co.uk/news/article-2569197/Chinese-couple-dont-let-smog-ruin-wedding-day-happily-pose-photos-wearing-GAS-MASKS.html

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de um uso proativo da internet. Diversas campanhas, conforme já visto anteriormente,

conseguiram a mobilização de cidadãos a partir dessa ferramenta de comunicação. A

primeira campanha a fazer uso da internet foi a campanha do antílope tibetano, que

fez um uso inovador da nova tecnologia, conseguindo mobilização e formação de

aliança entre diversas ONGs e demais interessados (LIU, 2011). Já a campanha do

Rio Nu começou fora da internet, mas aproveitou dos recursos da web para mobilizar

ativistas, que conseguiram disseminar informações para além das fronteiras

geográficas da China, alertando a mídia e as ONGs internacionais com um baixo

custo.

A grande vantagem da internet, em comparação com mídias tradicionais

como jornais, é o fato de possibilitar uma participação mais plena dos cidadãos na

criação e divulgação de textos, imagens, notícias, sendo mais do que apenas um

espaço de leitura e postagem. A internet, com seus fóruns online, listas de discussão,

blogs, faz um convite a uma nova forma de relação social, entre pessoas

desconhecidas, mas que possuem afinidades em comum. Discussão de interesses

comuns, entretenimento, notícias e experiências da vida diária são as principais áreas

de interesse dos internautas, tanto na China quanto nos países ocidentais (GORMAN,

2012).

Os sites das diversas ONGs oferecem oportunidades de aprendizado,

convidam o público a observar a natureza, a fotografar e compartilhar suas imagens,

a escrever sobre algo de seu interesse, respondem dúvidas técnicas, propõe soluções

e alternativas aos problemas cotidianos (LIU; GOODNIGHT, 2016). As ONGs também

criam campanhas diversas, que ajudam a despertar a atenção do público sobre

questões específicas, criando visibilidade na mídia e incrementando as discussões

públicas. O material produzido pelas ONGs e divulgados através da internet é um

contraponto às informações oficiais do governo, gozando de maior liberdade de

expressão, velocidade na difusão da informação, além de maior alcance e

interatividade (YANG; CALHOUN, 2007).

Guobin Yang (2003a) afirma que a internet facilita a criação de novas

instituições para a mudança social e novas formas de ação coletiva e organização

voluntária, permitindo que cidadãos comuns pudessem se associar e propor práticas

políticas de baixo para cima, algo inimaginável na década de 1990. Na visão de Yang,

a internet é responsável por esse novo tipo de vida associativa, que influencia o modo

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de fazer política, de acessar informações, de mobilizar opiniões. Yang (2003b)

defende que

a sociedade civil e a internet se energizam mutuamente em seu desenvolvimento co-evolucionário na China. A internet facilita as atividades da sociedade civil oferecendo novas possibilidades de participação cidadã. A sociedade civil facilita o desenvolvimento da Internet, fornecendo uma base social necessária para a comunicação e interação (YANG, 2003b, p. 405, tradução minha).

Sullivan e Xie (2009) afirmam que a ascensão do ambientalismo em um

momento de desenvolvimento da internet na década de 1990 não foi coincidência,

afinal a internet facilitou a criação de novas instituições para mudança social,

estimulando o desenvolvimento do ambientalismo. Sites sobre as questões

ambientais não foram criados apenas pelas ONGs, mas também por agências

governamentais, centros de pesquisas e páginas pessoais. As temáticas são variadas,

desde estilo de vida ambientalmente responsável até proteção de espécies

ameaçadas, reciclagem de lixo, educação ambiental.

O ciberespaço permite o crescimento e difusão de ativismos ao facilitar a

comunicação, difundir informações, num ambiente mais propício à pluralização, visto

ser mais fácil demonstrar discordância e expressar opiniões. Isso facilita um novo

modo de organização social da população ativista que se torna mais visível a partir do

aprimoramento na capacidade de divulgação e coordenação das atividades on-line,

atingindo mais facilmente os cidadãos que acessam a internet (SULLIVAN; XIE,

2009).

Por outro lado, a internet chinesa é conhecida mundialmente por sua

censura. O termo great firewall representa a capacidade de bloquear sites

indesejáveis e censurar termos em mecanismos de busca, como “1989”, “Falun

Gong”, “Massacre de Tiananmen”. O great firewall funciona a partir de programas que

filtram o acesso a sites estrangeiros e domésticos e censuram diversas palavras-

chave vistas como sensíveis politicamente. Essa censura atinge todos os internautas,

porém ela é facilmente contornável por diferentes métodos, a partir de servidores

proxy ou a partir de uma linguagem própria dos internautas, que substituem as

palavras censuradas por outras.

Desde o início da internet na China o governo se preocupa em manter um

controle político, ainda que para isso seja necessário restringir o fluxo de informação.

Um decreto de 1997 explicita que os usuários da internet eram proibidos de transmitir

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informações “prejudiciais”, “subversivas” e “obscenas”, que pudessem prejudicar os

órgãos nacionais e estaduais. Posteriormente, no início dos anos 2000, novas leis

impuseram que as empresas de internet se comprometiam com o “Compromisso

público sobre autodisciplina para a indústria da internet”, fazendo com que essas

empresas também se responsabilizassem pelas informações geradas e transmitidas.

Entretanto, os mecanismos das reformas econômicas das últimas décadas

fomentaram uma China conectada e menos censurada, requisitos para a ampliação

do comércio internacional e inserção em uma economia neoliberal (GORMAN, 2012).

Apesar da censura e da constante vigilância acerca das opiniões emitidas,

o espaço social virtual permite um maior grau de liberdade na formação de grupos e

na expressão de ideias, fortalecendo a sociedade civil e desafiando o monopólio do

governo sobre o fluxo de informações e sobre a criação de uma narrativa nacional.

Obviamente, o Partido e o governo adotam estratégias para conter esse fluxo de

informações, participando ativamente de fóruns de discussão, manipulando as

discussões a partir de internautas que são vinculados ao Partido, ou são pagos para

isso, e exercem influências a partir de seus microblogs e suas postagens. O

Departamento de Segurança Nacional também criou mais de 4.000 microblogs

oficiais, além de mais de 5.000 policiais terem seus próprios microblogs, criados com

o intuito de “espalhar energia positiva”, isto é, difundir as opiniões e informações

oficiais do governo (ZHANG; SHAW, 2015).

Por outro lado, as novas mídias sociais também fornecem condições para

o Estado entender a opinião pública, informar a população e monitorar a avaliação

pública sobre os serviços públicos, além de servir como uma importante válvula para

aliviar pressões sociais, ao permitir a manifestação de opiniões em terreno virtual e

não sob a forma de protestos e manifestações em ruas e praças públicas (ZHANG;

SHAW, 2015). A participação eletrônica também pode promover a inclusão do público

em ações participativas e deliberativas nos processos de tomada de decisão,

facilitando a interação entre governo e cidadãos.

A internet surgiu na China no mesmo período das ONGs ambientais, em

meados da década de 1990. A fundação da Friends of Nature, em 1994, coincidiu com

o início da internet, que contava com 10.000 usuários naquele ano. Em 1997 o número

saltou para 620.000 e em 1998 passou para 2,1 milhões (YANG, 2004). O crescimento

no número de internautas é exponencial, conforme gráfico abaixo, que mostra que no

período de 20 anos mais de 800 milhões de pessoas passaram a fazer uso da internet.

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Esse número é superior à soma de usuários dos Estados Unidos, Japão, Rússia e

México, sendo o país com o maior número de internautas.

Gráfico 7 – Número de usuários da Internet na China (1998-2018)

Fonte: BLOOMBERG BUSINESSWEEK, 2018.

Um período com crescimento significativo encontra-se na década de 2010,

graças à expansão do uso de smartphones, que permitem a conexão com a internet

a partir de celulares, o que aumenta a mobilidade, a facilidade de acesso, reduzindo

custos. Nessa década, efetivamente a população começa a fazer uso da internet, já

que na década anterior a internet estava disponível principalmente em empresas,

universidades, órgãos do governo e moradores das grandes cidades. Ainda que haja

uma concentração significativa de usuários na área urbana, a expansão da internet

entre a população rural está aumentando nos últimos anos, atingindo mais de 222

milhões, quase 27% do total de internautas (CHINADAILY, 2019).

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Gráfico 8 – Número de usuários de internet via celular

Fonte: HOSTING FACTS, 201831.

A internet passa a assumir uma dupla função dentro do movimento

ambientalista: ela pode ser uma ferramenta ou um espaço social. Enquanto

ferramenta, a internet divulga informações, petições online, campanhas; enquanto

espaço social, a internet permite a discussão de ideias, de contestação, e permite a

articulação de ações que são realizadas offline, isto é, relações sociais e pessoais

criadas no ambiente virtual são transpostas para fora da internet, facilitando

articulações e mobilizações estratégicas, propiciando a organização do movimento,

mesmo em momentos de escassez de recursos organizacionais e financeiros (LIU,

2011).

É inegável que a internet também promove a internacionalização dos

problemas ambientais chineses, da mesma forma em que facilita a formação de uma

sociedade civil transnacional, preocupada com a questão ambiental, que é

eminentemente um problema global. As ONGs internacionais, mas também os sites,

grupos de discussão, fazem amplo uso da internet como meio de informação e de

contato, conseguindo ultrapassar barreiras geográficas e menos suscetível à

repressão governamental. A internet propicia a formação de um público mais bem

31 Disponível em: https://hostingfacts.com/internet-facts-stats/

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informado, ciente dos acontecimentos no momento em que ocorrem, e das possíveis

consequências.

Nesse sentido, um episódio ocorrido em Xiamen, uma cidade costeira na

província de Fujian, ilustra a importância crescente da internet na mobilização popular.

O Taiwan Xianglu Group conseguiu aprovação do State Council em 2004 e da National

Development and Reform Commission (NDRC) em 2006 para construir uma enorme

fábrica de produtos químicos, que produziria 800.000 toneladas anuais de paraxileno

(PX), uma substância química usada na fabricação de plásticos, poliéster e produtos

de limpeza. O PX é extraído do petróleo em um processo que agride o meio ambiente

e traz riscos à saúde da população. A indústria geraria renda de 80 bilhões de yuans

por ano, numa região cujo PIB anual era de 110 bilhões, logo tal empreendimento

geraria um desenvolvimento econômico significativo para a região (JOHNSON, 2009).

Em março de 2007, durante a Sessão Parlamentar Anual da China, um

professor universitário apresentou uma moção, assinada por outros 105 membros da

Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e por seis cientistas da Chinese

Academy of Sciences (CAS), alegando que o local de instalação da indústria era muito

próximo de áreas residenciais, o que poderia ocasionar danos à saúde da população,

e um vazamento ou explosão colocaria em perigo milhões de vidas. Apesar da moção,

o governo local acelerou o início das obras de construção.

A mídia tradicional apresentou os fatos ao grande público, relatando as

preocupações dos cientistas e conselheiros. Os cidadãos de Xiamen começaram a

buscar informações sobre o paraxileno, principalmente via internet. Se a mídia

tradicional sofria censuras e não podia divulgar todas as informações sobre o caso e

o real perigo do paraxileno, pela internet o acesso às informações era possível,

desafiando o monopólio das informações que estava nas mãos dos funcionários

locais. Um “ativista cibernético”, Lian Yue, passou a disseminar informações sobre o

projeto PX, usando seu blog para incentivar os cidadãos a divulgarem e se oporem

aos planos da indústria de PX, alertando para os perigos do paraxileno.

As discussões online se iniciaram a partir das preocupações com a saúde

da população, mas avançaram em busca de caminhos para evitar que o projeto fosse

consolidado. Nesse cenário, estudantes universitários enviaram mensagens de

texto/sms para moradores de Xiamen, afirmando que a construção da indústria de PX

seria semelhante a explodir uma bomba atômica sobre Xiamen. A mensagem incitou

os cidadãos a participarem de uma passeata até a sede do governo local, em 1 de

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junho de 2007, como maneira de expressar o descontentamento dos moradores com

o projeto. Calcula-se que a mensagem chegou a mais de 1,5 milhões de moradores

da cidade (JOHNSON, 2009; LEE; HO, 2014).

Em 30 de maio o governo de Xiamen anunciou que o projeto foi suspenso.

As autoridades haviam sido alertadas do protesto que estava sendo articulado e da

mobilização via internet e SMS. Apesar do anúncio, o protesto pacífico ocorreu no dia

1 e 2 de junho, com quase 20.000 participantes. Dezenas de professores

universitários, médicos, além da elite da cidade, participaram da passeata, o que

atraiu ainda mais a atenção da mídia e das autoridades. Durante o protesto um blog

foi atualizado em tempo real, com informações e fotos do protesto, permitindo que

qualquer pessoa com acesso à internet se informasse sobre o que estava

acontecendo. Vídeos e relatos do protesto foram divulgados em diversos sites,

atraindo a atenção da mídia nacional e internacional, além de funcionários do governo

central, que apoiaram a posição dos manifestantes e aconselharam as autoridades de

Xiamen a repensar a aprovação do projeto (LEE; HO, 2014; GO; SUZUKI; QU, 2011).

A passeata foi condenada pelas autoridades locais, que afirmaram que as

queixas deveriam ser expressas pelos canais oficiais disponíveis. Como

consequência da passeata, as autoridades de Xiamen criaram novos canais de

comunicação com a população, que poderia fazer reclamações e comentários através

de e-mails, cartas e telefone. Audiências públicas foram marcadas e mais de 100

cidadãos foram convidados a expressar suas opiniões. Essas foram as audiências

públicas mais significativas desde o episódio do Lago do Palácio de Verão de Beijing,

e marcaram uma nova postura do governo local, que cedendo à pressão da população

passou a permitir a participação pública na avaliação dos grandes projetos. Em março

de 2008, as autoridades anunciaram que o projeto PX não seria instalado em Xiamen,

mas sim transferido para Zhangzhou.

O caso de Xiamen serviu de exemplo para diversas outras localidades,

como Chengdu, Dalian, Kunming, Moming, conforme veremos adiante no item 3.3,

onde analisaremos os protestos ambientais. É inegável que a articulação da

população foi facilitada pelo uso das novas mídias sociais, que difundiram

informações, atualizaram a população e mostraram a mobilização popular em tempo

real. Conforme afirma Guobin Yang (2003b), a internet e os sms oferecem uma arena

poderosa para a participação do cidadão fora do controle do Estado, com maior poder

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de articulação e difusão de informações. É a internet e as novas mídia sociais

funcionando como ferramenta e como espaço social.

Uma ferramenta virtual com forte impacto na difusão de informações

ambientais foi a criação de um mapa on-line de poluição da água pelo Institute of

Public & Environmental Affairs (IPE)32, uma ONG fundada pelo jornalista ambiental

Ma Jun em 2007, um dos mais famosos ativistas ambientais da China. Com o mapa

on-line qualquer pessoa podia consultar a qualidade da água em sua região, bem

como verificar quais eram as indústrias identificadas como violadoras dos padrões de

emissão (FÜRST; HOLDAWAY, 2015).

O IPE conseguiu apoio do governo, a partir de uma nova Lei de

Informações Ambientais, obtendo dados oficiais com mais de 50.000 registros, com

informações de empresas que foram penalizadas ou multadas por danificar o

ambiente ou violar leis. A plataforma visava a transparência de informações, com

objetivo de promover uma melhoria colaborativa na qualidade da água.

As atividades do IPE se expandiram e passaram a incluir dados de poluição

do ar e resíduos sólidos. Os mapas interativos permitiam que o usuário clicasse em

qualquer parte da China e conseguisse descobrir o nível de vários poluentes nessa

área e suas fontes principais (HADDAD, 2015). O banco de dados do site apresentava

também informações de inspeção do governo nas empresas e o cumprimento ou não

das regulamentações ambientais. Ma Jun, o fundador da ONG e idealizador do mapa

interativo, ganhou diversos prêmios nacionais e internacionais, sendo considerado

uma das personalidades mais influentes do mundo pela revista Times, em 2006. Ma

Jun escreveu, em 1999, o livro China Water Crisis, que tem sido comparado com Silent

Spring de Rachel Carson, pela forma como aumentou a conscientização pública sobre

os problemas ambientais da China (HADDAD, 2015).

32 Site da ONG: www.ipe.org.cn

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Figura 8 - Mapa de qualidade do ar disponibilizado pelo IPE

Fonte: Print screen do mapa disponível no site (dados do dia 07 de agosto de 2019)33

Com o reconhecimento internacional, diversas corporações passaram a

procurar o IPE para monitorar seus fornecedores alocados na China. Um exemplo foi

o Walmart, que desde 2005 assumiu compromissos de sustentabilidade nas suas

cadeias de suprimentos e buscou usar o banco de dados do IPE para descobrir se

efetivamente seus fornecedores estavam cumprindo as regulamentações ambientais

locais (HADDAD, 2015). Para atender ao grande interesse pelo banco de dados, o

IPE acabou criando uma coalização de ONGs capazes de atualizar os dados, fazer

auditorias e gerar relatórios, envolvendo mais de 50 ONGs ambientais. Com o uso da

ferramenta, multinacionais como Apple, Nike, Unilever, Coca Cola, General Electric,

Hewlett-Packard, H&M, Gap, entre outras, eliminaram os piores poluidores de sua

cadeia de fornecimento na China (LEVITT, 2015).

Em 2015 o IPE lançou o aplicativo Bluesky Map, criado para ser utilizado

nos celulares, permitindo um acesso fácil e rápido às informações ambientais, a partir

da divulgação dos mapas de poluição com dados em tempo real, algo inédito em todo

mundo (LIU, 2015).

Em entrevista à ChinaDialogue, Ma Jun afirmou:

33 Disponível em http://wwwen.ipe.org.cn/AirMap_fxy/AirMap.html?q=1

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Quando lançamos o mapa da poluição em 2006, esperamos mostrar a todos as consequências da poluição. Agora, essas consequências são de conhecimento comum e é hora de levar as coisas para um novo estágio: não apenas estar ciente do problema, mas trabalhar para consertá-lo. [...] A versão 2.0 adiciona mapas de qualidade da água; dados de qualidade do ar em tempo real para 380 cidades, acima dos 190 anteriores; e dados de poluição de 9.000 empresas, contra 4.000 na versão anterior. Também adicionamos previsões do tempo e conselhos sobre se você deve ou não usar uma máscara, abrir janelas ou realizar atividades ao ar livre (LIU, 2015, n.p., tradução minha).

Com a piora da qualidade do ar, em meados da década de 2010, a consulta

aos aplicativos que divulgavam a qualidade do ar se transformou em prática cotidiana

para milhões de chineses, que vivenciando os impactos ambientais, a péssima

qualidade do ar, passaram a se interessar cada vez mais pela problemática ambiental,

fazendo uso intenso da internet como meio para obter informações. “Para Ma Jun, é

a participação ativa dos cidadãos que será fundamental para forçar o governo local e

a indústria a agir” (LEVITT, 2015, p. 2, tradução minha).

As ONGs ambientais também fizeram uso dos dados divulgados de

poluição pelo site do IPE, para mobilizar a opinião pública contra empresas poluidoras,

pressionando tais empresas a tomarem ações para evitarem os danos ao ambiente.

Fornecedoras da Timberland, marca de calçados conhecida mundialmente, foram

convencidas a operar dentro da legalidade, após denúncias ao jornal South China

Morning, que mostravam como as empresas haviam desrespeitado a legislação

ambiental por mais de seis anos (GRANO, 2012). Esse é apenas um exemplo entre

vários episódios ocorridos a partir da divulgação dos dados pelo IPE e pelo Bluesky.

Por trás do IPE, do Bluesky e de outras plataformas semelhantes, encontra-

se a pergunta chave: como os ativistas e formuladores de políticas podem incentivar

melhor comportamento ambiental em um contexto de má execução governamental?

A resposta visa mostrar que tais plataformas podem incrementar os esforços para

melhorar a governança ambiental, a partir de plataformas baseadas em transparência,

com baixo custo relativo, e que podem conquistar resultados, mesmo na ausência de

mudanças legais ou gastos públicos adicionais, a partir da mobilização de forças do

mercado, principalmente no caso de empresas que fazem parte da cadeia de

fornecimento global de grandes marcas, além da mobilização da opinião pública

(HADDAD, 2015). A plataforma do IPE busca favorecer a coordenação de múltiplos

atores sociais (governamentais, corporativos, ONGs), criando incentivos positivos de

mercado, sociais e políticos de forma a melhorar o comportamento ambiental.

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A preocupação com a qualidade do ar motivou a campanha My air quality

diary: monitoring the air round us together, iniciada pela ONG Green Beagle34, de

Beijing, em 2011. Voluntários carregavam monitores compactos que registravam a

qualidade do ar ao longo do dia. Os dados alimentavam um mapa da qualidade do ar

de Beijing. A partir disso, diversas ONGs, de várias localidades, começaram a

convidar o público a monitorar e divulgar dados dos níveis de PM2.5.

Nosso objetivo não é estabelecer uma autoridade cívica rival sobre a qualidade do ar para o conjunto de dados do governo. É impossível produzir dados cientificamente abrangentes e confiáveis a partir das máquinas compactas que estamos usando...nós só queremos usar o processo de voluntariado como uma forma de envolver mais pessoas, e levar as pessoas à discussão de como isso está relacionado à nossas vidas. Quanto mais cedo ele [PM2.5] se tornar um tópico de que todo mundo está falando na rua, mais cedo o governo sentirá a pressão para divulgar seus dados e adaptar um sistema de monitoramento (ZHANG; BARR, 2013, p. 72, tradução minha).

A campanha de monitoramento da qualidade do ar apresentava um apelo

patriótico, de preocupação com a situação do país, conseguindo com isso escapar de

sanções governamentais e estimular a participação pública em prol do bem da nação.

Tal campanha exemplifica a atuação das ONGs ambientais, que não questionam

diretamente as ações governamentais, mas consegue influenciar a opinião pública de

modo a pressionar o governo a adotar progressos ambientais.

O monitoramento do PM2.5 passou a ser objeto de estudos acadêmicos no

início dos anos 2010 e conforme Grano (2012) afirma, tal fato se tornou um problema

político, visto que permitiu comparar com os dados fornecidos pela embaixada

americana, pelo Projeto Harvard China, mas também porque comprovava a

incapacidade política de lidar com o problema e de manter bons índices, como ocorreu

durante a Olimpíada de 2008 ou durante a Expo Shanghai 2010, eventos

internacionais que ocorreram com bons índices de poluição em virtude de ações

governamentais restritivas criadas para garantir a redução dos poluentes durante os

eventos.

O exemplo da IPE, seus mapas informativos, e campanhas de

monitoramento do PM2.5 mostram que as ONGs, ao longo do tempo, passaram a

despertar a preocupação popular sobre o tema ambiental, assim como conseguiram

promover negociações com o governo e com empresas em busca de melhorias

34 Site da ONG: www.bjep.org.cn

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ambientais, incentivando a transparência de informações e a participação pública mais

efetiva, numa clara mudança do papel das ONGs ambientais ao longo dos anos 2000

até os dias atuais.

Dessa forma, é possível reconhecer que o surgimento da esfera pública

verde ocorre a partir do envolvimento dos cidadãos, das ONGs, do uso da internet,

das mídias alternativas e tradicionais, consolidando um momento de interpenetração

e mútua formação e reconfiguração do Estado e da sociedade (YANG; CALHOUM,

2007). As novas ferramentas e os novos espaços sociais contribuem para a

governança ambiental e o desenvolvimento da sustentabilidade, permitindo e

encorajando ações comunitárias que abordem as diversas preocupações ambientais.

A internet revolucionou a forma como os cidadãos organizam e se engajam no

ativismo na China (MATSUZAWA, 2012).

3.3 Protestos ambientais e mobilização social

Apesar dos esforços para garantir a participação pública a partir das leis de

2003 e 2005, com as Avaliações de Impactos Ambientais, muitos obstáculos

permaneceram, com o público limitado a desempenhar um papel reativo na proteção

ambiental, a partir da implementação de canais para reclamações e denúncias

(JOHNSON, 2010).

A ausência de meios adequados para a participação popular, somada à

ausência de reparação dos problemas ambientais denunciados pelos canais oficiais

(hotlines, cartas, visitas aos EPBs), aumento da degradação ambiental, maior acesso

à informação por meio das mídias, são elementos que explicam o crescimento no

número de protestos motivados por questões ambientais.

O governo chinês, reconhecendo a necessidade de implementar esforços

para controlar a poluição e a degradação ambiental, publicou a partir de 2007 novos

regulamentos que visavam a disseminação de informações ambientais e leis de

transparência, além de novos adendos à Lei de Proteção Ambiental, que passavam a

garantir os interesses ambientais dos chineses, assegurando o direito à informação,

permitindo que vítimas de poluição pudessem intentar ações judiciais contra os

responsáveis, encorajando a participação pública, ainda que a lei não esclarecesse

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os procedimentos para garantir essa participação. O esforço em forma de lei continuou

a ser limitado, não assegurando mecanismos adequados para o envolvimento dos

cidadãos com os problemas ambientais (GO; SUZUKI; QU, 2008). Ademais, é

possível reconhecer que as leis da China se concentram em incidentes coletivos, já

ocorridos, ignorando a prevenção, essencial para evitar a ocorrência dos danos.

Nesse sentido, muitos protestos ocorrem na tentativa de reparação de danos já

ocorridos (XIN, 2014).

Os anos 1990 foram marcados por poucos protestos e os que ocorreram

foram esvaziados, reflexo direto do episódio de 1989. O governo chinês foi bem-

sucedido em cooptar e controlar a maioria dos membros da elite, que poderiam

apresentar uma contra força ao regime. Foram criados mecanismos institucionais para

absorção dos descontentamentos e queixas graves, como as cartas e as visitas aos

escritórios do governo (MATSUZAWA, 2012; STEINHARDT; WU, 2015).

O cenário começou a mudar nos anos 2000, com aumento exponencial no

número de protestos, considerados “incidentes de massa” pelo governo. Segundo

David Zweig, o crescimento no número de protestos é resultado da busca por justiça,

que passa a ser cada vez mais almejada pela população (CHINA WATER RISK,

2012). Megan McCulloch (2015) afirma que nos anos 2000 o crescimento da

sociedade civil foi visível e a classe média passou a ter mais interesse em problemas

sociais, preocupando-se, principalmente, com o ambiente e os impactos à saúde. Os

protestos também são motivados por questões trabalhistas, por melhores condições

de vida, por terras, além daqueles motivados por questões ambientais.

Os números sobre protestos são imprecisos, visto que a divulgação dos

incidentes é controlada, com poucas notícias e informações oficiais a respeito.

Em 2004, houve 74.000 protestos na China, acima dos 10.000 da década anterior. Muitas vezes referidos como “incidentes de massa” pelo PCC, os números continuaram a subir com até 180.000 relatados em 2014. Os protestos na China não são um novo fenômeno, mas, historicamente, eles lidaram com os interesses econômicos e políticos, em questões como confisco de terras impostos e taxas, trabalho, pensões e corrupção. Na última década, no entanto, os funcionários viram a ascensão de questões ambientais e poluição, com um funcionário (aparentemente de nível nacional) afirmando recentemente que “a poluição substituiu as disputas de terras como a principal causa de inquietação social na China” (McCULLOCH, 2015, p. 185, tradução minha).

A globalização, o fortalecimento da sociedade civil, o desenvolvimento das

ONGs ambientais, a intensificação da degradação ambiental, a proliferação das

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mídias sociais, são elementos essenciais para o aumento no número de protestos,

além de elementos específicos da sociedade chinesa, como a tradição confuciana de

clamar às altas autoridades para que promovam a reparação de erros (SHAPIRO,

2012). Bingqian Ren (2010) afirma que apesar da maioria dos estudiosos retratarem

a sociedade civil chinesa a partir do estudo das ONGs, as ações de indivíduos que se

opõem à poluição ou à potencial ameaça de poluição recebem pouca atenção, porém

os protestos se tornaram mais frequentes, sinalizando a necessidade de novos

estudos acerca dessas ações. Benjamin Van Rooij (2010) também defende que

estudos sobre o ativismo ambiental, por meio dos protestos, podem contribuir para

entender a mudança nas relações entre Estado e sociedade na China, visando captar

como os cidadãos desenvolvem estratégias para lidar com as restrições políticas em

um sistema político como o chinês.

(...) desde 1999, a taxa média de crescimento anual dos protestos ambientais na China foi de 29%, um aumento que colocou novos desafios ao governo e à governança. De fato, os protestos ambientais compreendem a maioria das ações coletivas em larga escala na China, representando 50% dessas ações com pelo menos 10.000 manifestantes (XUE; SHEN; ZHAO, 2018, p. 190, tradução minha).

A SEPA declarou que, em 2005, houve mais de 510.000 casos de conflito

público motivados por graves problemas ambientais, além de um crescimento de 29%

ao ano dos “incidentes sociais de grande escala”. Os indivíduos tentam se articular

dentro dos limites da lei, evitando formas violentas de ação social, tentando apenas

chamar a atenção para a violação dos seus direitos constitucionais e legais, como

ocorreu em Xiamen (VAN ROOIJ, 2010). O protesto de Xiamen em 2007, visto no item

3.2.2., marca um novo momento em que a população percebeu que era possível

atingir seus objetivos a partir dos protestos. Desde então aumentou o número de

mobilizações de larga escala contra o potencial de poluição, com inúmeros protestos

similares ocorrendo em outras cidades chinesas, como em Dalian, Shifang, Qidong,

onde o ambiente foi protegido a partir da ação de dezenas de milhares de pessoas

que foram às ruas para evitar a construção de indústrias de PX, de incineradoras, a

instalação de aterros sanitários, a construção de hidrelétricas. Por conta disso, Tang

Hao afirma que “na China, o ‘movimento ambiental’ costumava significar lobby de

ONGs, relatórios acadêmicos e universitários. Agora inclui pessoas comuns em

protestos de rua em larga escala” (TANG, 2013, n.p., tradução minha).

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O incremento no número de protestos pode ser compreendido a partir da

microperspectiva, focada na ação individual, e da macroperspectiva, focada na ação

coletiva. A microperspectiva reconhece alguns fatores fundamentais para

compreender o engajamento ambiental: informação disponível, percepção dos riscos

ambientais, reconhecimento da responsabilidade individual, interesses individuais,

conhecimento prévio sobre a problemática ambiental. Já a macroperspectiva busca

compreender os protestos ambientais a partir da legislação ambiental existente, traços

culturais, fatores econômicos e políticos (XUE; SHEN; ZHAO, 2018).

Na macroperspectiva é possível reconhecer que o desenvolvimento da

mídia e da Internet, o aumento no número de jornalistas e o surgimento de líderes

criadores de opinião na Internet, possibilitaram oportunidades para moldar e mobilizar

identidades coletivas latentes, além de despertar questões de interesse público

(STEINHARDT; WU, 2015).

Van Rooij (2012) argumenta que por causa da tendência do Estado chinês

de conceder concessões em resposta a protestos, os cidadãos que se veem afetados

por falhas regulatórias se sentem motivados a se engajarem em ações contenciosas

a fim de obter reparação. Reparação do dano ou prevenção do dano são os fatores

motivadores dos protestos em Xiamen, mas também no episódio das hidrelétricas do

Rio Nu, e em tantos outros protestos ocorridos:

- Em Liulitun (Beijing), em 2007, proprietários de imóveis se opuseram à

construção de um incinerador. Resultado: projeto suspenso e realocado.

- Em Shanghai, cidadãos protestaram contra a extensão planejada da linha

de trens de levitação magnética (Maglev) por preocupações com possíveis radiações.

Resultado: suspensão do projeto.

- Em Dalian, cidadãos marcharam contra a construção de uma usina de

PX. Resultado: autoridades prometeram realocar a fábrica para parque industrial.

- Em Kunming, em 2013, moradores protestaram contra a construção de

uma usina de PX. Resultado: o governo local se comprometeu a fazer o relatório de

avaliação do impacto ambiental, com participação popular.

-Em Jiangmen, em 2013, moradores se opuseram à construção de uma

usina de enriquecimento de urânio. Resultado: o governo local cancelou o projeto

(JOHNSON, 2016).

Os protestos ambientais podem ser classificados em dois tipos: reativos

ou preventivos. São reativos quando os protestos são induzidos por uma poluição

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ocorrida ou um dano ambiental, isto é, eles respondem a algo que já aconteceu e

solicitam reparações ou punições. Já os protestos preventivos acontecem antes do

efetivo dano ambiental, eles se antecipam ao problema, e requerem uma atuação

governamental de forma a evitar o dano previsto (VAN ROOJI; STERN; FÜRST, 2016;

XUE; SHEN; ZHAO, 2018). Exemplo de protestos reativos são os protestos contra as

indústrias de incineração de Wuxi, na província de Jiangsu, onde os moradores locais

foram diretamente afetados pelas altas emissões de poluentes, com significativo

aumento nos casos de enfisema pulmonar, câncer e mortalidade infantil (XUE; SHEN;

ZHAO, 2018). Tais protestos se direcionam à empresa responsável e ao governo

local, cobrando medidas imediatas para atendimento da população atingida, mas

também solicitando o fechamento da empresa e mudança para local afastado das

áreas residenciais.

Já os protestos preventivos se direcionam às autoridades governamentais,

às empresas passíveis de causar dano ambiental, mas também visam conseguir apoio

popular a partir da divulgação dos protestos nas mídias sociais. Entre os protestos

preventivos destaca-se o chamado NIMBY (not-in-my-backyard – não no meu quintal),

que se tornou comum na China após protestos em Xiamen, em 2007.

O termo NIMBY é utilizado desde 1980, nas ciências sociais, para

categorizar os protestos de comunidades contra ameaças locais. Esse tipo de protesto

é muitas vezes ridicularizado na imprensa, que interpreta-o como uma questão de

particularismo versus interesses gerais, interesses pessoais versus o bem público. A

ideia de “oposição localizada a uma preocupação ambiental específica” (ZHANG;

BARR, 2013) pode ser encontrada em protestos que visam suspender a construção

de plantas industriais em determinada região, mas quando as autoridades informam

a mudança do local de instalação, os ativistas não mais expressam sua opinião.

Muitas vezes é interpretado apenas como defesa dos interesses pessoais dos

ativistas, que diverge de uma conscientização ambiental ampla.

Muitas vezes, os protestos contra a poluição são erroneamente descritos como “não no meu quintal”. No entanto, essa interpretação não nos permite entender o que está acontecendo porque não se trata de proteger os interesses particulares. [...] são eventos muito importantes que reúnem pessoas de todas as classes sociais, tanto camponesas como urbanas de todas as classes econômicas. [...] essas pessoas mobilizam-se de forma preventiva, contra a construção de fábricas de produtos químicos, grandes projetos de infra-estruturas ou incineradoras, devido aos riscos que eles imaginam que isso poderia causar em termos de saúde pública e proteção do patrimônio (ALVAREZ, 2016, n.p., tradução minha).

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Entretanto, esse tipo de protesto, pode ser entendido como uma resposta

local realista a um problema decorrente de falhas nas políticas nacionais ou locais,

que são mal implementadas. Thomas Johnson (2009) afirma que nos protestos

NIMBY temos os ativistas de interesses privados, que nem sempre são reconhecíveis

como ambientalistas, pois fazem campanha pelo direito de desfrutar de um ambiente

limpo no lugar em que vivem, porém, apesar disso, esse tipo de ativismo é um fator

importante na promoção de responsabilidade, transparência, participação e

aprimoramento de um Estado de direito na China. Os protestos NIMBY buscam, na

maioria das vezes, uma reestruturação no processo de implantação das políticas

locais, sendo meios eficazes para envolver pessoas que não eram politicamente

ativas no passado, não se envolviam com ONGs ou outras formas de ativismo

(HAGER; HADDAD, 2015).

Paul Harris (2006) afirma que o desconhecimento acerca das questões

ambientais globais e dos danos ambientais numa perspectiva nacional e global motiva

os protestos NIMBY, visto que é mais fácil motivar protestos e reivindicações quando

se trata de questões domésticas, que ocorrem no tempo e no espaço próximo ao

indivíduo. Dessa forma, é mais frequente o ativismo relacionado a questão do

saneamento, da água potável, da poluição no nível local, do que protestos que visem

questões nacionais e muitas vezes não vivenciadas na localidade, como por exemplo

chuva ácida, desertificação, desmatamento, que são interpretadas como de menor

importância quando comparado ao dano que é cotidianamente vivido no “seu quintal”.

Lee e Ho (2014) defendem que os protestos facilitam os brotos do ambientalismo

urbano a criarem raízes no nível regional e nacional na China, partindo de ações locais

que conseguem atingir outras regiões, despertando o ativismo ambiental entre outros

cidadãos.

Os protestos NIMBY podem resultar em mudanças institucionais

significativas assim como promover inovações nos processos decisórios e de

governança. No caso chinês, os protestos indicam uma crescente demanda

participativa entre a classe média e elites sociais, que juntas promovem uma aliança

em nome do público. “Os ativistas do NIMBY tentaram promover a responsabilidade

liderada pela sociedade que vai além da responsabilidade limitada pelo Estado contida

no mecanismo de supervisão pública” (JOHNSON, 2014, p. 12, tradução minha).

Como as manifestações, na perspectiva do MEP, desempenham um papel

importante no funcionamento e aplicação das leis ambientais, que costumam ter

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graves falhas na implementação e execução, há uma tolerância com essas

manifestações, mesmo em períodos de forte repressão da sociedade civil. A pressão

criada pelos ativistas promove reflexão acerca da governança ambiental, e estimula,

inclusive, a ação de ONGs, que passam a reconhecer que os protestos alimentam

alianças políticas e econômicas, que barram projetos que não tiveram aprovação ou

que claramente ocasionarão impactos ambientais, sociais e econômicos (ALVAREZ,

2016). Estabelece-se um embate entre as autoridades locais e Beijing, que orienta

que “as queixas locais, especialmente as reclamações coletivas, sejam resolvidas em

casa. Protestos levados até Beijing podem afetar as carreiras de funcionários locais

que se recusam a agir para resolver os problemas” (CHINA WATER RISK, 2012, n.p.,

tradução minha).

Alguns protestos acabam de forma violenta, com repressão pelas

autoridades locais. Elementos como o reconhecimento dos riscos pelos moradores

locais, a ausência de respostas do governo a longo prazo, métodos impróprios de lidar

com os protestos, falta de clareza nas tomadas de decisões governamentais, são

elementos fundamentais para desencadear um protesto violento. Nesses casos,

diversos manifestantes são presos e pessoas ficam feridas. Um outro fato intensifica

o problema: a imprensa e as mídias sociais sofrem constante censura e muitas vezes

não podem divulgar tais protestos e seus desfechos.

Alguns termos, como protesto ambiental, se utilizados para busca no site

Baidu tieba (maior plataforma de comunicação chinesa) receberão o seguinte aviso:

Desculpe, de acordo com as leis, regulamentos e políticas relevantes, esta pesquisa

está temporariamente indisponível (抱歉,根据相关法律法规和政策,本吧暂不开放).

Outra forma de censura muito utilizada é a proibição de compartilhamento de fotos a

partir de regiões próximas aos protestos ocorridos. As autoridades solicitam um

bloqueio nos IPs (internet protocol) da região, proibindo a divulgação de imagens. Por

fim, em aplicativos como o Wechat (semelhante ao Whatsapp) algumas palavras

também sofrem censura, de forma a evitar a divulgação de informações sobre fatos.

Em diversos episódios, os protestos ambientais estimulam a adoção de

canais participativos aptos a envolverem os cidadãos nas decisões de localização,

planejamento e projetos de infraestrutura urbana, promovendo mudanças políticas

que não são determinadas apenas pelos protestos, mas também são resultados das

respostas das autoridades locais, e da coalização entre as partes interessadas

(GRANO, 2016). Por trás do entusiasmo do governo em criar meios para garantir a

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participação pública, há a preocupação com o aumento dos protestos e da agitação

social desencadeada por problemas ambientais, que despertam grande apreensão

entre as autoridades, que temem ameaças ao poder político e questionamento da

legitimidade do governo central (JOHNSON, 2009). O crescimento dos protestos não

sinaliza apenas que eles estão ocorrendo com maior frequência, mas indicam que

eles estão sendo relatados na mídia nacional e internacional com maior frequência, o

que aumenta os desafios na manutenção da estabilidade do governo chinês

(McCULLOCH, 2015). Além disso, cada protesto bem-sucedido serve de exemplo

para um próximo, criando uma rede dinâmica de ativismo, que pode tomar proporções

incontroláveis. Por isso o Estado controla rigidamente as informações, coloca

restrições à liberdade de organização e muitas vezes não responde as reclamações,

evitando que os novos atores ambientais causem insatisfações com o poder político

(VAN ROOIJ; STERN; FÜRST, 2016).

Megan McCulloch afirma que

a ascensão de protestos é um sinal de que as pessoas estão dispostas a se engajarem em ações contenciosas para desafiar o Estado em questões que afetam diretamente sua saúde e bem-estar”. Com essa ascensão, cresce também a sociedade civil. [...] A teoria dos movimentos sociais explica o crescimento de protestos ambientais como o próximo passo para construir um movimento ambiental abrangente (McCULLOCH, 2015, p. 80, tradução minha).

Importante destacar que na grande maioria dos episódios de protestos não

há quaisquer ONGs envolvidas, visto que se envolver nos protestos gera grandes

riscos políticos a essas organizações. As ONGs mantêm uma clara distância da

participação, tendo seu papel limitado pelas autoridades políticas, mantendo uma

posição não conflituosa. Apesar de não participarem, as ONGs reconhecem as

conquistas obtidas com tais demonstrações, que fortalecem a sociedade civil e o

ativismo verde (REN, 2010).

Os protestos da China raramente têm coordenação externa de ONGs verdes; em vez disso, como especialistas observam, algumas ONGs começaram a usar o ímpeto de protesto para pressionar por reformas regulatórias e legais e que melhorarão as proteções ambientais (LIU; GOODNIGHT, 2016, p. 5541, tradução minha).

Conforme afirmam Joy Zhang e Michael Barr (2013), a sociedade civil verde

na China está ajudando a fazer as regras, ao invés de apenas segui-las. Os protestos

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mobilizam a população e as ONGs aproveitam o momento para reivindicar melhorias

ambientais.

Como Han Shi e Lei Zhang mostram, o Estado desempenhou um papel dominante nas fases iniciais do regime ambiental da China, enquanto a indústria e associações cívicas tinham pouca ou nenhuma influência. O Estado era representado principalmente por agências administrativas, incluindo departamentos ambientais e organizações econômicas; legislativo, judiciário, instituições sociais e o público participaram marginalmente. Nos últimos anos, os cidadãos tornaram-se muito mais ativos e hábeis em lutar contra o Estado (GRANO, 2016, p. 136, tradução minha).

Na análise de Ole Bruun (2013), ainda que as mobilizações sofram

represálias, elas podem ser uma maneira de a partir de uma questão local desafiar o

sistema político como um todo. Entretanto, em virtude da complexidade da situação

chinesa, Bruun reconhece ser imprevisível o resultado das mobilizações e a reação

governamental.

Apesar de avanços conquistados a partir dos protestos, muitos obstáculos

ainda permanecem, dificultando a participação pública:

O público tem se limitado a desempenhar um papel reativo de proteção ambiental, com canais como linhas diretas de reclamações, resultando em um nível insatisfatório de participação. Outros problemas incluem falta de acesso à informação, baixos níveis de consciência ambiental, uma cultura que favorece soluções top-down para problemas públicos e restrições políticas sobre ONGs e outros ativistas decorrentes do autoritarismo do sistema político do país (JOHNSON, 2010, p. 431, tradução minha).

É nesse cenário que passaremos a analisar o desenvolvimento das ONGs

ambientais na China, na década de 2000, que passa a ser fortemente influenciado

pelos protestos, pelas mídias, internet, novas leis, consolidação da sociedade civil,

etc.

3.4 O avanço das ONGs na década de 2000

A partir de alguns autores, como Lester Salamon (1994), Robert Wuthnow

etc, é possível afirmar que as ONGs podem ser entendidas como parte do chamado

“terceiro setor”, onde as atividades exercidas não são coercitivas (como é o caso do

setor governamental), nem são voltadas para o lucro (que é o caso do mercado). O

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terceiro setor visa atender as necessidades coletivas e muitas vezes públicas

(COELHO, 2000).

A análise de experiências ocidentais sobre o surgimento das ONGs

ambientais e do movimento ambientalista sugere que há uma catalisação de forças

sociais, de baixo para cima (bottom-up), a partir da necessidade de atender às

demandas da sociedade civil que se depara com os problemas ambientais.

David J. Frank, Wesley Longhofer e Evan Schofer (2007) identificam que a

representação convencional da relação entre as ONGs e as políticas nacionais,

baseada em análises de contextos ocidentais com influência de ideologias

funcionalistas e ideais democráticos, estabelece que há um desenvolvimento linear

que parte da degradação ambiental. A degradação cria um objeto de reivindicação

pela sociedade civil, que estabelece ONGs ambientais. Essas ONGs visam promover

reformas nas políticas nacionais de forma a conquistar melhorias ambientais. Os

autores afirmam que esse modelo é comumente adotado para explicar o surgimento

das ONGs ambientais, porém, no caso chinês, há uma mudança radical desse

modelo.

Figura 9 – Representação convencional do surgimento das ONGs ambientais

Fonte: adaptado de FRANK; LONGHOFER; SCHOFER, 2007.

Conforme visto no capítulo anterior a preocupação ambiental chinesa é

motivada, primeiramente, pela Conferência de Estocolmo, pelo interesse da China em

se abrir para o mundo e se modernizar. A partir disso, o Estado é o ator principal na

condução de políticas ambientais e as ONGs ambientais vão surgir apenas na década

de 1990, após o reconhecimento governamental da necessidade de criar ONGs, afinal

a China participou dos debates da ECO 92 e estava disposta a promover melhorias

ambientais. Nesse cenário, o país se abre para as ONGs internacionais, e controla o

degradação ambiental

local

surgimento das ONGs

ambientais

estimulam reformas na

Política Nacional

melhoria ambiental

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surgimento e desenvolvimento das ONGs domésticas. Tal surgimento está distante

do modelo no qual a sociedade civil identifica a degradação ambiental, começa a

protestar e reconhece a necessidade das ONGs, num padrão bottom-up de

implementação de reformas políticas.

Em contraste com a literatura dominante, propomos que ONGs ambientais domésticas e reformas das políticas nacionais derivam da sociedade mundial (MEYER et al., 1997), fluindo do número sempre crescente de tratados internacionais ambientais, organizações não-governamentais internacionais e organizações intergovernamentais que formam as bases do regime ambiental mundial (FRANK; LONGHOFER; SCHOFER, 2007, p. 282, tradução minha).

Obviamente que o desenvolvimento histórico, o sistema político, somados

a fatores culturais e sociais levam a esse desenrolar, que se diferencia daquele

experienciado em muitos países ocidentais. As estruturas da sociedade são diferentes

dos modelos ocidentais, baseados em liberdades e direitos individuais (LIU;

GOODNIGHT, 2016). Isso vai moldar as estratégias das ONGs, a partir da década de

1990, e a constituição da esfera pública verde, que são influenciadas pelas estruturas

e reivindicações internacionais a partir do processo de abertura e modernização, que

marca a China na década de 1980.

O movimento ambiental chinês teve um começo muito diferente do oeste. Nos países ocidentais, o movimento ambientalista começou com a sociedade civil e seguiu, principalmente, os passos do movimento pelos direitos civis e do movimento feminista. Mas na China foi o governo que iniciou as ações ambientais. As reações civis, inicialmente, não eram sobre resistência ao governo. Era mais como a sociedade alcançando o governo. Por isso as organizações ambientais civis da China estão apenas apoiando os atores [o governo] (ZHANG; BARR, 2013, p. 104, tradução minha).

A perspectiva de Frank, Longhofer e Schofer (2007) é interessante por

reconhecer que a política ambiental nacional e as ONGs nascem na sociedade

mundial e não na doméstica, evidenciando que a problemática ambiental ela é

eminentemente global, conforme afirma Ulrich Beck (2010), e por isso não se pode

ignorar que as ONGs acabam servindo como instrumentos de cosmopolitização, afinal

elas funcionam como receptores locais, recebendo e transmitindo sinais da sociedade

mundial para as autoridades e cidadãos locais.

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Nesse cenário, é fundamental reconhecer a função desempenhada pelas

ONGs ambientais internacionais, que começam a se estabelecer na China, inserindo

o país nessa rede global.

As ONGs ambientais internacionais

As primeiras ONGs ambientais internacionais começaram a funcionar em

meados da década de 1980, como a World Wildlife Fund e a International Crane

Foundation, atuando na área de proteção de espécies animais, a partir de convite

oficial do governo chinês (YANG, 2005). Somente no final dos anos 1990 as ONGs

ambientais internacionais começaram a se expandir, lançando projetos e

estabelecendo escritórios na China, porém é nítida a influência internacional entre as

primeiras ONGs domésticas criadas, seja por meio de financiamento ou expertise,

assim como a influência dessas ONGIs na ascensão da sociedade civil chinesa.

Muitos dos fundadores de ONGs chinesas eram indivíduos que estudavam

no Ocidente ou trabalhavam em ONGIs antes de criarem suas próprias organizações,

levando à China conhecimentos sobre as ONGs adquiridos no exterior (YANG, 2004).

O desenvolvimento das ONGs domésticas e internacionais ocorre por meio

de uma relação simbiótica entre elas. Geralmente as ONGIs fornecem expertise,

prestígio, organizam conferências, workshops, seminários, e conseguem

financiamento. Em diversas campanhas ambientais ocorridas na China, as ONGIs

deram apoio direto e auxiliaram na divulgação dos problemas locais, como ocorreu na

campanha contra as hidrelétricas do Rio Nu e na campanha do antílope tibetano, que

conseguiram mobilizar atores internacionais, uma forma adicional de fazer pressão

sobre o governo chinês. Já as ONGIs, que possuem uma agenda global, conseguem

aproximação com o governo chinês e aprendem sobre a realidade chinesa a partir de

informações passadas pelas ONGs domésticas. A área ambiental foi onde se

desenvolveu mais intensamente a relação transnacional, além de ser a principal área

de atuação das ONGIs, seguida por áreas de saúde pública, pobreza e educação –

áreas menos sensíveis politicamente.

A China não está mais fora da tendência global de solidariedade e rede entre ONGs através das fronteiras nacionais. Na era da globalização, comunidades compartilham muitos aspectos econômicos, sociais, culturais, ambientais e

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preocupações políticas que exigem respostas transnacionais colaborativas por parte das sociedades (CHEN, 2010, p. 505, tradução minha).

Dados indicam que o financiamento das ONGs chinesas a partir das ONGIs

é significativo: de 1996 a 1999, 85% do financiamento da ONG Global Village Beijing

veio de ONGIs e governos estrangeiros; em 2000, 52% da receita total (em torno de

2,5 milhões de yuans) da Friends of Nature veio de fontes estrangeiras; o Centro de

Biodiversidade e Conhecimentos Indígenas de Kunming recebeu a maior parte do

financiamento do projeto, 203 mil dólares, em 2002, a partir de ONGIs; muitas

associações estudantis ambientalistas também receberam pequenas quantias de

financiamento internacional (YANG, 2005).

O financiamento em prol do meio ambiente não chegou à China apenas por

via dos ONGs ambientais. É importante destacar que o PNUD (Programa Nações

Unidas para o Desenvolvimento) estabeleceu importantes programas na China e

investiu grandes somas em questões relacionadas ao meio ambiente. Em 1997,

quatro áreas foram privilegiadas pelo PNUD: governança ambiental (visando a

formulação e implementação da Agenda 21); sustentabilidade e desenvolvimento

energético (visando a utilização eficiente do carvão e redução das emissões de gases

de efeito estufa); prevenção e controle da poluição (principalmente da poluição

atmosférica) e gestão dos recursos naturais. Durante a década de 1990 estima-se que

o PNUD tenha fornecido aproximadamente 140 milhões de dólares em assistência

ambiental à China (MORTON, 2005).

Como é que o governo chinês respondeu ao investimento do PNUD para as questões ambientais? Pode-se esperar que o PNUD tenha algum poder de persuasão com o governo chinês, porque é vista como um parceiro internacional “confiável” e, portanto, novas ideias são mais propensas a serem levadas a sério. Mas, por outro lado, como no caso de outros doadores internacionais, a política do PNUD é limitada; nenhuma ideia, não importa o quão importante seja, é possível sem o endosso total do governo chinês (MORTON, 2005, p. 93, tradução minha).

Os investimentos do PNUD continuaram na década de 2000, e a China

passou a ser um país com maior abertura para as negociações internacionais, ajuda

externa, ainda que o sistema político acabasse restringindo muitos projetos e ações

em território chinês. Da mesma forma que as instituições internacionais conseguiram

adentrar na China, as ONGs internacionais também se expandem nesse período.

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No início das atividades das ONGIs ambientais na China havia 11 ONGIs

em 1994, alcançando 25 ONGIs em 1997. Em 2002 havia 33 ONGIs desenvolvendo

91 projetos ambientais na China (YANG, 2005). Em 2005 o número de ONGIs

registradas passa para 68 (CHEN, 2010) e em 2008 atinge 90 organizações

(JOHNSON, 2010). Houve um aumento significativo dessas ONGIs, mas além do

número de ONGIs expandiu também os recursos e o número de pessoas envolvidas.

Por exemplo, o WWF tinha apenas um escritório em Beijing, em 1996, com 9

funcionários. Até 2005 já havia fundado outros 5 escritórios, contando com mais de

80 funcionários (CHEN, 2010).

O ativismo ambiental na China se fortalece com a presença das ONGs

internacionais que levam à China valores e padrões ambientais internacionais,

permitindo a inserção das ONGs domésticas numa rede transnacional. Tal fato

possibilitou que a área ambiental na China se tornasse uma das mais globalizadas,

com intensas conexões entre organizações e agências locais e internacionais. Como

exemplo, a WWF, em 2003, trabalhou ativamente com o governo nacional com o

intuito de introduzir questões ambientais no currículo de escolas primárias e

secundárias da China. Já a ONG Nature Conservancy prestou assistência ao

Congresso Nacional na formulação da Lei de Áreas Protegidas em Parques

Nacionais. Outras ONGIs ofereceram treinamento para funcionários dos governos

central e local sobre questões ambientais locais (CHEN, 2010).

Para além do estabelecimento dessas ONGIs em território chinês, as ONGs

domésticas passam a participar mais ativamente de encontros internacionais, como

ocorreu em 2002, quando pela primeira vez mais de 100 grupos ambientalistas

chineses participaram do Fórum da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento

Sustentável (Joanesburgo). O episódio marcou a estreia da sociedade civil no palco

internacional e a inserção na rede global de ONGs, facilitando a cooperação entre

organizações, compartilhando conhecimentos, respondendo às preocupações

políticas que demandam respostas transnacionais colaborativas entre as diversas

sociedades (CHEN, 2010). O Fórum representou a conquista das ONGs ambientais

chinesas, já que puderam participar do evento global, de forma independente e lado

a lado com a delegação oficial chinesa (WU, 2009).

Entretanto, apesar dos esforços de colaboração, os resultados não são

imediatos, visto que a sociedade civil chinesa e as ONGs domésticas estão se

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desenvolvendo sob o olhar atento das autoridades e dentro dos limites permitidos,

enfrentando barreiras para seu crescimento.

Como poderíamos esperar, as ONGs precisam se adaptar às particularidades políticas da China. Isto pode ser visto a partir da interpretação oficial do termo “ONG”. Como um estudo apontou, “a definição oficial chinesa de ONGs não menciona a autogovernança, um critério fundamental das organizações não governamentais ocidentais (ZHANG; BARR, 2013, p. 11, tradução minha).

A figura abaixo esquematiza a estrutura de influência existente entre os

diversos campos envolvidos no desenvolvimento das ONGs ambientais e da

sociedade civil. A linha preta contínua indica influência mais dominante, enquanto o

pontilhado influência menos dominante:

Figura 10: Campos institucionais e o desenvolvimento das ONGs ambientais

Fonte: YANG, 2005

O campo político domina o desenvolvimento das ONGs e da sociedade

civil, influenciando diretamente o seu funcionamento. Outros campos, como a mídia,

as ONGIs (INGOs na figura), a internet, também são elementos importantes na

estruturação das ONGs, porém esses campos também estão diretamente controlados

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pelo Estado chinês, seja a partir da censura, dos regulamentos e demais políticas

domésticas.

Fica claro que as ONGs e a sociedade civil chinesa distinguem-se das suas

contrapartes ocidentais, em virtude da relação não convencional do Estado com as

atividades cívicas. Por esse motivo é fundamental reconhecer elementos únicos da

experiência chinesa (LIU; GOODNIGHT, 2006). A diversidade de contextos sociais e

políticos é um dos fatos que influencia o desenvolvimento das ONGs na China e a

aliança entre as organizações internacionais e domésticas, afinal, muitos ativistas

chineses argumentam que as ONGIs tentam impor uma política global ignorando a

própria situação e particularidades da China.

Por exemplo, enquanto ativistas internacionais priorizam as mudanças do clima, algumas ONGs chinesas consideram a poluição industrial mais relevante e importante para a China. Além do desacordo sobre o foco da questão, os ativistas chineses também acreditam que as idéias internacionais sobre desenvolvimento sustentável devem ser combinadas com o contexto chinês. Em particular, os ambientalistas tibetanos tratam algumas teorias de conservação ocidentais como McDonalds e KFC, argumentando que serão mais bem servidos com uma grande dose de ingredientes locais (CHEN, 2010, p. 518, tradução minha).

Os desafios para a consolidação da atuação internacional na China são

enormes, afinal, os elementos locais possuem grande peso na determinação das

ações e na mobilização da população.

Segunda fase do desenvolvimento das ONGs ambientais

A primeira fase do desenvolvimento das ONGs ambientais, conforme

analisado no capítulo 2 item 2.3, é marcada pelo nascimento das primeiras ONGs e

um lento crescimento no número dessas organizações, que tentam se adequar ao

espaço permitido pelo Estado. Naquele momento a sociedade ainda tinha um baixo

interesse pela problemática ambiental, as legislações nacionais não asseguravam a

participação pública e os regulamentos de 1998 sobre o registro de funcionamento e

legalização das ONGs eram um empecilho para o avanço delas. As ONGs se

engajavam principalmente com a educação e conscientização ambiental, mantendo-

se politicamente neutra e com estratégia não-confrontacional (TAO, 2011)

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Essa primeira fase se encerra em 2003, quando após o episódio das

hidrelétricas do Rio Nu, há uma mudança substancial no reconhecimento do papel

desempenhado pelas ONGs, tanto pelo Estado quanto pela sociedade.

As ONGs conseguiram mobilizar a população, estimulando a

conscientização ambiental, pressionando respostas do Estado, criando mecanismos

capazes de influenciar a tomada de decisão do governo, porém mantém a estratégia

não-confrontacional, a partir de petições, debates públicos, campanhas na internet

(LIN, 2007).

A influência delas [das ONGs] se tornou mais ampla quando elas revelaram fatos sobre alguns problemas ou poluição ambiental; até mesmo grandes meios de comunicação as reportaram, e mais pessoas, incluindo os níveis mais altos de líderes, assistiram, leram ou ouviram, em alguns casos tomaram atitudes (AIKAWA, 2017, p. 182, tradução minha).

Com o episódio do Rio Nu as ONGs passaram a requisitar mais

transparência nas informações, assim como maior participação no processo de

avaliação de impactos ambientais. Tal fato levou à promulgação da lei de avaliação

de impacto ambiental, vista no item 3.1.

A partir de 2003 começou a ocorrer uma expansão no número de ONGs e

uma descentralização, surgindo em locais afastados de Beijing, localidade em que a

maioria das ONGs da primeira fase se instalaram. As ONGAs são criadas em

localidades como Shanghai, Guandong, Yunnan, onde os grupos ambientais têm

acesso a ampla variedade de recursos financeiros, incluindo ONGs internacionais,

mas também conseguem se integrar melhor com os grupos civis locais.

As temáticas das ONGs também começaram a variar, não se restringindo

mais apenas à educação ambiental e sensibilização. Fundadores das primeiras ONGs

saíram dessas organizações e criaram novas, intensificando a rede de contatos entre

as organizações, aprimorando o networking, um fato essencial para o avanço do

ambientalismo, que necessita de estruturas de cooperação para melhor

funcionamento (AIKAWA, 2017). Entretanto, a expansão da rede de contatos entre as

ONGs nem sempre é vista com bom grado pelo governo, afinal “o governo desconfia

de laços fortes demais entre grupos, e se as ONGs quiserem continuar a se dedicar

ao seu próprio trabalho, é melhor agir por elas mesmas” (HILDEBRANDT; TURNER,

2009, p. 101, tradução minha). Por isso, Gaudreau e Cao (2015) questionam se

efetivamente as ONGs estão vinculadas em redes ou se há forte pressão para

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permanecerem fora da rede e atuarem de maneira desconectadas umas das outras.

Para eles, na prática, há pouca cooperação real entre ONGs, o que dificultaria a

consolidação de um movimento ambientalista efetivo.

Outra mudança fundamental foi a intensificação no uso das mídias pelas

ONGs nos anos 2000, conforme visto no item 3.2, que permitiu divulgação das

atividades das ONGs e da problemática ambiental. Porém, o apoio fundamental para

o avanço das ONGs veio da SEPA e do redirecionamento político que passa a

reconhecer a necessidade do desenvolvimento sustentável.

Porque o governo central segue uma política nacional de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável, o movimento ambiental frequentemente busca apoio de agências governamentais, como a SEPA, a fim de atingir seus objetivos (YANG, 2004, p. 6, tradução minha).

Nesse sentido, as ONGs costumam estabelecer cooperação com o

governo central, defendendo as prioridades definidas pela SEPA, posteriormente pelo

MEP, se opondo, muitas vezes, ao governo local e às empresas (LIU; GOODNIGHT,

2016). Como estratégia de sobrevivência e manutenção da estabilidade é preciso

estabelecer relação direta com o Estado (SIMA, 2011), agindo de acordo com as

expectativas consensuais (HO, 2007).

Desde o final dos anos 1990, a SEPA expandiu seu foco, não se

concentrando apenas na questão da poluição, mas criou uma agenda mais ampla,

com base em uma agenda de desenvolvimento sustentável, integrando diversos

aspectos de gestão e proteção ambiental.

Muitas ONGs funcionam como “braço prolongado” da SEPA e de outras

instituições do Estado, pois visam a melhoria da situação ambiental e o cumprimento

das leis. A ONG internacional Environmental Defense, com escritório em Beijing,

auxilia diretamente a SEPA na formulação de políticas (LEHRACK, 2006). Diversas

ONGs participaram ativamente do planejamento das Olímpiadas de 2008, prestando

consultorias ao governo, elaborando planos e estratégias para conquistar melhorias

ambientais. Líderes das ONGs Global Village of Beijing, Friends of Nature e Green

Home, incluindo Liang Congjie e Liao Xiaoyi, foram nomeados assessores ambientais

do Comitê de Propostas dos Jogos Olímpicos de Beijing e impressionaram os

membros do Comitê Olímpico Internacional com suas ideias e boas práticas em

proteção ambiental (MADUNIC et al., 2008).

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Enquanto as ONGs ambientais puderam participar ativamente dos

preparativos para a Olimpíada de 2008, ONGs que trabalhavam em outras áreas

ficaram sob forte vigilância, não apenas durante as Olimpíadas, mas nos anos

seguintes também, quando se comemorou o aniversário de 60 anos da fundação da

República Popular da China e durante a Exposição Mundial de Shanghai em 2010.

“Líderes de ONGs chinesas foram orientados a não receberem visitantes estrangeiros

durante estes importantes eventos nacionais e os líderes das ONGs foram colocados

em prisão domiciliar e extensa vigilância” (TAI, 2015, p. 23, tradução minha). O temor

do governo chinês eram as manifestações acerca dos direitos humanos, pró-

democracia, que poderiam afetar a imagem internacional da China.

Crescimento e diversificação das ONGs – dados empíricos

A década de 2000 vivenciou um crescimento explosivo das ONGs de

maneira geral, não apenas daquelas voltadas a assuntos ambientais. De acordo com

o Ministério das Relações Civis, em 2008, havia 212.000 ONGs registradas, sendo

5.330 ambientais (GAO, 2013).

Entre 1988 e 2013, o número de ONGs aumentou mais de 100 vezes, passando de pouco menos de 4.500 em 1988 para mais de 540.000 em 2013. Segundo muitos especialistas, o número de ONGs acima mencionado nem sequer chegam perto de representar o tamanho do setor de ONGs na China. Por exemplo, He Jianyu e Wang Shaoguang estimaram que pode haver mais de 8 milhões de ONGs na China (TAI, 2015, p. 20, tradução minha).

Os dados exatos sobre os números de ONGs ambientais são difíceis de se

identificar, mas as principais fontes, como o Ministério das Relações Civis e a GONGO

All China Environment Federation, indicam que houve um crescimento do setor de

ONGs ambientais em torno de 10% a 15% por ano, em toda década de 2000. Tal

crescimento foi tanto no número de ONGs quanto no número de funcionários que

trabalham para elas (XIE; VAN DER HEIJDEN, 2010). As dificuldades em precisar o

número dessas ONGs decorrem das possibilidades de registro, como organização ou

como empresa, registro efetivado com o Ministério das Relações Civis ou sob outro

Ministério, além do fato de haver um significativo número de organizações que

funcionam sem registro formal.

Acerca das organizações sem registro, Guosheng Deng (2010) afirma que:

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As organizações não-governamentais (ONGs) não registradas na China não têm apoio legal, porém existe uma “tolerância do governo chinês a essa situação, porque o governo usa regras ocultas que não são declaradas nas leis atuais e regulamentos para gerenciar tais ONGs. Sob a pré-condição de que essas organizações não prejudicam a segurança do Estado e a estabilidade social, a atitude do governo chinês em relação a elas é de ‘não reconhecimento, sem proibição, sem intervenção’ (DENG, 2010, p. 183, tradução minha).

Conforme evidencia o gráfico abaixo, que apresenta os dados publicados

pela All China Environment Federation, é possível visualizar o crescimento constante

das ONGs ambientais, que se mantém no início da década de 2010. Para ilustrar a

discrepância nos números, segundo os dados do Ministério das Relações Civis, em

2008 havia 5.330 ONGAs, um número 50% maior do que o apresentado pela All China

Environment Federation (GAO, 2013; ACEF, 2007):

Gráfico 9: Crescimento das ONGs ambientais na China

Fonte: ACEF, 2007.

O episódio do terremoto na província de Sichuan, em maio de 2008, que

atingiu 7,9 graus na escala Richter e matou mais de 80 mil pessoas35, proporcionou

uma oportunidade única para as campanhas de caridade e trabalho voluntário,

funcionando como impulsionador para o desenvolvimento de ONGs (CHEN, 2010).

35 https://g1.globo.com/mundo/noticia/chineses-relembram-10-anos-do-terremoto-de-sichuan.ghtml

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

8000

9000

1998 2005 2008 2012

Número de ONGs

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Sobre o episódio do terremoto, alguns especialistas afirmam que ele foi ocasionado

pelo peso do reservatório da barragem das Três Gargantas - mais um impacto

ambiental de um projeto que não foi discutido pela população (WINES, 2011;

BARBIERI, 2019).

Particularmente após o terremoto de Sichuan em 2008, o Estado congratulou-se com campanhas de voluntariado e de doações auto-organizadas por um período de tempo limitado, o que deu ao setor de ONGs um impulso inesperado, e o ativismo social de baixo para cima multiplicou-se em várias políticas públicas, em questões como resgate e reconstrução após desastres, desenvolvimento da comunidade rural e saúde pública (WU, 2017, p. 126, tradução minha).

Fengshi Wu (2013) afirma que o episódio do terremoto em 2008 deu início

a uma terceira fase do ambientalismo na China, quando uma geração mais jovem e

diversificada, com envolvimento de empresários e de novos líderes, se envolveu com

a problemática ambiental, tornando as ONGs ambientais um fenômeno nacional, que

se espalhou por todas as províncias do país.

Os dados da All China Environment Federation de 2005 (ACEF, 2007)

mostram que o crescimento das ONGs ambientais é baseado na forte expansão das

GONGOs e daquelas organizações ligadas às Universidades e grupos estudantis, o

que reafirma a ideia de que o ambientalismo se desenvolve principalmente entre as

classes mais altas e intelectualizadas, que têm acesso à Universidade. As ONGs

estudantis e as populares são entendidas como organizações de base (grassroots)

pois são formadas por indivíduos de determinada localidade, sendo geralmente

criadas de maneira espontânea, com uma natureza distinta das ONGs internacionais

e das GONGOs, grupo de destaque que representa 49% das organizações atuantes,

conforme visto no item 2.3.

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Gráfico 10: Classificação das ONGs ambientais em 2005

Fonte: ACEF, 2007.

As ONGs populares, em sua maioria, são pequenas. Segundo Robert

Percival e Zhao Huiyu (2014) 73% delas possuem menos de dez funcionários, e entre

essas, 41% tem menos de cinco funcionários. Tal fato está diretamente ligado ao baixo

financiamento disponível para essas organizações, que não conseguem angariar

fundos para seu funcionamento e enfrentam dificuldades no registro e legalização das

organizações. Já as ONGs estudantis apresentam um alto número de afiliados,

geralmente jovens, que se engajam nas atividades durante a permanência na escola

ou universidade, existindo diversas organizações com centenas de membros.

A expansão das ONGs veio acompanhado pela diversificação dos temas

tratados e da localização dessas ONGs. O projeto China Environmental Organization

Map, formulado pela ONG He Yi Institute36, fez um mapeamento, em 2018, das ONGs

ambientais mais atuantes na China. O total de ONGs catalogadas foi de 3.055. O

projeto resultou em um mapa no qual é possível identificar a área de atuação da ONG

e sua temática principal. Com base nesse projeto é possível caracterizar as ONGs

ambientais chinesas.

36Site da organização: http://www.hyi.org.cn/en

49%

41%

3%7%

2005

GONGOs Estudantis Internacionais Populares

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Figura 11: Distribuição espacial das 3.550 ONGs ambientais mais atuantes

Fonte: HE YI INSTITUTE, 2018.

O mapeamento das ONGs permite identificar as áreas com maior número

de organizações. Elas se desenvolvem principalmente na parte leste do país,

principalmente nas regiões de Beijing-Tianjin-Hebei, Shanghai-Jiangsu-Anhui-

Zhejiang, Guangdong-Hunan-Guangxi. Essas regiões possuem as maiores taxas de

urbanização, foram locais de grande crescimento econômico nas últimas décadas, e

por conta disso enfrentam diversos problemas ambientais.

A região de Guangdong, que apresenta a 3ª maior concentração de ONGs

ambientais, foi palco do avanço industrial e dos projetos de internacionalização da

produção, a partir da definição da primeira Zona Econômica Especial (ZEE). Tal fato

desencadeou altos índices de poluição e degradação ambiental.

O alto nível de abertura econômica da região permitiu que ONGs se

instalassem na região, auxiliadas por ONGs e agências internacionais, que

encontraram no governo de Guangdong a pré-disposição para parcerias na área

ambiental, facilitando a mobilização do público e a formulação de políticas

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(JOHNSON, 2010). Guangdong foi a primeira província a abandonar a exigência de

um apadrinhamento político para que as ONGs pudessem obter status legal, em 2012,

diminuindo a burocracia para a legalização e funcionamento das organizações (WU;

XU, 2013).

Yunnan, região pobre no Sudoeste, também permitiu o estabelecimento de

ONGs internacionais, o que propiciou o crescimento no número de organizações, que

passaram a atuar na área (CHEN, 2010). Caroline Cooper (2006) afirma que a região

abrigou grande número de ONGs ambientais em virtude de três fatores: presença de

um governo local mais liberal, que impôs menos restrições à ação das ONGs; Yunnan

possui fronteira com outros países, o que resulta em frequentes intercâmbios; e por

fim, alta diversidade de recursos naturais.

Outro fator importante para o desenvolvimento das ONGs nessa região

foram os protestos em 2003-2004 contra a construção das hidrelétricas no Rio Nu,

que fica na província de Yunnan. O episódio, que pode ser visto como a campanha

de proteção ambiental mais bem sucedida da China, serviu como um impulsionador

no aumento da consciência pública sobre a problemática ambiental, tornando-se local

apropriado para o estabelecimento de ONGs (CHEN, 2010). Diversas ONGs

internacionais se instalaram em Yunnan, como exemplo a Nature Conservancy, que

atua na área de conservação da biodiversidade e na gestão de áreas protegidas

(LEHRACK, 2006). Yunnan possui o maior patrimônio mundial aprovado pela

UNESCO, na China, graças a beleza e ao valor cultural do Rio Nu (LIU, 2011).

O crescimento no número de ONGs pode ser entendido a partir de várias

perspectivas. No nível macro, destacam-se teses como da modernização ecológica,

que identifica um “reconhecimento explícito de que os problemas e desafios

ambientais formam parte do núcleo central das mudanças estruturais em direção à

modernidade tardia” (OLIVIERI, 2009, p. 616, tradução minha), acompanhada por

teses acerca da ecologização do Estado (CARTER; MOL, 2007; HO; VERMEER,

2006). No micronível, diversos fatores, como a questão organizacional, a percepção

ambiental, a rede de relações, o guanxi, explicam tal crescimento (XIE, 2009). Para

além, ainda existem os fatores externos, como o apoio técnico e o conhecimento

advindo a partir do estabelecimento de ONGs internacionais, a inserção da China em

reuniões e acordos internacionais, fatores que explicam o crescimento das ONGs, e

mais que isso, permitem captar a distribuição geográfica das ONGs e os locais com

maiores facilidade para o desenvolvimento destas organizações.

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183

No caso de Beijing, Chongqing, Shanghai, Tianjin, que são cidades

administradas diretamente pelo governo central, a proximidade com a SEPA e MEP

facilitaram o estabelecimento de ONGs, compreendidas como parceiras da

administração central, o que também explica o grande número de ONGs nessas

regiões. O fato de serem grandes cidades, globalizadas, também é um fator

importante, que impulsiona o desenvolvimento das ONGs nessas áreas,

principalmente através do contato com as organizações internacionais e com uma

sociedade civil transnacional (XIE, 2011).

Apesar da expansão das ONGs ambientais na China, é notório reconhecer

que as ONGs continuam desempenhando uma ação apenas no nível local, sendo

incapazes de constituírem redes nacionais, com poucas exceções encontradas em

Beijing, de ONGs capazes de gerarem mobilização nacional em algum nível.

Restrições governamentais permitem que as ONGs se enraízem na política provincial

e local, mas impedem que se expandam em redes horizontais, formando amplas

alianças nacionais (LIU; GOODNIGHT, 2016).

Para além da expansão numérica e geográfica há, também, a expansão

temática, isto é, as ONGs ambientais começaram a ter um maior número de temas,

deixando de atuarem apenas na área da educação ambiental, que continua sendo a

de maior expressão na China.

O gráfico abaixo apresenta as principais temáticas das 3.550 ONGs

ambientais analisadas pelo projeto China Environmental Organization Map. Cada

ONG pode atuar em mais de uma temática, por isso o gráfico representa quantas

ONGs atuam em determinado tema e o resultado final é maior que 3.550. As tabelas

seguintes (tabela 1, 2 e 3) apresentam a distribuição das ONGs por temas e regiões.

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184

Gráfico 11: Temáticas de atuação das ONGs ambientais chinesas

Fonte: HE YI INSTITUTE, 2018.

0 500 1000 1500 2000 2500

Segurança nuclear

Recursos Minerais

Pesticida

Reutilização de recursos

Conservação das pastagens

Serviço voluntário

Novas energias

Controle de desertificação

Mudança climática

Bem-estar animal

Proteção marinha

Poluição do solo

Direito ambiental

Conservação florestal

Ambiente rural

Poluição do ar

Conservação das zonas úmidas

Proteção da flora

Biodiversidade

Turismo verde

Economia de energia

Recursos hídricos

Conservação de rios e lagos

Poluição da água

Proteção dos animais selvagens

Comunidade Verde

Lixo

Educação ambiental

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185

Quadro 2: Atuação de ONGs por tema e região

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Co

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ão

Anhui 16 3 0 4 1 7 9 5 5

Beijing 38 29 18 23 23 41 48 30 19

Chongqing 2 4 0 0 0 1 3 2 2

Fujian 9 7 0 15 10 11 22 10 0

Gansu 6 5 6 7 1 10 13 8 8

Guangdong 16 8 1 19 17 20 26 17 0

Guangxi 6 6 3 8 8 12 11 9 1

Guizhou 8 4 3 6 0 4 4 6 2

Hainan 4 6 0 7 18 13 15 7 8

Hebei 12 5 2 4 6 7 15 9 4

Heilongjiang 6 7 2 8 0 3 9 6 2

Henan 16 9 0 6 0 8 15 9 1

Hubei 12 2 1 14 0 8 16 6 1

Hunan 21 10 1 14 1 9 25 15 1

Jiangsu 16 4 1 12 6 11 20 9 3

Jiangxi 14 3 0 7 1 13 14 7 0

Jilin 6 3 0 0 0 0 0 0 0

Liaoning 8 0 0 4 6 8 21 2 2

Mongólia 4 4 12 5 5 2 7 4 11

Ningxia 3 1 1 2 2 1 1 2 3

Qinghai 6 4 8 6 0 9 15 9 3

Shaanxi 17 5 1 8 2 5 8 7 2

Shandong 19 5 3 9 17 12 19 15 2

Shanghai 2 2 2 6 5 7 11 2 3

Shanxi 10 4 0 3 2 5 8 7 0

Sichuan 15 11 3 14 1 21 33 20 4

Tianjin 52 6 2 3 4 0 4 6 4

Tibet 1 2 1 1 1 5 2 1 1

Xinjiang 4 2 1 6 6 6 15 8 1

Yunnan 15 8 1 9 0 22 27 12 1

Zhejiang 17 7 4 10 11 8 17 10 2

Fonte: HE YI INSTITUTE, 2018.

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186

Quadro 3: Atuação de ONGs por tema e região (continuação)

Mu

dan

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clim

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ca

No

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Seg

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nça

nu

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Po

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Dir

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am

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l

Tu

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o v

erd

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Anhui 2 2 2 1 8 24 10 8 13

Beijing 33 28 2 8 29 54 42 28 34

Chongqing 0 2 0 0 2 8 6 1 7

Fujian 2 2 0 3 6 21 8 6 8

Gansu 5 0 0 1 5 12 9 5 7

Guangdong 11 2 2 1 26 34 22 8 31

Guangxi 2 1 1 0 1 9 3 2 6

Guizhou 3 3 0 3 7 1 2 14 1

Hainan 0 1 1 0 2 9 1 2 5

Hebei 9 5 0 2 8 14 9 10 7

Heilongjiang 0 0 0 0 0 10 0 2 14

Henan 4 3 3 2 2 11 5 6 10

Hubei 3 1 1 3 3 17 9 10 6

Hunan 5 5 1 3 8 36 15 9 15

Jiangsu 5 4 0 2 7 24 12 14 13

Jiangxi 2 1 1 1 7 14 7 3 10

Jilin 0 0 0 0 0 0 0 0 2

Liaoning 3 2 0 0 2 7 5 0 5

Mongólia 3 0 0 0 0 0 0 0 0

Ningxia 1 0 0 1 1 5 2 1 3

Qinghai 3 0 3 3 0 4 1 2 3

Shaanxi 6 1 0 1 2 15 9 3 7

Shandong 6 9 2 1 6 23 16 6 17

Shanghai 5 6 0 6 3 8 4 1 23

Shanxi 3 0 0 0 4 13 4 4 10

Sichuan 5 4 0 1 8 17 13 9 17

Tianjin 0 0 0 0 0 8 6 3 6

Tibet 1 0 0 0 0 0 0 0 1

Xinjiang 2 1 1 1 1 1 2 2 4

Yunnan 8 4 1 4 9 11 5 8 9

Zhejiang 3 1 2 3 6 31 7 8 12

Fonte: HE YI INSTITUTE, 2018.

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187

Quadro 4: Atuação de ONGs por tema e região (continuação)

Bem

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bie

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l

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Reu

tilização

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recu

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Serv

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vo

lun

tári

o

Anhui 2 90 15 11 16 1 8 14 1 1

Beijing 15 189 55 35 39 8 25 47 3 4

Chongqing 1 46 10 3 2 2 4 18 1 1

Fujian 2 82 10 14 10 2 8 18 3 2

Gansu 5 55 12 8 12 1 9 6 1 2

Guangdong 12 175 59 20 26 1 7 43 11 16

Guangxi 3 24 11 3 6 0 7 10 1 1

Guizhou 23 6 4 9 5 1 4 7 0 1

Hainan 2 26 4 3 6 7 2 4 1 1

Hebei 5 66 15 12 15 2 11 13 0 0

Heilongjiang 5 44 25 5 2 0 0 4 1 0

Henan 7 65 7 10 13 1 5 12 2 2

Hubei 6 94 7 6 14 0 8 9 2 3

Hunan 4 149 13 16 21 1 14 28 3 5

Jiangsu 4 242 32 23 18 2 8 48 7 10

Jiangxi 2 38 12 6 13 2 2 11 0 2

Jilin 2 23 0 5 5 0 0 3 0 0

Liaoning 3 54 3 10 12 0 0 11 0 0

Mongólia 0 23 2 2 2 5 2 5 0 4

Ningxia 1 10 6 6 5 1 4 3 3 4

Qinghai 1 23 6 1 7 0 8 6 0 0

Shaanxi 2 37 6 5 13 0 9 7 0 1

Shandong 4 92 23 18 17 0 9 17 2 2

Shanghai 4 84 35 20 5 1 4 39 5 3

Shanxi 0 37 9 8 13 2 5 7 0 4

Sichuan 8 82 31 15 18 0 15 25 3 3

Tianjin 3 40 4 5 9 0 0 12 0 0

Tibet 0 5 0 1 1 0 0 3 0 1

Xinjiang 2 21 9 6 4 2 3 5 1 1

Yunnan 2 47 12 7 8 2 13 8 1 1

Zhejiang 5 120 28 13 22 2 11 33 5 5

Fonte: HE YI INSTITUTE, 2018.

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188

Observa-se que os temas com maior número de ONGs atuando são

aqueles que acompanham o desenvolvimento das ONGs desde a década de 1990.

68% das ONGs trabalham com educação ambiental, sendo a área de atuação mais

expressiva. Em seguida temos quatro temáticas com praticamente o mesmo número

de ONGs atuando – 16%: lixo, comunidade verde (voltada para práticas sustentáveis),

proteção dos animais selvagens e poluição da água. Essas quatro temáticas também

estão presentes desde a primeira fase das ONGs ambientais.

Exemplo de ONG que atua nessas cinco temáticas principais é o

Chongqing Uniersity Green Youth Volunteer Service Team:

A equipe de voluntários, formada por estudantes da Universidade de Chongqing, foi formalmente estabelecida em 30 de maio de 2002. [...] Ganhou prêmios nacionais 15 vezes, prêmios provinciais e municipais 5 vezes. O objetivo da equipe é promover as atividades de proteção ambiental pelos estudantes universitários e defender a civilização verde. Alguns projetos desenvolvidos: Desfile de Moda Ambiental, reutilizando resíduos e lixos; Chopsticks Action, campanha para acabar com o uso de “pauzinhos descartáveis”; campanha “Ame a vida, trate bem os animais”, visando proteger as gaivotas de bico vermelho; Caminhada pela proteção ambiental das Três Gargantas do Rio Yangtze, que coletou amostras de água do rio, para monitoramento da qualidade de água, e gerou recomendações políticas para os problemas ambientais e sociais causados pelo Projeto das Três Gargantas; campanha “Reduzir a poluição branca na Terra, evitando o uso de sacos plásticos”, que visa alertar a população sobre os riscos ambientais causados pelo uso das sacolas plásticas. 37

Algumas temáticas surgem como objeto de atuação das ONGs mais

recentemente no final da década de 2000, como é o caso das mudanças climáticas

(que será analisado no capítulo 4), do direito ambiental, da segurança nuclear, das

novas energias.

O baixo número de ONGs que abordam a questão das mudanças

climáticas está diretamente relacionado com a interpretação de que, no contexto

chinês, a questão da poluição atmosférica, poluição da água, poluição industrial, são

temas prioritários, visto que os impactos já estão sendo vivenciados pela população,

enquanto os impactos das mudanças climáticas serão plenamente vividos no futuro

(CHEN, 2010). Outro fator é o surgimento muito recente dessas organizações, que

começam a se articular apenas na década de 2010.

A partir dos altos índices de poluição e da recente preocupação com as

mudanças climáticas, a China passou a investir em energias alternativas ao carvão –

37 Disponível em http://www.lvziku.cn/Eo/Index/detail/id/455.html

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189

eólica, solar, biomassa, hidrelétrica e nuclear. As ONGs que atuam na área de novas

energias buscam participar ativamente do desenvolvimento e aplicação dessas novas

formas de energia. Um exemplo de atuação é a ONG Rock Environment & Energy

Institute (REEI), de Beijing:

Sediado em Beijing, o Rock Environment & Energy Institute foi fundado em julho de 2012 por três profissionais que trabalharam em questões ambientais durante anos. O foco do REEI é a política de transição energética através da Análise Custo-Benefício (ACB). Em outras questões relevantes, como mudança climática, poluição do ar, impacto do uso de energia na saúde, desperdício de energia, a missão da REEI é trabalhar com outras partes interessadas para construir um mecanismo de tomada de decisão razoável e eficaz no campo da transição energética38.

Já as ONGs que atuam na área de segurança nuclear se expandiram

principalmente após o acidente em Fukushima, no Japão, em 2011, que alertou o

mundo para a possibilidade de acidentes nucleares, lembrando o episódio de

Chernobyl. Essas ONGs acabam, muitas vezes, se opondo ao governo, que continua

construindo usinas nucleares. Em 2014 havia 15 usinas nucleares em funcionamento

e 26 em construção (HE et al., 2014). Em 2017 tinham 37 reatores em funcionamento

e 19 em construção, porém pesquisadores do Instituto de Pesquisa Energética da

China analisaram que, para alcançar apenas 1,5º C de aumento de temperatura, será

preciso aumentar a geração de energia nuclear para 556 GWe até 2050, o que

significa construir mais de 290 reatores nos próximos 30 anos (PETRONOTÍCIAS,

2018).

Um exemplo de ONG que atua na área de segurança nuclear é a GONGO

Jiangsu Radiation Protection Association:

Aprovada pelo Departamento de Assuntos Civis da Província de Jiangsu em 22 de maio de 2014, possui quase 200 membros. A associação foi criada para servir o governo, o setor de serviços, de serviços sociais com a finalidade de ajudar a manter a segurança de radiação, para melhorar o nível de proteção contra as radiações e promover o desenvolvimento saudável da tecnologia nuclear e de radiação em Jiangsu. Exorta todos os membros a implementarem seriamente as leis relacionadas à proteção contra radiações, regulamentos, normas, a construir uma ponte entre o Governo e as empresas, comunicando e promovendo a cultura de segurança nuclear, fortalecendo a auto-disciplina, popularizando os conhecimentos de radiação

38 Disponível em http://www.lvziku.cn/Eo/Index/detail/id/41.html

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190

(energia nuclear, tecnologia nuclear, tecnologia de radiação eletromagnética, etc) através de publicações sobre o tema. 39

Já ONGs voltadas para o direito ambiental se expandiram no final da

década de 2000 quando cortes judiciais começaram a receber treinamento para

lidarem com casos de degradação ambiental. Algumas ONGs passaram a oferecer

treinamento em direito ambiental, conectando advogados altamente treinados,

acadêmicos, agências governamentais e advogados locais, apesar de a litigação

ambiental ser uma área nova e muitos advogados relutarem a se opor a grandes

poluidores, como empresas privadas ou estatais (LIU; GOODNIGHT, 2016). Algumas

ONGs, como a Center for Legal Assistance to Pollution Victims, prestam assistência

gratuita a vítimas de poluição, principalmente em áreas rurais, onde aqueles que

sofreram os danos causados pela poluição não tem consciência de seus direitos e não

sabem como reivindicá-los (MATSUZAWA, 2012).

O desenvolvimento dessa temática ainda é inicial, visto que aborda um

tema que pode ser politicamente sensível, logo há fortes restrições por parte do

governo, o que influencia o desenvolvimento dessas organizações (CHEN, 2010). A

Xinghua Citizens Environmental Protection Association é um exemplo de ONG que

atua na área do direito ambiental:

Área de atuação da associação: 1 – Acompanhamento das leis ambientais, regulamentos e consultoria de negócios relevantes para a proteção ambiental; 2 – Unir todas as partes para promover conjuntamente o desenvolvimento da proteção ambiental em Xinghua; 3 – Publicidade de proteção ambiental, palestras ambientais regulares, divulgação de conhecimentos de proteção ambiental e competições de conhecimento ambiental; 4 – Organizar e participar de vários tipos de trocas e cooperação ambiental não governamental, buscando mais apoio e benefícios para a causa ambiental da cidade de Xinghua, promovendo o desenvolvimento da proteção ambiental na cidade; 5 – Ajudar ativamente as pessoas afetadas pela poluição ambiental na região para salvaguardar os interesses das vítimas; 6 – Em caso de situações inesperadas, o governo e os departamentos funcionais podem ser acionados para desempenhar suas funções. 40

O final da década de 2000 é marcado por diversas ações de ONGs no

âmbito jurídico, como ocorreu em Wuhan, onde a China Chongqing Green Volunters

39 Disponível em http://www.lvziku.cn/Eo/Index/detail/id/3327.html

40 Disponível em http://www.lvziku.cn/Eo/Index/detail/id/2858.html

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191

Union solicitou revisão administrativa de dois projetos de hidrelétricas, e,

posteriormente, interpôs recurso civil de interesse público no Tribunal de Wuhan,

solicitando o fim da construção ilegal dos projetos e recuperação dos danos

ambientais. Outras localidades também passaram a receber pedidos de revisão

administrativa e litígios de interesse público, o que marca uma nova etapa da

participação pública na proteção ambiental (YANG, 2011).

[É visível] uma mudança nas estratégias e atividades das organizações não-governamentais ambientais chinesas, que permanecem limitadas pela necessidade de se registrar no governo e assombradas pela ameaça de serem desligadas. Elas estão expandindo a gama de seus programas tradicionais de educação ambiental e atividades não conflituosas, como coleta de lixo, plantio de árvores e defesa de espécies ameaçadas como o Antílope Tibetano; elas agora estão assumindo papéis de advocacia semelhante aos adotados por ONGAs do mundo inteiro. Por exemplo, em 2009 elas pressionaram o governo a assumir maior responsabilidade pelo papel da China na mudança climática e mais frequentemente serviu como advogados legais para comunidades vítimas da poluição. Elas exploraram o uso de táticas de “política simbólica”, como utilizada por grupos de todo o mundo, como o Greenpeace, colocando faixas em locais públicas e montando ações projetando angariar atenção da mídia. Elas assumiram a liderança para pressionar o governo por maior transparência na divulgação de estatísticas de poluição [...]. A adoção dessas estratégias representa uma maturação do movimento ambiental chinês e uma indicação da crescente confiança e disposição dos ativistas em assumir questões politicamente difíceis (YANG, 2011, p. 2, tradução minha).

Os anos 2000 testemunharam a reformulação das ONGs ambientais

chinesas, com novas áreas de atuação, novos métodos, intensa expansão, com novas

ONGs atuando em áreas mais sensíveis politicamente, como na advocacia para

vítimas de poluição ou em campanhas contra grandes projetos que trarão impactos

ambientais significativos (MATSUZAWA, 2012). Ainda que novos instrumentos sejam

utilizados, como as campanhas online, uso da mídia, as dificuldades para ação e

estabelecimento das ONGs continuaram, conforme veremos a seguir.

3.5 Considerações do capítulo- Dificuldades e dilemas das ONGs ambientais

chinesas

As dificuldades vivenciadas pelas ONGs chinesas estão intimamente

ligadas à relação com o Estado e suas restrições, além da questão de financiamento,

infra-estrutura e recursos humanos.

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O maior desafio para a sobrevivência das organizações é a questão do

financiamento. A doação privada às organizações é algo incomum entre os chineses.

Em 2016, os chineses deram quantias equivalentes a cerca de 0,2% do PIB do país, enquanto os americanos doaram mais de 2%. No ano passado [2017], a Charities Aid Foundation, uma ONG britânica que a cada ano classifica 140 países de acordo com a proporção de pessoas que dizem dar tempo, dinheiro ou assistência a estranhos, colocou a China em penúltimo lugar (THE ECONOMIST, 2018, n.p., tradução minha).

Por questões culturais (como a doação a pessoas próximas em detrimento

a estranhos) e históricas (durante o período de Mao Zedong o Partido abominava a

caridade, já que o Estado deveria suprir todas as necessidades da população), a

China não tem uma tradição de doação. Por esses motivos, o financiamento

internacional foi fundamental para o desenvolvimento das ONGs na década de 1990

e 2000 (GAO, 2013).

A partir de 2008, com o terremoto de Sichuan houve um incremento nas

doações, principalmente de empresas, entretanto burocracia, corrupção, desvios de

dinheiro, fazem com que a população, de modo geral, não seja acostumada a enviar

donativos às ONGs.

Para além da falta de costume em doar recursos às organizações,

restrições governamentais também dificultavam o financiamento das ONGs. Até 2016

as ONGs deveriam conseguir patrocínio de alguma agência pública para garantir seu

funcionamento, e apenas a partir da promulgação da Nova Lei de Caridade de 2016

as organizações podem requerer doações diretamente com qualquer indivíduo, desde

que solicitem junto ao Departamento de Assuntos Civis a autorização para solicitação

pública de verba. A nova lei também concede benefícios fiscais às empresas que

fazem doações (ZELDIN, 2016).

Em contrapartida, a Lei de 2016 estimula a transparência dos recursos

captados, sua destinação, a partir da prestação de contas publicamente:

Será obrigatório que as organizações divulguem suas informações básicas regularmente; a condição de seus projetos de caridade; a razão para levantar dinheiro; quanto possui; como está sendo usado; e assim por diante, bem como suas responsabilidades legais (CHI, 2016, n.p., tradução minha).

Além da questão do financiamento, há dificuldades decorrentes das

restrições do governo. Por exemplo, em Beijing, ONGs domésticas não podem

estabelecer filiais; um mesmo indivíduo não pode ser representante legal de mais que

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193

uma ONG; há restrições para o registro de mais de uma ONG por região e tema,

conforme visto no capítulo 1 (EWOH; ROLLINS, 2011).

Com relação à infraestrutura e recursos humanos, há fraca conexão entre

as diversas ONGs, o que impede a troca de informações, o compartilhamento de

conhecimentos, e muitas vezes elas acabam competindo por recursos em áreas em

que poderiam atuar em conjunto. Na maior parte dos casos, a cooperação entre

organizações ocorre em virtude do relacionamento pessoal entre seus líderes, não

sendo cooperação institucional ou duradoura (CHATHAM HOUSE, 2015). Muitas

ONGs acreditam que compartilhar conhecimento e experiência pode levar a perda de

vantagem competitiva, na busca por recursos e reconhecimento, o que não é bom

para as organizações.

Outra dificuldade refere-se à fraca definição dos objetivos de cada ONG:

Muitas ONGs trabalham em um mesmo local e tentam realizar o mesmo trabalho, da mesma maneira. Isso aumenta a competição por recursos e resulta em recursos desperdiçados. ONGs internacionais bem estabelecidas, como Greenpeace, identificaram sua área de atuação, mas a maioria das ONGs ambientais domésticas não conseguiram desenvolver uma área de especialidade, tornando difícil para as ONGs escolherem organizações parceiras para a cooperação (CHATHAM HOUSE, 2015, p. 3, tradução minha).

Como maneira de superar as dificuldades existentes no funcionamento das

ONGs ambientais, grupos interessados tem buscado soluções a partir do

fortalecimento das redes de contato e do uso da mídia para divulgação das ações e

planos futuros; as organizações devem aproveitar as oportunidades que o governo

gera ao reconhecer a importância das questões ambientais e do reconhecimento

gradual do papel que as ONGs podem desempenhar; muitas GONGOs possuem

recursos e estão dispostas a aprender e a colaborar com as ONGs populares.

Organizações diferentes têm diferentes vantagens de recursos, como acesso a informações, experiências, especialistas, contatos no setor privado e no governo, voluntários, acesso à mídia, recursos da comunidade e recursos humanos, etc. Os participantes devem discutir quais recursos suas organizações poderiam fornecer para consolidar uma rede de ONGs ambientais (CHATHAM HOUSE, 2015, p. 5, tradução minha).

Apesar de todas essas dificuldades enfrentadas, o essencial para uma

ONG sobreviver na China é a sua relação com o governo. “O respeito às operações e

missões do governo chinês é vital para a sobrevivência das ONGAs – um fato que

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194

tanto as ONGs chinesas quanto ocidentais terão que aceitar” (GAO, 2013, p. 5,

tradução minha).

A relação Estado/ONGs/Sociedade

Compreender a política chinesa, a forma de governo, suas articulações e

modos de sobrevivência é um grande desafio aos ocidentais, que ainda interpretam a

China como um país autoritário, de partido único, que não adotou as instituições

democráticas do modelo ocidental. “A visão prevalecente no Ocidente tende a

caracterizar o sistema político chinês como um autoritarismo estático e resiliente”

(BUSTELO, 2018, n.p.).

O socialismo com características chinesas, modelo perseguido pelo

governo chinês desde 1949, tem se reinventado constantemente, conseguindo

absorver demandas econômicas, políticas e sociais, a partir de um complexo

mecanismo legislativo que visa representar toda a população por meio da Assembleia

Popular Nacional (APN), formada por 2.980 deputados. Esses deputados são eleitos

entre os mais de 2,67 milhões de deputados eleitos nos cinco níveis da nação. No

nível local ocorrem as eleições entre os cidadãos, que escolhem seus representantes.

O modelo político é classificado, pela própria China, como uma democracia consultiva

socialista; nesse caso, a democracia não é um fim em si mesmo, mas é um meio para

alcançar os objetivos do Partido de modernização econômica (SAICH, 2005). Apesar

das eleições nos níveis locais (vilas e cidades), o Partido mantém controle efetivo

sobre as nomeações governamentais.

Cada 10 eleitores podem indicar um representante para o primeiro nível eleitoral, onde os mais votados passam a compor a lista para o segundo nível e assim sucessivamente, saindo do nível comunitário para os níveis seguintes: distrital, de províncias, regional e nacional (COITINHO, 2018, n.p.).

A experiência da segunda metade do século XX mostra que o PCC foi bem-

sucedido em se adaptar às constantes mudanças vividas na China, superando novos

problemas, criando novas instituições, remodelando as antigas (como a economia e o

sistema jurídico), porém sem significativa reforma política (SAICH, 2005).

Nesse cenário, o desenvolvimento das ONGs é acompanhado de perto

pelo governo, que limita suas ações, controla interesses, interfere nos planos das

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195

organizações. Ao mesmo tempo, há um reconhecimento oficial do papel das ONGs

em promoverem assistência social, agindo em áreas não atingidas pelo governo. Em

1998, Jiang Zemin afirmou que era necessário “’cultivar e desenvolver’ o que ele

chamou de ‘organização social intermediária’ à medida que o programa de reformas

prosseguia. Com a redução de tamanho do Estado e muitos governos locais sem

dinheiro, pode haver pouca escolha” (SAICH, 2005, p. 192, tradução minha).

A maneira como o Estado conduz suas ações é interpretada de diferentes

formas por teóricos do mundo todo. Joy Zhang e Michael Barr (2013) defendem que

existe na China um autoritarismo fragmentado41, isto é, as reformas de Deng Xiaoping

promoveram a descentralização, a redução da coerção política e a diminuição da

política ideológica nas decisões políticas, a partir do aumento da autoridade e

responsabilidades no nível provincial. Para os autores, o autoritarismo fragmentado

explica a dificuldade de implementação das políticas ambientais e climáticas, afinal o

governo central acaba fazendo concessões aos governos locais, o que enfraquece a

implementação das leis.

Revisitando essa compreensão, Andrew Mertha (2009) sugere uma

reconceitualização do termo, chamando-o de autoritarismo fragmentado 2.0,

reconhecendo que há um potencial crescente de atores não-governamentais

pressionarem e negociarem com atores governamentais no processo de formulação

de políticas:

Este artigo sugere que membros previamente excluídos do processo de formulação de políticas na China – funcionários conectados perifericamente à questão política, a mídia, as organizações não-governamentais e ativistas individuais – conseguiram participar do processo político adotando estratégias para agirem dentro dos limites processuais e estruturais do autoritarismo. O ponto de entrada é através da folga existente nas instituições que não se adaptam suficientemente às rápidas mudanças econômicas, ao lobby agressivo dos grupos de pressão ou às expectativas dos cidadãos. Esses espaços são terrenos férteis para mudanças políticas se o conjunto certo de elementos estiverem no lugar (MERTHA, 2009, p. 996, tradução minha).

Outra interpretação que também reconhece o papel dos atores não-

governamentais é o autoritarismo corporativista, que identifica a existência de forte

influência do Estado sobre os atores não-estatais, onde o Estado é um árbitro da

41 O termo foi cunhado em 1988 por Kenneth Lieberthal e Michel Oksenberg. Ver: LIEBERTHAL, Kenneth; OKSENBERG, Michel. Policy making in China: Leaders, structures and process, Princeton: Princeton University Press, 1988.

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legitimidade, limitando o número de atores com os quais deve negociar suas políticas,

cooptando seus membros a seguirem seus ditames. O autoritarismo corporativista é

um modelo de governança de cima para baixo mais rígido, onde o Estado seleciona

aqueles que participarão do processo político. Nessa visão, as ONGAs devem evitar

ameaçar o status quo estrutural, limitando suas ações dentro do espaço político

concedido pelo Estado. Essa visão limita a compreensão do papel das ONGs e de

como elas auxiliam a pluralizar o processo político (GAUDREAU; CAO, 2015).

É exatamente a pluralização do processo político que é destacada quando

se compreende os fenômenos a partir da noção de governança adaptativa, outra

perspectiva possível para entender a relação Estado/Sociedade/ONGs. Para Derek

Armitage (2008) é preciso que haja uma estrutura social flexível, que permite perceber

e lidar com as mudanças no sistema sócio ecológico, reconhecendo o valor dos

múltiplos atores e de suas perspectivas. A governança adaptativa demanda relações

colaborativas e redes onde atores governamentais e não-governamentais estão

envolvidos um com o outro em um relacionamento que se reforça mutuamente

(GAUDREAU; CAO, 2015).

Os estudos existentes de ONGs na China apontam para essa flexibilidade no trabalho de atores não estatais na governança ambiental. Por exemplo, Yang (2010) afirma que “[ONGs ambientais chinesas] são segmentares, policêntricas e trabalham em redes. Elas formam uma estrutura dinâmica aberta para entrada e mudança, fornecendo oportunidades de inovação para indivíduos criativos (GAUDREAU; CAO, 2015, p. 422, tradução minha).

Essa interpretação de governança adaptativa aplicada ao caso chinês

recebe diversas críticas, pois a capacidade dos atores sociais em exercerem

influência está sujeita às limitações promovidas pelo Estado, o que enseja a adoção

do termo semi-autoritarismo por Peter Ho:

Ao contrário de um contexto autoritário em que o Estado exerce controle praticamente totalitário sobre a sociedade, o ambiente semi-autoritário é restritivo, mas paradoxalmente também é propício a ações coletivas voluntárias em âmbito nacional, com menos risco de instabilidade social e repressão por parte da elite governante (HO, 2007, p. 189, tradução minha).

O semi-autoritarismo cria, então, o que Peter Ho chama de embedded

activism (algo como ativismo social incorporado), que significa que os espaços sociais

de ação cívica acomodam negociação e adaptação. Os ativistas precisam adotar uma

estratégia não-confrontacional, isto é, não podem se opor ao Estado-Partido central.

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O desenvolvimento das ONGs ambientais mostra que elas foram capazes de

contornar os regulamentos rigorosos, os ativistas fizeram intenso uso de redes

informais com o Partido e com funcionários do governo, criando redes capazes de

mobilizar efetivamente os recursos, sendo muitas vezes um contraponto às ações

governamentais. Para Peter Ho (2007; 2001) a dualidade contraditória marcada pelo

cenário semi-autoritário, restritivo e propício ao mesmo tempo, forma a essência do

ativismo social chinês.

Assim, para Yanqi Tong (2005) as ONGAs aproveitaram esse espaço de

atuação, promovendo uma vida pública mais ativa na China, aproximando os cidadãos

do Estado, com o incremento de espaços culturais e sociais cada vez mais

diversificados e ricos.

As diversas interpretações possíveis para a relação

Estado/Sociedade/ONGs refletem o paradoxal fato de um país, entendido como

autoritário, permitir e estimular o crescimento de ONGs aptas a desempenharem

funções que antes eram exclusivamente governamentais.

No caso específico das ONGs ambientais deve-se destacar que tal espaço

de atuação foi precedido pela ecologização do Estado, que já estava se preocupando

com políticas ambientais, construindo instituições estatais para executá-las e

monitorá-las.

Revisitando esse desenvolvimento histórico, Bruce Gilley (2012)

argumenta que o que existiu na China, da década de 1970 até meados de 2000, foi

um ambientalismo autoritário, isto é, o processo político era dominado por um Estado

centralizado e um grupo da elite política ficava responsável por fazer e implementar

as políticas ambientais. Nesse cenário os atores não-governamentais participam das

campanhas governamentais apenas para implementar as decisões – que são

tomadas por um pequeno número de tecnocratas. Zhang e Barr (2013) afirmam que

a vantagem do ambientalismo autoritário é a rapidez e abrangência de respostas num

momento de crise ambiental, tendo maior chance de alcançar os resultados

esperados. Isso ocorre por meio da perda de liberdade individual, já que impõe aos

indivíduos o engajamento a comportamentos sustentáveis e a obediência às políticas

ecologicamente corretas. Assim, há uma tendência à cooptação dos movimentos

ambientais, tornando-os instrumentos para aumento da legitimidade do Estado, a

partir de uma retórica pró-ambiental.

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Utilizando essa noção de ambientalismo autoritário e a noção de embedded

activism de Peter Ho, podemos compreender que na ausência de espaço para

atuação política das ONGs ambientais, elas se moldam ao ambientalismo autoritário

do Estado e se distanciam da atuação política direta. Os anos 1990 e 2000 são

marcados, então, por um ambientalismo dotado de delicadeza e suavidade, conforme

defende Peter Ho (2001), fugindo dos conflitos políticos e praticado à distância das

direções políticas.

Entretanto, o desenvolvimento das ONGs na década de 2000,

acompanhado pelo aumento dos protestos, mobilização dos cidadãos, incremento no

uso da mídia e imprensa, sugerem uma transição para um ambientalismo democrático

(GILLEY, 2012), que é marcado pela participação pública no processo político, através

da identificação do problema, formulação de políticas e implementação delas, e no

nível de participação, que passa de um baixo envolvimento público a um alto

envolvimento, com constituição de fóruns deliberativos, influência nas legislações etc.

Figura 12: Ambientalismo autoritário versus Ambientalismo democrático

Fonte: Adaptado de GILLEY, 2012.

Ambientalismo

autoritário

Limites à liberdade individual e à participação pública na elaboração de

política

Política formulada por "ecoelites" conduzidas por tecnocratas

Exclusão de ONGs e outros atores na elaboração de políticas

Formulação centralizada e implementação descentralizada

Importante liderança política

Ambientalismo

democrático

Poucos limites às liberdades sociais, civis e políticas

Políticas criadas de maneira inclusiva, com discursos multiatores

Diversos stakeholders - ONGs, mídia, mercado, especialistas, políticos

Formulação e implementação descentralizada

Importante haver consenso entre os stakeholders

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Koon-Kwai Wong (2005) sugere que desde o fim do governo de Jiang

Zemin (1993-2003) é perceptível as mudanças substanciais na relação entre o

governo e as ONGs, indicando que as elites do Partido passaram a permitir o

envolvimento das ONGAs na governança ambiental, afinal o governo reconheceu a

potencial parceria com as organizações e com a sociedade civil na proteção

ambiental. As ONGs conseguem mobilizar melhor a subjetividade dos cidadãos

comuns em prol do meio ambiente, obtendo mais sucesso que o governo ao tentar

educar e motivar o povo a lidar com o problema ambiental. Tal fato estimula o

reconhecimento estatal de que o público é mais propenso a acreditar nas ONGs do

que no governo, conforme afirma Jonathan Schwartz (2004). O desafio, então, por

parte das ONGs é influenciar a política governamental e educar os cidadãos chineses

e por parte do governo é coordenar o crescimento e empoderamento das ONGs sem

deixar que isso afete a legitimidade do governo.

A transição para um ambientalismo democrático está apenas começando,

sem radicais mudanças no funcionamento das ONGs, que ainda enfrentam diversos

empecilhos no desenvolvimento de suas atividades, que ainda estão diretamente

relacionadas com as políticas governamentais, atuando no restrito espaço permitido

pelo governo.

Megan McCulloch (2015) destaca que o amadurecimento do movimento

ambientalista chinês é focado exclusivamente no meio ambiente e não em

preocupações com a democratização política, afinal as ONGs estão aprendendo

maneiras de pressionar o governo sobre questões que não desafiam o monopólio

político do Partido, encontrando respostas governamentais cada vez mais favoráveis

à reforma ambiental.

O processo de transição para um ambientalismo democrático será

retomado no próximo capítulo, onde analisaremos as ONGs de mudanças climáticas

e a atuação dessas na década de 2010, compreendendo os avanços obtidos no

período mais recente de desenvolvimento das ONGs ambientais chinesas.

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Capítulo 4 – O enfrentamento às Mudanças Climáticas e a atuação das ONGs de

2007 a 2015

Nesse capítulo irei abordar inicialmente a problemática das mudanças

climáticas na China, recuperando os principais fatores responsáveis por intensificar

as mudanças climáticas e as consequências dessas mudanças ao país.

Trabalharemos com uma reconstrução teórica sobre mudanças climáticas, impactos,

ações de mitigação e adaptação, voltados para a realidade chinesa.

Em 2007 a China lançou seu Programa Nacional de Mudanças Climáticas.

Enquanto primeira iniciativa oficial, esse Programa estimulou o surgimento de ONGs

voltadas para as mudanças climáticas. Tais ONGs, atuantes a partir do início da

década presente (2010), passaram a ser importantes atores na condução das políticas

públicas climáticas. Compreender como ocorre a atuação voltada para as mudanças

climáticas e a importância das ONGs nesse processo nos levará à reflexão sobre a

governança multiatores, outro ponto central da argumentação dessa tese, que será

retomada nas considerações finais.

4.1 A questão das mudanças climáticas na China

Ainda que a temática das mudanças climáticas tenha surgido nos debates

científicos na década de 1980, a partir da inserção de temas sobre clima em

conferências internacionais, foi com a divulgação do primeiro relatório do IPCC em

1990, que a temática passou a ter maior reconhecimento nas arenas políticas

internacionais.

O primeiro relatório do IPCC estabeleceu a necessidade de criar

mecanismos propícios às discussões referentes ao clima e meio ambiente entre

diversas instâncias governamentais (IPCC, 1992), apresentando as bases para a

Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (em inglês,

UNFCCC), que foi firmada durante a Eco 92, realizada no Rio de Janeiro em 1992, a

partir do reconhecimento da necessidade de estabilizar as concentrações de gases

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de efeito estufa em níveis que permitissem a adaptação natural dos ecossistemas às

mudanças climáticas (BATISTA, 2014).

Apesar de ter participado da Eco 92 e ter ratificado o tratado, a China tem

uma internalização e resposta tardia às mudanças climáticas, fenômeno que é uma

grande ameaça à China em virtude de suas consequências abrangentes, afetando

desde a saúde da população, alterando padrões de chuvas e temperaturas,

influenciando agricultura, pesca, navegação, dentre outros.

Ainda que naturalmente o planeta passe por períodos de resfriamento e

aquecimento decorrentes de fatores naturais, como variação solar, atividades

vulcânicas e mudanças na órbita da Terra, a ação humana já é reconhecida como

fator principal para a intensificação das mudanças climáticas.

Em 1995, o segundo relatório de avaliação das mudanças climáticas do IPCC calculava uma probabilidade maior que 50% de tais fenômenos serem causados preponderantemente por atividades humanas. No terceiro relatório, em 2001, essa probabilidade subiu para 66-90%. Em 2007, no quarto relatório do IPCC, ela era de 90% (MARQUES, 2015, p. 277).

Já o quinto relatório do IPCC apresenta a atividade humana como causa

dominante do aquecimento global com 95% de certeza, confirmando que o aumento

das emissões de GEE está diretamente relacionado com diversas mudanças, como

aquecimento da atmosfera e oceano, elevação do nível do mar e diminuição das

geleiras (IPCC, 2013; MARQUES, 2015).

A China se tornou o maior emissor global de gases de efeito estufa em

2007, quando ultrapassou os Estados Unidos. Suas altas emissões estão diretamente

ligadas ao tamanho da sua população (quase 1,4 bilhão de habitantes), ao rápido e

forte desenvolvimento econômico nas duas últimas décadas, além de sua matriz

energética baseada no carvão, conforme já visto no capítulo 2 (SCHREURS, 2010).

O dióxido de carbono é o principal gás gerador do aquecimento global,

seguido pelo metano. As emissões de dióxido de carbono são causadas pela queima

de carvão, petróleo e gás, mas também por processos industriais, produção de

cimento, desmatamento.

Na última década a China foi o maior emissor de GEE, entretanto numa

perspectiva histórica, o status da China como maior emissor mundial é algo recente,

já que durante os séculos XIX e XX as emissões chinesas foram modestas. O cálculo

de emissões cumulativas de CO2 é uma métrica interessante, afinal, uma vez emitido

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o CO2 permanece na atmosfera por muitos anos. De acordo com o IPCC, entre 15%

e 40% de CO2 permanecem na atmosfera por mais de 1.000 anos, desta forma, as

emissões acumuladas são importantes para determinar a contribuição de um país

para o aquecimento global. Nessa perspectiva, as emissões cumulativas da China, no

período de 1850 a 2014, correspondem a 12%, as emissões dos Estados Unidos

correspondem a 26% e da Europa a 23% (WRI, 2019), conforme gráfico abaixo:

Gráfico 12: Emissões cumulativas de CO2

Fonte: WRI, 2019.

Outras métricas de análise das emissões de GEE incluem as emissões per

capita (conforme apresentadas no capítulo 2, gráfico 3 e 4) e as emissões por unidade

de PIB, também chamada de “intensidade de carbono”. Em 2017 a China emitiu

aproximadamente 0,40 kg de CO2 por dólar do PIB e em 2018 cerca de 0,37 kg de

CO2 por dólar do PIB. Apesar da intensidade de carbono ter reduzido constantemente

nas últimas décadas, a China ainda mantém uma alta intensidade em comparação

com outras grandes economias, como os Estados Unidos (0,26), Japão (0,22) e União

Europeia (0,17). A busca por melhor eficiência energética é um claro objetivo dos

últimos planos quinquenais, o que fez com que as emissões chinesas por unidade de

PIB caíssem constantemente desde 2004 (SANDALOW, 2018; SANDALOW, 2019).

China12%

Estados Unidos26%

União Européia24%

Outros países38%

EMISSÕES CUMULATIVAS (1850-2014)

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Apesar da queda nos números de intensidade de carbono, o volume global

de emissões de CO2 voltou a aumentar após um período de estabilização entre 2013

e 2016. Em 2018, a China emitiu cerca de 11 Gt, aproximadamente 28% do total

global, sendo que 9,5 Gt foram provenientes da queima de combustíveis fósseis42. As

emissões da China excederam as dos Estados Unidos e União Europeia combinados

(SANDALOW, 2019).

Gráfico 13: Emissões de CO2 equivalente43 - China

Fonte: Desenvolvimento próprio baseado em Climate Action Tracker, Country Assessments September, 2019.44

O período 2013-2016 teve uma redução e estabilização das emissões em

virtude de transformações econômicas ligadas à manufatura pesada; desaceleração

42 Os dados de emissões de GEE pela China são repletos de incertezas. Apesar dos sistemas de coleta de dados terem melhorado na última década, eles não são tão desenvolvidos ou transparentes como em muitos países industrializados. Especialistas temem dados enviesados, que refletem a necessidade de alcançar metas de crescimento econômico. Em 2014 o governo chinês divulgou a meta de melhorar os sistemas de dados climáticos, fortalecendo o trabalho estatístico sobre mudança climática e promovendo a divulgação de dados de emissões de gases de efeito estufa (SANDALOW, 2018). Shan et al (2018) afirmam que as emissões atuais estimadas por diferentes institutos e pesquisadores apresentam grande diferença entre si - a diferença dessas estimativas é aproximadamente igual ao total de emissões da Rússia em 2011.

43 CO2 equivalente (CO2e) significa “equivalente de dióxido de carbono”, uma medida internacionalmente padronizada de quantidade de gases de efeito estufa (GEE) como o dióxido de carbono (CO2) e o metano. A equivalência considera o potencial de aquecimento global dos gases envolvidos e calcula quanto de CO2 seria emitido se todos os GEEs fossem emitidos como esse gás (PINTO et al., 2009).

44 Disponível em http://climateactiontracker.org

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de algumas indústrias que fazem uso intensivo de energia; desaceleração da

economia em geral; aumento da disponibilidade de energia solar e eólica; e aumento

da geração de energia por meio de hidrelétricas, beneficiadas pelo alto volume de

chuvas.

Já em 2017 e 2018, houve aumento das emissões em 1,5% e 2,5%,

respectivamente, como resultado da recuperação econômica de algumas indústrias e

maior demanda por aquecimento e resfriamento devido a número incomum de dias

muito quentes e muito frios (SANDALOW, 2019).

A ocorrência desses dias muito quentes e muito frios é consequência das

mudanças climáticas, que já sinalizam a alta vulnerabilidade da China aos impactos

das mudanças climáticas, que “representam um enorme desafio para a sobrevivência

e desenvolvimento da raça humana” conforme líderes da China declararam

(SANDALOW, 2018).

A grande complexidade do clima e dos sistemas ecológicos da China – em um território que compreende 9,6 milhões de quilômetros quadrados, 18.000 quilômetros de costa e estendendo-se por ambas as zonas tropicais/subtropicais – significa que os perigos que enfrenta como resultado das mudanças climáticas são muitos e variados. De acordo com o Conselho de Estado, a agricultura e pecuária da China, florestas e sistemas ecológicos naturais, recursos hídricos e zonas costeiras já foram adversamente afetados, ou espera-se que sejam no futuro próximo, com consequências terríveis para a economia e sociedade (HELD; NAG; ROGER, 2011, p. 13, tradução minha).

Julho de 2019 foi o mês mais quente já registrado, reescrevendo a história

do clima, com dezenas de novos registros de alta temperatura, inclusive na China. Em

virtude das altas temperaturas, que atingiu mais de 800 milhões de pessoas, a China

Meteorological Administration emitiu alerta laranja de calor, o segundo mais alto em

uma escala de quatro (DUARTE, 2019). O fenômeno já havia sido previsto no Third

National Assessment Report on Climate Change, que afirmou que a China enfrenta

ameaças significativas de aumento do nível do mar, eventos climáticos severos,

derretimento das geleiras e acúmulo de GEE na atmosfera.

O relatório, baseado no trabalho de mais de 500 especialistas chineses,

identificou que as temperaturas médias na China aumentaram acima da média global,

entre 0,9°C e 1,5°C no último século (ZHAO, 2015). A temperatura mais alta registrada

na China foi de 50,3°C, em Xinjiang, em 2015. Outros episódios recentes foram

registrados em 2017, quando Shanghai registrou temperatura de 40,9°C; em 2013

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províncias do sul e leste sofreram com severa onda de calor, o que fez com que as

autoridades chinesas declarassem nível 2 de emergência, que antes só havia sido

declarada a partir de ocorrência de tufões e inundações (SANDALOW, 2018).

O aumento da temperatura em toda a China provoca diretamente o

derretimento de geleiras, que no período de 1970 até início da década de 2000 já

tinham encolhido 10%. O encolhimento das geleiras intensifica potenciais riscos

geopolíticos nas regiões do Tibete e de Tianshan, em áreas transfronteiriças, que

deverão sofrer com disputas por recursos hídricos e com fluxos fluviais menores

(HUNG; TSAI, 2012). O derretimento do Himalaia pode atingir 1,65 bilhão de pessoas,

de oito países diferentes, que moram na região e se beneficiam diretamente ou

indiretamente de seus recursos.

Alterações nos fluxos fluviais de toda a China também impactam a

produção agrícola e a cadeia de suprimentos global, que depende diretamente das

mercadorias embarcadas nos rios da China, já que o país apresenta um importante

sistema de transporte fluvial. Estima-se que, sem medidas de adaptação, os danos

econômicos causados pelas inundações podem aumentar 80% nos próximos 20 anos

(SANDALOW, 2018).

O aumento do nível do mar, outra consequência direta do aquecimento

global, também é uma grande ameaça à China. O Third National Assessment Report

on Climate Change identificou que o mar no leste da China subiu 93 milímetros entre

1980 e 2012 (ZHAO, 2015). Especialistas preveem que até 100 milhões de pessoas

terão que se mudar do sul da China por causa do aumento do nível do mar, que fará

com que partes do território terrestre chinês fique submerso, com as áreas costeiras

enfrentando ameaças potenciais mais fortes (HUNG;TSAI, 2012; EBERHARDT, 2015;

LI et al., 2012). O problema se intensifica na costa leste, com alta concentração

populacional, onde o aumento do nível do mar pode atingir mais de 145 milhões de

pessoas. Caso haja um aumento superior a 4°C cidades como Shanghai serão

diretamente atingidas. Caso o aumento da temperatura global seja de 2°C a circulação

dentro da cidade será gravemente afetada, mas se for superior a 4°C a cidade ficará

inundada, conforme mostra a figura 13 (STRAUSS; KULP; LEVERMANN, 2015).

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206

Figura 13: Aumento do nível do mar em Shanghai (projeção)

Fonte: Mapping Choices -Climate Central45

Além da vulnerabilidade da China às ondas de calor, aumento do nível do

mar e derretimento das geleiras, a mudança climática também intensifica a

vulnerabilidade às secas e chuvas fortes. Esses fenômenos interferem diretamente na

45 Disponível em https://choices.climatecentral.org

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207

produção agrícola, colocando em risco a segurança alimentar. Como exemplo, em

2011, secas destruíram grãos que teriam alimentado 60 milhões de chineses por um

ano (MOE, 2013).

Os eventos de chuvas fortes na China estão aumentando em frequência e gravidade. Um estudo de 2016 identificou que os dias de tempestade aumentaram 10%, enquanto os dias chuvosos leves diminuíram 13% desde 1961. Outro estudo constatou que as chuvas no sul da China em 2015 foram 50% maiores que as do período entre 1971 e 2000. Em meados dos anos 2000, a chuva caiu em uma série de fortes tempestades, causando severas inundações em muitas cidades com impactos que incluíram perda de vidas. Em julho de 2007, as piores tempestades em 115 anos atingiram Chongqing, causando dezenas de mortes e extensos danos à propriedade. Em julho de 2012, as chuvas mais fortes em 60 anos atingiram Beijing, deixando 37 pessoas mortas. As secas também têm sido um problema. Em 2017, partes da Mongólia Interior sofreram a pior seca registrada. Em 2016, os dias de seca no nordeste da China estavam 37% acima da média (SANDALOW, 2018, p. 24, tradução minha).

A seca também tem afetado diretamente a população, como ocorreu em

2009 quando o norte da China foi atingido pela pior seca em quase 50 anos, deixando

mais de 4 milhões de pessoas sem água potável. Em 2010, 2 milhões de pessoas

voltaram à pobreza em decorrência da pior seca do sudeste da China em 60 anos.

Estima-se que a China perde 30 milhões de toneladas de alimentos a cada ano devido

às secas, e na segunda metade do século XXI pode ocorrer declínio de até 37% da

produção de trigo, arroz e milho em virtude das mudanças climáticas (LI et al., 2012).

A alteração nos ciclos de evaporação e resfriamento da água deverá

provocar dias mais frios e verões mais quentes, com redução no volume de chuvas,

que gerarão problemas graves de abastecimento de água e até mesmo de energia.

Hung e Tsai (2012) afirmam que a China pode se envolver em conflitos internacionais

motivados pelas mudanças climáticas, na ânsia por novos recursos naturais, mas

também em decorrência de migração de chineses para países vizinhos, como Rússia

e Mongólia.

A intensificação dos fenômenos, como ondas de calor, inundações e secas,

também interferem diretamente na saúde da população, com aumento na incidência

e gravidade de doenças cardiovasculares, derrames, aumento de epidemias tropicais,

como malária e dengue, além de doenças infecciosas relacionadas às inundações,

como diarreia, cólera, disenteria.

Além da saúde, as mudanças climáticas também interferem na dinâmica

populacional e nas migrações, tanto de áreas rurais para áreas urbanas, quanto de

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208

áreas mais secas para áreas com mais chuvas. Os conflitos nacionais (entre as

minorias étnicas) podem se acirrar devido às questões ambientais (HUNG; TSAI;

2012).

Se a degradação ambiental, apresentada nos capítulos 2 e 3, já trazia altos

custos à China, as mudanças climáticas amplificam os riscos e demandam políticas

governamentais e ações sociais urgentes, como maneira de minimizar as

vulnerabilidades. A seguir, o desenvolvimento das políticas chinesas voltadas às

mudanças climáticas será apresentado.

4.2 As políticas de mudanças climáticas

A resposta às mudanças climáticas é complicada e multifacetada: envolve

sistemas naturais, energia, finanças, política etc. Demanda uma articulação entre as

diversas escalas e níveis – do indivíduo à coletividade, do local ao global. É preciso

reconhecer a gravidade das mudanças climáticas, identificando-as como um dos

principais riscos da contemporaneidade, que permeiam os mais diversos tipos de

relação e estão presentes de maneira indistinta em todo o globo (BECK, 2010;

GIDDENS, 2010).

O desenvolvimento de uma política climática chinesa só começa a figurar

na agenda das políticas domésticas após o ano de 2007, quando a China se tornou o

maior emissor global de GEE. Apesar disso, na esfera internacional a China participou

de acordos globais do clima desde a década de 1990 (CHEN, 2017; FERREIRA,

2017).

O tema das mudanças climáticas foi inicialmente abordado na agenda

internacional no final da década de 1970, momento em que a China defendia um

crescimento econômico intenso às custas dos recursos naturais, com alto consumo

energético e sem preocupações ambientais, perspectiva apresentada ao longo do

capítulo 2 e que contrastava com a política ambiental e climática internacional que já

recomendava o uso sustentável de recursos naturais e energéticos.

O debate climático se insere na China a partir do final dos anos 1980,

quando foi assinado um acordo entre a Academia Chinesa de Ciências e o

Departamento de Energia dos EUA, para investigar os impactos do dióxido de carbono

nas mudanças climáticas. Em consonância com o desenvolvimento científico na área,

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209

em 1987, foi fundado o Chinese National Climate Committee, com o propósito de

investigar os efeitos de uma possível mudança climática para a China. O tema ainda

era controverso e durante a primeira reunião do IPCC a delegação chinesa negou

responsabilidade e necessidade de ação (ECONOMY, 1997; SCHROEDER, 2008).

Antes da Segunda Conferência Mundial sobre o Clima, realizada em 1990,

funcionários do governo chinês entraram em debate: de um lado estavam aqueles que

acreditavam que o crescimento econômico era imperativo e deveria ser desenvolvido

a qualquer custo e, por isso, a China não deveria se comprometer com as políticas

climáticas internacionais. De outro lado, estavam aqueles que vislumbravam a

possibilidade da China melhorar sua imagem internacional, que estava abalada após

os acontecimentos de Tiananmen, em 1989. Ao mesmo tempo, resultados do IPCC

foram divulgados em seu primeiro relatório, mostrando que a China estava entre os

países mais vulneráveis às mudanças climáticas, com possibilidade de efeitos diretos

na produtividade agrícola do país (IPCC, 1992; SCHROEDER, 2008).

O debate nacional foi encerrado a partir da intervenção de Deng Xiaoping,

que afirmou que a segurança energética deveria ser uma prioridade para a China,

assinando o Protocolo de Montreal para a Proteção da Camada de Ozônio, que se

tornou um marco ao ser o primeiro esforço chinês em prol da agenda internacional de

proteção do clima.

Em 1990 foi instituído o National Climate Change Coordination Group,

sinalizando que naquele momento as mudanças climáticas eram apenas uma questão

científica, mas não de política nacional. Logo em seguida foi lançado o Oitavo Plano

Quinquenal (1991-1995), que incluiu, pela primeira vez, uma preocupação com as

mudanças climáticas ao solicitar a realização de uma pesquisa sobre as mudanças

ambientais nos próximos 20 a 50 anos. Outra pesquisa, conduzida por mais de 500

especialistas chineses, foi realizada com o intuito de reduzir as incertezas quanto ao

tema, visto que boa parte dos membros do governo ainda mantinham pontos de vista

baseados nas incertezas científicas sobre as mudanças climáticas. Com isso, é

importante sinalizar, “os cientistas se tornaram, assim, os primeiros atores da

mudança climática, por iniciativa do governo central” (STENSDAL, 2014, p.118).

Os cientistas chineses passaram a participar mais ativamente de

discussões internacionais, com uma crescente participação na comunidade

epistêmica internacional. A participação na Eco 92, a ratificação da Convenção sobre

Mudança do Clima e a formulação da Agenda 21 foram elementos que facilitaram a

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210

inserção da China na agenda internacional, recuperando sua imagem perante os

outros países.

Apesar de ter ratificado a Convenção de 1992, naquele momento as

mudanças climáticas eram interpretadas puramente como fenômenos naturais,

assuntos externos dos países desenvolvidos e desvinculadas de políticas nacionais.

Essa perspectiva se manteve durante a década de 1990, mesmo com a assinatura do

Protocolo de Kyoto46, em 1997, que não obrigou a China a reduzir a emissão de CO2

por causa de seu status de país em desenvolvimento (EBERHARDT, 2015).

A partir de 1998 a questão das mudanças climáticas começa a receber

outro tratamento, incentivada pela transferência do National Climate Change

Coordination Group para a Development Comission (unidade administrativa de mais

alto nível da China, antecessora do NDRC), que significou que as mudanças

climáticas não eram apenas uma discussão puramente científica, mas surgia como

uma questão política e econômica muito importante (HELD; NAG; ROGER, 2011).

A partir dessa incorporação, o 10º Plano Quinquenal (2001-2005)

mencionou o compromisso do governo chinês em lidar com as mudanças climáticas

e outros problemas ambientais globais. O plano não apresentava nenhuma meta

específica para as mudanças climáticas, apesar de apresentar várias metas

ambientais (como redução de poluentes atmosféricos e expansão da cobertura

florestal) (SANDALOW, 2018).

Em 2002, a China ratificou o Protocolo de Kyoto, concordando em reduzir

suas emissões e se comprometendo a adotar o MDL47 (mecanismo de

desenvolvimento limpo), num claro sinal de que a proteção climática passou a ser

reconhecida pela política chinesa como algo fundamental. Os anos seguintes

vivenciam a implementação de vários projetos de MDL, vistos como maneira de atrair

investimentos estrangeiros e obter benefícios econômicos, principalmente a partir do

desenvolvimento de energias renováveis (SCHREURS, 2017).

46 “O Protocolo de Kyoto é um acordo internacional entre os países integrantes da ONU, firmado com o objetivo de se reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa e o consequente aquecimento global. [...] De acordo com o Protocolo, as nações se comprometem a reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa em 5,2% comparando-se com os níveis de 1990“ (DECICINO, s.d, n.p.).

47 O MDL é um programa internacional de comércio de emissões administrado pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, com o intuito de auxiliar o processo de redução de emissões de GEE. O MDL permite que os países em desenvolvimento vendam Reduções Certificadas de Emissões, isto é, crédito de carbono, aos países industrializados, que precisam atingir suas metas de redução de emissões sob o Protocolo de Kyoto (ZHANG; BARR, 2013).

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211

Foi durante o 11º Plano Quinquenal (2006-2010) que as mudanças

climáticas efetivamente foram incorporadas na agenda política chinesa, no nível

doméstico. Em 2006, foi lançado o Relatório Nacional de Avaliação das Mudanças

Climáticas, organizado pela Academia Chinesa de Ciências e baseado no trabalho de

mais de 20 ministérios e agências governamentais. A principal contribuição do

relatório foi a constatação de que as mudanças climáticas representam sérias

ameaças à China, que estaria entre os países mais severamente impactados pelas

mudanças climáticas (SANDALOW, 2018; QI; WU, 2013).

No ano seguinte, em 2007, o IPCC lançou seu 4º relatório, que teve a

participação de especialistas chineses, e confirmou que o aquecimento do sistema

climático era fenômeno inequívoco e diretamente relacionado com as atividades

humanas. O relatório do IPCC também alertou para o desaparecimento das geleiras

do Himalaia dentro de três décadas, o que alarmou os governantes chineses, afinal

grande parte da população chinesa depende dos rios que se originam naquela região

(IPCC, 2007; QI; WU, 2013).

Nesse mesmo ano a China se tornou o principal emissor de GEE, o que

intensificou a pressão internacional por políticas chinesas de mudanças climáticas, e

o governo chinês lançou o Programa Nacional de Mudanças Climáticas,

reconhecendo que as mudanças climáticas demandam ação política e implicam em

alterações nas metas estabelecidas para energia e intensidade de carbono (MOE,

2013). As políticas energéticas tornam-se explicitamente ligadas à redução de

emissões de GEE e combate às mudanças climáticas, consagrando as mudanças

climáticas como elemento essencial no planejamento do desenvolvimento futuro da

China (STENSDAL, 2014; FERREIRA; BARBI, 2013). Outras políticas ambientais

anteriores, como a de reflorestamento, passaram a ser apresentadas como medidas

de combate às mudanças climáticas.

Em junho de 2007, o governo chinês anunciou seu primeiro plano de ação nacional para responder às mudanças climáticas. O relatório observa que, como resultado da reestruturação econômica, políticas de conservação de energia, pesquisa e desenvolvimento, além de difusão de novas tecnologias, a intensidade energética da China diminuiu a uma taxa anual de 4,1% ao ano, de 1990 a 2005. A participação do carvão no mix de energia primária da China diminuiu de 76,2% em 1990, para 68,9% em 2005. A expansão das energias renováveis se tornou um objetivo da política energética. Em 2006, as energias renováveis detinham uma participação de 17% na eletricidade. A Lei de Energias Renováveis de 2005 estabeleceu uma meta de atingir 10% de fontes renováveis no mix energético até 2010, e o NDRC elevou a meta para 15% em 2020. A estratégia climática nacional da China se concentra em

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212

estratégias para reduzir o consumo de energia por unidade de produto interno bruto (PIB), desenvolver novas tecnologias energéticas e ambientais, desenvolver tecnologias limpas de carvão, expandir a energia nuclear, expandir as energias renováveis e expandir a cobertura florestal para 20% do território da nação (SCHREURS, 2010, p. 92, tradução minha).

.

A maioria dos governos provinciais também passou a estabelecer políticas

de mudanças climáticas, no nível local, como resposta ao comando do governo

central. Diversas províncias criaram Grupos líderes em Mudanças Climáticas,

Economia de Energia e Redução de Poluição com base nas orientações do governo

central, alterando rapidamente a governança das mudanças climáticas na China.

Antes disso, os governos locais não haviam se interessado ou estavam cientes dos

problemas que as mudanças climáticas poderiam trazer (HELD; NAG; ROGER, 2011).

Em 2008 foi publicado o White Paper China’s Policies and Actions for

Addressing Climate Change, que apresenta a vulnerabilidade do país às

consequências negativas das alterações climáticas e propõe um plano de política

energética baseado em termos de interesse econômico nacional (STENSDAL, 2014).

Nesse momento, apesar do reconhecimento das mudanças climáticas, as políticas

mostravam, implicitamente, que a China compartilharia a responsabilidade moral

pelas mudanças climáticas apenas quando suas necessidades sociais estivessem

adequadamente satisfeitas, princípio conhecido nos acordos internacionais como

responsabilidades comuns porém diferenciadas (LO, 2010). Foi nesse documento que

ficou estabelecida a responsabilidade do National Development and Reform

Commission48 (NDRC) pela implementação das políticas climáticas e coordenação

das negociações internacionais, através do National Leading Working Group on

Addressing Climate Change (NLWGACC), criado em 2007 (HELD; ROGER, 2011).

Os últimos anos da década de 2000 vivenciaram uma série de

fenômenos naturais extremos e desastres ligados à mudança climática, que serviram

48 “A NDRC é uma agência de gestão macroeconômica; sob o Conselho de Estado. A NDRC estuda e formula políticas de desenvolvimento econômico e social, mantém um equilíbrio entre agregados econômicos e orienta a reestruturação do sistema econômica. Uma das principais funções da NDRC é promover a estratégia de desenvolvimento sustentável; empreender uma coordenação abrangente de economia de energia e redução de emissões; organização, formulação e coordenação da implementação de planos e medidas políticas para a reciclagem, conservação de energia e recursos e utilização abrangente; participar da formulação de planos para melhoria ecológica e proteção ambiental; coordenar a solução dos principais problemas relacionados à construção ecológica; coordenar trabalhos relevantes sobre indústrias favoráveis ao meio ambiente e promoção da produção limpa” (TSANG; KOLK, 2010, p. 181, tradução minha).

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213

para aumentar a preocupação governamental e da sociedade civil sobre o tema. O

governo central admitiu que o caminho de desenvolvimento do país não era

sustentável e precisava ser redirecionado (MOE, 2013).

Em janeiro de 2008, uma forte tempestade de neve atingiu o sul da China, paralisando imediatamente a rede elétrica e o transporte ferroviário, impedindo que milhões de chineses chegassem em casa para comemorar o Festival da Primavera, o festival mais importante para o povo chinês. Em 2007, a província de Yunnan experimentou uma seca severa e dezenas de milhões de pessoas sofreram escassez de água. Em 2009, uma seca em Guizhou foi seguida por tempestades repentinas que causaram inundações destrutivas (QI; WU, 2013, p. 304, tradução minha).

Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima em setembro

de 2009, o Presidente Hu Jintao declarou que eram tarefas emergenciais abordar as

mudanças climáticas e promover o desenvolvimento sustentável, afinal, o

desenvolvimento nacional e a sobrevivência da espécie humana dependiam disso. O

tema das mudanças climáticas gerou um consenso político nacional, sendo

incorporado na agenda nacional (BINA, 2011).

A China reconheceu a necessidade de ação perante as mudanças

climáticas e assumiu responsabilidade sobre isso durante a COP 15 (2009), se

comprometendo voluntariamente (sem compromisso juridicamente vinculativo) a

reduzir sua intensidade de carbono de 40 a 45% até 2020 em relação ao nível de

2005 e a aumentar a cobertura florestal em 40 milhões de hectares, apesar de frisar

a continuidade de desenvolvimento econômico do país e atendimento às

necessidades da população (QI; WU, 2013; LO, 2010). Zhao Yingmin, vice-ministro

de Ecologia e Meio Ambiente, afirmou que a China reduziu, em 2018, a intensidade

de carbono em 45,8% em comparação a 2005, cumprindo as metas previstas antes

do prazo (XINHUA, 2019).

A COP 15 foi vista como um grande fracasso pela mídia internacional, por

não conseguir chegar em um acordo mais ambicioso, porém, para a política doméstica

chinesa ela foi importante, principalmente ao influenciar a elaboração do 12º Plano

Quinquenal (2011-2015), que incluiu, pela primeira vez, uma meta explícita de

mudança climática e um capítulo todo dedicado ao tema, sendo considerado um

marco na formulação de políticas nacionais da China em mudanças climáticas.

O plano propôs um corte de 17% nas emissões de carbono por unidade de

PIB e um corte de 16% no consumo de energia por unidade de PIB. Para isso lançou

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214

o Work Plan for Controlling Greenhouse Gas Emissions, que incentivava o

desenvolvimento de baixo carbono, a economia verde e a civilização ecológica,

através de mecanismos como o comércio de emissões, limites de consumo de energia

e carvão, captura e armazenamento de carbono, projetos de energia renovável, limites

de uso de energia residencial e suporte para smart cities e veículos elétricos

(WILLIANS, 2014; SANDALOW, 2018). O 12º Plano Quinquenal finalmente passou a

incluir a questão das mudanças climáticas como parte fundamental dos planos

econômicos e sociais, afinal as mudanças climáticas demandam ação política e

reformulação das metas de energia e intensidade de carbono (MOE, 2013).

Apesar disso o desafio era grande: como implementar política climática e

equilibrar crescimento econômico e proteção ambiental. Uma das grandes barreiras

era a implementação das políticas no nível local, e para superar isso foi proposto o

desenvolvimento de energia limpa, visto como uma solução “ganha-ganha”, capaz de

equilibrar o desenvolvimento econômico das regiões e auxiliar na mitigação das

mudanças climáticas, satisfazendo as determinações do governo central (QI; WU,

2013; ENGELS, 2018).

Foi com o 12º Plano Quinquenal que a indústria de energia renovável se

tornou uma indústria de importância estratégica, levando a China a ser o maior

investidor mundial em energia renovável e o maior produtor, fazendo com que o custo

da energia renovável caísse de forma significativa em escala global (LI, 2016;

FERREIRA, 2017).

Tal qual visto com as políticas ambientais, as políticas climáticas também

seguem a mesma lógica: elas são motivadas por questões políticas e econômicas,

isto é, tentam garantir a estabilidade do governo, conter as reclamações e

preocupações da população, ao mesmo tempo em que há a preocupação com a

manutenção do crescimento econômico e a garantia de melhores condições de vida

para o cidadão chinês, conforme afirma David Held, Eva-Maria Nag e Charles Roger:

Os formuladores de políticas e empresas chinesas estão, em primeiro lugar, motivados por política e questões econômicas. Preocupados com a manutenção de sua posição na sociedade chinesa, os líderes estão determinados a melhorar o padrão de vida do cidadão chinês médio. Segundo, eles estão preocupados com a segurança energética da China, incluindo seu acesso a suprimentos de energia acessíveis e confiáveis, garantindo a eficiência da economia chinesa. Terceiro, os formuladores de políticas, as empresas e o público estão cada vez mais preocupados sobre a vulnerabilidade da China aos efeitos negativos das mudanças climáticas, especialmente na medida em que podem afetar adversamente sua economia

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e sociedade. Finalmente, eles são motivados por outros fatores, especialmente preocupações com soberania, patrimônio e imagem internacional da China entre países desenvolvidos e em desenvolvimento (HELD; NAG; ROGER, 2011, p. 10, tradução minha).

É inegável que a China tem aproveitado a oportunidade econômica que

surgiu com o desenvolvimento de tecnologias ambientalmente responsáveis, através

do reconhecimento de que as inovações nessa área tem um potencial de estimular o

desenvolvimento tecnológico e inovativo da China, assim como aumentar as

exportações, conjugando crescimento econômico com responsabilidade ambiental,

numa clara aplicação dos ideais da modernização ecológica, tentando evitar ao

máximo que a ecologização econômica e social leve a uma desaceleração do

crescimento econômico.

Uma pesquisa realizada pelo Banco Mundial, em 2009, mostrou que 71%

dos chineses entrevistados acreditavam que as mudanças climáticas já estavam

prejudicando seriamente as pessoas na China; 78% concordavam que a mudança

climática deveria ser uma prioridade mesmo que causasse crescimento econômico

mais lento e redução de empregos (HELD; NAG; ROGER, 2011). Cientes dessa

percepção, os governantes se esforçaram para reduzir as preocupações

internacionais sobre a China ser uma ameaça à ordem internacional estável e à

governança das mudanças climáticas, conciliando políticas domésticas aptas a

responderem aos anseios da população. O resultado de seus esforços foi bem visto,

tanto pela população quanto pelas instituições internacionais, afinal, a China cumpriu

os compromissos assumidos com os acordos internacionais (ainda que a comunidade

internacional esperasse por metas mais ambiciosas), mas também com os planos

quinquenais.

A implementação de projetos de MDL também foi uma oportunidade do

governo central demonstrar compromisso com a governança climática, a partir da

participação de múltiplos atores sociais, recebendo apoio externo, reorganizando suas

instituições e articulando a implementação dos projetos no nível local. A China tem

demonstrado confiança no avanço tecnológico e na capacidade de inovação como

meios de responder às mudanças climáticas, por isso tem incentivado as ações

nessas áreas, fortalecendo a ideia central de modernização ecológica, conjugando

proteção ambiental e crescimento econômico através do uso da tecnologia como

projeto moderno de reforma ambiental (MOL; CARTER, 2006; HO; VERMEER, 2006;

BLUEMLING; MOL, 2013).

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Fica claro que há uma importante articulação entre as políticas climáticas e

as políticas econômicas, sociais e ambientais, afinal, o governo central tenta

estabelecer uma relação de complementaridade entre essas diversas políticas. As

políticas climáticas e ambientais geralmente estão diretamente relacionadas com as

políticas de poluição atmosférica, isto é, o objetivo de reduzir as emissões surge,

inicialmente, por uma preocupação com a grave poluição atmosférica do país, porém

isso é incorporado à política climática, afinal mitigar as emissões é um dos pontos

fundamentais para reduzir as mudanças climáticas.

A China, assim como outros países em desenvolvimento, não está disposta a aceitar compromissos juridicamente vinculativos de redução de emissões de GEE – a China está aumentando suas medidas de proteção climática em nível nacional, embora estas estejam incorporadas no discurso sobre segurança energética e poluição do ar local e não no de proteção climática global (SCHROEDER, 2008, p. 515, tradução minha).

Recentemente, a partir das negociações na COP 21, que teve como

resultado o Acordo de Paris, e na formulação do 13º Plano Quinquenal (2016-2020),

a China avançou no desenvolvimento de suas políticas climáticas, com metas mais

ambiciosas e com o reconhecimento da necessidade de participação da sociedade

civil e outros atores sociais para cumprimento das determinações estabelecidas

(BARBIERI; FERREIRA, 2019; SUN, 2016).

4.3 A participação de outros atores sociais na política climática

As mudanças climáticas enquanto tema de atuação das ONGs ambientais

aparecem apenas no final da década de 2000, em virtude da alta taxa de emissões

de GEE da China, das políticas climáticas governamentais, da emergência do tema

na arena internacional, principalmente após a publicação do relatório do IPCC de

2007, e dos desafios colocados pelas mudanças climáticas à China e ao mundo

inteiro, despertando a atenção da sociedade civil chinesa. Antes de 2007 “as ONGs

ambientais não estavam muito interessadas no tema das mudanças climáticas pois

parecia muito distante dos problemas ambientais locais que as ONGs estavam

trabalhando” (SCHRÖDER, 2011, p. 8, tradução minha).

Até recentemente os chineses não viam a mudança climática como o

problema ambiental mais premente. Uma pesquisa conduzida pela Chinese Academy

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217

of Social Science (CASS), em 2007, mostrou que efeito estufa e mudanças climáticas

foram classificadas em quarto lugar em termos de preocupação ambiental dos

indivíduos entrevistados, bem atrás dos problemas de poluição e resíduos. Outra

pesquisa realizada em 2009 corroborou esse resultado, com as mudanças climáticas

classificadas em quarto lugar entre dez problemas ambientais. Além disso, apenas

6% dos entrevistados atribuíam alguma responsabilidade climática aos cidadãos (LO,

2010).

Com a divulgação do relatório do IPCC em 2007, pela primeira vez a mídia

chinesa começou a estabelecer claramente o elo existente entre as emissões de GEE

e a atividade humana. Assim como foi visto para o caso dos problemas ambientais

analisados nos capítulos 2 e 3, a mídia desempenhou um papel fundamental ao

difundir conhecimentos sobre mudanças climáticas para toda população. Apesar de

apresentar consequências das mudanças climáticas, a mídia foca em expor falhas do

governo local, mas sem questionar ou criticar as políticas do governo central.

Liang Ruoqiao, do Greenpeace de Beijing, defende que é fundamental

treinar a mídia, que consegue moldar a opinião pública com mais facilidade. Ele ilustra

o caso com o filme Uma verdade inconveniente, de Al Gore, que mostra como a mídia

atua na divulgação de informação e consegue influenciar a mudança de

comportamento dos indivíduos (HE, 2007).

Em uma pesquisa online com jovens chineses, que não incluía a internet como opção, a maioria dos entrevistados listou diferentes formas de fontes tradicionais de mídia de massa para entender as mudanças climáticas; as fontes mais citadas foram notícias de documentários de televisão (76%), jornais (66,3%), notícias de rádio (58,3%) e revistas (54,9%). Em uma amostra que era muito mais ampla em termos de geografia e idade, realizado pelo China Center for Climate Change Communication, em 2012, encontrou que 93,8% dos entrevistados obtiveram informações sobre mudanças climáticas através da televisão. A segunda e terceira fontes de informação mais citadas foram telefones celulares (66,1%) e internet (65%). Jornais (49%) e rádio (33,6%) foram citados com menos frequência (EBERHARDT, 2015, p. 37, tradução minha).

Comparada a outros problemas ambientais, a mudança climática é muito

mais técnica e demanda maior precisão científica por parte da mídia e das ONGs. Até

2007 era raro encontrar notícias com dados científicos e referências a relatórios

científicos nacionais. Apesar de ter aumentado quatro vezes o número de notícias

relacionadas às mudanças climáticas, comparando 2007 com o início dos anos 2000,

a maioria focava nas consequências das condições climáticas extremas, como secas

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em Chongqing, nevascas em Shenyang etc (HE, 2007). É preciso um esforço maior

em popularizar as questões científicas, tornando-as mais acessíveis à população.

Apesar da baixa presença de dados científicos na grande mídia, diversas

instituições científicas lidam com as mudanças climáticas desde a década de 1990,

tornando a ciência um importante ator social, principalmente ao fornecer subsídios

para a política climática governamental. A Chinese Meteorological Administration

(CMA), a Chinese Academy of Science (CAS) e a Chinese Academy of Social Science

(CASS) estão entre as principais instituições de pesquisa ativamente engajadas nas

mudanças climáticas e nas pesquisas de mitigação e adaptação em nível nacional,

com objetivo de gerar conhecimento e informações científicas para subsidiar os

decisores políticos e o público em geral (LI et al., 2012; STENSDAL, 2014; CHEN,

2017; KOEHN, 2016).

A participação de cientistas e acadêmicos no National Advisory Committee

on Climate Change (NACCC), que assessora o National Leading Working Group on

Addressing Climate Change (NLWGACC), órgão diretamente vinculado ao NDRC,

permite a tomada de decisão a partir de informações científicas, fornecendo dados e

conhecimentos aptos a responderem às questões sobre as mudanças climáticas

(STENSDAL, 2014). “Em 2008, a ‘perspectiva científica do desenvolvimento’49 foi

incorporada na Constituição da China, consolidando assim a posição consultiva da

ciência” (STENSDAL, 2014, p. 122) e sua importância para a política governamental.

Informações e argumentos fornecidos pela comunidade científica internacional ajudaram a estruturar a questão climática de maneira propícia aos cientistas e tomadores de decisão chineses, alguns dos quais se tornaram cada vez mais conscientes da deterioração do ambiente chinês e suas consequências para o bem-estar geral do país. A interseção entre as comunidades epistêmicas chinesas e as decisões políticas é difícil de seguir de fora, mas os especialistas da China concordam que o fluxo de informações e argumentos entre as duas comunidades podem ser considerados altos e influentes na formulação de políticas (SCHROEDER, 2008, p. 513, tradução minha).

49 “A perspectiva científica do desenvolvimento significa que a China precisa mudar da dependência excessiva de mão-de-obra barata e de recursos naturais para trabalhadores com boa formação e com aperfeiçoamento da ciência e da tecnologia, em um modo de desenvolvimento que não apenas valoriza quantidade e velocidade, mas também alta qualidade e economia de energia. O conceito foi levantado por Hu ao visitar a província de Guangdong durante a crise da SARS, de 10 a 15 de abril de 2003, quando pediu às pessoas que prestassem atenção ao desenvolvimento harmonioso da economia e da sociedade, desenvolvimento sustentável e abrangente” (CHINADAILY, 2010, n.p., tradução minha).

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Outra agência criada em abril de 2010 foi a China Center for Climate

Change Communication (China4C), primeiro think tank, entre países em

desenvolvimento, voltado para pesquisas sobre teoria e prática da comunicação na

área de mudanças climáticas, além de análise estratégica da elaboração e

implementação de políticas climáticas (WANG et al., 2017).

Com a mídia, o governo e os cientistas envolvidos com a temática das

mudanças climáticas, as ONGs reconheceram a necessidade de participar mais

ativamente nessas discussões, fortalecendo a cooperação entre esses diversos

setores. Até meados dos anos 2000 a temática era vista como uma questão política

sensível, mais um motivo para ter sido incorporada na pauta das ONGs ambientais

tardiamente, relembrando a característica não-confrontacional das organizações

chinesas (SCHROEDER, 2008).

A mudança na posição oficial do governo chinês com relação às alterações

climáticas ficou visível a partir da ratificação do Protocolo de Kyoto em 2002 e com o

estabelecimento das metas de energia e redução das emissões do 11º Plano

Quinquenal (2006 – 2010). Essa mudança na abordagem governamental permitiu que

as ONGs passassem a atuar na temática com mais facilidade.

O foco inicial da atuação das ONGs na área de mudanças climáticas

repousava sobre a preocupação com a necessidade de redução das emissões,

através da conscientização sobre os impactos devastadores das mudanças

climáticas, aparecendo como uma questão de alta prioridade na agenda das ONGs

desde 2007 (MOE, 2013).

A principal estratégia utilizada pelas ONGs foi a divulgação de material

sobre o tema na mídia e a realização de campanhas educativas com o intuito de

conscientizar o público sobre as mudanças climáticas, focando principalmente no

tema de economia de energia, já que era facilmente entendido pelo público e

politicamente viável (SCHROEDER, 2008).

Como modo de facilitar a ação e conseguir maior influência foram criadas

algumas redes de ONGs, permitidas graças a maior liberdade de atuação conferida

às ONGs e ao incentivo governamental à participação popular, visto, por exemplo, no

documento do Programa Nacional de Mudanças Climáticas da China, de 2007, que

incentiva a participação do público na mitigação, através de economia de energia e

redução das emissões, mobilizando o público para se tornar um protetor ativo do

clima, somando aos esforços governamentais (SCHRÖDER, 2011).

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Redes de Ação Climática

Uma das primeiras redes formadas foi a Chinese Civil Climate Action

Network (CCAN). A CCAN50 foi fundada em 2007, com financiamento da Heinrich Böll

Foundation (HBF), uma instituição alemã que tinha por objetivo desenvolver uma

coalização de ONGs chinesas “para tornar um participante mais importante e

significativo na arena climática através de consumidores, negócios e trabalho político”

(NAUMANN, 2013, p. 4). A CCAN começou com 5 ONGs situadas em Beijing e depois

expandiu para outras áreas. Seus membros são ONGs registradas oficialmente e não

registradas, entretanto as GONGOs e os grupos estudantis não podem ser afiliados.

“As GONGOs são vistas como intimamente ligadas ao governo e as atividades de

grupos de estudantes não são consideradas ‘ações de ONGs’” (MOE, 2013, p. 23,

tradução minha).

Figura 14: Logos da CCAN e CYCAN – Redes de Ação Climática

Fonte: CCAN, 2019; CYCAN, 2019.

A CCAN reúne importantes ONGs: Friends of Nature, Global Village of

Beijing, Green Earth Volunteers, Institute for Environment and Development (IED),

Xiamen Green Cross Association (XMGCA), EnviroFriends Institute of Environmental

Science and Technology, Shanshui Conservation Center, Greenriver Environment

Protection Association of Sichuan, Friends of Green Environment Jiangsu, China

Youth Climate Action Network (CYCAN), Shanghai Oasis Ecological Conservation and

Communication Center (Oasis), Promotion Association for Mountain-River-Lake

Regional Sustainable Development, além de grupos observadores, como o CDM

Research and Development Center da Tsinghua University, Clean Air Initiative Asia

50 Site da rede: http://en.c-can.cn/

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Center e OXFAM Hog Kong, que podem acompanhar as discussões da CCAN, ainda

que não sejam membros plenos.

A principal característica da CCAN é ser uma rede colaborativa de

organizações de mudanças climáticas, com foco na cooperação com numerosas

agências governamentais e outros atores sociais, principalmente na área de

estratégias de mitigação. A agenda principal está baseada no trabalho de advocacy

com a política climática nacional. Em 2011 a rede começou uma submissão à lei

chinesa sobre mudanças climáticas, coletando diferentes perspectivas de

interessados locais, apresentadas aos representantes da NDRC em reuniões

constantes (NAUMANN, 2013).

Há uma importante ação de cooperação e comunicação com a Climate

Action Network International (I-CAN), inserindo a rede chinesa na arena internacional,

com envio de membros às conferências da UNFCCC e outros eventos internacionais

importantes. (MOE, 2013). A CCAN realiza diferentes atividades, como capacitação,

treinamento e workshops sobre ciência climática, comunicação, organização de redes

e desenvolvimento de estratégias.

O foco principal da CCAN é fortalecer a base de conhecimento e capacidade das ONGs para trabalhar em ciência, política e políticas públicas sobre mudanças climáticas; participar de fóruns internacionais de discussão sobre tópicos de mudanças climáticas; melhorar a compreensão dos processos políticos e participação na tomada de decisão; e melhorar a capacidade das ONGs para cooperação conjunta. De acordo com sua página inicial da internet, a organização ‘continuará a facilitar discussões internas entre ONGs, diálogo externo com o governo e fazer campanha em legislação climática’. A agenda e o trabalho estão divididos em duas seções: o grupo de políticas e o grupo de campanhas (MOE, 2013, p. 23, tradução minha).

Conforme identificado por Idun Moe (2013), a CCAN tem uma atuação

muito próxima da política nacional, colaborando ativamente com a formulação de

política e ajudando na implementação das metas governamentais. Essa colaboração

foi possível após um longo processo de construção de confiança, que permitiu acordos

e compartilhamentos com os representantes da NDRC (LIU; WANG; WU, 2017).

A campanha C+ Action – Beyond Government Commitment, Beyond

Climate, Beyond China, lançada pela CCAN em parceria com a CANGO (China

Association for NGO Cooperation), reunindo mais de 40 ONGS, é representativa dos

esforços da rede em ir além das negociações com o governo. Tal campanha é fruto

do reconhecimento do enorme desafio das mudanças climáticas e da necessidade de

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ações mais efetivas do que as metas estipuladas nas negociações internacionais

(CANGO, 2013; SCHRÖDER, 2011).

A Campanha C+ foi criada em 2011 com o intuito de estimular um papel

ativo para a sociedade civil enquanto “cidadãos do clima”. Esses cidadãos do clima

devem realizar ações em vários campos diferentes para lidar com as mudanças

climáticas. A campanha procura convencer a comunidade, indústrias, escolas e

universidades a adotarem metas mais ambiciosas de redução de emissões do que as

metas vinculativas estabelecidas pelo governo, promovendo eficiência energética e

atividades de baixo carbono (MOE, 2013; CANGO, 2013; LIU; WANG; WU, 2017).

Importante notar que a campanha não pressiona o governo para estabelecer metas

mais altas de redução de emissões, o que pode ser explicado pelo caráter não-

confrontacional das ONGs e também pelas organizações terem suas agendas

dominadas pelos mecanismos corporativos do Estado.

A campanha também conscientiza a população de que conter as mudanças

climáticas não é apenas trabalho do governo, mas é um esforço que deve envolver a

todos. Além disso, é preciso uma mudança no modelo de desenvolvimento

econômico, em prol de um modelo de baixo carbono e sustentável. Por fim, a

campanha estabelece ações a serem tomadas pelos diversos atores sociais

envolvidos, sejam indivíduos ou empresas, da área urbana ou rural. Para implementar

essas ações alguns projetos pilotos foram estabelecidos com objetivo de identificar

quais ações e políticas são mais adequadas para conquistar metas mais ambiciosas

de redução de emissões (CCAN, 2011).

Um dos objetivos futuros da CCAN – tornar-se um importante think tank da sociedade civil sobre questões de mudanças climáticas – exigirá não apenas a implementação de projetos de baixo carbono e participação esporádica em diálogos internacionais, mas fornecer contribuições concretas para as políticas de mudança climática, tanto em nível nacional quanto nas negociações internacionais. Mais importante, no futuro, será lidar com tópicos politicamente sensíveis, como o crescimento da renda per capita na China, a contribuição futura da China para as mudanças climáticas ou as barreiras para o comércio verde. A diversificação de fontes de financiamento é outro grande desafio. [...] Tornar-se uma rede forte e independente [...] também significa ter uma posição madura e independente sobre as mudanças climáticas. Independente significaria independente da posição do governo, mas também independente dos apoiadores financeiros internacionais e das expectativas de onde as ONGs chinesas deveriam estar ou o que elas deveriam pensar ou fazer (SCHRÖDER, 2011, p. 25, tradução minha).

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Outra rede de ação climática que desempenha um importante papel é a

China Youth Climate Action Network (CYCAN)51, uma rede que é membro da CCAN,

porém tem uma atuação um pouco diferenciada: ela tem uma agenda de atuação

direcionada para a participação e conscientização de jovens, que fazem parte da

geração que tem maior probabilidade de enfrentar graves consequências das

mudanças climáticas em seu futuro. A CYCAN também difere da CCAN em relação a

seus parceiros, doadores, métodos e motivações. A rede é registrada como uma

empresa, pagando 5% de imposto sobre as doações recebidas, e é patrocinada por

doadores privados. Com esse tipo de registro a rede consegue maior liberdade de

atuação, ao sofrer menos controle do que as organizações registradas como ONGs.

Por meio da afiliação à CCAN, a CYCAN participa de reuniões com órgãos

governamentais e com o NDRC, apesar de defender uma atuação distanciada das

esferas governamentais.

Ela foi criada a partir da associação de sete organizações juvenis em 2007.

Sua missão é “inspirar e orientar os jovens a aproveitar a oportunidade na China, com

as mudanças climáticas e os desafios energéticos, fazendo com que os jovens

chineses se tornem uma nova força para alcançar o desenvolvimento sustentável

global” (CYCAN, 2017; MOE, 2013). A conscientização dos jovens deve, então,

promover estilos de vida mais sustentáveis e para isso a ação online é fundamental,

ao atingir maior número de jovens.

A CYCAN tem atuado fortemente desde 2007 na educação e capacitação

de jovens chineses na luta contra as mudanças climáticas, pressionando por uma

transição verde. No período de 2007 a 2017, mais de 200 mil jovens participaram

ativamente de vários programas e projetos criados pela rede, em mais de 500

universidades, com claro objetivo de fornecer ferramentas para encontrar soluções

para as mudanças climáticas:

Mais do que nunca nossos jovens precisam se tornar a mudança que eles querem ver em nosso próprio futuro. Nós devemos e temos impulsionado a inovação tecnológica e social, modernização industrial, a revolução energética para, em última análise, promover uma civilização ecológica (CYCAN, 2018, p. 7, tradução minha).

Um de seus projetos mais importantes chama-se Low Carbon Campus

Project, iniciado em 2007, com o objetivo de realizar pesquisas de consumo de energia

51 Site da rede: http://en.cycan.org/

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em diversos campi, avaliando a eficiência no consumo de energia, promovendo apoio

científico à conservação de energia e redução de emissões, combinando interesses

diversos, das universidade, jovens, empresas, em busca de um consumo mais eficaz.

O objetivo de projeto é a redução de 20% das emissões dos campi chineses,

auxiliando diretamente na obtenção das metas estipuladas pelo 11º Plano Quinquenal

(CYCAN, 2018; MOE, 2013).

Figura 15: Cartaz do projeto de economia de energia nos campi

Fonte: CYCAN, 2018, p. 22.

Outro projeto de grande relevância é a preparação de jovens para

participarem de Conferências do Clima (COP). A primeira participação ocorreu na

Conferência de Doha, em 2009, lançando a Delegação Juvenil da China na COP. Foi

a primeira delegação juvenil chinesa não oficial a participar da conferência. O projeto

visa selecionar e treinar jovens para participarem das Conferências Climáticas da

ONU, acompanhando o progresso das negociações internacionais, analisando e

divulgando o resultado, de iniciativas globais em prol do clima. O projeto formou 131

delegados entre 2007 e 2017 (CYCAN, 2018).

Apesar desse projeto de preparação para a COP, a CYCAN não pode

participar da COP enquanto ONG, pois para participar como uma ONG oficial é preciso

estar registrada como ONG além de ter um documento de aprovação fornecido pelo

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governo, que só permite a participação de uma ONG de mudanças climáticas na

conferência. A solução é a inscrição de participantes como membros de organizações

internacionais que possuam status formal em outro país. Tanto a CYCAN quanto a

CCAN não participam oficialmente da UNFCCC (MOE, 2013).

Outros projetos relevantes da CYCAN são: Online Youth Exchange

Program, que proporciona intercâmbios de jovens, enviando-os principalmente para

os Estados Unidos, de modo a conhecerem ações locais aptas a responderem aos

desafios das mudanças climáticas; MyH2O onde jovens bem treinados monitoram a

qualidade da água de diversas regiões, disponibilizando os dados online, alertando

sobre os riscos da água contaminada, informando os cidadãos e motivando soluções

para o problema de escassez e contaminação da água; Climate Adaptation Youth

Program se concentra na região centro-oeste da China, com o intuito de melhorar a

situação de pobreza e promover a capacidade de adaptação às mudanças climáticas

na região (CYCAN, 2019).

Outras redes de ação climática também foram constituídas, algumas até

mesmo com atuação internacional, como é o caso da East Asia Civil Society

Environment Network52, criada em 2010, que reúne ONGs da China, Coréia do Sul e

Japão, com o intuito de fortalecer o diálogo e intercâmbio de informações sobre

mudanças climáticas (SCHRÖDER, 2011).

ONGs de mudanças climáticas

Para além das redes de ações climáticas, diversas ONGs se envolveram

com o tema das mudanças climáticas. Entre elas existem as GONGOs, que agem

próximas às estruturas governamentais, e as ONGs independentes, que acabam

trabalhando mais com educação, divulgação de informações e conscientização

popular (MIZO, 2017).

As ONGs de mudanças climáticas ainda foram pouco estudadas, por terem

um desenvolvimento recente mas também porque, muitas vezes, há uma forte

intersecção entre os problemas ambientais gerais e os de mudanças climáticas, que

são vistos como temas intercambiáveis, sem grandes diferenças em termos de

52 http://www.enviroasia.info

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impactos sociais ou implicações políticas – na visão de muitas ONGs (LIU; WANG;

WU, 2017; SCHRÖDER, 2011).

Apesar do grande número de ONGs ambientais há um pequeno número de

ONGs que trabalham com as mudanças climáticas, o que enfraquece o papel das

organizações na governança climática do país (ENGELS, 2018). De acordo com o

mapeamento das organizações apresentado no capítulo 3, pode-se identificar que

apenas 4% das ONGs, em torno de 140 organizações, estão desempenhando ações

vinculadas às mudanças climáticas (HE YI INSTITUTE, 2018). Para a presente tese, a

compreensão da ação das ONGs de mudanças climáticas é fundamental, pois é com

elas que a China passa a se inserir nas redes internacionais, a partir de uma

problemática global, intensificando a necessidade de governança multinível e

multiatores.

É possível ilustrar algumas atuações das organizações que, em grande

parte, realizam campanhas de economia de energia e estilo de vida de baixo carbono,

atendendo ao chamado do governo, que durante o 18º Congresso do Partido

Comunista (2012) enfatizou a necessidade de um movimento nacional em direção ao

progresso ecológico. A ONG IPE, apresentada no capítulo 3, se engaja nas atividades

de monitoramento das indústrias mais poluentes; a ONG OASIS Shanghai incentiva o

deslocamento verde (transporte público elétrico, uso de bicicletas), assim como a

CANGO e o Green Student Forum (GSF); a Environmental Defense Fund (EDF)

realizou atividades visando aumentar a conscientização e aceitação do público em

relação às restrições ao uso de veículos (sistema de rodízio) em mais de 20 cidades;

o WWF desenvolveu o projeto Climate Savers estimulando grandes empresas a

reduzirem voluntariamente as emissões; a FON encorajou os cidadãos a plantarem

árvores como maneira de compensar as emissões de GEE (KOEHN, 2016; QI; WU,

2013; SCHRÖDER, 2011).

Esses são exemplos de engajamento do ativismo climático, que passa a

mobilizar cada vez mais as organizações ambientais. Ainda que as ONGs raramente

participem da formulação de políticas locais, elas demandam inovações e cobram uma

melhor efetividade na implementação de políticas (KOEHN, 2016).

Seu escopo de ação permanece limitado ao ‘ativismo à jusante’ em áreas de implementação política ou aumento da conscientização. Esses grupos são amplamente excluídos do processo de formulação de política, uma área que continua a ser exclusivamente do Estado (MIZO, 2017, p. 13, tradução minha).

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Diferentemente da percepção de Robert Mizo (2017), Thomas Bernauer et

al. (2016) acreditam que é fundamental o apoio público na implementação de políticas

caras, como as de redução de emissões, e mais que isso, a participação das

organizações ambientais e de organizações da ciência têm aumentado a partir de

2010, com maior aproximação às agências governamentais. Essa aproximação é

tolerada principalmente pelo fato de as ONGs fornecerem serviços desejáveis e

atuarem em setores que o Estado não atua, ou por auxiliar na obtenção de resultados

compatíveis com os interesses do Estado, ao mesmo tempo em que contribuem para

a estabilidade política e para uma melhor comunicação entre o governo e a sociedade.

A atuação das ONGs é permitida desde que elas não sejam capazes de grande

mobilização política, como protestos amplos, nem realizem críticas públicas ao

Estado. Os autores ainda sugerem que no caso chinês a participação das ONGs

confere um aspecto de legitimidade e aparente liberdade típica de países da Europa

e América do Norte.

O maior envolvimento das ONGs com as instâncias governamentais

estimula a transparência dos dados e políticas governamentais, com maior visibilidade

pública das negociações, assim como aumenta a responsabilidade do governo, afinal

as ONGs fornecem mais informações aos cidadãos, que estando instruídos

conseguem avaliar as ações governamentais. As ONGs também procuram a

resolução de problemas nos mecanismos de governança, além de fornecerem

informações e conhecimento técnico ao governo, auxiliando nos processos de

elaboração de normas e negociações nacionais e internacionais, estimulando uma

diplomacia civil com ONGs internacionais e promovendo cooperação entre países

(LIU; WANG; WU, 2017; BERNAUER et al., 2016). Desse envolvimento decorre uma

reação em cadeia, conforme afirma He Gang (2007), no qual o governo guia, a mídia

mobiliza e a opinião pública se compromete, estimulando o despertar da consciência

e do compromisso público.

As ONGs em uma variante tão autoritária de governança giram predominantemente em torno do grau em que o Estado pode usar as organizações para alcançar melhores resultados políticos ou como ferramentas para implementar decisões políticas. Além disso, as ONGs sob esses mecanismos de top-down são usadas principalmente para coletar informações sobre a sociedade (MOE, 2013, p. 5, tradução minha).

A partir do início da década de 2010 houve um maior envolvimento do

Estado com a sociedade chinesa nessa área de interesse mútuo que é a crescente

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ameaça das mudanças climáticas. A partir da transformação das mudanças climáticas

em uma questão de urgência, as ONGs passaram a compartilhar com o Estado a

preocupação com a mitigação das emissões, reconhecendo a necessidade de ação.

Por outro lado, o governo continua atento à ação das ONGs, monitorando as

atividades de forma a garantir que não prejudiquem a estabilidade social e política,

afinal as campanhas climáticas estão diretamente ligadas às políticas nacionais e

interesses econômicos (LIU; WANG; WU, 2017).

A NDRC é a agência que melhor promoveu a aproximação do governo com

as ONGs ambientais, discutindo suas agendas e elaborando projetos de cooperação

para a formulação da legislação de mudanças climáticas, principalmente a partir de

2011. Por diversas vezes o chefe do NDRC afirmou que era importante a inclusão da

sociedade civil de uma maneira mais efetiva, ainda que outras instâncias

governamentais se mostrem em dúvida sobre a importância da participação popular

(BERNAUER, 2016). Outro órgão governamental que também se aproximou das

ONGs foi o Ministry of Foreign Affairs (MOFA), responsável pela condução das

negociações climáticas internacionais (MOE, 2013).

Quando perguntado sobre o que diferencia as ONGs de trabalhar sobre mudanças climáticas de outros tipos de trabalho das ONGs ambientais, vários entrevistados mencionaram a dimensão internacional das mudanças climáticas. Um entrevistado explicou essa diferença sugerindo que a proteção ambiental é um assunto menos sensível na China do que as mudanças climáticas, uma vez que questões podem ser prontamente descritas como meramente um problema local. O entrevistado ofereceu um exemplo: se uma fábrica for pega despejando águas residuais em rios o caso pode ser ‘explicado’ ou ‘encoberto’ como questão de proprietário individual ou uma empresa se esquivando da responsabilidade ou agindo sem moral. O problema torna-se, portanto, limitado principalmente à preocupação com a área local onde o problema está ocorrendo. No entanto, uma fábrica com alta emissão de GEE, que contribui com o aumento das emissões nacionais, isso não é apenas um problema local: também coloca a China em apuros na arena internacional (MOE, 2013, p. 29, tradução minha).

A dimensão global traz desafios e oportunidades para a ação das ONGs

chinesas. O amadurecimento da sociedade civil, a ampliação dos conhecimentos

técnicos, políticos e organizacionais das ONGs auxiliam na capacidade de negociação

da China no nível internacional, principalmente a partir da participação das

organizações nas conferências internacionais. Essa temática será retomada mais

adiante, quando abordaremos a dimensão global e a ação climática das organizações.

A ação das ONGs na esfera nacional encontra uma série de empecilhos,

relacionados à falta de conhecimento técnico e científico sobre mudanças climáticas,

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mas também falta de instrumentos para, por exemplo, monitorar emissões industriais

de GEE ou efetivamente acompanhar os resultados do uso de instalações que visam

a economia de energia (SCHRÖDER, 2011). A concentração das ONGs em Beijing é

outro problema, visto que a China possui uma grande diversidade de ecossistemas

em suas regiões, além de diferenças econômicas significativas entre as regiões, e a

ausência de organizações em muitas áreas reduz a representatividade das ONGs e

diminui a articulação com a política local de inúmeras províncias.

A pouca experiência em arenas internacionais também reduz a capacidade

de negociações das ONGs chinesas, que comparadas a ONGs internacionais, como

o Greenpeace ou WWF, ficam em grande defasagem e demonstram pouca

capacidade para enfrentar a complexidade dos processos decisórios e acordos

criados nessas arenas (LIU; WANG; WU, 2017).

Com relação às ONGs internacionais houve aproximação com várias

organizações, no intuito de criar redes de cooperação, particularmente com WWF,

Greenpeace e OXFAM, entretanto muitas ONGs nacionais tem lutado por se auto

emancipar das ONGs internacionais, buscando fortalecer as organizações nacionais,

criando uma agenda de temáticas e atuações adequadas ao contexto chinês

(SCHRÖDER, 2011; SCHROEDER, 2008).

Uma pesquisa realizada pela Phoenix New Media mostrou que 45,4% dos 19.594 entrevistados pensou que o impacto das ONGs no combate à mudança climática foi limitado. Outra pesquisa da China Development Brief em 2009 mostrou que 72,3% dos 3.785 entrevistados acreditavam que o governo deve ser o ator mais importante no combate às mudanças climáticas, enquanto 74,1% pensavam que o governo foi o principal colaborador do problema; ONGs foram listadas em segundo lugar nas duas pesquisas, com apenas 9,7 e 10,9% respectivamente (LIU; WANG; WU, 2017, p. 6, tradução minha).

Um survey conduzido mais recentemente, em 2017, pelo China4C, reforça

esses dados acima, pois de acordo com os entrevistados o governo é quem deve

“fazer mais” pelas mudanças climáticas:

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Figura 16: Responsabilidade pela ação climática

Fonte: WANG et al., 2017, p. 22.

Esse mesmo survey apresenta outras questões interessantes sobre

percepção ambiental, mostrando que apesar das informações sobre mudanças

climáticas estarem mais acessíveis, o tema não é visto pelos entrevistados como

questão prioritária a ser tratada pelo governo. Poluição atmosférica (24,3%), proteção

dos ecossistemas (18%), saúde (17,2%), poluição hídrica (12%) e educação (10,1%)

são mencionados como itens mais importantes e críticos para a população chinesa do

que as mudanças climáticas (8,8%) (WANG et al., 2017).

Os resultados do survey são fundamentais para reconhecer que há uma

crescente conscientização dos problemas ambientais por parte dos chineses,

exercendo alguma pressão sobre as políticas nacionais, principalmente a partir dos

protestos ambientais, analisados no capítulo anterior.

O fato das mudanças climáticas aparecerem em sexto lugar na lista pode

estar vinculado ao surgimento recente do tema nas mídias e nas políticas nacionais,

mas também pode ser causado por ser um risco invisível, como diria Ulrich Beck,

portanto ainda não reconhecido por grande parte da população e com maiores

impactos nas gerações futuras. Entretanto, poluição atmosférica e mudanças

climáticas possuem políticas intercambiáveis e na maioria das vezes conter a poluição

atmosférica leva à mitigação dos gases de efeito estufa.

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Ação climática global

As mudanças climáticas impõem um desafio à humanidade com múltiplas

facetas: social, política e econômica. Os mecanismos conhecidos para solução de

problemas não foram projetados e não se adequaram a um problema dessa

gravidade, escala e complexidade. É preciso inventar novas estruturas e novas

respostas para o grande desafio do século XXI, que demanda uma ação global

coerente ou, pelo menos, uma coordenação entre atores globais, já que as mudanças

climáticas podem ser entendidas como o maior problema de ação coletiva do mundo

(DRYZEK; NORGAARD; SCHLOSBERG, 2011).

A mobilização de ONGs e da sociedade civil em prol dos desafios impostos

pelas mudanças climáticas é um fenômeno recente em todo mundo, estimulado, em

grande parte, pela publicação do IPCC em 2007 e o reconhecimento da ação

antropogênica como grande responsável pelo fenômeno, ainda que desde o início dos

anos 2000 já houvesse indícios de constituição de um movimento climático

internacional e nos anos 1990 houvesse a participação de diversas ONGs

internacionais nas Conferências da ONU.

Com os acordos globais as ONGs transnacionais conquistam um novo

significado político, já que suas percepções dos problemas ambientais influenciam as

medidas políticas e seus estudos e vivências produzem conhecimento que é usado

no discurso ambiental global (LASH; SZERSZYNSKI; WYNNE, 1996).

O foco central do movimento climático é a demanda por ações mais efetivas

de mitigação e adaptação, tanto no nível local, nacional e transnacional, a partir da

participação de diversos atores – governo, mídia, ciência, empresas, sociedade civil

etc. É a reivindicação por uma governança multinível e multiatores, que demanda uma

ação cooperativa e interdependente.

O movimento climático se esforça para atingir seu (I) objetivo compartilhado, de ordem superior, de evitar mudanças climáticas principalmente por (II) meio de várias formas de protesto que assumiram prioridade além das atividades de lobby e advocacy das ONGs nos últimos três a quatro anos. O movimento climático já existe há vários anos e, portanto, cumpre o terceiro critério (III) permanecer em ação por um período relativamente prolongado. No entanto, é duvidoso, [...] se no movimento climático os diversos atores atendem ao critério (IV) de uma identidade compartilhada (DIETZ; GARRELTS, 2014, p. 7, tradução minha).

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A possível ausência de uma identidade compartilhada pode ser

consequência do fato das mudanças climáticas serem um fenômeno global e serem a

dimensão mais grave da crise ambiental, com potencial de afetar toda humanidade,

independente da nacionalidade, etnia, gênero, classe social (GIDDENS, 2010). “É o

fim dos ‘outros’, o fim de todas as nossas bem cultivadas possibilidades de

distanciamento” (BECK, 2010, p. 7). Nessa situação os participantes são múltiplos e

não é possível a constituição de uma única identidade, nem um único ator capaz de

organizar o debate ou servir como centro estratégico, porém o objeto de ação é um

só. Ao mesmo tempo, a ação é capaz de produzir “uma dinâmica poderosa, gerando

considerável pressão política e da mídia e dá uma contribuição decisiva à mudança

social” (DIETZ; GARRELTS, 2014, p. 7, tradução minha).

Mais do que nunca, a crise climática expõe claramente os diferentes graus de impacto nas diversas regiões e classes sociais. Isso também se reflete nas divergências de interesse no seio da sociedade civil. As contradições se aguçam visivelmente entre ONGs do Sul e do Norte, entre ONGs e movimentos sociais, entre organizações ambientais e desenvolvimentistas. Consolidam-se não apenas as posições, mas também nas estratégias (trabalho de lobby, ações) e nos diferentes níveis de ação (local versus global) (UNMÜßIG, 2011, n.p., tradução minha).

É preciso captar as novas dinâmicas políticas e sociais que surgem com a

globalização política e econômica, que pressionam por uma governança que extrapole

as fronteiras nacionais, principalmente a partir da articulação possível graças às novas

tecnologias. Nesse contexto surgem as redes e coalizações transnacionais, às quais

diversas ONGs chinesas começam a participar a partir de meados dos anos 2010.

Guobin Yang (2009) afirma que os ambientalistas chineses estão no centro

de uma mudança social, que incorpora dimensões culturais globais, cria novas formas

de organizações, novas linguagens, numa luta por reconhecimento e inclusão, muitas

vezes incitados por valores universais de harmonia entre homem e natureza e

proteção ambiental, constituindo uma nova identidade que surge entre indivíduos das

classes médias.

Patrick Schröder (2011) afirma que as iniciativas das ONGs chinesas de

mudanças climáticas ainda não fazem parte do movimento climático global,

entretanto, num futuro próximo elas estarão no centro do movimento, principalmente

as ONGs sediadas em Beijing, que atuam próximas ao centro político e participam, de

alguma forma, das políticas climáticas nacionais, diferente do que ocorre com ONGs

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sediadas em outras regiões, que acabam atuando no nível local, buscando soluções

locais para o desenvolvimento de baixo carbono.

A inserção das ONGs chinesas num movimento global será beneficiada

pelas relações pessoais de seus líderes, em geral jovens que estudaram no exterior

e estão familiarizados com os movimentos de mudanças climáticas nos EUA e Europa.

Internacionalmente, as ONGs chinesas também estão se engajando ativamente com outros atores, especialmente com ONGs de outros países através das várias redes globais. Como não há um movimento global unificado de mudanças climáticas, as ONGs chinesas ainda estão em processo de posicionamento no complexo cenário da sociedade civil global. O movimento climático global é fragmentado em redes diferentes, com diferentes abordagens e estratégias, que em muitos casos estão unidos apenas pelo objetivo comum de evitar os perigos das alterações climáticas (SCHRÖDER, 2011, p. 198, tradução minha).

Um evento fundamental para as ONGs chinesas construírem laços

transnacionais foi a Conferência de Tianjin da UNFCCC, realizada em outubro de

2010, quando mais de 60 ONGs chinesas organizaram diversas atividades sob o lema

Green China, Race to the Future. Com o evento o governo chinês reconheceu o

trabalho que as ONGs domésticas estavam realizando e, mais que isso, elas

conquistaram grande credibilidade junto à comunidade internacional e à mídia

(SCHRÖDER, 2011).

A inserção chinesa nas redes transnacionais não é simples, afinal cada

rede possui sua própria visão acerca de questões políticas, responsabilidade, justiça

ambiental, divisão de encargos entre os países do sul e do norte global, sistemas de

comércio de emissões etc., e em virtude do contexto chinês e do desenvolvimento das

ONGs chinesas em proximidade com o governo, a atuação transnacional mostra-se

como um grande desafio às ONGs, que ainda mal conseguiram articular um

movimento nacional na própria China. Em virtude da temática global das mudanças

climáticas é imprescindível que as ONGs chinesas consigam participar dessas redes

transnacionais, até mesmo como maneira de compreender melhor os mecanismos de

negociações, adquirirem conhecimento técnicos e científicos, além de

profissionalizarem suas organizações.

As ONGs transnacionais possibilitam a inserção das ONGs domésticas em

grandes eventos de governança climática global, estimulam os intercâmbios e viagens

ao exterior, facilitando o acesso às agências especializadas da ONU, entretanto a

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maioria das ONGs chinesas continuam focadas em questões domésticas, sem

conseguirem estabelecer uma relação local-global (LIU; WANG; WU, 2017).

A ação global não fica restrita apenas às ONGs. Para além da participação

do governo central nas negociações do clima, diversas cidades chinesas participam

de redes climáticas transnacionais, como é o caso da rede C40 de megacidades, que

inclui várias cidades chinesas que estabeleceram suas próprias metas climáticas,

como Beijing, Guangzhou, Nanquim, Shanghai, Shenzen, Wuhan (SCHREURS,

2017).

O grande desafio que as mudanças climáticas coloca à sociedade

transnacional relaciona-se ao fato de apesar de ser um problema global a ação deve

começar no nível local, afinal é preciso pensar global, agir local. Por isso, é necessário

um fortalecimento das ONGs e da sociedade civil na arena nacional, conquistando

mais espaço para ação e reconhecimento político de suas capacidades.

4.4 Considerações do Capítulo – avanços recentes e desafios futuros

A primeira metade da década de 2010 foi palco das preocupações acerca

das mudanças climáticas, mas também foi um período com altos índices de poluição

atmosférica, ameaçando a imagem internacional da China. O termo airpocalypse,

cunhado pelos moradores de Beijing em 2013, passou a representar para o mundo

aquilo que estava ocorrendo na China: dias seguidos com péssima qualidade de ar,

com fábricas fechadas visando reduzir os índices de poluentes, aulas suspensas por

conta do risco à saúde, moradores usando máscaras e comprando aparelhos de

purificação do ar, aumento de 30% no número de internações e notificação de câncer

de pulmão em criança com 8 anos de idade – tudo reflexo da grave poluição. Os

aplicativos que informavam a qualidade do ar passaram a ser consulta obrigatória

antes de sair de casa e o próprio governo passou a publicar dados oficiais que

mostravam esses índices assustadores (FAN, 2013).

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Após a grave situação de 201353, com seus altíssimos índices de poluição,

o Conselho de Estado da China lançou o Plano de Ação, Prevenção e Controle da

Poluição do Ar (APPCAP – Air Pollution Prevention and Control Action Plan), um

marco importante no controle da qualidade do ar na China. O Plano previa um

investimento de 277 bilhões de dólares no período entre 2013 e 2017. O objetivo era

reduzir o uso do carvão, promover uma produção mais limpa, com maior controle

sobre as indústrias altamente poluidoras. O plano visava reduzir em 10% a densidade

do PM 2.5 nas principais cidades até 2017 (NAKANO; YANG, 2014; FAN, 2013).

Após esse Plano de 2013, os anos seguintes seguem com uma série de

novos planos, regulações, significando uma ampliação do projeto nacional de melhoria

da qualidade ambiental, preservando os recursos naturais, desenvolvendo novas

tecnologias, fundando um novo período das políticas ambientais chinesas. Pela

primeira vez a questão ambiental passou a ser tratada como política nacional central,

apesar de o 18º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, em novembro de

2012, já ter mencionado a necessidade de estabelecer e implementar o green

development, com investimento em inovação, reciclagem, numa economia de baixo

carbono (XIE; PAN, 2018).

O 13º Plano Quinquenal (2016-2020) apresenta claramente esse novo

momento histórico da China: a preocupação com a consolidação de uma civilização

ecológica, com crescimento econômico baseado na inovação e tecnologia, com

exportações de produtos com alto valor agregado. As tecnologias de baixo carbono

são reconhecidas como as tecnologias do futuro, e a China vislumbra se tornar a

potência mundial no desenvolvimento, fabricação e exportação dessas novas

tecnologias. É um novo motor de crescimento econômico que conjugado com as

políticas ambientais devem conduzir a China rumo à liderança global (BARBIERI;

FERREIRA, 2019).

Para alcançar os objetivos propostos pelo 13º Plano Quinquenal e de forma

a adequar a realidade chinesa aos padrões desejáveis, uma série de medidas

53 Em janeiro de 2013, pela primeira vez na história, Beijing registrou um índice de contaminação atmosférica por PM2.5 quase 50 vezes maior que o máximo aceitável pela Organização Mundial de Saúde, isto é, mais de 1000 PM2.5 por metro cúbico. A população, preocupada com a situação, passou atualizar o termo airpocalypse nas mídias sociais, difundindo as preocupações com o alto nível de partículas PM2.5 e PM10, que são conhecidas por causarem danos à saúde humana, levando ao aumento de doenças respiratórias e cardiovasculares, como cânceres, ataques cardíacos e derrames, além de provocarem grande número de mortes.

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passaram a ser implementadas após 2015, e ainda que um curto período de tempo

tenho transcorrido desde então, algumas medidas já alcançaram resultados e outras

serão atingidas até 2020, período final do plano quinquenal vigente.

O Plano, que visa estabelecer a estratégia e o caminho para o

desenvolvimento da China, apresentou a necessidade de uma gestão vertical capaz

de se comprometer com a aplicação das leis ambientais e das metas vinculantes

estabelecidas no Plano:

No plano, a China compromete-se a reduzir em 18% as emissões de carbono por unidade do PIB dos níveis de 2015 até 2020 e uma redução de 15% na energia consumida por unidade do PIB a partir dos níveis de 2015 até 2020. Ele também se compromete a gerar 15% da energia primária proveniente de fontes não-fósseis e introduz uma nova e importante meta de manter o consumo de energia abaixo de 5 bilhões de toneladas equivalentes de carvão até 2020. Sublinhando como a qualidade do ar se tornou um grande impulsionador da política energética e climática, também promete uma redução de 25% nas partículas nocivas de PM 2.5 (GEALL, 2016, p.1, tradução minha).

Além dessas metas outras também foram determinadas (CHINA, 2015):

- Crescimento florestal: 21,66% a 23,04% de cobertura

- Terras aráveis estáveis em 124,3 milhões de hectares até 2020

- Garantir que a cobertura vegetal da pastagem atinja 56% até 2020

- Reduzir a área de terra usada para construção por unidade de PIB em

20% até 2020 em relação a 2015

- Garantir que a linha costeira natural não fique abaixo de 35% até 2020

Como parte das metas determinadas pelo Plano destaca-se o projeto de

reflorestamento, que mobilizou mais de 124 milhões de camponeses, conseguindo

expandir a cobertura vegetal em mais de 3%, acumulando mais de 1,3 bilhões de

metros cúbicos de vegetação. Tal aumento na área de floresta deve fixar em torno de

1 bilhão de toneladas de dióxido de carbono, contribuindo diretamente como resposta

às mudanças climáticas. O projeto de reflorestamento foi premiado durante a 16ª

Conferência de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, sendo reconhecido

como projeto modelo mundial, recebendo delegações de mais de 70 países, que

foram à China para aprender com a experiência chinesa. Tal projeto permitiu

significativo controle da desertificação (XIE; PAN, 2018).

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Figura 17: Projeto de reflorestamento no trajeto entre Shanghai e Beijing

Fonte: autoria própria (China, 2018).

O direcionamento estratégico da China, a partir do último plano quinquenal,

fortalece a necessidade de conjugar crescimento econômico com proteção ambiental,

alterando a postura política tanto interna quanto externamente. Se no cenário interno

as metas e medidas foram esclarecidas acima, resta identificar o papel

desempenhado pela China na COP 21 (21ª Conferência das Partes), quando foi

aprovado o Acordo de Paris54 e a China foi reconhecida como uma liderança na área

ambiental (SUN, 2016).

O período que antecedeu a COP21 já demonstrava que a China

intencionava assinar o Acordo e estava disposta a participar ativamente das

negociações. O posicionamento chinês manteve o que ela já defendia nas

conferências anteriores, que é o princípio de “responsabilidades comuns porém

54 O Acordo de Paris, aprovado em 2015, apresenta medidas de redução de emissão de gases de efeito estufa a partir de 2020, com objetivo de conter o aquecimento global abaixo de 2°C e promover o desenvolvimento sustentável.

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diferenciadas”, com a China defendendo a necessidade de países desenvolvidos

(representados pelos Estados Unidos) arcarem com cortes mais altos nas emissões,

enquanto os países em desenvolvimento (representados por China e Índia) se

comprometeriam a reduzir as emissões desde que não impactassem em seu

desenvolvimento econômico. Ademais a China posicionou-se firmemente a favor dos

amplos investimentos em tecnologia e financiamento de projetos pró melhoria do clima

vindos dos países desenvolvidos, que deveriam firmar parcerias com os países em

desenvolvimento (LI, 2016). A China assumiu o compromisso de reduzir suas

emissões de carbono entre 40% e 45% até 2020, um valor que corresponde a mais

de 50% do total emitido pelos países desenvolvidos, ou seja, seus esforços garantirão

uma melhoria global, reduzindo o impacto dos gases de efeito estufa.

Os delegados chineses deixaram claro o intuito da China em ser uma

liderança global na área climática, firmando acordos bilaterais com diversos países,

propondo metas voluntárias, além de anunciarem altíssimos investimentos em

tecnologia para geração de energia alternativa, sinalizando o domínio chinês na

produção de energia eólica e solar no mundo todo. Os acordos sul-sul e entre os

países do BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China), na área de mudanças

climáticas, devem propiciar investimento em novas tecnologias, mas também

investimentos em medidas de mitigação e adaptação.

Com o início do governo Trump, nos EUA, e o distanciamento dos EUA da

agenda climática global, a China conquista maior reconhecimento enquanto potência

apta a conduzir novas negociações internacionais, afinal o país está adotando

profundas mudanças em sua política interna, está alcançando os objetivos propostos

em relação à melhoria da qualidade do ar, substituição de fontes de energia,

demonstrando ao mundo que é possível incorporar uma série de medidas. A China

assume o protagonismo das discussões sobre adaptação, investimentos, tecnologia

e construção de capacidades, principalmente entre os países do sul global, já que

reconhece que esses países estão em etapas diferentes de desenvolvimento, ainda

lidando com problemas como erradicação da pobreza, ao mesmo tempo em que

precisam se engajar na proteção ambiental e climática (SANDALOW, 2018).

Os esforços climáticos e ambientais empenhados pelo governo chinês são

notáveis, entretanto, a população chinesa ainda não está plenamente envolvida com

essas políticas e falta maior conhecimento sobre o assunto. É improvável que apenas

a política top-down seja capaz de solucionar os problemas climáticos e ambientais da

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China. É indispensável a participação da sociedade civil no processo, ao contribuir

com recursos, experiência, legitimidade, desempenhando uma governança conjunta

(LIU; WANG, WU, 2017).

A governança conjunta também deve atuar nos diversos níveis, pois,

principalmente com relação às mudanças climáticas, há uma tendência em estruturar

como uma questão global e transnacional, entretanto há uma série de ações que

devem ocorrer no nível local, com engajamento dos políticos locais e da comunidade.

Esse é um dos maiores desafios para a política chinesa: melhorar a implementação

da política no nível local, que muitas vezes ainda privilegia o crescimento econômico

em detrimento das políticas de proteção ambiental.

O papel do Estado como condutor das políticas climáticas e ambientais é

inegável, porém, um maior envolvimento dos cidadãos garantirá o cumprimento das

políticas e o alcance das metas, que estão cada vez mais ambiciosas. O

desenvolvimento de uma economia de baixo carbono necessariamente implica em

mudança nos hábitos de consumo dos indivíduos, o que requer maior envolvimento

desses indivíduos com a política e governança. Sem o engajamento popular, sem a

participação de empresas, aumentam as chances de contestação interna e

questionamento de legitimidade do poder, ameaçando o cumprimento das metas

elaboradas pelo governo central (BERNAUER et al., 2016).

Retomando a noção de ambientalismo autoritário apresentado no capítulo

3, cabe destacar que numa governança climática global a atuação baseada apenas

no Estado e em sua autoridade não são suficientes nem efetivas, afinal transcende o

sistema nacional e tal ambientalismo autoritário não é passível de implementação em

uma arena transnacional, tornando fundamental a incorporação de outros atores

capazes de negociarem, formularem e implementarem políticas nos diversos níveis

da governança (DELMAN, 2011).

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Considerações Finais

A presente tese buscou reconhecer o desenvolvimento histórico do

ambientalismo chinês, identificando as atuações do Estado, mas também da

sociedade civil, das ONGs e de alguns outros atores sociais envolvidos com a

problemática ambiental. De maneira inédita, no nível nacional, a pesquisa suscita o

debate acerca do desenvolvimento da sociedade civil chinesa, ainda que por meio da

análise ambiental. A compreensão dos modos de atuação das organizações, as

respostas governamentais e a contextualização da problemática ambiental chinesa

foram objetivos alcançados ao longo da tese, contribuindo para as discussões e

produções científicas realizadas pelo LABGEC e pelo grupo Brasil-China da Unicamp

ao longo dos últimos anos.

Analisar a China e captar suas diversas nuances é fundamental para a

reflexão sobre cosmopolitismo, mas também sobre a modernização reflexiva na qual

estamos inseridos, que se manifesta de maneira completamente diferente da

experiência europeia e norte-americana, e portanto, a China, enquanto parte do

chamado Sul Global é tema imprescindível para todos aqueles que visam entender

melhor a sociedade contemporânea, encontrando no gigante asiático um laboratório

vivo, apto a mostrar ao observador atento aquilo que chamamos de modernização

comprimida, com enormes transformações em curto espaço de tempo, somada à

coexistência entre tradição, primeira modernidade e segunda modernidade. Captar

essas transformações ocorridas na China significa repensar a reflexividade a partir da

epistemologia que vem do Sul Global.

Ao caminhar pela China nos deparamos, a todo momento, com elementos

da tradição em convívio intenso com a modernidade. Nesse sentido, não podemos

dizer que a tradição e filosofias tradicionais, como o confucionismo, foram

exterminadas da sociedade chinesa pelo cosmopolitismo e globalização, porém elas

sobrevivem, se adaptando, se recriando, com presença marcante na relação familiar,

mas também influenciando outras relações sociais, a partir da valorização

comunitária. Como exemplo, a população chinesa continua confiando no papel do

Estado em executar adequadamente suas ações e garantir uma boa vida para os

cidadãos, e isto influencia diretamente na realização de protestos, que intentam

reforçar o pedido de ajuda aos governantes. O ideal de harmonia e equilíbrio continua

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sendo uma busca constante pelo governo chinês, que recebe o apoio da população.

Sem dúvida, há uma relação tensa entre os anseios da modernidade e o aconchego

da tradição, mas ambas coexistem com intensidade na China contemporânea.

Encontramos, então, na China, uma entre tantas modernidades possíveis.

Figura 18 A;B: O tradicional e o moderno na China atual

Fonte: autoria própria (Shanghai, 2018).

E é nesse cenário de intensas transformações e reformulações dos

padrões de vida da população, que a questão ambiental se torna um problema, capaz

de provocar o desespero entre os cidadãos e governantes, em virtude das péssimas

condições ambientais, que ameaçavam a sobrevivência humana com padrões

mínimos de qualidade de vida. A esperança surge mais recentemente, a partir das

mudanças nas políticas ambientais, mas também na ação individual e coletiva, que

mostram ser possível contornar tantos problemas ambientais, buscando reestabelecer

o equilíbrio entre homem e natureza, propiciando melhoria nos índices de poluição

atmosférica, redução no volume de emissões.

A pesquisa desenvolveu-se a partir de extensa revisão bibliográfica,

levantamento de dados qualitativos e quantitativos, além de visita à campo afim de

captar dinâmicas de mobilização e estruturas de organizações. O acesso a

legislações, relatórios de ONGs, pesquisas de campo realizadas por diversos

pesquisadores, artigos científicos, livros, notícias de jornais, foram instrumentos

fundamentais para a compreensão da problemática que essa tese buscou apresentar.

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As três fases das ONGs ambientais

A análise do desenvolvimento das ONGs ambientais a partir da década de

1990, apresentada nos capítulos 2, 3 e 4, permite sugerir a existência de três fases

distintas com relação a atuação dessas organizações (figura 19 abaixo). A primeira

fase compreende o período de 1994 a 2002; a segunda fase de 2002 a 2015; e a

terceira fase, a partir de 2015, período não analisado pela presente pesquisa, mas

que demanda pesquisas futuras em virtude de importantes desdobramentos possíveis

desse momento mais recente do ambientalismo chinês.

Figura 19: Fases de atuação das ONGs ambientais chinesas

Fonte: desenvolvimento da autora

Primeira fase

Apresentada ao longo do capítulo 2, a primeira fase das ONGs ambientais

chinesas inicia-se com a fundação da Saunders’Gull Conservation Society of Panjin

City em 1991, seguida pelo surgimento de outras organizações ambientais ao longo

da década de 1990. As ONGs que surgem nesse primeiro momento possuem uma

estreita conexão com o governo chinês, atuando principalmente na área de educação

ambiental. O caso das GONGOs é extremamente significativo pois representam muito

bem o surgimento da sociedade civil no âmago do Estado chinês, conforme

argumenta Michael Frolic (1996), e que vai conquistando maiores liberdades para

atuação, definição de projetos, busca por financiamento, e acabam influenciando o

surgimento de ONGs mais distantes da esfera governamental. É interessante

observar que as GONGOs, em virtude da aproximação com o governo, possuem uma

1a Fase

1991 - 2002

•surgimento das ONGs ambientais

2a fase

2002 - 2015

•Lei de Avaliação do Impacto Ambiental

3a fase

2015 em diante

•Revisão da Legislação Ambiental

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maior facilidade para a ação, e muitas vezes se utilizam disso para auxiliarem ONGs

populares, locais, que ainda estavam aprendendo a sobreviver em um ambiente tão

difícil quanto o chinês, com enormes burocracias e controles estatais.

As ONGs claramente adotam postura não-confrontacional, não se opondo

ao Estado nem questionando as políticas públicas. A atuação das organizações é

restrita, afinal era difícil influenciar as políticas locais, que ainda estavam preocupadas

com o crescimento econômico, ignorando a dimensão ambiental e a necessidade de

implementar as políticas ambientais no nível local. A ação das organizações, na visão

de Peter Ho (2001), era baseada em delicadeza e suavidade, no sentido de evitar

embates políticos e contestação da ação governamental.

Há a formação de alianças entre ONGs internacionais, ONGs locais e

GONGOs, que juntas passam a atuar em grandes cidades, mobilizando

principalmente os jovens universitários, a partir de programas de reciclagem, descarte

adequado de resíduos, estimulando o ensino de educação ambiental nas escolas

primárias e secundárias.

Compartilho da visão de Matsuzawa (2012) que afirma:

Eu argumento que, embora o ativismo cidadão na China esteja sujeito a restrições mais rigorosas do que as encontradas em contextos democráticos, o ativismo ambiental na China conquistou legitimidade e forneceu aos cidadãos oportunidades de se tornarem agentes de mudança social. Os cidadãos chineses se tornaram engajados, aproveitando do desejo do Estado de impor regulamentos ambientais em nível local; desenvolvendo alianças com funcionários chineses, bem como, em alguns casos, com atores transnacionais; usando tecnologia comunicativa para organizar seu descontentamento ambiental; e exercendo seus direitos como cidadãos (MATSUZAWA, 2012, p. 84, tradução minha).

Conforme enunciado na apresentação da tese, uma reflexão fundamental

a ser feita dizia respeito à possibilidade e modos de atuação das ONGs e da sociedade

civil perante a problemática ambiental, e os capítulos 2, 3 e 4 buscaram apresentar

diversas ações e mobilizações que conseguiram, de alguma maneira, despertar a

preocupação com a situação ambiental, influenciando nas decisões governamentais

e no comportamento dos indivíduos.

Durante a primeira fase do ambientalismo, o Estado era o ator principal em

relação à problemática ambiental, conduzindo isoladamente as políticas ambientais,

num claro ambientalismo autoritário, termo utilizado por autores como Bruce Gilley e

Mark Beeson. Apesar disso, o surgimento e desenvolvimento das ONGs ambientais

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244

demonstra que foi criado algum espaço para ação, que se consolidará a partir da

segunda fase do ambientalismo chinês.

Segunda fase

A segunda fase de atuação das ONGs ambientalistas chinesas inicia-se em

2002, com a promulgação da Lei de Avaliação do Impacto Ambiental, que reconheceu

a necessidade de participação popular na avaliação dos grandes projetos. Mais do

que isso, a Lei de 2002 reconheceu o papel que a sociedade civil e as ONGs podem

desempenhar na resolução da problemática ambiental.

Durante a segunda fase, que vai até 2015, há um crescimento exponencial

no número de ONGs, que se diversificam em relação às temáticas, modos de atuação,

surgindo em novas localidades, mais distantes do centro político (Beijing). Ao mesmo

tempo há forte crescimento no número de protestos, fruto de maior mobilização da

sociedade civil.

A temática referente às mudanças climáticas marca um avanço no

desenvolvimento do ambientalismo chinês, graças à incorporação de uma temática

global, que extrapola as fronteiras políticas. Ainda que de maneira embrionária, o

ambientalismo passa a vivenciar dinâmicas de cosmopolitização, em que o local e o

global se tornam interconectados, com novos problemas ecológicos, com a sociedade

civil extravasando para além do Estado-nação, iniciando relações transnacionais, de

maneira a lidar com os novos riscos que surgem globalmente. As mudanças climáticas

trazem a possibilidade de uma nova relação entre atores sociais locais vinculados de

maneira transnacional, afinal os problemas globais passam a fazer parte da vida

cotidiana, e o enfrentamento só acontece a partir da conexão entre indivíduos tão

distantes e diferentes, mas que se veem conectados por meio de novas dinâmicas

sociais construídas para responder aos novos problemas da modernidade reflexiva

(BECK, 2018).

É durante a segunda fase do desenvolvimento do ambientalismo chinês

que é possível reconhecer alguns indícios de formação de um movimento

ambientalista. A teoria dos movimentos sociais que melhor parece captar as

dinâmicas do ambientalismo chinês é a Teoria do Processo Político, que vincula o

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245

surgimento dos movimentos sociais às oportunidades políticas, que criam espaços

para a mobilização de grupos sociais.

Isso pode ocorrer de três maneiras. Primeiro, pelo aumento de permeabilidade das instituições políticas e administrativas às reivindicações da sociedade civil, provocadas por crises na coalização política no poder. Segundo, por mudanças no estilo de interações políticas entre o Estado e os movimentos sociais, especialmente a redução da repressão a mobilizações. Terceiro, pela presença de aliados potenciais, como movimentos sociais, partidos políticos, mídia e elites dissidentes. Tais fatores aumentam as possibilidades de os grupos sociais insatisfeitos expressarem suas demandas na arena pública (ALONSO; COSTA; MACIEL, 2007, p. 153).

O aumento do envolvimento dos cidadãos com o ambientalismo decorre

tanto da intensificação dos problemas ambientais do país quanto em virtude da

aprovação de leis que conferem alguma autonomia às ONGs ambientais e estimulam

a participação popular. Por diversas vezes funcionários do governo elogiaram a

atuação dos grupos ambientalistas, fortalecendo a ação e conferindo legitimidade às

organizações.

De maneira geral, o movimento negocia com o governo ao invés de assumir

um caráter contencioso e por isso a Teoria do Processo Político é a que melhor capta

o movimento chinês, sendo possível reconhecer diferentes graus de acesso político

formal, que permitem a ação coletiva por meio de posturas estratégicas do movimento

em relação ao aparato político (TARROW, 1994).

O movimento ambientalista, em sua fase inicial, vislumbra ações coletivas

capazes de fomentarem coalizações, alianças e acordos, muito mais do que estimular

disputas e antagonismos. Essa característica é um importante marco que diferencia o

movimento chinês de seus semelhantes ocidentais, que, de maneira geral, agem por

meio de ação coletiva confrontacional.

Os protestos, que se intensificam ao longo dos anos 2000, são organizados

por indivíduos autônomos, sem a interferência das ONGs, pois, conforme visto no

capítulo 3, a participação em protestos é uma ação politicamente sensível e poderia

prejudicar a sobrevivência das ONGs ambientais, que agem apenas dentro do espaço

delimitado pelo governo, ainda que as ações das organizações estejam

constantemente aumentando o espaço de ação por meio de pressão e reivindicação.

Nessa fase inicial do movimento chinês há uma fraca identidade capaz de

mobilizar todos os grupos e indivíduos envolvidos, afinal, a atuação descentralizada

dos grupos, decorrentes de restrições governamentais, dificulta essa identidade única

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246

que permearia a ação coletiva em toda esfera nacional. Ao invés disso, é possível

reconhecer a constituição de redes, estimuladas por agendas temáticas comuns ou

localidade compartilhada.

Ao que tudo indica, o movimento ambientalista chinês está mais

preocupado com a ação prática do que com reflexões político-filosóficas e posições

políticas. O debate acerca da inserção da China na cadeia produtiva global e as

consequências ambientais, por exemplo, é uma temática pouco explorada, enquanto

as ações práticas para evitar o desperdício de água e energia, as lições de educação

ambiental, a separação do lixo, são temas de forte atuação entre as organizações e a

sociedade civil.

A experiência chinesa não possui todas as características dos movimentos

sociais ocidentais, entretanto, compreendendo o histórico político, econômico e social,

é possível afirmar que há na China um movimento ambientalista em expansão, com

uma curta história, porém com atuações expressivas em diversas campanhas,

conseguindo influenciar de alguma forma a política ambiental, e, mais importante, tem

conseguido pressionar o governo ao mostrar que há milhares de chineses

preocupados com a situação ambiental do país e atentos às ações governamentais.

Em virtude da presença de características distintas da experiência ocidental

dos movimentos ambientalistas, ao longo da tese a nomenclatura mais utilizada foi

ambientalismo, por entender que ao nomear um fenômeno com o mesmo nome de

outro fenômeno semelhante, corre-se o risco de provocar interpretações incorretas

daquilo que efetivamente se desenvolve na China, não reconhecendo a existência de

pontos fundamentais distintos, como o caráter não-confrontacional, ausência de

identidade única e proximidade ao governo. É preciso evitar o eurocentrismo que falha

em reconhecer a multiplicidade de contextos históricos ao buscar identificar sempre

os mesmos padrões e formas de práticas políticas, organizações da vida social e

estruturas econômicas.

Ao usarmos o termo ambientalismo estamos buscando identificar aquilo

que José Augusto Pádua (2010) chama de “construção da sensibilidade ecológica no

universo da modernidade” (PÁDUA, 2010, p. 84), fenômeno que vai além dos

movimentos sociais e do envolvimento da sociedade civil, afinal perpassa as várias

instâncias sociais, com envolvimento de múltiplos atores, num movimento mais amplo

e complexo. “O ambientalismo implica em uma ação atrelada à militância da

sociedade como nas ONG’s [...], às atitudes de mudanças comportamentais dos

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247

indivíduos, às políticas de Estado ou àquelas incorporadas pelo setor produtivo”

(CAIRES DE BRITO, 2013, p. 44).

Terceira fase

Apesar de não ter sido abordada pela presente pesquisa, é importante

destacar alguns acontecimentos recentes que têm relação direta com o

desenvolvimento do ambientalismo chinês.

O principal fato que marca o início da terceira fase do ambientalismo chinês

é a promulgação da nova revisão da legislação ambiental chinesa. Com as alterações

sofridas na Lei de Proteção Ambiental, que entrou em vigor em 01 de janeiro de 2015,

o governo espera conseguir controlar melhor os níveis de poluição, principalmente ao

cercear as empresas, de forma a tornar mais efetiva a fiscalização e a imposição de

multas aos infratores.

Destacamos cinco pontos fundamentais da nova Lei de Proteção

Ambiental: (I) maior responsabilização dos poluidores; (II) aumento da

responsabilidade dos órgãos oficiais; (III) maior divulgação de informações sobre

monitoramento ambiental, qualidade ambiental, taxas de poluentes; (IV) ações

judiciais de interesse público, impetradas por organizações não governamentais; (V)

proteção ao denunciante (FALK; WEE, 2015).

Tal atualização na legislação busca aumentar a aplicabilidade das leis e

fortalecer o controle ambiental. Uma maior responsabilização dos poluidores (I) é

ponto fundamental, pois a legislação de 1989 estabelecia multas e punições que eram

financeiramente mais baixas do que os valores necessários para adequar as

empresas à legislação. Agora, além do aumento das multas os responsáveis são

passíveis de prisão, e para serem aprovadas novas construções e novas empresas é

preciso a apresentação pública de relatórios de impactos ambientais (III). A nova lei

também estabelece que qualquer violação à legislação pode vir a se tornar pública,

não mais transcorrendo o processo em segredo de justiça. Tal fato pode prejudicar a

reputação da empresa no mercado (BARBIERI, 2018).

Para se cumprir essas novas regras foi delegada uma maior

responsabilidade aos órgãos oficiais responsáveis pelas fiscalizações (II), prevendo

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punição aos casos de corrupção, abertura de processo crime contra os funcionários

do governo que não cumprirem a lei, além de alterar o sistema de avaliação desses

servidores, que devem se atentar para alcançar os resultados ambientais, ao lado dos

resultados econômicos, até então os únicos almejados.

A revisão de 2015 almeja maior participação dos governos locais na

aplicação da lei. Segundo Wang Canfa (2017), “sistema de gestão ambiental

direcionado está sendo progressiva e efetivamente implementado, enquanto a

divulgação de informações ambientais nas províncias e cidades também melhorou”

(CANFA, 2017, p.2, tradução minha).

Entre tantas alterações implementadas a partir de 2015, uma alteração

fundamental da nova lei passa a ser a legalização e incentivo às denúncias e aberturas

de processos ambientais pelas organizações não governamentais. Tal mudança é um

grande avanço na legislação chinesa, afinal, até então era praticamente impossível a

denúncia de crimes ambientais pela população ou mesmo pelas organizações, pois

não havia nada na legislação que expusesse tal possibilidade. O artigo 58 da nova

legislação tenta amenizar essa dificuldade, ao possibilitar que ONGs deem entrada

em processos e denúncias de poluição ou de conduta ambientalmente irregular

(CHUN, 2015).

Artigo 58. Para atividades que causam poluição ambiental, danos ecológicos, danos ao interesse público, as organizações sociais que atendem às seguintes condições podem arquivar litígios nos tribunais populares: (1) Ter seu registro nos departamentos de assuntos civis do governo, no nível municipal ou superior, como nos subdistritos, de acordo com a lei; (2) ser especializado em atividades de interesse público de proteção ambiental por cinco anos consecutivos ou mais, e não ter registros de violação da lei. Os tribunais deverão aceitar os litígios apresentados por organizações sociais que atendam aos critérios acima. As organizações sociais que iniciam o litígio não buscarão benefícios econômicos com o litígio (CHINA, 2014, p.13, tradução minha).

A legislação estabelece que para ter direito à abertura do processo a ONG

precisa estar devidamente registrada nos órgãos oficiais e deve ter uma atuação

ambiental há mais de cinco anos. Calcula-se que em torno de 300 ONGs atendam a

essas determinações (KING; WOOD, 2014). Esse já é um limite à atuação das ONGs,

afinal, num país com dimensões continentais e com população de mais de 1,4 bilhão

de pessoas, 300 ONGs é um número ainda muito baixo. Outros desafios são grandes:

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249

falta maior clareza, tanto para as autoridades quanto para as ONGs, dos caminhos a

serem percorridos para se fazer valer esse direito; os custos com os processos são

altíssimos; é preciso maior conscientização (na esfera da sociedade civil e nos órgãos

oficias) do papel que essas organizações têm no controle da poluição.

O primeiro caso de sucesso vinculado à essa revisão da legislação foi

registrado na província de Fujian, onde um processo foi aberto por ONGs,

denunciando uma empresa de mineração da cidade de Nanping. Tal empresa extraía

pedras ilegalmente e despejou resíduos tóxicos entre 2008 e 2011. Por meio da ação

movida pelas ONGs Friends of Nature e pela Fujian Green Home Environmental

Friendly Center a empresa foi condenada por danos ambientais, destruição de

floresta, poluição do solo e da água. Três responsáveis foram presos. A empresa foi

obrigada a remover os equipamentos do local e a restaurar a floresta. A multa aplicada

foi de US$ 230.000 (CHUN, 2015).

Tal sucesso e atuação dos tribunais abrem precedentes para novas ações

no futuro. Tal caso é emblemático, afinal, partiu de um processo impetrado por ONGs

e obteve bons resultados, ao se punir os responsáveis, aplicar multas e exigir o

restauro ambiental.

A revisão da legislação ambiental chinesa expressa os esforços

governamentais para lidar com a questão. Com o reconhecimento da necessidade de

se conjugar as preocupações ambientais com o crescimento econômico, tal revisão

supre lacunas importantes que se encontravam deficitárias quando da promulgação

em 1989.

Os impactos para o país devem ser analisados com o decorrer dos anos,

mas análises objetivas da legislação indicam que o principal deve ser alcançado: um

fortalecimento da posição do Estado, com punições mais rígidas, preocupação com a

restauração do meio ambiente degradado, conscientização da população a partir de

divulgação de dados e análises, além da parceria firmada com as ONGs, que deve

possibilitar uma maior fiscalização e maior número de denúncias.

A legislação inova ao incorporar as ONGs como aliadas nessa mudança de

postura que o país necessita, e demonstra que a revisão na legislação não foi mero

esforço retórico. As consequências serão analisadas com o decorrer dos anos, com

as decisões judiciais, as fiscalizações rigorosas, que deverão corroborar para um

futuro com forte apelo ambiental, em que a preservação e o correto uso dos recursos

naturais estejam incorporados na dinâmica social, política e econômica.

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Nessa conjuntura, as ONGs expandem sua influência na dinâmica

governamental e deve conseguir cada vez mais espaço para expressar suas

reivindicações e preocupações, atuando numa esfera intermediária entre sociedade

civil e Estado. Efetivamente a China começa a caminhar rumo à governança

multiatores, na qual atores públicos e privados se engajam conjuntamente na

resolução dos problemas sociais.

As ONGs ambientalistas, que surgiram no início da década de 1990

finalmente conquistam algum espaço para atuação política, auxiliando a

implementação das políticas ambientais num momento crucial, em que o Governo

chinês depende de profundas mudanças que visem a sustentabilidade, caso contrário,

a problemática ambiental e o acirramento da poluição enquanto uma questão de

saúde pública poderão levar à instabilidades políticas e insatisfação popular com o

comando político do país.

Os primeiros resultados divulgados, referente à atuação das ONGs em

conformidade com a nova legislação, mostram que houve, em 2016, 133.000 casos

impetrados nos tribunais nacionais, número muito superior ao de 2014, que teve

apenas 3.331 casos levados aos tribunais por meio de denúncias civis (CANFA,

2017).

Outro fato recente, e mencionado no final do capítulo 4, é a participação da

China em uma governança ambiental global, principalmente a partir do Acordo de

Paris, de 2015. Tal fato fortalece as preocupações ambientais do país, e pressiona

para uma melhor incorporação de novos atores sociais na governança ambiental.

Entretanto, uma lei de 2017 trouxe novos obstáculos à ação das ONGs.

Em 1º de janeiro de 2017 entrou em vigor uma nova lei que obrigou todas

as ONGs internacionais a obterem aprovação das autoridades chinesas antes de

operarem no país. Além disso, o Departamento de Administração de ONGs

estrangeiras elaborou um catálogo contendo as áreas e atividades que as ONGs

estarão autorizadas a atuar. De imediato centenas de ONGs internacionais perderam

a autorização para funcionamento em território chinês, o que dificulta a inserção das

ONGs chinesas em redes transnacionais e a participação em Conferências

internacionais. Não apenas as ONGs ambientais foram atingidas, pois a lei atingiu

todos as ONGs internacionais que atuavam na China. É preciso futuras investigações

para melhor compreender os impactos dessa lei e se ela efetivamente alterou o

desenvolvimento do movimento ambientalista chinês, que sempre contou com a

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presença de dezenas de ONGs internacionais, que desempenhavam importante papel

ao conseguir financiamento, divulgar conhecimentos técnicos e organizacionais, além

de levarem à China um know-how adquirido a partir da presença dessas organizações

em outros países.

Outras mudanças recentes também devem impactar o desenvolvimento do

ambientalismo, da preocupação ambiental, resultando em melhorias ambientais e

redução dos danos aos recursos naturais. Entre essas mudanças destacamos o novo

sistema de crédito social, que avalia os indivíduos, empresas, organizações sociais e

órgãos governamentais, a partir de critérios de confiabilidade, criando um sistema de

benefícios e sanções. Entre tantos setores da vida social afetados pelo novo sistema,

a área ambiental deve conquistar melhorias, afinal, a partir do estabelecimento de

benefícios e sanções, os agentes envolvidos com o crédito social devem aumentar a

preocupação ambiental e adotar atitudes pró-ambientais, como maneira de conquistar

maior pontuação no sistema. O sistema, apesar de receber críticas por possivelmente

violar a privacidade dos indivíduos e afetar a liberdade política, tem tido uma alta

aceitação entre os chineses, principalmente entre a elite urbana, que veem o sistema

como uma maneira de melhorar a qualidade de vida e garantir que os indivíduos

cumpram as leis em seu dia-a-dia (KOSTKA, 2019).

Outros mecanismos recentes referem-se ao PIB verde e a cobrança de

imposto. A ideia do PIB verde é criar um índice que vá além dos parâmetros

econômicos de produção de riqueza, contabilizando também os custos ambientais na

produção de mercadorias e serviços, isto é, a partir de variáveis, tais como eficiência

energética, emissões de GEE, qualidade do ar, renda per capta, investimento em

inovação e tecnologia, as cidades e regiões são avaliadas. Dito de outro modo,

pretende-se monetizar os custos com a perda da biodiversidade, com a degradação

ambiental, com os impactos às mudanças climáticas. No cálculo do PIB verde leva-se

em conta as consequências ambientais do crescimento econômico, estimulando a

preocupação ambiental e a redução da degradação (SUNG, 2017; BARBIERI;

FERREIRA, 2019).

Já a cobrança de imposto foi instituída em 1º de janeiro de 2018, a partir da

Lei de Imposto Ambiental, que visa redução das emissões e melhoria da qualidade

ambiental. Foi o primeiro imposto voltado para a proteção ambiental e visa taxar as

empresas pela descarga de poluentes no ambiente, pela produção de barulho e pelos

resíduos sólidos gerados. O princípio da lei é: quem emite mais, paga mais imposto.

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O intuito do governo é que a partir dessa cobrança as empresas passem a investir em

plantas produtivas com menor impacto ambiental. Já os impostos pagos devem

auxiliar no restauro ambiental, na implementação de programas ambientais que visem

a recuperação da natureza, contendo os danos provocados pelas empresas (CRI,

2018).

Transição ao ambientalismo democrático?

Conforme já indicado desde o início da tese, uma reflexão que já me

instigava mesmo antes de executar a presente pesquisa, era sobre o caráter do

ambientalismo chinês e a condução da temática ambiental pelos diversos atores

sociais.

Nos capítulos 2 e 3 introduzi a problemática acerca da existência de um

ambientalismo autoritário até a década de 2000, com uma transição rumo a um

ambientalismo democrático a partir de então. Tal discussão remete diretamente às

ideias de Mark Beeson (2010; 2016; 2017) e Bruce Gilley (2012), que buscam

identificar as características desses dois tipos de ambientalismo.

Figura 20: Ambientalismo autoritário versus Ambientalismo democrático

Fonte: adaptado de GILLEY (2012).

Ambientalismo autoritário Ambientalismo democrático

- Limites à liberdade individual e à participação pública na elaboração de políticas - Política formulada por “ecoelites” conduzidas por tecnocratas - Exclusão de ONGs e outros atores na elaboração de políticas - Formulação centralizada e implementação descentralizada - Importante liderança política

- Poucos limites às liberdades sociais, civis e políticas - Políticas criadas de maneira inclusiva, com discursos multiatores - Diversos stakeholders – ONGs, mídia, Mercado, especialistas, políticos - Formulação e implementação descentralizada - Importante haver consenso entre os stakeholders

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Tais noções visam reconhecer a maneira como o ambientalismo chinês se

desenvolve. Em um primeiro momento o Estado era o único ator na condução do

ambientalismo, ficando responsável por todas as etapas de reconhecimento dos

problemas, elaboração de leis, implementação, acompanhamento, fiscalização.

Nenhum outro ator social tinha possibilidade de participar do processo de governança

ambiental.

Ao longo da tese foi possível vislumbrar a incorporação de novos atores

sociais no ambientalismo chinês, entretanto, é fundamental reconhecer que o governo

continua sendo o ator principal e responsável por conduzir a problemática. Ainda que

novos atores sejam reconhecidos como parceiros, como as ONGs, os cientistas, a

mídia, as corporações, o papel central ainda é ocupado pelo Estado.

Nesse sentido é possível reconhecer que a China se encontra em um

processo de transição a um ambientalismo democrático, entretanto, sugiro fortemente

a alteração da nomenclatura (ambientalismo autoritário e ambientalismo democrático)

por dois motivos principais: o debate sobre autoritarismo/democracia e a necessária

diferenciação do processo político.

O debate sobre autoritarismo como maneira de definir o sistema político

chinês está presente em diversos autores, afinal, o que existe na China é um complexo

sistema político, com eleições democráticas no nível local, com existência de outros

partidos além do Partido Comunista, funcionando, muitas vezes como uma

“democracia consultiva” através da realização da Conferência Consultiva Política do

Povo Chinês (CCPPC). A discussão sobre autoritarismo e democracia é um tema

histórico nos debates sobre a China, e ainda se mantém polêmico, por isso é preciso

delicadeza na abordagem do tema.

Ao olharmos para a China através de uma perspectiva dos próprios

chineses entendemos que não é adequada a utilização do termo autoritarismo, e mais

do que isso, por parte de uma parcela significativa da população chinesa não há uma

percepção negativa acerca do sistema político chinês, que afinal, é visto hoje como

um dos grandes responsáveis pelo sucesso econômico e recente desenvolvimento da

China.

O que conferiu maior legitimidade ao governo centralizador foi o sucesso

obtido em termos de crescimento econômico e melhoria dos padrões de vida nas

últimas décadas. Com isso, em certa medida, os chineses estão mais preocupados

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com conquistar benefícios econômicos e poder de compra do que em lutar por

liberdades típicas do capitalismo liberal e da experiência ocidental. Isso também está

diretamente ligado à história da China, com presença de um Estado forte, que sempre

foi visto como o responsável pelo bem-estar da comunidade. O desenvolvimento

recente do Estado chinês mostra que ele tem se esforçado em atender os diversos

anseios da população, mas sem alterar o sistema político vigente. Essa perspectiva

aplicada à atualidade permite captar que os anseios individuais existentes na China

estão distantes daqueles que pairam sobre os europeus e americanos.

Decorrente dessa reflexão, sugiro a adoção dos termos ambientalismo

centralizado e ambientalismo participativo, que melhor expressam o desenvolvimento

do ambientalismo chinês, isto é, recentemente, houve o início da transição para um

ambientalismo participativo, com a presença de outros atores sociais. Não significa

que tal ambientalismo seja democrático, como a terminologia proposta por Bruce

Gilley poderia sugerir, afinal os atores não possuem os mesmos direitos, capacidades

e poderes. O governo continua ocupando um papel central, porém outros atores

conquistam algum espaço de atuação.

A mudança na nomenclatura também é importante para se evitar a ideia de

que a China esteja caminhando para um sistema político democrático nos moldes das

experiências ocidentais. Quando o termo ambientalismo democrático é utilizado, ele

não faz qualquer menção ao campo político, referindo-se apenas à questão da

condução da governança ambiental, apesar de alguns autores questionarem se a

preocupação ambiental teria força suficiente para abalar a legitimidade do governo

chinês e do Partido Comunista Chinês, estimulando uma mudança no sistema de

governo do país.

Reconhecer a existência de uma transição rumo a um ambientalismo

participativo significa captar as dinâmicas recentes que tem ocorrido na China, ainda

que esteja longe de concretizar a participação plena de todos os indivíduos na

condução das políticas ambientais e climáticas. Ao longo da tese foi possível elencar

alguns elementos que sinalizam essa transição, e que nos permitem identificar que

mudanças estão ocorrendo, criando terreno fértil para maior participação das ONGs e

da sociedade civil em área tão fundamental quando a ambiental.

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China rumo à governança multiatores e multiníveis

A década de 2010 trouxe novas oportunidades para o desenvolvimento de

uma governança ambiental multiatores e multiníveis. A governança multinível, no caso

chinês, encontrava sérias dificuldades de efetivação em virtude da autonomia dos

governos locais, fruto do processo de descentralização vivenciado pela China desde

a década de 1990, mas que era utilizada para favorecer o crescimento econômico em

detrimento da proteção ambiental, enfraquecendo a efetivação da legislação

ambiental.

A efetividade de uma governança multinível demanda autonomia para a

ação nas diversas esferas, porém é preciso que a política bottom-up encontre espaços

para diálogo entre os diversos níveis envolvidos, a fim de promover cooperação e

planejamento em prol do enfrentamento dos problemas ambientais, que demandam

uma resposta coletiva. No caso das mudanças climáticas, a implementação de uma

governança multinível é ainda mais problemática em virtude da necessidade de

envolvimento transnacional/global, e a China, assim como outros países, ainda está

desenvolvendo arranjos institucionais que possibilitem a intermediação entre os

diversos níveis de forma mais efetiva. Ainda falta o desenvolvimento de instrumentos

aptos a promoverem a produção e a distribuição de conhecimentos e técnicos entre

os diversos níveis da governança, permitindo um diálogo mais efetivo entre as

instâncias de poder de diversos níveis e a sociedade, com seus diversos atores

sociais.

O fortalecimento da sociedade civil, da mídia, dos cientistas, das

corporações, influencia diretamente na possibilidade de desenvolvimento de uma

governança multiatores, ou seja, a dinâmica política passa a ser influenciada pelos

diferentes atores, não mais pelo governo apenas.

A mobilização social desses atores é imprescindível para a agenda

ambiental, que só se beneficia com a participação dos cidadãos, entretanto ainda

persiste na China uma série de desafios a serem superados, principalmente aqueles

ligados à ausência de uma identidade nacional ligada ao ambientalismo e à

capacidade de ação coletiva que envolva boa parte da população. É fundamental que

os espaços da vida cotidiana dos cidadãos chineses sejam inundados por debates,

estímulos, e iniciativas voltadas para uma agenda de sustentabilidade e uma atenção

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maior aos problemas ambientais nacionais e globais, numa reflexão mais abrangente

sobre as causas e consequências das ações individuais em termos de consumo,

descarte, mobilidade, etc.

Para conseguir uma mobilização mais ampla, a ação das ONGs é

imprescindível, pois elas possuem maiores capacidades técnicas e conhecimentos

específicos para reconhecerem os danos ambientais e falhas na implementação da

legislação ambiental, e já desenvolvem alguma conexão com a sociedade

transnacional, facilitando o relacionamento com outras ONGs e instituições

internacionais.

O reconhecimento do papel das ONGs na nova legislação ambiental

chinesa, de 2015, mostra que por meio da via judicial é possível que as ONGs

desempenhem importante função ao garantir a aplicação das leis ambientais,

aumentando a fiscalização e apoiando as ações governamentais nessa área. Esse

avanço mostra claramente que, ainda que de modo parcial, a governança multiatores

tem obtido conquistas importantes, que permitem a articulação de atores em prol das

melhoras ambientais, com maior responsabilidade socioambiental por parte das

empresas, com mudanças nos hábitos de consumo dos indivíduos, e incorporação da

temática ambiental entre os planos futuros do governo chinês.

As mudanças climáticas demandam, cada vez mais, uma ação para além

do Estado, com envolvimento dos diferentes atores nos diversos níveis de

governança, em arranjos capazes de reconhecerem que o grande desafio das

mudanças climáticas deve ser enfrentando globalmente, por meio de processo

participativo, afinal, os recursos naturais são bens globais e o Antropoceno se

apresenta como um momento-chave no qual a política top-down e centralizada no

Estado não mais é capaz de lidar com os desafios presentes.

A partir dessa incapacidade do Estado que novos atores sociais saem

fortalecidos. O desenvolvimento de uma subpolítica híbrida, na visão de Beck, permite

que haja uma ação política não formal, isto é, sujeitos que não fazem parte do campo

político formal acabam se engajando e são capazes de propor mudanças institucionais

e individuais, influenciando a conduta política oficial. Temos a ascensão de uma

política reflexiva, capaz de moldar a sociedade de maneira bottom-up, a partir da

confrontação entre indivíduos e instituições (SÁ, 2010).

O cosmopolitismo metodológico nos auxilia no reconhecimento da

fragilidade das estruturas institucionais e dos arranjos políticos que buscam resolver

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hoje o problema ambiental, principalmente a questão das mudanças climáticas. Se a

percepção do risco ecológico foi capaz de mobilizar novos atores sociais em prol de

uma governança ambiental mais participativa, é esperado que os riscos

transnacionais consigam promover novas redes transnacionais e novos arranjos

governamentais capazes de lidar com esse enorme desafio colocado pelas mudanças

climáticas.

A potencialização dos novos riscos demanda uma nova forma de civilidade

e relação global, e a China tem feito esforços para se tornar uma potência numa nova

governança ambiental global, capaz de firmar acordos com diversos países, propor

metas voluntárias e altíssimos investimentos em tecnologia para geração de energia

alternativa, afirmando o domínio chinês na produção de energia eólica e solar.

Tal posicionamento da China propõe, na verdade, um novo padrão de

desenvolvimento, acompanhado por novas visões e estratégias, capaz de superar os

paradoxos da sociedade industrial, com a tecnologia se tornando uma aliada do

ambiente. A liderança global da China será fortalecida a partir de suas próprias ações,

com expressiva melhoria de seus índices de qualidade ambiental. Controlando suas

emissões, encontrando alternativas para o crescimento econômico, a China servirá

de exemplo para o restante do mundo, numa busca por caminhos onde homem e

natureza convivam em harmonia.

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